3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Saúde
(Audiência Pública Extraordinária (virtual))
Em 20 de Setembro de 2021 (Segunda-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Declaro aberta a presente reunião de audiência pública.
Informo aos Srs. e às Sras. Parlamentares que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pela Internet, no site da Câmara e no portal e-Democracia, para ampliar a participação social por meio da interação digital.
Informo ainda que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis na página desta Comissão logo depois do encerramento dos trabalhos. As inscrições para o uso da palavra serão feitas por meio do menu Reações, o levantar a mão, do aplicativo Zoom.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos do Requerimento nº 276, de 2021, de minha autoria, Deputado Padre João, para debater o Projeto de Lei nº 7.730, de 2014, do Sr. Eduardo da Fonte, que estabelece medidas de compensação tributária para indústrias do ramo de alimentos que produzam conforme parâmetros que possam potencialmente diminuir danos à saúde humana.
Anuncio, então, a presença das seguintes convidadas, agradecendo, desde já, a prontidão de todas: Gisele Ane Bortolini, Coordenadora-Geral de Alimentação e Nutrição do Departamento de Promoção da Saúde, da Secretaria de Atenção Primária à Saúde — DEPROS/SAPS do Ministério da Saúde; Luisete Bandeira, Consultora Nacional em Nutrição e Atividade Física da Organização Pan-Americana de Saúde — OPAS/OMS no Brasil; Laís Amaral, Pesquisadora em Alimentos do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor — IDEC; Marília Albiero, Coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde; Camila Passos, Professora da Universidade Federal de Viçosa — UFV; Renata Alves Monteiro, representante do Conselho Federal de Nutricionistas.
Comunico às senhoras convidadas que o tempo destinado à exposição terá o prazo de até 15 minutos, prorrogáveis a juízo desta Presidência, não podendo ser aparteadas.
As Deputadas e os Deputados inscritos para interpelar as convidadas poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos, tendo a interpelada igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer das presentes.
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Dando início às exposições, eu passo a palavra à Sra. Gisele Ane Bortolini, Coordenadora-Geral de Alimentação e Nutrição do Departamento de Promoção da Saúde da Secretaria de Atenção Primária à Saúde — DEPROS do Ministério da Saúde, que terá até 15 minutos.
A SRA. GISELE ANE BORTOLINI - Bom dia a todos e todas. Olá, Deputado Padre João. É um prazer estar aqui com vocês discutindo este tema. Cumprimento também as colegas de Mesa que estão aqui para discutir este tema.
Eu sou Gisele. Sou nutricionista de formação e servidora pública e trabalho no Ministério da Saúde. Vim falar um pouco para vocês sobre quais são os desafios do Ministério da Saúde hoje em relação à alimentação, à nutrição e à saúde no País.
Eu vou compartilhar a minha apresentação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Vou falar um pouco sobre quais são os desafios hoje relacionados à agenda de alimentação e nutrição no âmbito do setor da saúde.
Quais são os nossos grandes desafios relacionados à alimentação inadequada hoje? Vou partir das principais causas de morte. Tínhamos até então como a principal causa de morte as doenças crônicas no País, e sabemos que as doenças crônicas são agravadas pela obesidade, assim como pela diabetes e pela hipertensão.
Quando olhamos os dados dos adultos, verificamos que mais 20% dos adultos têm obesidade no País, 7% dos indivíduos têm diabetes e 24% têm hipertensão. Essas são condições crônicas muito relacionadas à alimentação inadequada. Então, hoje os grandes desafios trazidos pela alimentação inadequada são as doenças crônicas. Uma vez que um brasileiro se torna um indivíduo com doença crônica, ele passa a depender mais intensamente do Sistema Único de Saúde.
No Ministério da Saúde, temos, entre os nossos objetivos, o de promover mais saúde e pensar em políticas públicas, no caso da coordenação que eu represento, voltadas para a alimentação saudável, com o objetivo de promover mais saúde e mais alimentação adequada para evitar que os brasileiros sejam acometidos por doenças crônicas.
Eu vou falar em números. Hoje o agravo mais prevalente em relação à alimentação inadequada são a obesidade e o excesso de peso. Nós estimamos que haja 96 milhões de brasileiros com excesso de peso, porque 60% dos brasileiros têm excesso de peso, e 41 milhões de brasileiros têm obesidade.
A obesidade é uma doença crônica que contribui para a ocorrência de outras doenças crônicas. É um problema tão grave e tão prevalente que, recentemente, tanto o Banco Mundial quanto a OCDE fizeram recomendações expressas para que os países adotem medidas para tentar deter o aumento da obesidade em função do impacto na saúde e, inclusive, na economia global.
A obesidade não é um problema só em adultos no Brasil; é também um grande problema nas crianças. Hoje nós temos mais de 30% das crianças brasileiras com excesso de peso. Isso significa que 6 milhões de crianças menores de 10 anos e 11 milhões de adolescentes estão com excesso de peso. Hoje, quando falamos em alimentação adequada, o agravo mais prevalente por consequência da alimentação inadequada são o excesso de peso e a obesidade.
Quando nós vamos avaliar o consumo alimentar, o que nós temos? Sabemos que a alimentação dos brasileiros ainda é baseada no arroz com feijão, mas isso vem diminuindo muito ao longo do tempo.
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Quando nós olhamos este indicador, que também é de enquetes financiadas pelo Ministério da Saúde, vemos que apenas 34% dos brasileiros consomem regularmente frutas e verduras, ou seja, um percentual muito pequeno de brasileiros consome a quantidade adequada de frutas, verduras e legumes, que são um marcador de uma alimentação saudável. Todos nós sabemos que o consumo de frutas, verduras e legumes é um padrão que vai proteger e promover a nossa saúde e vai evitar uma série de doenças. Então, uma grande parcela da população brasileira não consegue consumir a quantidade adequada de alimentos saudáveis.
Como eu falei, o brasileiro ainda come arroz e feijão, mas, quando nós olhamos para o cenário alimentar, nós observamos que, ao longo do tempo, o brasileiro vem diminuindo o consumo desses alimentos, que são um padrão de alimentação considerado pelos estudos, pelo Ministério da Saúde e pelo Guia Alimentar para a População Brasileira como um padrão que protege a nossa saúde. Então, o consumo desses alimentos vem diminuindo, e vem aumentando a participação dos alimentos processados e ultraprocessados. De acordo com o último dado da Pesquisa de Orçamentos Familiares — POF, que é um módulo também financiado pelo Ministério da Saúde, mais de 50% das calorias ingeridas pelos brasileiros ainda vêm de alimentos in natura e minimamente processados. Comparado com outros países, o Brasil está numa grande vantagem. Há vários países em que esses números são inversos, ou seja, em que mais da metade das calorias vem de ultraprocessados. Mas, no Brasil, 20% do que os brasileiros consomem já vêm de alimentos ultraprocessados.
Logo mais, eu vou falar um pouco desses padrões. O que nós sabemos é que, quanto mais alimentos in natura e minimamente processados a população consome, mais saúde ela tem; quanto mais ultraprocessados ela consome, mais doenças crônicas ela tem. Então, qualitativamente, a nossa missão, o nosso objetivo é fazer com que a população brasileira siga consumindo alimentos in natura e minimamente processados e diminua o consumo de alimentos ultraprocessados.
Isso também se observa em crianças. Estes aqui são dados da atenção primária. Eu chamo a atenção para o dado de que as crianças, na atenção primária, no dia anterior, consumiram feijão, arroz, legumes, fritas, mas 80% delas consumiram algum alimento ultraprocessado e, mais do que isso, consumiram em frente à televisão. Esse é um padrão muito associado ao consumo de alimentos não saudáveis, porque, ao sentar à mesa, as pessoas comem com garfo e faca, as pessoas comem arroz, feijão, batata, mandioca ou macaxeira. O hábito de comer em frente à televisão é muito associado ao consumo de alimentos não saudáveis.
Isto aqui, na realidade, é só para mostrar um pouco do que eu falei para vocês. O que nós sabemos hoje? O que o Ministério da Saúde sabe hoje, assume como verdade e recomenda no Guia Alimentar? Eu trouxe uma série com 11 revisões sistemáticas. Eu destaquei duas com metanálises que sumarizam o resultado de mais de 40 estudos em uma e mais de 40 no outro, mostrando que, de fato, o consumo de alimentos in natura e minimamente processados protege a nossa saúde, evita mortes e evita doenças. Por outro lado, quanto maior o consumo de alimentos ultraprocessados, maior é a chance de os indivíduos terem obesidade e várias doenças crônicas. Inclusive, este primeiro artigo que eu pontuo mostra a associação com todos os tipos de causas de morte e também depressão. Então, hoje, o direcionamento é um pouco este: nós precisamos comer mais alimentos in natura e minimamente processados.
Além disso, na pandemia, nós temos outro desafio, que é discutir a má nutrição como um todo. Sim, a obesidade é um grande problema, mas, em função do momento de insegurança alimentar e nutricional que já vinha acontecendo desde 2017 ou 2018, como referenciado pela POF, o número de crianças com desnutrição também voltou a aumentar. Como vocês podem ver nestes gráficos, o número de crianças com desnutrição vinha decrescendo, mas, desde 2018, o número de crianças com desnutrição voltou a aumentar no País. Então, o grande desafio hoje é a dupla carga de má nutrição.
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Hoje nós estamos num contexto de pandemia e insegurança alimentar e nutricional. Na insegurança alimentar e nutricional, num consumo inadequado, nós temos o aumento de todas as formas de má nutrição. Aí eu destaco a desnutrição e a obesidade como grandes desafios.
Eu trago aqui duas imagens. Na realidade, a minha ideia não é que vocês identifiquem o que está escrito, mas, sim, mostrar que outro pressuposto nosso em todo o direcionamento das políticas é que a alimentação não é só uma questão individual. Vejam aqui o número de fatores que acabam impactando e incidindo no que nós todos vamos consumir, que é o que está escrito lá em diets, dietas, em amarelo.
Digamos que eu consuma os alimentos A, B, C ou D. Há uma série de outros fatores que acabam impactando na disponibilidade ou não desses alimentos. Em sua maioria, são ações que extrapolam inclusive o setor da saúde, porque dependem da produção do alimento, do abastecimento, da disponibilidade e do preço. Então, há uma série de políticas públicas que são necessárias para que, de fato, as recomendações do Guia Alimentar, que é o guia com recomendações de saúde para a população, possam ser colocadas em prática. E essas são ações que extrapolam o setor da saúde e precisam ser articuladas para promover mais saúde para a população.
No Ministério da Saúde, nós temos a Política Nacional de Alimentação e Nutrição, que tem como objetivo melhorar as condições de saúde e nutrição da população brasileira. É importante destacar que, assim como a saúde, a alimentação é um direito constitucional de todos os brasileiros.
