3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Centro de Estudos e Debates Estratégicos
(Audiência Pública Ordinária)
Em 19 de Outubro de 2021 (Terça-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Sras. e Srs. Parlamentares, caros colegas, Deputado Francisco Jr., nosso Relator, bom dia.
Hoje realizaremos uma audiência pública na qual iremos tratar do tema Crédito, Juros e Financiamento para a Recuperação e o Desenvolvimento.
Este tema foi proposto pelo Grupo de Estudos Retomada Econômica e Geração de Emprego e Renda Pós-Pandemia, relatado por mim e pelo Deputado Francisco Jr.
O estudo tem como objetivo principal definir o papel do Estado, da iniciativa privada e das organizações da sociedade civil nas estratégias e políticas de recuperação da economia e de geração de emprego e renda pós-pandemia.
Hoje teremos quatro palestrantes que irão contribuir com o nosso estudo. O primeiro é Paulo Nogueira Batista Junior, economista e ex-Diretor Executivo pelo Brasil e outros países do FMI em Washington e Vice-Presidente do Novo Banco de Desenvolvimento estabelecido pelo BRICS em Xangai. Anteriormente, foi Secretário Especial de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Assessor para Assuntos de Dívida Externa do Ministério da Fazenda. Chefiou o Centro de Estudos Monetários e de Economia Internacional da Fundação Getulio Vargas e foi pesquisador no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Foi professor pesquisador da Fundação Getulio Vargas em São Paulo. É autor dos livros Mito e realidade na dívida externa brasileira; Da crise internacional à moratória brasileira; A economia como ela é...; O Brasil e a economia internacional: recuperação e defesa da autonomia nacional; e O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS.
O segundo palestrante, Arthur Koblitz, é economista e possui graduação e doutorado em Economia pela UFRJ, trabalha na área de comércio exterior e ingressou no BNDES em 2008. Na AFBNDES, organizou o Ciclo Pensando o Desenvolvimento.
A terceira palestrante, Sra. Carmem Feijo, é professora titular da Universidade Federal Fluminense, possui graduação e mestrado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, possui doutorado em Economia pela Universidade Federal de Londres e pós-doutorado na Universidade Columbia. Em sua carreira acadêmica, Feijo desenvolve pesquisas com ênfase em macroeconomia pós-keynesiana, crescimento econômico, indústria, produtividade, contabilidade social, teoria da firma e estatísticas oficiais. Entre suas contribuições científicas, os seus livros de contabilidade social se tornaram manuais indispensáveis. Carmem ocupou a Secretaria Executiva de Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia e atuou como pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atualmente, integra o Comitê Assessor de Economia do CNPq. É membro eleita do Instituto Estatístico Internacional.
E o quarto palestrante é o Sr. Ricardo Sabbadini, que é Analista do Departamento Econômico do Banco Central do Brasil e se dedica à análise da conjuntura econômica brasileira e à projeção de curto prazo da atividade econômica, principalmente dos dados das contas nacionais.
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Sua formação é de bacharel em Ciências Econômicas pela Faculdade de Economia da USP e mestre em Teoria Econômica pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da USP. Recebeu os prêmios Paulo Roberto Haddad e Luiz de Freitas Bueno, na FEA/USP. Suas áreas de interesse são macroeconomia e economia monetária, economia política, econometria aplicada e economia brasileira.
Daremos início às apresentações dos palestrantes convidados, que terão 15 minutos para fazer sua apresentação. Em seguida, Deputados, consultores e convidados farão perguntas aos palestrantes sobre o tema da audiência.
Inicialmente, passo a palavra à Sra. Carmem Feijo, professora titular da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense.
A SRA. CARMEM FEIJO - Bom dia. Muito obrigada pelo convite. Como eu disponho de 15 minutos, eu preparei uma apresentação e vou compartilhar a minha tela. Eu já agradeço o convite para participar desta audiência pública. Para mim, é uma satisfação estar debatendo e dividindo as minhas ideias com os meus colegas de Mesa e com o Plenário.
(Segue-se exibição de imagens.)
Na tônica da minha apresentação, eu vou trabalhar essas três ideias e vou partir da hipótese de que a economia brasileira está estagnada. Em função disso, eu vou apontar a necessidade de reindustrialização. Isso vai demandar uma nova forma de entender a minha política econômica, que eu estou chamando de uma nova convenção do desenvolvimento.
Eu vou dividir em três partes. Esta é a ideia de por que estamos estagnados — eu só coloquei esses dados para chamar a nossa atenção —: o PIB per capita brasileiro cresceu, de 1961 a 1980, 4,3% ao ano; e de 1981 a 2019, menos de 1% ao ano. A origem da estagnação da economia brasileira, como eu entendo, está na regressão da nossa estrutura produtiva.
Dado isso, eu aponto a necessidade da reindustrialização do País, e para isso é preciso criar um espaço de política para a recuperação e o desenvolvimento. Para essa retomada do crescimento, então, eu vou fazer algumas sugestões ao final.
No meu primeiro gráfico, estou mostrando a evolução do PIB a partir de 2014. Eu quero chamar a atenção. Realmente é surpreendente essa recuperação, em 2021, da queda de 2020. É uma recuperação em "v", que foi bastante alardeada.
No entanto, o que se observa nesse gráfico é que o PIB não recupera, assim como não havia recuperado em 2019, antes da pandemia, o patamar de 2014, ou seja, de antes da recessão de 2015 e 2016.
Então eu não sou tão otimista em relação à recuperação.
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O lado dramático dessa estagnação é a taxa de desocupação, o desemprego aberto, que já está desde 2016 na casa de dois dígitos e possivelmente vai continuar assim no próximo ano, mesmo com a economia se recuperando, e possivelmente alguns anos à frente.
Eu vou trazer brevemente o argumento estruturalista para o diagnóstico dessa estagnação econômica. A hipótese estruturalista é que eu posso traçar uma trajetória virtuosa de crescimento quando o crescimento estimula a mudança estrutural no sentido de evoluir para uma estrutura que seja mais complexa e diversificada, que integra mais as diversas indústrias, e isso promove ganhos de produtividade naqueles setores mais dinâmicos, e a ideia é que isso se espalhe para toda a economia. Então, o crescimento da produtividade da economia está muito ligado ao crescimento da produtividade do setor manufatureiro, porque esse é o setor que concentra economias de escala estáticas e dinâmicas.
Isto aqui é só uma ilustração, um artigo clássico que saiu em 2003, na American Economic Review, mostrando que é uma regularidade empírica observada que os países com maior grau de diversificação da sua estrutura produtiva ampliam sua renda per capita. A especialização leva a uma queda antes de o país atingir um grau de maturidade em desenvolvimento tecnológico.
Com isso, eu posso desenvolver um ciclo viciado de crescimento, que é um processo de desindustrialização prematura. É uma perda relativa da importância da manufatura em termos dos demais setores de atividade, porque isso enfraquece as ligações para a frente e para trás, que são próprias desse setor de atividade. E uma observação é que a mão de obra migra de setores de menor produtividade. Por isso, você perde a produtividade e essa atração por crescimento.
Eu gosto muito deste gráfico, eu acho que ele permite caracterizar bem a desindustrialização prematura do Brasil desde a abertura econômica. O que nós observamos na linha preta é a perda de valor adicionado da indústria no PIB, ela cai. A linha laranja mostra a participação dos empregos industriais no total dos empregos da economia. Então, a nossa desindustrialização é prematura porque eu estou perdendo mais em valor do que em emprego.
Rapidamente mostrando as contas nacionais, vemos a estrutura de empregos em 2000 e 2018. A agricultura tinha 20% em 2000, 12% em 2018. E quem absorve essa mão de obra liberada do setor agrícola vai para o setor de serviços. A indústria de transformação mantém a sua participação mais ou menos constante em 10%.
Isso vai implicar na produtividade média por setor de atividade. A indústria de transformação tem no período 2001-2017 uma produtividade negativa. Isso influencia a produtividade agregada da economia, que nesse período cresceu 0,8%, o que é muito baixo.
O último gráfico que eu vou mostrar é a especialização, a regressão na nossa pauta de exportação, que hoje é composta principalmente de produtos básicos, em tecidos e recursos naturais. Por isso, eu vejo uma necessidade de reindustrializar o País. Isso quer dizer não só lançar mão de políticas industriais, tanto horizontais quanto verticais, ou seja, a necessidade de estimular aqueles setores com elevada capacidade para difundir ganhos de produtividade para a economia, mas também articular essa política com o regime macroeconômico.
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Por regime macroeconômico, entende-se que é ter políticas consistentes, além das tradicionais, monetária, fiscal e cambial, também de crédito e salarial, não só com o objetivo de assegurar a estabilidade de preços, que é o valor que tem que ser preservado, mas também de contribuir para esse processo de mudança estrutural. Isso implica a administração das taxas de juros, de tal sorte que elas sejam inferiores às taxas de retorno do investimento do capital produtivo, e a manutenção de taxas de câmbio competitivas, quer dizer, evitar o que se conhece como "populismo cambial", que é utilizar a apreciação da moeda doméstica como âncora para a inflação.
No regime macroeconômico propositivo, nós deveríamos ter políticas macroeconômicas contracíclicas. E não é isso que nós verificamos no Brasil. As nossas políticas têm sido pró-cíclicas, além da política industrial. Os focos deveriam ser na geração de empregos, tecnologias com baixa emissão de carbono, desenvolvimento tecnológico, indústria 4.0, infraestrutura que gere externalidades para toda a economia e naqueles setores com vantagens comparativas potenciais, como, por exemplo, o nosso complexo de saúde.
Em suma, a minha conclusão é de que um país pode ficar preso em condições de baixo estágio de desenvolvimento por muito tempo por adotar políticas econômicas inconsistentes, como é o caso da economia brasileira, com taxas de juros reais historicamente muito elevadas, tendência de apreciação da taxa de câmbio e produtividade estagnada.
Por isso, a proposta de reindustrializar traz a ideia de uma nova convenção de desenvolvimento, em que a prioridade deve ser o desenvolvimento econômico, e as políticas de estabilização devem ser coadjuvantes, e não dominantes.
Então, o meu último ponto é a retomada do crescimento no futuro próximo e a proposta de uma nova convenção de desenvolvimento. No futuro próximo, o que nós temos de positivo, pensando em 2022, é o avanço da vacinação, que vai permitir que as atividades voltem a funcionar normalmente. Mas eu tenho que alertar que nós temos muitos pontos negativos. Primeiro, o endividamento das famílias está aumentando, passou de quase 50%, em março do ano passado, para 60%, em junho de 2021. Com isso, o consumo das famílias está estagnado. A inflação em alta corrói o salário médio. No segundo trimestre, o salário médio real, segundo o IBGE, recebido de todos os trabalhos recuou 3%, apesar de ter havido uma queda na taxa de desemprego. A política monetária é totalmente ineficaz para combater a inflação de custo com origem na crise hídrica, alta no preço dos combustíveis e das commodities e escassez de insumos. A política fiscal está engessada com a regra do teto dos gastos públicos, e o ambiente político tem afetado negativamente a formação das expectativas.
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Como recomendações, uma política econômica deveria ser distinta da agenda liberal que tem sido seguida, para recuperar o estado de confiança e guiar expectativas que sejam percebidas como criadoras de oportunidades de investimento privado e produtivo em contraposição a ganhos rentistas; políticas com foco em aumentar a produtividade a longo prazo para recuperar o emprego, a renda, a taxa de lucro sobre o capital produtivo deveriam ser implementadas. Essa é uma recomendação.
Uma lição da pandemia é incorporar a dimensão da saúde pública e da preservação ambiental nessa estratégia de retomada dos investimentos produtivos. Então, trazer a questão ambiental para o centro de um projeto de desenvolvimento é nos conectar com a agenda internacional sobre a transição climática.
A recuperação dos investimentos públicos deve ser o ponto de partida. Isso deveria suscitar uma revisão da regra fiscal, separando o controle sobre os gastos que aumentam a produtividade da economia. Eles deveriam ter um horizonte mais largo de tempo para se buscar um equilíbrio fiscal e gastos correntes com a máquina administrativa. Supondo-se uma retomada do investimento público, o privado seguiria num segundo momento e deveria ser orientado no sentido de promover mudança gradual na estrutura produtiva, ou seja, buscando reindustrializar. Lembro que a indústria de transformação hoje é pouco mais de 10% do valor adicionado do PIB. E nós temos uma especialização na nossa falta de exportação, o que aumenta a nossa restrição externa ao crescimento. Ou seja, uma vez que a economia volte a crescer, possivelmente teremos problemas no balanço de pagamentos.
