3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Extraordinária (virtual))
Em 20 de Outubro de 2021 (Quarta-Feira)
às 15 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Boa tarde a todos e a todas.
Reunião de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias –– quarta-feira, 20 de outubro de 2021, 15h34min.
Declaro aberta a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias destinada a tratar das recomendações recebidas pelo Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal — RPU sobre o direito à moradia. O evento é consequência da aprovação do Requerimento nº 14, de 2021, de minha autoria, subscrito pelos Deputados Bira do Pindaré, Frei Anastacio Ribeiro, Joenia Wapichana, Padre João, Sâmia Bomfim, Sóstenes Cavalcante e Vivi Reis.
Esta é a 20ª Audiência Pública do Observatório Parlamentar da RPU, sediado nesta Comissão, fruto de parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A RPU é uma avaliação mútua entre os países que compõem as Nações Unidas quanto à situação de direitos humanos. A metodologia detalhada e mais informações podem ser encontradas no portal www.camara.leg.br/observatoriorpu.
Agradeço à Consultora do ACNUDH, Sra. Fernanda Ribas, pela elaboração do relatório preliminar, que será debatido aqui hoje.
Esta audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm, pelo perfil no Facebook @cdhm.camara e pelo Youtube da Câmara dos Deputados. Pode-se também acompanhar nossas notícias pelo Instagram @cdhm.cd.
Os cidadãos podem apresentar contribuições através do Portal e-Democracia.
Comunico aos expositores que farão uso da palavra pelo tempo de 5 minutos. Peço a todos e a todas que possamos ficar dentro do tempo estipulado. Os Parlamentares inscritos poderão usar da palavra pelo tempo de 3 minutos.
Dando início, portanto, às atividades, passo a palavra à Sra. Mariana Neris, Secretária Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a quem agradeço mais uma vez por se disponibilizar a participar de audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, em parceria com o Observatório das Nações Unidas, para debatermos as recomendações realizadas.
Passo a palavra à Sra. Mariana Neris.
A SRA. MARIANA NERIS - Boa tarde. Boa tarde, Exmo. Deputado Carlos Veras. Aqui cumprimento toda a Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Em seu nome, Deputado, cumprimento todas as autoridades presentes.
Também quero fazer menção, de forma especial, à Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua e saudar todos os seus membros e representantes.
Cumprimento também todos os nossos ouvintes.
Eu queria me apresentar. Estou no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Eu sou uma mulher de cor clara, tenho cabelos de cor clara com luzes, estou vestindo uma camisa cinza e usando um colar brilhante. Estou ao lado do meu colega Carlos Ricardo, Coordenador-Geral da População em Situação de Risco, e, à minha direita, está a colega Georgia, nossa representante da Assessoria Internacional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Nós estamos perante uma mesa de trabalho, com a grata satisfação de representar a nossa Ministra Damares, para trazer as informações relativas à pauta do direito a moradia.
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Quero cumprimentar mais uma vez a Comissão e parabenizá-la pelo acompanhamento e monitoramento dessa Revisão Periódica Universal, das recomendações periódicas para o Brasil, e agradecer pela oportunidade de trazer algumas informações a respeito da política voltada à moradia de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Quero destacar que nós sentimos falta, neste primeiro momento do debate — isto deixo como sugestão para os próximos diálogos que fizermos —, da presença do Ministério do Desenvolvimento Regional, que tem a oportunidade de dialogar sobre as políticas de habitação, mas nós traremos aqui uma parte que compete ao nosso Ministério e que diz respeito às políticas voltadas à população em situação de rua. Portanto, a nossa participação aqui vai ser limitada dado o escopo da nossa governabilidade em torno dessa pauta.
Gostaria de dizer, Deputado, que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos tem atuado desde 2019 na perspectiva de proteção e defesa dos direitos da população em situação de rua. Prova disso se dá em torno da pauta da própria COVID, pois nós tivemos a oportunidade de repassar recursos a Estados e Municípios para a preservação das moradias temporárias, provisórias, inclusive metodologias e aspectos que foram fundamentais para a preservação da população em situação de risco. Nós tivemos vários instrumentos normativos que previram recursos e repasses, uma forma, sim, de proteção e moradia.
É claro que, dada a excepcionalidade da COVID, da pandemia, nós temos as moradias que foram permitidas com o uso de recursos federais, por meio da Medida Provisória nº 953, de 2020, que abriu um crédito extraordinário no valor de 2,5 bilhões de reais para o enfrentamento da emergência em saúde pública pela rede de assistência social.
O Ministério da Cidadania editou portarias operacionalizando repasses de recursos emergenciais a Estados, Distrito Federal e Municípios, a exemplo das Portarias nºs 369, de 29 de abril de 2020, 378, de 7 de maio de 2020, e 468, de 13 de agosto de 2020. Nós mandaremos relatórios depois, de forma escrita, para que a Comissão também faça o registro adequado dos efeitos desses instrumentos.
Com base nesses recursos, também foram destinados a esses entes recursos para o desenvolvimento de ações para a proteção de pessoas em situação de rua, pessoas desabrigadas, pessoas desalojadas, imigrantes ou pessoas com necessidade de remanejamento do seu local, até então, de acolhimento provisório. Foram abertas outras unidades provisórias e foi expandida a rede de acolhimento da assistência social. Também foram realizadas outras medidas de proteção para aluguel temporário e hospedagem para indivíduos e famílias.
Além disso, nós implementamos o Projeto Moradia Primeiro, que nós chamamos de housing first, uma metodologia específica, internacionalmente reconhecida e também defendida pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua, que o Carlos Ricardo terá a oportunidade de citar.
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Por fim, aproveitando o nosso tempo, que é muito curto, gostaria de citar também o Programa Famílias Fortes, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que tem a oportunidade de trabalhar metodologias voltadas ao fortalecimento das relações familiares, para prevenção das situações de risco que envolvam crianças e adolescentes com o uso abusivo de drogas, crianças de 6 anos a 12 anos de idade, filhas de pais usuários de drogas, visando o fortalecimento do convívio familiar e comunitário.
Então, por meio desses principais programas, o Governo Federal entende que as recomendações já foram parcialmente atendidas, na perspectiva da proteção integral para as pessoas em situação de rua e em condição de vulnerabilidade.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Secretária, pela apresentação.
Quero comunicar a todos e a todas que convidamos o Ministério do Desenvolvimento Regional para o debate. Mas, por motivo de agenda, não indicou representante.
Quero também aqui registrar a presença da Vice-Presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minoria, a Deputada Erika Kokay, que também preside a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua.
Na hora em que V.Exa., Deputada Erika, desejar fazer uso da palavra, é só solicitar. E, com muita honra, passaremos a palavra a V.Exa.
Convido agora o Sr. Carlos Alberto Ricardo Júnior, Coordenador-Geral da População em Situação de Risco, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, para fazer uso da palavra.
O SR. CARLOS ALBERTO RICARDO JÚNIOR - Boa tarde, Deputado Carlos Veras, em nome de quem eu cumprimento todos os Parlamentares e todas as autoridades que estão participando e também nos assistindo por meio dos canais da Câmara e pelo Youtube.
Já fui apresentado pela Secretária Mariana, que também fez a sua apresentação.
Apenas para completar as informações, eu sou um homem negro, de cabelos crespos e estou com um terno cinza.
Entrando nas especificidades da nossa atuação relacionada à implantação de um projeto que visa a ofertar moradia para as pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, com destaque para as pessoas em situação de rua, vou falar um pouco sobre o Projeto Moradia Primeiro.
Nós temos uma política nacional para a população em situação de rua que está em vigência desde dezembro de 2009. Então, são quase 12 anos de política pública para a população em situação de rua.
Com a instituição dessa política, nós tivemos uma série de avanços voltados para essa população, com acesso a serviços, aumento de vagas, cadastramento no CadÚnico, projetos pontuais em Estados e Municípios, adesão de vários entes à política nacional, programas de proteção e defesa de direitos dessa população. Poderia fazer aqui uma lista enorme, mas eu não vou entrar nesse detalhe agora para não fugir do nosso tema.
Mas, ao dizer isso, eu destaco que, apesar de uma relativa melhora na qualidade de vida dessas pessoas e do grande acesso a uma quantidade significativa de serviços, essas pessoas continuaram em situação de rua. Então, o modelo de política vigente hoje foi identificado como ineficaz para garantir a superação das pessoas em situação de ruas. Isso por quê? Exatamente pelo tema que nós estamos tratando aqui hoje: porque faltou, dentro desse modelo de política pública, o acesso à moradia. A moradia era colocada como o último acesso dentro de um processo etapista, ou seja, de acesso gradativo, como se fosse um degrau de uma escada de cada vez, para ilusoriamente tentar chegar à moradia no fim dessa etapa.
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A nossa proposta com o Moradia Primeiro é utilizar uma metodologia internacional que teve o seu início na década de 90, nos Estados Unidos, que já está disseminada pela Europa e que chegou recentemente à América Latina, tendo à frente o Chile, o Brasil e o Uruguai puxando esse debate, há mais ou menos 3 anos. Trata-se de uma metodologia que coloca o acesso à moradia em primeiro lugar, tendo a moradia como porta de entrada para manutenção dos demais direitos.
Então, o chamado Moradia Primeiro é essa estratégia que, se eu puder resumir o projeto aqui, vincula o acesso à moradia num espaço inserido dentro da comunidade, dentro da cidade, e não nas periferias, como normalmente acontece em alguns programas habitacionais, mas sim inserido dentro da cidade, dentro da comunidade, com acesso ao transporte público, à educação, à saúde, a todos os bens e serviços que uma cidade precisa ofertar.
