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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Reunião de audiência pública, quarta-feira, dia 22 de setembro de 2021, às 14 horas.
Declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, destinada a tratar das recomendações recebidas pelo Brasil, no âmbito da Revisão Periódica Universal, sobre Condições dos Cárceres, Prevenção e Combate à Tortura e Sistema de Justiça.
O evento se dá em decorrência da aprovação do Requerimento nº 14, de 2021, de minha autoria, subscrito pelos Deputados Bira do Pindaré, Frei Anastacio Ribeiro, Joenia Wapichana, Padre João, Sâmia Bomfim, Sóstenes Cavalcante e Vivi Reis.
Trata-se da 16ª Audiência Pública do Observatório da RPU, sediado nesta Comissão, como fruto de parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A RPU é uma avaliação mútua entre os países que compõem as Nações Unidas quanto à situação dos direitos humanos. A metodologia detalhada e mais informações podem ser encontradas no portal www.camara.leg.br/observatoriorpu.
Agradeço aos consultores legislativos David Carneiro e Mariana Barreiras a elaboração do relatório preliminar que será debatido aqui hoje.
Esta audiência pública está sendo transmitida pela página da Câmara na Internet, no endereço www.camara.leg.br/cdhm; pelo perfil da Comissão no Facebook, o @cdhmcamara; e pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube. Você também pode acompanhar as nossas notícias no Instagram @cdhm.cd. Os cidadãos podem ainda apresentar contribuições através do portal e-Democracia.
Os expositores falarão pelo tempo de 5 minutos. Sei que o tempo é bastante curto para os temas que serão tratados, mas peço a todos os convidados que se organizem para dar sua contribuição dentro desse tempo, devido ao fato de termos uma lista de 19 convidados e convidadas. A limitação no tempo de exposição é para que possamos concluir a nossa audiência pública dentro do tempo que é cedido para uso deste plenário por esta Comissão.
O SR. JUAN PABLO VEGAS (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Muito obrigado, Deputado Veras.
Senhoras e senhores membros da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, eu peço desculpas por falar em espanhol. Como eu disse anteriormente, em outras situações, pelo que eu entendo, eu falo um pouquinho de português, mas não o suficiente nem em nível tão elevado para que eu possa me dirigir a uma audiência tão importante como esta aqui presente.
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Eu agradeço o convite e ao Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal — RPU. Talvez, para que possamos entrar diretamente no nosso tema, seja importante diferenciar rapidamente o Subcomitê para Prevenção da Tortura e a Revisão Periódica Universal.
O nosso Subcomitê para Prevenção da Tortura é um mecanismo das Nações Unidas que provém de um tratado internacional, o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis — OPCAT. A Revisão Periódica Universal é um mecanismo que nós denominamos como a mão política ou a perna política universal de promoção dos direitos humanos. Essa perna política, eu diria, está dentro do guarda-chuva dos direitos humanos.
A Revisão Periódica Universal permite que possamos examinar a situação dos direitos humanos em geral de cada país, a cada 4 anos e meio e a cada momento. Os Estados-parte que subscreveram o OPCAT têm as obrigações internacionais que emanam de um tratado e devem realizar periodicamente a Revisão Periódica Universal. De acordo com esse tratado universal, os Estados-parte podem assumir compromissos políticos, que são voluntários, para serem cumpridos num período de 4 anos e meio.
Existe uma complementaridade entre esses dois mecanismos, a Revisão Periódica Universal e as recomendações que podem fazer um mecanismo como o SPT. E nós temos o sistema universal de promoção e proteção dos direitos humanos, com complementaridade entre vários mecanismos diferentes.
Eu acredito que os dois são muito importantes, tanto as obrigações adquiridas no SPT como a relevância política que tem um governo sobre os temas dos direitos humanos, para que assuma esses compromissos dos direitos universais.
No caso do Brasil, nós examinamos pela terceira vez, no ano de 2017, uma série de compromissos que recebemos, relacionados ao convite que tivemos, que estão vinculados a esse tema de privação de liberdade. Esses compromissos, de alguma forma, não são somente aceitos pelo Brasil, pois, também no ano de 2019, o Brasil ratificou a sua vontade de cumpri-los através de um relatório de meio-termo.