A mudança gradual na estrutura produtiva pressupõe um papel estratégico para instituições de planejamento econômico e para bancos de desenvolvimento. Lembro que nós já tivemos uma arquitetura bastante sofisticada financeira com a presença de bancos de desenvolvimento, inclusive em âmbito regional, num período de crescimento acelerado da economia brasileira. Com essa nova arquitetura de instituições, elas devem operar sempre de forma coordenada com as tradicionais políticas econômicas.
Para finalizar, temos uma lição que vem de fora. O mundo viveu duas crises internacionais: a grande recessão de 2008 e a crise da pandemia, que desafiam a capacidade de se acreditar que os mercados autorregulados vão retornar a economia sempre para posições de equilíbrio, o que seria natural. Antigos dogmas do consenso macroeconômico baseado no predomínio da política monetária sobre as demais políticas e uma agenda de reformas liberais vêm sendo substituídos por órgãos importantes, como o FMI, sobre a importância de políticas industriais e dos investimentos públicos em infraestrutura para sustentar o crescimento da produtividade, e agora também com foco na transição climática.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Obrigado, Profa. Carmem Feijo, pela importante participação e contribuição com o nosso tema.
Concedo a palavra ao Dr. Ricardo Sabbadini, Chefe do Departamento Econômico do Banco Central.
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O SR. RICARDO SABBADINI - Bom dia. Vocês me ouvem?
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Perfeitamente.
O SR. RICARDO SABBADINI - Muito obrigado.
Exmo. Sr. Deputado Da Vitoria, Presidente do CEDES; Exmo. Deputado Francisco Jr., Exmos. Srs. Deputados, Sras. Deputadas, demais autoridades da Mesa, é com grande satisfação que eu compareço a este Centro de Estudos para colaborar com este tema em questão. Por isso, eu trago uma apresentação sobre a evolução recente do crédito no Brasil.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nós podemos observar nesse primeiro eslaide que eu trago a relação crédito bancário e PIB no Brasil. Nós podemos observar essa relação desde o período após o Plano Real. Nós vimos, de meados de 2003 até 2014 a 2015, uma retração. E, desde 2018 a 2019, nós tínhamos uma expansão. Essa expansão do crédito foi acentuada mesmo diante da pandemia.
Eu destaco que, no último relatório de inflação, publicado poucos dias atrás, em setembro, há um estudo especial sobre impulso de crédito em que discutimos alguns aspectos relacionados a isso. Então, hoje a relação crédito e PIB se encontra ao redor de 50% do PIB.
Eu gostaria de destacar também a participação do crédito livre e do crédito direcionado no crédito total da economia. Nesse gráfico da esquerda, nós temos essa linha azul que mostra a participação do crédito livre e do crédito direcionado — a linha vermelha é um espelho da linha azul — no total do crédito bancário. Nós vemos hoje que o crédito livre se encontra próximo a 60% do total do crédito, sendo que ele já foi mais alto no passado.
Quebrando isso entre o segmento de pessoas jurídicas e pessoas físicas, é possível observar que, no segmento de pessoas jurídicas, nós já temos o crédito livre num patamar parecido com o que foi observado em 2008, mas, no segmento de pessoas físicas, o crédito livre tem uma participação menor do que no período anterior. Isso tem uma relação com a participação do crédito imobiliário, na sua maior parte no crédito direcionado, que ganhou espaço no segmento de pessoas físicas.
Nos próximos eslaides, eu vou discutir a evolução mais recente do crédito. Primeiro, vou falar do crédito para pessoas físicas.
Aqui nós temos, no gráfico da esquerda, o crédito livre a pessoas físicas. As primeiras colunas — e aqui vemos essa linha vermelha — trazem a evolução anual de 2008 a 2019. Depois, nesse espaço em branco, nós podemos observar, mês a mês, a evolução do crédito em 2020 e 2021. Então, nós podemos observar que, imediatamente antes da pandemia, nos anos 2018 e 2019, o crédito bancário a pessoas físicas e a empresas crescia num ritmo de dois dígitos. Já havia uma expansão do crédito bancário, e as pessoas físicas se destacavam nesse momento. E no começo da pandemia, em janeiro e fevereiro, nós vimos a manutenção desse cenário. Diante do início da pandemia, a partir de março, abril de 2020, nós observamos uma retração do crédito a pessoas físicas muito associada às modalidades ligadas ao consumo, como cartão de crédito à vista e financiamento de veículos.
Interessante ver aqui que nós temos o crescimento interanual, o mês contra o mesmo mês no ano anterior do crédito. Nós vemos a contribuição de cartão à vista, que era positiva nos meses iniciais, tornar-se negativa. Agora, nós já vemos, em 2021, uma recuperação do crédito e do consumo nas concessões, na taxa de crescimento do saldo do cartão de crédito à vista. Em relação a essa modalidade de crédito, nós também vemos um crescimento maior no crédito consignado e na retomada de veículos.
No crédito direcionado a pessoas físicas, nós podemos observar taxas elevadas de crescimento em anos anteriores, particularmente em 2010 e 2012. Nós vimos uma taxa menor em 2018 e 2019. Mas, ao longo da pandemia, houve uma expansão do crédito imobiliário e do crédito rural, os dois principais segmentos do crédito das pessoas físicas, que têm surpreendido. São segmentos favorecidos pelas taxas de juros baixas diante do padrão histórico no momento recente.
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No crédito às pessoas jurídicas, as empresas, eu quero destacar o seguinte. Em 2018 e 2019, ele crescia a uma taxa menor do que se observava no crédito às famílias. Diante do começo da pandemia, o que nós observamos foi um aumento do crédito em 2020 pelas empresas. Nesse momento inicial, no mês de março, as concessões de crédito cresceram muito associadas ao financiamento das exportações e ao desconto de recebíveis. Principalmente as empresas grandes acionaram as linhas às quais tinham acesso e atuaram de maneira precaucional. Elas captaram mais recursos no momento inicial da pandemia. Podemos observar que o financiamento de exportações ganhou espaço nos meses iniciais da pandemia, com o desconto de recebíveis no início. Depois, com a diminuição do lastro dessas operações, ele arrefeceu. Essa área azul mostra a participação relevante do capital de giro mesmo no crédito com recursos livres. Nós vemos uma diminuição em 2021, mas muito por um efeito base: houve uma expansão muito grande, que chegou a 25%, na taxa de crescimento do crédito livre, em 2020. Um pouco dessa atenuação se deve a esse efeito base.
No crédito direcionado às pessoas jurídicas, este gráfico mostra que nos anos anteriores houve uma reversão da expansão do crédito direcionado, particularmente do crédito do BNDES, que tem uma variação negativa nos anos anteriores. Mas, durante essa crise, o BNDES aumentou as concessões, e observamos uma reversão dessas colunas laranja, em que houve estabilização do BNDES no saldo — mas nas concessões houve aumento. Aqui eu queria destacar esse conjunto grande de colunas verdes, que são as demais operações de crédito direcionado. Os programas emergenciais de crédito, como o PRONAMPE, o PEAC e o PESE, foram classificados — nas estatísticas monetárias de crédito do Banco Central, calculadas pelo Departamento de Estatística — nessa rubrica "demais operações". Então, observamos que, no crescimento do crédito decorrente desses programas emergenciais — novamente, para um efeito base —, existe uma atenuação este ano.
Outra maneira de olhar para o mercado de crédito, sem ser pelo saldo de crédito, é pelas concessões que ocorrem mês a mês. As concessões são uma variável mais volátil, que se move mais rapidamente. São interessantes para observarmos o que acontece numa frequência mais alta aqui no mercado de crédito.
No gráfico da esquerda, nós temos o crédito livre. A linha vermelha é o crédito às famílias, às pessoas físicas. Podemos observar que, desde 2019, ele vinha crescendo. Com a pandemia, como eu já comentei, houve uma contração e uma recuperação, que aqui pode ser descrita como um "v", muito relacionada a modalidades diretamente ligadas ao consumo, como o cartão à vista e o crédito para a aquisição de veículos. Também houve mudanças na regulação sobre o crédito consignado, que permitiram uma expansão, aqui no final de 2020 e a partir de meados de 2021. Mas hoje a concessão de crédito às famílias já supera o patamar observado antes da pandemia.
Para as pessoas jurídicas, as empresas, nós também observamos hoje um patamar superior ao que se observava antes do início da pandemia, no crédito livre. Há mais crédito livre do que havia antes da pandemia. Eu quero destacar que esse pico ocorreu em março e abril do ano passado. Ou seja, diante do primeiro momento da pandemia, houve um aumento na contratação de descontos de recebíveis e de financiamentos de exportação — depois, capital de giro. Novamente, diante da piora da pandemia este ano nos meses de março e abril, nós observamos outro pico em contratações, possivelmente relacionado a motivos precaucionais. Olhando as concessões de crédito direcionado, a história, para as pessoas físicas, é similar ao que eu mostrei para o saldo. Podemos observar que o crescimento das concessões está relacionado ao mercado imobiliário, que se beneficiou das taxas de juros mais baixas. E, no crédito direcionado às pessoas jurídicas, houve uma expansão da atuação do BNDES nesse momento. Mas o destaque para estes dois picos em 2020 e agora em 2021 são os programas emergenciais de crédito — em 2021, particularmente a reedição do PRONAMPE.
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No pedido para a participação nesta audiência, foi mencionado o interesse por crédito por porte de empresas. Eu acho particularmente interessante olhar aqui, então, o saldo de crédito para as empresas grandes, na linha azul, em bilhões de reais. Podemos observar que, antes da pandemia, nos anos de 2018 e 2019, havia um movimento das empresas grandes de se direcionarem ao mercado de capitais, deixando ao segmento bancário mais espaço para as empresas médias, pequenas e microempresas. O que vemos diante da pandemia? Eu mencionei a expansão das concessões de crédito logo no começo, em março e abril. Podemos observar aqui, com o auxílio das linhas de grade, que a expansão do crédito às empresas grandes ocorreu antes da expansão do crédito para as micro, pequenas e médias empresas, que se beneficiaram mais dos programas emergenciais. Além disso, eu destaco que, mesmo após o encerramento dos programas emergenciais em 2020, o primeiro semestre de 2021 mostrou a expansão do crédito às micro, pequenas e médias empresas, mesmo antes de julho, quando houve a nova edição do PRONAMPE. Isso é destacado no Relatório de Estabilidade Financeira, divulgado pelo Banco Central ontem, que também traz informações detalhadas nesse sentido.
O gráfico da direita apenas complementa essa informação. Com uma abertura entre grandes, médias, pequenas e microempresas, podemos observar que atualmente há taxas de crescimento maiores para o crédito das pequenas e microempresas.
No eslaide seguinte, outro ponto solicitado foi a análise do crédito por setores. Mensalmente, o Departamento de Estatística do Banco Central, na nota à imprensa, divulga o saldo de crédito para pessoas jurídicas por setor. Aqui temos os dados desde 2013. A linha preta mostra o total das pessoas jurídicas. Nesse gráfico da esquerda, nós temos agropecuária e alguns segmentos da indústria. O que é possível observar é que houve uma expansão generalizada do crescimento do crédito em 2020, e, devido ao efeito base, que eu já mencionei, exceto pela agropecuária, há uma atenuação este ano. Eu quero deixar claro que a projeção de expansão de crédito este ano — e o Banco Central divulgou o relatório de inflação mais recente, poucos dias atrás — é ainda de uma expansão do crédito tanto de pessoa jurídica quanto de pessoa física.
No saldo de crédito por setor de serviços, também podemos observar aqui a linha preta, que traz o total de crédito às empresas. A maior parte dos segmentos do setor de serviços teve a mesma expansão em 2020, com alguma atenuação em 2021, e a maior parte dos segmentos, inclusive, teve uma expansão maior do que a média da economia.
Eu gostaria de falar um pouquinho do financiamento do crédito ampliado às empresas, não olhando exclusivamente para o mercado bancário, do Sistema Financeiro Nacional, mas olhando para o crédito ampliado. No caso, excetuando dívida externa, focando nas fontes domésticas de financiamento, este gráfico de área mostra que a participação do crédito livre, desde 2013, ficou razoavelmente estável. O que observamos é uma diminuição da participação do crédito direcionado e um ganho do mercado de capital doméstico, seja por instrumentos securitizados, seja por títulos de dívida.
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Aqui nós estamos falando do saldo e também podemos olhar para as captações no mercado doméstico de capitais.
