3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Centro de Estudos e Debates Estratégicos
(Audiência Pública Ordinária)
Em 28 de Setembro de 2021 (Terça-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Bom dia a todos.
Na audiência pública de hoje, iremos tratar do tema Câmbio e Macroeconomia para o Desenvolvimento, proposto pelo grupo de estudos Retomada da Economia, Trabalho e Renda no Pós-pandemia, relatado por mim e pelo Deputado Francisco Jr. O estudo tem como objetivo principal definir o papel do Estado, da iniciativa privada e das organizações da sociedade civil nas estratégias e políticas de recuperação da economia e de geração de emprego e renda no pós-pandemia.
Hoje, três palestrantes irão contribuir com o nosso estudo. O primeiro é Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da UNICAMP e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica. É formado em economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e tem mestrado e doutorado na UNICAMP. Foi diretor da Sociedade Brasileira de Economia Política e do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica. Foi pesquisador visitante da ONU em Genebra e foi professor visitante da Fudan University, em Shanghai. Atualmente integra uma comissão de especialistas da iniciativa internacional Princípios e Diretrizes de Direitos Humanos na Política Fiscal. Sua pesquisa se concentra na taxa de câmbio e na política cambial. É autor do livro Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, papel da arbitragem e da especulação e é co-organizador do livro Economia pós-pandemia: desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico.
Nosso segundo palestrante é Daniel Negreiros Conceição, economista e professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fez sua pós-graduação em economia e ciências sociais na University of Missouri, em Kansas City, com foco em macroeconomia e finanças públicas funcionais. É um dos autores do livro Teoria Monetária Moderna: a chave para uma economia a serviço das pessoas, primeiro manual brasileiro sobre o tema, publicado pela Editora Nova Civilização.
Nossa terceira palestrante é Eliane Araújo, que possui graduação em ciências econômicas pela Universidade Estadual de Maringá, mestrado em economia pela Universidade Estadual de Maringá, com intercâmbio na Technische Universität Ilmenau, na Alemanha, e doutorado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é professora adjunta da Universidade Estadual de Maringá. Atua principalmente nos seguintes temas: crescimento econômico, economia internacional e políticas monetária e cambial.
Neste momento, daremos inicio às apresentações dos palestrantes convidados, que terão 15 minutos para fazer suas apresentações. Em seguida, passaremos aos Deputados e consultores, que farão perguntas aos palestrantes sobre o tema da audiência.
De imediato, passo a palavra ao palestrante Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da UNICAMP.
O SR. PEDRO ROSSI - Obrigado, Deputado. É um prazer enorme participar desta audiência.
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Eu acho que este grupo tem o papel fundamental de pensar a economia para além da conjuntura, para além da superfície, considerando o planejamento e o desenvolvimento de temas estruturais, como a taxa de câmbio e a política macroeconômica, que são muito bem-vindos na discussão. Eu diria até que o debate público brasileiro é carente desse tipo de discussão.
Vou fazer uma pequena apresentação para mostrar alguns dados que articulam a dimensão cambial das políticas macroeconômicas com a dimensão do desenvolvimento econômico. Eu acho que é difícil tratar desses temas isoladamente, e vou tentar articulá-los, para trazer uma perspectiva crítica sobre a política macroeconômica que está em curso no Brasil e também uma perspectiva propositiva.
(Segue-se exibição de imagens.)
Aqui está uma breve introdução, com os aspectos mais gerais, que, na verdade, trazem o momento de transformação que o mundo vive no debate econômico e na discussão sobre desenvolvimento.
Eu acho que a pandemia tem um papel fundamental nessa transformação, porque, de certa maneira, acelera a história do ponto de vista econômico, embora não a transforme por completo, porque essas modificações já vinham em curso depois da crise de 2008, que dá lugar a um grande debate econômico sobre o papel das políticas macroeconômicas e o papel do Estado, em geral, no desenvolvimento. Eu acho que a crise de 2008 estabelece uma nova forma de se enxergar a política monetária, a política cambial e a política fiscal.
Do ponto de vista fiscal, houve tentativas de austeridade que não deram certo, que foram revistas. Agora, estamos vendo um revisionismo macroeconômico sobre a experiência histórica dessas políticas.
Do ponto de vista monetário, as políticas foram totalmente inovadoras, em reação à crise de 2008.
Do ponto de vista cambial, houve grandes mudanças também, com maior crítica à liberalização financeira e maior aceitação dos controles de capital e da intervenção dos governos nos mercados de câmbio. A ideia é que esses mercados, quando guiados sem interferência dos governos, podem levar a bolhas de preço, bolhas cambiais, crises financeiras e fugas de capital. Tudo isso fez parte do debate. A meu ver, a pandemia acelera transformações em curso e deixa lições importantes.
Os Estados nacionais deverão aprender essas lições, particularmente os países centrais, que já mostram esse aprendizado. Os Estados nacionais, nos últimos 40 anos, sofreram transformações que trouxeram fragilidades diante da pandemia. Essas transformações impediram uma atuação mais forte. Eu me refiro aos países centrais da Europa e aos Estados Unidos. Eu não me refiro à experiência asiática, que mostra que os países daquele continente estão apresentando uma capacidade muito maior de lidar com a pandemia do que os países da Europa e os Estados Unidos.
Essa mudança de concepção, materialmente, está explícita no plano de recuperação europeu, o Next Generation EU, que traz 750 bilhões de euros para o plano de recuperação de longo prazo, pensando planejamento, pensando transformação, pensando o Estado alocando recursos em direção a uma transformação da sociedade.
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Os próprios Estados Unidos estão propondo planos de recuperação ousados, se considerarmos os últimos 40 anos. O que o Biden faz é recuperar a ideia do New Deal — que, aliás, também tinha três frentes de atuação —, e ele está propondo três planos: o primeiro, que já foi aprovado pelo Congresso, é o plano de recuperação, o American Rescue Plan; o segundo é o American Jobs; e o terceiro é o American Families. Esses planos propõem o Estado no centro da cena da política econômica.
Nessa perspectiva, eu acho que a discussão brasileira, Deputado, está muito atrasada, porque nós estamos com uma concepção de desenvolvimento esvaziada, na qual o Estado recua as suas fronteiras de atuação e cede espaço para um mercado que supostamente vai conduzir o processo de desenvolvimento. Isso está na contramão do debate internacional. O que nós vemos lá fora são os Estados nacionais entrando em cena para lidar com problemas da herança da pandemia, para lidar com problemas do mercado de trabalho, para lidar com problemas da desigualdade social, para lidar com problemas ambientais. Isso traz a necessidade de se repensar o desenvolvimento.
Do ponto de vista macroeconômico, eu quero deixar uma reflexão: nós precisamos olhar para trás e rever a nossas políticas macroeconômicas, inclusive a política cambial. Eu vou trazer alguns dados, e espero não chateá-los com isso, para mostrar que a ideia da estabilidade macroeconômica não é uma realização brasileira.
O Brasil, depois do Plano Real, estabilizou os preços, mas não estabilizou, do ponto de vista macroeconômico, os grandes preços macroeconômicos, inclusive a taxa de câmbio, a taxa de juros e o próprio crescimento econômico. Não há estabilidade macro, e o tripé macroeconômico não oferece isso.
Eu faço essa reflexão em torno do tripé, que já tem mais de 20 anos, e vemos que ele não entrega essa estabilidade. Ou seja, as taxas de juros nominais do Brasil são as mais altas do sistema desde a criação do tripé macroeconômico.
Esse gráfico mostra que a taxa de juros praticada no Brasil é fora da curva.
Bom, mas aí eu estou falando de taxas nominais. Então, vamos olhar a relação entre taxa nominal e inflação.
Aqui nós temos um conjunto grande de 80 países em combinações da inflação anual com a taxa de juros do mesmo ano. Há 80 países e 18 anos nesta amostra. Ou seja, os países que têm uma inflação maior tendem a ter uma taxa de juros maior; os países com meta de inflação tendem a ter uma taxa de juros um pouquinho maior do que os países que não têm meta de inflação.
Aqui está o Brasil, em verde. O Brasil está fora da curva. O Brasil tem taxas de juros muito maiores do que outros países que têm a mesma taxa de inflação. Ou seja, temos um problema, no caso brasileiro, com essa perspectiva longa, essa perspectiva estrutural.
A taxa de juros dos empréstimos também é fora da curva, se comparada com taxas de inflação e taxas de juros de empréstimo.
A taxa de juros, que é aquela paga pelo Governo como serviço da sua dívida, também é fora da curva. Os países que têm uma dívida maior tendem a pagar, como serviço da dívida, uma taxa de juros maior. Mas nós temos dois outliers: o caso brasileiro, que, em média, não tinha uma dívida tão grande, e o caso japonês, que é o oposto, ou seja, tem uma dívida muito grande e paga um serviço da dívida pequeno. Do ponto de vista fiscal, o nosso regime de superávit primário, agora acrescido do teto de gastos, não resolve os problemas, porque ele não tem capacidade de estabilizar a dívida pública, que tem outros determinantes, inclusive as próprias políticas monetárias e cambial, que têm custo fiscal alto. Além disso, o regime fiscal não garante o papel da política fiscal de estabilizar o ciclo e gerar crescimento econômico.
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Eu não vou entrar nos detalhes, mas quero dizer que os principais determinantes da dívida bruta não são gasto público nem superávit primário. Há outros determinantes. O próprio juro nominal é uma variável fundamental, bem como o crescimento econômico. Estamos dizendo que a dívida bruta sobre o PIB é uma variável fundamental, tanto que o que vemos hoje no Brasil é uma redução da dívida pública, a despeito do que nós temos em termos de déficit primário, que é enorme.
O que nós temos no Brasil, na verdade, é uma trajetória da dívida bruta estável, enquanto o Brasil crescia, até o final de 2014. Aí, passa a crescer junto com o processo de austeridade fiscal, que busca, via redução do gasto público, estabilizar a dívida e não tem sucesso. Ou seja, a dívida pública aumenta justamente nos momentos em que nós somos mais rigorosos, mais responsáveis do ponto de vista fiscal.
Com a pandemia, evidentemente, ela aumenta. Alguns já diziam que a dívida pública ia chegar a 100% do PIB e que isso seria um problema, que isso seria um perigo, que isso iria desacelerar a economia brasileira. Bom, não chegou a 100% do PIB e reduziu recentemente. Por que ela reduziu? Porque o gasto público não é o único determinante da dívida pública nem o é o resultado nominal nem o resultado primário. Há outros determinantes.
A trajetória do PIB é fundamental para a dívida pública. Daí a importância de olhar o crescimento econômico como variável chave; o próprio custo da política monetária, via juros nominais; o custo da política cambial, que bate nos juros nominais, também. Ou seja, muito além do teto de gastos, muito além da redução do gasto público, nós temos que pensar a política fiscal e a dívida pública como uma articulação de políticas macroeconômicas.
E aqui eu faço esse (falha na transmissão) entre as políticas monetárias, fiscal e cambial.