É muito importante lembrar isso porque, embora eu entenda que a gestão seja atual, os compromissos aceitos de forma voluntária pelo Brasil trazem a condição dos cárceres e o tema da tortura, que estão totalmente vinculados às obrigações do País estabelecidas pelo Subcomitê para Prevenção da Tortura no seu protocolo facultativo.
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Nós continuamos preocupados com a precariedade das questões que condicionam o MNPCT, devido a uma decisão do Poder Executivo no ano de 2019 que foi retomada, e nós queremos, uma vez mais, mencioná-la para que o Congresso do Brasil, começando pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, possa se envolver diretamente nessa situação para revertê-la o quanto antes possível.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Juan Pablo, pela sua contribuição.
O SR. WALTER GODOY DOS SANTOS JUNIOR - Prezadas senhoras, prezados senhores, boa tarde. Cumprimento a todos e a todas na pessoa do Deputado Federal Carlos Veras, ressaltando a satisfação com que o Conselho Nacional de Justiça se faz presente nesta tão necessária audiência pública, fundamental para refletir sobre o momento atual das prisões brasileiras e da política de prevenção e combate à tortura e sua relação com o sistema de justiça.
Saúdo esta Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados por seu papel na criação do Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal das Nações Unidas e os representantes dos órgãos das Nações Unidas aqui presentes pelo importante trabalho que realizam nesse sentido.
Trago alguns dados e reflexões a fim de contribuir com esta audiência pública, no sentido de darmos um passo na promoção e na proteção dos direitos humanos em nosso País.
Antes de mais nada, destaco que o CNJ — Conselho Nacional de Justiça tem como missão promover o desenvolvimento do Poder Judiciário em benefício da sociedade, atuando, portanto, para a causa da justiça, compreendida em sua ampla dimensão, indissociável da justiça social.
As recomendações do presente ciclo da Revisão Periódica Universal sobre as quais nos debruçamos no dia de hoje veiculam preocupações de outros países com as condições das prisões brasileiras, especialmente com a superlotação e com a prática de tortura e maus-tratos.
A partir dessas demandas no plano internacional, apresentaremos o trabalho que temos desenvolvido a fim de, passo a passo, dentro da nossa competência, responder a tão graves situações, atendendo a uma parcela das recomendações.
Nessa perspectiva, o CNJ buscou estruturar, por meio do DMF, importante e inédita parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento — PNUD, com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, na figura do Departamento Penitenciário Nacional, passando a desenvolver, desde o início de 2019, o programa Fazendo Justiça, com várias ações que buscam superar os desafios históricos que caracterizam a privação de liberdade no nosso País.
O programa atua em constante interlocução com os grupos de monitoramento e fiscalização dos tribunais e se estrutura em cinco eixos de atuação, três deles voltados ao sistema penal, quais sejam: um eixo sobre proporcionalidade penal, cidadania e sistemas de identificação civil; um eixo específico para ações que dizem respeito ao sistema socioeducativo; e mais um eixo que trata de temas transversais.
Em sua segunda fase, de 2020 a 2022, o programa desenvolve simultaneamente 28 projetos, almejando, por meio de políticas judiciárias e da atuação compartilhada com outros Poderes e atores institucionais, resultados que contribuam de maneira concreta e sustentável para a superação do estado de inconstitucionalidade persistente no sistema carcerário e socioeducativo brasileiro.
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O programa Fazendo Justiça busca trabalhar em todo o ciclo penal e socioeducativo, partindo da porta de entrada, passando pelo processo instrutório e infracional e pela execução penal e socioeducativa, ocupando-se também de políticas de atenção a pessoas egressas e de suas famílias na porta de saída.
Ademais, é impossível não falar do perfil da população privada de liberdade, que em sua maioria é jovem, negra, com baixa escolarização. É impossível também deixar de referir os impactos que assolam as mulheres adultas ou adolescentes em privação de liberdade, bem como seus filhos e dependentes. É imprescindível lançar luz também sobre minorias e grupos específicos do sistema, como pessoas com deficiência, indígenas e população LGBTI, sobre as quais pairam múltiplas vulnerabilidades.