Além disso, há o suporte técnico de uma equipe qualificada que faz o acompanhamento individualizado dessa pessoa, ajudando-a a superar suas vulnerabilidades, a se inserir na comunidade, a ter relações com os seus vizinhos e a acessar as políticas públicas, de forma que, ao juntar essas duas coisas, nós promovemos o acesso à moradia e a inserção e o acesso a todos os seus direitos.
Na verdade, é uma ampliação da lógica, da forma como historicamente se olha para o acesso à moradia, que extrapola o acesso à propriedade; é o reconhecimento da moradia como um direito humano. E, ao reconhecê-la como um direito humano, tem-se, inclusive, a possibilidade de ofertar o acesso à moradia como um serviço, não excluindo o acesso à propriedade, mas entendendo que as pessoas em uma determinada situação de vulnerabilidade precisam acessar essa moradia primeiro como um serviço. E elas terão, num segundo momento, a possibilidade, se for o desejo delas, de acessar a moradia como propriedade e de migrar, então, para outros programas que já existem.
Então, esse projeto foi construído para atender prioritariamente as pessoas que estão em situação crônica de rua. O que quer dizer isso? Pessoas que estão há mais de 5 anos em situação de rua, com transtorno mental e uso abusivo de álcool e outras drogas. Isso serve para qualquer pessoa em situação de rua, mas tem esse público como prioritário. Hoje, nós já estamos com a destinação de 9,2 milhões de reais para esse processo inicial de implantação do Moradia Primeiro. Há perceptivas de ampliação desses recursos para o próximo ano, a fim de alcançar essa população.
Inspiradas nesse modelo, nós temos também estratégias, já em estudo, de ampliação da proposta, numa lógica que chamamos, e que é reconhecida internacionalmente, de redomiciliamento rápido, que visa à prevenção da situação de rua. Quando você identifica uma pessoa que está em vulnerabilidade antes de ela chegar à rua, você, então, tem a possibilidade de atuar de forma mais rápida para que ela possa superar aquela situação; ou, quando a pessoa acabou de entrar na situação de rua, você tem condição de, em uma atuação muito rápida, permitir que ela supere aquela situação. É o caso de jovens que completaram a maioridade e saem de abrigos para criança e adolescente e muitas vezes não têm para onde ir. Com essa estratégia de redomiciliamento rápido, podemos atuar antes que essa pessoa chegue à situação de rua. Outros exemplos: mulheres vítimas de violência, pessoas LGBTs que são expulsas de suas residências, e por aí vai. Nós temos uma série de exemplos de públicos específicos que podem ser atendidos por essa proposta, tanto no Moradia Primeiro, com a metodologia completa, quanto em formato de redomiciliamento rápido. Há muito mais coisas para falar, mas aqui, neste curto tempo, é este o início para também expandirmos o debate. E depois repassaremos as informações completas para compor o relatório.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado pela participação, Carlos Alberto.
Vamos agora transmitir um vídeo com a participação do Relator Especial sobre o Direito à Moradia Adequada da ONU.
(Exibição de vídeo.)
O SR. BALAKRISHNAN RAJAGOPAL (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Exmo. Sr. Carlos Veras, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, ilustres Deputados e Deputadas, obrigado por me convidarem, como Relator Especial da ONU sobre Direito à Moradia Adequada, para esta audiência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados do Brasil.
Eu parabenizo profundamente esta iniciativa da Comissão de acompanhar as recomendações feitas durante a última Revisão Periódica Universal — RPU para o Brasil. Os legisladores desempenham um papel fundamental na proteção dos direitos humanos e sua realização. Esta audiência é, portanto, muito importante e oportuna.
Em julho de 2017, as seguintes três recomendações relacionadas ao direito à moradia adequada foram feitas para o Brasil. O Conselho de Direitos Humanos requereu ao Brasil: reforçar as políticas públicas para reduzir o número de moradores de rua e criar condições de acesso à habitação a preços acessíveis para famílias de rendimentos baixos e médios, recomendação da Angola; continuar os esforços para garantir moradia adequada a todos, recomendação de Bangladesh; tomar medidas adicionais para melhorar a promoção e proteção de direitos da criança, com o objetivo de erradicar completamente a situação de crianças em situação de rua, recomendação da Croácia.
Diversas recomendações são de longa data, feitas por órgãos de direitos humanos da ONU ao Brasil. Já em 2004, o primeiro Relator Especial sobre o Direito à Moradia Adequada, Miloon Khotari, depois de completar sua visita oficial ao Brasil, sublinhou, em suas recomendações ao Brasil, a necessidade de uma política nacional de habitação abrangente baseada em direitos humanos, englobando tanto considerações urbanas quanto rurais.
Realçou que as políticas e programas de habitação, incluindo esquemas de financiamento de habitação, devem reforçar o seu enfoque nos segmentos pobres e vulneráveis da população. E destacou que deve ser dada a atenção urgente àqueles que vivem em condições precárias de moradia, incluindo os moradores de rua e de favelas, além de famílias que vivem em acampamentos rurais temporários sem serviços básicos, até alocação de terras.
Em 2009, o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que monitora a implementação das obrigações de direitos humanos no Brasil sobre o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, recebeu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social — SNHIS, cuja principal tarefa é a urbanização de favelas, construir casas e melhorar as condições de moradias de grupos de baixa renda.
No entanto, o Comitê observou com preocupação que há mais de 6 milhões de pessoas no Brasil que vivem em assentamentos urbanos precários, que há um grande número de moradores de rua e que fluxos significativos de migração para
áreas urbanas intensificaram o déficit habitacional.
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O Comitê estava ainda preocupado com a ausência de medidas adequadas para fornecer habitação social para famílias de baixa renda, indivíduos e grupos desfavorecidos e marginalizados. Recomendou-se ao Brasil a adoção de medidas adicionais para lidar com o problema de moradores de rua, garantir acesso adequado à moradia para famílias de baixa renda, indivíduos e grupos desfavorecidos e marginalizados e melhorar as instalações de água e saneamento das unidades habitacionais existentes.
Finalmente, a comunidade internacional, incluindo o Brasil, assumiu o compromisso de garantir, até 2030, o acesso de todos à habitação e aos serviços básicos adequados, seguros e acessíveis e de melhorar favelas e assentamentos informais, de acordo com a Meta 11.1 dos ODS –– Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Ilustres Deputados e Deputadas, estou falando com vocês em um momento histórico. A pandemia da COVID-19 deixou claro que a habitação é a linha de frente na batalha contra o vírus e, portanto, está no centro das atenções do público. Já havia uma pandemia de despejos e desabrigados no Brasil antes mesmo da eclosão da COVID-19. O vírus tornou os impactos muito mais sérios e generalizados, especialmente em comunidades marginalizadas, incluindo comunidades quilombolas.
A pandemia da COVID-19 é uma das maiores crises do nosso tempo, que colocou gozo igual e não discriminatório do direito à moradia adequada sob extrema pressão. Conforme (falha na transmissão) da ONU, a pandemia destacou muitas lacunas e falhas em nossos países que ainda impedem que todas e todos tenham acesso a uma casa segura e adequada.
Muitas pessoas foram gravemente afetadas economicamente pela pandemia, e enfrentam problemas para pagar o aluguel ou hipoteca pendentes, e enfrentam riscos crescentes de ficarem desabrigadas. Portanto, pedi uma moratória sobre os despejos durante a pandemia. E saúdo os muitos Estados que realmente tomaram medidas temporárias para evitar os despejos. O objetivo deve ser evitar despejos durante a pandemia e reconstruir humanamente, sem causar sofrimento em massa e suas consequências.
O direito à moradia adequada também está sob forte pressão no Brasil. A pobreza aumenta no País à medida que milhares de famílias são vítimas de condições de habitação ainda mais precárias e inseguras.
A Campanha Nacional Despejo Zero, no Brasil, apresenta alguns dados assustadores. Houve um aumento de 310% no número de famílias despejadas no Brasil no último ano –– 19.875 famílias até agosto de 2021; e um aumento de 495% no número de famílias ameaçadas de perder suas casas –– 93.435 famílias ameaçadas até agosto de 2021.
Portanto, parabenizo o Congresso Nacional do Brasil, que está muito preocupado com esses acontecimentos e apresentou um projeto de lei que proíbe os despejos durante a pandemia, o PL 827/20. O projeto de lei propõe que as ordens de despejo ou liminares expedidas antes do período de calamidade pública decretada ano passado não possam ser executadas até 31 de dezembro de 2021. Embora a legislação tenha sido sujeita a um veto presidencial, elogio o Congresso por anular o veto em 27 de setembro de 2021.
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Mesmo depois de 31 de dezembro de 2021, nem a pandemia nem as várias centenas de milhares de famílias que estão sob ameaça de despejo terão acabado. Portanto, saúdo quaisquer esforços adicionais do Congresso para minimizar quaisquer despejos após a pandemia e adotar um projeto de despejo justo para humanizar e reduzir a incidência de despejos. Os despejos são econômica e socialmente devastadores por muitas gerações e são amplamente evitáveis se a realocação planejada com consentimento e participação das comunidades ou a melhoria local forem buscadas.
