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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Declaro aberta a presente reunião da Comissão de Seguridade Social e Família.
Informo aos Srs. Parlamentares e às Sras. Parlamentares que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pela Internet no site da TV Câmara e no portal e-Democracia, para ampliar a participação social por meio da interação digital.
Quero estimular inclusive todas as entidades e as pessoas que nos acompanham pelo e-Democracia a postarem seus comentários, sugestões e perguntas, que nós fazemos questão de apresentar aqui ao conjunto do Plenário e dos que nos acompanham.
Informo ainda que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis para serem baixados na página desta Comissão de Seguridade Social e Família logo após o encerramento dos trabalhos. As inscrições para uso da palavra serão feitas por meio do menu Reações — para os Parlamentares basta clicar na mãozinha — do aplicativo Zoom.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos do Requerimento nº 128, de 2021, de minha autoria, Deputado Alexandre Padilha, para debater a epidemia de COVID-19 e a resposta brasileira, sobretudo relacionada às pessoas que vivem com hepatite C, hepatite B, HIV/AIDS na população privada de liberdade.
Anuncio a presença dos seguintes convidados e convidados: Sra. Liliana Cristina Mussi, que representa aqui o Fórum de ONGs/AIDS do Estado de São Paulo; Sr. Gerson Fernando Mendes Pereira, Diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde; Sr. Rodrigo Pereira Lopes, Coordenador de Saúde do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Sr. George Meira Trigueiro, Diretor da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços, representando a Confederação Nacional de Saúde; Sr. Nereu Henrique Mansano, Assessor Técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde; Sra. Carla Andréa, Assessora Técnica do Conselho Nacional de Secretários de Saúde; o Sr. Alessandro Aldrin, Assessor Técnico do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde; Sra. Márcia Leão, Coordenadora Executiva do Fórum de ONGs/AIDS do Estado do Rio Grande do Sul.
Eu queria, na condição de Presidente desta audiência, também conceder a palavra a um representante do Conselho Nacional de Saúde. Então, acho que o nosso pessoal já está vendo a possibilidade de um conselheiro do Conselho Nacional de Saúde aqui falar. Aconteceu uma pequena confusão por parte da Secretaria da nossa Comissão. Quando há Conselho Nacional de Saúde e Confederação Nacional de Saúde, às vezes acaba saindo convite para um destes apenas.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Ah, o Alessandro é do CONASEMS!
Comunico aos senhores convidados e às senhoras convidadas e também a todos os membros da Comissão que, conforme o Regimento Interno, o tempo destinado a cada convidado ou convidada para que faça sua exposição é de 10 minutos, prorrogáveis a juízo desta Presidência, não podendo haver apartes durante a sua fala.
As Deputadas e os Deputados inscritos para interpelar os convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer dos presentes.
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Eu, na condição de Presidente, também terei um pouco de condescendência com o tempo, para que nossas convidadas e nossos convidados possam fazer aqui as suas exposições, que são muito importantes.
Eu quero, na condição de autor do requerimento e de Presidente desta audiência pública, primeiro, agradecer a presença a todos os convidados e convidados, falar da importância do tema, da preocupação que tenho, não só como Deputado Federal, Coordenador da Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às IST, HIV/AIDS e das Hepatites Virais, mas também como médico infectologista e professor universitário. Continuo atendendo durante todo esse período da pandemia, mesmo na condição de Deputado Federal, junto com os alunos, no Sistema Único de Saúde. E sabemos o impacto da pandemia sobre o conjunto da população que vive com HIV/AIDS, hepatites virais e IST, em particular, a população privada de liberdade. Então, quero falar da importância desse tema.
Quero fazer aqui também um agradecimento público, porque nós, em nome da Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às IST, HIV/AIDS e das Hepatites Virais, há 2 semanas, após um debate feito com as entidades que dialogam permanentemente com a Frente — temos um envolvimento permanente com elas —, foi-nos trazida uma preocupação dessas entidades, em especial, do Fórum das ONG/AIDS do Estado de São Paulo, a respeito da primeira recomendação técnica do Ministério da Saúde sobre a vacinação, a dose de reforço para as pessoas que vivem com HIV/AIDS.
A primeira recomendação exigia que as pessoas apresentassem um exame de CD4. Só poderia receber a dose de reforço quem tivesse um CD4 abaixo de 200. Isso ocasionou uma manifestação importante por parte das entidades, das várias coordenações municipais, estaduais, dos programas de DST/AIDS também, de secretários estaduais.
Nessa reunião da Frente decidimos apresentar um ofício e uma indicação ao Ministério da Saúde. Essa indicação foi aprovada na Comissão de Seguridade Social e Família, para que, na vacinação da dose de reforço para as pessoas que vivem com HIV, fossem orientados Municípios e Estados a garantirem vacinas do Ministério da Saúde para vacinarem todos, independentemente da apresentação do resultado do CD4, porque isso pode significar uma perda de oportunidade vacinal, pode significar uma dificuldade para as pessoas terem acesso ao exame, por conta das várias dificuldades que a própria pandemia causa.
De segunda-feira para terça-feira, ontem, eu tive uma reunião no Ministério da Saúde –– fui representando a Frente ––, em que discutimos isso com o Gerson, com secretários do Ministério da Saúde. O Ministro estaria na reunião, mas, infelizmente, não pôde comparecer por conta da situação dele em relação à COVID-19. Mas conseguimos a confirmação, por meio da Nota Técnica nº 48, que já foi distribuída para as secretarias estaduais e municipais, de que a dose de reforço, a chamada terceira dose, para as pessoas infectadas pelo HIV, que vivem com o HIV, deve ser dada para todas as pessoas, independentemente da situação do CD4 delas, para que não percam essa oportunidade vacinal.
Então, é uma vitória importante da Frente e das entidades que se mobilizaram. Quero agradecer muito aqui ao Fórum das ONG/AIDS do Estado de São Paulo e do Rio Grande do Sul, que estão aqui presentes. Quero agradecer muito a eles por essa mobilização, que nos deu força para aprovar a indicação na Comissão de Seguridade Social e Família, ação nossa, da Frente, e receber essa resposta por parte do Ministério da Saúde.
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Quero saudar também o Ministério da Saúde pela nota pública e pela própria coletiva de ontem à noite, revertendo aquele anúncio da semana passada, voltando a orientar — e agora há a nossa busca para garantir as vacinas — a vacinação do público adolescente do nosso País.
A SRA. LILIANA CRISTINA MUSSI - Bom dia a todos. É uma satisfação estar participando desta Comissão.
Atualmente, estou como Presidente da OSCIP Terra das Andorinhas, instituição social de Campinas, uma das associadas do FOAESP.
Nós desenvolvemos, aqui em Campinas, desde 2015, ações no campo da prevenção, do diagnóstico, da vinculação a serviços referentes às patologias sífilis, HIV/AIDS e hepatites.
Nós estamos, desde 2015, inseridos na estratégia do Viva Melhor Sabendo, do Ministério da Saúde, que, junto com ONGs, realiza ações de educação em pares junto com as comunidades.
Com essa estratégia, nós temos desenvolvido, em Campinas, ações nesse campo das IST, do HIV/AIDS, das hepatites virais em todo o território.
Dentre essas ações de campo, a convite da Penitenciária Feminina de Campinas, ou seja, por uma iniciativa da penitenciária, nós fomos procurados, em 2016, para elaborar uma estratégia para trabalhar em parceria com eles na realização de testagem rápida através de fluido oral de HIV. Algumas vezes também realizamos testagens para hepatites virais dentro da estratégia do Viva Melhor Sabendo, do Ministério da Saúde. Porém, como o Viva Melhor Sabendo visa à estratégia de diagnóstico, de testagem rápida pelo fluido oral, e as hepatites virais não são contempladas por essa estratégia, foram poucas as vezes que fizemos essa testagem de hepatite, devido à questão também da oferta do insumo para que a pudéssemos realizar.
Com essa iniciativa, quando nós começamos, fomos nos dando conta do desafio. Como eu disse, nós fomos procurados pela penitenciária para fazer lá um trabalho. Isso foi em 2016. Eles estavam realizando a 1ª Jornada da Cidadania e Empregabilidade dentro dessa unidade prisional. E, para que pudéssemos entrar nessa unidade, como estávamos promovendo ações vinculadas a uma estratégia do departamento, do DCCI, nós entramos em contato com o DCCI, fizemos uma articulação dentro da estratégia do Viva Melhor Sabendo. Hoje já é possível trabalhar com essas ações dentro das penitenciárias.
Nós fomos inseridos nessa estratégia no final de 2015, início de 2016. Na época, na estratégia do Viva Melhor Sabendo não era contemplado esse tipo de ação. Então, foi preciso um diálogo com o DCCI. Nós fizemos um diálogo com eles e conseguimos uma autorização para que, mesmo não sendo contemplada nessa estratégia, pudéssemos adentrar nessa unidade prisional e desenvolver essa ação.
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Nós precisamos nos articular com o Programa Municipal de IST, HIV/AIDS e Hepatites Virais de Campinas, porque ele, tanto naquela época como hoje, também enfrenta muitas dificuldades em desenvolver ações fora da unidade de saúde, até por falta de RH. Às vezes, o RH, ao tirar os profissionais da unidade de saúde para fazer atendimento fora, deixa de assistir às pessoas que estão necessitando do serviço dentro da unidade de saúde.
Então, começamos toda uma conversa, em 2016, para desenvolver essa ação. Não foi fácil por quê? Quando pensamos em realizar a testagem rápida, sabíamos que precisaríamos ter toda uma articulação após a testagem para os casos de resultados reagentes. Quem daria continuidade a isso? Quem faria a vinculação dessas pessoas? Quem seria responsável depois pela continuidade, diagnóstico e tratamento?
A questão é que existe uma rotatividade, muitas vezes, das reeducandas que estão ali e vão para outras unidades penitenciárias. Muitas vezes, começamos a acompanhar o tratamento de uma, mas ela é transferida para outro local e não sabemos se ela está em tratamento ou não.
Foi um diálogo, na época, bastante complexo para podermos traçar toda essa estratégia, mas o resultado foi muito satisfatório. Foi uma união de forças do DCCI –– nós tínhamos uma equipe técnica ali muito comprometida com a estratégia do Viva Melhor Sabendo, que nos proporcionou fazer esse trabalho lá dentro ––, uma união de forças com a diretoria da unidade penitenciária, que foi muito comprometida, partiu dela a iniciativa de fazermos isso e sempre estiveram de portas abertas, e também do programa municipal. O resultado foi uma adesão muito grande das reeducandas. Nós chegávamos a atender em média de 120 a 200 pessoas por dia que participavam dessa ação, faziam testes de triagem para fluído oral. No momento da execução desses testes, elas passavam por um aconselhamento, tínhamos um momento de conversa com elas, em que elas nos traziam as dificuldades do acesso a esse tratamento lá dentro. Uma das dificuldades é motivada por esse problema da rotatividade. Outra dificuldade que sentimos nessas conversas foi o entendimento de quem era essa obrigação: da área de saúde ou da Secretaria de Segurança Pública.