O CNJ vem reforçando o seu papel como um articulador interinstitucional e fomentador de políticas penais. Entre suas políticas, o Conselho tem especial envolvimento na realização das audiências de custódia, hoje consolidadas nas 27 Unidades da Federação. Foram pelo menos 700 mil audiências, desde 2015, contribuindo para a redução de 11% da taxa de prisões provisórias. Cerca de 280 mil pessoas deixaram de entrar no sistema, resultando em economia de 13,8 bilhões de reais.
Atualmente, para além de ações de fortalecimento e qualificação das audiências de custódia, são desenvolvidas outras 27 ações simultâneas. Uma delas é a nacionalização do Sistema Eletrônico de Execução Unificado — SEEU, que hoje atinge 33 tribunais e reúne mais de 1,2 milhão de processos de execução penal.
Há um esforço do CNJ para a criação de um fluxo permanente de identificação civil de pessoas privadas de liberdade com uso de biometria, em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral. Além de permitir maior confiança de dados na execução penal, a ação resultará na emissão de diferentes tipos de documentos.
Para qualificar o controle do Poder Judiciário e promover o equilíbrio entre a porta de entrada e a porta de saída do sistema, o CNJ está desenvolvendo a metodologia da Central de Vagas, que deve iniciar experiências a partir deste ano de 2021. O fortalecimento da aplicação de cautelares e das alternativas penais são fundamentais para a redução do encarceramento.
Para além do apoio técnico a políticas públicas locais para expansão e qualificação de Centrais Integradas de Alternativas Penais e Centros de Monitoração Eletrônica, há iniciativas de capacitação e divulgação do tema, como o 3º Fórum Nacional em Alternativas Penais. Com políticas intramuros, o CNJ vem trabalhando o fortalecimento institucional da oferta de leitura e de práticas de esportes nas unidades prisionais enquanto políticas permanentes, com especial foco na remissão de penas, no desconto de penas. Após contribuições de grupos de trabalho criados a partir de 2020, foram iniciados mapeamentos, propostas normativas e outras ações para a consolidação nacional dessas práticas.
É sabido que as condições de cumprimento de pena, na maioria das vezes, frustram o objetivo de reintegração social pós-cárcere, contribuindo, por outro lado, para a reincidência. Atento a esse fenômeno, o CNJ vem reforçando as políticas de atenção a pessoas egressas. Essas políticas foram iniciadas em 2009, com o programa Começar de Novo. Em 2019, foi aprovada a resolução que aborda a Política Judiciária Nacional de Atenção a Egressos, reforçando a atuação dos Escritórios Sociais.
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Com o apoio de materiais técnicos produzidos, o CNJ vem investindo em formação e na divulgação de conhecimento entre magistrados, servidores e outros atores relevantes do sistema penal. Desde 2019, foram aprovadas 18 resoluções e recomendações de interesse no campo penal e socioeducativo.
No campo da construção e divulgação do conhecimento, o DMF publicou 36 produtos técnicos no mesmo período. A atuação normativa também é muito fecunda. A Resolução nº 369, de 2021, passou a estabelecer procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais, responsáveis por crianças e por pessoas com deficiências. Já a Resolução nº 348 estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados no âmbito criminal em relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti e intersexual.
Ainda no campo normativo, a Resolução nº 414, de 2021, traz um avanço no sentido de prevenir e combater a tortura, ao estabelecer diretrizes e requisitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito, nos casos em que haja indício de prática de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, conforme os parâmetros do Protocolo de Istambul. Enfim, são diversas ações nessa matéria com resultados concretos.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Sr. Walter.
A SRA. ILEANA NEIVA MOUSINHO - Muito obrigada, Exmo. Deputado. Saúdo a todos em nome do Ministério Público do Trabalho.
Meu nome é Ileana Neiva Mousinho, sou Procuradora Regional do Trabalho e coordeno a Coordenadoria Nacional de Promoção da Regularidade do Trabalho na Administração Pública — CONAP, uma das coordenadorias do Ministério Público do Trabalho.