Aqui nós temos emissões primárias de ações e de debêntures e notas promissórias, instrumentos de renda fixa, em bilhões de reais do último mês, ou seja, já deflacionados. Na média móvel de 12 meses, nós observamos, em comparação a 2012 e 2013, um crescimento significativo e substancial dessas operações no mercado de capital. Apesar de algum arrefecimento durante a pandemia, observamos os valores mais altos desta série desde 2012.
Eu queria complementar falando da inadimplência do Sistema Financeiro Nacional. Aqui, no gráfico da esquerda, para pessoas físicas, e no da direita, para pessoas jurídicas, tanto no segmento livre quanto no direcionado, nós estamos com taxas de inadimplência próximas às mínimas históricas. A inadimplência, apesar da pandemia, continua baixa.
Ontem, o Banco Central divulgou o Relatório de Estabilidade Financeira, e a avaliação é a de que não há risco relevante para a estabilidade financeira e de que há melhora na base de capital. O resultado dos testes de estresse continua demonstrando a solidez e a resiliência do sistema bancário.
Este é o meu último eslaide. Eu gostaria de falar aqui sobre taxas de juros e spread das operações com recursos livres.
Aqui, nós temos a série desde 2011, a série histórica atual do sistema. Nós observamos, na esquerda, a taxa de juros e o spread para pessoas físicas. A taxa de juros para pessoas físicas se encontra próxima do mínimo histórico, assim como o spread — lembrando que aqui são apenas para recursos livres.
Olhando para pessoas jurídicas, nós observamos o spread no mínimo histórico e a taxa de juros. Apesar de algum crescimento na ponta relacionado ao aumento do custo de captação, dado que o spread se mantém praticamente estável, mesmo com esse crescimento, ele está abaixo dos valores mínimos observados em 2012 ou em 2013.
Este é o meu último eslaide, mas eu gostaria aqui de fazer alguns comentários sobre a Agenda BC#, que é uma agenda estrutural do Banco Central. O Banco Central vem realizando um amplo conjunto de reformas para ampliar o acesso a produtos e serviços financeiros; estender a disponibilidade de crédito mais barato para um número maior de empresas e famílias; e aumentar a transparência do Sistema Financeiro Nacional.
Várias reformas já ocorreram e devem continuar ocorrendo no nível regulatório e impactaram, por exemplo, o crédito cooperativo e o microcrédito. Há listas — eu não sou especialista em todas essas medidas, existem diversos colegas no banco que trabalham na elaboração delas, mas eu as recomendo — dessas medidas, para os interessados, mencionadas no Relatório de Economia Bancária deste ano, publicado, se não me engano, em maio, e também no Relatório Integrado de Gestão do Banco Central.
Algumas medidas adicionais no mercado de câmbio, por exemplo, foram mencionadas, ontem, no Relatório de Estabilidade Financeira também. Além do nível regulatório, outras medidas propostas nessa agenda estrutural do Banco Central dependem de alterações na legislação. Por isso, o Banco Central conta com a parceria do Congresso Nacional para o sucesso dessa agenda.
Eu quero destacar duas medidas tomadas recentemente cujos impactos foram analisados em estudos divulgados no Relatório de Economia Bancária mais recente. Uma delas é uma resolução de 2019, que estabeleceu um limite para a taxa de juros do cheque especial em contas de depósito à vista para pessoas físicas e microempresários individuais.
A análise dos dados indica que o normativo foi efetivo na redução das taxas de juros praticadas, levando a uma redução anual, com o pagamento de juros, estimada na ordem de 10 bilhões de reais.
Essa queda na taxa de juros e o indício de que não houve restrição na oferta do produto indicam o aumento do bem-estar do consumidor. Mas é importante ressaltar que a adequada calibragem da medida, que teve um estudo técnico para embasá-la, é um fator essencial para que não se afete a quantidade de oferta do produto.
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Outra medida é o cadastro positivo. Os resultados dos estudos presentes no Relatório de Economia Bancária indicam que o cadastro positivo está associado a uma queda de 31 pontos percentuais nos spreads de operações de crédito pessoal não consignado para tomadores novos, comparando-se aqueles que têm pontuação no cadastro positivo com aqueles que não possuíam essas pontuações.
Esses são alguns exemplos dessa agenda ampla do Banco Central, que atua para expandir o crédito e barateá-lo também, atingindo um número maior de famílias e empresas.
Com isso, eu encerro a minha apresentação.
Muito obrigado pelo convite.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Obrigado, Dr. Ricardo Sabbadini, pela brilhante contribuição.
Neste momento, passo a palavra ao palestrante Dr. Arthur Koblitz, Presidente da Associação dos Funcionários do BNDES.
O SR. ARTHUR KOBLITZ - Obrigado.
Está funcionando o compartilhamento de tela?
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - A apresentação já está na tela. O áudio também está muito bom.
O SR. ARTHUR KOBLITZ - Ótimo!
Primeiro, agradeço o convite ao Pedro, a todos os senhores presentes, aos meus colegas de banca.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu vou começar com a apresentação de alguns dados, porque acho fundamental nós termos uma perspectiva, estabelecermos sobre o que estamos falando, a situação do Brasil no mundo. Na minha opinião, nós temos que expandir os nossos horizontes para encontrar uma resposta para os nossos problemas, temos que ter uma boa discussão sobre a definição do problema do desenvolvimento brasileiro.
Inicialmente, eu vou usar alguns gráficos, alguns dados para fazer esse ponto. Depois eu vou tentar enfrentar várias questões que estão colocadas para o debate. Obviamente vou ter que passar por elas correndo. A minha apresentação vai funcionar um pouco como uma "cola" para mim e um guia para vocês acompanharem os pontos que eu estou discutindo.
Em primeiro lugar, eu quero colocar essa questão da necessidade de o Brasil retomar o rumo do desenvolvimento. Com isso, eu vou me aproximar de alguns tópicos que a Carmem já mencionou. Vamos ver o que está acontecendo no Brasil na perspectiva de outros países em desenvolvimento.
Cito a questão do Brasil com a Coreia do Sul. A linha vermelha ao meio corta o ano de 1980. Os meus dados vão até 2016. Essa linha vermelha cruza os dados do gráfico em 1980. Vemos que a trajetória do desenvolvimento econômico coreano e brasileiro até 1980 apresenta certa similaridade. O Brasil é um país que tem uma produtividade do trabalho crescendo vigorosamente, mas menos do que a da Coreia do Sul. Estou pegando dados dos anos 1950. E o arranque da Coreia do Sul começa mais nos anos 1960. Mas vemos que o Brasil, até 1980, é um país promissor. Olhem o contraste disso após 1980. O que acontece? A Coreia mantém a sua trajetória de crescimento da produtividade. O Brasil simplesmente apresenta um quadro de estagnação. É lógico que, se considerarmos os anos depois de 2016, a situação piora, não melhora.
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Vamos comparar agora essa produtividade do Brasil e a da Coreia com a dos Estados Unidos. Esses gráficos foram inspirados em alguns dados levantados pelo Prof. Gabriel Palma, chileno radicado na Inglaterra. Eu peguei alguns dados e atualizei séries que ele divulgou por volta de 2009. Aqui eu estou fazendo uma comparação da produtividade do trabalho no Brasil e na Coreia do Sul com a dos Estados Unidos.
Percebe-se, ainda de forma mais nítida — de novo, essa linha vermelha que cruza o gráfico é o ano de 1980 —, que o Brasil está fazendo um catch up. A produtividade brasileira está se aproximando da produtividade do trabalho nos Estados Unidos. Depois de 1980, vemos um processo de regressão. Nós voltamos, ao final da série, ao ponto em que estávamos no início dela, enquanto a Coreia consegue manter, nessa segunda fase, o seu catch up, aproximando a sua produtividade de mais de 60% da produtividade do trabalho nos Estados Unidos.
Se formos comparar a renda per capita do Brasil e a da Índia, até 1980, a renda per capita do Brasil aumenta um múltiplo. Ela é um pouco mais de quatro vezes, nos anos 50, a renda per capita da Índia. Até 1980, ela chega a mais de oito vezes. De lá para cá, a nossa renda per capita foi reduzindo o número de vezes que era maior do que a da Índia.
Aqui há outra medida da Índia.
Com a China, acontece um padrão menos claro, mais errático, muito mais vezes. A renda per capita brasileira começa 15 vezes maior do que a renda per capita da China. Vemos que a renda per capita brasileira ainda é maior do que a da China, mas esse múltiplo sistematicamente caiu de 1980 para cá.
Aqui é outra medida da China.
Com isso, o que eu quero estabelecer — aqui estou conversando com vários economistas, com pessoas que se preocupam muito com a injustiça no Brasil, onde é necessário fazer reformas sociais para resolver os problemas — é que é importante que se fixe também, no nosso debate, daqui para a frente, que o Brasil não é mais só um país injusto. O Brasil é um país que ficou para trás.
O Brasil não era um país que havia ficado para trás no início dos anos 80. O Brasil era um país onde a percepção de injustiça era a coisa mais clara, mas ainda era um país promissor do ponto de vista industrial, do ponto de vista do dinamismo. Hoje o Brasil é um país que se mantém profundamente injusto e que não consegue sistematicamente acompanhar outros países em desenvolvimento.
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E aí eu brinco com uma frase famosa do Delfim Netto, que foi muito execrada. É da época em que estávamos vivendo um momento de dinamismo e se criticava a falta de distribuição de renda. Ele dizia: "É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo". É importante entender que essa frase foi execrada justamente porque não há necessidade de uma coisa para que a outra aconteça. Mas também não podemos cair no erro de inverter essa fórmula e dizer que tudo o que precisamos fazer é dividir o bolo. Nós precisamos ter políticas para aumentar o bolo, ou seja, para fazer crescer a produtividade, e para fazer a distribuição de renda. O Governo possui diferentes instrumentos para isso. Nós temos que saber trabalhar com esses diferentes instrumentos para alcançar essas metas. E é óbvio que essas metas também podem ser retroalimentadas virtuosamente. Se há distribuição de renda, aumenta-se o mercado doméstico, o que eleva a eficiência estática de economia de escala da indústria. A questão não é que não exista interação entre essas duas questões, mas a de que elas são questões diversas, e é preciso haver instrumentos diferentes para lidar com elas.
Destaco agora o trabalho empírico e teórico de uma pesquisadora, que fez uma reflexão muito ampla, inicialmente calcada na Coreia do Sul, mas que depois foi expandida no livro A ascensão do "resto", sobre outras economias em desenvolvimento. E, ao refletir sobre o período de desenvolvimento econômico a partir do pós-guerra, ela localiza um mecanismo central desse desenvolvimento: o papel dos bancos de desenvolvimento como impulsionadores de uma agenda de oferta, de aumento da produtividade. Isso chama a atenção para o fato de que o BNDES é sujeito central nesse processo.
É importante entender que a questão macroeconômica do desenvolvimento não se refere apenas a uma agenda macro de estímulos fiscais ou campos valorizados. Ela diz respeito também a uma dinâmica que tem a ver com o que desenvolveram autores clássicos, como Marx e Schumpeter: é preciso ter uma lógica microeconômica que provoque o aumento da produtividade e da qualidade dos produtos que a economia gera. O papel da Alice Amsden foi mostrar que, nos países do terceiro mundo que se desenvolvem a partir dos anos 1950, há um processo específico de desenvolvimento, porque eles não se desenvolveram como a Alemanha ou os Estados Unidos, mas eles tentaram fazer o getting up, a aproximação da produtividade com os Estados Unidos. A Alemanha e os Estados Unidos fizeram isso no meio de uma trajetória de inovações tecnológicas constantes, de absorção de novas tecnologias. Não foi o caso dos países em desenvolvimento, que, nos anos 1950, estavam muito distantes dessa fronteira tecnológica e recorreram a outros mecanismos.
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Para que isso tenha sido viável, foi fundamental o estabelecimento dos bancos públicos de desenvolvimento. Esses bancos — e o objetivo central dessa autora é chamar a atenção para isso — são capazes de estabelecer uma lógica análoga à de autores que viram o processo capitalista dinâmico, como Marx e Schumpeter, que eu citei. Como funciona isso? Quando há concorrência com base em produção de tecnologia, as empresas têm estímulo para introduzir tecnologia porque captam um lucro extraordinário quando fazem isso. Dessa forma, obrigam as outras empresas a imitar esse comportamento. Isso cria uma dinâmica de aumento de produtividade. Já nos países que se industrializaram a partir dos anos 1950, os bancos de desenvolvimento, ao estabelecer subsídios — quer dizer, criam rendas de monopólio por meio da ação do Estado — e a cobrança de contrapartida dos agentes que aceitam os desafios, as prioridades estipuladas por eles, criam esse mecanismo análogo ao existente no regime de concorrência. Há, de um lado, a premiação e, de outro, a cobrança de contrapartidas pelo envolvimento dessas empresas nos setores considerados prioritários, atendendo a uma série de requisitos estabelecidos por esses bancos, que criam, assim, um mecanismo de incremento da produtividade.