No contexto da pandemia, considerando a má nutrição, o que nós fizemos? Destaco a nossa preocupação com o aumento da dupla carga de má nutrição. No fim do ano passado, nós publicamos uma portaria que repassou 221 milhões de reais a todos os Municípios para que intensificassem o olhar das equipes do Sistema Único de Saúde para a condição obesidade, até porque ficou muito evidente a relação da obesidade com o agravamento quando o indivíduo é acometido pelo coronavírus. Mais recentemente, nós publicamos esta outra portaria, que repassou mais 345 milhões de reais aos Municípios para olharem a má nutrição nas crianças e gestantes, principalmente crianças e gestantes do Programa Bolsa Família em condição de má nutrição. Com isso, o Ministério da Saúde sinaliza para todos os Municípios a importância de olhar para essas condições.
Pensando em como podemos promover mais saúde para a população brasileira, nós temos os Guias Alimentares, que são documentos oficiais do Ministério da Saúde utilizados pelas equipes de saúde, pela educação, pela assistência, para realizar orientações à população, porque são fontes confiáveis. Mas, mais do que isso, o que nós tentamos em nosso trabalho é fazer com que os guias sejam usados para induzir as políticas públicas de todos os setores, a fim de que, de fato, todos os setores possam contribuir para que os brasileiros coloquem em prática estas recomendações: consumir mais alimentos in natura e minimamente processados e reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados.
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O Guia Alimentar adota uma classificação... Desde 2014, nós fazemos a discussão de que a alimentação é muito mais do que a ingestão de nutrientes, substituindo uma discussão antiga de que a alimentação se resume a nutrientes. Nós não adotamos mais essa linha. Os alimentos in natura e minimamente processados contêm nutrientes, mas a alimentação é muito mais do que a ingestão de nutrientes: ela é cultura, vida social, família. Há uma série de questões que impactam na nossa saúde. Então, hoje, nós olhamos para os alimentos de uma forma diferente, não focada apenas em nutrientes.
Afinal, o que o Guia Alimentar recomenda? Qual é o padrão que protege a saúde do brasileiro? A maneira mais fácil de entender como colocar em prática as recomendações de que eu falei, que são as de comer mais alimentos in natura e minimamente processados e reduzir o consumo de ultraprocessados, é com a visualização de pratos. Então, como é que os brasileiros podem colocar em prática essas recomendações para reduzir o risco de doenças? Comendo arroz, feijão, alface, tomates, verduras, legumes. Aqui há uma série de fotos que ilustram almoço e jantar, bem como uma série de fotos que ilustram os pequenos lanches.
Mas nós sabemos que, para os brasileiros seguirem as recomendações do Guia Alimentar, uma série de obstáculos — nós inclusive os colocamos no próprio Guia Alimentar — precisam ser superados por meio de uma série de políticas públicas. As ações do Legislativo podem contribuir para que os brasileiros consigam colocar em prática essas recomendações.
Os principais obstáculos são: informação, oferta de alimentos — é preciso considerar quais alimentos estão disponíveis próximo das casas dos brasileiros, se esses alimentos são saudáveis ou não, a que preço eles são comercializados —, habilidades culinárias, custo dos alimentos, tempo — inclusive, há toda uma discussão da importância do transporte urbano para as pessoas conseguirem se deslocar com mais facilidade, voltar para casa e conseguir colocar em prática suas habilidades culinárias para ter uma alimentação mais saudável — e publicidade de alimentos.
Então — mais uma vez, eu trago um gráfico —, com o Guia Alimentar, diretamente no setor saúde, nós conseguimos orientar a população a consumir mais alimentos in natura e menos ultraprocessados. Mas, antes dessa recomendação, há uma série de outras políticas que precisam ser garantidas, que precisam acontecer, para que, de fato, os brasileiros possam ter uma alimentação saudável.
Eu não trouxe, hoje, todas as ações que o Ministério da Saúde vem desenvolvendo, mas temos uma série de frentes de ação. O Ministério da Saúde financia pesquisas e formação, repassa recursos para os Municípios. Nós estamos intensificando ações na atenção primária para combater a obesidade. Temos ações de vigilância alimentar nutricional, de promoção do aleitamento materno, de promoção da saúde na escola, de comunicação, pela plataforma Saúde Brasil, e de elaboração de protocolos, além de uma intensa agenda internacional para fortalecer a relação do Brasil com outros países.
Mas eu queria dar destaque, finalizando dentro do meu tempo, a duas ações que contribuem para o enfrentamento desses obstáculos. Hoje, nós estamos trabalhando com 1.300 Municípios com o objetivo de que eles olhem para a sua cidade e pensem como ela pode ser mais saudável para crianças e suas famílias. Então, o Ministério da Saúde publicou uma portaria que institui a Estratégia de Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil e repassa recursos, no primeiro ciclo de 3 anos, para 1.300 Municípios a fim de que eles olhem para a sua cidade — ela tem praça ou não tem praça, tem feira ou não tem feira? —, intensificando ações na atenção primária e na escola, mas também olhando um pouco para os ambientes onde as crianças estão inseridas. O nosso objetivo, então, é que eles usem o Guia Alimentar e o Guia de Atividade Física para induzir políticas locais que visem cidades mais saudáveis.
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Há outra agenda que vimos discutindo também. Aproveitando que a FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, declarou que este é o Ano Internacional das Frutas e Vegetais, nós estamos fazendo uma série de debates regionais e nacionais para tentar discutir as experiências bem-sucedidas hoje no Brasil que possam vir a inspirar uma agenda nacional, desde a produção dos alimentos até o consumo. Essa agenda também vai nos permitir conhecer um pouco mais de experiências bem-sucedidas para aprimorar o cenário nacional.
Para finalizar, eu faço uma pergunta: como promover mais saúde para a população? Com que ações, programas, políticas e estratégias? A partir das evidências, nós sabemos que nós precisamos de ações, programas, políticas e estratégias de todos os setores, incluindo o Legislativo, com o objetivo de aumentar o consumo de alimentos in natura e minimamente processados e reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados. Então, essas políticas, baseadas em evidências, podem promover mais saúde para a população brasileira.
Muito obrigada. Eu fico disponível para o debate.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - A sua exposição foi boa, porque trouxe a diretriz geral. Precisamos também de uma abordagem em relação ao projeto de lei, mas os dados são importantes. Nós lhe agradecemos. Depois, você terá oportunidade de voltar a falar.
Nós estamos numa luta em relação ao Projeto de Lei nº 7.730, de 2014, do Deputado Eduardo da Fonte, que já foi retirado de pauta várias vezes e que incentiva, de fato, a indústria de alimentos. É uma tese que nós percebemos que alguns Deputados defendem, até por pareceres já apresentados, mas há um conjunto de Deputados e Deputadas que entendem que é preciso punir os que estão acima, e não retirar dinheiro público. Quando há um incentivo fiscal, de certa forma o Governo deixa de arrecadar, e, assim, algumas políticas públicas ficam prejudicadas.
Mas é importante esse cenário geral que você trouxe, retratando a realidade da pandemia e tudo o mais. Isso ilumina a todos nós. Obrigado.
Passo, agora, a palavra para a Luisete Bandeira, que é consultora nacional em nutrição e atividade física da Organização Pan-Americana da Saúde — OPAS, que também dispõe do tempo 15 minutos.
Muito obrigado.
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A SRA. LUISETE BANDEIRA - Obrigada.
Bom dia a todos e todas.
Eu gostaria de agradecer ao Deputado Padre João, por requerer e presidir este valioso e oportuno debate, e parabenizar a Comissão, em nome de seu Presidente, o Deputado Federal Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr., por promover esta audiência.
Recentemente, há 2 meses, estivemos debatendo impostos a favor da saúde. É com muita alegria que recebemos estes convites. São uma oportunidade de contribuirmos para o debate.
Gostaria de cumprimentar a Gisele, a Marília, a Laís, a Camila e a Renata e falar um pouco sobre a OPAS.
A OPAS trabalha com os países das Américas para melhorar a saúde e a qualidade de vida das populações. No próximo ano, a organização completa 120 anos de atuação. É a organização de saúde pública mais antiga do mundo.
Para o debate de hoje, eu gostaria de destacar principalmente a atuação da OPAS na promoção de meios para promover a saúde e o bem-estar da população e diminuir os gastos em saúde, além de aumentar a arrecadação. Então, eu vou falar dessas medidas fiscais e das ações eficazes para reduzir e controlar a obesidade e as doenças crônicas a ela relacionadas.
A obesidade e as doenças a ela relacionadas, como hipertensão e diabetes, são um dos principais problemas de saúde global. Além de afetarem a saúde, aumentam os gastos e geram perdas para a economia, reduzindo a produtividade, o desempenho escolar. Os países perdem, em média, de 1,6% a 5% do Produto Interno Bruto com esses gastos e essas perdas, e estima-se uma perda para o PIB mundial de 5,3 trilhões de dólares no período de 2020 a 2050, segundo dados da OCDE. Essas pessoas também têm mais risco de morte se infectadas pela COVID-19. Isso é um perigo maior para o Brasil e para a região das Américas, porque essa é a região do mundo com as mais altas taxas de obesidade — 62% dos adultos e 33% das crianças e adolescentes estão com sobrepeso e obesidade nessa região. Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde mostram que essas taxas também são muito altas no Brasil: mais de 60% dos adultos estão com sobrepeso ou obesidade.
O consumo de ultraprocessados com alto teor de açúcar, sódio e gordura é um dos principais fatores de risco para a obesidade e as doenças crônicas a ela relacionadas. Esse impacto já era alto antes da pandemia e agora é gigantesco. Temos dados que mostram que o consumo de ultraprocessados pelos brasileiros aumentou durante a pandemia. A UNICEF tem uma pesquisa recente que nos mostra isso.
Além de agravar as desigualdades, a pandemia intensificou os problemas de nutrição, aumentou a pobreza, a fome, a desnutrição. O preço dos alimentos in natura e minimamente processados, como arroz, feijão, frutas, legumes e verduras, aumentou, ao passo que o preço dos ultraprocessados já vinha se reduzindo antes da pandemia. Então, estima-se que logo estes serão mais baratos do que os alimentos in natura e minimamente processados.
A obesidade, como a Gisele bem colocou, não resulta da escolha individual. Temos evidências que mostram maneiras eficazes de prevenir e controlar a obesidade, mas, apesar dos avanços e das evidências, a obesidade ainda é responsável por 4 milhões de mortes em todo o mundo a cada ano. Em 2017, os fatores de risco relacionados à alimentação inadequada foram responsáveis por 44% das mortes nas Américas.
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Para reduzir a obesidade, considerando a complexidade da doença, precisa-se de um esforço sustentável de longo prazo e de políticas públicas ousadas por parte de todos os setores da sociedade para mudar o ambiente obesogênico atual, caracterizado por esta alta disponibilidade de alimentos ultraprocessados com preço cada vez menor.