Nós firmamos com o Conselho Nacional de Justiça um termo de cooperação em que os membros do Ministério Público vão, este ano, a partir de outubro, por exemplo, participar de webinars de qualificação conjunta dos membros do Ministério Público com a magistratura, para que nós possamos auxiliar com a expertise que temos em relação ao mundo do trabalho.
Entendemos que uma das formas como nós podemos contribuir para a melhoria do sistema prisional, entre outras que são relevantes, é fomentando o trabalho da pessoa presa, porque, assim, tanto podemos diminuir o tempo de permanência dela no sistema, por meio da remissão da pena, como podemos contribuir para a sua dignidade, para sua ressocialização e até para obter recursos que possam ajudar a manutenção de sua família.
Por isso, a atuação do Ministério Público tem acontecido junto também com o CNMP. Recentemente, foi editada uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público sobre o preenchimento de cotas com contratação de pessoas presas, nos contratos de prestação de serviços que a administração pública federal, estadual ou municipal firma com diferentes empresas.
Neste momento, eu gostaria de pedir a todos um apoio, inclusive do nobre Deputado e de todo o Congresso Nacional, para que a Advocacia-Geral da União e as Advocacias-Gerais dos Estados e dos Municípios se sensibilizem para a necessidade de inserir nos editais de licitação que, toda vez que a administração pública for contratar um serviço, ela reserve uma quantidade de vagas para pessoas presas ou egressas do sistema prisional, porque essa é uma forma rápida e eficiente de a administração pública cumprir a sua função de ressocializar a pessoa que foi privada de liberdade.
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O Ministério Público do Trabalho também está atuando no sistema prisional para afastar o estado de coisas inconstitucional, promovendo a dignidade da pessoa através do trabalho. Nós temos atuado para firmar convênios com as secretarias de saúde e de educação nos Estados. Por exemplo, agora, com recursos das verbas especiais para utilizar no enfrentamento da COVID, foram reformados vários hospitais e foram instaladas alas e leitos a mais para atender os pacientes infectados pelo novo coronavírus, pacientes com COVID, e essas alas precisavam ser reformadas. Alguns hospitais precisavam fazer obras de construção civil, macas precisavam ser reformadas, novos leitos precisavam ser instalados ou reciclados, e a qualidade do maquinário, melhorada. Então, como em muitos estabelecimentos penais já existem oficinas para a manutenção desses tipos de equipamentos, foi feito um convênio entre as secretarias de saúde e as secretarias de administração penitenciária para que as pessoas privadas de liberdade pudessem ser escaladas para esse trabalho. Em vez de a administração pública contratar uma empresa para fazer a obra de engenharia, ela foi feita com a utilização da mão de obra de pessoas privadas de liberdade e a supervisão de engenheiros da própria secretaria. E na mesma toada também pode acontecer com as secretarias de educação, que podem se valer desse trabalho para reformar carteiras escolares e podem se valer das oficinas de costura instaladas dentro dos presídios para a confecção de uniformes escolares. Temos tido também atuação na Receita Federal, buscando saber, por exemplo, se na apreensão de bens existem tecidos e materiais que possam ser utilizados nas oficinas de costura. Ou seja, nós podemos atuar no eixo Trabalho ainda em três vertentes, como: a do trabalho prestado diretamente para a administração pública, tendo ela como a contratante direta do serviço; e a do trabalho prestado para a administração pública, quando a administração pública exige que as contratadas cumpram a cota de contratação de pessoas presas, assim como deve cumprir a cota de contratação de pessoas com deficiência.
Já temos uma política de contratação de pessoas com deficiência e de realização de contratos de aprendizagem na administração pública. Precisamos fomentar uma política de contratação de pessoas presas, observada a segurança, observado o fato de que em determinadas atividades não seria possível inserir a pessoa presa. Mas há atividades em que isso é plenamente possível. E a Secretaria de Administração Penitenciária faz uma avaliação do comportamento do preso, da sua condição, da sua possibilidade de trabalhar naquele trabalho, da sua higidez física, inclusive, para fazer aquele trabalho, e o encaminha, dentro de um convênio, para as outras secretarias da mesma unidade federativa. Essa é uma forma de a própria administração pública criar essas vagas que proporcionarão a ressocialização da pessoa presa.