Vou dar exemplos dessas contrapartidas, para ficar bem nítido o que estou falando — alguns, inclusive, são conhecidos. Nos anos 1950, houve o estabelecimento da indústria automobilística no Brasil com conteúdo local. Essa é uma história bastante estudada, inclusive por pesquisadores de outros países. O Brasil conseguiu grandes períodos de aceleração de sua produtividade, como vimos. Multinacionais foram trazidas para fazer automóveis no País, o que era absolutamente formidável para a época. O acordo era que realmente elas fizessem os automóveis aqui, e não apenas a montagem final, como acontecia desde os anos 1920. E isso estava sempre condicionado a que essas grandes empresas multinacionais comprassem suas autopeças de empresas nacionais. Funcionava no Brasil o seguinte mecanismo: o País trabalhava com grandes empresas multinacionais e conseguia extrair, do apoio dado a elas — proteção tarifária —, como contrapartida, a exigência de que adquirissem produtos locais ou estabelecessem colaboração com empresas brasileiras de autopeças, as quais eram absolutamente incipientes nos anos 1950.
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Há também as metas de exportação, que são muito conhecidas, principalmente no caso da Coreia. As empresas têm vantagens, têm os subsídios, mas precisam atingir metas de exportação. Há também subsídios condicionados à meta de gastos em porcentagem da receita em pesquisa de desenvolvimento. Esses são exemplos de contrapartida que esses bancos públicos, em vários países, estabeleceram para criar uma dinâmica de desenvolvimento da produtividade.
Nos anos recentes, o BNDES tem tido sucesso localizado em alguns setores, como, por exemplo, no de fármacos, no de energia eólica, na atração e no desenvolvimento de fornecedores. Em outros setores, há uma discussão, e também se podem localizar alguns problemas do nosso desenvolvimento industrial devido à falta de uma ação estratégica como essa de que estou falando.
Vou pular a passagem do Prof. Antônio Barros de Castro, que é um grande pensador dessas trajetórias de movimento do Brasil, para mostrar que essa preocupação — estou citando a Alice Amsden — era percebida por outros economistas desenvolvimentistas.
Vou falar agora do que está acontecendo hoje no Brasil em contraste com o que precisaríamos. Nós temos aqui a situação do Brasil em 2017. Em resposta a um pequeno diagnóstico da crise que vivíamos a partir do final de 2014 a 2015, decidiu-se alterar a formação da taxa de juros base para os empréstimos do BNDES. Há, então, a seguinte trajetória da taxa de longo prazo, que não permite mais discricionariedade da parte do Governo. A taxa anterior era a TJLP. O Banco Central e o Ministro da Fazenda estipulavam qual era a taxa de longo prazo brasileira. Havia uma latitude muito grande para estabelecer essa taxa. Hoje ela flutua com títulos de 5 anos, para simplificar, do mercado financeiro brasileiro, e acompanha, em geral, os movimentos da SELIC. Estamos vendo aqui que, a partir de outubro do ano passado, ela começa uma trajetória sistematicamente de crescimento — e me refiro só à parte fixa dessa taxa. A taxa chegou agora ao seu patamar mais alto, desde que ela foi instituída, em 2018. O gráfico começa em janeiro de 2018. E, como estamos prevendo, essa trajetória de aumento da taxa de juros do Banco Central deve continuar. Certamente vamos ter essa TLP na sua parte fixa subindo. Agora, a TLP é determinada para quem toma os empréstimos do BNDES não só com base nessa parte fixa. Depois, ela é atualizada pela inflação. Então, em trajetória de inflação crescente, a taxa de juros que os empresários industriais estão pagando — falo principalmente dos empresários industriais — vai cresce com o aumento da taxa de juros básica e com o aumento da inflação.
No nosso direcionamento atual, então, com esse mecanismo de formação de taxa de juros, não interessam os problemas mais estruturais da economia brasileira, como eu tentei apresentar aqui. Nós não estamos repensando como o BNDES deve operar, mas colocando mais mecanismos que promovam produtividade. Nós estamos criando uma situação em que, na verdade, a competitividade do BNDES cai, e fica mais difícil a injeção dos seus recursos condicionados na economia.
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Então, qual é o problema estratégico fundamental do Brasil? Nós devemos tentar entender o que queremos alcançar e depois discutir os instrumentos para chegar lá. Nós precisamos aumentar a produtividade, o que significa reindustrializar o Brasil. Nós precisamos colocar a infraestrutura de pé, que é desesperadamente necessária. Mas a concentração do debate, a prioridade era a normalização do País. Eu diria que isso é um dogmatismo liberal que podemos comparar a um dogmatismo criticado, no início dos anos 80, lembrando que, quando o Brasil começa essa estagnação estrutural, a China inicia sua grande arrancada. Deng Xiaoping, da China, posicionou-se criticando a filosofia comunista chinesa. Há uma frase famosa dele: "Não importa se um gato é preto ou branco, contanto que ele cace ratos". No Brasil, o importante é a cor do gato.
Nós estamos vendo aumento de investimento de infraestrutura? Não. O que estamos vendo é uma agenda que limita subsídio. No caso do BNDES, liquidou-se a carteira da BNDESPar e foram devolvidos recursos mobilizados em reais para investimentos de longo prazo. Esse foi um legado. O período anterior trouxe vários problemas, mas trouxe um legado. Nós estamos desmontando instrumentos que nós tínhamos para poder enfrentar esses problemas estruturais. Sobre desembolsos na infraestrutura, o desembolso do BNDES para infraestrutura sistematicamente vem encolhendo. A ideia de que o BNDES hoje está gastando mais em saneamento, por exemplo, do que no passado não é verdadeira.
Um exame dos dados de desembolso para infraestrutura vai demonstrar que eles encolheram em todos os setores, inclusive nos de infraestrutura social. Estamos entrando em um debate internacional sobre a origem desses recursos para financiar os investimentos em infraestrutura. Entramos nesse debate porque estamos desmobilizando os recursos de longo prazo que tínhamos no BNDES. O problema em conseguir esses recursos para investimento de longo prazo é mundial. Fala-se muito em conseguir captá-los com investidores institucionais, que há liquidez sobrando no mundo, mas é difícil para todos os países fazerem essa transformação de recursos que estão empossados, líquidos, de curto prazo, em investimentos com compromisso de longo prazo. Se é difícil para o mundo inteiro, ainda é mais difícil para países em desenvolvimento, como o Brasil, em que não há esse hedge de longo prazo para esses recursos. Então, todos eles estão sujeitos a riscos cambiais.
Isso mostra quão grave é a desmobilização de recursos que nós tínhamos tentando captar recursos lá fora, com todas essas limitações. Qualquer registro sobre a taxa de câmbio brasileira aponta para sua extrema volatilidade. Nos anos recentes, é particularmente notável nesse sentido. O Brasil continua esterilizando recursos de longo prazo do BNDES com uma devolução para quitar a dívida bruta.
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Há também um debate sobre o encolhimento do BNDES, que é positivo, porque está sendo substituído por debêntures, por papéis emitidos, e o mercado de capitais está assumindo o papel do BNDES. Isso não é verdade, não está estabelecido. Eu aqui cito Ernani Torres Filho, professor da UFRJ, especialista no assunto, que chama a atenção para o fato de que, nesse período, se estivéssemos assistindo a um processo de aumento de emissão de debêntures junto com o aumento do investimento, ou manutenção do patamar do investimento, poderíamos dizer que está havendo uma substituição. O que estamos vendo é a queda, é a estagnação da taxa de investimento. Esse movimento de emissão de debêntures tem razões de substituição de dívida muito mais do que de aquisição de recurso para investimento greenfield, para realizar investimentos em novas áreas. Esse é um bom exemplo do encantamento com a cor do gato, ao invés de se saber se o rato está sendo perseguido ou não.
É importante que não tenhamos o mecanismo público — BNDES —, mas que tenhamos o mercado de capitais. A pergunta é: o mecanismo que nós estamos colocando no lugar está gerando mais investimentos, mais infraestrutura? Nós estamos mais encantados em normalizar o País, e não em saber se nós estamos sendo eficazes em entregar essa agenda usando as instituições e a história institucional que nós temos no País. Então, estamos desmobilizando a nossa estrutura institucional em nome de uma promessa que ainda não foi cumprida. Há alguns anos ela vem sendo colocada em margem, e não vemos esses resultados.
Acabou o meu tempo, certamente, mas eu queria concluir dizendo que se fala muito do problema da má alocação de recursos, que, na economia, os investimentos financiados com recursos do BNDES levaram a problemas de má alocação de recursos, os quais seriam responsáveis pela crise que ocorreu, em primeiro lugar. Queria chamar a atenção para o seguinte: os setores prioritários ou promissores para se investir não são nenhum grande mistério. O Estado, com todos os problemas que tem, é capaz de identificar os setores fundamentais e mais promissores para investimento. Que se dê exemplos de que isso não é verdade. Governos do mundo inteiro apoiam os setores de alta tecnologia. Então, essa suposta incapacidade do Estado de alocar recursos é extremamente discutível. E o principal problema brasileiro, sob o qual o BNDES funcionou nas últimas décadas, talvez de altíssima taxa de juros — o que o BNDES tentou remediar —, fundamentalmente, foi um viés que se criou no Brasil por uma política de taxa de juros extremamente equivocada de alocação de recursos do setor financeiro. O BNDES funcionou como atenuante dessa tendência de completa absorção dos recursos da economia brasileira, de aplicação de recursos apenas no setor financeiro, e manteve alguma atratividade para o setor real da economia. Foi isso o que se tentou remediar.
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O que sai desse entendimento liberal nesse passado recente é que há uma demonização do financiamento de grandes empresas. Então, grandes empresas o sistema público não deve apoiar, sejam empresas nacionais, sejam estrangeiras. Empresas estatais também foram consideradas setores privatizáveis, tudo isso em nome de que temos que fazer justiça social, de que esse dinheiro está indo para quem não precisa. Este é o discurso: "O dinheiro vai para quem não precisa".
Como tento mostrar, a lógica dos bancos de desenvolvimento no Brasil e no mundo inteiro, toda vez que eles deram certo — algumas vezes não deram certo, a exemplo da Argentina —, não é entregar dinheiro público a quem precisa economicamente ou a quem não tem dinheiro. A lógica deles é emprestar a quem pode realizar investimentos importantes, a quem pode implementar novas tecnologias. O compromisso é: "Eu gero estímulo em troca de contrapartidas". É assim que a atuação dos bancos de desenvolvimento retorna para a sociedade, cobrando de quem pode fazer investimento e de quem pode introduzir inovações, essas contrapartidas. Essa lógica tem que ser reconhecida.
Por isso, acho que há certo discurso, apesar de paradoxal, populista liberal que usa a questão social para desmontar os mecanismos de apoio público, de crédito, para estimular aumento da produtividade e aumento do investimento, que necessariamente passarão, em grande parte, pelo apoio a grandes empresas.
O legado no Brasil da atuação do BNDES até 2015 e 2016 precisa ser criticada, precisa ser analisada, mas repetimos um vício apontado já nos anos 1960 pelo Prof. Albert Hirschman, já falecido. Ele criou o nome "fracassomania" e atribuiu essa característica à América Latina, mas pensava muito no caso do Brasil também.
Então, vivemos essas revoluções constantes. Precisamos de um bom debate, qualificado, sobre erros e acertos do período até 2015. Certamente, é verdade no caso do BNDES. Há muito que ser aperfeiçoado, mas temos que fazer esse debate sem simplificações, tentando aperfeiçoar, e não só destruir.
Era isso o que eu tinha a apresentar. Não tenho muita noção de tempo. Espero que não o tenha ultrapassado violentamente.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Agradeço ao palestrante Dr. Arthur Koblitz, Presidente da Associação dos Funcionários do BNDES, a importante contribuição.