Por uma questão de direito internacional, os despejos devem ser sempre evitados e somente realizados após todas as outras alternativas possíveis terem sido exploradas. Se não puderem ser evitados, devem ser realizados em total conformidade com as normas internacionais de direitos humanos que regem os despejos. Isso inclui os princípios e diretrizes básicos para despejos e deslocamentos com base no desenvolvimento e as diretrizes da ONU para a implementação do direito à moradia adequada. E há algo mais importante ainda: as leis e regulamentações em âmbito nacional e estadual devem refletir plenamente esses padrões e diretrizes internacionais de direitos humanos. É essencial que eles se reflitam nas decisões do Judiciário sobre despejos, uma necessidade crítica no Brasil, onde o Judiciário precisa ser levado a reconhecer os padrões internacionais de direitos humanos. Um dos principais padrões internacionais de direitos humanos incluídos nessas diretrizes é que ninguém deve ser despejado em situação de rua, com obrigação concomitante do Estado de fornecer moradias alternativas que respeitem os padrões básicos de adequação.
Caros Deputados e Deputadas, expulsar aqueles que não têm meios para encontrar moradias alternativas aumentará a situação de desabrigados e as crises sociais e econômicas que a acompanham ou decorrem dela. Os custos sociais de saúde, de educação e outros de longo prazo das crianças que vivem em famílias que acumularam pagamentos pendentes de aluguel, eletricidade ou serviços de utilidade pública, são graves e só piorarão quando forem despejadas e ficarem desabrigadas. É muito melhor para o Estado e outros atores lidarem com o aluguel e hipotecas acumuladas para evitar despejos e, portanto, a falta de moradia.
Propus no relatório à Assembleia Geral das Nações Unidas do ano passado sobre COVID-19 e o direito à moradia que os Estados deveriam explorar as ferramentas macroeconômicas à sua disposição para lidar com aluguéis e hipotecas pendentes. Há uma necessidade urgente de encontrar soluções não ortodoxas. Procuremos, então, encontrar soluções em que o peso desta pandemia seja suportado de forma equitativa por inquilinos, proprietários de casas, empresas imobiliárias, financeiras, bancos comerciais e também pelo Estado, para que possamos sair desta crise sem prejudicar ainda mais as pessoas e aumentar os males sociais. Se quisermos construir melhor após a pandemia e enfrentar os desafios eminentes de amanhã, precisamos levar muito a sério o fato de não causarmos mais danos hoje com nossas ações e políticas. Podemos, com esse compromisso, reforçar nosso esforço para acabar com os despejos e acabar com a falta de moradia até 2030 e garantir que ninguém seja deixado para trás.
Agradeço a todas e todos pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Sem sombra de dúvida, o projeto de lei que proíbe despejos durante a pandemia e a derrubada de seu veto foram uma demonstração muito grande deste Congresso da compreensão da necessidade de moradia neste País. Há um déficit muito grande de moradia, que é direito das pessoas.
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Eu, que sou agricultor familiar, posso afirmar que há também esse déficit na agricultura familiar. Nós conseguimos universalizar a luz elétrica, a energia elétrica na zona rural e sonhamos também em universalizar o direito à moradia. Há ainda muitos trabalhadores e trabalhadoras, a população rural, morando em casa de taipa. Por isso, é muito importante a política de habitação rural, principalmente para essas populações mais vulneráveis, que necessitam. O direito à moradia está na Constituição, e é dever do Estado garantir esse direito.
Vou convidar agora a fazer uso da palavra a Sra. Vanessa. Logo em seguida, falará o Sr. Renato. Ambos são da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –– IPEA. Terá 5 minutos cada um para fazer suas apresentações.
Tem a palavra a Sra. Vanessa Gapriotti Nadalin.
A SRA. VANESSA GAPRIOTTI NADALIN - Obrigada a todos.
(Segue-se exibição de imagens.)
Já comecei a compartilhar minha tela. Espero que vocês estejam vendo.
Meu nome é Vanessa, sou do IPEA, sou pesquisadora, sou economista. Eu li o relatório de vocês sobre as recomendações do acompanhamento de direito à moradia e queria fazer comentários sobre dois pontos: o direito à moradia e o direito à localização adequada e a acessibilidade econômica, especificamente o ônus excessivo para o aluguel, que é um indicador do déficit habitacional.
Sobre o direito à localização adequada, quero lembrar que a habitação é indissociável da sua localização. Quando se pensa em moradia como um direito humano e em estender esse direito à localização, vem à mente uma pergunta: isso quer dizer que qualquer um tem direito a morar onde quiser? Se eu quiser morar no centro de Paris, eu tenho direito de morar no centro de Paris? Não é assim.
Nos documentos da ONU, quando eles especificam o que é uma moradia adequada, eles falam sobre a caracterização da localização adequada. Então, a habitação não é adequada se ela estiver desconectada de oportunidades de emprego, de serviços de saúde, de escolas, de creches e de outros equipamentos sociais ou se estiver localizada em áreas poluídas ou perigosas.
Até na fala do Carlos sobre o Projeto Moradia Primeiro, dos moradores de rua, ele até mencionou essa questão de que a moradia não pode ser na periferia, ela tem que ser em cidade, tem que ter acesso ao emprego. E por que eu estou falando dessa característica do direito à moradia, da localização adequada? Porque, no relatório das recomendações que eu li, quando foi feito um paralelo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, foi falado sobre a Meta 11.1, da habitação, mas não foi falado sobre o paralelo com a Meta 11.2, do sistema de transporte, e com a Meta 11.3, da urbanização inclusiva e sustentável.
Então, eu acho que vale a pena incluir no relatório que essas outras metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável também têm a ver com o direito à habitação. E por que eu acho que vale a pena enfatizar a questão da localização das moradias? Porque é ela que garante o acesso às oportunidades.
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No IPEA, nós temos um projeto que se chama Acesso a Oportunidades, que tenta mensurar como o transporte público e a localização das moradias numa grande área urbana ajudam ou atrapalham esse papel que as grandes cidades têm de promover a mobilidade social. Essa é uma das principais críticas dos programas de habitação do Governo, como, por exemplo, o Minha Casa, Minha Vida, que todo mundo está quebrando a cabeça para tentar melhorar a inserção urbana. Esse é um tópico.
Outro tópico que eu gostaria de comentar é o ônus por aluguel, que é a porcentagem da renda familiar que as famílias gastam com o aluguel. Quando essa porcentagem é maior que 30%, isso é considerado inadequado, porque as famílias têm que ter renda para gastar em outras coisas.
Então, da mesma forma que as grandes cidades são lugares de oportunidades, nós temos que garantir a quem queira ir atrás das oportunidades próximas uma maneira de conseguir viver numa grande área urbana e acessar essas oportunidades de mobilidade social. Essas grandes áreas urbanas têm preços mais altos de moradia, têm preço do terreno mais alto.
Como as nossas políticas públicas podem ajudar a diminuir o preço da moradia? Como nós estamos falando de ônus excessivo, o outro componente é a renda familiar. Então, a outra maneira seria aumentar a renda familiar, que, automaticamente, melhoraria a acessibilidade econômica. Mas como é política urbana, nós temos que pensar em como diminuir o preço da habitação. Essa questão é ainda mais importante se pensarmos que houve investimentos vultosos, principalmente no final da década de 2000, na área urbana, em habitação social. E o componente do déficit habitacional, que é o ônus por aluguel, foi o que mais cresceu. Inclusive, ele foi responsável pelo déficit habitacional não ter caído, por mais que houvesse tantos investimentos na área.
É necessário pensar que as políticas habitacionais que fazem subsídio à demanda, como é o caso do Minha Casa, Minha Vida, contribuem para o aumento do preço da terra nas grandes cidades. Há um ciclo que está alimentando esse indicador. Ao invés de ajudar a acessibilidade econômica da habitação adequada, ele a está piorando. Então, é necessário planejar outras estratégias de intervenção.
O meu colega Renato Nunes Balbim vai continuar falando sobre as políticas que estão sendo feitas agora.
Termino aqui minha fala e parabenizo a todos pelo trabalho.
Muito obrigada.
O SR. RENATO NUNES BALBIM - Boa tarde a todos e a todas. Boa tarde, Deputado Carlos Veras. Agradeço muito o convite ao IPEA, aqui representado pela Vanessa e por mim.
Eu vou também, rapidamente, passar uma apresentação. Antes, gostaria de dar boa tarde à Deputada Erika Kokay e aos demais presentes. E, em nome do grande Dito, quero saudar tanto os demais presentes movimentos sociais quanto os de advogados e advogadas populares.
Dando continuidade, existem algumas pesquisas, como a Vanessa colocou, com as quais lidamos no IPEA, e com isso eu gostaria de contribuir.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Vou falar rapidamente um pouquinho sobre a situação atual da política habitacional, o Programa Casa Verde e Amarela, uma avaliação que nós já finalizamos e que está para ser publicada no IPEA, para colocar o seguinte: como o Casa Verde e Amarela pode responder a essas recomendações. É um programa que se estrutura, a meu ver, neste tripé: na regularização fundiária, na destinação de imóveis públicos da União e no financiamento à provisão habitacional.
Eu vou falar muito rápido sobre a regularização fundiária. E, quem tiver interesse, poderemos conversar sobre eles.
É importante dizer que o Programa Casa Verde e Amarela não prevê provisão habitacional naquela faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida, que é a faixa mais baixa, que tem a regularização fundiária.
Quero rapidamente dizer, de maneira geral, que houve, nesses últimos anos –– e o Programa Casa Verde e Amarela de alguma forma reforça isto ––, uma perda da transparência da participação e do controle social na política habitacional no plano federal. Isso se deu com o fim do Conselho das Cidades, em 2019, com o fim do Ministério das Cidades e também pelo fato de as ações do Programa Casa Verde e Amarela deixarem de ser tratadas no Conselho do SNHIS para serem tratadas nos conselhos de fundos como o FGTS, o FAR e o próprio FDS.