Nesse trabalho, nós identificamos que existem demandas: quem tem que vir aqui fazer essa testagem? Ela é responsabilidade de quem? Nós encontramos, às vezes, algumas dificuldades nesse entendimento de quem seria a obrigação desses serviços. Quem tem que tratar dessas pessoas que estão ali? É a saúde ou é a Secretaria de Segurança Pública?
O outro desafio é a insegurança que enfrenta quem está lá dentro. Muitas delas conhecem sua condição sorológica, mas não aderem ao tratamento porque têm medo de represália de outras educandas que estão lá dentro. Nós encontramos casos de pessoas que até conheciam sua sorologia, mas não queriam ser inseridas no tratamento por medo de que outra reeducanda também descobrisse isso.
Muitas delas nos relatam que conhecem algumas que estão com sífilis. Algumas vieram de outras unidades prisionais e já sabiam que tinham sífilis, mas também não relatam ali, não querem passar pelo atendimento, porque têm muito medo de represália das próprias reeducandas lá dentro. Elas têm uma insegurança muito grande.
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Vemos também, com relação à rotatividade, que às vezes existe um delay no tratamento. Quando aquelas que estão fazendo tratamento vão para outra unidade prisional, até chegar novamente para o pessoal o prontuário, ou como ele é feito, existe sim um delay. Muitas delas relatam que, por um certo tempo, sentem dificuldade, quando vão de uma unidade para outra, de dar continuidade ao tratamento.
Esses foram os resultados que identificamos ali dentro. À medida que nós fazíamos o trabalho, isso era repassado e reportado. Nós temos um sistema que se chama SIMAV, do Ministério da Saúde. Quando identificamos um caso reagente, isso é registrado no SIMAV. O DCCI acompanha os registros nesse sistema. Também há o programa municipal. Então, esses casos eram passados para acompanhamento, mas foram os principais desafios que percebemos.
Realmente, as pessoas que estão nessa situação de privação de liberdade sentem uma insegurança muito grande. Muitas nem acreditam no sistema; às vezes, nem relatam ou querem fazer a testagem pelo próprio sistema. Vinham fazer conosco, mas não faziam no próprio sistema penitenciário. Também era difícil para elas terem acesso a isso. A própria penitenciária nos procurou, porque, às vezes, havia dificuldade de alguém ir lá fazer esse serviço. Mas elas relatavam que, por sermos externos à unidade, tinham mais segurança de fazer a testagem, vir procurar acompanhamento e aconselhamento conosco do que lá dentro da própria penitenciária.
Nessa questão do delay, houve bastantes relatos, quando há transferências. Também há relatos sobre a questão da insegurança que elas sentem lá dentro. Às vezes, elas preferem não fazer tratamento. E há dificuldade sobre a parte de gestão, como sentimos, sobre quem vai cuidar das pessoas no sistema penitenciário, a Secretaria de Segurança Pública ou o próprio sistema de saúde.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Liliana.
A Liliana trouxe este questionamento final bastante importante sobre as responsabilidades, tanto da saúde quanto do Ministério da Justiça, das Secretarias de Estado de Segurança Pública e da Secretaria de Administração Penitenciária, onde fica a secretaria. Então, acho que é um debate, um desafio importante que ela está nos trazendo, um ponto importante e decisivo.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Está bem. O senhor tem a palavra, por 10 minutos.
O SR. GERSON FERNANDO MENDES PEREIRA - Para quem não me conhece, eu sou o Gerson. Sou médico, dermatologista, servidor público do Ministério da Saúde há, pelo menos, 37 anos. Atualmente, coordeno um departamento responsável pelas doenças que são importantes problemas de saúde pública: HIV/AIDS, sífilis, hepatite, tuberculose e hanseníase.
E uma das populações mais vulneráveis a essas doenças, a esses agravos são as privadas de liberdade. Chamamos especial atenção para a tuberculose. Nós temos uma prevalência altíssima de tuberculose nos privados de liberdade.
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Eu gostaria de falar principalmente de três coisas que acho importantes para sabermos de verdade a situação das pessoas privadas de liberdade. Primeira: acho que precisamos estabelecer o tamanho do problema. Quando trabalhamos com saúde pública, precisamos conhecer a magnitude do problema que estamos estudando.
Se eu for pensar hoje, no Brasil, pelo menos nos programas brasileiros, veremos que temos sistemas de informação muito robustos. Temos o SINAM –– Sistema Nacional de Atendimento Médico, que é um dos maiores sistemas de doenças com notificação do mundo. Especialmente no caso da AIDS, temos o SICLOM –– Sistema de Controle Logístico de Medicamentos, criado para que pudéssemos trabalhar a logística de medicamentos. Ele também serve para acompanhar a epidemia, porque há muita gente não notificada no SINAM que aparece registrada no SICLOM como quem está tomando medicamentos. Assim, achamos, pelo menos, 30% dos casos que não são modificados no SINAM. E há o SIM –– Sistema de Informações sobre Mortalidade, um sistema de epidemia consagrado que tem uma cobertura no País muito grande.
Hoje, eu tenho esses dados no Brasil para HIV, sífilis, hepatites virais, tuberculose e hanseníase. Se eu pego a tuberculose, tenho alguns dados de pessoas privadas de liberdade. Se eu pego a AIDS, tenho alguns dados no SICLOM de pessoas privadas de liberdade. Mas, de verdade, eu não sei hoje, quando pego todas as pessoas que estão privadas de liberdade naquele momento, quantas pessoas na instituição em que estão têm HIV, quantas pessoas têm hepatites, quantas pessoas têm tuberculose e quantas pessoas têm sífilis. E isso é muito fácil de sabermos. Sempre temos esses dados através de pesquisas, e é muito fácil de sabermos isso. Com os sistemas de informação que temos, é muito fácil fazer, por exemplo, um relacionamento de banco de dados. Você pega o nome do paciente, a data de nascimento e o nome da mãe e procura quem está lá no sistema prisional e quem está lá no sistema de informação para saber quem são aquelas pessoas que estão ali e têm tuberculose e hanseníase.
Para que eu quero saber isso? Acho que esse dado é importante, até para colocar o que o pessoal da FOAESP disse há pouco, porque eu preciso estabelecer medidas de prevenção a doenças, estabelecer medidas de tratamento e de diagnóstico para essas doenças. Se eu não sei o tamanho do meu problema, como posso estabelecer o que é o melhor, onde que vou começar a trabalhar e tratar? Se eu tenho mais pacientes com hanseníase, e isso varia de lugar para lugar... Pode ser que lá numa instituição prisional do Pará eu tenha muito mais hanseníase do que lá numa situação prisional do Rio Grande do Sul. Então, é muito interessante estabelecermos o tamanho do problema que temos.
E há essa coisa de que se falou: quem é que cuida da saúde dessas pessoas? É a Secretaria de Segurança ou a Secretaria de Saúde? Eu acho que isso precisa ser muito bem estabelecido, até para que, na hora que tivermos estabelecido o tamanho do problema e quais são as doenças mais prevalentes naquele nicho de que estamos tratando, possamos estabelecer, na medida em que temos esses casos, referências.
Isso servirá para que as pessoas possam fazer seu diagnóstico, trabalhar a questão da prevenção e iniciar o tratamento. O que observamos muito é que, no tratamento de doenças crônicas, como HIV, hepatite B e hepatite C, que também é uma doença que tem cura, é preciso um acompanhamento muito grande desses pacientes para que possamos primeiro diminuir o abandono do tratamento deles. O abandono leva às resistências medicamentosas. Eu acho que são coisas importantes.
Então, principalmente nesses nichos temos que estabelecer as questões de prevenção e também de diagnóstico, não só para aquelas pessoas que estão ali privadas de verdade, como também para os familiares delas.
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Isso que se falou muito da história do fluido oral tem uma importância enorme para que possamos estabelecer diagnósticos dentro do presídio, mas também de parentes, familiares, cônjuges, mulher, marido, para que possamos fazer diagnóstico precoce dessas doenças e iniciar o tratamento, que também funciona como uma medida de prevenção importante.
Uma coisa que eu sempre tenho falado, tenho conversado com o movimento social e com muitas pessoas, é que precisamos de fato conhecer o problema que temos. Eu não sei hoje quantas pessoas dentro de estabelecimentos prisionais têm HIV. Eu não sei quantas pessoas com HIV estão sendo tratadas. E podemos saber isso. Por exemplo, o nosso sistema de informação SICLOM é um sistema on-line. Nele eu posso saber quem está se tratando, que esquema terapêutico está fazendo, se abandonou o tratamento. Então, precisamos melhorar a qualidade da informação que temos com relação aos pacientes do sistema prisional.
Outro dado também importante é sobre sífilis, principalmente em presídios femininos. Há muitas gestantes nos presídios femininos. Não sabemos como está o pré-natal dessas mulheres. E temos observado muitos relatos de casos de sífilis congênita — eu não tenho essa informação detalhada — em mulheres privadas de liberdade. É aquilo que eu estava falando com o Deputado ontem: "Deputado, termos hoje casos de sífilis congênita e casos de HIV de transmissão vertical não faz sentido mais com toda a técnica de diagnóstico e de tratamento; a penicilina trata essas pessoas".
Na hora que eu tenho que pegar essa mulher e tratá-la, tenho que ir atrás do parceiro dela lá na visita íntima que ele faz a ela, dentro do próprio presídio. Então, precisamos basicamente — eu tenho sempre falado isso com as pessoas, é sempre uma conversa que eu tenho com o DEPEN — juntar os sistemas de informação para que possamos ter uma informação mais qualificada sobre essas pessoas, porque o fato de elas serem privadas de liberdade não significa que tenhamos que dar uma atenção especial de prevenção e de diagnóstico da situação de saúde delas.
Eu vejo que o primeiro problema com relação a essas pessoas privadas de liberdade é estabelecermos uma informação mais detalhada, mais consistente para que possamos, a partir daí, a depender da situação epidemiológica que tenhamos estabelecido, elaborar modelos de atenção de acordo com a realidade epidemiológica que temos.
Basicamente, era isso que eu queria falar. Vocês todos sabem, tanto o movimento social, como a Frente Parlamentar e a Comissão de Seguridade, que nós somos trabalhadores da área de saúde.
Então, tudo que for importante para melhorarmos a qualidade de vida dessas pessoas faremos. Estamos aqui para trabalhar em conjunto com o DEPEN, com o Parlamento, com os movimentos sociais de modo que possamos, cada vez mais, melhorar a atenção dada a esses pacientes.
Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Gerson.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Ainda não, mas você pode compartilhá-la ou pode fazê-lo o pessoal da Comissão.
(Segue-se exibição de imagens.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Sim. Foi.
O SR. RODRIGO PEREIRA LOPES - Vou me apresentar para quem não me conhece. Eu sou Rodrigo Pereira Lopes. Sou agente federal de execução penal e estou como Coordenador de Saúde do Departamento Penitenciário Nacional.
Eu gosto sempre de explicar um pouco quem somos nós, porque é muito importante, ainda mais porque esta é uma audiência pública aberta e existe muito desconhecimento do organograma dos órgãos federais.