A política cambial, que me parece ser um tema fundamental para nós no dia de hoje, no Brasil, tem um problema fundamental. Eu não vou nem falar do patamar da taxa de câmbio, que é uma discussão muito complexa, mas vou falar da sua volatilidade.
A taxa de câmbio de real para dólar é uma das mais voláteis do sistema. Sistematicamente tem sido assim.
Aqui eu pego o período de 1999 a 2018, que mostra a volatilidade medida por um indicador simples, o módulo da variação mensal. A nossa é a quinta moeda mais volátil do mundo, depois das moedas da Nigéria, de Angola, do Irã e de Malawi, na comparação feita sistematicamente com o dólar.
Essa volatilidade cambial tem implicações enormes. Ela tem implicações do ponto de vista produtivo, do ponto de vista do crescimento, do ponto de vista do próprio regime macroeconômico e do sistema macroeconômico, porque ela fragiliza esse sistema.
Do ponto de vista produtivo, nós estamos falando de uma variável que tem implicações nas decisões microeconômicas de investimento dos agentes, ou seja, acresce incerteza e condiciona o processo de tomada de decisões dos agentes, que passam a investir menos em cenários nos quais a incerteza é maior, que passam a exigir taxas de retorno maior quando a incerteza é maior. Ou seja, ela prejudica o sistema produtivo brasileiro. De outro lado, essa volatilidade interfere na própria condução da política monetária, porque ela tem implicações em termos de inflação, ou seja, ela está sistematicamente trazendo volatilidade também para a inflação, dando choques de custo, e a política monetária responde a essa volatilidade com taxas de juros. Ou seja, existe uma articulação entre a política cambial e a política monetária que precisa ser discutida. E essa pergunta — por que a taxa de câmbio é tão volátil no Brasil? — não é feita no debate brasileiro. Assume-se, no debate brasileiro, que o câmbio é um problema do mercado, que é determinado naturalmente pelo equilíbrio de mercado, e não se discute a sua volatilidade.
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Eu acho que essa questão é fundamental. Eu tenho uma hipótese para ela. Eu trabalhei essa questão na minha tese de doutorado e no livro que trago aqui para os senhores, mas esse tema precisa ser mais discutido, porque ele é absolutamente ignorado do ponto de vista das políticas públicas.
A minha hipótese é a seguinte: essa volatilidade decorre, primeiro, da sua articulação com a política monetária. Se nós temos uma taxa de juros que é sistematicamente mais alta do que as taxas de juros internacionais, isso leva à atração de capitais especulativos, que vão atrás desse diferencial de juros. E o segundo motivo é uma estrutura, uma institucionalidade do mercado de câmbio brasileiro, que é extremamente permeável a esse capital especulativo; que atrai esse capital especulativo, em particular, a estrutura do mercado de derivativos, em que as pessoas podem simplesmente apostar numa valorização ou numa desvalorização do real sem mover o dinheiro, sem mover fluxos.
O mercado de derivativos tem essa facilidade. Toda a regulação que se volta para o fluxo de capitais não se observa no mercado de derivativos, porque não há contrato de câmbio. O mercado de derivativos, lá na BM&F, o mercado futuro não negocia um dólar. O mercado de dólar futuro não tem dólar, e sim contratos que são liquidados em reais a partir da variação do dólar em relação ao real.
Toda a desregulamentação que foi feita no Brasil com relação a esse mercado tornou esse mercado assimetricamente maior e trouxe uma especulação muito grande para o mercado de câmbio brasileiro. Ou seja, se nós quisermos mudar essa volatilidade, vamos ter que olhar para a estrutura do mercado de câmbio brasileiro e pensar em como regulá-lo, diminuindo a especulação que existe nesse mercado.
E o que o Brasil está discutindo hoje? O Brasil está discutindo o contrário. O Brasil está discutindo a desregulamentação ainda maior do mercado de câmbio. O PL do Câmbio vai na contramão da solução do problema.
Vejam, eu acho que a regulação cambial brasileira precisa ser revista, porque, de um tempo para cá, ela foi feita muito em cima de decretos, de normas, de atuações do Banco Central, que precisam, sim, virar lei.
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Mas a forma como o PL do Câmbio traz essa regulação aprofunda em muitos graus a liberalização financeira no Brasil e, em um momento como este — aliás, em qualquer momento —, é extremamente perigoso para a economia brasileira darmos passos largos no sentido de uma abertura financeira tão grande quanto a que o PL do Câmbio propõe.
O PL do Câmbio traz dois problemas principais, além de vários outros que eu não vou abordar.
O primeiro é liberar o crédito em real para não residentes. Dessa forma, uma empresa estrangeira pode entrar no Brasil sem qualquer dólar, tomar empréstimo num banco brasileiro e especular contra a moeda brasileira. Ou seja, ela poderá ganhar dinheiro no Brasil sem trazer dinheiro para o País e desestabilizar a nossa taxa de câmbio. Isso facilita a especulação financeira, que é perversa para a volatilidade da taxa de câmbio.
O segundo problema que eu destaco são as contas em dólar para não residentes. Isso revela uma falta de aprendizado com a história. O exemplo que nós vimos da Argentina — eu já estou terminando, Deputado — é extremamente perverso. Quando eu libero o uso de uma moeda estrangeira mais forte do que a moeda brasileira — as moedas não são iguais; o dólar é uma moeda muito mais aceita do que o real —, eu faço com que as pessoas optem pela moeda boa. Se todo mundo puder ligar para o gerente do banco e pedir para trocar a sua conta em real por uma em dólar, convertendo os reais depositados em dólares — o que as pessoas farão quando estiver havendo uma confusão lá fora e o real tiver a possibilidade de se desvalorizar —, e se todo mundo fizer isso ao mesmo tempo, o real simplesmente se desvalorizará horrores. Isso tem implicações enormes para a inflação, tem implicações enormes para o equilíbrio externo brasileiro.
Enfim, do ponto vista individual, ou seja, para uma empresa, para o indivíduo, pode ser interessante poder converter seu dinheiro em dólar ou em real, mas, do ponto de vista macroeconômico, não é. A experiência internacional mostra isso. E o PL traz isso como um projeto gradual, mas o Banco Central, autônomo, vai conduzir esse processo da chamada conversibilidade da moeda brasileira, que consiste na possibilidade de haver contas em dólar no Brasil.
Este PL se justifica muito mal, porque atribui esse tipo de medida à OCDE, mas a OCDE não recomenda explicitamente a conversibilidade da moeda nacional — ou seja, os códigos de liberalização da OCDE não chegam a esse nível de liberalização que o PL propõe —, e o nosso risco é seguir esse caminho da dolarização da economia. Quem já foi à Argentina sabe como os argentinos pensam em dólar, como têm o dólar na sua cultura. Isso seria extremamente perverso para o caso brasileiro. No limite, chegaríamos ao caso do Equador, onde o dólar é a própria moeda-chave. E assim nós perderíamos autonomia de política fiscal, de política monetária, enfim, perderíamos autonomia do processo de desenvolvimento nacional.
Então, o que eu quero trazer, Deputado, é uma reflexão sobre o conjunto das políticas macro, destacando a política cambial e a necessidade de pensar em outra direção — o que, aliás, o mundo está fazendo, os países centrais estão fazendo —, que é a de recuperar os seus instrumentos, a sua capacidade de fazer uma política macroeconômica que dê a estabilidade necessária para o processo de desenvolvimento.
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Vejam, a política macroeconômica não é tudo, ela não vai significar o sucesso do projeto de desenvolvimento, que é algo muito mais complexo, mas ela é uma condição, vamos dizer assim, necessária, embora não suficiente, para uma direção do desenvolvimento econômico e social. E essa instabilidade que vemos no Brasil, em que a taxa de câmbio é extremamente volátil, rebate na inflação e faz com que a taxa de juros suba, com consequências distributivas, com consequências em termos de crescimento econômico, com consequências em termos fiscais — porque bate na dívida pública. Isso é extremamente perverso. Nós precisamos nos desligar desse ciclo econômico perverso da política macroeconômica.
Então, a ideia é repensar essas políticas, não dobrar a aposta no câmbio flutuante, na liberalização financeira — e considerando que a política monetária brasileira é antiquada; usa um só instrumento para controlar uma inflação que tem múltiplas causas — e olhar um pouco o debate internacional, trazê-lo para o Brasil, porque esse debate está abrindo, esse debate está questionando dogmas, esse debate está a séculos-luz do que nós ouvimos no Brasil, na mídia, da política econômica que vemos sendo praticada no País.
Com isso, Deputado, eu queria deixar os comentários críticos à política macroeconômica brasileira e à condução da política cambial, cuja reforma que anda na Câmara — e os Srs. Deputados têm grande responsabilidade, ao conduzirem o debate sobre o PL do Câmbio — me parece estar na contramão do debate internacional e do desenvolvimento econômico brasileiro.
Eu fico por aqui e agradeço o convite.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Obrigado, Prof. Pedro Rossi, pela brilhante explanação.
Neste momento, passo a palavra para o palestrante Prof. Daniel Negreiros Conceição, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O SR. DANIEL NEGREIROS CONCEIÇÃO - Bom dia, colegas. Eu agradeço muitíssimo a oportunidade de participar com vocês deste debate.
Eu também vou fazer uma pequena exposição.
(Segue-se exibição de imagens.)
Algumas das coisas que eu queria mostrar o Pedro Rossi já apresentou, brilhantemente. Eu realmente tenho a mesma preocupação, especialmente relacionada a esses movimentos na direção de uma liberalização cambial mais agressiva. Acho que isso vai trazer uma instabilidade cambial muitíssimo grave, especialmente porque o contexto que nós estamos vivendo já é de uma dificuldade cambial muito grande.
Antes da exposição, entretanto, eu queria só fazer uma pequena propaganda. Na verdade, muitas das reflexões que eu vou trazer estão sendo discutidas hoje por um grupo que constituiu um instituto, o Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento.
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Eu convido todo mundo a pesquisar sobre isso. Temos uma página na Internet. Inclusive, algumas das reflexões aqui vêm da última Policy Note, publicada pelo Fernando Lara. Eu acho que contribui muito bem para este debate.
Resumidamente, eu diria que o que nos preocupa muito hoje é a desvalorização cambial. Obviamente, o debate sobre câmbio e nível correto e ideal do câmbio é bastante complexo. Há pessoas que consideram desvalorizações cambiais pontuais bem planejadas algo positivo, com efeitos interessantes em termos de aumento de competitividade doméstica. Mas hoje é um problema, porque não foi algo planejado, não é algo desejável, não nos ajudou em nada a aumentar a competitividade e a aumentar a produção.
Então, hoje a desvalorização cambial é um problema grave e significa dólar mais caro. O dólar mais caro representa o acesso mais custoso a recursos indisponíveis domesticamente. Estamos falando de alimentos, de energia, de tecnologias, e hoje, durante a pandemia, de vacinas. Principalmente, quando nós estamos num contexto de cenário deprimido, numa economia deprimida com os salários estagnados, isso representa o empobrecimento real da grande maioria da nossa população. Então, é um problema e eu acho que precisamos entender as causas desse problema e, eventualmente, identificar soluções de curto, médio e longo prazos para isso. Certamente, uma delas não é a liberalização cambial, como foi a proposta no PL que o Prof. Rossi mencionou.