Entrando na regularização fundiária, eu queria dizer o seguinte: o PCVA — Programa Casa Verde e Amarela, através do FDS, disponibiliza financiamento para moradores passarem a fazer a regularização fundiária. Ou seja, a regularização fundiária deixa de ser responsabilidade e obrigação exclusiva do poder público e passa a ser, na verdade, uma regularização fundiária de mercado. As pessoas pegar um financiamento no FDS e pagam empresas para fazer a regularização fundiária. Além disso, há um reforço na titulação. A regularização fundiária é entendida como uma titulação. Nesse sentido, há uma involução nos rumos e naquilo que vinha sendo feito desde o processo de redemocratização no Brasil. Há um abandono inclusive do instituto das ZEIS, que já havia sido enfraquecido com a Lei nº 13.465, de 2017, e da própria revisão, que era um pouco do papel do poder público local.
O art. 20 do PCVA, por exemplo, diz que a aprovação municipal da REURB-S, regularização fundiária de interesse social, corresponde à aprovação urbanística e, caso exista órgão ambiental, também à aprovação ambiental, sendo que essa regularização fundiária, vejam bem, parte de uma empresa. As pessoas pegaram um empréstimo, juntaram-se via FDS, e há uma empresa que propõe a regularização fundiária. Há uma inversão um pouco de papéis, a meu ver, o que reforça o papel do mercado naquela faixa de renda mais baixa, para a qual, anteriormente, havia provisão habitacional. E hoje se passa a ter apenas regularização fundiária, e uma regularização fundiária voltada muito mais à titulação.
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Eu fiz várias pesquisas com poderes públicos locais e percebi, numa prospecção, que, de maneira geral — não estou vendo o meu tempo, mas imagino que já cheguei aos 5 minutos —, o que vai acontecer é que vamos ter, com isso, uma regularização fundiária sobretudo em áreas já consolidadas e de interesse do mercado. Por que isso? Primeiro, porque é a empresa que propõe, mas sobretudo porque na própria lei está colocado que a área não pode ter conflito fundiário, só pode haver melhoria habitacional nas casas que já têm estabilidade, ou seja, nas melhores áreas.
Então, eu acho que, assim, temos um risco de uma certa involução nesses avanços que vinham sendo feitos, e acredito que o debate sobre o Casa Verde e Amarela tem que ser colocado e aprimorado e, assim, corresponder às recomendações já feitas pela ONU.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Vanessa e Renato. Quero agradecer a vocês tanto pela participação, como pela contribuição, inclusive, com os painéis, que fizeram parte de todo esse trabalho que estamos fazendo aqui nas audiências públicas dos temas recomendados. E a maioria dos painéis é fruto, inclusive, das informações apresentadas pelo IPEA. Quero agradece-lhes profundamente essa parceria, essa colaboração aqui com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, principalmente no ciclo dessas audiências públicas.
Passo a palavra agora ao Sr. Vinícius de Paula, da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos, para fazer uso da palavra pelo tempo de 5 minutos.
O SR. VINÍCIUS LAMEGO DE PAULA - Boa tarde a todos e todas. Vocês estão me ouvindo certinho?
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Estamos, sim, Vinícius. Pode falar.
O SR. VINÍCIUS LAMEGO DE PAULA - O.k.
Meu nome é Vinícius Lamego de Paula. Sou defensor público do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo e Coordenador-Adjunto da Comissão de Mobilidade Urbana, Moradia e Questões Fundiárias da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos.
Inicialmente, eu gostaria de cumprimentar todos os Deputados presentes, na pessoa do Exmo. Deputado Carlos Veras e da Exma. Deputada Erika Kokay.
Também gostaria de cumprimentar todos os movimentos, instituições e atores que compõem o rol de debatedores e que, sem dúvida, têm muito a contribuir para o aprimoramento do relatório sobre o cumprimento, pelo Estado brasileiro, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e métodos relacionados ao direito à moradia.
Em primeiro lugar, em relação às Defensorias Públicas, elas têm atuado, nos seus respectivos Estados, com intensidade na promoção do direito à moradia adequada e do acesso à terra. Em diversos Estados, as Defensorias Públicas possuem núcleos especializados nessas temáticas e vêm atuando de forma estratégica, seja no tratamento adequado dos conflitos fundiários, seja no fomento e efetivação de políticas habitacionais de reforma agrária e da demarcação dos territórios das populações tradicionais.
Em âmbito nacional, as comissões especializadas na temática da moradia e questões fundiárias, tanto do Colégio Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais, quanto da ANADEP, também têm realizado importantes atuações participando da Campanha Despejo Zero, produzindo documentos, como notas técnicas e projetos de lei, e manifestações, como amicus curiae, em ações judiciais, e participando de importantes debates e discussões, como os desta presente audiência.
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Analisando o relatório preliminar da Revisão Periódica Universal, constatamos que ele apenas reforça as dificuldades que as defensoras e os defensores públicos vêm enfrentando no dia a dia na sua atuação. O cenário que estamos vivendo é de aumento das ameaças das remoções forçadas, de ausência de políticas habitacionais para a população de menor renda e paralisação da reforma agrária na demarcação dos territórios dos pontos tradicionais.
Em relação às remoções, houve suspensão das medidas até o final do ano, a partir da liminar proferida na ADPF nº 828 e da Lei nº 14.216, de 2021, em decorrência da situação de emergência sanitária vivenciada na pandemia do novo coronavírus. Todavia, a retomada dessas medidas no início do ano que vem, em meio à crise econômica que estamos vivendo, pode resultar em um número sem precedentes de famílias despejadas. Dessa forma, é necessária a implementação de medidas de tratamento adequado dos conflitos fundiários que não resultem na remoção das pessoas. Para isso, temos que exigir do Legislativo, do Executivo e, principalmente, do Judiciário o cumprimento das diretrizes internacionais, bem como daquelas diretrizes constantes na Resolução nº 10, de 2018, e na Resolução nº 17, 2021, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, sobre o tratamento adequado dos conflitos fundiários.
Ao mesmo tempo em que milhões de famílias estão ficando em situação de extrema pobreza e de ameaça de despejo, estamos vivendo também um grave retrocesso nas políticas habitacionais, com a substituição do programa Minha Casa, Minha Vida pelo programa Casa Verde e Amarela e com a ausência de recursos orçamentários para contemplar as famílias mais necessitadas.
Também é urgente a criação de programas habitacionais no escopo do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, com recursos orçamentários suficientes voltados para a população de menor renda. Essas políticas e programas devem ser estabelecidos a partir das diretrizes da integração, da inclusão e da participação social, assim como é a lei do SNHIS.
Já em relação ao acesso à terra, existe a política de reforma agrária, que se encontra completamente paralisada. Também temos visto muita criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra. Ao mesmo tempo, existe uma investida muito grande também quanto aos direitos das populações tradicionais, como os indígenas e os quilombolas, buscando estabelecer marcos temporais do reconhecimento dos direitos dos seus territórios originários, além de diversas outras entradas para tramitação e finalização dos seus processos demarcatórios. Tudo isso gera uma grande insegurança aos trabalhadores rurais, aos indígenas e aos quilombolas, que estão sofrendo ameaça não apenas no direito da moradia, mas no próprio direito à vida. Diante disso, é extremamente necessário que retomemos com urgência a política de reforma agrária e a demarcação dos territórios dos povos tradicionais.
Concluindo, infelizmente, temos um cenário que não é muito favorável. Existem muitos obstáculos a serem enfrentados para se alcançarem esses Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as metas relacionadas ao direito à moradia no Brasil. Contudo, entendemos que a realização desta audiência pública é muito importante para que consigamos evidenciar esses problemas e dar um passo para buscarmos mudar essa realidade.
Diante disso, eu agradeço imensamente a oportunidade de participar e contribuir com os trabalhos do Observatório.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Vinícius, pela participação.
Passo a palavra agora para a nossa Vice-Presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, a Deputada Erika Kokay, que também é Presidenta da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua, dos trabalhadores e trabalhadoras, da população que não tem direito à moradia.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Saúdo V.Exa., Deputado Carlos Veras, Presidente da nossa Comissão.
Poucas vezes eu vi a Comissão tão dedicada — eu acho que o Observatório também é um dos elementos para tanto —, tão dedicada a fazer essa Revisão Periódica Universal com tanta profundidade e com tanta participação.
Eu penso que esta Comissão está atuando com muita precisão e com muita qualidade para que nós possamos fazer essa revisão. Neste caso específico, nós estamos lidando com algumas recomendações que apontam para o direito à moradia, à moradia de qualidade.
Os dados apontam que havia 1 milhão e 296 mil e 754 domicílios em situação precária, antes de 2019, antes da própria pandemia; em 2019, havia 1 milhão e 482 mil e 585 domicílios.
Recentemente, a Câmara aprovou um projeto para assegurar a dignidade menstrual, mas ele foi vetado. O projeto tratava da concessão de absorventes para as meninas e para os meninos trans. Dados obtidos revelam que 713 mil meninas não têm banheiro em casa, ou seja, não têm asseguradas as condições de higiene em casa.
Então, há habitações precárias, há um contingente por volta de 30 milhões de pessoas sem teto no Brasil, e há o crescimento de 140%, ao que tudo indica, desde 2012, da população em situação de rua, que recrudesceu, na sua quantidade, a partir da própria pandemia. A pandemia agudizou uma crise que já estava posta e que hoje se traduz com dados muito cruéis.
Há 120 milhões de brasileiros e brasileiras que passam fome neste País, que estão em situação de fome. Mais de 100 milhões estão em situação de insegurança alimentar, não sabem como se alimentarão. A demanda reprimida por habitação é muito concentrada na população de baixa renda, e o Programa Minha Casa, Minha Vida está asfixiado, praticamente paralisado na faixa 1, que é a população com a renda menor.