Desde 2014, os países das Américas conferiram à OPAS o mandato para ajudá-los a avançar nessas políticas públicas, por meio da aprovação do Plano de Ação para Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes. A OPAS e a OMS priorizam essa agenda na região. Então, nós apoiamos o desenvolvimento de ações comprovadamente eficazes para prevenir e controlar a obesidade nesses países.
Eu vou falar das ações e, ao fim, vou chegar ao ponto do projeto de lei, Deputado.
Como a Gisele colocou, entre as ações, estão aprimorar o cuidado das pessoas com obesidade nos serviços de saúde e fortalecer o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno. O Brasil tem uma das normas mais alinhadas a esse código internacional: a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras — NBCAL. Trabalhamos com o Ministério da Saúde, entidades da sociedade civil e conselhos profissionais para fortalecer essa norma.
Também está entre as ações fortalecer o Programa de Alimentação Escolar. O Brasil tem normas alinhadas ao Guia Alimentar no Programa Nacional de Alimentação Escolar, que é um programa que se destaca internacionalmente. E é necessário avançar urgentemente na restrição da venda de alimentos ultraprocessados no ambiente escolar.
A restrição da publicidade de bebidas e alimentos ultraprocessados também é uma das ações efetivas. Este ano, o Supremo Tribunal Federal tomou a importante decisão de reconhecer como constitucional a lei baiana que proíbe qualquer tipo de publicidade dirigida à criança em escolas da educação básica do Estado. É importante parabenizar o STF e destacar, mais uma vez, essa decisão, que estimula outros Estados a legislar a favor da proteção da infância e do consumidor e da garantia do direito à alimentação e à saúde.
Outra ação efetiva é a ampliação das compras públicas de alimentos saudáveis. O Brasil também é reconhecido internacionalmente por isso, seja pelo Programa de Alimentação Escolar, seja pelo Programa de Aquisição de Alimentos. Este ano a OMS lançou uma publicação para ajudar os países a implementar e fortalecer compras públicas que ampliem o acesso a alimentos saudáveis em espaços como escolas, hospitais, presídios, entre outros.
A rotulagem nutricional frontal clara também é uma medida fundamental. A OPAS coopera tecnicamente com o processo regulatório conduzido pela ANVISA desde 2014.
Além dessas, eu gostaria de destacar duas ações efetivas que tem mais relação com o nosso debate de hoje. A primeira ação se refere aos impostos para aumentar o preço dos alimentos ultraprocessados e reduzir o consumo deles, especialmente das bebidas açucaradas. Então, estamos falando de refrigerantes, néctares, que são popularmente conhecidos como sucos de caixinha, chás adoçados, energéticos, suco artificial. Temos evidências de que metade dos açúcares de alimentos e bebidas ultraprocessados vendidos em oito países da região vem de bebidas açucaradas. Então, elas têm um importante impacto na saúde. A OPAS recomenda que se adotem impostos que aumentem em 20% o preço final das bebidas açucaradas, o que pode levar a uma redução no consumo de também cerca de 20%. Toda vez que se fala em aumentar preço, em aumentar imposto, isso tem que chegar ao consumidor, porque queremos impacto na saúde, queremos que se reduza o consumo de alimentos não saudáveis. Temos evidências: nas experiências dos países que já adotaram essas medidas, como o México e o Chile, o preço final dos alimentos ultraprocessados aumentou, e seu consumo reduziu. O México adotou o imposto de 10% sobre o preço final, reduzindo em quase 10% o consumo dessas bebidas. E essa redução foi maior nos domicílios mais vulneráveis, que são os mais afetados por problemas de saúde relacionados à alimentação, como diabetes e obesidade. Além disso, houve um aumento na venda de água. Não houve impacto em relação a emprego no setor, e o imposto se mostrou bom para a saúde e para a economia. O Chile se destaca, porque adotou, além dos impostos, a rotulagem nutricional frontal e a restrição da publicidade de alimentos ultraprocessados. Com um imposto que aumentou em 5% o preço final, reduziu-se em mais de 20% o consumo domiciliar dessas bebidas.
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Outra medida essencial são os subsídios para reduzir o preço e aumentar o consumo de alimentos saudáveis. Estamos falando de arroz, feijão, frutas, legumes e verduras, que tiveram uma grande alta de preço no Brasil, principalmente do ano passado para este ano.
A recomendação da OPAS/OMS é que os países subsidiem esses produtos, subsidiem a produção de alimentos in natura e minimamente processados, para reduzir o preço e aumentar o consumo, e não subsidiem a produção de alimentos ultraprocessados. O que acontece no Brasil é justamente o contrário. Nosso País é um caso peculiar: não observamos na região outros países que subsidiem, por exemplo, as bebidas adoçadas, como vemos no Brasil. A recomendação em relação à saúde pública é exatamente o contrário disso.
Na próxima semana, será realizada a Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU, que faz um chamado para que os países adotem soluções para transformar os sistemas alimentares. Medidas que reduzem o consumo de ultraprocessados, como a taxação de bebidas açucaradas, reduzem o consumo de açúcar, salvam vidas, geram receitas no setor de saúde, que está sobrecarregado por conta da pandemia da COVID-19, têm diversos impactos positivos para o sistema alimentar, como o aumento contínuo, diversificado e sustentável, porque o consumo de bebidas açucaradas é deslocado para o consumo de água, sucos e chás — imagino que a Marília vá trazer evidências que reforçam isso —, promovem uma economia local sustentável, saudável e justa, reduzem a utilização exacerbada de recursos naturais, como água, e reduzem a poluição ambiental gerada pela utilização de recursos não retornáveis, neste caso a garrafa plástica.
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A OPAS apoia a adoção das seguintes medidas — eu passei por oito medidas —, que vão ajudar o Brasil a alcançar as metas assumidas na Década de Ação pela Nutrição, no período de 2016 a 2025: reduzir o consumo regular de refrigerantes e sucos artificiais, ampliar o percentual de adultos que consomem frutas e hortaliças regularmente e deter o crescimento da obesidade na população adulta.
Nesse sentido, eu destaco o papel desta Casa, que tem sido palco de inúmeros avanços para a saúde e o bem-estar dos brasileiros e outros povos que residem aqui. Para citar apenas alguns exemplos, eu destaco: a criação do SUS; a Constituição Federal, que resguarda o direito fundamental à saúde e à alimentação; a aprovação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, que é o primeiro tratado internacional de saúde pública; a Lei nº 11.947, de 2009, que aprimorou o Programa Nacional de Alimentação Escolar e garantiu que pelo menos 30% dos recursos sejam utilizados na compra de alimentos da agricultura familiar; e a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional — LOSAN, que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — SISAN, para assegurar o direito à alimentação adequada e saudável. Foram muitos os avanços, mas sabemos que é possível fazer mais. Contem com a OPAS.
Em relação ao projeto de lei especificamente, ele nos parece contrário às recomendações da Comissão para o Fim da Obesidade Infantil da OMS, que são subsidiar os alimentos saudáveis e não ultraprocessados para reduzir o teor de nutrientes específicos, como sódio, açúcares e gorduras.
Eu fico à disposição para continuar o debate e aprofundar as questões que forem necessárias.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Muito obrigado, Luisete Bandeira. Estendo os nossos agradecimentos à OPAS.
Passo a palavra para a Laís Amaral, que é pesquisadora em alimentos do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor — IDEC, a quem desde já agradeço a contribuição.
A SRA. LAÍS AMARAL - Bom dia a todos e todas.
Muito obrigada pelo convite, Deputado. É um prazer estar aqui para abordar um assunto que é tão caro para a saúde dos brasileiros.
Eu vou compartilhar minha tela.
(Segue-se exibição de imagens.)
Bom, o Deputado já me apresentou, mas reafirmo que eu sou a Laís, sou nutricionista e trabalho como pessoa no Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do IDEC, que é o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Vou contextualizar um pouquinho o meu lugar de fala. O IDEC é uma organização não governamental — ONG sem fins lucrativos. Já existimos há mais de 30 anos e temos uma autonomia bastante grande, por conta da geração dos recursos nossos. Não aceitamos recursos de partidos políticos e indústrias, por exemplo, então temos uma autonomia bastante grande nas nossas ações. Atuamos em âmbito bastante ampliado: na geração de evidências científicas, com a realização de pesquisa; na mobilização; na conscientização dos consumidores; e na incidência em políticas — advocacy — e ações civis públicas.
Como a Gisele já abordou bastante o contexto, vou trazer alguns números da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico — VIGITEL do ano passado.
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No Brasil já temos um quadro bastante preocupante de excesso de peso e obesidade. Temos mais da metade da população adulta com excesso de peso e mais de 21% com obesidade. Esse é um quadro que tem relação direta com a questão das doenças crônicas não transmissíveis também. Nós já tivemos um diagnóstico, em 2019, de 52% de pessoas com pelo menos uma doença crônica não transmissível. Obviamente, isso tem uma consequência nos custos, na questão da economia. Os custos relacionados ao diagnóstico e tratamento de hipertensão, diabetes e obesidade para o SUS são em torno de 3,84 bilhões de reais.
Esse quadro epidemiológico tem uma relação direta com o consumo alimentar da população. Eu trouxe alguns dados do ano passado, em que houve o início da pandemia. Já vemos uma piora dos indicadores em relação aos anos anteriores no que diz respeito à diminuição do consumo de alimentos saudáveis e ao aumento do consumo dos alimentos não saudáveis, como os ultraprocessados, por exemplo.
Quero trazer um pouquinho do detalhamento dos ultraprocessados, que a Gisele também já comentou anteriormente. Quando pensamos em alimento ultraprocessado, pensamos num produto que tem excesso de açúcares, sal, óleos e/ou gorduras. Eles são produzidos industrialmente, então possuem ingredientes de uso exclusivamente industrial, aqueles ingredientes que não encontramos nas nossas cozinhas, como gordura vegetal hidrogenada, amido modificado, entre outros. Esse tipo de alimento tem também a presença de aditivos alimentares, que são aqueles componentes químicos usados para melhorar, por exemplo, a palatabilidade do produto, a aparência, a textura, a cor, o odor, o sabor. Isso resulta num alimento ultraprocessado ou numa bebida ultraprocessada. Por conta dessa composição, esses alimentos são desbalanceados nutricionalmente e têm todo um sistema, desde a produção até o consumo, que causa prejuízos não só para a saúde, mas também para o meio ambiente. Já temos diversas evidências disso.
Além disso, o consumo de ultraprocessados desloca o consumo dos alimentos saudáveis, que são os alimentos in natura, os minimamente processados e as preparações culinárias. Quando as pessoas consomem ultraprocessados, elas acabam substituindo os alimentos saudáveis por alimentos não saudáveis. Exemplos de ultraprocessados são os salgadinhos de pacote, biscoitos, bolos prontos, bebidas açucaradas de forma geral, macarrão instantâneo, etc.