O que eu queria trazer para cá é que o debate hoje tende a ser dominado por pessoas que estão sugerindo que o nosso problema é fiscal. Existe um medo de insolvência do Estado brasileiro que geraria uma fuga de dólares do País. E eu preciso dizer aos senhores que não é verdade, não é isso, não existe risco nenhum de esgotamento de fontes de financiamento para o Governo brasileiro. Operacionalmente, o Governo Central pode praticar qualquer déficit, de qualquer tamanho, pelo tempo que desejar. E o motivo para isso é muito simples e é semanticamente inquestionável, apesar de pouco conhecido esse motivo. O Estado brasileiro, o nosso Governo Central cria toda a moeda que ele usa para fazer os seus pagamentos. Então, isso é algo que o mundo todo está aprendendo, mas o Brasil parece ainda estagnado nesse debate. O mundo todo parou de se perguntar se os Governos têm dinheiro para combater os efeitos depressivos da pandemia. O debate passou a ser: será que o gasto cabe na economia?
Embora eu esteja dizendo que podemos gastar o quanto desejarmos, no nível federal, certamente não é desejável gastar qualquer valor. O limite inflacionário existe, impactos outros desses gastos têm que ser avaliados, inclusive esgotamentos de ofertas de bens indisponíveis, tudo isso. Mas o limite financeiro para o Estado só existe por causa das nossas regras fiscais. Inclusive, a prova disso é que em 2020 esse limite desapareceu. Então, eu acho que nós temos uma prova cabal de que o limite artificial não é operacional.
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Eu acho que vale a pena refletirmos um pouco sobre os motivos. Vou tentar fazer essa reflexão bem rapidamente.
Se o problema não é fiscal, o que é que aconteceu recentemente para que nós estejamos nessa situação de câmbio excepcionalmente desvalorizado no mundo e, consequentemente, sob uma pressão inflacionária muito indesejável neste momento?
Eu não quero reduzir este debate a essa questão. Vou trazer para os senhores uma reflexão sobre a administração da nossa taxa de juros referencial — nós identificamos como taxa SELIC praticada pelo Banco Central — e que eu considero que tenha produzido alguns efeitos indesejáveis na dinâmica cambial. Eu não estou dizendo que o nosso problema é só esse, há vários motivos para que a oferta de dólares no mercado cambial tenha caído de maneira significativa no passado mais recente e que a demanda tenha aumentado. Não é só a taxa de juros referencial. Mas, como o Prof. Rossi mencionou, em uma situação em que o nosso mercado cambial é fortemente ocupado por atores que operam com o horizonte muito curto, que é contaminado por capitais de curto prazo muito voláteis, exatamente porque a taxa de juros vinha sendo praticada de maneira muito elevada durante muito tempo, esse mercado agora exige um cuidado muito grande na manipulação dos juros. Da mesma forma que manter o juro muito elevado durante muito tempo torna esse mercado mais volátil, reduzir os juros de uma vez só, de maneira muito agressiva, pode também agora, nesse contexto de mercado contaminado por capitais voláteis, produzir uma inversão de fluxos de capitais muito grande. Talvez seja o que tenha acontecido.
Eu estou mostrando para os senhores duas relações importantes. Nós temos, então, o que estamos chamando — esse é um trabalho que o Fernando Lara produziu com o nosso instituto — de diferencial de juros, que é aquela diferença entre a taxa de juros de curto prazo que o Banco Central administra com perfeição, praticamente com perfeição no Brasil, já que ele escolhe essa taxa, é uma taxa de política monetária, e as taxas praticadas em outros países comparáveis ao Brasil, que, de certa forma, são aquelas para as quais os investidores, em posições de curto prazo, olham para decidir: "Será que eu boto o meu dinheiro no Brasil ou será que eu boto para render em outro lugar?".
Em um contexto de mercado liberalizado, em que é possível fazer esses movimentos com velocidade, quando reduzimos essa diferença a tendência é que esses capitais de curto prazo migrem para outras direções. Obviamente, isso já aconteceria em um contexto de crise em que há fuga para moedas mais seguras, como o Prof. Rossi mencionou, de maior aceitabilidade internacional.
Isso já tendia a acontecer, mas foi reforçado porque, no início da pandemia, o nosso Banco Central achou que seria capaz de dar um empurrão numa economia deprimida pelo contexto pandêmico com essa redução muito agressiva nos juros de curto prazo. Isso acaba abrindo essa diferença, de modo que houve uma reação especulativa por quem achava que ia ganhar mais em moedas estrangeiras e também por agora esperar uma desvalorização do real, que também alimenta esses ganhos esperados pelos especuladores. É um movimento natural, é racional, as pessoas vão para onde elas acham que vão ganhar mais dinheiro.
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Percebam que durante o período em que a taxa ficou abaixo, em que essa diferença de juros ficou negativa, ou seja, quando o Brasil estava praticando comparavelmente os juros mais baixos do mundo, houve uma desvalorização cambial bastante acentuada, que passa a ser revertida no momento em que o Banco Central inverte a sua política.
Então, o primeiro ponto é o seguinte: valeu a pena introduzir esse choque monetário que acabou tendo consequências cambiais disruptivas? Eu diria que não, porque a capacidade da política monetária de resolver problemas recessivos graves, como durante a pandemia, é muito fraca, a política monetária no sentido da administração da taxa de juros referencial. É muito pouco o efeito expansionista que vem daí. Por quê? Porque simplesmente o problema ali não era que a SELIC era muito elevada, o que tornava o crédito muito caro. Não, na verdade, naquele momento as empresas estavam ameaçadas de falência pelo colapso das suas receitas. Não adianta reduzirmos o custo de crédito para essas empresas, porque elas simplesmente não têm mais para quem vender, a situação é muito pior. Portanto, não é a redução da SELIC que vai resolver isso.
Na verdade, vimos que não foi, porque a redução da SELIC não foi a medida monetária que alimentou o mercado de crédito para essas empresas em dificuldade. De fato, o que aconteceu no início da pandemia é que os bancos brasileiros perceberam que, se as empresas que tinham dívidas para com eles sofressem um impacto muito forte por conta da pandemia, elas não iam conseguir se manter endividadas, iriam à falência, e as dívidas daquelas empresas deixariam de valer qualquer coisa. Então, os bancos também estavam ameaçados por problemas gravíssimos e exigiram uma solução pública, que veio em um programa, aliás, muito bem-sucedido, de estatização de riscos de crédito.
Basicamente nós tivemos o PRONAMPE, por exemplo. Trata-se de um programa em que bancos que agora refinanciam as empresas em dificuldades têm o risco de crédito assumido pelo Governo Federal. Obviamente, aí sim, consegue-se promover o refinanciamento. Evidentemente, seria ainda mais eficiente se tivesse sido transferida renda para as próprias empresas, porque elas não precisariam se endividar durante a pandemia. Mas a opção de facilitar o refinanciamento de empresas ameaçadas de falência pelo menos deu uma sobrevida para as nossas empresas.
Portanto, reduzir a SELIC de maneira agressiva não nos ajudou, mas atrapalhou, pelo menos do ponto de vista cambial.
É interessante notar que, logo no início da pandemia, de fato, a maioria dos países do mundo sofreu com esse tipo de fuga de capitais, já que em crise todo mundo foge para a moeda forte. A questão é que logo em seguida houve uma apreciação, uma valorização dos preços das commodities que nós exportamos.
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Para a maioria dos países exportadores, isso significa um aumento na oferta de divisas, de dólares, o que ajuda a neutralizar um pouco esse efeito cambial durante as crises. Então, deveria ter havido uma revalorização do real, como houve em outros países que são exportadores. Mas isso não aconteceu ou, pelo menos, esse efeito acabou enfraquecido, justamente por essa agressividade exagerada da política monetária expansionista, que fez com que até saldos obtidos externamente não fossem internalizados.
O que acontece se você é um exportador que recebe em dólar numa conta estrangeira? Você internacionaliza, para pagar os seus custos, se essa for a opção mais vantajosa financeiramente. Você sempre pode se financiar domesticamente, obtendo crédito barato para fazer as suas operações e manter a sua conta estrangeira, se isso estiver rendendo bastante.
Em um contexto de desvalorização cambial agressiva, essas contas estão rendendo a própria desvalorização. Então, tivemos até dificuldade de internalizar os saldos aumentados pela valorização das commodities dos nossos exportadores. Às vezes, nem a exportação ajuda, porque, se o exportador não internaliza aquelas divisas, você não alimenta o mercado cambial para obter as importações.
Então, rapidamente eu queria mostrar que nós temos esse choque de juros agressivo, o que acaba produzindo, de fato, um efeito cambial indesejável. Existe agora um perigo, e talvez seja o motivo de maior preocupação, de inercialização desse processo inflacionário, porque nós temos um choque inflacionário vindo da desvalorização cambial, mas, a partir daí, os preços começam a se acostumar com essa dinâmica inflacionária. E é muito difícil você desinercializar, desindexar uma economia que começa a ficar viciada no câmbio.
A política monetária de novo se torna pouco eficaz para fazer isso, porque, quando você tem períodos prolongados de inflação persistente, como temos observado — hoje eu estava lendo que até feijão e arroz têm tido inflação persistente —, essas variações de preço começam a ser incorporadas às expectativas futuras de preço, e o próprio juro pode acabar contribuindo para isso.
No momento em que o Banco Central começa a fazer choques de juro mais agressivos — agora no sentido oposto, porque está preocupado com a inflação —, como a nossa inflação não é de demanda, o efeito recessivo não nos ajuda; atrapalha, porque empobrece as pessoas, expõe unidades endividadas à fragilidade financeira. Não nos ajuda nesse sentido, mas atrapalha, porque introduz um custo maior de crédito para as empresas. Além disso, acaba reforçando uma expectativa inflacionária no sentido de que cada aumento na taxa de juros valida aquela expectativa de que esse juro agora, de fato, representa uma inflação a ser incorporada pela economia.
Então, quando você aumenta a taxa de juros referencial nominal, acaba fazendo aparecer uma diferença entre a taxa nominal e a taxa real que os agentes de mercado imaginam que represente a inflação esperada para aquela economia.
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Então, já encaminhando para o fim, eu diria que é importante, Deputados e colegas, reforçar que juro baixo é sempre melhor do que juro alto. Juro é um custo para nós, é uma renda que podemos imaginar como se fosse um incentivo para os agentes financeiros não terem comportamentos disruptivos para a economia.
Então, aumentamos esse custo, aumentamos essas transferências, e são transferências mesmo, o juro que pagamos na dívida é uma transferência equivalente a um Bolsa Família, a um auxílio emergencial, porque é uma transferência unilateral que o Governo faz, mas faz tentando evitar que especuladores, principalmente em posições de curto prazo, porque estamos falando do juro de curto prazo, tenham comportamentos que nos atrapalhem, inclusive a aquisição de ativos denominados em moedas estrangeiras.