Quero fazer o registro de presenças ilustres neste debate junto conosco. Estão presentes o Conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Júnior, Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco; a Sra. Daniela de Cássia, ex-Prefeita do Município de Monteiro Lobato, Estado de São Paulo; e o Sr. Demi Getschko, representante do Comitê Gestor da Internet no Brasil.
Neste momento, passo a palavra ao último palestrante desta nossa reunião, o Sr. Paulo Nogueira, economista e ex-diretor-executivo do FMI.
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O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR - Bom dia a todos.
Quero, em primeiro lugar, agradecer aos Deputados Da Vitoria e Francisco Jr. o convite para vir aqui participar desta audiência sobre um tema fundamental para o Brasil, que é o papel do crédito, dos juros e do financiamento para a recuperação e o desenvolvimento econômico.
Infelizmente cheguei atrasado. Tive um contratempo hoje de manhã e não pude assistir às participações da Carmem Feijo e do Ricardo Sabbadini. Mas assisti a uma parte da exposição do Arthur Koblitz, que antecipa, inclusive, o que eu gostaria de dizer.
Vou falar aqui com base, em parte, na minha experiência, na minha vivência em organismos financeiros internacionais, não só no FMI, que foi mencionado pelo Deputado ao me apresentar, mas também no banco dos BRICS, no Novo Banco de Desenvolvimento, com sede em Xangai.
Começo pelos fundamentos. Por que o crédito, o financiamento, a taxa de juros adequada, com prazos longos, sem exigência de garantias de contrapartidas excessivas é fundamental para o funcionamento e o desenvolvimento de uma economia moderna, qualquer que seja, de alta renda, de média renda ou de baixa renda? Porque, sem crédito, as famílias ficam sem condições de adquirir bens de alto valor unitário, de consumo durável, como habitação, moradia; as empresas ficam sem condições de financiar adequadamente a formação de estoques e, sobretudo, o investimento fixo em máquinas, equipamentos, plantas; e os Governos ficam com dificuldade de financiar o investimento público. Se não houvesse crédito, o que aconteceria? As famílias ficariam restritas ao que pudessem adquirir com poupança própria ou a partir da renda própria; as empresas ficariam travadas e limitadas ao investimento com lucros retidos ou poupanças prévias; e os Governos teriam que financiar um investimento com superávit em conta corrente nas contas públicas ou com reservas. Então, haveria uma economia travada, sem condições de investir, portanto, limitada no seu progresso técnico. Fundamentalmente, o progresso tecnológico depende do investimento. O investimento vem, em larga medida, incorporado ao investimento novo. Assim, estamos tratando de um tema que é fundamental.
Quando falamos de economias em desenvolvimento, como a brasileira — é importante a distinção que o Arthur Koblitz introduziu —, temos que levar em conta ser muito comum que a oferta de créditos nas condições acima mencionadas, com juros adequados, com prazos longos, constitui uma restrição permanente, ou quase permanente, para essas economias. Vou falar sobretudo das economias ditas emergentes, que são aquelas de renda média, como a brasileira. Economias de baixa renda, como a maioria das africanas, por exemplo, têm um quadro bem diferente daquele que vou rapidamente tentar mencionar ou descrever.
O que acontece em economias emergentes ou em desenvolvimento, como a brasileira, é que o crédito privado interno se mostra sempre insuficiente. Insuficiente por quê? Porque não apresenta disponibilidade suficiente, porque é caro, porque é curto. E, sobretudo, o crédito de longo prazo do mesmo capital de giro sofre se fica nas mãos apenas do crédito privado, um ponto que o Arthur acabou de frisar.
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Por exemplo, no caso brasileiro, nós temos um mercado de capitais privado que vem se desenvolvendo, mas ainda é muito insuficiente, e bancos privados que operam com um horizonte muito curto. Eles financiam sobretudo capital de giro e operam no mercado de títulos públicos e privados, mas não têm um papel importante no financiamento do desenvolvimento de longo prazo, porque não oferecem créditos a uma taxa de juros adequada e em horizonte adequado.
Então, para essas economias que têm a limitação do lado do crédito privado e do mercado de capitais privados, só há duas opções não mutuamente exclusivas: recorrer ao crédito público do Estado nacional, que pode organizar instituições de financiamento público, ou recorrer ao crédito no exterior, oriundo especialmente de países desenvolvidos, que têm capacidade de oferecer crédito em prazo mais longo, seja de fontes privadas — bancos privados europeus, americanos, japoneses — ou de fontes públicas oficiais.
Eu vou falar em especial, nesta breve intervenção, do crédito externo, do crédito internacional. É verdade que, quando você olha para o exterior — você brasileiro ou de economia emergente —, encontra fontes de financiamento normalmente em prazos mais longos, com taxas de juro mais adequadas, mais atraentes, e volumes maiores, dependendo da conjuntura. Então, muitos economistas — a meu ver equivocadamente, e vou explicar por quê — consideram que é fundamental o crédito externo, às vezes chamado de poupança externa, para o desenvolvimento de uma economia. Eu creio que a experiência e a teoria têm mostrado que essa pode ser uma saída parcial, mas enganosa se o país apoia o seu processo de desenvolvimento, sobretudo no crédito externo, no crédito estrangeiro.
Há pelo menos três problemas do crédito externo que eu gostaria de mencionar e analisar rapidamente. Primeiro, a disponibilidade; segundo, a volatilidade; e terceiro, o fato de ele ser denominado — vejam bem, isso é importante — em moeda estrangeira.
Eu vou começar pelo primeiro ponto: a disponibilidade. O que acontece frequentemente é que países, principalmente os de baixa renda, e não tanto emergentes como o Brasil, não têm acesso, em escalas significativas, a fontes privadas de crédito externo e buscam sobretudo fontes oficiais. O Brasil também faz isso, países como o nosso também fazem isso. Quais são essas fontes externas oficiais? São as bilaterais, como, por exemplo, o EXIM Bank, americano, o KFW, alemão; e as multilaterais, como, por exemplo, o Banco Mundial, o BID, o Novo Banco de Desenvolvimento, criado pelo BRICS, e outros.
Quais são os problemas das fontes oficiais? Eu destacaria dois, embora haja outros. Ocorre que, frequentemente, essas fontes oficiais estão vinculadas ao financiamento das exportações dos países que criaram essas fontes. Então, quando você busca, por exemplo, crédito no KFW, alemão, ou no EXIM Bank, normalmente você tem, em grande parte pelo menos, um crédito vinculado à disposição do país para ele adquirir bens e serviços exportados por esses países. Isso pode ser em detrimento dos concorrentes locais desses fornecedores estrangeiros.
A outra questão, que não podemos esquecer nunca, é que as fontes externas oficiais bilaterais, é claro, e mesmo as multilaterais, oferecem um risco à soberania dos países que dependem em excesso delas. Vou dar um exemplo: o Banco Mundial aparentemente é uma entidade da comunidade mundial, mas, na realidade, é um banco controlado pelos americanos e pelos europeus, sobretudo pelos americanos. Então, quando ele oferece crédito de longo prazo em condições aparentemente atraentes para países em desenvolvimento ou emergentes, ele oferece também um risco de intervenção e um risco de perda de autonomia na definição do padrão de desenvolvimento. Então, o Banco Mundial, com burocratas estrangeiros, a partir de Washington, passa a querer ditar o caminho do desenvolvimento para países que dependem em excesso dessas fontes.
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Já os países emergentes como o Brasil podem depender, quando buscam o crédito externo, também de bancos, emissão de bônus em mercado de capitais etc. E aí os problemas, senhores, são vários, dos quais eu vou apenas destacar três.
Primeiro, embora o custo seja atraente em comparação com o crédito interno privado, ele é mais alto quando é de fontes privadas externas. A volatilidade dessas fontes é um problema muito importante, porque, na realidade, o crédito privado externo passa por ciclos de expansão e contração. Com isso, nas fases de crédito externo privado abundantes para países como o Brasil e outros, há um risco de crescimento excessivo da demanda interna da economia tomadora, impulsionado pelo crédito externo abundante, e há um risco de apreciação cambial, porque a entrada de capitais externos leva à valorização cambial, seja em termos nominais, seja em termos reais E essa prestação cambial pode ser inconveniente, como pode ser inconveniente o crescimento excessivo da demanda. Um câmbio valorizado por período longo gera desindustrialização, gera excesso de importações, desestimula as exportações. Portanto, ele gera desequilíbrios externos e dependência externa muito perigosa para uma economia.
Já nos ciclos de contração, a economia é submetida a pressões excessivas, há problemas de balanço de pagamentos. Daí, quando não se consegue resolver esses problemas por conta própria, tem que se recorrer ao Fundo Monetário Internacional, em Washington. E o FMI é mais uma fonte de intervenção, dado que, apesar de ser chamado de internacional, é uma entidade controlada em grande medida pelos americanos e pelos europeus. Também nas fases de contração há uma tendência à depreciação cambial, que pode ser muito desestabilizadora como nós estamos vendo no Brasil hoje. Então, quer o país queira ou não recorrer, em grande escala, ao crédito externo, ele precisa manter reservas muito altas, reservas internacionais em moeda forte, aplicadas em ativos líquidos, especialmente se quiser depender de financiamento externo em escala significativa, o que eu não considero adequado.
Como uma última razão, isso não é adequado. Esta é razão é crucial: são muito poucos os países no mundo que conseguem tomar crédito externo em volume apreciável, na própria moeda. O que acontece em geral é que nós nos endividamos externamente em moedas estrangeiras, seja em fontes sociais, como o Banco Mundial, seja em fontes privadas, como os bancos privados ou mercados de capitais. Então, você fica exposto a uma moeda estrangeira, o que traz dois problemas: um risco cambial para os tomadores individuais, sejam eles famílias, empresas, sobretudo, que são as mais propensas a isso, ou mesmo o Estado; e um risco macroeconômico, pois a larga presença de exposição cambial na economia potencializa o efeito desestabilizador de uma depreciação cambial forte. Essa depreciação provoca não só inflação, mas a quebra de empresas que estejam expostas a risco cambial e não tenham conseguido fazer o hedge. Isso pode gerar um risco financeiro sistêmico se essas empresas entrarem em default com bancos locais.
Há também dificuldades potenciais no campo fiscal quando o Estado é devedor líquido em moeda estrangeira, o que não é o caso brasileiro. O Estado brasileiro já há algum tempo é credor líquido, felizmente, em moeda estrangeira, o que faz com que as contas públicas se beneficiem de uma depreciação cambial.
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Em suma, e com isso vou concluindo, é fundamental, no meu entender, para países emergentes, que o desenvolvimento e o financiamento da economia dependa em larga medida de bancos públicos, porque eles podem oferecer financiamento em condições adequadas de prazo e juros, em moeda nacional, para financiar o investimento, a compra de moradias, até o capital de giro, mas sobretudo o investimento de longo prazo. Então, o crédito externo não pode ser dominante. No interesse do desenvolvimento do País, esse crédito tem que ser complementar.
Para fechar esta breve intervenção, é crucial, contrariamente ao consenso que se tentou estabelecer no Brasil nos anos recentes, valorizar os bancos públicos que nós temos. Eu me refiro, claro, ao Banco do Brasil, com seu importante papel, por exemplo, de financiamento da agricultura; à Caixa Econômica Federal, com seu importante papel de financiamento da habitação; aos bancos regionais de desenvolvimento; e, particularmente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que tem a função de financiar a formação de capital, mas também a exportação de bens e serviços.
Dentro do BNDES, no caso brasileiro, nós temos o EXIM Bank, o banco de exportação e importação. E o banco de desenvolvimento brasileiro, vou dizer aos senhores, é um dos maiores bancos do mundo. Era o segundo maior, depois do chinês. Na época em que trabalhei no banco dos BRICS, eu quero dar um testemunho aos senhores do respeito que havia no exterior pelo BNDES, que é um exemplo.
Eu sei que os bancos públicos têm problemas, potenciais riscos políticos, riscos de manipulação, riscos de má alocação, riscos de corrupção. São governamentais e, portanto, requerem uma governança muito especial, muito cuidadosa. Por exemplo, a governança do BNDES não é boa? Falava-se muito em caixa-preta no BNDES. Não apareceu essa famosa caixa-preta, apesar das tentativas de desenterrá-la. O próprio Presidente Bolsonaro teve que reconhecer publicamente que a caixa-preta que ele imaginava existir e que ele denunciou repetidas vezes não existia no caso do BNDES.