O Departamento Penitenciário Nacional está dentro da estrutura do Ministério da Justiça. Dentro desse departamento, existe uma diretoria, que é a Diretoria de Políticas Penitenciárias. A nossa principal função, nossa atribuição legal é a de fomentar políticas públicas para os sistemas penitenciários estaduais, lembrando sempre que os sistemas penitenciários estaduais são autônomos, são eles que executam realmente a maior parte da execução penal no País.
O nosso principal parceiro na política de saúde é o Ministério da Saúde, uma vez que, em 2014, foi assinada uma portaria interministerial que criou uma política nacional para garantir o direito universal à saúde das pessoas privadas de liberdade. A nossa principal atividade é apoiar a implementação da política, sendo que quase todas as atribuições, as mais robustas, são da saúde e não da justiça. Mas temos também uma atribuição muito importante, que é aparelhar os espaços de saúde. Então, o Ministério da Saúde deve garantir a entrada de profissionais do sistema de saúde nas unidades, e existe um aparelhamento desses espaços.
Outra coisa muito importante que foi citada pelo Gerson é a questão de onde saem os dados que o DEPEN maneja. Esses dados, muitas vezes, são polemizados por muitas organizações. Então, eu gosto sempre de explicar como funciona o SISDEPEN. O SISDEPEN é feito através da coleta de informações semestrais que as Secretarias de Administração Prisional dos Estados fornecem ao DEPEN. O que faz o DEPEN é compilar e publicar esses dados. Nesse sentido, temos que entender que não se trata de uma informação primária. O DEPEN não produz essa informação.
Essa informação é produzida por cada Estado, dentro da sua autonomia, respeitando o pacto federativo. Com essas informações, nós produzimos o que é uma espécie de contextualização do que é sistema prisional: perfil das pessoas que estão presas, tipo de unidades prisionais. Isso nos dá um retrato do ambiente em que nós devemos fomentar essas políticas públicas.
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Hoje nós somos a terceira maior população prisional do mundo. Estamos com 668 mil pessoas em unidades prisionais, mas o número é um pouco maior porque existem pessoas em monitoração eletrônica ou em arresto domiciliar. Existem mais de 1.500 unidades prisionais no Brasil, considerando cadeias públicas, hospitais de custódia, regimes fechado e semifechado.
Isso aqui é um exemplo da estrutura física que oferece o compilado de informações. Por exemplo, eu posso saber que existem 1.049 consultórios médicos.
É importante destacar que na página do SISDEPEN existem essas informações que têm esse aspecto que estou mostrando, mas também existe um relatório analítico que explica tudo o que é perguntado para os Estados sobre cada unidade prisional. Esse relatório é nominal com relação a cada uma das 1.500 unidades prisionais.
Quanto a recursos humanos, por exemplo, eu sei que hoje esta é a quantidade de profissionais de saúde que atuam dentro do sistema. Isso não quer dizer que sejam todos ligados à política nacional, em parceria com o Ministério da Saúde. Existem outras formas de se ter profissionais dentro do sistema, já que podem ser contratados pela própria Justiça ou por alguma organização social. Existem várias formas para que eles estejam vinculados ao sistema de justiça.
Em relação às ações de enfrentamento da pandemia de COVID, o DEPEN teve uma atitude bastante proativa. O primeiro caso foi detectado em fevereiro de 2020, e mesmo antes de ter sido decretada a pandemia pela OMS já existia um grupo de trabalho pensando no impacto que iria causar o coronavírus no sistema. Então, a Coordenação de Saúde trabalhou com três frentes. Uma frente foi a produção de normativos para poder qualificar a informação naquele momento em que era bastante desconhecida essa doença. Houve um grande esforço para comprar insumos, dado o desabastecimento mundial que havia de todo esse material, e também houve o desenvolvimento de ações em saúde.
Uma das coisas com que se preocupou o DEPEN foi a transparência durante a situação da COVID. Então, sempre utilizando esse sistema nosso e conversando com as secretarias estaduais, que semanalmente nos forneciam dados, foi produzido um painel de monitoramento. Essa interface de painel de monitoramento até hoje continua sendo abastecida. Por exemplo, agora nós temos esta informação, que é nova: a quantidade de servidores e internos vacinados. Destaco que essa informação não é produzida pelas Secretarias de Saúde, é produzida pelas Secretarias de Justiça. Muitas vezes esses dados não correspondem à realidade, são subnotificados, porque algum Estado não me informou naquela semana. Então, existe um delay nessa informação, com certeza.
A produção de notas técnicas durante a pandemia foi contundente e sempre teve o apoio técnico do Ministério da Saúde. O DEPEN entende que a nossa especialidade é a custódia. Então, a nossa parceria com o Ministério da Saúde é muito importante na produção de todas as notas técnicas.
Pelas notas técnicas, dá para fazer uma cronologia de 2020 até agora. Nós começamos com portarias que falavam de medidas de prevenção no começo e chegamos, agora, a recomendações mais específicas, como o manejo de tuberculose e HIV no sistema durante a pandemia. A última nota técnica, por exemplo, foi sobre as novas variantes do coronavírus, o que era uma preocupação mundial, e é a mais recente.
Esse foi o nosso braço da compra. Foram investidos mais de 42 milhões em insumos. Essa é a participação do DEPEN, auxiliando os Estados, que também fizeram suas compras. O Ministério da Saúde também participou com outras quantidades. Essa é a quantidade que o DEPEN comprou e doou diretamente aos Estados para o enfrentamento da COVID-19.
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Nós fizemos ainda outras atividades durante esse tempo. Houve uma grande produção de material para informar todo o coletivo que circula pelo sistema prisional, desde agentes de custódia e professores a pessoas privadas de liberdade. Existia uma necessidade muito grande de comunicação e de informação em saúde de forma bastante amigável e digerida.
Eu quero destacar que nós temos, desde 2017, em parceria com a FIOCRUZ, um projeto de 27,5 milhões de reais do Fundo Penitenciário Nacional para uma grande campanha nacional em educação e saúde. Existe também um fluxo para ajudar a gestão a organizar a prevenção e a informação sobre a tuberculose e, além disso, ofertas de saúde.
O projeto teve uma grande cobertura em todo o País. Foram contratados mobilizadores sociais. Houve apoio institucional em todos os Estados. Foram executadas ações para prevenção e para desenvolvimento de ações sobre a tuberculose diretamente em 89 unidades prisionais. Além disso, todas as unidades prisionais do Brasil receberam material educativo com respeito a isso.
Esses são os dados dos principais agravos no sistema prisional: HIV, sífilis, hepatite e tuberculose. Volto a repetir que são dados fornecidos pela Secretaria de Justiça. Portanto, não são dados da Secretaria de Saúde.
Essas foram nossas últimas ações em relação a HIV e ISTs. Apoiamos a execução do projeto da FIOCRUZ sobre o programa de detecção de HIV e ISTs na transmissão vertical e o Ministério da Saúde na realização de grupos com servidores do sistema prisional dos Estados para a construção de material educativo.
Para terminar minha fala, queria explicar que o DEPEN está sempre de portas abertas para todas as organizações e sempre disposto a tirar qualquer dúvida. Essa parceria com o Ministério da Saúde é imprescindível, uma vez que nós entendemos que a saúde é responsabilidade dessa Pasta. É uma política em construção, que tem avançado. A atenção básica, que é a minha parceira natural, através da portaria, na semana retrasada, reformulou o modo formação de equipes, porque nós tínhamos estagnado um pouco nesse avanço da política, mas temos a certeza de que, com esse trabalho conjunto, vamos conseguir ampliar essa cobertura da PNAISP.
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Sr. Rodrigo Pereira Lopes.
Passo a palavra ao Sr. George Meira Trigueiro, Diretor da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços, parceiros importantes no SUS e que certamente, muitas vezes, têm papel importante no acolhimento de pacientes que precisam de algum tipo de internação ou de procedimento hospitalar.
Realmente, há uma preocupação com o tema por parte dos hospitais privados, filantrópicos e todos os estabelecimentos de saúde que compõem o sistema patronal de assistência à saúde, representado pela CNSaúde, e também das federações e dos sindicatos regionais.
Eu sou Presidente do Sindicato dos Hospitais Privados, Filantrópicos e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado de Pernambuco e, por delegação do Dr. Breno Monteiro, estou aqui representando a Confederação Nacional de Saúde e a Federação Nacional dos Estabelecimentos de Serviço de Saúde — FENASSE.
Como foi dito anteriormente, há uma preocupação muito grande. Nós que também prestamos serviços ao Sistema Único de Saúde, através dos hospitais filantrópicos e daqueles que têm convênio para assistência suplementar, temos essa grande preocupação, porque às vezes somos demandados para atender esses pacientes oriundos do sistema penitenciário.
Em Pernambuco, nós temos duas colônias penais, que são os presídios femininos, na Região Metropolitana do Recife, em Abreu e Lima, e em Recife. Há muito tempo, com os clubes sociais, nós realizamos algumas atividades nessas instituições com aquele objetivo que o Dr. Gerson muito bem expôs: tentar minimizar a transmissão vertical da sífilis congênita que há em nosso Estado, que é quase uma epidemia, pois sabemos que esses pacientes às vezes demandam um leito hospitalar no serviço público ou mesmo num serviço conveniado com o SUS, e uma criança que tem transmissão vertical passa quase 10 dias hospitalizada com a mãe, fazendo tratamento com penicilina de 4 em 4 horas, para tentar a cura.
O Dr. Gerson relatou muito bem a preocupação de acompanhar o parceiro também, principalmente na reinfecção da sífilis. Nós apresentamos um projeto em que os agentes de saúde da atenção primária poderiam fazer o acompanhamento desses pacientes em domicílio para ver se esses companheiros estariam também fazendo o seu tratamento. Normalmente, eles recusam a penicilina, alegando dor, e dizem não serem os culpados. Entretanto, a gestante faz o tratamento adequado e há reinfecção.
Nós implantamos esse acompanhamento sistemático e a testagem durante todo o pré-natal, como também o tratamento pós-parto.
A transmissão vertical da sífilis é um problema seriíssimo, como falei anteriormente. Agora, na pandemia, também tivemos essa preocupação de garantir assistência principalmente aos usuários de medicamentos que causam até um pouco de imunossupressão, principalmente os paciente de AIDS. Fornecemos equipamentos de proteção individual, treinamento e acompanhamento desses pacientes, assim como educação continuada e permanente dos cuidadores dos abrigos, principalmente dos femininos e de recém-nascidos, nesses presídios.
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Eu acredito que, como disse o representante do Ministério da Justiça, esse é um problema de saúde. Mas temos que trabalhar, o poder público e o poder privado, em conjunto com o Ministério da Justiça e com o Ministério da Saúde.