Outra forma de inserção social são as instalações de oficinas. O Departamento Penitenciário Nacional — DEPEN, através do Fundo Penitenciário, tem destacado recursos para que os Estados instalem essas oficinas, e o papel do MPT neste momento tem sido o de dizer: "Olha, dependendo da atividade que vai ser executada, é essa a norma regulamentadora de saúde e segurança do trabalho que tem que ser aplicada", porque é necessário que se faça o trabalho da pessoa privada de liberdade intramuros, dentro dos estabelecimentos penais, mas observando todas as normas de saúde e segurança do trabalho.
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Nós estamos também neste trabalho para dizer que é interessante para os empresários instalar essas oficinas. Não só aquelas que são financiadas pelo DEPEN devem funcionar, mas também outras, porque os recursos públicos são finitos. Nós procuramos incentivar as federações de indústrias, por exemplo, a estimularem as empresas filiadas a se instalem dentro dos presídios, a instalem unidades fabris dentro dos estabelecimentos prisionais, sempre observando as normas de saúde e segurança do trabalho.
Este é o nosso papel: fomentar o trabalho com saúde e segurança, respeitando o direito das pessoas presas e promovendo esse diálogo social, para que as pessoas e a administração pública entendam que se deve dar essa chance para a pessoa presa. Ao permitirmos que essas pessoas trabalhem, nós as estamos tirando da influência das facções criminosas dentro dos presídios. Nós estamos dizendo a essas pessoas, homens e mulheres que erraram e estão pagando sua pena, que a sociedade não vai culpabilizá-las infinitamente, que a sociedade está dando a elas uma chance de, através do trabalho, se ressocializarem. Isso melhora a situação de segurança dentro dos presídios, isso melhora a situação de segurança extramuros, evitando a reincidência.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, doutora, por sua participação.
Convido agora a fazer uso da palavra o Sr. Eduardo Melo, Secretário Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Boa tarde, Deputado Carlos Veras, por meio do qual eu saúdo todos os membros desta distinta Comissão da Câmara; demais autoridades presentes; senhores e senhoras que nos acompanham pelas redes sociais.
Inicialmente, eu queria comentar que está aqui comigo o Dr. Herbert, que é o Diretor de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos nesta Secretaria. Na estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos existe a Secretaria Nacional de Proteção Global e uma diretoria, à qual compete todo esse trabalho com relação ao combate à tortura e também ao sistema (falha na transmissão). E também está aqui comigo o Dr. João Lança, que é o Coordenador-Geral dessa área.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Vou pedir à Marina que providencie a autorização.
(Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Estamos vendo, sim.
(Segue-se exibição de imagens.)
Em princípio, a Coordenação-Geral de Combate à Tortura e à Violência Institucional é uma das partes estruturantes da nossa Secretaria.
Queria comentar, inicialmente, este mapa geral, este quadro de criação dos comitês nos Estados, criados por lei, decreto ou portaria.
Nós temos 22 Estados já com essa importante definição de criação dos comitês em âmbito estadual.
Temos dois comitês que foram criados por iniciativa da própria sociedade civil, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul; três Estados ainda não criaram os seus comitês, mas estão em processo de criação; Roraima e Tocantins estão ainda no processo inicial de criação; e o do Estado de São Paulo já passou na Assembleia Legislativa, mas teve o veto do Governador do Estado, e eles estão ainda em diálogo para construir isso.
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Desses 22 comitês que já estão criados, 14 estão em funcionamento. São esses que estão indicados com asteriscos, só para que possamos ter uma ideia.
Neste quadro temos a representação dos Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura. Nós temos aí as informações do ano de criação. Pode-se observar que nós temos buscado fomentar essa criação. De 2002 para frente, há a continuação dessa criação e do incentivo, do fomento para o surgimento desses comitês, de forma também a possibilitar uma capilaridade da ação e da coordenação de todo o processo de combate à tortura.
Temos aqui outro quadro que eu gostaria de apresentar sobre a criação dos mecanismos de combate à tortura. Os mecanismos estaduais também vão interligar, de acordo com as adequações, com os fluxos de trabalho, toda essa rede que nós queremos de proteção e de combate à tortura.