Então, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, bancos regionais de desenvolvimento e, claro, por trás disso tudo, o Banco Central do Brasil, o banco dos bancos, são essenciais para o desenvolvimento adequado de uma economia emergente como a brasileira. Na realidade, trata-se de um tripé: bancos privados, mercado de capitais interno, crédito externo complementar e crédito oriundo de bancos públicos de desenvolvimento. Isso forma um tripé que nos levará à recuperação e, depois, ao desenvolvimento.
Eu agradeço e devolvo a palavra aos senhores.
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O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - O som acabou para nós, aqui.
O SR. CLAUDIO NAZARENO - Perdemos o finzinho da fala.
O SR. ARTHUR KOBLITZ - Ele concluiu. Ele devolveu a palavra.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR - Eu devolvi a palavra.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - O.k.
Quero, então, agradecer ao palestrante, o Dr. Paulo Nogueira, a importante contribuição, que chegou no tempo certo e permitiu que pudéssemos ganhar esse conhecimento.
Neste momento, passo a palavra ao nosso Relator, o Deputado Francisco Jr.
O SR. FRANCISCO JR. (PSD - GO) - Bom dia, Presidente, Deputado Da Vitoria.
Cumprimento os palestrantes e parabenizo a todos pela transmissão de suas experiências, enfim, pela grande contribuição que nos deram neste momento. Também cumprimento a todos os consultores e as assessorias da Câmara.
Presidente, gostaria de fazer um breve comentário e também pediria um comentário dos nossos palestrantes.
Em 2019, eu tive a oportunidade de ser o Relator da Comissão Mista do Congresso que acompanhou os gastos no início da pandemia, no primeiro ano, quando tudo estava ainda muito incerto, quando houve lockdown e toda essa realidade. Houve a descoberta dos milhões de brasileiros invisíveis, e aí veio o auxílio emergencial. Mas eu sempre disse que o auxílio teria de alcançar as duas pernas: o CPF e o CNPJ.
Para o CPF, tudo caminhou muito bem. Agora, para o CNPJ, apesar de todas as dificuldades do CPF, apesar dos mais de 50 bilhões de reais que foram entregues de forma equivocada, e existe uma discussão sobre as pessoas que receberam o auxílio sem terem direito, com relação ao CNPJ ou às empresas, foi muito comum, em todas as reuniões da Comissão — e recebemos os Presidentes do BNDES e do Banco Central, e o Ministro da Fazenda várias vezes —, uma discussão para a qual eu gostaria até de resgatar uma expressão que um Senador sempre usava: "A caixa d'água está cheia, mas a água não consegue chegar ao povo".
Nós percebemos que, apesar do PRONAMPE, apesar de tudo isso, aquilo que efetivamente foi realizado na época foi muito aquém do esperado e até do disponibilizado. Eu me lembro de que, em determinado momento, havia 20 bilhões de reais de recursos para serem ofertados como crédito, e depois de 3 meses só havia sido realizada a contratação de 5 bilhões de reais. Digo isso para citar um exemplo, em algum momento do ano, de que me lembro desse número.
Existe uma máxima maldosa entre as pessoas: para você conseguir um empréstimo no Banco do Brasil, você tem de comprovar que não precisa do empréstimo! Se você provar que está tudo bem, que você caminha sozinho, você cumpre todas as prerrogativas para conseguir o crédito!
Hoje, diante de todas as falas, uma das que mais me marcou, foi, se não me engano, o Arthur que disse: "O Brasil continua profundamente injusto e não consegue acompanhar os outros países em desenvolvimento".
Apesar de algumas telas serem muito simpáticas, que vejo que demonstram todo esse esforço de o Brasil crescer, diante de todas as dificuldades que são próprias nossas, tupiniquins, eu pergunto: na visão dos senhores, há uma satisfação na forma como está hoje, quer dizer, as metas estão sendo batidas, as metas estão sendo cumpridas? Ou esse sentimento que eu tenho ou que eu percebo de que não está bom e que está piorando é verdadeiro? E nessa área, é claro, da questão da oferta de crédito e do poder de investimento para o desenvolvimento do País.
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Eu gostaria que vocês (falha na transmissão) todos já falaram disso de diversas formas. As medidas que estão sendo tomadas estão certas? O caminho é esse? As metas são essas? O que nós podemos fazer — inclusive esta Comissão — para alertar, para apontar aos órgãos responsáveis como podemos ter correção de rumo, a fim de que nós pelo menos acompanhemos os demais países em desenvolvimento?
Presidente, mais uma vez, obrigado. Parabéns pela sua condução dos trabalhos, e estou sempre aqui à disposição também.
Parabéns a todos!
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - V.Exa. encerrou sua fala, Deputado?
O SR. FRANCISCO JR. (PSD - GO) - Sim, Presidente.
Eu apenas pedi que, no momento oportuno, os palestrantes comentassem sobre essa questão da satisfação e sobre quais seriam os pontos para mudanças de rumo.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - A Internet aqui tem dado uma oscilada. Graças a Deus, acho que é a chuva no Espírito Santo que está molhando a nossa terra.
Quero agradecer a V.Exa., Deputado Francisco Jr., pela parceria e também pela grande missão de nós estarmos debatendo esse tema, que coincidentemente pensamos juntos, nesse período pós-pandemia.
Com a sua permissão, eu quero já passar a palavra aos nossos consultores, ao Consultor Pedro Garrido e, logo após, ao Claudio Nazareno.
O SR. PEDRO GARRIDO DA COSTA LIMA - Muito obrigado, Deputado Da Vitoria.
Todos me ouvem?
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR - Sim.
O SR. PEDRO GARRIDO DA COSTA LIMA - Perfeito.
Muito obrigado pela oportunidade.
Eu gostaria de saudar o Deputado Da Vitoria e o Deputado Francisco Jr. pela iniciativa de promoverem esse estudo sobre a retomada econômica e geração de emprego e renda no pós-pandemia.
Já vou direto às provocações, às perguntas que vou fazer aos palestrantes, os quais gostaria de saudar também, porque foram apresentações riquíssimas da Profa. Carmem Feijo, do economista Arthur Koblitz, do economista Paulo Nogueira Batista Junior e do Dr. Ricardo Sabbadini; elas foram muito enriquecedoras e versaram sobre a questão do crédito, dos financiamentos e das taxas de juros.
No momento em que o estudo foi proposto no âmbito do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, a taxa de juros referencial na economia, a taxa SELIC estava na mínima histórica, e hoje em dia nós encontramos um ciclo de aumento da taxa de juros referencial e, por consequência, das taxas gerais na economia.
Então, a primeira pergunta, a qual dirijo a todos os nossos palestrantes, é a respeito dos efeitos dessa questão do aumento das taxas de juros sobre o financiamento na economia e sobre o crescimento econômico; também pergunto sobre a necessidade de mudança estrutural e de crescimento da produtividade, que foram muito bem apontados.
10:39
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Especificamente sobre medidas relacionadas ao Banco Central, é muito interessante notar que foram feitas iniciativas de limite de taxa de juros. Eu gostaria de perguntar se esse tipo de instrumento pode ser ampliado para outros produtos ou mercados.
Também gostaria de perguntar sobre a compra de ativos, que foi um instrumento muito utilizado não só por países ricos, mas também por diversos países em desenvolvimento, e no Brasil esse instrumento não foi explorado. Essa é uma questão que eu acho importante, para saber sobre os instrumentos que o Banco Central também utiliza e sobre financiamento e taxa de juros.
Por fim, faço a pergunta sobre o papel dos bancos públicos, tema que foi muito discutido aqui. Parece haver uma retração no crédito direcionado e na atuação dos bancos públicos no Brasil, especialmente o BNDES.
Alguns estudos da Hunter mostram que há o aumento do uso dos bancos públicos e não só no número de bancos públicos, mas também no estoque de ativos que esses bancos detêm nas concessões de crédito. E isso acontece não só nos países em desenvolvimento — a teoria econômica diz que eles precisariam mais —, mas também nos países ricos. O próprio Reino Unido criou um banco justamente para financiar a infraestrutura e foi um país que teve uma trajetória diferente nos últimos anos, mas, hoje em dia, está recorrendo a bancos públicos. A Alemanha também é um país que recorre tradicionalmente a bancos públicos.
Eu gostaria que os palestrantes também discutissem isso, se as experiências internacionais podem ser importantes para esse estudo, para que outras políticas possam ser replicadas aqui no Brasil, justamente para aumentar a produtividade e para influenciar a mudança estrutural no nosso País em direção aos setores tecnologicamente superiores ou com maior nível de inovação ou geração de valor, como foi muito bem explicado com relação a atividades industriais.
Era isso.
Muito obrigado a todos.
O SR. CLAUDIO NAZARENO - Bom dia a todos.
Inicialmente, quero agradecer pelas apresentações. Realmente elas foram excelentes, com dados muito importantes sobre esse assunto que tanto tem preocupado o mundo. Temos visto que o mundo todo tem lançado planos de retomada da economia baseado em alguns setores especiais.
A Dra. Carmem bem pontuou a necessidade de geração de empregos de qualidade, de indústrias de baixo carbono e também de indústrias 4.0. Ela mencionou ainda a necessidade de financiamento de atividades e de fazer valer a pena o investimento privado, e não apenas o retorno rentista.
10:43
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Faço uma pergunta especialmente para a Dra. Carmem. Agora que estamos com esse problema da retomada da inflação — estamos discutindo a retomada da economia, mas infelizmente estamos vendo a retomada da inflação com uma certa persistência —, onde poderíamos colocar o sarrafo para essas taxas de juros para favorecermos o investimento privado e ao mesmo tempo não alimentarmos mais um pouco a inflação? Onde poderíamos colocar essa variável para tentarmos aumentar o investimento privado sem colocar muito dinheiro com relação à inflação?
Para o Dr. Ricardo, do Banco Central, eu tenho uma pergunta. O senhor colocou no seu gráfico que agora já há um crédito maior do que antes da pandemia para as CNPJs. Até que ponto esse crédito que foi repassado será apenas para recuperação das empresas? Já que passamos por um período de recessão, etc. e tal, até que ponto essa tomada de empréstimo que tem sido feita agora, referente a todo esse crédito voltado a CNPJs, não tem sido apenas para recuperação das empresas, para recuperação de inadimplência, etc., mas para uma atividade nova, de crescimento? Essa é uma pergunta que faço para o representante do Banco Central, porque eu não sei se tem como medirmos esse dado importante.
Tenho um questionamento para o Dr. Arthur. Eu acredito que a discussão do BNDES realmente ganhou uma nova roupagem agora com esta retomada. Assim como a Dra. Carmem mencionou, todos esses planos novos realmente estão olhando com outros olhos para os bancos de investimento nacionais. Eu fiquei curioso por que, na sua apresentação, o senhor tomou o ponto de inflexão perto do ano de 1980. Qual seria o ponto chave que coordena todos esses três pontos de inflexão, tanto o do Brasil, quanto os da Coreia e da China?
Por último, eu queria saber do Dr. Paulo Nogueira se existe alguma oportunidade de atração de investimentos pelo Banco do BRICS atualmente. Nós sabemos que a iniciativa BRICS foi muito alardeada e muito propagandeada pelos Governos anteriores, mas não temos visto esse multilateralismo sendo colocado na primeira linha de prioridades pelo Governo atual. Então, gostaria de saber se existem linhas de financiamento que o Brasil poderia atrair desse Banco do BRICS para a retomada da economia.
Basicamente, eram essas as perguntas.
Eu agradeço profundamente. Achei muito boas as apresentações.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Agradeço aos nossos Consultores Pedro Garrido e Claudio Nazareno.
Submeto a palavra aos nossos participantes. Caso alguém tenha algo mais a acrescentar, a palavra está franqueada.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR - Posso tentar responder, Deputado?
10:47
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O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Então já passo a palavra aos nossos palestrantes que foram demandados. Disponibilizo a palavra a V.Sa.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR - Posso, então, responder as perguntas?
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Pois não, Paulo Nogueira. Pode responder.
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR - Obrigado.
Foram muito boas as perguntas do Deputado Francisco Jr. e os pontos levantados pelo Pedro Garrido e pelo Claudio Nazareno. Eu vou tentar responder brevemente.
Eu creio que a pergunta do Deputado de certa forma contém a resposta. Há motivos para dizer que nós estamos com metas cumpridas, com resultados positivos e satisfatórios? Não, não há. No Brasil, nós temos tido mais insucessos do que sucessos no financiamento do desenvolvimento, no crédito, em parte porque o sistema privado não tem funcionado a contento nesse ponto de vista, em parte porque, quando dependemos demais de crédito externo, nós caímos em uma armadilha, e sobretudo — esse era o ponto que queria frisar, e com isso chego a uma das questões levantadas pelo Pedro Garrido — porque tomou conta do Brasil um preconceito contra o público. Esse preconceito é extremamente danoso. É claro que o público tem problemas que o privado não tem, mas o público tem também vantagens que o privado não tem, nessa área e em outras.