Desde 2014, sabe-se que existe esse projeto político de assistência integral às pessoas privadas de liberdade, e já existem há muito tempo também essas políticas. Além disso, as Igrejas, tanto a Católica como as Evangélicas, faz isso dentro dos presídios. Mas estamos necessitando fazer que haja essa integração, e eu acho que o objetivo principal desta audiência pública é exatamente este. Essa política deve ser feita em conjunto com todos os setores da sociedade. Então, nós temos que deixar esse estigma de que o privado — nós, que fazemos esse sistema complexo de assistência à saúde —, poderá ficar ausente das decisões políticas no sistema global, com o qual a sociedade está disposta a colaborar.
Então, em nome da Confederação Nacional de Saúde, da FENAESC e de todos os sindicatos federais que compõem o sistema, eu me coloco à disposição para sempre participar desse projeto e tentar ajudar, de uma maneira ou de outra, através das outras entidades que compõem todo o nosso sistema, nessa política de assistência às pessoas privadas de liberdade, principalmente no que concerne à sífilis e à AIDS — em especial, os adolescentes. Nós temos aqui a (ininteligível), com conflitos constantes de fugas e falta de assistência, não só em relação a doenças sexualmente transmissíveis, mas também à situação da saúde mental, da saúde nutricional e do acompanhamento educacional. É um problema que envolve todo o processo de adolescentes que estão temporariamente privados de liberdade.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, querido George Trigueiro, que está à frente da ação do conjunto dos hospitais que prestam serviços ao Sistema Único de Saúde.
O SR. NEREU HENRIQUE MANSANO - Inicialmente, eu queria cumprimentar o Deputado Alexandre Padilha e a Comissão de Seguridade Social e Família, na pessoa do Deputado Dr. Luizinho, que é o Presidente da Comissão. Cumprimento-os também pela iniciativa de trazer esse debate para o Legislativo, que é extremamente relevante.
Agradeço o convite feito ao CONASS e justifico a ausência do nosso Presidente, Dr. Carlos Lula, que, por compromissos no Estado do Maranhão, não pôde estar aqui, participando deste debate. Eu sou médico e sanitarista, responsável no CONASS pela Câmara Técnica de Epidemiologia e, juntamente com a minha colega Carla André, que recentemente, após o falecimento de nossa colega Lourdes Almeida, passou a acompanhar a área de saúde prisional, vamos tentar apoiar esse debate.
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Quero cumprimentar todos os demais colegas que participaram desta Mesa pelas excelentes colocações já feitas.
Eu vou começar falando da relevância do tema, porque nós estamos tratando de uma população muito vulnerável e que está sob responsabilidade do Estado, nas três esferas de gestão.
Trazendo aqui os três temas que foram colocados para debate — COVID-19, hepatites virais e HIV-AIDS —, começo com alguns comentários em relação à COVID-19. A primeira coisa que nós temos que ver de forma muito clara é que essa população vive em aglomeração, em ambientes fechados e em condições sanitárias e de higiene que nós sabemos serem geralmente bastante precárias. Além disso, nós tivemos, e ainda temos, muita dificuldade de resolver essa questão durante o enfrentamento dessa pandemia.
Outra questão é que também nós ouvimos às vezes alguns comentários até na imprensa — e nas redes sociais já foram feitos muitos comentários —, por exemplo, questionando a prioridade da vacinação da população privada de liberdade: "Ah, eles já estão isolados". Eu estou tratando de uma doença de transmissão respiratória. Ninguém está totalmente isolado do restante da sociedade em relação ao risco de transmissão. Eu tenho trabalhadores do sistema prisional, visitantes, advogados, etc., e eu não tenho como isolar totalmente essa população do restante da sociedade. Eles estão isolados do ponto de vista físico, mas não no que se refere a uma doença de transmissão respiratória. Logo, havendo o início de transmissão, há possibilidade de transmissões intensas, como chegou a acontecer em alguns casos.
Outra questão, também, que chama atenção em relação a essa população, é que, como já foi muito bem colocado aqui, essas pessoas convivem com várias outras comorbidades, em especial a tuberculose — que não é o foco aqui, mas é outra situação extremamente preocupante, que aumenta muito o risco de casos graves.
Desde o início, então, por isso, a Câmara Técnica de Assessoramento em Imunizações incluiu esse grupo como prioritário na vacinação contra a COVID-19. Nós tivemos um problema inicial na publicação da primeira versão, na qual esse grupo não foi incluído — e sabemos que não foi dentro da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunização que aconteceu esse problema; nós tivemos um problema de impedimento em outras áreas do Ministério —, mas isso logo a seguir já foi corrigido, felizmente, e, com isso, acreditamos que todos já devem ter sido contemplados pelo menos com a primeira dose.
Outra questão também extremamente relevante que está sendo trazida ao debate hoje é a que engloba a HIV-AIDS e as hepatites virais, especificamente a hepatite C. Essa é outra situação de vulnerabilidade importante desse grupo, que, muitas vezes, tem uma história de uso de drogas pregresso ou no próprio ambiente prisional; altíssimo risco relacionado a drogas injetáveis; histórico de sexo desprotegido antes ou depois do encarceramento; tatuagens feitas, muitas vezes, nos presídios, com materiais não estéreis. Com isso, nós temos, nessa população, uma prevalência muito superior à que ocorre na população geral. Em relação à hepatite C, conforme alguns estudos, há uma média brasileira de 1,23% na população geral e em grupos específicos, como os que estão sendo chamados para as Forças Armadas, ela é ainda menor: 0,28%. A de HIV é de 0,4%.
Vários estudos, como o feito por Albuquerque em 2011, em Caruaru, mostraram uma prevalência de HIV de 1,9%, ou seja, quase quatro vezes superior. Pinto e colaboradores, em Ribeirão Preto, mostraram uma prevalência de hepatite C de 8,5%. Rosa e colaboradores, em 2012, em Santa Cruz do Sul, constaram 9,7% de prevalência de hepatite C. Um trabalho muito bem executado, na linha do que foi colocado aqui pela colega no Fórum de (ininteligível), foi feito por meio de uma parceria da Secretaria de Saúde de São Paulo com a Coordenação de DST/AIDS e com a Secretaria de Administração Penitenciária. Eles testaram 89% da população carcerária feminina e detectaram uma prevalência de HIV entre 2% a 8% das pessoas. Quando comparado esse número ao encontrado na população geral, em que a prevalência é de 0,4%, percebe-se o maior risco. Um outro estudo, também feito em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, de Machado e colaboradores, mostrou uma prevalência de HIV de 4,9% e de hepatite C de 8,3%. Eu teria vários outros para citar, mas meu tempo é curto e já tenho que passar a palavra para minha colega Carla.
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Esses estudos evidenciam o risco e a maior vulnerabilidade dessa população. Diante disso, nós temos um único caminho, como já foi colocado: integração. É muito fácil falar disso, todos defendem, mas fazer, na prática, nem sempre é fácil. Nós precisamos de uma articulação, primeiramente, intersetorial das diversas áreas de vigilância em saúde, das coordenações, dos programas de IST/AIDS e de hepatites virais com as áreas de saúde prisional, da atenção primária e de atenção especializada nos Estados. Além disso, precisamos da integração do setor saúde com as áreas de segurança, justiça e saúde prisional. E lembro ainda que nós estamos falando dos presídios, mas nas cadeias públicas a situação é ainda bem mais precária.
Nós precisamos é seguir exemplos como o que eu já citei, da Coordenação Estadual de IST/AIDS de São Paulo, que, em 2012 e em 2013, começou encontros regionais para articulação das equipes dos grupo de vigilância epidemiológica, das equipes de saúde prisional e de administração penitenciária, com capacitação dos agentes penitenciários, e começou a testagem de toda a população prisional — naquele momento fez-se a testagem da população feminina. Nós temos como maior desafio, realmente, a continuidade dessas ações, diante das limitações impostas pelo próprio sistema prisional.
Antes de passar a palavra para a Carla — e peço-lhe desculpas, porque eu já tomei quase todo o horário —, quero abordar uma questão que o Gerson colocou, que é fundamental: a integração das informações. Nós precisamos de informações mínimas e de uma troca de informações entre o setor de saúde e o setor penitenciário. Agora, com a campanha de vacinação, vários Estados tiveram problemas até para alimentar as informações referentes à vacinação, por não terem informações mínimas, como CPF ou número do cartão ou mesmo informações mínimas para fazer o cadastro da pessoa no cartão. Então, a integração das informações do setor penitenciário e de justiça com a saúde é fundamental.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Imagina, Nereu, pode ficar tranquilo. Nós vamos ser condescendentes e vamos ouvir a Carla.
Eu gostaria de complementar o que disseram os colegas que me antecederam e pontuar bem rapidamente sobre a questão da PNAISP, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade.
Diante das explicações de que há lógica de testagem, da questão da porta de entrada, quero ressalta que essas ações dependem muito de um presídio para o outro ou de uma unidade para a outra.
Cada Estado ou Município tem uma realidade, e é importante frisar que a PNAISP cobre mais ou menos 25% das unidades prisionais. Na maioria das unidades, há um serviço de saúde vinculado à administração penitenciária, como foi dito pelo nosso colega do Ministério da Justiça, que nem sempre tem a cultura institucionalizada de se comportar como um ponto de atenção da rede. E, ainda que haja um acordo de cooperação entre a administração penitenciária e a saúde, boa parte dos profissionais estão vinculados à administração penitenciária. E o Ministério da Saúde tem um parâmetro comportamental mínimo da PNAISP que coloca esse funcionamento das equipes como equipes da rede de atenção à saúde.
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É importante lembrar que as unidades prisionais são estabelecimentos, como o Gerson colocou, de segurança pública. Então, por mais que se fale de saúde, o funcionamento é voltado para a lógica da segurança pública. As equipes precisam se dobrar em relação ao que é responsável, como, por exemplo, o distanciamento, a questão da ventilação, se há aumento ou não do banho de sol, a presença de visitas. Todas essas são ações a cargo da administração penitenciária, conforme disposto na Lei de Execução Penal.
Os Estados e os Municípios têm realidades locais diversas. Há várias experiências exitosas, como colocou o Gerson, em relação às ações. O que se faz necessário é uma integração, como foi disse o colega Nereu, dessas ações. Para se poder, por exemplo, fazer uma ação vinculada envolvendo pessoas privadas de liberdade no que diz respeito à vacinação, há alguns processos de informações que são necessários para nós podermos ter o controle das vacinas que estão sendo administradas, do reforço etc., e essas ações são de extrema importância.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Carla.
Se possível, eu quero aproveitar, na condução da Mesa, e pedir que você explicite um pouco mais a sua afirmação de que a portaria interministerial, na prática, está cobrindo cerca de 25% das unidades. Gostaria que você explicitasse um pouco mais isso, porque eu não entendi se 25% são as unidades prisionais que têm equipes próprias de saúde ou se você se referia a 25% de unidades que não têm essas equipes e nas quais acabam sendo o cuidado, as visitas, vinculadas à articulação da atenção primária ou às equipes que as Secretarias Estaduais possam ter. Não entendi isso.
O SR. RODRIGO PEREIRA LOPES - Desculpe-me, eu queria só complementar, porque isso tem que ficar bastante claro: trata-se de 25% de cobertura da política nacional, ou seja, nesses 25%, os profissionais são colocados com incentivo do Ministério da Saúde.