Em 2019, 21,6% da população brasileira residia em Municípios nos quais havia ao menos uma inadequação domiciliar. Nós estamos falando de algo que é estrutural.
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Nós temos a população em situação de rua. Aqui no Distrito Federal, por exemplo, nós aportamos recursos para que possamos implementar o programa Moradia Primeiro que, como diz o nome, é moradia primeiro. Ele tem sido exitoso em vários locais, porque ele assegura a moradia e o atendimento multidisciplinar. Mas morar é um direito constitucional entre outros direitos. E os direitos não podem ser repartidos, não podem se desconectados e não podem, tampouco, ser hierarquizados.
Por que eu digo isso? Porque o direito à moradia é absolutamente fundamental. Eu lembro que a Presidenta Dilma dizia "moradia é cidadania", porque é preciso você ter um local para voltar, uma casa, um local para onde você quer que seus meninos e meninas voltem todos os dias, um local onde você possa desenvolver uma territorialidade. Ali se constrói um território que não é só uma área geográfica. É trança de afetos, trança de saberes, trança de quereres, ou seja, trança de expressões humanas.
Veja: não podemos hierarquizar os direitos. O direito à moradia não pode significar a retirada de outros direitos. Aqui eu escutava que é importante que haja políticas públicas conectadas. A pessoa tem o direito de morar, mas também tem o direito à educação, tem o direito à saúde, tem o direito ao trabalho.
Então, muitas vezes, assegura-se o direito à moradia, mas se distanciam as pessoas. No caso, por exemplo, de pessoas que trabalham com reciclagem de resíduos sólidos, distanciam-se de onde elas têm o seu próprio trabalho.
Nós vemos pessoas que estão fora do perímetro urbano, em residências pelo programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, mas que acabam ficando em moradias precárias para ficar próximas de onde trabalham e só esporadicamente estão nas suas casas.
É preciso conectar todos os direitos de forma a assegurar que o lugar onde se mora seja o lugar com espaço de credo, o lugar com espaço de saúde, de educação, enfim, de todas as políticas públicas. O Moradia Primeiro assegura a moradia com primazia, mas assegura o atendimento em todas essas políticas.
Por fim, há recortes que precisam ser feitos no direito à moradia. Um é o direito da população em situação de rua, que tem duas principais reivindicações, penso eu: o trabalho e a própria moradia.
Quanto ao trabalho, a maior parte da população em situação de rua trabalha. Ainda que sejam vínculos informais ou trabalhos dentro da informalidade, precários, a maior parte trabalha. É preciso organizar espaços de territórios para assegurar todos os direitos e fazer os recortes que também aqui já foram pontuados.
Primeiro, há um ataque muito grande aos territórios indígenas, o que significa retirar o direito à moradia. Há um congelamento da política de reforma agrária por este Governo. Há uma dedicação do Governo em instituições que têm outros objetivos, como, por exemplo, a FUNAI, que deveria defender os direitos dos indígenas, ou o Ministério do Meio Ambiente. Estas instituições estão subservientes à lógica do latifúndio e servem para defender o agronegócio, que, muitas vezes, tem interesses que colidem com os interesses de demarcação de territórios indígenas e, ao mesmo tempo, com os interesses do próprio meio ambiente. Portanto, temos um Governo que tem a primazia de atender as cercas, que cercam sonhos também quando cercam grandes nacos de terra.
Então, é preciso fazer estes recortes que aqui já foram pontuados. Para a população em situação de rua, há a necessidade de se fazer a política de moradia agregada a outras políticas, porque temos direitos que são indivisíveis e inter-relacionados. É preciso fazer o recorte em relação à reforma agrária e o recorte em relação aos territórios quilombolas e territórios indígenas, para que nós possamos ter a noção exata dos ataques que estão postos e, ao mesmo tempo, construir os mecanismos necessários para que haja a reação a todos esses ataques.
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Moradia é cidadania. Endereço é cidadania, é referência, é possibilidade de construção de territorialidade, de trama de relações, de tramas de afetos, de tramas de saberes, enfim, de tramas de construção da nossa própria humanidade.
Parabéns à Comissão de Direitos Humanos por ter elaborado todas essas discussões e por ter tido, a partir do Observatório, esse convênio, que tem funcionado muito bem. Ele tem feito relatórios que nos enchem de alegria e, ao mesmo tempo, nos enchem de tristeza também. Os diagnósticos, muito bem elaborados, muito bem descritos pelo Observatório, são diagnósticos de muitas lágrimas e de poucos risos.
Nós precisamos assegurar o direito à moradia, os direitos dos povos indígenas, o direito à reforma agrária, o direito a um conjunto de políticas públicas. Precisamos assegurar que todos os programas de moradia tenham especificidades e que não se distancie a moradia do lugar onde as pessoas estudam, onde as pessoas têm o direito à saúde ou têm o direito ao trabalho.
Apenas concluindo, eu me lembro da fala do então Governador do Estado do Acre. Estivemos no Acre, em determinada ocasião, em função de uma CPI, e ali conversamos com o Governador Tião Viana. Ele dizia que o Minha Casa, Minha Vida estava sendo efetivado em uma região no Acre — eu não lembro onde é essa região. No local onde estavam sendo construídas milhares de habitações iria haver condições de oferta de emprego, saúde, educação, espaços de lazer, ou seja, todos os espaços para se vivenciar o conjunto dos direitos. Penso que, a partir dali, também se tira uma lógica de a periferia se dirigir ao centro para o lazer, para o trabalho, para a escola e criam-se territórios. A construção de territórios é a construção de tramas de proteção social e de proteção e desenvolvimento humano.
Por isso, a importância desse projeto naquela ocasião, ainda em construção — não sei se já foi implementado —, que assegurava o conjunto dos direitos. Qualquer programa de moradia tem que assegurar o conjunto dos direitos, tem que construir as condições de territorialidade, de protagonismo, para que haja espaços de fala e de protagonismo da própria população que ali está.
Os conselhos comunitários, as prefeituras comunitárias, quaisquer que sejam os nomes, é importante a organização da população, porque assim ela se protege, assim ela reivindica, assim ela transforma a vida da comunidade e assim ela exerce uma condição humana que pressupõe a possibilidade, a capacidade e o exercício da transformação e da própria luta.
Um abraço.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Deputada Erika Kokay, Vice-Presidenta desta Comissão e Presidenta da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua. Quero dizer que, com o mesmo compromisso com que derrubamos o veto dos despejos, nós vamos também derrubar o veto dos absorventes. É um absurdo não permitir a distribuição de forma gratuita nas escolas para milhares de meninas que não têm condição, na sua família, de adquirir esse material, esse item de higiene pessoal.
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Derrubaremos também o veto da agricultura familiar, dos projetos para a agricultura familiar. Você falou, inclusive, da questão do acesso à alimentação. Nós estamos à beira de um desabastecimento alimentar neste País, por conta, inclusive, da falta de apoio à agricultura familiar, por conta da baixa produção, por conta, inclusive, da falta de incentivo e de apoio. E nós precisamos apoiar a produção da agricultura familiar porque ela alimenta o mundo. É muito importante. A senhora falou algo muito importante.
Também, sobre a questão da moradia, na pandemia, o que nós mais dissemos e mais ouvimos dizer foi: "Fique em casa". Mas em que casa, sem ter a casa? Fora milhares e milhares que têm a casa, mas em que situação está essa moradia? Não é uma moradia adequada. Muitas vezes, é uma moradia de 10 metros quadrados, na periferia, com 5 ou 8 pessoas vivendo nela, sem ventilação nenhuma.
Então, é importante, quando tratamos desses temas, fazê-lo com muita responsabilidade. Sabemos do déficit que tem o País, do débito dos Governos para com a população.
É um programa importante. Eu acho que esta audiência ajuda nesse debate. E a Deputada Erika Kokay foi uma das que mais lutaram para que pudéssemos ter esta série de audiências públicas aqui, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, e essa parceria também com o Observatório da ONU.
Passo a palavra, neste momento, ao Benedito Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo, que vai fazer uso da palavra pelo tempo de 5 minutos.
O SR. BENEDITO ROBERTO BARBOSA - Boa tarde, Deputado Carlos Veras; boa tarde, Deputada Erika Kokay e demais integrantes aqui deste fórum de debates, de reflexão deste momento trágico que nós vivemos no Brasil, sobre a situação da moradia, para fundamentar esse novo relatório, que vai ser depois encaminhado à Comissão de Direitos Humanos da ONU, aos organismos internacionais, para avaliar a situação do Brasil em relação aos direitos humanos.
Evidentemente, como a moradia é um direito humano fundamental, é fundamental que nós possamos fazer essa avaliação neste momento.
Eu queria também, em nome da Campanha Nacional Despejo Zero, agradecer todos os Deputados e Deputadas desta Casa de Leis que nos apoiaram neste momento tão difícil, no dia 27 de setembro, no Congresso Nacional, na derrubada do veto do Projeto de Lei nº 827, de 2020, e depois na aprovação, publicação e promulgação da Lei nº 14.216, de 2021, que suspende os despejos na pandemia até 31 de dezembro de 2021.
Queríamos já fazer um pedido aqui à Comissão e também ao conjunto das entidades que possam atuar porque vamos precisar de mais tempo. Até 31 de dezembro, infelizmente, vai ser um tempo muito curto, muito exíguo para suspender despejos no Brasil, dados os impactos da situação de pobreza, de desemprego que nós estamos vivendo neste momento. Inclusive, aqui, o próprio Relator já trouxe para nós o aumento dos despejos no Brasil, mesmo com a ADPF 828. O Defensor Público Lamego também fez referência à resolução do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Mesmo com a Recomendação nº 90, de 2021, do Conselho Nacional de Justiça e com o conjunto de ações, de leis estaduais e mobilizações feitas pelos movimentos, com o conjunto de ações que as organizações fizeram na Campanha Despejo Zero, os despejos e a situação de violação do direito à moradia no Brasil aumentaram.