Eu trouxe também um pouquinho das evidências, que são muitas. Não vou entrar no mérito de cada uma delas, mas vou mostrar para vocês quantos estudos já existem mostrando a relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o ganho de peso, o desenvolvimento de obesidade e outras doenças crônicas, como doenças cardiovasculares, diabetes, alguns tipos de câncer, etc.
E qual é o contexto em que vivemos? Eu trouxe um pouco do contexto alimentar e do contexto epidemiológico, mas o que isso significa? Hoje em dia, a maioria das pessoas vive num ambiente obesogênico. Isso significa que existem rótulos que nem sempre são compreendidos pela população e publicidades de alimentos que enganam o consumidor e, muitas vezes, utilizam-se da deficiência de julgamento da criança, como é o caso, por exemplo, da publicidade abusiva. Além disso, há um acesso físico muito grande a ultraprocessados nos ambientes institucionais. Em qualquer lugar a que vamos, é muito fácil achar alimento ultraprocessado para vender. Temos ainda falta de educação nutricional, que é necessária desde a infância para formar hábitos alimentares saudáveis. Muitas vezes, faltam também políticas mais eficazes em relação à alimentação.
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Há a questão dos conflitos de interesses — nós vemos isso dentro do Governo, dentro das instituições — que acabam por dificultar a implementação de políticas públicas eficazes.
E temos a questão do preço, tanto a questão do preço dos alimentos saudáveis que, muitas vezes, não são acessíveis, quanto os baixos preços de alimentos ultraprocessados: há um acesso econômico facilitado, muitas vezes, a esses produtos.
O que podemos fazer para mudar esse cenário? Já foi dito aqui que não adianta nos focarmos em medidas apenas na educação do consumidor, e não adianta culpar o indivíduo. Ele está inserido num ambiente que não favorece escolhas alimentares saudáveis; pelo contrário, dificulta-as. Há a facilidade de consumir ultraprocessados, normalmente.
Então, quando pensamos nisso, do que precisamos para melhorar esse ambiente? De medidas que facilitem as escolhas, portanto, de medidas regulatórias, como melhorar a rotulagem, ter uma regulação da publicidade, regular a venda de alimentos dentro de instituições como as escolas, e também maior tributação dos produtos.
Esta figurinha aqui do lado — acho que vocês conseguem ver meu o meu cursor — mostra o indivíduo aqui que tem toda a carga de doenças, a questão da obesidade e tudo mais. Então, se temos um Estado, uma sociedade que facilita as escolhas alimentares mais saudáveis por meio dessas medidas regulatórias, temos a diminuição deste ângulo aqui, da sociedade. Aí, o indivíduo consegue muito mais facilmente lidar com essas questões de alimentação e de saúde.
Eu trago aqui uma das questões que é diretamente relacionada ao projeto de lei: a reformulação dos alimentos, ou seja, mexer um pouco na composição nutricional para ter alimentos teoricamente, supostamente mais saudáveis. Quais são os limites da reformulação? Nós já temos algumas evidências que mostram essa questão. Normalmente, quando a reformulação acontece, ela não acontece somente para o bem. Normalmente, ela traz uma má substituição de ingredientes.
E aí há alguns exemplos históricos que já aconteceram, como a questão da diminuição da gordura saturada, que é substituída pela gordura trans, que já sabemos que é uma gordura que não traz nenhum benefício para a saúde, pelo contrário, traz só malefícios. Inclusive, está em processo de banimento pela ANVISA aqui no Brasil.
Há uma outra substituição bastante histórica, mas também vemos isto muito atualmente: a questão da substituição do açúcar por adoçante. Vemos isso com muita frequência.
Além disso, além dessa má substituição de ingredientes, há também a legitimação, endosso e promoção de ultraprocessados. Por quê? Quando esses produtos são reformulados, eles não deixam de ser ultraprocessados, eles continuam sendo ultraprocessados, portanto, maléficos para a saúde. Mas eles começam a utilizar essa reformulação como forma de marketing, de publicidade para os consumidores, e muitas vezes os consumidores são enganados em relação a isso. Teve diminuição de açúcar, mas a informação de que foi substituída por adoçante, por exemplo, não está clara. Isso acaba promovendo ainda mais o ultraprocessado.
Há também a questão do engano por fortificação e enriquecimento. Vemos isso muito em relação a vitaminas e minerais. Isso é muito exacerbado na publicidade, nos rótulos, por exemplo, mas não fica clara a questão dos ingredientes e nutrientes críticos que há naquele produto. Há ainda — a Gisele também falou sobre isto — a questão do foco somente no nutriente, não pensar o alimento como um todo. Então, há a diminuição de um nutriente, e isso é exaltado por meio da publicidade.
Eu trouxe aqui alguns exemplos para ilustrar um pouco essa questão da reformulação.
Este aqui foi um post do Desrotulando que traz um refrigerante de cola. Antes, esse produto tinha como ingredientes água gaseificada, açúcar, cafeína, extrato de noz de cola, corante caramelo IV, acidulante, ácido fosfórico e aromatizante. Ele foi reformulado e teve uma diminuição de 26% de açúcares. Se batêssemos o olho nisso, acharíamos que era uma boa. Mas o que acontece? Nós continuamos com o açúcar na segunda posição da lista. Então, houve uma diminuição, mas ele continua presente. Além disso, houve a adição de dois edulcorantes, que são os adoçantes popularmente conhecidos: a sucralose e o acessulfame de potássio, a respeito dos quais já temos diversas evidências mostrando os malefícios disso à saúde.
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Essa aqui é uma bebida láctea sabor chocolate. À esquerda, em marrom, nós temos a versão tradicional desse achocolatado, dessa bebida láctea. À direita, em azul, nós temos a versão com 35% menos açúcares e sem adoçante. Aí eu fiz uma análise com base no modelo de perfil de nutrientes da OPAS, que é um critério que nos dá uma visão mais clara sobre a qualidade nutricional dos produtos. Quando aplicamos os critérios da OPAS, vemos que as duas opções, mesmo a opção com menos açúcares, continua sendo um produto com excesso dessa substância, segundo o perfil de nutrientes da OPAS. Ambas as versões possuem também altos índices de sódio e gordura saturada. Na versão com menos açúcares, eles acrescentaram mais um tipo de aditivo alimentar: os espessantes, um aditivo alimentar cosmético que traz mudança de palatabilidade, textura, odor e sabor, como eu já disse anteriormente.
Esse artigo que estou mostrando foi utilizado no requerimento. Ele foi publicado por pesquisadores da UFMG, e teve também a participação de uma pesquisadora do IDEC. Acho que a Camila vai falar com mais propriedade sobe esse artigo, mas quero só trazer a questão dos preços. Esse artigo mostra que quanto menor o preço dos ultraprocessados, maiores as taxas de sobrepeso e obesidade. Isso fica muito claro no artigo. E ele traz também, como um resultado bastante importante, que o aumento de 1% no preço dos alimentos e bebidas ultraprocessados levaria a uma diminuição de 0,33% e de 0,59% na prevalência de sobrepeso e obesidade respectivamente. Isso mostra como, de fato, o aumento dos preços, a tributação dos alimentos ultraprocessados, seria uma recomendação importante. Como conclusão, ele traz a recomendação da tributação e sugere a utilização desse dinheiro arrecadado pela tributação em programas e políticas que promovam estilos de vida saudável.
Esse mapa, feito pela Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, ilustra as regiões do mundo, países, estados e cidades onde já existe a tributação de bebidas açucaradas. Vemos que isso está se expandindo. A Luisete também trouxe alguns dados mostrando a efetividade dessa medida. Aqui nas Américas, já existe no Peru, Chile, México, por exemplo. Muitas evidências já nos mostram que a tributação, especificamente de bebidas açucaradas, reduz o consumo desse tipo de bebida, e isso é importante para a saúde e para o meio ambiente, além de aumentar receita do Governo, que pode utilizar essa arrecadação para outras questões, sendo a mais importante e mais recomendada utilizar os recursos para a saúde e nutrição, com vistas a reduzir a prevalência de doenças causadas pelo consumo excessivo de açúcares, por meio da redução do consumo desses produtos de alto teor de açúcar e do aumento do consumo de bebidas saudáveis, como água e leite. Isso não causaria prejuízos como desemprego ou prejuízo econômico para as indústrias de alimentos, que normalmente colocam isso como contrapartida.
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Para finalizar, eu trago aqui o posicionamento do IDEC, que foi divulgado este ano no relatório intitulado Tributos, Consumo e Direitos, a propósito da reforma tributária. Trazemos especificamente a questão dos alimentos, e o IDEC se coloca a favor do fim dos créditos tributários para a produção de bebidas adoçadas, que a Marília provavelmente vai comentar — a questão da Zona Franca de Manaus, por exemplo —, e também a favor da criação do imposto seletivo sobre bebidas adoçadas, alimentos ultraprocessados e agrotóxicos.
O IDEC defende que alimentos e bebidas com elevada quantidade de nutrientes críticos, como sódio, açúcares e gorduras, devem estar sujeitos à regulação, como é o caso da tributação, que eu aqui mostrei, e jamais devem receber incentivos ou compensação devido à reformulação nutricional.
Agradeço a oportunidade e fico à disposição para o debate.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Nós que lhe agradecemos, Laís.
Passo a palavra para a Sra. Marília Albiero, Coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde.
A SRA. MARÍLIA ALBIERO - Bom dia a todos e todas. Deputado Padre João, mais uma vez muito obrigada pelo convite, por essa oportunidade que nós sempre temos de debater esse tema tão importante, de como promover o acesso a uma alimentação adequada e saudável.
Bom dia a todas as minhas colegas aqui, que já ajudaram muito na construção da minha narrativa. Eu só vou acrescentar alguns outros elementos, mas estamos todos bastante alinhados.
Eu também vou compartilhar a tela de minha apresentação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Na verdade, um pouco da minha fala é justamente discutirmos quais medidas fiscais seriam interessantes para, de fato, promovermos um maior acesso a uma alimentação adequada e saudável.
Contextualizando, a ACT é uma organização não-governamental, estamos atuando há 15 anos na promoção de políticas públicas que mitiguem os fatores de risco das doenças crônicas não transmissíveis, com um foco muito grande no tabaco — é a origem da ACT — e, nos últimos 5 anos, atuando muito na questão da alimentação.
Eu ressalto que há um foco na agenda regulatória, mas que eu destaco muito justamente as medidas fiscais. As medidas fiscais são um tema sobre o qual a ACT tem se debruçado muito nos últimos anos, até porque houve uma experiência positiva em relação ao tabaco, foi uma medida que resultou em uma redução de consumo, e pensamos, então, no que poderia ser feito em relação a isso na alimentação, como podemos usar incentivos, tributos, para desestimular hábitos não saudáveis e estimular hábitos saudáveis e consumo de produtos saudáveis.
Quando tivemos conhecimento desse projeto de lei, nós nos debruçamos sobre ele, e acho que é importante ressaltar que ele traz um aspecto interessante, porque há o reconhecimento de que os ultraprocessados, com ingredientes críticos, são vetores da obesidade e de que algo precisa ser feito para que, realmente, esse consumo não seja estimulado ou seja repensado.