Aí estão indicados os quatro Estados que já têm seus mecanismos instalados, seis Estados com mecanismo criados por lei, mas ainda não implementados, e os demais Estados. Há um trabalho a ser feito para a constituição desses mecanismos estaduais.
Aqui também há uma representação de como está a situação desses mecanismos por ano de criação e situação de funcionamento.
E só para que tenhamos uma ideia, temos aqui o Quadro Nacional de Adesão ao Pacto Federativo de Prevenção do Combate à Tortura. Nós temos 10 Estados que fizeram essa adesão, e 17 Estados ainda não aderiram ao pacto. Não sei se o tempo está sendo contado corretamente, então, vou adiante.
Quanto à atuação da Secretaria Nacional de Proteção Global, eu queria destacar que a Secretaria apoia o Comitê Nacional de Proteção e Combate à Tortura — CNPCT na seleção e nomeação dos peritos do MNPCT. Nós já temos sete peritos nomeados, e os demais estão em processo de nomeação. Acredito que no próximo mês já teremos o quadro completo de 11 peritos.
Um destaque — e era uma das observações e recomendações da RPU — é que nós lançamos também o curso em EAD Proteção a Direitos Humanos: Prevenção e Proibição da Tortura. É um curso gratuito, on-line, voltado também para os agentes de segurança pública. Nós já possuímos 8.046 inscrições concluídas e certificadas. A ideia também é ir operando e ampliando essa formação, essa capacitação de todo o sistema em relação à proteção de direitos e à prevenção e proibição da tortura.
A Secretaria Nacional lançou edital para consultoria e elaboração de um guia prático de aplicação do Protocolo de Istambul que está em fase de processo seletivo.
Acredito que nos próximos meses concluiremos essa consultoria para a elaboração desse guia prático.
Em parceria com o IPEA, a secretaria desenvolve pesquisa sobre os indicadores de tortura em processos judiciais da Justiça Comum e da Justiça Militar.
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Destaco ainda — e é importante falar sobre isso — todo o trabalho, obviamente não da secretaria, mas do Ministério, em relação à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que recentemente disponibilizou um painel de dados com todas as parametrizações possíveis no quadro de denúncias sobre tortura. Em 2020, foram registrados 56.746 protocolos de denúncias envolvendo tortura. E não há só o registro disso, mas todos os demais encaminhamentos. Essa é uma ferramenta importante para todo mundo que quer monitorar e obter informações sobre o combate à tortura. Ela está disponível, é transparente e está sempre atualizada.
Por fim, está em preparação o Encontro Anual do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que será realizado neste ano de 2021 e terá como tema a construção do Compromisso Nacional para a Consolidação do Fluxo de Denúncias de Tortura e o Aprimoramento de Sistematização de Dados de Inspeção Prisional, que será muito importante para estabelecer, nos fluxos de denúncias, as competências, os encaminhamentos e a parte de comunicação efetiva em relação a todos os comitês em âmbito estadual, além do aprimoramento do sistema de dados de inspeção prisional.
Finalizando, gostaria de destacar o trabalho da secretaria junto ao CNPCT, comitê onde há o debate em relação à prevenção e ao combate à tortura. Destaco que, apesar de ser um ambiente do contraditório e do debate, a maior parte das deliberações ocorre por unanimidade. É um espaço que tem funcionado e sido coerente. É preciso destacar que as decisões entre Governo e sociedade civil estão caminhando de vento em popa.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Eu que agradeço, Sr. Eduardo, a apresentação.
Quero cumprimentar, saudar e agradecer a presença de Angela Pires Terto, do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, grande parceira desta Comissão.
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A SRA. GEÓRGIA BELISÁRIO MOTA - Boa tarde, Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Deputado Carlos Veras, por meio de quem cumprimento os demais presentes.
Mais uma vez atendemos ao convite desta Comissão, representando a Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao longo de toda a série de audiências públicas que estão sendo organizadas pelo Observatório da RPU nos últimos meses. Esta, salvo melhor juízo, é a 16ª audiência que acompanhamos, pois é função da nossa assessoria disseminar o conteúdo das recomendações da Revisão Periódica Universal, coordenar a elaboração do relatório nacional, que é submetido periodicamente às Nações Unidas, e empreender os esforços de monitoramento do cumprimento dessas recomendações.