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Eu, nesta semana, encaminhei para a (ininteligível), que certamente falou com o Deputado Carlos Veras, a situação ocorrida lá em Rondônia. Desde ontem, mais de 800 famílias foram removidas naquele Estado. E hoje pela manhã pude acompanhar aqui em São Bernardo do Campo um despejo de dezenas de famílias, na Rua dos Vianas, na periferia de São Bernardo do Campo, com extrema violência praticada pela Guarda Civil Metropolitana. Inclusive o gás de pimenta atingiu uma escola, e diversas crianças foram hospitalizadas, para vocês entenderem o que aconteceu aqui em São Bernardo do Campo hoje na parte da manhã, a violência nas situações de despejo e de reintegração de posse.
Nós precisamos parar definitivamente com os despejos no Brasil. Nós percebemos que, mesmo com esse arcabouço jurídico construído, extremamente importante para diminuir essa situação no Brasil, nesse paradoxo os despejos também vão ocorrendo com extrema violência.
Então, é fundamental que possamos estender esses prazos e que as famílias possam ter a garantia do seu direito à moradia com as políticas de habitação. Aqui o pessoal do IPEA já trouxe para nós o quadro. De um lado, temos a privatização do serviço de regularização imobiliária, e, por outro lado, temos com os desmontes da política habitacional que atende as famílias de baixa renda com até três salários mínimos, que ganham dentro do programa Minha Casa, Minha Vida, já que o Casa Verde e Amarela não atende esse recorte de renda da nossa população que mais precisa de moradia e que concentra a maior parte do déficit habitacional. É fundamental que retomemos no Brasil políticas que possam, de fato, atender as famílias que estão nessa faixa de renda. Nessa faixa de renda estão concentrados quase 90% das famílias, especialmente neste momento da pandemia, em que houve um brutal achatamento do salário e o aumento do desemprego da nossa população. São 14 milhões de pessoas desempregadas e 20 milhões de pessoas em situação de fome.
Por isso, nós estamos aqui neste momento saudando a iniciativa da Comissão, reforçando todas as recomendações que foram trazidas e dizendo que nós da Campanha Despejo Zero vamos continuar lutando para que no Brasil não tenhamos mais situações como as que nós assistimos hoje em São Bernardo do Campo e no Estado de Rondônia, com famílias, mesmo no período da pandemia e mesmo com o arcabouço jurídico que nós temos, ainda sendo removidas, como nós assistimos e temos assistido no Brasil neste momento.
Muito obrigado, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Benedito, pela sua participação.
Passo a palavra agora à Sra. Daisy Ribeiro, da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares, que vai fazer uso da palavra pelo tempo de 5 minutos.
A SRA. DAISY RIBEIRO - Boa tarde a todas e todos.
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Eu saúdo o Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal pela organização desta audiência e o faço na pessoa do Exmo. Sr. Deputado Carlos Veras, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Agradeço a contribuição de todos os Deputados e Deputadas pela aprovação do Projeto de Lei nº 827, da Campanha Despejo Zero. Saúdo também todas as defensoras e defensores de direitos humanos presentes e agradeço a oportunidade de falar pela Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares, que atua cotidianamente junto às comunidades, aos movimentos sociais, para a garantia do direito à moradia adequada e contra os despejos forçados.
Vemos realmente um cenário de paralisação das políticas públicas relacionadas ao território, tais como a reforma urbana e todas as políticas de moradia, sobretudo, para as faixas de renda mais baixa, reforma agrária, titulação de territórios quilombolas, demarcação de territórios indígenas. E vemos que não é somente uma inércia do Estado brasileiro, do Governo Federal, mas uma atuação de desmonte mesmo das políticas públicas que estavam estabelecidas e institucionalizadas, desmonte dos órgãos, dos orçamentos, das legislações, das atuações que estavam sendo feitas e dos espaços participativos, inclusive que continham muitas vezes participação da sociedade civil.
Além dessa paralisação das políticas públicas que envolvem a questão do território, vemos também a paralisação das políticas sociais, por exemplo, de combate à fome, que buscavam garantir a alimentação adequada no Brasil. Então, vemos o Brasil voltando ao Mapa da Fome num cenário em que também, como foi falado muito bem aqui, a perda de renda aumentou drasticamente. Vemos o aumento do desemprego, da fome e da inflação.
Eu queria destacar como isso também vai no sentido contrário do que o Brasil deveria estar fazendo para cumprir suas responsabilidades não só de combate às desigualdades, inclusive a desigualdade referente, por exemplo, aos impactos mais graves devidos à pandemia em relação à população negra, mulheres, crianças, mas também de combate ao racismo estrutural.
Sabemos que, trazendo aqui o exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, grandes cidades brasileiras, a chance de uma pessoa residir em um aglomerado subnormal é mais do que o dobro do que as pessoas brancas, segundo o último Censo. E sabemos também que o acesso aos serviços essenciais, como saneamento e água encanada, também é um reflexo da desigualdade racial brasileira, que precisa ser enfrentada com políticas públicas que priorizem esses públicos.
O Brasil é o oitavo país mais desigual do mundo. Ao mesmo tempo, vimos em 2020 realmente uma concentração de renda absurda, em que quase metade da riqueza do Brasil ficou concentrada nas mãos do 1% mais rico da população.
Ao invés de vermos políticas que combatam essa concentração de renda, temos visto políticas de austeridade fiscal que têm reduzido os gastos sociais que beneficiariam a população mais pobre. Ao mesmo tempo, não fazem isso porque estão a serviço de dívida externa e outros setores.
Eu queria discutir também aqui, para a inclusão nesse relatório, a questão do orçamento. Por exemplo, no tocante à política de moradia, o INESC tem um levantamento muito importante que vai apontar também o quanto, em termos de gastos que são efetivamente realizados, temos de valores muito baixos. Acho que esse é um ponto também a ser debatido.
O pessoal da Campanha Despejo Zero, a qual nós integramos, vai também falar aqui sobre a questão dos despejos, da necessidade de cumprimento dos padrões de direitos humanos pelo Estado brasileiro e do descumprimento que vem sendo feito.
Queria apontar aqui também o fato de que foi absolutamente ausente a realização de políticas emergenciais de moradia nesse cenário de pandemia. Poderiam ter ao menos amenizado a situação das pessoas que estavam sofrendo com a impossibilidade de pagar o seu aluguel ou que estavam precisando fazer o isolamento social devido à contaminação pela COVID-19. Nós temos visto um impacto muito grande pela falta de políticas emergenciais nesse cenário, que é de crises sociais e sanitárias.
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Além disso, há falta de se acolherem também as recomendações internacionais e nacionais que falavam da necessidade de termos medidas, ainda que temporárias e excepcionais, diante desse cenário de moratória de despejos, de suspensão de remoções, como o companheiro Benedito falou muito bem. E nós vimos uma ação contrária do Governo brasileiro nessa temática, seja nas ações judiciais, seja na realização de despejos e remoções inclusive administrativas.
Mas aqui também eu cito especificamente o veto presidencial não só no PL que virou a Lei nº 14.010, de 2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório e mencionava em algum trecho a questão dos despejos para aluguel, mas também no PL da Campanha Despejo Zero, que virou a Lei nº 14.216, de 2021. Em ambas, nós temos um veto presidencial — numa medida que é absolutamente humanitária em um cenário de crise social aguda. Vendo, a olhos vistos, o aumento da pobreza e da desigualdade, nós sabemos que isso custou não somente moradia e dignidade, mas também saúde e vida a muitas famílias.
A Raquel vai falar em seguida sobre o tema. Com o mapeamento da campanha, ela vai mostrar que, mesmo com decisões judiciais prevendo a necessidade de fornecimento de alternativa de moradia digna quando for o caso de um processo que implique remoção administrativa judicial, nós vemos que isso não tem ocorrido. Faltam políticas públicas e, com isso, alternativas de moradia adequada. Diversas famílias têm sofrido a violência de um despejo mais do que uma vez nesse período de pandemia, inclusive porque, frente à ausência de políticas públicas emergenciais, as famílias que sofrem despejo às vezes têm que migrar para outro lugar e acabam sofrendo a mesma violência mais de uma vez. Isso é um impacto muito grande para as crianças em relação à escola, à sua capacidade de se alimentar e tudo mais.
Além disso, a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares também aponta a questão da criminalização, tanto simbólica, como nesses vetos, e ações legislativas tramitando em plena pandemia, como o PL Antiterrorismo e diversos casos de criminalização de lideranças e de advogados e advogadas populares.
Então, eu saúdo a iniciativa desse Observatório de monitoramento do Estado brasileiro frente às obrigações em que cabem matérias de direitos humanos.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Daisy, pela participação.
Convido agora para fazer uso da palavra a Raquel, da Campanha Despejo Zero.
Com a palavra a Sra. Raquel.
A SRA. RAQUEL LUDEMIR - Boa tarde! Vocês me escutam bem?
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Sim, Raquel. Conseguimos ouvir bem.
A SRA. RAQUEL LUDEMIR - Pronto.
Eu vou compartilhar aqui uma apresentação breve, que eu acho que vai facilitar para nos conectarmos um pouco melhor com o que nós estamos falando.
Primeiro, gostaria de saudar os integrantes do Observatório, o Deputado Carlos Veras, a Deputada Erika Kokay e os demais colegas e autoridades aqui presentes hoje.