Mas existe uma necessidade quando falamos de alimentos e medidas fiscais. Nós precisamos pensar justamente quais alimentos, quais setores precisam ser estimulados e priorizados. O Deputado Padre João mencionou, bem no início da fala dele, que, ao escolher incentivar alguma coisa, eu vou penalizar outra área.
Eu vou trazer um pouco mais justamente dessas desigualdades tributárias no Brasil. No Brasil fala-se muito que se paga muito imposto, fala-se do mau uso dos impostos, mas pouco se fala da desigualdade tributária, e vamos trazer alguns elementos das más escolhas tributárias que o Brasil tem feito ao dar incentivo fiscal. E é justamente o que as minhas colegas já colocaram. Qual é o cenário atual que nós temos? A Gisele enfatizou a questão de como o custo é um fator importante para o acesso a uma alimentação saudável, assim como a Laís e a Luisete também trouxeram essa questão.
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O que vemos hoje é que há uma tendência de queda, no caso dos produtos ultraprocessados, e que os produtos in natura, minimamente processados, estão cada vez mais longe da mesa dos brasileiros, e isso não aconteceu por acaso. Isso não acontece por uma questão de crise econômica e, recentemente, COVID, aumento de demanda da China, câmbio. Não. Existe um problema estrutural no Brasil, que já vem ocorrendo de décadas passadas, que tem nos levado a essa desigualdade e, que com a conjuntura atual, tem potencializado essa desigualdade.
E aqui eu trago alguns gráficos de um estudo bastante grande que ACT realizou recentemente para tentar entender um pouco mais a raiz desse problema. É lógico que temos visto que a inflação no Brasil já vem galopante. A inflação dos alimentos é maior que a inflação em geral, como podermos ver no primeiro gráfico. Se nós colocarmos uma lupa em relação à inflação dos alimentos, nós poderemos ver essa desigualdade. O gráfico do lado direito superior mostra realmente que, em relação a frutas e derivados, a inflação que é colocada em cima é muito maior do que a de produtos que vêm do açúcar e derivados.
Aqui embaixo vemos uma questão muito central, que vamos abordar muito, que é, por exemplo, o fato de os refrigerantes terem ficado, desde 2006, 43% mais baratos que o acesso a frutas. E aqui podemos observar a questão da margarina e da manteiga. A manteiga é ingrediente culinário minimamente processado, a margarina é produto ultraprocessado. Então, percebemos que o brasileiro com pouca renda, na hora em que tiver um pouco de escolha, naturalmente vai migrar para o ultraprocessado.
E vamos analisar algumas questões para vermos por que isso está acontecendo. Eu acho que esse gráfico mostra um pouco dessa história, mostra um pouco por que o Brasil está chegando a essa situação. A linha superior mostra o número de áreas disponíveis para o Brasil produzir as culturas de exportação e commodities — soja, milho, açúcar, que estão em roxo — e, embaixo, vemos a área disponível que temos no Brasil para produzir arroz, feijão, legumes e verduras. O que isso traduz? Traduz que temos pouca oferta de produtos saudáveis no mercado. O Brasil, com a área agricultável que tem, tem um número de hectares disponíveis para legumes menor que o do Japão, menor que o do Irã, menor que o de Myanmar. Isso é um absurdo, para um país como o Brasil.
E o que acaba acontecendo? Nós temos todo um direcionamento de estímulos fiscais e prioridades do Governo para as culturas de exportação, que são exportadas, e mesmo esses produtos que vão, eles vão alimentar a indústria. Então, quem faz um pouco da indústria de base é a agricultura familiar. E o que vem acontecendo? Sem os mesmos estímulos fiscais, sem os mesmos estímulos econômicos de políticas e programas de Governo, a agricultura familiar cai, em termos de estabelecimentos, de área ocupada, de pessoal ocupado, porque ela não tem incentivo, e, naturalmente, às vezes, ela acaba vendendo até a própria terra para uma cultura de exportação. Então, eu tenho cada vez menos terra para colocar produtos de base da alimentação.
Mostramos aqui justamente essa priorização. Além de não haver estímulos fiscais e programas que ensinem a trabalhar com essa produção, a agricultura familiar também não tem acesso a mercados. O Programa de Aquisição de Alimentos, por exemplo, teve uma queda de mais ou menos 88% desde 2014, quando o programa do Governo chegou a atingir quase 1 bilhão. Fecharam a CONAB, que consegue regular o preço. Todas as missões diplomáticas do Brasil são voltadas para o agronegócio. Temos conhecimento de que, em todo o plano de Governo, apenas 15% vão para agricultura familiar. Então, é lógico que há pouca oferta desses alimentos e há pouco incentivo para a logística de acesso a mercados.
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Outro ponto que queremos colocar é que o Brasil não tem um histórico de fazer bom uso de incentivos fiscais. Trazemos ao cerne algo mais emblemático, o caso dos refrigerantes e bebidas adoçadas. Com a questão da Zona Franca de Manaus foi criado um polo de concentrados do produto, entretanto, de fato não cumpriu o seu papel de gerar emprego, renda e desenvolvimento local. E o que isso custou? Custou aos cofres públicos do Brasil uma renúncia fiscal de 3 bilhões a 4 bilhões de reais. Basicamente, quem se beneficia dessa renúncia fiscal são as grandes multinacionais ali instaladas. Não gera emprego e renda adequados, na verdade isso só serve para aumentar a lucratividade das empresas. E um bom exemplo aqui são os refrigerantes. A Laís trouxe muito bem que poderiam ter esses incentivos fiscais, porque essas empresas, e a maioria do setor de alimentos, já têm conhecimento dos malefícios que causam à saúde. Mas elas não reverteram todos os incentivos fiscais e tributários para se readaptar ao novo contexto, isso apenas serviu para aumentar a lucratividade. E o produto, além de causar mal saúde, envolve a questão das embalagens plásticas, a questão do meio ambiente, a questão da pegada hídrica pelo volume absurdo de água que é usado. É inadmissível pensar, por exemplo, em produzir no Amazonas algo que vai ser distribuído para todo o País. Pense num circuito longo! Isso é totalmente incompatível com o modelo de desenvolvimento sustentável.
Mas vale lembrar que não são só as grandes produtoras, mas toda a cadeia de refrigerantes e bebidas açucaradas é beneficiada com IPI reduzido, por exemplo, na fabricação de um produto à base de fruta. Por mais que possa ter uma quantidade muito grande de açúcar, se tiver, por exemplo, açaí, guaraná, haverá uma redução de base de IPI e alíquota zero de PIS/COFINS no varejo para esses produtos. Lembrando que o PIS/COFINS serve muito para financiar a saúde. Então, a indústria já vem ganhando incentivos fiscais que, na verdade, são pouco conhecidos.
E à medida que vamos estudando, vamos aprendendo mais. Percebemos que existem vários produtos que estão muito longe de ser considerados saudáveis, mas têm alíquota zero de IPI. É muito longe o conceito do IPI que é baseado na essencialidade. Outros produtos com problemas muito sérios também têm alíquota zero de PIS/COFINS. É uma indústria que já vem recebendo incentivos fiscais e não precisa de mais incentivos fiscais, porque já foram dados e não fizeram uma reformulação adequada. Por quê? Sobre o porquê vamos falar um pouco adiante com a agenda regulatória.
E aqui eu queria trazer um pouco disso com um gráfico para comparar o crescimento da indústria. A linha de base é o PIB do Brasil, que cresceu. Ainda não está descontada a inflação, porque as empresas não publicam faturamento descontando a inflação. Percebemos que mesmo no momento de crise, a indústria de alimentos cresceu, conforme se vê na linha laranja. Mas se considerarmos a média setorial das 70 maiores empresas, ela cresce muito mais. Na linha amarela estão os 10 maiores grupos e há um crescimento muito maior do que de outros setores do Brasil que não têm esse nível de crescimento. E ela cresce provocada pela demanda. Elimina-se muito da sazonalidade de produtos in natura na sua cadeia colocando ingredientes artificiais e usando produtos de monocultura. Ela não só cresce, mas também se concentra e isso traz um grande problema, a saber: as dez maiores empresas representavam 27% do setor em 2007 e agora, em 2019/2020, as dez maiores empresas representam 76% do setor. Então, de novo, são empresas de grande envergadura que têm consciência das externalidades negativas em saúde e não convertem toda essa rentabilidade em uma reformulação robusta, apesar de poderem adotar uma alimentação um pouco mais acessível.
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Propomos nesse PL uma mudança de rota e estratégia. Na verdade, o incentivo fiscal tem que ser dado para quem? Para os produtos in natura e minimamente processados e para pequenos e médios, desde a produção até o consumo. Não se deve dar benefícios fiscais para as grandes empresas, que são as que se beneficiam disso. E quem poderia ser o grande promotor disso é a agenda regulatória.
O PL traz a questão do Reino Unido. O Reino Unido e outros países só avançaram porque tiveram uma agenda regulatória muito forte que pressionou de fato as empresas a realmente fazer uma grande reformulação. Mas quem deve financiar essa reformulação não é a sociedade, não é o dinheiro público, é a própria indústria. Como eu disse, ela é o epicentro do problema e tem, sim, envergadura suficiente para financiar essa reformulação.
Vou concluir muito em linha com a fala das minhas colegas, pegando a rota do México, Chile, Reino Unido e mais de 60 localidades que colocamos aqui. Além de tributar bebidas açucaradas, alguns países vão muito mais além ao tributar alimentos ultraprocessados. A tributação é, sim, um fator que impacta o preço final, traz recurso para a saúde e gera emprego. Poderíamos estar discutindo isso aqui dentro, a solução não está longe, ela está dentro desta Comissão. Há na Comissão um PL de autoria do Deputado Paulo Teixeira e relatoria do Deputado Dr. Luizinho.
A Luisete lembrou que há dois meses estivemos falando de imposto para a saúde, mas especificamente esse tributo só pudemos discuti-lo aqui em dezembro de 2018. De lá para cá, nós gostaríamos muito de ter continuado essa conversa. Vemos uma evolução muito grande em países que vêm adotando isso. E aqui está o link, o website que a ACT desenvolveu colhendo todo esse conjunto de evidências. Com um simulador, pode-se escolher uma alíquota — baseado no estudo que fizemos com a ANFIP, a alíquota pode ser a partir dos 20% recomendados pela OMS — e observar o impacto na economia. Primeiro, há uma redução dessa categoria de produtos. E eu consigo estimular realmente o consumo de água mineral, de suco, de café, de leite. Eu consigo gerar impostos de 4,7 bilhões a 7,1 bilhões. Eu consigo gerar emprego em regiões como o Nordeste. Então, é uma boa medida para a saúde, para a economia, para a sociedade e para o planeta.