Fui antecedida na fala pelo Secretário Adjunto da Secretaria Nacional de Proteção Global do Ministério, Dr. Eduardo Melo, de forma que não me cabe, como assessoria internacional, falar dos aspectos relacionados à temática proposta hoje — cárceres, prevenção e combate à tortura —, mas tão somente tratar da perspectiva do mecanismo da RPU como ferramenta internacional de acompanhamento da situação dos direitos humanos no Brasil, ferramenta essa que prezamos e respeitamos ao extremo.
Sr. Presidente, hoje vou me permitir realizar breves comentários mais focados na metodologia de trabalho da audiência pública desta tarde, até por considerar que o observatório é uma instância relativamente nova e que, acredito, ainda está aprimorando os seus métodos de trabalho.
Percebi hoje alguma confusão com relação às recomendações tratadas. Espero que os demais expositores não sintam a mesma dificuldade que tive, até porque, de nossa parte, estamos habituados a trabalhar com o conjunto das 242 recomendações. É muito importante para nós realizar o recorte temático adequado para estabelecer quais são os órgãos que devem ser consultados como fontes primárias dessas informações, quais são as bases de dados que estão à disposição, quais são os atores relevantes na articulação para esse ou aquele tema.
Perdoem-me se parece preciosismo, mas, no convite que recebemos no Ministério, estavam listadas 15 recomendações, todas focadas no sistema penitenciário. Na pauta da audiência, foram listadas 22 recomendações. No relatório preliminar enviado, e que deveria servir de base para a discussão, são 36 as recomendações. Então, estamos discutindo 15, 22 ou 36 recomendações? Elas são focadas exclusivamente na situação do sistema penitenciário ou extrapola o sistema de Justiça?
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É claro que o Observatório da RPU é uma instância nova, uma iniciativa extremamente louvável, com a qual temos colaborado de muito bom grado nessa série de audiências. Mas acho importante pontuar essas questões metodológicas com o nosso olhar técnico de quem trabalha com a RPU na elaboração de documentos que refletem a situação dos direitos humanos no Brasil de forma construtiva para o Estado brasileiro. Essa é a posição que vimos sempre reforçando nessa série de audiências públicas. Para nós, acompanhar as audiências tem sido uma oportunidade não apenas para vir aqui apresentar as informações sob a perspectiva do MMFDH, como fazem as secretarias temáticas, mas também como órgão responsável pela reedição de contas internacionalmente. É importante identificar os atores parceiros, os recortes que são propostos pelo Legislativo, os atores da sociedade civil interessados no debate em cada grupo temático. Enfim, para nós também tem sido bastante interessante.
Eram as observações que eu tinha a fazer. Agradeço, mais uma vez, o tempo de fala disponibilizado e digo que permaneceremos à disposição em nome da Assessoria Internacional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, inclusive para dialogar sobre os aspectos técnicos e metodológicos da RPU.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado pela participação, Sra. Geórgia.
O SR. CRISTIANO TAVARES TORQUATO - Deputado Carlos Veras, em nome da Dra. Tânia Fogaça, Diretora-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, saúdo todas as autoridades e pessoas que acompanham esta audiência pública.
Dr. Carlos Veras, analisando o relatório preliminar da RPU com as recomendações feitas e tendo em vista a missão do Departamento Penitenciário Nacional, que é induzir, apoiar e atuar na execução penal brasileira, promovendo a dignidade humana, com profissionalismo e transparência, com vistas a uma sociedade justa e democrática, nós observamos que alguns andamentos citados no relatório preliminar não refletem a realidade do momento atual que vive o contexto prisional brasileiro. Das 246 recomendações feitas, analisando as que constavam no relatório, em várias delas em andamentos houve devoluções e atendimento às recomendações que modificaram em alguns aspectos as recomendações postas. Nesse sentido, entendemos importante trazer alguns dados para que as pessoas que acompanham esta audiência pública sejam atualizadas.