Isso não quer dizer que não existem profissionais nas demais unidades prisionais. Como eu disse na minha exposição, existe algum tipo de profissional e existe atenção a saúde em quase todas as unidades prisionais.
Esses profissionais são contratados de outra forma: ou através da própria Secretaria de Justiça, ou por alguma organização, por contratos terceirizados. As contratações são feitas de alguma forma, mas não pela PNAISP. É claro que o objetivo é que cheguemos aos 100% de cobertura pela PNAISP.
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A SRA. CARLA ULHOA ANDRÉ - Isso. Só complementando, quero dizer que essa realidade de mais ou menos 25% das unidades prisionais atendidas pela PNAISP é, inclusive, um dos motivos da proposta de alteração na composição das equipes. Saiu agora uma nova portaria no sentido de aumentar essa capilarização da PNAISP no território nacional, a fim de fazer com que ela seja factível em alguns Estados e Municípios que não conseguiam ter a equipe mínima.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Vamos passar a palavra agora ao Alessandro, que representa aqui o CONASEMS, por 10 minutos.
Obrigado, Deputado Alexandre, pelo convite. Eu quero, em nome do Presidente Wilames, agradecer a oportunidade. Para nós, sempre é um prazer falar aqui na Casa do Povo, ainda mais de um tema tão relevante.
Queria cumprimentar meus colegas de debate: Liliana, George, Gerson, Rodrigo, Nereu, Carla e Márcia.
Todos os que me antecederam, Deputado, já falaram bastante. Não quero ser repetitivo, mas a fala de todos passou por essa questão da ação coordenada e da integração.
Da integração, realmente, nós falamos muito, mas integrar não é uma coisa simples. Eu acho que o próprio processo da pandemia nos forçou a fazer ações muito mais integradas e coordenadas. Hoje, a saúde é chamada até para opinar se voltam as aulas ou não. Eu acho que, neste momento que estamos vivendo, estamos aprendendo a duras penas a ser mais solidários e a realizar ações mais coordenadas com vários setores.
O trabalho que a Liliana citou é fantástico. Eu acho que nós temos é que somar forças como sociedade e tentar, de fato, fazer com que essas ações integradas, coordenadas sejam mais eficientes.
Essa questão sempre foi muito difícil e ultimamente está mais difícil ainda nós mexermos com qualquer população vulnerável. A própria população já é difícil. Nós tivemos muita dificuldade de colocar os privados de liberdade no plano de vacinação.
O Gerson traz muito bem essa questão dos sistemas. Acho que nós temos sistemas demais, inclusive. Para o Gerson, grande epidemiologista que é, estudioso, é tranquilo, mas, para nós, o problema é essas informações estarem sistematizadas para quem de fato precisa fazer as ações de política pública. Eu acho que nós precisamos evoluir bastante ainda.
Nós temos um exemplo muito interessante de algo que fizemos há um tempo — não vou lembrar a data. Nós fazíamos as ações articuladas com o Ministério da Justiça. Na época, levamos até várias coisas à Comissão Tripartite. O Ministério da Justiça ia para a Comissão Tripartite, para o Fórum de Gestão do Sistema Único de Saúde. Eu acho que naquele momento saiu muita coisa boa. Acho que é um movimento que tem que ser retomado, pela importância do tema.
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Agora, eu queria, dentro do meu tempo, Deputado Alexandre, trazer uma perspectiva pela qual nós não passamos, mas eu acho que esta Casa deve, sim, conversar sobre isso. Acho que o lugar em que temos que conversar sobre isso é aqui. Eu queria trazer essa perspectiva para o nosso debate hoje.
Eu acho que nós, como sociedade, precisamos repensar a política de encarceramento que temos no Brasil. Acho que não é muito bonito ser o terceiro país do mundo em população carcerária. Acho que é um modelo ultrapassado, que foge de um problema muito grande que nós temos: o fosso social. O Brasil ainda está fundamentado nessa divisão social enorme. E essa política de encarceramento excessiva — pelo menos me parece excessivo ter mais de 668 mil pessoas encarceradas — acaba sendo um desvio dos problemas sociais graves que nós temos que resolver.
Então, eu queria também trazer essa perspectiva. É este Estado, de fato, que nós queremos? É com esse Estado encarcerador que nós queremos construir uma sociedade que evolua, que saia a duras penas do estágio em que está e que coloque as pessoas minimamente numa condição social digna? Temos muita dificuldade de fazer isso. Essas políticas são complexas e há uma resistência enorme de uma parcela da sociedade.
Foi uma coisa muito triste, Deputado Alexandre, o que nós vivemos em junho, julho, quando chegou a vacina da Janssen, um lote adiantado e muito bem-vindo. É uma vacina de dose única, e nós defendemos — o CONASEMS, assim como também vários Municípios dos Estados — que essa vacina deveria ser prioritariamente destinada à população privada de liberdade e à população em situação de rua. E nós apanhamos de gente da imprensa — gente importante, com programas de grande audiência —, que disse que isso era um absurdo.
Então, sinceramente, eu queria trazer essa perspectiva de uma política exagerada de encarceramento. Acho que nós precisamos conversar sobre isso, debater mais isso. É esse o Estado que nós queremos mesmo? Queria falar desse absurdo que é acharmos que vamos colocar alguém sob a tutela do Estado e sobre essa pessoas exercer um poder de vingança. Como assim? É lógico que eu vou dar uma vacina de dose única, com a qual é mais fácil eu atingir minha cobertura, para populações mais vulneráveis, e que, como o Nereu disse bem, já vivem aglomeradas.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito bom, Alessandro. Eu acho que você traz uma perspectiva muito importante.
Você me fez lembrar, inclusive, que, em 2011, eu estava no Ministério da Saúde, e nós decidimos incorporar a população privada de liberdade na campanha de vacinação contra influenza como parte do grupo prioritário. E o embate que nós — eu, como Ministro, mais Secretários Municipais, Secretários Estaduais do Brasil afora — tivemos que fazer foi grande, porque, muitas vezes, a crítica que chegava até nós era exatamente esta: "Mas por que vacinar quem está privado de liberdade?"
Muitas vezes as pessoas não reconhecem aquilo que o próprio Nereu disse. Primeiro, é um direito dos cidadãos que estão nessa situação — vítimas, muitas vezes, de uma política de encarceramento exagerado, como você disse —, que não estão isolados da sociedade, porque há trabalhadores no sistema penitenciário, há famílias que os visitam, há pessoas na perspectiva de poderem sair.
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Então, essa ideia que o Gerson trouxe de permanentemente pensar a unidade prisional numa unidade de saúde pública, de importância para a saúde pública é fundamental e só reforça a importância de levarmos o alcance, o acesso aos direitos à saúde a todos que estejam nessa situação.
Sou autor de um projeto de lei aqui na Câmara dos Deputados que tenta separar definitivamente a caracterização do traficante e a caracterização do usuário, exatamente para reduzirmos essa política de encarceramento absurda. Boa parte das mulheres que, por exemplo, estão em situação de privação de liberdade no sistema penitenciário por terem sido enquadradas como traficantes e operadoras do tráfico foi identificada, na abordagem policial, com quantidade ínfima de drogas consideradas ilícitas. Vários países do mundo já separam de forma objetiva isso, a nossa lei antidrogas original separa, mas não objetiva essa separação, deixa isso a cargo da autoridade policial e da autoridade judicial, que muitas vezes tomam essa decisão baseadas nos estigmas — a mulher pobre, negra e periférica é enquadrada como traficante, enquanto o filho de desembargadora, como aconteceu no Mato Grosso do Sul, pego com 150 quilos de maconha é considerado usuário.
É muito importante trazer essa perspectiva para o debate, Alessandro, para se ter clareza de que essa política de encarceramento excessivo faz mal à sociedade e faz muito mal a nossa saúde.
Vou passar a palavra, de acordo com nosso roteiro, à nossa querida Márcia Leão, Coordenadora-Executiva do Fórum de ONGs/AIDS do Estado do Rio Grande do Sul. A Márcia é nossa grande companheira da Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às IST, HIV/AIDS e Hepatites Virais.
Eu não posso dizer que seja um prazer estarmos aqui hoje para discutir a resposta a hepatite C, hepatite B e HIV/AIDS em privados de liberdade. O melhor seria termos o fim desses agravos e mais nenhuma pessoa sendo afetada. Mas, enquanto não chegamos a isso, é muito bom podermos contar com a frente parlamentar, atuante e sempre atenta aos tempos.
Eu registro aqui meu agradecimento ao Deputado Alexandre Padilha, que vem conduzindo a frente parlamentar e fazendo dessa um espaço efetivo de discussão e produção de políticas públicas. Sem dúvida já se construiu muito nas diversas audiências, seminários, sessões solenes e nos encaminhamentos já propostos no curso dos anos. Tenho certeza de que a frente muito já contribuiu e ainda contribui na resposta do enfrentamento do HIV/AIDS e das hepatites no Brasil.
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Saúdo também os demais integrantes desta audiência, que está muito bem representada com a presença de outros Parlamentares que estão acompanhando, de representantes do Governo e da sociedade civil. Desejo, então, que tenhamos uma profícua manhã, conseguindo avançar nessa discussão tão importante.
Em uma Mesa em que temos a presença do Ministério da Saúde, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do CONASS, do CONASEMS, é bom dizer de qual lugar eu falo. Sou advogada e estou Coordenadora Executiva do Fórum ONG AIDS do Rio Grande do Sul, que é um coletivo que reúne 53 organizações da sociedade civil, redes e movimentos de luta contra AIDS, ISTs, hepatites virais e tuberculose. Também sou Coordenadora Executiva da Parceria Brasileira contra a Tuberculose — Stop TB Brasil. Assim, o meu olhar será nas políticas públicas, no direito das pessoas, em como podemos auxiliar nesse enfrentamento enquanto sociedade.
Dito isso, eu queria levantar alguns pontos para o nosso diálogo. As falas que me precederam foram extremamente importantes e já trouxeram diversos pontos que espero tentar abarcar aqui agora. Quando recebi o convite para estar nesta Mesa, fui procurar informações mais atualizadas sobre hepatite C em privados de liberdade. Para minha infelicidade, descobri que não há quase dados. Não consegui achar muita coisa que fosse efetiva, a não ser aqueles poucos dados referentes à prevalência e alguma outra pesquisa, como já muito bem citado pelo Dr. Nereu. Fui, então, procurar os dados referentes a HIV/AIDS também relacionados às pessoas em cárcere e consegui um pouco mais de informações. Já há alguns estudos, mas ainda assim são poucos. O que se sabe sobre a saúde de quem está confinado ainda é muito pouco.