Fico muito contente de estar aqui representando a Campanha Despejo Zero, em defesa da vida no campo e na cidade.
Só para explicar o que é a campanha, eu vou mostrar a minha apresentação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nós somos uma articulação nacional, que reúne mais de cem organizações, entidades, movimentos sociais e coletivos e também outros atores, como, por exemplo, as associações das defensorias públicas e de juízes, justamente para atuar contra os despejos e as remoções forçadas de famílias de mais baixa renda do seu local de moradia.
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Essa campanha foi lançada em julho de 2000, justamente quando começamos a entender qual seria o impacto e os efeitos da pandemia na questão da moradia das pessoas e dos grupos mais vulnerabilizados. Nós estamos falando aqui de uma coisa que antecede a pandemia, de um problema estrutural. Nós vimos falando aqui várias e várias vezes do déficit habitacional, das lacunas nas políticas públicas para suprir esse déficit e também dessas inadequações habitacionais. E, em cima disso, temos mais uma camada, que é a camada da pandemia.
Então, nesse contexto, a campanha Despejo Zero se reuniu, tem feito a convergência de várias organizações, entidades e coletivos e trabalhado basicamente em três frentes de trabalho: mapeamento, comunicação e reincidência. E trago aqui alguns dados e sua importância. Primeiro, não existem dados oficiais, sistemáticos e atualizados sobre os despejos e as ameaças de remoção do País. E a campanha Despejo Zero reúne esses dados, nós os compilamos e fazemos balanços periódicos, justamente para podermos mostrar o tamanho do problema. Algumas pessoas já mencionaram esse fato, mas eu trago isso aqui em mapas e números.
Quase 20 mil famílias já foram despejadas durante a pandemia. E nós vemos aquele contrassenso: quando uma das principais medidas de proteção contra o contágio era ficar em casa, nós ficávamos nos perguntando como seria quem não tivesse casa ou como seria a casa dessas pessoas, se existiam ainda pessoas que estavam sendo despejadas em plena pandemia e toda a relação disso com o problema estrutural da ausência de lacunas nas políticas de moradia e nas desigualdades socioeconômicas no País. Além disso, mais de 93 mil famílias estão ameaçadas hoje de perder a moradia. Apesar de os dados serem alarmantes, nós sabemos que são subestimados, porque são somente os dados a que temos acesso. Mas os estamos reunindo e vamos cruzá-los.
Há também a questão do aumento dos despejos e das ameaças. Então, reforço aqui a importância do que disseram o nosso colega Dito e a Daisy: se trabalharmos com o horizonte temporal de proteção contra as ameaças de despejo até o dia 31 de dezembro, imaginamos que haverá um tsunami de despejo, pois existe uma demanda muito represada, e o aumento nas ameaças de despejo é muito marcante. Então, o que será que vai acontecer com essas 93 mil famílias que estão hoje ameaçadas de despejo? Deixo essa provocação, para que possamos trabalhar no sentido de ampliarmos esse prazo.
Trago algumas imagens aqui também, porque, às vezes, esses números ficam muito abstratos. Quando escutamos os relatos e trazemos as imagens, fica mais evidente de que tipo de violação de direitos nós estamos falando: estamos falando tanto de violação procedimental, como de não provisão de moradia depois do despejo também.
Por fim, eu queria só lembrar que, mesmo antes da pandemia, nós tínhamos um déficit habitacional de quase 6 bilhões de domicílios, que sequer incluía a população em situação de rua que não tem nem domicílio e não entra nesses dados, e 25 milhões de domicílios inadequados. E chamo a atenção ainda para as pessoas que estão em situação de inadequação fundiária, que são justamente as pessoas mais suscetíveis a ameaças de despejo, e por aí vai.
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Mas eu queria chamar a atenção mesmo — e encerro com isso — é que, quando falo desses bilhões de domicílios em situação de déficit habitacional e de inadequação habitacional, refiro-me às médias gerais para o País, e o Brasil é um país muito grande para nós não nos aprofundarmos no que isso significa. Existe uma concentração nas áreas urbanas, uma concentração relativa na Região Norte, na Região Nordeste, principalmente uma concentração entre as mulheres negras e pardas e de mais baixa renda.
Encerro aqui com este gráfico da evolução do déficit habitacional no País, em que vemos, na barra azul, a diminuição do déficit entre os homens, enquanto o déficit entre as mulheres cresce. Então, não podemos olhar esse número do déficit habitacional como se ele não tivesse gênero, como se ele não tivesse classe, como se ele não tivesse inclusive raça e localização geográfica. Então, precisamos, sim, aprofundar-nos no que essas estimativas nacionais significam.
Fico por aqui, gente.
Muito obrigada pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Raquel, pela sua participação.
Convido agora o companheiro Rud Rafael, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto — MTST, esse conterrâneo do Estado do Pernambuco. É bom reencontrá-lo, nem que seja de forma virtual.
Com a palavra, pelo tempo de 5 minutos, o companheiro Rud.
O SR. RUD RAFAEL - Boa tarde, Deputado Carlos Veras. É um prazer reencontrá-lo mais uma vez, conterrâneo da resistência pernambucana. Quero agradecer também a esta Casa e a esta Comissão por abrir mais uma vez o debate de uma questão tão importante que temos discutido.
Não existe dignidade humana, não existe concepção de direito, inclusive de nação, enquanto a nossa população não tiver direito à moradia adequada. É importante frisar que nós estamos debatendo aqui, a partir da Revisão Periódica Universal, as recomendações de Bangladesh, da Croácia e de Angola, e as três recomendações não foram cumpridas. Acho que, apesar do debate, da apresentação, do esforço do Ministério, do Governo e também da ausência do Governo, do Ministério do Desenvolvimento Regional, é flagrante a violação do direito à moradia. E, muito mais grave do que isso, vivemos uma verdadeira situação de calamidade em relação a este tema.
Não temos hoje uma política de moradia no Brasil. Muito pelo contrário. Conforme apresentado, pelos dados da Campanha Despejo Zero e de outros dados do IPEA, vivemos uma verdadeira política de desabrigamento no Brasil. Existe uma lógica de Governo de, em vez de garantir o direito constitucional à moradia, reiteradas vezes tenta violá-lo, como foi o caso do veto ao Projeto de Lei Despejo Zero. Da forma mais absurda e perversa possível, o Governo Federal colocou-se contra o Legislativo e os anseios da sociedade e vetou esse projeto. Então, estamos falando aqui de um Governo ao qual não basta violar direitos; ele se coloca como um Governo totalmente anticonstitucional, violando um direito que consta do art. 6º da Constituição, que é o direito à moradia. E essa violação é, diga-se de passagem, sistemática, não é uma violação que se deu apenas com o veto ao Projeto de Lei Despejo Zero. É um processo que tem no fim do Ministério das Cidades um símbolo: o corte de 98% dos recursos direcionados a uma política passional, principalmente para as famílias de baixa renda, feito este ano pelo Governo Bolsonaro. Ele foi apresentado pelo IPEA como um programa de gestão que não enfrenta o problema da moradia, pelo contrário, aprofunda o problema da moradia a partir da perspectiva de regularização fundiária de mercado, que favorece também a especulação imobiliária: é a conversão da moradia como mercadoria e não como direito. Infelizmente isso acontece em nosso País, que tem todas as condições de resolver o problema de moradia, porque temos hoje um estoque gigantesco de moradias abandonadas e ociosas, número que inclusive é superior ao de famílias que precisam de moradia. E infelizmente temos um Governo que também tirou de nós até a possibilidade de quantificar essa realidade, quando, desde 2019, retirou os recursos destinados ao Censo e tem trabalhado todos os dias para produzir desinformação para a sociedade.
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Então, poderíamos hoje estar realizando este debate com dados atualizados da questão da moradia, pois o Governo também fez questão de impedir o acesso da população a informações fundamentais para a constituição de políticas públicas. Mas precisamos lembrar que, em 2021, estamos celebrando os 20 anos do Estatuto da Cidade, 30 anos de movimentos para a moradia, e o conjunto da sociedade apresentou um projeto de lei de iniciativa popular para a criação do Fundo Nacional de Moradia Popular, com mais de 1 milhão de assinaturas. Nós temos um Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social que precisa ser fortalecido no Brasil; precisamos retomar a compreensão de que a política de moradia é uma política de Estado e não apenas uma política de Governo, assim como temos o SUS do Governo Bolsonaro que o golpe de 2016 não conseguiu desconstruir e que está salvando vidas no contexto da pandemia. Então, precisamos resgatar essa compreensão de sistema também, para pensar a dimensão da política de moradia.
Um sistema que tenha, sim, o Conselho, como dito aqui, que foi desarticulado, mas que retomemos o espaço do Conselho Nacional de Habitação de Interesse Social, a dimensão do Fundo e os planos locais de habitação de interesse social e que pensemos essa política, como disse a Deputada Erika Kokay, de forma integral. O Brasil está na contramão do mundo, mas existem experiências hoje que mostram que essa questão da moradia está no centro dos debates. Inclusive, recentemente Berlim aprovou em referendo a expropriação das grandes corporações de aluguel, pois 80% da sua população mora de aluguel. E o IPEA mostrou a elevação do déficit habitacional em virtude do ônus excessivo de aluguel. Então, imaginem no Brasil, onde uma família ganha pouco mais de mil reais e tem que comprometer 30% desse orçamento para pagar o aluguel, que são cerca de 300 reais, mas nenhuma família do Brasil consegue acessar uma moradia digna nesse valor. Então, temos uma crise econômica posta onde a questão da moradia precisa ser trabalhada como solução, e não como problema.