O desafio para um país em desenvolvimento é organizar de maneira sustentável e sólida a perna pública do sistema de financiamento. Nós temos material para isso, porque a tradição brasileira de bancos públicos é forte. Eu sei que há muitos problemas. Por exemplo, se você aprimora a governança para evitar distorções, má alocação e corrupção, você pode levar a uma perda de flexibilidade. Há dilemas inevitáveis, mas que são dilemas superáveis. Nós temos, pela nossa experiência, motivos para crer que, sim, sem preconceito contra o público, nós podemos retomar o financiamento do desenvolvimento em outras bases.
O Pedro lembrou que, enquanto o Brasil está restringindo os seus bancos públicos, cortando a sua capacidade de atuação, mormente do BNDES, no resto do mundo o que ocorre é o aumento do número e do tamanho dos bancos de desenvolvimento, não só em países em desenvolvimento, mas mesmo em países desenvolvidos, como ele notou: o Reino Unido criou um banco público de desenvolvimento; os Estados Unidos, agora no Governo Biden, criaram uma agência de desenvolvimento para financiar países emergentes e em desenvolvimento e concorrer com a China, que tem oferecido financiamentos em larga escala em todo o mundo em desenvolvimento. Então, enquanto o debate econômico mundial caminha na direção de reconhecer o papel do Estado na economia, o Brasil andou na direção oposta.
Eu escrevi um artigo que saiu ontem que diz que o Brasil tem um problema de timing inacreditavelmente ruim, porque, no momento em que o mundo caminha para uma agenda desenvolvimentista, keynesiana — agora com o Biden, então, os americanos escancararam isso —, o Brasil adota uma linha, que não é culpa só do Governo Bolsonaro, porque isso vem de antes, de demonização do público, o que levou que o Brasil tivesse no comando da economia um Ministro que é um fundamentalista de mercado, formado em uma universidade que é um ponto fora da curva, mesmo em termos do establishment econômico internacional. Então vejam a ironia: no momento em que o mundo descrê até mesmo do liberalismo mitigado, ensinado, por exemplo, em Harvard e no MIT, o Brasil adotou como Ministro da Economia um convicto formado pela Universidade de Chicago. Isso se traduz, no tema do nosso debate, numa hostilidade em relação aos bancos públicos.
10:51
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Claudio, é muito interessante explorarmos as oportunidades que nós temos. Por exemplo, o Banco dos BRICS, do qual eu fui um dos fundadores e cujo nome agora é Novo Banco de Desenvolvimento, sediado em Xangai, é uma oportunidade importante para o Brasil e para outros países, para os BRICS em geral. Você tem razão, Claudio, que ela foi muito alardeada no Governo Lula, principalmente no Governo Dilma, e depois foi desenfatizada. Eu explico isso no livro que lancei recentemente chamado O Brasil não cabe no quintal de ninguém, que tem uma parte grande dedicada aos BRICS e ao Banco de Desenvolvimento criado por eles. O banco tem vários problemas de gestão e foi prejudicado pela transição política brasileira desde o Governo Temer e agora no Governo Bolsonaro. O Brasil chegou ao ponto, no início deste ano, de atrasar a integralização do capital previsto no tratado que construiu o banco. O banco está sendo prejudicado pela regressão brasileira.
Respondendo a sua pergunta, sim, as linhas de financiamento não só são possíveis como já estão sendo utilizadas. O banco financia projetos na área de infraestrutura, de desenvolvimento sustentável e financia programas, como, por exemplo, criou linhas de fácil uso para financiar atividades de combate à pandemia no ano passado e continua neste ano. É um banco que poderia ser muito importante naquilo que se chama a economia da ecologia no financiamento do desenvolvimento sustentável, não só nos BRICS como também em outros países na medida em que eles forem entrando no nosso banco.
Eu não acredito que esse banco possa ter um papel importante com o Governo que temos agora, mas, a partir de 2023, se tivermos um governo brasileiro, nacional, orientado pelo desenvolvimento brasileiro e preocupado com as relações internacionais, esse Novo Banco de Desenvolvimento poderá fazer jus aos planos que nós tínhamos quando o criamos.
Devolvo a palavra, Deputado.
O SR. ARTHUR KOBLITZ - Nós vamos fazer um caminho contrário, talvez, do Paulo. Peço a palavra para mim e depois para o Ricardo...
O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JUNIOR - Vá lá! É isso mesmo.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - A palavra fica franqueada.
O SR. ARTHUR KOBLITZ - Eu vou tentar ser bem objetivo.
Deputado Francisco Jr., há algumas coisas básicas que nós precisamos desfazer. Primeiro essa reforma da taxa de juros, que estabelece a base para os financiamentos do BNDES. Isso precisa ser revisto urgentemente! Há várias opções, modelos.
O que eu vou falar será comprovado nos próximos meses. Nós estamos testando agora a subida da TLP junto com a SELIC. Qual era exatamente o papel da TJLP, antiga taxa do BNDES, no passado? Proteger a indústria e os setores reais de uma política monetária que nos últimos 30 anos foi completamente selvagem, exagerada, um mecanismo constante para atrair recursos para o setor financeiro em detrimento do setor real. O BNDES atenuava isso. Agora nós vamos bater numa taxa de juros que não tem esse papel. A taxa de juros do BNDES vai acompanhar a taxa de juros SELIC, e nós vamos ver as consequências disso. Eu só espero que façamos a revisão da TLP antes de o desastre todo ser gerado.
10:55
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O que poderia ser feito imediatamente? Criar exceções para a TLP para, pelo menos, investimentos em infraestrutura — pelo menos. Isso é o mínimo que poderia ser feito. A TLP precisa ser revista. É preciso criar exceções para a questão da infraestrutura, é preciso criar um mecanismo diferenciado da TLP com outros projetos. E você poderia fazer isso com outras fontes de destino de recursos. Um investimento óbvio é a questão da infraestrutura.
É preciso parar com o processo de esterilização dos recursos do BNDES. O BNDES continua devolvendo. Foi capitalizado um banco em 2008 no meio da maior crise mundial. Era consensual que a experiência da atuação do BNDES na época, em 2009 e 2010, foi positiva e importante. Começou uma controvérsia muito grande nos anos posteriores sobre a atuação, sobre o papel do banco e tudo mais.
Agora, você poderia rever as prioridades dos setores mantendo aqueles recursos dentro do BNDES, mas é um dilema para o mundo inteiro como conseguir recursos para o longo prazo. Nós tínhamos esses recursos mobilizados. Tínhamos 500 bilhões de reais dentro do BNDES. Nós estamos esterilizando isso e abrindo discussões sobre captação de recursos em dólar, para financiar. Isso não faz nenhum sentido. E o efeito fiscal disso é o efeito sobre dívida bruta, e não o efeito sobre a dívida líquida. Esse processo ainda pode ser freado. Nós temos 100 bilhões de reais dentro do BNDES. As razões que foram usadas para se justificarem essas devoluções são extremamente questionáveis. Entre elas, agora o TCU declarou ilegais os empréstimos que foram aprovados no Congresso Nacional, e o BNDES não fez a defesa da legalidade dos empréstimos na audiência que houve no TCU no início deste ano. Isto aqui é um tema para debate. Nós tínhamos que acabar com a esterilização dos recursos que ainda estão no BNDES.
Finalmente, nós precisamos estabelecer um novo planejamento estratégico — não uma coisa de Marte, mas uma coisa pensada e de longo prazo — para sabermos quais são os setores fundamentais nos quais nós vamos apostar. Conseguimos conceber que o Brasil pode alcançar uma liderança num médio prazo e num longo prazo. É disto que o Brasil precisa: de um caminho firme, uma sinalização firme por parte do setor público brasileiro de que ele tem uma estratégia, de que tem prioridades e de que isso não é só uma coisa contracíclica, mas é uma coisa permanente, estratégica, de longo prazo. Eu imagino que, quando a Carmem fala de convenção de crescimento, essa questão faça parte dessa convenção.
Essas seriam as minhas respostas para o Deputado Francisco Jr. Todas as perguntas foram muito boas.
Pedro, eu posso dizer a você que, se aumentaram os ativos desses anos dos bancos públicos, certamente esse não foi o caso do BNDES. Foi criada uma armadilha para o BNDES: você coloca uma taxa de juros que dificulta a injeção dos recursos. Isso é também uma coisa que o Deputado Francisco Jr. falou. Você criou uma taxa que dificulta ao banco injetar recursos — esses recursos condicionados, que podem ter um papel fundamental no aumento da produtividade. Então, os recursos ficam sobrando. Aí você devolve — devolveu quase 500 bilhões de reais — e também vende a carteira da BNDESPAR aceleradamente. Independente da pandemia, continuou-se vendendo a carteira. O BNDES já vendeu toda a carteira da Vale que ele tinha. E a programação prometida é, até o final do ano, acabar com praticamente toda a carteira da BNDESPAR, sem que esses recursos tenham nenhum destino claro. A BNDESPAR vai mudar a composição da sua carteira, vai ter menos PETROBRAS, menos Vale, para ter mais fundo de capital semente? Não, não se tem uma proposta publicamente colocada. Como já chamei a atenção, a ideia de que esses recursos estão indo para saneamento é simplesmente falsa; até agora isso não aconteceu. Nós estamos investindo muito menos em saneamento do que investíamos há 6 ou 7 anos, e em todos os outros setores de infraestrutura. E, sim, a Alemanha, a potência industrial tecnológica alemã, capitalizou o seu BNDES, o KFW, e ele foi um dos protagonistas do combate à crise econômica da pandemia. Então, a Alemanha colocou o KFW, enquanto o Brasil assistiu a um encolhimento, a um, como dizemos na associação, desmonte do BNDES, durante essa mesma pandemia.
10:59
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Finalmente, Claudio, por que 1980? Muito obrigado por essa pergunta. O Brasil, ali em 1980, vivia a crise da dívida. É a crise da dívida que vai levar à inflação alta, ou hiperinflação no Brasil dos anos 80, até o Plano Real, e é a nossa reação a essa crise que explica boa parte de como é que nos metemos nessa armadilha nesses últimos 30 anos.
Primeiro, a crise da dívida, a crise a que ela conduziu, levou a um entendimento, a uma percepção de que tudo que o Brasil havia feito no seu modelo de desenvolvimento estava errado, que toda a industrialização brasileira era artificial, que era fruto só de protecionismo, que não tinha competitividade e tal, e que o modelo era completamente errado. Então, aquele modelo de uma economia que tinha sido extremamente dinâmica passou a ser completamente demonizado.
Depois nós mergulhamos numa visão zero pragmática do neoliberalismo. O neoliberalismo, como visão de reformas a serem feitas, foi absorvido em quase todo o mundo. A China realizou essas reformas. Só que esses países absorveram as reformas de acordo com um plano institucional. Aqui no Brasil, e na América Latina, isso foi feito da forma mais dogmática possível. Então, estabeleceu-se um desmonte, e a verdade é que até hoje nós não fomos capazes de reencontrar um modelo que durante 30 anos orientou a nossa política de desenvolvimento. E, olha, lançado em grande medida lá no período democrático de Juscelino Kubitschek, ele sobreviveu à ditadura militar. Foi uma ideia de desenvolvimento, um modelo que permitiu ao Brasil se diversificar, expandir sua indústria em vários setores, e tudo mais.
Realmente não conseguimos lidar com isso, e eu acho que essa é uma das questões centrais, ideológica, e uma reflexão que tem que ser feita no Brasil, como temos uma visão nova, e tendo claro o que é isso. Acho que o que está acontecendo no resto do mundo ajuda a entender o que é preciso ser feito. Cada vez mais até países como os Estados Unidos deixam claro que, para enfrentar o desafio chinês, é preciso, sim, uma ação estratégica, setorial, direcionada, para que se tenha desenvolvimento e se tenha aumento de produtividade.
Agradeço muito por ter participado do debate. Apreciei muito as apresentações dos meus colegas aqui e também as perguntas.
Obrigado.
11:03
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O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Eu pergunto aos nossos palestrantes Carmem Feijo e Ricardo Sabbadini se vocês podem usar da palavra, para darem a sua contribuição às perguntas e fazerem as considerações finais.