Portanto, redução de juro é algo desejável, como o Prof. Rossi falou, e inclusive ajuda a descontaminar o nosso mercado cambial desses capitais mais especulativos que se mudam com muito mais facilidade. Mas essa redução precisa ser funcional. O que chamamos de funcionalidade da política monetária significa observar as consequências das decisões de política macroeconômica relacionadas às variáveis mais importantes que nós estamos tentando controlar. Nesse caso, uma variável importante que precisava ser observada para produzir essa trajetória de queda no juro referencial era aquele tal do piso, aquele nível de indiferença das taxas de juros no contexto internacional, para que não nos expuséssemos a essas fugas de capital muito rápidas e muito violentas.
Como outra sugestão também no trabalho do Fernando Lara, se nós tivéssemos tentado respeitar esse limite sempre para reduzir o juro referencial, talvez nós pudéssemos estar hoje nesse nível aqui, compatível com o nível de indiferença de fluxos para aplicações de curto prazo. Então, não produziria uma fuga de capitais muito elevada e, certamente, menor do que acabamos tendo hoje, com os seus efeitos indesejáveis certamente associados agora a esse aumento muito violento dos juros.
Então, o primeiro ponto é que uma política monetária bem feita talvez tivesse nos ajudado. Eu acho que a redução foi muito exagerada, não foi bem planejada, porque não respeitou o piso que podemos imaginar para a taxa de juros brasileira e agora o aumento também tende a nos colocar numa situação difícil.
Eu queria trazer para os senhores que certamente tudo o que eu falei aqui não tem relação com o problema fiscal. Não há um problema fiscal no Brasil. Todas as nossas dificuldades fiscais vêm da invenção das nossas leis fiscais. Regras fiscais poderiam ser funcionais. As nossas não são. As nossas nos obrigam a combater um problema que não existe e, aliás, como o Prof. Rossi falou, a combater ineficientemente, porque acabamos sacrificando mais a arrecadação, com os nossos ajustes fiscais, para tentar resolver o problema fiscal, do que alimentando, melhorando o resultado fiscal.
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Então, o que acabamos produzindo, como podemos observar aqui, quando tentamos combater a dívida com cortes de gastos e combater o endividamento público como fração do PIB com cortes de gastos, é uma situação pior ainda do ponto de vista fiscal.
E é interessante notar que a percepção de que existe um problema fiscal e de que isso estaria contaminando a economia brasileira não se sustenta mais depois de 2020. Aliás, desde, pelo menos, 2014, mas vamos colocar aqui 2020, porque 2020 abriu de vez essa diferença entre arrecadação e gastos. Nós tivemos um déficit primário da ordem de quase 1 trilhão de reais, isso era inimaginável antes da pandemia, especialmente para um Governo que se dizia falido, sem dinheiro para gastar. É preciso explicar de onde vem esse dinheiro, como é que conseguimos fazer isso. Se o problema é fiscal, se estamos ameaçado de falta de dinheiro para o Estado, como é que o Estado conseguiu fazer isso?
Ali podemos ver que a ideia de que a relação dívida/PIB é um problema para os países do mundo não se sustenta. Olhando todo o conjunto de países com as suas relações de dívida/PIB, não conseguimos dizer quem tem um resultado melhor ou pior, em termos de desempenho econômico, simplesmente olhando para esse valor. Há todo tipo de país aqui no meio com dívidas com relação aos seus PIBs muito elevadas e todo tipo de país do lado de fora. Então, isso de fato não se sustenta.
A outra questão é a seguinte: voltando para a situação brasileira, como conseguimos realizar esse déficit fiscal, déficit primário recorde no Brasil, com tanta facilidade? E o que eu estou dizendo é que é muita facilidade mesmo, porque nós praticamos aquele déficit primário ao mesmo tempo, lembrem os senhores, que nós estávamos reduzindo a taxa de juros ao seu nível mais baixo na história e carregando, com essa taxa de juros referencial, todo o custo da dívida pública brasileira, como observamos aqui neste gráfico.
Então, como é que pode? O Governo estava simplesmente gastando muito mais do que gastava antes, aumentando a sua dívida de maneira recorde na sua história, ao mesmo tempo em que os juros todos estavam caindo, que a dívida pública estava se tornando mais barata. Como isso é possível? Isso é possível porque não existe risco fiscal para o Governo brasileiro, felizmente. O nosso arranjo monetário hoje permite que o Governo brasileiro pratique qualquer resultado fiscal sem dificuldade operacional, ou seja, do ponto de vista de "será que eu tenho dinheiro para fazer isso?" O Governo brasileiro sempre tem. Por quê? Porque o Governo brasileiro — isso é uma questão de definição econômica, isso não é uma proposta, não estou dizendo que ele deveria criar — já cria toda a moeda que ele usa para fazer seus pagamentos. Isso já acontece no Brasil e, da mesma forma como ele cria a moeda quando faz os seus pagamentos, essa moeda é que passa a se tornar disponível para a aplicação em títulos públicos.
Portanto, antes do endividamento público em dívidas remuneradas, existe um endividamento público na forma da própria moeda estatal. É por isso que o Governo brasileiro conseguiu praticar o déficit primário de 741 bilhões de reais em 2020. O que aconteceu foi o seguinte: ele gastou o que precisava. Depois que ele gastou é que os nossos agentes econômicos passaram a ter moeda estatal — no caso, eram os bancos com as suas reservas bancárias —, para adquirirem uma fração grande da dívida pública, que acabou sendo vendida pelo Tesouro. A diferença — existe sempre uma diferença — foi absorvida sem nenhuma dificuldade pelo nosso Banco Central. Se isso não tivesse sido feito, a taxa de juros não teria se mantido no nível em que o Banco Central se comprometeu a manter.
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É outra realidade. O Governo brasileiro não é como uma dona de casa, que precisa obter dinheiro para depois gastar. O Governo brasileiro é o oposto disso: ele gasta e, com isso, coloca dinheiro na economia, e todos os outros agentes passam a usá-lo.
Eu diria aos senhores que essa verdade pode não ser revelada no debate mais público, na mídia, mas até o mercado já sabe disso. Eu trago o exemplo de uma propaganda do BTG Digital admitindo isso, de maneira muito honesta até. Eu diria que não falaria desse jeito. Por que eles dizem que os títulos do Tesouro brasileiro são seguros? Porque o Governo brasileiro é o único que pode imprimir papel-moeda. Eu não diria imprimir papel-moeda, porque hoje a criação de moeda é praticamente toda digital — as reservas bancárias são criadas, e depois os bancos criam moeda bancária também digitalmente —, mas, apesar dessa confusão, eles estão corretos nessa avaliação. Não existe risco de crédito para o Governo brasileiro, porque ele é o criador da moeda quando faz os seus pagamentos.
Nós podemos, então, mudar a nossa forma de enxergar a política fiscal. Ela não é o problema, mas pode ser a nossa solução. Como o Prof. Rossi colocou, nós temos problemas estruturais associados à nossa dinâmica cambial. Esses problemas vêm da nossa dependência material e técnica. Nós precisamos comprar muitas coisas do exterior. A melhor forma de lidar com esse tipo de dependência é desenvolvendo a nossa capacidade doméstica, para substituir esse tipo de consumo de itens indisponíveis domesticamente hoje.
Para finalizar, eu diria que, para resolver essa volatilidade de curto prazo, realmente nós precisamos de uma política monetária funcional associada a controles de capital bem planejados para combater a volatilidade gerada por movimentos especulativos de curto prazo. Mas, especialmente, nós precisamos melhorar a nossa capacidade de suprir necessidades que hoje são supridas com importações.
Temos que reconstruir e expandir o SUS e construir o nosso complexo industrial de saúde. A pandemia escancarou a necessidade de termos um sistema de saúde capaz de atender todas as nossas necessidades sanitárias e de termos um complexo industrial de saúde que reduza a nossa dependência técnica e material de importados. O exemplo das vacinas é o mais óbvio, mas existem vários outros.
Precisamos de investimento em educação para voltarmos a nos desenvolver tecnicamente. Isso vai nos ajudar a reduzir a nossa dependência técnica, que significa dependência cambial.
É necessário apoio fiscal, monetário, cambial e estratégico à diversificação e à complexificação produtiva. Podemos pensar em um Green New Deal dos trópicos, inclusive aproveitando agora a necessidade que o mundo todo tem de obter créditos de carbono.
Precisamos combater as desigualdades econômicas e a pobreza através da ampliação de programas de transferência de renda e de programas de garantia de emprego e de investimentos públicos desinflacionários e estratégicos. Nós precisamos nos tornar menos dependentes, o que só virá com a boa política fiscal.
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Eu termino dizendo que nós precisamos entender que o que é domesticamente viável em termos materiais é viável, porque dinheiro nós temos.
É isso, Deputados e colegas. Eu fico por aqui.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Obrigado, Prof. Daniel Negreiros Conceição, pela brilhante apresentação.
Passo a palavra à Profa. Eliane Araújo, da Universidade Estadual de Maringá.
A SRA. ELIANE ARAÚJO - Obrigada.
Eu também vou compartilhar a minha tela.
(Segue-se exibição de imagens.)
Bom dia a todos.
Inicialmente, eu quero agradecer a oportunidade de falar sobre câmbio e macroeconomia para o desenvolvimento, uma temática tão relevante e um assunto que eu já venho estudando há muitos anos e que considero de suma importância para qualquer estratégia de desenvolvimento sustentado.
Dentro dessa temática, eu me proponho a discutir nesta apresentação a relação entre política cambial, estrutura produtiva e crescimento econômico. Os pesquisadores que me antecederam falaram mais de questões conjunturais. Eu vou tentar discutir questões mais estruturais de crescimento e desenvolvimento econômico de longo prazo.
Neste primeiro eslaide, iniciando, eu vou fazer alguns comentários sobre a questão da mudança estrutural e do crescimento econômico, que vai ser o norte desta minha fala. O desenvolvimento de uma economia é impulsionado por mudanças nas estruturas das economias, que partem de atividades primárias, como a agricultura e o extrativismo, para processos de transformações técnicas cada vez mais complexos, que estão comumente relacionados à indústria manufatureira e mais recentemente também a serviços modernos.
Os países que se tornam mais ricos são aqueles que conseguem diversificar as suas atividades para além da agricultura e outros produtos intensivos em recursos naturais. Então, à medida que o trabalho e os outros recursos da economia passam da agricultura para atividades econômicas mais modernas, a produtividade da economia em geral aumenta e a renda se expande. A velocidade com que essas transformações estruturais ocorrem é o fator-chave que diferencia os países bem-sucedidos em termos de crescimento econômico dos países malsucedidos.
No entanto, nós precisamos lembrar que alguns países acabam passando por mudanças estruturais que tendem a reduzir o crescimento econômico, especializando-se em setores com menor capacidade de gerar valor agregado e aumentar a produtividade da economia.