O HIV/AIDS assim como a hepatite C são graves problemas de saúde pública. Chama a atenção a negligência com esse cuidado, que é de responsabilidade do Estado, refletida na falta de dados, de informações mais precisas. As pessoas privadas de liberdade representam somente uma parcela da nossa sociedade, mas é uma parcela que traz muitas vulnerabilidades, como já foi dito, e elas podem aumentar muito as chances para infecção por HIV ou hepatite C. Também não é uma parcela que seja tão pequena assim, uma vez que o Brasil — como já lembrado pelo representante do DEPEN — é o terceiro país em número de pessoas encarceradas. Nós temos o encarceramento em massa. Traz-me esperança quando o representante do CONASEMS também pontua isso em sua fala, da necessidade de se rediscutir esse sistema e de se pensar um pouco a questão do encarceramento.
Com os números que temos, que ultrapassam os 700 mil detentos entre apenadas, apenados e pessoas que ainda aguardam o julgamento, em um país que dispõe de pouco mais de 400 mil vagas dentro do sistema prisional, nós podemos imaginar quais são as condições existentes em cada uma dessas casas prisionais. Nós precisamos salientar que a saúde das pessoas em privação de liberdade somente recebeu um olhar mais afinado já no século XXI. A Constituição de 88, apesar de garantir a saúde para todas as pessoas, não conseguiu levar o seu braço até o cárcere. Lá, as violações ainda estão presentes, mas não podemos permitir que elas sejam perpetuadas. Essas iniquidades sociais, os preconceitos e os estigmas devem ser rompidos.
Quando a Constituição diz que a saúde é um direito de todas as pessoas, ela passa a ser um dever do Estado. Ela não diz se esse dever é de responsabilidade deste ou daquele Ministério, desta ou daquela Secretaria, desta ou daquela estrutura organizativa. A responsabilidade é de todos os entes públicos. Aliás, isso foi muito bem pontuado e bem levantado também pelo Dr. Nereu, representante do CONASS. Essa dificuldade em encontrar dados, em cruzar informações, reforçado pelo Dr. Gerson em sua fala, atinge diretamente a possibilidade de construirmos uma resposta efetiva para o enfrentamento das hepatites virais — aqui hoje estamos focando mais a hepatite C — e do HIV/AIDS, para citar os agravos que são o mote desta audiência.
Sabemos que isso também se estende aos demais agravos, não só aos que estão dentro do departamento, como o caso da tuberculose, outras ISTs e hanseníase, mas também com os diferentes agravos que acometem a população que vive no cárcere.
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Sabemos que a atuação da sociedade civil e da academia foi fundamental no bom desempenho da política de AIDS em idos tempos. No entanto, a ausência de dados mais robustos com os privados de liberdade dificulta que ações como essas que foram tanto exemplo dentro da política de AIDS possam ser espelhadas, possam ser compartilhadas e ampliadas para dentro das ações com a população privada de liberdade. Por isso, também o nosso anseio, como sociedade civil, de pedir para que consigamos ter esses dados disponíveis, para que possamos acompanhá-los e, como sociedade, ajudar nessa resposta.
A Lia, que abriu as falas hoje nesta audiência, nos trouxe alguns exemplos, como o fato de não conseguirmos monitorar se o detento ou a detenta que ingressa no sistema prisional já tinha tido o diagnóstico e estava em tratamento com HIV/AIDS. Não sabemos como tem sido feito esse acesso, se no momento em que ingressa no centro prisional ele consegue manter de imediato o tratamento, para aquele que já estava em tratamento, ou se existe uma interrupção.
E temos que pensar como isso se reflete na saúde da pessoa. Alguém que já tem o seu diagnóstico ingressa no sistema prisional e acaba tendo, quem já estava em tratamento, uma interrupção do seu tratamento. Depois, recomeça o seu tratamento. No formato que nós temos de execução penal, muitas vezes vai haver evolução da pena, e essa pessoa poderá ir para outra casa prisional. Sabemos que haverá novamente uma interrupção nesse tratamento. Como isso se dá? Como podemos fazer para que esses problemas acabem se minimizando? Isso acaba ocasionando uma série de problemas de saúde, inclusive de resistência, uma vez que acabamos tendo um tratamento que sempre é interrompido.
Além disso, também precisamos pensar um pouco em ações que incentivem a busca do diagnóstico, um diagnóstico oportuno, como costumamos dizer. Mas, para isso, precisamos garantir também que aqueles que testem positivo consigam ter um acompanhamento médico que seja feito em tempo hábil. É inadmissível que ofertemos para as pessoas a possibilidade de conhecer o seu diagnóstico em tempo oportuno, mas que só consigam uma consulta e um encaminhamento mais detalhado apenas 6 ou 9 meses depois do diagnóstico. É inadmissível que isso aconteça, nem no cárcere, nem fora dele. Não podemos admitir que pessoas tenham conhecimento do diagnóstico e não tenham o atendimento devido, nem sigam com seus tratamentos.
Com a emergência da COVID-19, nesse primeiro trimestre de 2020, esforços extraordinários foram exigidos nas diversas áreas de saúde, assistência social, trabalho, universidades, organizações comunitárias. Todo mundo foi se reunindo para pensar em como garantir a prevenção e ofertar tratamento para as pessoas atingidas pela COVID-19. A situação, com a pandemia, se mostrou tão caótica e tão gritante, que nós, dentro do movimento social, estamos enfrentando diversas dificuldades para conseguir monitorar e acompanhar de forma mais detalhada como os usuários junto aos diversos serviços estão sendo atendidos e como está sendo feita a execução dessas políticas públicas.
Sabemos que diariamente temos pessoas morrendo, morrendo com COVID-19, morrendo com hepatite C, morrendo com AIDS, morrendo com tuberculose. Mas também é diariamente que as cidadãs e os cidadãos estão sendo desassistidos nos seus direitos mais básicos, a começar pelo direito constitucional de acesso à saúde, direito este que não se apaga com a privação da liberdade — ou, pelo menos, não deveria apagar-se.
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Para o Estado — e aqui eu reforço que estamos falando dos três níveis de gestão —, as dificuldades advindas com a epidemia da COVID-19 não pode ser uma desculpa para falhas e apatia. O Estado não pode deixar de dar atenção integral à população, seja a liberta, seja a privada de liberdade. O SUS não pode falhar e nem se ausentar na execução das políticas públicas de saúde. O SUS tem que honrar os seus princípios. Não teremos uma saúde pública de qualidade se o Governo descumprir com os princípios da equidade, da universalidade e da integralidade. E isso está, sim, estendido às pessoas privadas de liberdade. As pessoas precisam ser vistas com todas as suas nuances e complexidades, atendidas em suas mais diversas necessidades, independentemente de estarem em casa, na rua ou no cárcere.
A pesquisadora Alexandra Sánchez fala sobre a questão da epidemia da COVID-19 em privados de liberdade. Ela aponta uma importante reflexão, ao dizer que assegurar a saúde e a vida da pessoa privada de liberdade é responsabilidade do Estado, uma vez que ela se encontra sob tutela estatal, e por isso não pode se defender e buscar por conta própria acesso e atendimento em saúde.
Então, é fundamental reunir esforços, tanto para organizar as equipes de saúde internas, para identificar rapidamente casos suspeitos, no caso da COVID-19 ou de outros agravos, e monitorá-los de acordo com as normativas, quanto para encaminhar os casos mais complexos para as unidades de saúde externa.
Essa responsabilidade do Estado não se dá somente na epidemia de COVID-19 ou desses outros agravos, mas vale para a manutenção da vida das pessoas. Isso tem que ser o principal. Não podemos nos esquecer disso. Temos que sempre buscar isso.
Precisamos de ações conjuntas, tanto da Saúde como da Justiça, para que se consiga resguardar a vida da pessoa privada de liberdade. Portanto, é muito bom ouvir a fala do representante do DEPEN, e espero que nos acolha como parceiros. Como exemplo, nós já trabalhamos com o Ministério da Saúde. Nós da sociedade civil também queremos nos aproximar do DEPEN, para conseguirmos trabalhar de forma próxima.
Mas essa responsabilidade também é desta Casa Legislativa. Compete também ao Parlamento monitorar e propor estratégias para que essa interlocução aconteça de forma mais efetiva. Numa busca que fiz aqui, no Legislativo, busquei proposições que tratassem da questão de privados de liberdade em relação às hepatites virais e à HIV/AIDS, e não encontrei nenhuma legislação específica que vise dar conta dessas dificuldades, nenhuma proposição que seja específica sobre isso ou que fomente maior discussão.
Essa dificuldade compromete a adesão ao tratamento. Para isso, precisamos de políticas públicas que deem suporte para os pacientes e para as suas famílias. Isso já foi falado anteriormente aqui. E não podemos nos esquecer de que, quando falamos do privado em liberdade, não podemos tirar do contexto toda a sua família e todo o seu entorno. Precisamos também pensar nisso.
Precisamos de maior investimento em pesquisa e inovação, mas precisamos, acima de tudo, de políticas públicas que contemplem essa múltipla resposta que precisa ser construída, para dar conta dessas epidemias que não podem mais ser vistas apenas pelo olhar biomédico. Precisamos que a gestão apoie os movimentos sociais, que dê conta de acompanhar as políticas públicas e auxiliar na sensibilização e acompanhamento dos pacientes. Isso precisa ser feito tanto nacional quanto localmente, nos Estados e Municípios. Por isso, é tão importante a presença hoje aqui do CONASS e do CONASEMS, além da presença dos Ministérios.
E esta Casa Legislativa pode auxiliar na construção do enfrentamento do HIV/AIDS e das hepatites virais, criando políticas integradas, pensando formas de auxiliar para que essa interlocução aconteça, uma interlocução que reúna a Saúde, a Assistência Social, a Justiça e a Segurança, fortalecendo um diálogo e incitando uma agenda comum.
Urge que essas estratégias intersetoriais sejam postas. As pautas precisam ser conjuntas e efetivas. Precisamos de legislações, mas precisamos mais ainda de vontade política para levarmos dignidade às pessoas privadas de liberdade e lhes garantirmos os direitos.
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11:29
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Encerro a minha fala com as palavras de Gabriel Serra Brito, que recentemente, em artigo sobre a COVID-19, intitulado A população privada de liberdade, disse que manter essas pessoas dentro de presídios superlotados, sem condições de higiene, de saneamento básico e de acesso à saúde é assinar sua sentença de morte, indo na contramão da Constituição Federal, que não dá ao Estado o poder de decidir quem vive e quem morre. A lei só tem o direito de dispor quanto à liberdade do preso, não sendo a vida um dos bens que a pena poderá atingir. Reforço a fala do Gabriel, dizendo que precisamos nos unir todos — gestão, academia, Parlamento e sociedade civil —, para juntos construirmos uma resposta que seja efetiva no enfrentamento do HIV/AIDS, das hepatites virais, da tuberculose, da hanseníase e de outros agravos, levando condições melhores de acesso à saúde às pessoas encarceradas.