O SR. RICARDO SABBADINI - Muito obrigado, Deputado.
Eu vou responder as perguntas de maneira breve, focando, primeiro, nas perguntas pontuais dos Consultores Legislativos Sr. Claudio Nazareno e Sr. Pedro Garrido.
A questão do Sr. Claudio é sobre até que ponto podemos saber qual o uso do crédito que as pessoas jurídicas estão fazendo. Não existe essa informação. Nós sabemos as modalidades de crédito em que os empréstimos ocorreram, mas não temos a informação, não existe a estatística precisa do que as empresas estão fazendo com isso.
Do ponto de vista das modalidades, eu posso recomendar as estatísticas do Banco Central e o trecho do relatório de inflação que comenta sobre as modalidades. Eu posso aqui antecipar que o financiamento às exportações tem ficado no patamar acima do visto em 2019; o capital de giro está no patamar semelhante ao visto em 2019 nas concessões recentes; e modalidades rotativas de pessoa jurídica, como conta garantida e cheque especial, estão em patamares mais baixos, possivelmente foram substituídas pelos programas emergenciais.
Destaco também que no relatório de inflação, na seção sobre atividade econômica, apesar de ser impossível não termos as estatísticas que dizem qual uso as empresas estão fazendo com esses recursos, podemos olhar indicadores do investimento da economia brasileira e olhar a formação bruta de capital fixo das Contas Nacionais, que, no momento atual, tem oscilações grandes, influenciadas por operações fixas no âmbito do REPETRO relacionado ao regime tributário especial, mas também podemos olhar a produção de bens de capital na economia brasileira e a produção de insumos típicos da construção civil, duas medidas relacionadas a investimento que estão em patamares, nesse primeiro semestre de 2021 e começo do segundo semestre, de 10% a 20% acima do que se viu em 2019, indicando que existe uma expansão do investimento em relação ao nível pré-pandemia na economia brasileira.
Nas perguntas do Sr. Pedro Garrido sobre o impacto da taxa de juro SELIC, eu quero deixar claro que a formação de política monetária cabe ao Comitê de Política Monetária — COPOM, que é composto pelo Presidente e os Diretores do Banco Central. Então, eu não posso falar por eles. Eu tenho que me ater à ata. Mas há um movimento de aperto monetário em curso.
No último eslaide que eu mostrei sobre os spreads, observamos que os spreads para a pessoa jurídica continuam estáveis, num patamar baixo, com elevação da taxa de juros na ponta, em parte relacionada ao custo de captação que se espera, dada a elevação da SELIC.
Então, imagina-se que há uma relação dos juros bancários com o movimento da SELIC. E, como o próprio relatório de inflação afirma, o movimento de aperto monetário ora em curso influencia o ritmo do fechamento do hiato do produto. Isso é explicitado no capítulo 2 do relatório. Esse aperto de política monetária influencia o ritmo de fechamento do hiato do produto, mas isso é importante para manter as expectativas de inflação ancoradas, algo que foi tema de um boxe bastante detalhado do mesmo relatório de inflação. Também é importante para manter, no horizonte de longo prazo, a taxa de juros ancorada em patamares mais baixos, para deixar claro que o Banco Central está comprometido com o seu objetivo fundamental de estabilidade de preços.
Essa é a minha interpretação a partir dos documentos oficiais, do relatório de inflação e da ata.
Sobre a taxa de juros do cheque especial, este é um produto muito específico, com peculiaridades, e algumas características dele se assemelham ao serviço financeiro e não exatamente ao crédito. Existe uma nota técnica detalhando todas as características que fizeram o Banco Central optar por essa regulamentação específica do limite de juros, em particular relacionado ao poder de mercado na oferta do produto cheque especial, da taxa de juros cobrada, se pouco sensível ao risco de crédito do tomador de empréstimo. A concessão de limites pré-aprovados, mesmo quando não utilizados, impõe custos sobre as instituições financeiras pela exigência de capital delas. Então há vários pontos específicos. Foi uma medida muito específica voltada para um produto com peculiaridades — não é algo expandido para outros produtos de maneira irrestrita. Caso a caso, foi um caso muito particular.
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Sobre a compra de ativos pelo Banco Central, foi liberada junto com a tramitação da PEC do Orçamento de Guerra a possibilidade de o Banco Central, para fins de política monetária, tomar essa atitude, e o Comitê de Política Monetária optou por não usar esse instrumento.
Acho que essas são as perguntas específicas dos consultores.
A respeito da questão do Deputado Francisco Jr., especificamente sobre a sua experiência, em 2020, na Comissão Mista, quando nós olhamos o desembolso dos programas emergenciais de crédito — as informações estão no relatório de estabilidade financeira, divulgado ontem em uma sessão especial —, podemos verificar uma peculiaridade: os recursos do PESE, um programa em particular, demoraram mais para sair, tanto que havia um montante reservado para o PESE, e parte desse montante não utilizado foi utilizado em outros programas, foi transferido para outros programas.
Então, o PESE não utilizou a totalidade de recursos, mas os do PRONAMPE e do PEAC foram usados completamente. Foram outros os programas específicos. Nesse caso, esses programas tiveram toda a saída esperada. No caso do PEAC, relacionado ao FGI, nós tivemos que o crédito relacionado a esse programa até excedeu o que seria o mínimo esperado, se os bancos usassem o mínimo das garantias. Os bancos até emprestaram mais do que a garantia mínima.
Sobre a sua visão mais geral de quais avanços existem para serem feitos no sistema financeiro para aumentar o acesso a crédito, eu acho que é importante deixar claro os pontos que estão na Agenda BC#, agenda estrutural do Banco Central. Vários pontos nessa agenda buscam democratizar, ampliar e baratear o crédito. Eu não quero me estender, há alguns colegas no Banco Central mais especializados.
A Agenda BC# está relacionada à inovação tecnológica, e o Pix é um exemplo claro. O sistema financeiro aberto, o Open Banking, o Open Finance, também relacionados a como as pessoas podem usar suas informações bancárias para aumentar a competitividade, receberem novos produtos, abrem espaços para avanços estruturais grandes, conforme ampliação desse novo ambiente. Inovações futuras podem aparecer dentro desse novo arcabouço.
Muito obrigado.
Encerro aqui.
A SRA. CARMEM FEIJO - Acho que agora é minha vez. Agradeço as perguntas, agradeço também a apresentação dos colegas. Aprendi bastante ouvindo as apresentações.
Eu vou tentar me organizar. Acho que vou começar com a questão do Deputado, porque também foi a última que o colega do Banco Central mencionou.
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Uma expressão que eu ouvi bastante no ano passado em relação às especulações sobre essas políticas de crédito no período emergencial, é que você poderia levar o cavalo para beber água, mas não pode forçar o cavalo a beber água. Então, a questão da concessão realmente, a rigor, fica segundo a avaliação dos bancos.
Em uma economia estagnada, com alguma incerteza, principalmente no ano passado, acho que a previsão de risco, a avaliação deveria estar muito elevada, e com isso não se teve tanto sucesso nas políticas de crédito. Isso, então, nos leva a ressaltar a importância dos bancos públicos.
Como foi bem debatido aqui, estamos na contramão do que está sendo feito no resto do mundo, que é valorizar os bancos públicos, ver a importância dos bancos públicos, em particular dos bancos de desenvolvimento.
Eu me lembro também do que correu na época da crise de 2008, em que o Obama teria dito que tinha inveja do Brasil, porque o Brasil — falando do Presidente Lula, na época — tinha um banco de desenvolvimento, e os Estados Unidos não tinham um banco de desenvolvimento, pela atuação contracíclica naquele momento, que teria sido importante para a recuperação da economia. De fato, em 2010, a economia tem uma... Essa realmente foi uma recuperação feita. Então, eu acho que a questão dos bancos públicos faz parte.
Como o Arthur tinha mencionado, nesse arcabouço, nessa ideia de se ter uma convenção de desenvolvimento, tem que haver instrumentos e instituições que possam implementar políticas de desenvolvimento. Com certeza, os bancos públicos e os bancos de desenvolvimento, em particular, são fundamentais.
Sobre a questão do Claudio Nazareno, o papel que esses bancos podem exercer é justamente minimizar as incertezas que são envolvidas em qualquer tipo de comprometimento de recursos com um horizonte maior de tempo, que é tudo o que se quer de um investimento, principalmente investimento em tecnologia, investimento em mudanças estruturais relevantes. Isso eu acho que pode ser suprido por bancos públicos. Então, é necessário que se preserve esse espaço e que se aumente, pelo que entendo, a importância dele.
Hoje em dia, a retomada da inflação é claramente por pressão de custos, em que, a longo prazo, a forma de superar os gargalos na estrutura produtiva é justamente por meio do investimento. E hoje há um único instrumento para poder controlar a inflação, na narrativa de que é importante ancorar as expectativas. Com isso, eu aumento a taxa de juros. Só que, aumentando a taxa de juros, eu estou justamente desestimulando algo que eu precisaria implementar para poder olhar num horizonte mais longo de tempo. Eu acho que a nossa política econômica em geral sempre foi muito conservadora, em particular a política monetária. A partir disso, eu entendo, por exemplo, a pergunta que o Pedro fez e a resposta do colega do Banco Central. Quer dizer, o Banco Central poderia ter feito compra de ativos, mas optou por não fazê-lo, o COPOM optou por não fazer isso.
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Eu acho que isso segue dentro dessa narrativa bastante conservadora, porque é importante a sinalização do Banco Central para os agentes de mercado. No fundo, quando falamos dos agentes de mercado, estamos falando basicamente dos agentes do setor financeiro, que são aqueles que podem até fazer mais presente a sua voz pelo fato de terem mais recursos e poderem patrocinar bastantes estudos, referendando então a necessidade da adoção de políticas bastante conservadoras, que foi o nosso exemplo.
Eu volto também ao que foi falado aqui sobre a necessidade de se olhar o que está sendo feito no resto do mundo. Duas crises internacionais, em escala mundial, colocaram em xeque o nosso conhecimento sobre os modelos macroeconômicos. Mas, aparentemente, continuamos muito avessos a esse debate internacional. Eu acho que foi bem falado aqui. Os bancos públicos são importantes, o investimento público é importante. O funding é uma questão importante para esses gastos? Sim, mas essa é uma questão a ser debatida. Não podemos negar o fato de que há uma nova agenda sendo discutida em escala mundial, e estamos na contramão de tudo, com a economia encolhendo.
E o indicador mais visível na minha avaliação é a deterioração do mercado de trabalho. Eu acredito que a questão da relação crédito com o PIB, no fundo, não está gerando riqueza nova. Essa relação serve para pagamento de dívidas antigas, aproveitando inclusive o bom momento da taxa de juros, até pouco tempo atrás declinante.
Então, eu acho que é uma questão muito séria realmente a retomada do investimento. Para isso é clara a necessidade de crédito, mas também de um ambiente de confiança, que leve os agentes a correrem riscos. E eles só vão fazer isso se as perspectivas que eles têm de crescimento forem sólidas suficientes para movê-los nessa direção.
É nesse sentido que entendo que falta planejamento econômico. Eu acho que essa ideia tem que ser resgatada. O papel dos bancos públicos e dos bancos de desenvolvimento é fundamental, porque só assim eu acho que vamos conseguir sair deste estado em que estamos, de encolhimento, avesso ao debate internacional.
11:19
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Com isso, eu termino a minha intervenção, porque eu já falei muito.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Francisco Jr. PSD - GO) - Obrigado, Dra. Carmem.
Eu pergunto se mais alguém presente gostaria de fazer uso da palavra?
Informo que o Deputado Da Vitoria pediu licença. S.Exa. teve que se dirigir para o aeroporto agora, porque o horário do seu voo ficou no limite, por isso teve que se deslocar.
Peço desculpas, mas nós entendemos aqui que hoje todo mundo é multitarefa. Nós todos fazemos várias atividades ao mesmo tempo. Essa é a realidade de hoje.
Eu pergunto se algum consultor ou palestrante gostaria de fazer mais alguma consideração, senão nós vamos nos encaminhar para o encerramento. (Pausa.)
Deixa eu só ver aqui o bate-papo. Como ninguém se inscreveu, não há mais ninguém que queira falar, eu encerro a nossa audiência pública.
Agradeço, mais uma vez, a participação de todos da consultoria, o apoio da TV Câmara também, que transmite e dá publicidade e transparência a toda essa discussão.
Informo que, no momento oportuno, será convocada a próxima audiência, que já está agendada.
Um abraço e uma boa semana a todos.
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