O que eu pretendo discutir e destacar nesta apresentação é que o nível e a estabilidade da taxa de câmbio podem determinar mudanças nas estruturas das economias que podem ser potencializadoras ou redutoras do crescimento econômico de longo prazo.
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Dando continuidade, eu vou destacar, muito brevemente, alguns aspectos teóricos e empíricos dessa relação. Este eslaide resume como se dá essa relação teórica entre câmbio e estrutura produtiva, que eu vou tentar desenvolver nesta apresentação.
Segundo algumas abordagens na economia, o crescimento dos países em desenvolvimento, sobretudo no caso do Brasil, é impulsionado pela manutenção da taxa de câmbio em níveis competitivos estáveis. Por quê? A taxa de câmbio real exerce um efeito positivo sobre o desempenho das exportações e cria incentivos à produção de bens substitutos das importações. Isso tende a provocar um aumento da demanda agregada e, assim, da produção, do emprego a médio e longo prazo.
Então, se considerarmos, além disso, que o progresso técnico e o crescimento da produtividade são geralmente maiores na produção daqueles bens que são transacionáveis com o exterior, quando comparamos com bens que são transacionados apenas dentro do País, quando a taxa de câmbio estimula esse setor de bens comercializáveis, ela pode proporcionar uma mudança estrutural na produção, no emprego, na economia, que acaba partindo de setores mais atrasados, com menor produtividade, para setores mais avançados e com maior produtividade.
Nesse contexto, então, a política cambial surge como uma ferramenta fundamental numa estratégia de mudança estrutural, que visa a um crescimento econômico sustentado no longo prazo. Vale destacar que essas são as características que levaram ao processo de rápida industrialização nos países da Ásia — Japão, China —, no Leste Asiático, de forma geral.
Na tentativa de mostrar algumas evidências empíricas sobre o assunto, o que os dados nos dizem quando nós olhamos para a estrutura produtiva das economias e para essa relação com a taxa de câmbio? O que os dados nos revelam dessas relações?
Primeiro, com relação às estruturas produtivas, ou seja, com relação àquilo que as economias produzem, os dados mostram que existe uma correlação entre o padrão de especialização de uma economia, ou seja, os produtos que uma economia produz, e o crescimento econômico, sobretudo nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Então, o que essas evidências mostram? Mostram que o crescimento está negativamente correlacionado com a dependência contínua das exportações de bens primários intensivos em recursos naturais. Mostram também que essa correlação é positiva, ou seja, na estrutura produtiva e no crescimento econômico, há uma relação positiva com a diversificação na direção de produtos manufaturados de média e alta tecnologia e não há nenhum padrão específico entre especialização produtiva e crescimento econômico quando nós olhamos para as exportações de produtos manufaturados de baixa tecnologia.
Essas conclusões indicam que qualquer país que queira acelerar o crescimento econômico não deve hesitar em entrar em um processo de aprendizagem na produção e exportação, haja vista que o nós exportamos reflete a nossa estrutura produtiva. Aquilo que é produzido no Brasil é aquilo que é vendido.
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A ideia é que um país que almeja um crescimento econômico sustentado de longo prazo precisa ter em mente o objetivo de atualizar as suas capacidades e evitar a estagnação em torno de produtos primários e intensivos em recursos naturais.
Nesse contexto, diversos autores têm mostrado o papel relevante que a taxa de câmbio estável, num nível relativamente competitivo, tem como um instrumento indutor de mudanças estruturais na direção de setores tecnologicamente mais sofisticados e, por consequência, de uma diversificação e maior dinamismo das exportações.
Feitas essas considerações, que são considerações mais gerais, eu quero mostrar alguns dados sobre a estrutura produtiva brasileira comparada à de outros países, especificamente sobre a nossa estrutura produtiva.
Esta tabela mostra a participação do setor manufatureiro no total da produção das economias. Temos aqui o período de 1993 até 2018 e a média para as economias desenvolvidas. As economias em desenvolvimento são divididas por regiões.
O que nós conseguimos observar nesses dados? Primeiro, as economias desenvolvidas têm, ao longo desse período, mantido a sua participação da indústria na produção total e, inclusive, têm ampliado essa participação. Além disso, com relação às economias em desenvolvimento, vemos que alguns grupos de economias estão ampliando a participação da indústria no total produzido. É o caso do Leste Asiático e Pacífico, que parte de 17% para 20% do total da produção; o sul da Ásia, de 13% para quase 17%. E, no outro extremo, há, por exemplo, o caso da América Latina e do Brasil, que, no início do período, eram as economias com a maior participação da indústria no PIB. Agora, chegamos ao fim desse período com quase as menores participações. Então, nessa região, inclusive no Brasil, é onde temos a menor perda de participação da indústria no PIB.
Vamos ver que uma análise de mais longo prazo vai mostrar que o caso do Brasil é ainda mais dramático. Este gráfico mostra a participação da indústria de transformação no PIB do Brasil numa perspectiva de longo prazo, ou seja, de 1948 até 2018.
Nós conseguimos observar que a participação da indústria no PIB alcança o seu valor máximo na década de 80, quando colhemos os efeitos do segundo PND. A partir disso, há uma tendência declinante da participação da indústria no PIB e, inclusive, ela atinge o seu menor percentual dessa série histórica, que começa em 1948.
Quando comparamos com a tabela anterior, observamos que essa não é a tendência daquele grupo de países em desenvolvimento que mais têm crescido, que são os países da Ásia, e também essa não é a tendência dos países desenvolvidos.
O que aconteceu no Brasil? O que eu posso comentar sobre essas questões?
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Primeiro, no que tange à estrutura produtiva brasileira, temos o período pré-liberalização comercial, que é o primeiro período da série. Então, eu posso demarcar esse gráfico em dois períodos. Nós temos aqui o período pré-liberalização comercial da economia brasileira e um segundo período, o período pós- liberalização comercial da economia brasileira, que é o fim da década de 80 e início da década de 90.
O que nós podemos ressaltar sobre isso? O período pré-liberalização comercial se caracterizava por plantas industriais que eram estabelecidas sobre as políticas econômicas e industriais associadas ao modelo de substituição de importações. Essa estratégia propunha um elevado grau de proteção da indústria. No entanto, sem a indústria brasileira alcançar a fronteira tecnológica, o Brasil se reinsere no cenário internacional com fortes desvantagens competitivas em setores estratégicos. Por exemplo, eu vou mostrar mais na sequência que os setores que mais perderam participação na indústria são justamente aqueles setores mais intensivos em ciência, tecnologia e capital.
O que aconteceu no Brasil? Sujeito, no plano interno, a um ambiente macroeconômico adverso, caracterizado por taxas de juros muito elevadas, taxa de câmbio apreciada e volátil, ausência de políticas industriais e setoriais consistentes, déficits em infraestrutura de transporte, etc., qual foi a reação do parque produtivo doméstico? Foi nitidamente defensiva, orientando-se pela sobrevivência, diante das incertezas crescentes.
Então, esse novo ambiente pós-abertura comercial e financeira, após esse período das reformas liberalizantes, foi determinante para o fechamento e a retração de diversas unidades produtivas industriais, que se viram rapidamente expostas à maior concorrência internacional e sem o intercurso de políticas de desenvolvimento industrial consistentes e adequadas às necessidades de crescimento e de desenvolvimento econômico. Houve consequências muito graves sobre a indústria nacional.
Nesse contexto, a indústria brasileira perdeu participação na economia, mesmo antes de a economia ter alcançado seus estágios mais avançados de desenvolvimento. Essa industrialização teve como contrapartida uma expansão precoce no setor de serviços, que acabou conduzindo, inclusive, à precarização do trabalho e a níveis mais elevados de informalidade, que é um fator de bloqueio do processo de desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Aqui, neste próximo gráfico que eu vou apresentar para os senhores, o que nós fizemos com esses cálculos foi separar a produção industrial em tecnologias, caracterizando aquela parcela da indústria que é intensiva em recursos naturais, intensiva em tecnologia diferenciada, intensiva em trabalho, intensiva em pesquisa e desenvolvimento e intensiva em escala.
O que nós conseguimos observar por esse gráfico é que a produção industrial intensiva em recursos naturais é a única que tem ganhado espaço. Por outro lado, outras parcelas da indústria, como, por exemplo, a parcela intensiva em pesquisa e desenvolvimento, que é a mais dinâmica, têm perdido espaço, assim como a parcela intensiva em tecnologia diferenciada.
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O que ocorre é uma mudança nos extremos: observa-se, em um extremo, o crescimento dos produtos intensivos em recursos naturais e, no outro, a perda de participação de outros segmentos na indústria. Então, além da redução significativa da parcela da indústria no PIB, há também a redução qualitativa da participação da indústria brasileira, ou seja, há uma especialização naqueles produtos mais básicos, em detrimento daqueles produtos mais sofisticados. E isso acaba sendo uma especialização regressiva da estrutura produtiva brasileira.
Dando continuidade, eu vou apresentar o último gráfico, que mostra as exportações brasileiras, ou seja, de tudo o que nós produzimos, o que nós exportamos. Aqui também é feita a divisão entre tecnologias daquilo que o País produz. De novo, é possível ver, na parcela vermelha e na parcela verde, as intensivas em recursos naturais e os produtos primários produzidos pelo Brasil. As demais são as outras cores.
O que nós conseguimos observar? Primeiro, as exportações são um reflexo do que a economia brasileira produz. Vejam que setores intensivos em recursos naturais têm mantido a sua elevada participação no valor das exportações, e os produtos primários, que são aqueles sem processamento, ampliaram significativamente a sua parcela de participação, em detrimento de outros setores. É importante destacar que os setores intensivos em ciência, que tinham elevado a sua participação nos anos 2000, perderam espaço a partir desse período, assim como outros setores.
Eu já comentei anteriormente, com base em alguns argumentos teóricos e em alguns dados, que a estrutura produtiva e os padrões de especialização das economias são cruciais para o processo de crescimento econômico dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. O crescimento de longo prazo nessas economias tende a estar associado a uma estrutura produtiva baseada em produtos de alta tecnologia, caracterizados por maiores benefícios de aprendizado e efeitos de transbordamento para os outros setores da economia. São mais dinâmicos no comércio internacional e possuem maior capacidade de indução do crescimento da produtividade em médio e longo prazo.
Então, o que nós conseguimos observar é que, no caso do Brasil, a mera adesão a um ambiente externo de alta concorrência acarretou perdas em setores e ramos importantes da indústria nacional. Políticas pró-ativas de desenvolvimento industrial associadas a taxas de câmbio competitivas e estáveis se apresentam como um recurso para o enfrentamento da concorrência externa e para a construção de vantagens competitivas dinâmicas.
Para finalizar, eu farei algumas considerações sobre alguns pontos importantes. Eu quero reafirmar tudo o que eu já disse, resumidamente. No Brasil, o regime de câmbio apreciado e volátil, da década de 90 e dos anos 2000, como apresentado nas falas anteriores,
foi prejudicial aos setores e ramos tecnologicamente mais sofisticados da indústria brasileira.