Precisamos quebrar esse ciclo que existe hoje no Brasil de financiar apenas poucos conglomerados. E também é preciso quebrar esse padrão de não se orgulhar deste País, que é um grande exportador, mas ao mesmo tempo é um país com mais de 100 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.
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Eu termino aqui a minha fala. Estou muito feliz com este debate e com a chance de compartilhar esses estudos de impacto econômico. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Nós lhe agradecemos, Marília, pela excelente fala. Ela reforça essa tese de que o projeto vai na contramão. Obrigado.
Em seguida, passo a palavra para Camila Passos, Professora da Universidade Federal de Viçosa, a quem já agradeço a participação.
A SRA. CAMILA PASSOS - Bom dia a todos.
Primeiro, eu gostaria de agradecer o convite ao Deputado Padre João para participar deste importante debate em relação às políticas fiscais e cumprimentar as colegas de Mesa.
Meu nome é Camila Passos, eu sou enfermeira de formação, professora do Departamento de Medicina e Enfermagem da UFV, pesquisadora e fiz o meu doutorado na área de preço de alimentos e políticas fiscais.
Hoje eu trouxe para V.Exas. uma discussão para pensarmos um pouco na relação do preço desses alimentos com a saúde humana, contextualizando questões para a construção das políticas fiscais.
Trouxe uma contextualização, que eu vou passar de forma bem breve, do aumento da prevalência tanto do excesso de peso quanto da obesidade que podemos evidenciar no mundo com o passar dos anos. Vemos uma tendência, de 1980 a 1984 até 2016, de aumento expressivo do excesso de peso e da obesidade. São aqueles IMCs acima de 25, tanto para homens quanto para mulheres, com o passar dos anos. Isso também é evidenciado no Brasil, segundo dados recentes da PNS — Pesquisa Nacional de Saúde — de 2019, quando vemos um aumento do excesso de peso e da obesidade tanto nos adultos como também em crianças, como já foi mostrado, nos sexos masculino e feminino. Então, não temos uma diferença muito expressiva entre os sexos.
Mostrarei para V.Exas. alguns conjuntos de fatores que podem impulsionar esse aumento da prevalência do excesso de peso e da obesidade. Temos um conjunto muito importante relacionado à dieta que diz respeito às mudanças nos sistemas alimentares nos últimos anos, às mudanças resultantes no consumo de alimentos e comportamentos alimentares. Essas mudanças estão sendo dominadas justamente pelo aumento dos alimentos ultraprocessados, tanto na aquisição domiciliar quanto no consumo propriamente dito dos indivíduos, e pode estar relacionado com aumentos de preços mais expressivos para os alimentos saudáveis e aumentos menos expressivos para produtos não saudáveis, impactando direta e indiretamente o processo de aumento da prevalência da obesidade no mundo e no País.
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Nós temos, hoje, uma classificação nova dos alimentos em quatro grupos importantes utilizada no mundo inteiro em pesquisas sobre sistemas alimentares.
O primeiro grupo é o dos alimentos não processados ou minimamente processados. O segundo é o dos ingredientes culinários. O terceiro é o dos alimentos processados. Por último, o quarto, dos alimentos ultraprocessados que têm na sua formulação diversas etapas industriais que envolvem técnicas de processamento e ingredientes de uso exclusivamente industrial na maioria das vezes. São formulações que não conseguimos ter no uso doméstico. Esses alimentos trazem uma série de características nocivas à saúde humana que podem estar relacionadas à baixa qualidade nutricional; à hiperpalatabilidade; à imitação de alguns alimentos falsamente vistos como saudáveis; às porções grandes, a forma como esses produtos são ofertados; ao marketing agressivo ao qual eles são submetidos; à indução a comer sem atenção. Além disso, eles são social, cultural e ambientalmente danosos.
Eu trouxe para vocês algumas evidências que ligam o consumo desses alimentos a vários danos para a saúde humana. Nós temos uma revisão sistemática e uma meta-análise de 43 estudos observacionais que mostram a associação do consumo de ultraprocessados com o aumento do risco de sobrepeso, obesidade, mortalidade por todas as causas, síndrome metabólica e depressão em adultos, bem como sibilância em adolescentes. Há também a associação desse consumo com doenças cardiometabólicas, fragilidade, síndrome de intestino irritável, dispepsia e câncer. Então, nós temos uma série de agravos, de danos à saúde mostrados nessas evidências.
Além disso, nós temos outros estudos de coorte em países distintos que mostram também a associação do consumo de ultraprocessados a desfechos negativos na saúde, como, por exemplo, diabetes do tipo II, mostrada nesses dois estudos, e causas de mortalidade em geral. Então, nós temos um maior consumo de alimentos ultraprocessados associado a um risco relativamente aumentado de 62% para todas as causas de mortalidade.
Mais recentemente, nós temos um último estudo, um ensaio clínico randomizado que trouxe a associação da dieta ultraprocessada a um aumento de ingestão energética e ganho de peso quando comparada a uma dieta não processada. Esses estudos são importantes, porque trazem um nível de evidência bem forte da relação entre os alimentos ultraprocessados e os desfechos em saúde.
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Nós sabemos que o consumo de alimentos ultraprocessados está intimamente relacionado à obesidade e a outras DCNTs, doenças crônicas não transmissíveis, e também à mortalidade. Nós sabemos também que houve um aumento na participação desses alimentos no total de calorias adquiridas nos domicílios e no total de calorias consumidas pelos indivíduos. Nós sabemos também que o preço é um determinante central do consumo alimentar. E o preço relativamente baixo desses alimentos ou em baixa — ele ainda não é baixo ao extremo, mas está em baixa nos últimos anos — pode determinar a questão do consumo. Nós vemos que, apesar de o preço ainda não ser tão favorável ao consumo desses alimentos, a tendência é que isso ocorra em breve, o que pode agravar e piorar ainda mais a prevalência tanto de excesso de peso quanto de obesidade.
Eu trouxe um estudo recente para vocês que traz uma tendência do preço do grupo desses alimentos no País. Esse estudo, feito com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares — POF e dados do IPCA, nos mostrou que o preço dos alimentos ultraprocessados sofreu reduções sucessivas ao longo dos anos, o que tornou esses alimentos mais baratos do que os processados. Diminuiu a distância entre o preço dos alimentos ultraprocessados e o preço dos alimentos mais saudáveis. As projeções desse estudo indicam que os alimentos não saudáveis, os alimentos ultraprocessados, se tornarão mais baratos do que os saudáveis daqui a mais ou menos 5 anos. Então, em torno de 2026, nós já estimamos uma inversão desses preços, o que torna o cenário de preços ainda mais favorável à ingestão dos alimentos não saudáveis. Essa é mais uma justificativa para termos uma agenda regulatória fortalecida para enfrentarmos essas questões, que já estão batendo à porta.
Visto que o preço dos alimentos é um determinante central das escolhas, que o consumo de alimentos ultraprocessados, incluindo as bebidas adoçadas, tem sido estimulado por esses preços, pela facilidade de acesso e pelo marketing desses alimentos, nós precisamos pensar em políticas fiscais: como elas vão ser implementadas no País. Nós sabemos dessa necessidade.
Para ilustrar esse cenário de implementação de políticas fiscais no nosso País, eu trouxe para vocês o resultado, que a Laís já citou brevemente, de um estudo de minha autoria, em parceria com pesquisadores tanto da USP quanto do IDEC, com o objetivo de estimar a relação entre o preço dos alimentos ultraprocessados e a prevalência de obesidade, e estimar também o quanto essa relação difere de acordo com o status socioeconômico. Com os resultados desse estudo, vemos que, à medida que o preço desse alimento ultraprocessado aumenta, há uma redução na prevalência de excesso de peso e obesidade para todas as faixas de idade.
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Nós estimamos, então, uma elasticidade-preço de menos 0,33% para a prevalência de excesso de peso e de menos 0,59% para a prevalência de obesidade. O que isso quer dizer? Isso significa que, à medida que há o aumento do preço dos alimentos ultraprocessados, esperamos uma redução na prevalência de excesso de peso e de obesidade no País. Esse é um estudo inédito no Brasil, porque traz uma relação direta entre o preço do alimento e o agravo em saúde, que é a obesidade, não havendo aí a mediação do consumo. Então, para cada 1% de aumento no preço dos alimentos ultraprocessados, esperamos uma redução 0,33% na prevalência do excesso de peso e de 0,59% na prevalência de obesidade na população em geral, considerando todas as faixas de idade. Além disso, vemos um impacto ainda mais significativo na população de menor renda.
Eu trouxe isso também para pensarmos sobre as questões das políticas fiscais, porque esses resultados fomentam a discussão para a implementação de políticas fiscais fortalecidas como medida importante para o enfrentamento da obesidade no País enquanto problemática de saúde pública. As políticas fiscais, principalmente falando da taxação dos alimentos não saudáveis, vão objetivar a redução do consumo de alimentos e bebidas ultraprocessadas. O foco principal até agora foi na redução de bebidas açucaradas, mas nada impede que essas medidas agrupem também uma série de produtos ultraprocessados, uma série de alimentos ultraprocessados, que vão além das bebidas açucaradas, cuja redução, já vimos pelo estudo, leva a uma expectativa de redução também nos danos à saúde dos brasileiros.
Nós temos uma eficácia já demonstrada na literatura sobre as políticas fiscais, principalmente no que diz respeito à taxação de alguns marcadores de alimentação não saudável. Estou me referindo ao Chile, ao México, ao Reino Unido, à África do Sul e a algumas cidades nos Estados Unidos também. Temos um impacto potencial dessas medidas, que vai depender do tamanho e do desenho desse imposto, da forma como ele é criado. Nós podemos ter impostos baseados em nutrientes, como os impostos diferenciados e baseados no número de gramas de açúcar. Isso promove a reformulação do produto, como a Laís já citou. Com isso, esperamos um impacto na redução do consumo entre os consumidores de alto volume, com potencial para a prevenção de sobrepeso e obesidade, tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes. As ações destinadas ao ajuste do preço dos alimentos com base em sua relação com a saúde vêm sendo discutidas no País na última década. Mas é preciso fortalecer essa discussão justamente para conseguirmos avançar.
Aqui eu trago também um mapa, que já foi mostrado pelas outras colegas, com mais de 40 países em todo o mundo que já utilizaram a tributação de bebidas adoçadas ou outro grupo de alimentos não saudáveis como intervenção para reduzir o consumo desses alimentos e reduzir, a partir disso, os danos à saúde humana.
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Um conjunto de evidências mostra que o reajuste de preço dos alimentos não saudáveis, os ultraprocessados, no caso, como uma ação política, é capaz de influenciar o avanço da epidemia de obesidade, e o impacto da taxação vai depender de medidas adicionais. Então, é importante fortalecer a agenda regulatória com medidas além da taxação, medidas que venham junto com a rotulagem dos alimentos e a regulação de publicidade e marketing desses alimentos, como vimos no Chile, que trouxe um efeito bem expressivo.