Tentei trazer aqui um pouco de tudo o que foi dito. Tentei juntar a lembrança das falas de todos os que me precederam, falas que foram excelentes. Mas eu acho que o nosso principal mote, do lugar de onde eu falo, enquanto sociedade civil, é este: como podemos fazer para compormos isso juntos e fazermos com que aconteça essa integração maior entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério da Saúde, para que tenhamos todos esses dados e consigamos pensar de forma efetiva como garantir a saúde de quem está privado de liberdade.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Sra. Márcia. Coloco-me, desde já, à disposição para construir e apresentar, no âmbito da Frente Parlamentar de Enfrentamento ao HIV/AIDS, às hepatites virais e DSTs, um aprimoramento na legislação que possa reforçar essas políticas, como também a Portaria da Política Nacional de Saúde para a população privada de liberdade, de 2014, que foi editada na minha gestão no Ministério da Saúde. Sou signatário dessa portaria, junto com os colegas do CONASS e do CONASEMS, na participação tripartite. Assim, também me coloco à disposição para que possamos construir projetos de lei que aprimorem aspectos da portaria e possamos consolidar suas diretrizes como algo permanente, que ultrapasse Governos.
Eu havia aberto a possibilidade de participação do Conselheiro Moisés, do Conselho Nacional de Saúde, mas acho que ele está com alguma dificuldade. Assim, quero abrir a palavra a algum Parlamentar que queira se manifestar.
Chamo a atenção para a atuação da Deputada Fernanda Melchionna, uma grande parceira neste tema e neste debate, tanto na Comissão de Seguridade Social e Família quanto na Comissão de Direitos Humanos. A Deputada enviou mensagem dizendo que não vai poder participar porque seu voo de deslocamento atrasou, mas pediu que uma representante da ONG Somos, do Rio Grande do Sul, se estiver presente e quiser fazer uso da palavra, se manifestasse. Essa pessoa está presente?
(Pausa.)
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Eu queria agradecer muito as falas. Nós vamos retornar as falas aos convidados na mesma ordem e, nesse retorno, eu queria provocar algumas perguntas a partir das discussões e debates aqui realizados.
Primeiro, o que nós podemos fazer enquanto Ministério da Saúde e DEPEN, na mobilização com Estados e Municípios, para aprimorar e demandar informação sobre um problema aqui trazido? É lógico que o esforço da Portaria de 2014 já buscava isso. Então, o que se está pensando fazer? Há alguma projeção em relação a isso, nos apontamentos trazidos aqui por todos?
Segundo, indago se temos um balanço do impacto da COVID-19 na população privada de liberdade. Há dados do ano passado, mas temos um cenário atual da situação da pandemia da COVID-19 nessa população, não só especificamente em relação à população que vive com HIV/AIDS, hepatites virais e DSTs?
Terceiro, o que está projetado para que possamos expandir essa cobertura, conforme dito aqui, de 5%? Já foi dito aqui pela FENASP que houve uma revisão da portaria. Qual a projeção a partir daí, para os próximos anos. Indago se há metas anuais, se isso vai ser incorporado no Plano Nacional de Saúde. Isso deve ser debatido no ano que vem? O que há de projeção em relação a isso?
Coloco-me à disposição, mais uma vez, enquanto coordenador da Frente Parlamentar de Enfrentamento do HIV/AIDS e hepatites virais, para a construção e aprimoramento de propostas legislativas para este tema, no diálogo com as entidades, com o fórum de ONGs, com o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça, o CONASS e o CONASEMS. Que possamos construir um aprimoramento legislativo sobre este tema.
São essas três questões. Obviamente, nossos convidados devem ficar à vontade para tratar de outros aspectos, de temas que não foram colocados nas exposições ou para interagir com as demais falas que aconteceram.
Frente a todas essas falas e ao cenário traçado, foram levantadas questões sobre a necessidade de haver maiores informações a respeito, com maior precisão. A Márcia Leão também colocou que, realmente, quando pesquisamos, vemos que temos muito pouca informação. Principalmente a nossa sociedade civil tem dificuldade em encontrar informações.
Que nós possamos pensar melhor sobre esse cenário.
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Mas eu queria deixar aqui uma colocação. Muito além de nós oferecermos o tratamento, desenvolver programas de prevenção dessas patologias, envolvendo apenas as questões de práticas clínicas de saúde, se nós não tivermos uma resposta adequada, com foco na prevenção, no tratamento e no cuidado, com ênfase nos direitos humanos e no enfrentamento das questões do estigma e da discriminação, não haverá uma resposta nunca efetiva de HIV-AIDS e hepatites virais, nem no Brasil, nem em lugar nenhum do mundo.
Então, quando nós pensarmos em realmente chegar a essas pessoas que estão em privação de liberdade e pensarmos em práticas clínicas, nós não podemos deixar de pensar também nas questões da prevenção, do diagnóstico e do tratamento baseados em direitos humanos. Nós sabemos que há uma grande dificuldade ainda, principalmente para quem está privado de liberdade, mas que nós não venhamos a pensar em soluções apenas em práticas clínicas. Que pensemos também na questão de enfrentamento, levando maior protagonismo a essas pessoas, ouvindo realmente como essas pessoas estão ali, como elas querem ser tratadas ali dentro. Sabemos da dificuldade disso, mas acredito que termos um olhar para essa questão das hepatites virais e do HIV-AIDS baseado nos direitos humanos é muito importante. Eu queria deixar aqui esta colocação final.
Agradeço mais uma vez a oportunidade de participar desta discussão tão importante, a oportunidade de estarmos discutindo isso. Como disse a Márcia, seria ideal que não precisássemos entrar nessa discussão, mas ainda bem que temos esta oportunidade hoje. Que sejam muito profícuas as tratativas daqui para a frente, para que nós possamos chegar a um cenário melhor, a uma realidade melhor.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Sra. Liliana.
A Liliana trouxe um aspecto fundamental, inclusive o debate sobre o protagonismo das pessoas que vivem em privação de liberdade, nas campanhas de sensibilização, de prevenção, nas ações, para nós darmos voz, cara, luzes para as pessoas que vivem em privação de liberdade, para que elas sejam protagonistas nesta luta também, no esforço da prevenção.
Fui informado pelo pessoal do plenário da necessidade de utilização do espaço por outras Comissões. Tenho que ser mais restrito em relação ao tempo das respostas e das considerações finais. Vamos ter que nos ater aos 3 minutos. Vou pedir que marquem os 3 minutos no relógio, para que os nossos colegas possam falar.
Há duas perguntas trazidas pelo e-Democracia. Uma delas é de Rubens Raffo: "Já alguns anos atrás foi proposta pela sociedade que os prontuários médicos acompanhassem os deslocamentos das pessoas privadas de liberdade entre os presídios". Esta pergunta é para os representantes das Secretarias. "Em que pé está isso? Como está a efetivação dessa situação?" Há outra: "Quais as medidas efetivas serão aplicadas para a saúde da população privada de liberdade?" Isso já foi, de certa forma, objeto de diálogo, assim como a situação dos dados, a situação real dos privados de liberdade. Também reforcei este questionamento aqui.
O SR. GERSON FERNANDO MENDES PEREIRA - Eu vou ser bem rápido. Quando eu falo da informação, eu não quero saber de informação de pesquisa. Eu não quero assim: "No dia tal, na prisão tal, eu achei tantas mulheres HIV positivas..."
O que eu gostaria, de fato, era lincar o sistema de informação. Eu não estou querendo saber nome de ninguém, gente! Os CPFs estão em todos esses sistemas de informações. É muito fácil, por meio do CPF, ver onde está um e outro. Então eu advogo, de fato, que, sem a informação, fica difícil ter uma ação.
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Por exemplo, o Deputado perguntou há pouco quantas pessoas com COVID há no sistema prisional. Eu fiz, Deputado, aqui, um trabalho que será publicado no livro Saúde Brasil. Alguém me perguntou: "Gerson, você acha que alguns pacientes com AIDS estão morrendo de COVID? Será que os antirretrovirais protegem as pessoas da COVID?"
Eu peguei o SIVEP-Gripe e o SINAN e verifiquei, juntando os casos, quantos casos de HIV no País tinham tido COVID e morreram. Isso é uma coisa em que o sistema de informação, o computador e a tecnologia podem ajudar. Servem muito para isso. Agora, Deputado, quanto à sua pergunta de quantas pessoas com COVID há no sistema prisional, isto já fica um pouco mais difícil. E se V.Exa. me perguntar quantas pessoas com COVID e AIDS há no sistema prisional, também já fica mais difícil. Portanto, eu acho que o que nós precisamos fazer é basicamente melhorar a qualidade da informação.
Eu acho que o Rubens Raffo também fez uma pergunta importante, quanto à história do prontuário, para a pessoa ter acesso, de onde ela estiver.
Temos que lembrar, Rubens, que nós temos o prontuário eletrônico e o Cartão SUS. De novo, falamos da informação, que, eu acho, é importante. Para onde quer que o sujeito vá, quem acessar o Cartão SUS dele, terá as informações do sujeito. Eu acho que essas são questões importantes.
Por isso, eu advogo que poderíamos sair daqui pactuando: que pudéssemos melhorar a qualidade da informação, trocando mesmo essa informação entre os sistemas prisionais e os sistemas de saúde do Ministério da Saúde.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Sr. Gerson.
Quanto aos impactos da COVID-19 no sistema prisional, segundo o nosso painel de monitoramento, houve 61 mil pessoas contagiadas pela COVID-19 e 279 óbitos. Publicamos no nosso site que o número de mortes era mais baixo do que o da sociedade normal. Como sempre, eu volto a repetir, essa é uma informação que nos são repassadas pelas Secretarias Estaduais. Foram testadas 349 mil pessoas, ou seja, quase 50% da população. Isso foi fruto de um esforço para se comprarem testes rápidos para doar.
Antes de me despedir, eu só gostaria de reforçar duas coisas. Uma delas foi o que o Alessandro disse e que eu acho muito importante: a pandemia nos aproximou. Isso é verdade. Nunca o DEPEN esteve tão próximo das Secretarias Estaduais de Justiça como agora. Desde o começo da pandemia, iniciou-se uma dinâmica para se fazerem reuniões on-line. Essa ferramenta da tecnologia nos aproximou muito. Semanalmente, nós tínhamos contato com eles para repassar as informações.
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Eu também gostei muito da preocupação quanto ao estigma da sociedade. Esse é um grande problema de quem trabalha com políticas públicas no sistema penitenciário. Existe um estigma gigantesco da sociedade, e muitas vezes da própria gestão, quanto a tudo o que nós queremos fazer no sistema prisional.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Sr. Rodrigo.
O SR. GEORGE MEIRA TRIGUEIRO - Mais uma vez, quero agradecer o convite para participar desta tão importante audiência pública.
Quero somente enfatizar que o sistema prisional feminino de Pernambuco foi escolhido pelo Departamento Penitenciário Nacional — DEPEN, entre os Estados do Nordeste, para a implantação de projeto-piloto da Fundação Oswaldo Cruz — FIOCRUZ, batizada de “Implementação de Programa para Detecção da Infecção pelo HIV/AIDS e Sífilis em Prisões Femininas, com Ênfase na Prevenção da Transmissão Materno-Infantil”.