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Os únicos setores que conseguiram se destacar nesse contexto foram aqueles ligados às atividades primárias. Não é que não seja importante estimular esses setores — não é isso que eu estou falando. A grande questão é que esses setores já possuem vantagens de custo que vão muito além da taxa de câmbio, e os setores mais intensivos em tecnologia, em ciência, em capital dependem também dessa vantagem da taxa de câmbio. O ponto é que aquele regime perverso de câmbio contribuiu para mudar o perfil da estrutura produtiva brasileira, provocando um processo de desindustrialização relativa que se reflete em variáveis do setor externo e possui consequências muito importantes para o crescimento econômico.
Tendo em vista essa situação, a retomada do crescimento econômico sustentado só será possível mediante reindustrialização da economia. E a política cambial é, sim, uma variável chave para determinar essa mudança estrutural. Inclusive, vários estudos mostram que o que mais diferenciou os países da América Latina dos países da Ásia foi a política cambial.
E, diante de tudo isso que eu mostrei, de toda essa regressão que aconteceu na estrutura produtiva brasileira, as políticas de câmbio precisam estar associadas a políticas industriais que promovam uma estratégia de desenvolvimento. Isso está, inclusive, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que, em sua Meta 9.2, traz como objetivo a promoção da industrialização, inclusive sustentável, com aumento significativo da participação da indústria no emprego e na produção até 2030. E os Estados-membros da ONU, inclusive o Brasil, se comprometeram com essa agenda.
A ideia é que uma estratégia de desenvolvimento econômico passa pela importância da taxa de câmbio e da estrutura produtiva. E é claro que não é mais suficiente qualquer indústria. As discussões têm mostrado vários outros pontos importantes que precisam ser destacados dentro dessa estratégia, por exemplo, as questões ambientais.
Eu encerro a minha apresentação agradecendo a oportunidade e me colocando à disposição para qualquer esclarecimento.
Coloquei aqui algumas referências, que são algumas publicações que eu tenho feito sobre o assunto em revistas renomadas em nível internacional, como a revista do Cambridge Journal of Economics ou a revista americana também bastante conceituada Structural Change and Economic Dynamics. São algumas referências que tratam dessas questões.
Muito obrigada pela atenção de todos.
Eu me coloco à disposição para qualquer esclarecimento e finalizo aqui a minha fala.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Agradeço à Profa. Eliane Araújo, da Universidade Estadual de Maringá, a brilhante apresentação, assim como foram as anteriores, dos nossos dois palestrantes Daniel Negreiros e Pedro Rossi.
Seguindo o rito do nosso trabalho, sempre abrimos espaço aos Parlamentares que participam das reuniões.
10:25
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Esteve aqui — vou pedir à Juliana, nossa coordenadora, para confirmar a sua presença — o Deputado Francisco Jr., que, como eu, é Relator desse estudo. Passou por aqui também a Deputada Angela Amin, que tem contribuído muito em nosso Centro de Estudos e Debates Estratégicos, principalmente com o tema da educação.
De imediato, eu gostaria de abrir espaço para algumas perguntas já elaboradas e avaliadas pelos nossos consultores, que conhecem bastante do tema e que são os grandes protagonistas na construção desse estudo.
Então, passo a palavra ao nosso consultor Pedro Garrido.
O SR. PEDRO GARRIDO DA COSTA LIMA - Obrigado, Deputado, pela oportunidade.
Agradeço aos nossos palestrantes e a todos que nos acompanham nesta audiência.
A questão cambial para a criação das condições macroeconômicas favoráveis ao desenvolvimento parece um ponto central para a discussão da retomada econômica e a geração de emprego e renda. Nesse sentido, como já foi salientado pelos nossos palestrantes, tem havido uma rediscussão de diversos temas na macroeconomia. Se possível, eu gostaria que os palestrantes comentassem um pouco mais esse aspecto.
Nesse nosso estudo do CEDES, tem havido uma preocupação com as experiências de outros países — seus planos e políticas para a recuperação econômica. Como já foi falado, diversas economias têm trazido políticas diferentes das dos últimos 20, 30, 40 anos. E, na questão cambial, isso talvez seja também visto, até porque alguns organismos internacionais têm repensado suas recomendações sobre câmbio e sobre controle de capitais. Eu cito o FMI. Eu gostaria que os palestrantes também falassem sobre isso, para auxiliar em nosso estudo do CEDES e trazer mais subsídios para os Deputados formularem as políticas necessárias para a retomada do crescimento e para a geração de emprego e renda.
Tendo em vista as diversas diferenças entre os setores — foi muito ressaltado aqui o setor industrial —, se possível, também gostaria que discutissem mais esses pontos das políticas e das questões setoriais, como já foi apresentado pelos palestrantes.
Eu acho que era isso, para resumir. Peço que tragam esses pontos mais centrais hoje para a modificação das políticas, eventualmente, e para a rediscussão da nossa política macroeconômica.
Era isso.
Agradeço. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Passo a palavra ao nosso consultor Claudio Nazareno.
O SR. CLAUDIO NAZARENO - Obrigado, Presidente Da Vitoria.
Bom dia a todos.
Obrigado pelas palestras.
Realmente, o que se verifica é que não dá para discutir a retomada da economia e o crescimento do emprego e da renda sem essa importante variável do câmbio.
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Seguindo a ordem das falas, vou comentar o que foi dito. O Pedro Rossi falou sobre a alta volatilidade do real ao longo dos últimos anos. Outra pessoa, não lembro se foi o Pedro ou se foi o Daniel, falou sobre os mercados de derivativos, que, na verdade, ajudam também essa volatilidade.
A primeira pergunta é: como poderíamos sair de uma transição de um modelo de câmbio liberal em que temos esse influxo de capital especulativo sendo deslocado muito para a questão dos derivados (falha na transmissão) um enrijecimento da economia, nós estarmos pensando numa volta do País ao mercado controlado? Na Câmara dos Deputados se trabalhou muito com a questão da reforma do Imposto de Renda, a taxação de lucros e dividendos e de grandes fortunas, etc., e nunca se falou em mexer em capitais especulativos. Como isso poderia ser introduzido na discussão da política brasileira? Essa é a primeira pergunta que eu faria.
A última pergunta, que eu faria mais para a Eliane, é sobre essa política de desenvolvimento ou essa desindustrialização pela qual temos passado. Nós vemos que, salvo engano, as últimas políticas de desenvolvimento estruturadas para todo o Brasil são basicamente da época do Governo militar. De lá para cá, nós tivemos algumas políticas, mas sempre políticas setoriais, não articuladas entre si. Então, a quem caberia uma articulação de uma nova e verdadeira política de desenvolvimento nacional, no sentido de reindustrialização daqueles setores que foram mais fortemente impactados por essa desvalorização do câmbio?
Essas são as minhas provocações.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Agradeço ao Pedro e ao Claudio.
Antes de abrir a palavra para os nossos palestrantes fazerem suas considerações e darem as devidas respostas, gostaria de informar que está já conosco o nosso também Relator Deputado Francisco Jr., a quem eu passo a palavra para que possa fazer as suas considerações, dar a sua saudação, tirar alguma dúvida e, possivelmente, propor alguma sugestão.
O SR. FRANCISCO JR. (PSD - GO) - Obrigado, Presidente.
Bom dia a todos.
Presidente, eu estava na estrada, mas agora já estou praticamente em Brasília, então consegui acompanhar bem a fala dos dois últimos oradores.
Parabenizo todos os palestrantes, os consultores.
Como eu não sou economista, eu queria que eles comentassem algo que nós percebemos: hoje, há uma angústia muito grande na população com relação aos rumos que a economia está tomando, com relação ao retorno da inflação e ao medo da inflação galopante que vivemos nas décadas de 70 e 80, que foram aquela loucura; por outro lado, há também necessidade de políticas de assistência. Nós precisamos de desenvolvimento, precisamos de investimentos, mas precisamos também dar a mão para os mais necessitados. É preciso que haja uma política de assistência, é preciso fortalecer a política de assistência. Aí, entra o receio de essas ações todas darem abertura para um crescimento exagerado da inflação. Gostaria que os nossos convidados de hoje pudessem comentar também como que está essa situação.
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No mais, parabenizo V.Exa. pela Presidência, pela dedicação, que, eu tenho certeza, está sendo muito positiva.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Obrigado, Deputado Francisco Jr., nosso colega. Boa viagem para você. Daqui a pouco nos encontraremos em plenário.
Quero, neste momento, fazer o registro da participação de algumas personalidades importantes na nossa reunião: Sr. Marcelo Marcos Morales, Secretário de Políticas para Formação e Ações Estratégicas, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações; Sr. Demi Getschko, representante de notório saber em assuntos da Internet, do Comitê Gestor da Internet no Brasil; Sra. Mônica Pires, da Goiás Fomento; Sr. Silas Matos, Coordenador da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia; Sra. Natália Fernandes Matano, Assessora Especial de Controle Interno, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações; e Sr. Walter Mendes, Coordenador do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste.
Eu proponho conceder a palavra por 5 minutos a cada um dos palestrantes, para que possam dar as devidas respostas às abordagens feitas pelos nossos consultores e pelo nosso colega Deputado Francisco Jr. e fazer suas considerações finais.
Tem a palavra, de imediato, o nosso palestrante Pedro Rossi.
O SR. PEDRO ROSSI - Deputado, agradeço as questões. Sinto prazer em poder contribuir para este debate e para o trabalho que vocês têm feito na Câmara.
O Pedro levantou questões objetivas de onde nós podemos ver essa atuação internacional, essas mudanças com relação à política macroeconômica, especificamente à política cambial. Eu acho que, em termos de política monetária e fiscal, é bastante claro esse movimento internacional. A política monetária está cada vez mais preocupada com as questões macroprudenciais, desde a crise de 2008, pensando em articulação entre Banco Central e Tesouro, coisa que a autonomia do Banco Central prejudica. O quantitativismo não se faz sem articulação entre Tesouro e Banco Central. No Brasil, nós estamos pensando em um Banco Central que cuide exclusivamente da inflação, como se ela não tivesse articulada com a política fiscal e com as demais políticas de desenvolvimento.
Na política fiscal, cada vez mais se enterra a ideia de austeridade. O Financial Times fez uma manchete nesse sentido, com base na discussão que acontece no Banco Mundial e no FMI sobre a ideia de que é preciso usar instrumento fiscal para recuperar a capacidade positiva. A minha ideia é bastante simples: se há capacidade ociosa, se há desemprego, é preciso usar a política fiscal para recuperação — ponto. A ideia de cortar gastos antes desse ponto é absolutamente equivocada, e é o caminho que o Brasil está trilhando.
Com relação à política cambial, Pedro, eu sugiro olhar, por exemplo, os estudos do FMI. Há um chamado The Case for Capital Controls, que cita uma série de países que usaram os controles de capital depois da crise de 2008, mostrando como esse recurso de política cambial é necessário. Isso é o contrário do que era feito antes da crise de 2008, quando os relatórios do FMI não faziam essa recomendação.