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Um dos grandes vetores da perspectiva de retomada da economia é o investimento em moradia popular, e isso deve ser feito em parceria com os movimentos sociais, com as entidades técnicas, com as cooperativas e com as organizações não governamentais que estão na campanha Despejo Zero e que historicamente pleiteiam a defesa desse direito, a defesa de políticas públicas nessa área. Basta termos um Governo democrático e comprometido com isso.
Para finalizar, queria também fazer a denúncia de um caso em Recife, Pernambuco — como os casos de São Bernardo e de Roraima, mostrados pelo Dito —, da Ocupação 8 de Março, onde estamos com a bandeira da desapropriação do terreno pela Prefeitura. Então, que João Campos se mobilize para desapropriar esse terreno e salve a Ocupação 8 de Março, em Boa Viagem, um dos bairros mais valorizados de Recife, perto da praia, onde 300 famílias estão lutando pelo direito à moradia.
E deixo aqui esse apelo também pela desapropriação do terreno, que hoje tem uma dívida de mais de 500 mil reais. Infelizmente, a gestão municipal está chegando a situação chegar ao ponto de colocar 300 famílias na rua, quando, na verdade, o criminoso nesse contexto é o dito proprietário, que deve aos cofres públicos mais de meio milhão de reais. Então, faço esse apelo neste espaço para que salvemos a Ocupação 8 de Março.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Rud. Salve a Ocupação 8 de Março!
Passo a palavra agora ao companheiro Getúlio Vargas, Coordenador da Comissão Permanente de Direito à Cidade do Conselho Nacional de Direitos Humanos, pelo tempo de 5 minutos.
O SR. GETÚLIO VARGAS - Boa tarde, Deputado Carlos Veras. Cumprimentando o senhor, cumprimento todos os Deputados e Deputadas da Câmara e desta Comissão.
Primeiro, quero concordar com as falas que me antecederam e que consegui acompanhar. Moradia é um direito constitucional, e nós precisamos garantir que isso seja de fato efetivado. Destaco que foi muito traumático o veto ao Projeto de Lei nº 827 por parte do Presidente Bolsonaro, mas a resistência dos movimentos sociais, da Câmara dos Deputados e do Senado o derrubaram hoje. Nós temos a Lei nº 14.216 do Despejo Zero, que, com a DPF 828, que é uma medida cautelar, pelo menos até o final do ano dão garantia à maioria das famílias que estão ameaçadas de perder a moradia.
O problema é que esse é pouco tempo. Nós precisamos seguir lutando, além de janeiro, para que não haja remoções, violações e despejos, que, no entendimento do Conselho Nacional de Direitos Humanos, e tenho certeza também no da maioria dos defensores dos direitos humanos, é uma violação de direitos humanos, é uma violência que não pode ser efetivada.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos tem trabalhado muito com a Resolução nº 10, aprovada em 2018, contra remoções e despejos. Este ano, o CNJ, através de sua Recomendação nº 90, tem reafirmado a importância dessa resolução. E o Conselho Nacional de Direitos Humanos, tendo em vista as remoções que não estavam passando por processos jurídicos, mas apenas por processos administrativos, lançou, há 2 meses, a Resolução nº (ininteligível), que reafirma que qualquer tipo de (ininteligível) despejo administrativo, é violação duas vezes.
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É importante destacar o que a Raquel e a Daisy já apontavam: mais de 90% do déficit habitacional são para famílias de baixa renda e que qualquer tipo de medida passa também pela retomada de um projeto nacional de desenvolvimento urbano. E, desde o final do Ministério das Cidades, por mais que as suas funções tenham sido assimiladas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, nunca houve uma política de desenvolvimento urbano ou de moradia. Isso se agrava também com a Emenda Constitucional nº 95 e os baixos investimentos não só na política habitacional, mas também no conjunto das políticas sociais no último período no Brasil. Então, para nós, isso é muito preocupante.
Cabe também destacar que constam da Constituição — e o Rud relembrava agora — os 20 anos do Estatuto das Cidades, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição que determinam que, na cidade, a propriedade precisa cumprir a sua função social. Nesse sentido, preocupa-nos muito que não haja a retomada de nenhum processo de construção de participação popular, de elaboração junto à sociedade de uma política habitacional, de uma política de desenvolvimento urbano no Brasil. O único caminho que temos encontrado para interlocução tem sido a Câmara dos Deputados ou o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, através da Comissão Permanente do Direito à Cidade. Mas, para quem tinha o Conselho Nacional das Cidades e um sistema, uma rede de conselhos que debatiam essa questão da política urbana em todo o Brasil, esse é um retrocesso muito grande.
Por fim, cabe lembrar apenas que o primeiro projeto de lei de iniciativa popular no Brasil não foi o Projeto Ficha Limpa, foi o PL 2.710, de 1992, que criou depois, em 2005, o Fundo e o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Ou seja, a mobilização e a luta dos movimentos urbanos pelo direito à moradia no Brasil não é recente, ela é histórica. Não por acaso, foi o primeiro projeto de lei de iniciativa popular protocolado nesta Casa, Deputado Carlos Veras. Então, o tema é importante.
Agradecemos à Comissão a disposição de realizar este debate e reafirmamos a necessidade não só de se pensarem soluções sobre a produção habitacional, mas também de se evitarem os despejos além do início de 2022. A vitória conquistada com o PL 827 tem um prazo muito curto. Nós temos medo de que se comece uma onda de despejos pelo Brasil se, a partir de janeiro, não tivermos outra solução encaminhada. Essa é a preocupação da Campanha Despejo Zero, dos movimentos populares urbanos e, com certeza, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos.
Obrigado, Deputado, pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Getúlio.
Agradeço a valiosa contribuição de todos e todas.
Repito que, por conta do tempo do plenário da Comissão e por estarmos já na Ordem do Dia no plenário da Câmara, onde os Deputados estão concentrados discutindo inclusive uma proposta de emenda à Constituição Federal, a PEC 5, de 2021, não será possível retornarmos as falas a todos os expositores. Se faltou alguma contribuição na fala dos senhores, por favor, enviem por escrito para a Comissão. As suas contribuições constarão tanto do relatório desta audiência como do relatório final. Então, se houver mais alguma contribuição, eu peço que nos enviem por escrito.
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Quero novamente agradecer a valorosa contribuição de todos e de todas vocês.
Antes de encerrar a nossa audiência, eu gostaria de fazer um registro muito especial dos 4 anos do blog do Silvinho, comemorados no último dia 15 de outubro. O blog é um dos meios de comunicação alternativa que mais se destacam no Estado de Pernambuco, com forte influência na Mata Sul. O Silvinho nos proporciona, em sua coluna diária, grandes debates sobre assuntos de Pernambuco e do Brasil.
Faço esse registro porque é muito importante a valorização dos meios de comunicação alternativos neste momento em que os profissionais de comunicação sofrem tantos ataques, em que percebemos os direitos dos profissionais de comunicação sendo violados.
Somos a favor de uma comunicação livre...
O SR. BENEDITO ROBERTO BARBOSA - Deputado...
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Só 1 minuto, Benedito.
E também que um dia tenhamos a democratização dos meios de comunicação.
Muitas vezes, nas versões que passam pela imprensa, quando os ditos setores monopolizados referem-se a uma ocupação legítima pelo direito à moradia, pelo direito à terra, condenam-nos e nos apresentam como invasores e invasoras. Mas, muitas vezes, é o contrário: são eles que invadem a propriedade pública, que invadem a propriedade do povo brasileiro.
Quando o mundo foi constituído, não deixou tantos com tantas terras. Aliás, deixou tão poucos com tantas terras e tantos sem terra alguma. Muitos com direito a mansões, enquanto outros sem direito a um simples teto para abrigar a sua família em momentos de frio, em momentos de dificuldade. Por isso, temos sempre que lutar e desmitificar a criminalização dos movimentos.
Pois não, Benedito.
O SR. BENEDITO ROBERTO BARBOSA - Então, Deputado, o Getúlio levantou a questão dos prazos exíguos tanto da Lei nº 14.216, que vai até 31 de dezembro, quanto da ADPF, que vai até o dia 3 de dezembro. Nós poderíamos talvez fazer uma reunião da Comissão, não sei se nesses termos, para pensarmos alternativas.
A segunda questão é sobre esses três casos graves de despejo em Pernambuco, em Rondônia e em São Bernardo do Campo. A Comissão poderia fazer esse tipo de encaminhamento urgente, entre hoje e amanhã, se possível. Estamos pedindo isso, porque é uma situação de emergência. Por isso é que estamos pedindo esse apoio.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Eu digo aos que já enviaram os pedidos à Comissão de Direitos Humanos que nós os estamos analisando e oficiando também a todos os órgãos competentes. Nesta Comissão, a Presidência não faz juízo de valor. Ela requer e pede providência dos órgãos competentes.
Então, os que chegaram à Comissão já estão sendo analisados, e estamos tomando providências. E os que não nos oficializaram ainda, por favor, oficializem à Comissão de Direitos Humanos, que tomaremos as medidas e as ações cabíveis a esta Comissão e a esta Presidência solicitando a intervenção dos órgãos competentes.
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Quero novamente agradecer a todos vocês, ao Ministério, à Secretária Mariana Neris, a todos os representantes dos movimentos populares e ao Judiciário pela participação nesta audiência pública. Agradeço profundamente a contribuição de todas e de todos vocês.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, convocando audiência pública para debater o Projeto de Lei de nº 5.231, de 2020, que trata do combate à agressão, à discriminação de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero ou orientação sexual na atuação dos agentes de segurança, nesta sexta-feira, 22 de outubro de 2021, às 10 horas.
Declaro encerrada a presente sessão.
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