Essa pesquisa provavelmente terá início no final do ano. Esse é um projeto-piloto da FIOCRUZ e do DEPEN. Eu acredito que isso poderia se replicar posteriormente em todos os Estados. Então poderíamos, em outra oportunidade — quem sabe daqui a 1 ano ou daqui a 6 meses? — fazer uma avaliação. Inicialmente, será implementado nas prisões femininas. Como eu disse aqui, em Pernambuco, há duas colônias penais: uma na região de Abreu e Lima e outra aqui no Recife. Talvez, com isso, possamos verificar a incidência dessas doenças e prevalência nas nossas prisões.
Eu acredito que foi de muita valia esta reunião. Eu aprendi muito. Nós não somos, vamos dizer assim, experts nessa área de dados, de consolidação de dados, como se viu nos trabalhos robustos que os palestrantes aqui expuseram, mas estamos dispostos a contribuir, dando prosseguimento a essa parceria público-privada, porque nós também atendemos a federações filantrópicas, cuja clientela, como nós sabemos, é do SUS, principalmente na área materno-infantil.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Sr. George.
O SR. NEREU HENRIQUE MANSANO - Inicialmente, eu gostaria de cumprimentar, mais uma vez, a Comissão pela iniciativa. Foi um privilégio participar deste debate, em que muitas apresentações se complementaram.
Eu vou me atentar mais à questão da informação. Este talvez seja o nosso grande desafio, e talvez possa haver uma contribuição também do Poder Legislativo. Nós precisamos definir qual é a informação que será trocada entre o setor penitenciário, o setor da Justiça e o setor de saúde.
Eu cheguei a comentar a dificuldade que nós tivemos em um Estado de obter informações de identificação dos presos para poder alimentar as informações referentes — agora são identificadas — à vacinação. Então, qual informação será trocada?
Um funcionário administrativo, por exemplo, do setor penitenciário não precisa ter acesso a informações sensíveis do setor de saúde, ao contrário do que um profissional de saúde, que trabalha diretamente na área penitenciária, vai precisar acessar.
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A solução para isso tudo é a implementação da Rede Nacional de Dados em Saúde, à qual devem ser agregados pelo menos os dados de identificação da população que vive no sistema penitenciário — uma forma de trocar informação com o Cadastro Nacional de Usuários do SUS e o cadastro de pessoas que vivem na penitenciária —, se nós pudéssemos, primeiramente, trocar informação de identificação. Essa é a primeira questão.
A segunda questão é o prontuário, questão que já foi colocada como uma demanda. Foi colocada aqui, inclusive, como uma pergunta. A única solução para isso é a implementação de prontuário eletrônico também no serviço de saúde previdenciário. Pode ser (ininteligível), na parte ambulatorial; e, através da Rede Nacional de Dados em Saúde, que vem sendo implementada, essa troca de informações, que nós desejamos não só na integração entre a Saúde e o setor penitenciário, mas também dentro do próprio setor de saúde. É uma questão que está caminhando agora. É um sonho de todos nós essa integração das informações em todos os pontos de atenção.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Sr. Nereu.
A SRA. CARLA ULHOA ANDRÉ - Sim, Deputado, só para colocar a questão da expansão da cobertura. As metas de expansão da nova portaria se mantêm as mesmas do quadriênio do Plano Nacional de Saúde. Nós achamos que o novo modelo vai facilitar essa expansão. Então, ele permanece o mesmo do quadriênio passado, do antigo Plano Nacional de Saúde.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito bom.
Só quero frisar, Deputado, que realmente essa questão da informação nos é muito cara. Eu acho que temos que investir muito nisso, em termos os dados integrados, em sabermos que dados são necessários.
Eu queria, por fim, trazer uma última perspectiva, Deputado Alexandre Padilha, bem rapidamente. Não vou extrapolar meu tempo. Política pública de saúde faz-se com gente, e o Brasil tem um Estado reduzido. Por que eu estou dizendo isso? Só comparando o Brasil com os membros da OCDE, por exemplo, verificamos que os membros da OCDE têm, em média, 22% da população como servidor público. O Brasil tem 5,18%. Estou trazendo essa perspectiva para mostrar a vocês o quão é mais desafiador fazer política pública no Brasil.
Portanto, nós precisamos, sim, das ONGs. Precisamos, sim, de ações coordenadas, integradas, e precisamos nos aproximar. É uma discussão de Estado — não é, Deputado Alexandre? —, tanto a que eu fiz anteriormente, quanto a que eu fiz agora. No Brasil, nós crescemos e passamos a vida achando que o Estado brasileiro é inchado. O Estado brasileiro é extremamente reduzido, e essa é outra coisa que nós temos que trazer para o debate. Então, política pública na área de saúde é muito mais desafiadora de ser executada. Não estou me desculpando de nada. Nós estamos assumindo compromissos, aqui. Precisamos fazer essa coisa andar, mas é bom saber da dificuldade, diante de um Estado reduzido.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Parabéns pela colocação, Sr. Alessandro, porque nós estamos vivendo aqui na Câmara dos Deputados um momento de tentativa de aprovação de uma reforma administrativa que, na verdade, é uma destruição na administração pública, nas carreiras públicas, nos concursos.
carreiras públicas e nos concursos, a chamada PEC 32, que vai afetar não só as carreiras públicas federais, mas também as estaduais e as municipais, com impacto muito grande para o conjunto das políticas públicas. Eu diria que, para o sistema penitenciário, o impacto será ainda maior, porque abre a possibilidade muito clara de esvaziamento da carreira pública no sistema penitenciário. Então, parabéns por trazer este tema!
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A SRA. MÁRCIA LEÃO - Mais uma vez, Deputado, muito obrigada por prontamente sempre acatar as nossas solicitações. Nós temos conseguido construir muito com a frente parlamentar, e isso é muito importante.
Eu acho que o principal ponto que todos levantaram é o da necessidade de integração desses sistemas, para garantir que nós consigamos pensar de forma mais objetiva as respostas e em como construir esse enfrentamento e garantir a saúde dos privados de liberdade.
Concordo — e acho que eu trouxe isso na minha fala, e a Lia também traz — que nós não podemos desassociar isso da garantia de direitos das pessoas vivendo em privação de liberdade. Nós não podemos desassociar as questões de direitos humanos e precisamos quebrar muitos tabus que vêm sendo reforçados na sociedade ultimamente, principalmente aqueles que dizem que as pessoas privadas de liberdade não têm direitos. Elas os têm, e nós temos que garantir isso. O Estado também deve garantir isso.
Eu fico muito feliz quando o Deputado coloca uma data à disposição para nós, para pensarmos projetos, proposições ou o que quer que seja para que essa discussão possa ser ampliada. Rapidamente, tentando articular um pouco com meus pares, quero dizer que pensamos na possibilidade, se ela existe, de ser feita uma subcomissão vinculada à Comissão de Seguridade Social, para discutir mais amplamente a questão da saúde dos privados de liberdade. Existe uma discussão sobre privados de liberdade em outras Comissões, mas é referente à área de segurança, e eu penso que nós precisaríamos puxar essa discussão com o olhar da saúde, sendo o primeiro olhar a levar essa discussão. Talvez uma subcomissão, com os prazos que há na Casa, pudesse propiciar um documento e alguma construção mais robusta, e nós pudéssemos incluir a discussão sobre a saúde prisional, para HIV, para AIDS, para hepatites, tuberculose e outras doenças, mas principalmente com esse olhar detalhado sobre o privado de liberdade. Eu não sei regimentalmente o quanto isso seria possível, mas acho que seria uma excelente estratégia para começarmos as discussões e tentarmos a aproximação do DEPEN com o Ministério da Saúde.
Eu fico muito feliz quando o representante do DEPEN acolhe a nossa proposta de estarmos mais próximos enquanto sociedade civil, não só acompanhando através do monitoramento do que vem sendo feito, mas também pensando juntos formas de conseguir ir adiante e superar esse grande problema que é levar a garantia do direito ao acesso à saúde aos privados de liberdade.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Agradeço a todas e a todos. Quero agradecer mais uma vez aos nossos convidados e convidadas e também àqueles que participaram pelo e-Democracia.
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Primeiro, eu acho muito boa essa ideia, Márcia, de protocolarmos na Comissão de Seguridade Social e Família a proposta da criação de uma subcomissão ou de um grupo de trabalho específico sobre a política de saúde da população privada de liberdade. Essas subcomissões e grupos de trabalho são aprovados no começo do ano. Então, neste ano agora de 2021 já estão em andamento várias subcomissões. Eu mesmo inclusive relatei a Subcomissão Especial de Desenvolvimento do Complexo Econômico e Industrial em Saúde — relatório nós aprovamos ontem. Queria convidar a todos e a todas para interagir conosco, para ler e acompanhar o relatório, num esforço para aumentar a capacidade nacional de produção de insumos, tecnologias, produtos, medicamentos, vacinas e serviços na área da saúde e inovação do nosso País. Já podemos preparar o pedido, Márcia, para que seja instalada ou uma subcomissão ou um grupo de trabalho no ano que vem, no começo de fevereiro ou em março.
Independentemente disso, eu queria me colocar à disposição para construirmos desde já uma proposta de projeto de lei, num esforço de dar mais permanência àquilo que está estabelecido nas diretrizes da portaria da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade e também de dar um foco específico para as pessoas que vivem com HIV/AIDS, hepatites virais, IST e que estão em situação de privação de liberdade. Então, coloco-me à disposição para a construção disso.
A terceira sugestão é a de prepararmos uma proposta de indicação — e eu quero ouvir as sugestões —, que seja aprovada na Comissão de Seguridade Social e Família e encaminhada ao Ministério da Justiça e ao Ministério da Saúde, no sentido de pensarmos, dentro da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade, em incentivos financeiros ou regulatórios que estimulem o que foi trazido aqui sobre a implantação do prontuário eletrônico, o e-SUS, e sua utilização nos serviços de saúde das unidades de privação de liberdade, para que possamos aprimorar não só as informações relacionadas a HIV/AIDS, a hepatites virais e a IST, mas também o conjunto das informações de saúde das pessoas que são cuidadas e acompanhadas de certa forma nessas unidades prisionais. Isso pode ser feito por meio de incentivos e certamente pode ser visto à medida que se expandem as equipes que recebem o incentivo para terem um compromisso de informação e implantação do e-SUS. Precisamos pensar nos mecanismos para fazer isso, para que possamos aprimorar essa informação e a implantação do prontuário eletrônico, do e-SUS, nessas unidades.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - A hanseníase e a tuberculose, com certeza. Vou convidar a Deputada Tereza Nelma, que é a coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa das Pessoas com Deficiência e pelo enfrentamento da hanseníase, e o Deputado Antonio Brito, que é coordenador da Frente Parlamentar pela Luta contra a Tuberculose. Eu faço parte dessas duas frentes e vou convidá-los, para que possamos envolver esse tema de forma conjunta.
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Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, antes convocando audiência pública extraordinária para hoje, quinta-feira, dia 23 de setembro de 2021, às 14 horas, para discutir o tema Fazer-se cumprir a Lei nº 13.444, de 2017, e o Decreto nº 9.723, de 2017, que dispõe sobre a identificação civil nacional, com o objetivo de tornar o CPF a chave única da relação entre o cidadão e o SUS.
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