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Inclusive, no Código de Liberalização do Movimento de Capitais da OCDE — eu recomendo que olhem o código e também as versões antigas dele —, vocês podem observar que há uma evolução no sentido de que as versões mais recentes abrem espaço para os controles de capital, ou seja, caso a caso, os países podem ter necessidade de atuar de determinada... Vejam que o Código de Liberalização da OCDE é a meca do liberalismo financeiro e econômico, é aquilo que propagou, vamos dizer assim, as ideias que nós incorporamos nas décadas de 1990 e de 2000. E agora eles estão recuando, reconhecendo a necessidade de olhar também para a fragilidade financeira que a liberalização pode gerar, ou seja, eles estão em uma sintonia diferente, por exemplo, da do PL do Câmbio. Inclusive, a exposição de motivos do PL do Câmbio cita o Código de Liberalização da OCDE, mas, a meu ver, cita uma versão antiga, cita uma mentalidade antiga em torno da liberalização financeira e cambial.
O Claudio Nazareno fez uma pergunta também muito interessante sobre como regular o mercado de câmbio, dados os mercados derivativos. Eu gostaria de lembrar que frisei a alta volatilidade como problema central, mas essa alta volatilidade traz também um problema de ciclos cambiais, nos quais a moeda brasileira se valoriza muito em determinado período e, depois, se desvaloriza muito em relação às outras moedas. O Brasil é sempre o campeão de desvalorização e de valorização, para cima e para baixo. Não é uma questão de só para cima ou só para baixo. A moeda brasileira foi a que mais se desvalorizou recentemente, na pandemia, diante das moedas internacionais. Mas houve um período, por exemplo, de maio a junho do ano passado, em que o real foi a moeda que mais se valorizou. Depois ele voltou a se desvalorizar. O que acontece com a moeda brasileira precisa ser estudado e entendido. A minha hipótese é esta: há uma especulação excessiva, então, quando o cenário internacional está positivo, entram capitais excessivamente e, quando isso se reverte, saem capitais excessivamente. Portanto, o início desse processo é a identificação dessa especulação.
E o processo passa pela regulação do mercado de derivativos, que já tem um histórico interessante no caso da política cambial brasileira, que nós observamos principalmente no primeiro Governo Dilma. Em 2011 e 2012, o Governo deu conta de regular o mercado de derivativos. Na época, o Banco Central atuava diante do mercado usando controle de capital, usando o IOF sobre os derivativos. O controle de capital é um problema da Fazenda, porque é um instrumento tributário. O Banco Central regulava e atuava com suaves intervenções. O mercado não tinha capacidade de empreender grandes processos especulativos naquele contexto.
Portanto, a política cambial não pode ser uma coisa de um instrumento só; ela tem que lidar com a complexidade do mercado de derivativos, do mercado interbancário e do mercado à vista. São esses os três mercados que precisam ser olhados. E o objetivo central, a meu ver, é retirar a especulação excessiva e absolutamente desnecessária que ocorre no Brasil, para termos uma taxa de câmbio menos influenciada por essas motivações financeiras especulativas.
É possível fazer — nós já caminhamos nesse sentido — e é possível recuperar. Mas, para isso, temos que mudar a sintonia do debate, pois estamos, como eu disse na exposição, na contramão dessa ideia no que se refere às políticas que foram encaminhadas pelo PL do Câmbio, pelo Banco Central e pelo Ministério da Fazenda.
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Eu agradeço a oportunidade de participar aos Deputados e a todos os presentes.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Obrigado, Prof. Pedro Rossi.
Tem a palavra o nosso Prof. Daniel Negreiros.
O SR. DANIEL NEGREIROS CONCEIÇÃO - Obrigado a todos os participantes.
Eu queria começar me somando ao Deputado Francisco Jr. com relação ao medo, à preocupação com o nosso cenário econômico atual. De fato, a inflação se apresenta hoje como um problema cada vez mais presente, principalmente para a população mais pobre, cujas rendas não têm sido reajustadas e que agora precisa enfrentar custos de vida crescentes e inviabilizadores inclusive da manutenção da vida em níveis dignos. Esse é um problema que precisa ser combatido.
De fato, é importante que nós nos debrucemos sobre essas pressões inflacionárias que estão nos ameaçando hoje para entender de onde elas vêm e também de onde elas não vêm. A inflação com que estamos nos deparando hoje não tem muita relação com excessos de demanda, com uma situação em que o gasto agregado da economia nos coloca numa posição que esgota muito a capacidade da nossa economia de gerar bens e serviços para que as compras sejam realizadas. Não é esse o nosso problema hoje. Também não é um problema de excesso de gasto público. Pelo contrário, nós temos hoje alguns custos que se tornaram maiores e geraram dinâmicas potencialmente (ininteligível). Com isso, nós temos agora a pior das inflações, porque é uma inflação que, inclusive, não está acompanhada de expansão econômica. Normalmente, quando você tem inflação de demanda, é porque as rendas estão crescendo, as pessoas estão comprando mais, e isso acaba puxando os preços. Quando você tem custos aumentando sem que a demanda seja capaz de acompanhar, porque as rendas estão estagnadas, isso é perda para todo mundo, exceto para aqueles que têm as suas rendas associadas aos preços que estão subindo. Então, quando estamos falando de pressão cambial, estamos falando dos exportadores — e só deles. Mas não existe ganho para a economia como um todo, porque não estamos produzindo mais e, certamente, as rendas da maioria da população não estão aumentando.
Aí nós precisamos atacar o problema. Se o problema não é inflação de demanda, não faz muito sentido utilizar ferramentas contracionistas para reduzir essa pressão inflacionária. Elas até acabam funcionando, mas você pode empobrecer a sua economia a ponto de neutralizar o que seria a pressão pelo lado dos custos com uma contração violenta também pelo lado da demanda. Mas essa é uma situação horrorosa. Significa que nós estamos usando o empobrecimento da nossa economia e da nossa população para que esta reduza as suas compras, de maneira a compensar os custos que estão aparecendo por outros motivos. Então, eu não utilizaria e acho muito ruim que sejam consideradas ferramentas contracionistas para lidar com uma inflação que é de custos. Nós precisamos achar esses custos que estão aumentando.
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Nós falamos hoje de um custo muito importante, o custo da moeda estrangeira, que está associado a vários outros custos. A forma de lidar com isso não é tão simples hoje. Nós falamos aqui que temos — isto foi objeto de consideração não só do Prof. Rossi, mas também de outros comentaristas — um mercado cambial especialmente contaminado por capitais voláteis, por participantes, agentes financeiros, com horizontes muito curtos nas suas aplicações. Isso faz com que o nosso mercado cambial seja mais reativo a diversos fatores. Nós identificamos aqui a própria crise pandêmica. Identificamos também a própria política monetária exageradamente expansionista no início da pandemia. Então, esse tipo de mercado...
Eu concordo com o Claudio Nazareno e coloco que o nosso desafio é, de certa forma, descontaminar esse ambiente financeiro que hoje é tão predominantemente povoado por esse tipo de capital. Como é que nós fazemos isso? É um processo longo.
O Pedro Rossi nos pediu que levássemos em conta as propostas de controle de capital. Eu diria que se trata de um conjunto de ferramentas que precisam ser mais bem entendidas. De fato, os controles de capital operam pelo lado da imposição de custos a comportamentos disruptivos, então você cria custos pelo lado da imposição de impostos, tarifas e restrições quantitativas, que fazem com que certos comportamentos se tornem mais custosos e deixem de ser realizados. Por exemplo, se a saída abrupta de capitais se tornar mais cara, o sujeito passará a considerar alternativas.
Então, existe essa ferramenta pelo lado da criação de custos — e essa é uma decisão estatal —, como também existem as ferramentas de incentivos. E é muito ruim que, hoje, a única ferramenta de incentivo para manter capitais na economia brasileira, evitando essas fugas, seja a própria taxa de juros referencial. Essa tem sido a ferramenta que nós usamos: "Olha, está aqui. Ficando no Brasil, você pelo menos ganha o juro referencial, a SELIC". Existem outras ferramentas que oferecem incentivos que não precisam ser tão amplos. A taxa referencial pinta a economia toda com a taxa mais elevada. Diante disso, nós podemos voltar a usar swaps com mais agressividade. Swap cambial é também uma renda que você oferece para o sujeito não especular contra a moeda doméstica, só que você não precisa pagar para todo mundo, você paga só para aquele agente que opera com câmbio.
Então, essas ferramentas precisam ser utilizadas de maneira mais cuidadosa. Se nós temos um problema que é a especulação no mercado de câmbio, vamos operar com a ferramenta que atinge esse mercado de maneira mais precisa.
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Talvez o juro nesse sentido não seja, pelo menos, a única ferramenta que precisa ser usada em curto prazo.
Certamente vocês tem toda a razão quando mencionam que, quanto mais se permite que as pessoas apostem em diferentes instrumentos de curto prazo no mercado de derivativos, mais fácil se torna mudar de posição. Então eu aposto no real quando eu acho que vai haver apreciação cambial, eu aposto no dólar quando eu acho que o real vai se desvalorizar.
E, finalmente, eu queria voltar a insistir aqui que essas ferramentas que vão nos ajudar a lidar com a volatilidade que aparece no curto prazo e que precisa ser resolvida, porque ela cria as pressões inflacionárias que nós estamos sentindo de maneira muito perversa, e o tipo de projeto de reestruturação da economia brasileira que a Profa. Eliane nos colocou são grandes desafios para a nossa economia. Nós temos que parar de ser tão dependentes da moeda dos outros, e, para isso, nós precisamos produzir aquilo que pode ser produzido domesticamente, em vez de buscar em mercados estrangeiros. Esse processo de dinamização industrial, de substituição de importações estratégicas, precisa ser objeto de estudo, e de maneira muito menos dogmática.
Eu volto a insistir que, hoje, o nosso grande problema é achar que o Estado não tem dinheiro para fazer essas coisas. A crença de que nós não temos dinheiro para fazer essas coisas acaba nos impedindo de realizar investimentos estratégicos que teriam efeitos desinflacionários, exatamente pelo efeito dinamizador da nossa indústria, inclusive com o efeito substitutivo de importações que nós estamos buscando. São coisas básicas: é nós deixarmos de depender de técnicas estrangeiras, deixarmos de depender de estruturas produtivas tão carentes de capital desenvolvido domesticamente, e isso exige investimento, exige o gasto público bem direcionado.
Eu acho a atuação do Estados tão importante quanto o debate cambial para explicar o sucesso de economias que fizeram a transição de economias primárias, portadoras e com pouca sofisticação industrial, para economias que hoje disputam os mercados cambiais com indústrias bem formadas. Tão importante quanto o debate cambial, que nesses casos era basicamente a importação de moedas estrangeiras para a realização de compras estratégicas, como no caso da China, foi a atuação dos Estados ali, financiando pesquisas, gastos, produzindo infraestrutura que permitia o desenvolvimento industrial naquelas economias, fortalecendo os mercados domésticos, no momento em que aquele mercado doméstico poderia sustentar uma indústria mais forte domesticamente.