Eu trouxe uma experiência do México, onde se estima que o imposto de 10% sobre bebidas adoçadas com açúcar reduzirá a obesidade em 2,5% até 2024 e evitará de 86 mil a 134 mil novos casos de diabetes até 2030.
Outro estudo estimou também uma redução de quase 190 mil casos de diabetes tipo 2, uma redução em torno de 20 mil casos de acidentes vasculares e infartos e uma redução de quase 20 mil casos de mortes ocorridas entre 2013 e 2022 no México com o auxílio da tributação.
Diante disso, precisamos pensar em alguns desafios que temos em relação à tributação. Um deles é a capacidade administrativa do sistema tributário, que a Marília já trouxe. Nós não temos uma boa experiência com relação a subsidiar a indústria desses alimentos ultraprocessados. E eu acho que não é esse o caminho que devemos percorrer se estamos visando a uma melhoria realmente da saúde das pessoas e ao enfrentamento desse agravo que vem nos atropelando nos últimos anos.
Outro desafio é o efeito da substituição. Ao tributar a indústria, por exemplo, ela vai compensar substituindo esses alimentos, e, se não tivermos essa questão da rotulagem muito fortalecida, ela vai mascarar esses alimentos nos rótulos, como já vem acontecendo. Isso pode trazer uma falsa impressão de que esses produtos ultraprocessados estão se tornando saudáveis, o que na verdade não faz o menor sentido. Há ainda o desafio da evasão fiscal. De onde vai surgir esse dinheiro para subsidiar isso ou para onde vai esse dinheiro tributado? É preciso pensar nisso também ao se formular a legislação.
Outro desafio é a oposição da indústria de alimentos. Como o sistema está pronto para enfrentar essa oposição? Os impostos sobre o consumo podem ter base no teor de nutrientes, como, por exemplo, açúcar e sal, como se vem pleiteando no projeto de lei, ou podem ser também sobre os volumes dos produtos. Nós temos experiências nos dois sentidos, mas vemos que o imposto sobre o teor de nutrientes geralmente fortalece mais o sistema tributário do país do que o que temos geralmente no nosso sistema.
O sistema de impostos escalonados com base no consumo de açúcar também pode ser uma abordagem promissora, mas isso vai depender também de como essa legislação vai ser implementada. A tributação de outros alimentos não saudáveis, como o grupo inteiro dos alimentos ultraprocessados, ainda não se tornou uma tendência dominante, mas temos uma oportunidade de pegar esse exemplo e trazer para o nosso País como uma área-chave de intervenção. Seria um grupo de alimentos, ao invés de taxar apenas as bebidas açucaradas, principalmente aquelas bebidas adoçadas com açúcar, porque sabemos que existe uma tendência em substituir esse açúcar por adoçantes, que também causam danos à saúde humana.
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As políticas fiscais são as que mostram a maior evidência de impacto no enfrentamento da obesidade até o momento, mas sabemos que sozinhas também elas vão causar uma lentidão de resposta nesse processo. Então, precisamos de outras medidas em paralelo, e temos aí as três principais formas de tributação que eu deixo para pensarmos: sobre as bebidas adoçadas com açúcar, que são as experiências mais exitosas e em maior quantidade; sobre os alimentos ricos em nutrientes com ingredientes específicos, como sal, açúcar e gorduras, ou classificados como alimentos ultraprocessados não saudáveis; e a redução de impostos ou implementação de subsídios para aumentar o consumo de frutas, vegetais e legumes.
Então, a experiência de êxito que temos é de subsídio para alimentos saudáveis e jamais subsídios para alimentos não saudáveis, mesmo que haja mudança na composição. Precisamos repensar essa questão da taxação enquanto implementação de tributos a essa indústria de alimentos não saudáveis e subsidiar aqueles que têm uma produção de alimentos saudáveis.
Essa é a reflexão que eu queria deixar para vocês. Mais uma vez, agradeço por poder contribuir para o debate. Estou aberta para o debate final.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Muito obrigado, Camila.
Passaremos para a última convidada, agradecendo também desde já à Renata Alves, que é do Conselho Federal de Nutricionistas.
A SRA. RENATA ALVES MONTEIRO - Olá. Bom dia. Solicito ao suporte que coloque a nossa apresentação. (Pausa.)
(Segue-se exibição de imagens.)
Bom dia a todos e a todas. Gostaria de agradecer ao Deputado Padre João por ter solicitado esta audiência pública. Este é um importante espaço de discussão, e precisamos de um projeto de lei que tenha um impacto nas questões de saúde.
Gostaria também de agradecer a todos os colegas que me antecederam.
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Eu sou conselheira efetiva do Conselho Federal de Nutricionistas, e o nosso objetivo é contextualizar a importância do nutricionista na produção de alimentos frente a esse PL.
O Conselho Federal de Nutricionistas tem como finalidade orientar e disciplinar a profissão do nutricionista, além de fiscalizar o exercício profissional. Nós possuímos dez conselhos regionais junto ao Conselho Federal. Hoje, a nossa missão é contribuir para a garantia do direito humano à alimentação adequada, fiscalizando, normatizando e disciplinando o exercício profissional para uma prática pautada na ética e comprometida com a segurança alimentar e nutricional. Temos mais de 170 mil nutricionistas no País e quase 20 mil técnicos em nutrição e dietética.
O marco legal do trabalho do nutricionista está normatizado em cima da lei que regulamenta a profissão e cria os conselhos federal e regionais, além do Decreto nº 8.444, que regulamenta a referida lei. Aí estão as resoluções do Conselho Federal de Nutricionistas que vão auxiliar o processo de compreensão e posicionamento relacionado à nutrição, com regulamentos que vão tratar da temática da nutrição, além do código de ética, das áreas de atuação, da responsabilidade técnica do nutricionista, dos procedimentos nutricionais para a atuação.
Há uma especificidade na área de atuação principalmente da cadeia de produção e indústria de alimentos, mas esse PL tem um impacto importante nas outras áreas de atuação também, como na nutrição em alimentação coletiva, nutrição clínica, nutrição em esportes, em saúde coletiva e na área de ensino e pesquisa da nutrição.
Dentre as várias especialidades do nutricionista, temos aí também um importante olhar que precisa ser dado para a atuação frente ao PL.
O projeto de lei tem autoria de Eduardo da Fonte e a relatoria da Jaqueline Cassol, que propõe uma emenda. A proposta original determina que as indústrias do ramo de alimentos potencialmente causadores de danos à saúde que obedeçam os limites mínimos e máximos terão benefício das medidas gradativas de compensação tributária. A emenda proposta por Jaqueline Cassol adiciona quais seriam esses produtos, como aqueles com presença de gordura trans; elevada quantidade de açúcar, gorduras saturadas e sódio. O benefício às indústrias poderia ser fornecido, no caso de taxação, como uma questão compensatória.
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Então, em relação ao projeto de lei, o CFN considera que a alimentação é um processo social complexo e diverso, em que diversos modelos teóricos buscam demonstrar fatores determinantes que influenciam as escolhas alimentares, notadamente no contexto de compreensão de como podemos impactar cada um desses determinantes.
É necessário um conjunto de políticas e ações públicas sinérgicas com vistas a garantir a segurança alimentar e nutricional.
As ações relacionadas à produção de alimentos, incluindo sua regulação e medidas fiscais, devem guardar a coerência com as medidas de promoção da alimentação saudável e as políticas públicas no País.
A prioridade, segundo a literatura científica — como o Guia Alimentar da População Brasileira —, deve ser de incentivo ao consumo de alimentos in natura e minimamente processados, como foi colocado pelos colegas que me antecederam, com enfoque naqueles referenciados pela cultura alimentar.
Mais do que o teor nutricional dos alimentos e as características próprias de cada um que os levam a estar associados a uma vida saudável, a questão da alimentação saudável e adequada deve ser priorizada em qualquer contexto de promoção de política pública relacionada à alimentação e nutrição, levando em consideração que a comida de verdade, baseada no incentivo ao consumo de alimentos in natura e minimamente processados, deve ser a base da alimentação.
Além disso, no campo tributário, a estratégia que vem sendo adotada e documentada no mundo é a de sobretaxação de alimentos ultraprocessados, especialmente aqueles que possuem alto teor de nutrientes apontados no PL. Então, o Conselho Federal de Nutricionistas considera que esse PL vai no sentido oposto a essa condição das políticas públicas no País e no mundo, pois sua proposta contempla a compensação tributária — ao contrário da sobretaxação — para os alimentos ultraprocessados que se adequem a limites de teores nutricionais. Já existem subsídios federais e locais para indústrias do ramo de alimentos. A Marília expôs isso muito bem, ao tratar da Zona Franca. Subsídios dessa natureza poderiam ser dirigidos para ações no âmbito do SUS e da política de segurança alimentar e nutricional.
Então, o valor fiscal dos subsídios poderia estar financiando políticas públicas de saúde, principalmente na atenção básica relacionada às doenças crônicas. Muito recentemente houve a publicação do relatório do VIGITEL, que mostra o crescimento das doenças crônicas no País. Essa sobretaxação, em vez do subsídio, poderia ajudar o processo de financiamento das politicas públicas de saúde. Subsídios dessa natureza poderiam ser dirigidos, como eu disse, às questões de saúde. O Poder Legislativo, assim como o Executivo, tem avançado no sentido de dispor sobre políticas públicas com vistas à promoção da alimentação saudável, como no campo da alimentação escolar e da rotulagem de alimentos.
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Nesse sentido, o PL não parece estar alinhado às estratégias de promoção da alimentação saudável que vêm sendo adotadas no País e no mundo, inclusive no campo das medidas fiscais.
O Conselho Federal de Nutricionistas entende que essa proposta de compensação tributária à indústria de alimentos não se alinha ao cenário da segurança alimentar e nutricional e, portanto, se posiciona contra o PL 7.730/14.
Gostaria de agradecer ao Deputado Dr. Luizinho, Presidente da Comissão de Seguridade Social e Família, e ao Deputado Padre João pelo requerimento para a realização desta audiência e pelo convite ao Conselho Federal de Nutricionistas.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Muito obrigado, Renata.
Eu pergunto se algum Deputado ou Deputada gostaria de fazer uma consideração. Vejo que o Pastor Sargento Isidório se faz presente. Não sei se na sala virtual há alguém. (Pausa.)
Como autor do requerimento, serei muito breve para fazer, então, uma consideração.
Para ser, de fato, mais do que objetivo, talvez eu vá para uma linha de encaminhamento, porque houve aqui um consenso, um entendimento contrário de todas as entidades — do Ministério, inclusive. Essa foi a razão do nosso requerimento de retirada de pauta, de adiamento. Nós procuramos protelar, não simplesmente por protelar, a apreciação da matéria, mas, de fato, para buscar esse entendimento, universalizar, socializar com os outros Deputados e Deputadas que vão votar.