Isso nós percebemos inclusive no Brasil. Nossa desindustrialização recente vem acompanhada de um enfraquecimento do nosso mercado doméstico. Se nós pararmos de comprar aquilo que nós podemos produzir domesticamente, as nossas indústrias vão parar de produzir para o nosso mercado doméstico. Então, a política fiscal tem que ser bem planejada, com gastos estratégicos. Tem que ser uma parte da reestruturação produtiva da nossa economia. É uma parte muito importante. É isso.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Obrigado, Daniel. Para fechar as respostas, tem a palavra a Profa. Eliane Araújo.
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A SRA. ELIANE ARAÚJO - Obrigada pelas interessantes e instigantes questões.
Eu vou começar pelas questões do Pedro, quando ele pede para discutirmos melhor sobre o debate internacional, as políticas, o que mudou, sobretudo na taxa de câmbio. Essas mudanças são um pouco antigas. Desde a crise de 2008, um seminário bastante emblemático foi feito na conferência do FMI. À época, após a crise de 2008, foi conduzido por um economista chamado Olivier Blanchard, que convidou economistas bastante renomados, representantes de alguns países, para repensar as políticas macroeconômicas. O livro foi dividido, resultado da conferência, em política monetária, política fiscal, política cambial. Nesse livro, há um debate sobre o que mudou na taxa de câmbio.
Vou focar sobretudo na ideia do câmbio, mas também há as questões da política monetária, da política fiscal. Eles mostram que aquela crise deixou evidente o limite de muitas políticas macroeconômicas referentes aos regimes de câmbio e aos fluxos internacionais de capital. Eles destacam três pontos principais: primeiro, havia o consenso de que os países deveriam se mover para contas de capitais liberalizadas; segundo, os controles de capitais não deveriam ser utilizados; terceiro, as intervenções no mercado de câmbio eram sempre subótimas, ou seja, sempre produziam resultados piores.
Esse era o consenso antes da crise, mas com a crise isso mudou, e a maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento começaram a mudar suas estratégias e adotar políticas que iam na contramão dessas recomendações. Por exemplo, no caso das contas de capitais liberalizadas, antes da crise, a ideia era de que os países deveriam se mover na direção de aumentar a conversibilidade da conta de capital. A discussão, depois da crise, que inclusive avançou e serve de panorama para nós, é que os estudos empíricos mostraram que não existe relação clara entre integração financeira e crescimento econômico, ou seja, se houver abertura aos capitais, vai-se crescer mais. E a causalidade entre integração financeira e desenvolvimento é inclusive reversa, ou seja, os países com contas de capital mais abertas têm apresentado menores taxas de crescimento.
Além disso, há a ideia de que os países, as economias precisam desenvolver instituições que possibilitem boa governança e boas políticas macroeconômicas, além de evidências empíricas que mostram que os países que mais cresceram foram os países da Ásia, menos dependentes desse capital. Com relação aos controles de capitais — acho que Pedro e Daniel mencionaram —, o consenso, antes desse período, era de que os controles de capitais eram sempre ruins, em qualquer momento, em qualquer lugar.
Após a crise, a discussão foi que esses controles de capitais eram não só apropriados, mas também desejáveis, porque nem sempre os fluxos de capitais são capazes de promover alocações ótimas. Eles causam distorções importantes na economia. Com relação às intervenções no mercado de câmbio, o consenso era de que elas levavam sempre a um resultado ruim.
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Mas a prática da crise e a prática recente têm mostrado que as economias atuam, sim, para defender as suas moedas comprando ou vendendo divisas para evitar flutuações e volatilidade excessiva, o que é extremamente prejudicial às economias.
Avançando sobre a política industrial, sobre a qual eu acho que também o consenso mudou muito e é um ponto para o qual eu quis chamar a atenção, no ano passado saiu um paper do FMI. Em geral, essas instituições eram contrárias aos países fazerem políticas industriais, estimularem alguns setores específicos, e, no ano passado, o FMI lançou um paper, que fez bastante sucesso, que se chama O retorno da política de que não devemos dizer o nome, ou seja, daquela política que era tão ruim que nem o nome poderia ser mencionado, que era o caso da política industrial.
Então, com relação às políticas, e finalizando essa resposta para o Pedro, o consenso mudou muito, e já faz algum tempo.
Com relação à sua segunda pergunta, que era sobre questões setoriais, eu vou continuar um pouco dentro da minha discussão de que a indústria não é em detrimento de outros setores, não; todos os setores são importantes, mas agora na pandemia, por exemplo, quando olhamos para a capacidade do nosso País de se defender de todas aquelas mazelas que a pandemia trouxe, inicialmente aquela disputa por respiradores, equipamentos básicos para conter a pandemia, mais recentemente sobre as questões das vacinas, o que observamos? Que a indústria brasileira teve grande dificuldade de responder a essa crise sanitária.
Então, a indústria vai além de outras vantagens setoriais, porque ela representa também uma questão de soberania nacional diante do enfrentamento de crises, como essa crise que nós vivenciamos agora.
Seguindo nas questões agora do Claudio, ele perguntou sobre a desindustrialização, disse que as nossas políticas industriais eram bastante antigas, naquela ótica do regime militar, e perguntou a quem cabem essas políticas.
Em primeiro lugar, a coordenação do Estado é muito importante, o estímulo ao mercado também. O Estado precisa focar em políticas que são mais horizontais, como a questão de investimento em pesquisa, desenvolvimento, saúde, educação, infraestrutura física, suporte legal. E quando olhamos para algumas experiências, para tentar entender, por que alguns países colheram os benefícios desse processo de globalização, dessa inserção nos mercados internacionais, e por que outros não? Qual é a diferença que vemos importante entre os países asiáticos e os da América Latina?
Eu foquei na questão do câmbio, mas outra questão muito importante é a questão da política industrial. Na atual situação, no atual parque industrial brasileiro, sem políticas industriais, é muito difícil.
O que os asiáticos fizeram? Primeiro, eles separaram dois grupos. Há um grupo concorrente com importações, que eram atividades que recebiam mais apoio do Governo porque tinha essa concorrência, mas havia empresas mais sofisticadas exportadoras, que passaram a agir de acordo com a vigência desse sistema mais liberalizado, inclusive esses países trabalharam com zonas especiais, que operavam sob regras de livre comércio, enquanto algumas empresas nacionais ainda operavam com algumas barreiras.
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Havia, sim, empresas estatais que recebiam constante suporte do Estado. No caso da Coreia do Sul e de Taiwan, por exemplo, elas aos poucos foram empurrando as suas empresas para os mercados mundiais, conforme elas iam se tornando competitivas.
Essas estratégias foram fundamentais. Por quê? No caso do Brasil, o que observamos? Diante da globalização, algumas empresas saíram da indústria, outras modernizaram as suas plantas — isso a custo do emprego. E aí, o que aconteceu? Essas pessoas que ficaram desempregadas acabaram indo para a informalidade, para o desemprego, que são setores cuja produtividade é zero.
A vantagem dessa estratégia asiática foi que ela garantiu a permanência de pessoas empregadas nessas empresas que, mesmo que não fossem as mais eficientes de todas, garantiam emprego e um maior nível de produtividade do que a outra alternativa, que seria a informalidade e o desemprego.
Então, essa questão setorial é, sim, muito importante; essa questão da política industrial que você comentou, de repensar, de quem vai fazer, é a coordenação do Estado junto com o setor privado.
Por fim, acho que há uma pergunta referente à questão da inflação. De novo, eu vou tentar relacionar um pouco com aquela questão que eu trouxe, da mudança na estrutura produtiva e das consequências disso sobre a inflação. Por quê? Porque as políticas de liberalização comercial e financeira alteraram o perfil de inserção da economia brasileira, com importantes consequências para as condições de estabilidade monetária do Brasil. Por quê? Porque a maior abertura comercial torna a inflação do País muito dependente da inflação dos seus parceiros comerciais. Além disso, nós temos aquela inflação que vem da influência dos preços das commodities do mercado mundial. É o que está acontecendo agora.
Então, essa maior abertura da balança comercial, essa maior abertura comercial traz consequências importantes para uma economia com essa estrutura produtiva que o Brasil possui. Além disso, a maior abertura financeira eleva os fluxos de capitais entre os países, eleva a volatilidade das taxas de câmbio e torna frequentes essas pressões que o câmbio exerce sobre a inflação e sobre a política de juros.
Nessas características da estrutura de oferta da economia brasileira, que eu acabei de mencionar que são problemas para a inflação, nós temos ainda outras questões, por exemplo, a existência de algumas características na nossa estrutura de preços que acabam fazendo com que a política monetária, a elevação da taxa de juros tenham, de certa forma, efeitos limitados sobre a queda dos preços, que é a questão dos preços administrados. Quase 30% dos preços que compõem o nosso Índice de Preços ao Consumidor são preços administrados. E esses preços não mudam quando a taxa de juros muda.
Então, somando essa estrutura de oferta afetada por câmbio, afetada por preço das commodities; somando essa abertura financeira, que aumenta a volatilidade do câmbio e a inflação e as pressões sobre os juros, ainda nesses quase 30% de preços que não respondem à taxa de juros, nós passamos a ter um problema para controlar a inflação.
Quando o Banco Central faz uma política monetária para reduzir o nível de atividade, reduzir o emprego, reduzir a taxa de juros, ele acaba atuando nas consequências, mas não nas causas. As causas estão na nossa estrutura de oferta em algumas características da inflação brasileira. Esses são os pontos para os quais eu gostaria de chamar a atenção.
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Espero não ter me estendido muito, mas eu considero que são questões-chave para serem discutidas nesta Mesa.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Obrigado, Profa. Eliane Araújo.
Temos aqui algumas perguntas que nos chegaram pelo e-Democracia.
Eu solicito, Juliana, que você possa registrar todas as perguntas e depois encaminhá-las aos nossos palestrantes e solicitar-lhes que possam nos ajudar para que encaminhemos as respostas, tendo em vista o nosso tempo regimental. Estamos aqui há 2 horas e 5 minutos e temos uma programação de fazer todas as nossas reuniões no prazo de 2 horas.
Dessa forma, eu agradeço mais uma vez a todos os nossos palestrantes: Prof. Pedro Rossi, Prof. Daniel Negreiros, Profa. Eliane Araújo, nossos consultores, de uma forma especial, ao Pedro Garrido, à Cláudia Nazareno, à Juliana, nossa Coordenadora do Centro de Estudos e Debates Estratégicos.
Pergunto se alguém deseja acrescentar alguma sugestão. Eu posso concluir os nossos trabalhos? (Pausa.)
Pois não, Deputado Francisco Jr.
O SR. FRANCISCO JR. (PSD - GO) - Quero apenas parabenizá-lo pela condução, Presidente. Está tudo o.k., tudo certinho.
O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Muito bem.
Nada mais havendo a tratar, agradeço, mais uma vez, a todos os participantes e declaro encerrada a presente reunião.
Boa tarde a todos!
Deputado Francisco Jr., daqui a pouco, estaremos juntos no Plenário.
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