A princípio, a pessoa pode se sentir enganada: "Opa, vai beneficiar!" E não é assim. Quando nos aprofundamos, fica muito claro que temos que ir numa linha contrária, como vimos na exposição de todas.
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Agradeço às mulheres, pois as exposições foram majoritariamente feitas por elas, que têm essa sensibilidade e esse cuidado, de fato, com a vida, o que possibilitou percebermos a gravidade da situação e a armadilha que há no projeto. É muito importante essa perspicácia.
O que poderíamos fazer para sermos muito objetivos? Seria uma nota objetiva direcionada a todas as Deputadas e Deputados da Comissão? Infelizmente, nós estamos em um momento em que encontrar tempo de leitura, uma vez que exercemos várias atividades simultaneamente, é difícil. Seria, então, uma fala bem objetiva, uma vez que há consenso nos tópicos? "É isto, isto e isto. Não facilita neste aspecto. Vai na contramão também de todas as políticas de âmbito mundial." Eu creio que poderia haver um peso também maior. No mínimo, os Deputados vão rever o tema e nele se aprofundar antes de votar.
Acho que conseguiríamos lograr algum êxito. Aqui a representatividade é muito ampla, há diversificação, mas também há unidade, há consenso por parte de muitos médicos, médicas, pessoas que são profissionais da saúde. Eu creio que a Deputada e o Deputado que votarem contra as recomendações estariam quase cometendo desacato. Precisamos ser bem objetivos. Acho que nós já tivemos êxito em outras experiências, por isso temos sugerido um encaminhamento objetivo. Como há consenso, acho que não há debate aqui. Esta é uma linha de sugestão mesmo.
Vocês também são conhecedores do nosso Parlamento e sabem que, infelizmente, o poder econômico vem contaminando cada vez mais a política e não conseguimos reverter muitas matérias. Trago a questão do agrotóxico, por exemplo, que possui incentivo para importação, incentivo para exportação. Ele comprovadamente gera muitos danos e causa doenças que precisam de tratamento, mas ainda tem incentivo fiscal.
Mas eu acredito, pelo consenso que existe entre as organizações aqui presentes, inclusive o Ministério da Saúde, que podemos lograr êxito com uma nota objetiva que traga recomendações às Deputadas e aos Deputados.
Poderia ser assim? Quem poderia falar de maneira muito breve? A Marília quer fazer alguma fala ou posso inverter?
A SRA. MARÍLIA ALBIERO - Na verdade, eu tinha me preparado para destacar na fala final justamente isto, Deputado: houve um consenso muito bem definido. Essa foi uma rota que vimos colocando, e o grande desafio é esse.
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Sinto falta da Relatora, que não está aqui, porque os projetos, às vezes, nascem com um propósito positivo, mas quando se afunilam...
Agora acho que o nosso grande desafio vai ser este mesmo, tentar consolidar uma história tão densa, tão cheia de fatores, de uma maneira que chegue lá.
O senhor trouxe até a questão dos incentivos fiscais. Só que eu queria colocar também — pois não tive tempo para falar, e é muito importante — que, além de tudo, aqui no Brasil não temos transparência, não sabemos para onde vão os incentivos, quem é beneficiado e quanto ganha. Essa é outra questão de fundo dos incentivos fiscais, tanto que existem outros projetos de lei que estão aqui, um é o Projeto de Lei Complementar nº 162, de 2019, que tenta evoluir nisso, porque, como o senhor bem colocou, há agrotóxicos que ganham incentivos fiscais, a indústria de óleo e gás também, e são quase 28 bilhões de reais. Então, todas as escolhas estratégicas do Brasil para incentivos fiscais não nos estão levando a um melhor modelo de desenvolvimento, justo e sustentável para a sociedade.
Eu me coloco aqui à disposição das colegas para começar esse documento de maneira sintética e contundente, para fazermos esse encaminhamento no Parlamento.
Aproveito este momento para dizer que espero que a convergência da tributação das bebidas açucaradas esteja na própria Comissão, pois nós precisamos avançar nesse tema. Está na própria Comissão, e não precisamos ir muito longe. Aproveito este espaço para aqui, como sociedade civil, pressionar um pouco para que esse debate avance.
Essas eram as minhas considerações.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Se formos nessa linha, algumas das instituições aqui presentes, como o IDEC e a ACT, ficam livres. Alguém se dispõe a fazer uma síntese? E como poderíamos socializá-la? Na verdade, é algo que teria que ficar pronto até amanhã, se queremos que surta efeito, porque não têm sido fácil as retiradas de pauta e tudo mais. E uma das razões pela qual tivemos a retirada de pauta era a realização desta audiência pública. Aqui, às segundas-feiras, temos o desafio também da participação das Deputadas e dos Deputados. Mas creio que aqui temos um documento importante. O que vocês recomendam? Eu estou provocando ainda só para vermos como fazer esse encaminhamento de forma bem concreta. Alguém faria uma síntese? Teríamos que fazê-la circular. Como autorizaríamos colocar nome e identidade da OPAS, do IDEC etc.? É um pouco nessa linha a fala aqui.
A Renata está pedindo para falar.
A SRA. RENATA ALVES MONTEIRO - Deputado, é importante que façamos realmente esse documento, principalmente porque esse projeto de lei está na pauta de quarta-feira. Existe realmente a iminência de se construir esse documento. Acho que todos nós avaliamos como sendo bastante importante que todos nós façamos isso.
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O Conselho Federal se coloca à disposição para tentar trabalhar o documento junto com esse grupo.
A SRA. MARÍLIA ALBIERO - Deputado, mais uma vez a ACT se coloca à disposição para compartilhar o documento com as colegas, se todas concordarem.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Todas têm os contato?
A SRA. RENATA ALVES MONTEIRO - Sim, temos.
A SRA. GISELE ANE BORTOLINI - Padre João, acho que se poderia também verificar se foi enviado ao Ministério da Saúde, para que nós nos posicionemos de forma oficial. Talvez sua assessoria pudesse fazer isso.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Posso deixar formalizado este apelo aqui a vocês, por meio desta audiência pública? Ou teríamos que formalizar também por e-mail? Haveria condições de nos encaminhar até amanhã?
A SRA. GISELE ANE BORTOLINI - Sim, se puderem pedir para encaminhar à Sarah, do Ministério da Saúde, podemos fazer um parecer. Tentaremos fazer e avaliar os trâmites até amanhã.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Está bem. Uma pessoa precisa fazer a minuta...
A SRA. GISELE ANE BORTOLINI - A Marília sugeriu que fosse ela.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - A Marília, então.
Gisele, também vou solicitar por e-mail, encaminhar pela Assessoria Parlamentar.
Como temos urgência, estou sendo bem objetivo. Uma vez que será apreciada na quarta-feira, isto é, voltará à pauta, teríamos que encaminhar a todos os Deputados e Deputadas da Comissão. Faríamos um breve relatório, dizendo que foi realizada uma audiência pública, e relacionaríamos todas as entidades que participaram aqui. Não sei se seria à parte, algo como uma nota técnica do Ministério... Como entendemos isso?
A SRA. GISELE ANE BORTOLINI - Sempre que a Câmara e o Senado encaminham um projeto de lei ao Ministério da Saúde, temos um formulário específico em que relatamos a posição. Ele é assinado pelo Coordenador, pelo Diretor e pelo Secretário, e a assessoria devolve ao Congresso Nacional. Acho que é um trâmite que já acontece.
Mas esse PL, especificamente, até o momento, não veio de forma oficial para nós. Então, poderia ser verificado se, de fato, ele foi enviado ao Ministério da Saúde para posicionamento oficial.
E o Conselho Federal se coloca à disposição para tentar trabalhar esse documento junto com esse grupo.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Como eu estou Presidente ad hoc e à distância, tenho de ver com a Secretaria da Comissão se pode fazer ainda nesta tarde ou se seria o gabinete que faria. Acho que o correto é a própria Secretaria. A Mirela que está nos ajudando. De todo jeito, encaminho dessa forma, então.
Quem gostaria de tecer suas considerações finais?
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A SRA. LUISETE BANDEIRA - Quanto a essa parte mais operacional, que eu estou entendendo que é como se fosse um relatório pontuando as evidências que discutimos aqui.
Como a Gisele disse, para a OPAS se posicionar, teria de haver uma solicitação em relação ao PL. Estou alertando para que não é isso. Nós vamos elaborar um relatório no qual, eu, como representante da unidade técnica, vou colocar o posicionamento da OPAS, baseado nas evidências do que discutimos aqui. Assim, conseguimos fazer isso rapidamente, até amanhã, trocando entre nós o documento, para que todos os Deputados tenham acesso antes de quarta-feira.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Perfeitamente. Acho que temos que buscar um formato que supere um pouco o que é legítimo — as questões de trâmite de cada instituição, inclusive, do Ministério —, uma vez que já conseguimos protelar a votação justamente para haver esta audiência pública.
Acho que não haveria razão de ocorrer a audiência pública, se o teor da audiência, o parecer de cada instituição aqui não chegasse às Deputadas e aos Deputados. Nós estaríamos aqui todos perdendo tempo. A matéria é muito importante, o conteúdo que vocês apresentaram é muito relevante.
As informações estão, então, entre vocês.
Agradeço pela participação e grande contribuição de cada uma.
Muito obrigado, Gisele, pelos dados que trouxe com muita lucidez. São muito importantes, embora sejam também preocupantes e exijam de nós um conjunto de ações. É assustadora, mesmo diante da fome e da miséria, a obesidade, o sobrepeso, ser ainda uma realidade que desencadeia uma série de doenças.
Agradeço também à Luisete Bandeira, Consultora Nacional em Nutrição e Atividade Física da Organização Panamericana de Saúde – OPAS.
Obrigado também à Laís Amaral, pesquisadora em alimentos e programas de alimentação saudável e sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor — IDEC.
Muito obrigado, Marília Albiero, Coordenadora de Inovação Estratégica da ACT Promoção da Saúde.
Obrigado, Camila, minha quase conterrânea de cidade de Minas Gerais.
Obrigado ao Professor da Universidade de Viçosa.
Obrigado, Renata, do Conselho Federal de Nutricionistas.
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Foi muito importante a contribuição de cada um como representante da própria instituição.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, antes convocando reunião de audiência pública para hoje, segunda-feira, dia 20 de setembro de 2021, às 14 horas, para debater a criação do Dia Nacional da Doença de Huntington e o Projeto de Lei nº 5.060, de 2013.
Essa reunião vai acontecer nesta Comissão de Seguridade Social e Família, mas nós faremos, às 14 horas também, uma audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle para discutir incentivos fiscais para agrotóxicos, tema intimamente relacionado com esse que acabamos de debater aqui. Então, a reunião sobre agrotóxicos vai ocorrer logo mais às 14 horas, na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, e aqui, na Comissão de Seguridade Social e Família, convocamos para as 14 horas reunião para debater a criação do Dia Nacional da Doença de Huntington.
Encerro os trabalhos.
Obrigado.
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