Um dos dados principais ali colocado é a questão da superlotação. A superlotação é tida, pelo Departamento Penitenciário Nacional, como uma das principais mazelas a serem atacadas. Eu peço permissão para passar algumas imagens com dados importantes, no sentido de atualizar as pessoas que nos acompanham.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nesse primeiro eslaide, nós podemos observar a evolução da população prisional especialmente após 2015, quando foi publicada a ADPF 347. A população prisional brasileira vem crescendo e, a partir do ano de 2018, começa a ter uma pequena redução, assim como o déficit prisional. Nós podemos observar que existem, segundo essa informação do SISDEPEN, 672 mil pessoas em celas físicas com privação de liberdade.
Hoje, o total de pessoas presas no Brasil é de 811 mil, se consideramos, além das que estão em celas físicas, aquelas em prisões domiciliares e as 5 mil pessoas que ainda estão em delegacias públicas. Então, teríamos um total de 811 mil pessoas presas, pelos dados do SISDEPEN.
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Nesse sentido, no último SISDEPEN, que traz dados de julho a dezembro de 2020, pode-se observar quais são as unidades ou os percentuais desse levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional, com a quantidade de unidades com mais de 100% da sua ocupação, com mais de 200 presos acima da sua locação, com mais de mil presos acima da sua lotação e com mais de 200% da sua capacidade de ocupação. Esses são os dados revelados, mas não vou citá-los em função do tempo obviamente. Os dados são de quais unidades em que estão os grandes encarceramentos, de maneira que possam balizar o direcionamento de políticas públicas direcionadas de maneira específica para os pontos piores. Também foi observado o superávit, sobre o qual não existia informação. Das 1.381 unidades no Brasil cadastradas no SISDEPEN, no último Censo, 363 unidades informaram que têm superávit de vaga. Essa é uma informação nova também.
Dando continuidade à questão da superlotação, um dos principais problemas que existem no Brasil — e essa não é a única nem deve ser tida como a única forma —, temos a construção de vagas. As vagas não físicas, na verdade, trazem benefícios significativos para a sociedade brasileira, na medida em que o sistema de Justiça criminal permita que os juízes de certa forma utilizem isso. Elas não trazem os malefícios do encarceramento, não diminuem a capacidade produtiva das pessoas, não possibilitam a criação e o fortalecimento de facções criminosas e não têm o custo do encarceramento, que hoje gira em torno de 3 mil reais por indivíduo encarcerado no Brasil.
São ferramentas importantíssimas para o combate ao encarceramento não apenas a construção de vagas físicas. Nesse sentido, nós vamos ver rapidamente, no próximo eslaide, os investimentos feitos em alternativas penais de monitoração eletrônica.
Quanto a obras penitenciárias, aqui vemos modelos padrão que são doados pelo Departamento Penitenciário Nacional, para que os Estados possam construí-los. Vários modelos padrões foram contratados da Universidade de Brasília para serem doados de maneira padronizada pelo sistema penitenciário nacional. Alguns já foram entregues, como cadeias públicas, penitenciárias de segurança máxima e colônias agrícolas. A previsão agora é de que um dos projetos de segurança máxima seja entregue gratuitamente para que os Estados não precisem contratar engenheiros nesse sentido.
Aqui vemos um modelo do projeto padrão do Departamento Penitenciário Nacional com a UNB, com ventilação cruzada e sanitários. As condições mínimas são defendidas. Aqui, algumas obras entregues. Aqui, a geração de vagas físicas, que acabamos de comentar. Em 2020, foram geradas 21.819 mil vagas; em 2021, a previsão é de mais de 21 mil vagas. Até este momento, foram geradas 4.919 vagas, e a meta é chegar a 25 mil vagas físicas.
Podemos fazer uma observação interessante sobre os investimentos em políticas penitenciárias feitas pela União. São 368 milhões de reais investidos em políticas penitenciárias de trabalho e renda, saúde e educação que estão em execução nos Estados com percentual de execução de aproximadamente 30% neste momento. Então, são recursos que fomentam o trabalho, fomentam a saúde e fomentam a educação. Nós não vamos detalhá-los em função do tempo.
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Dando sequência ao combate ao encarceramento, tido como estratégico pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, as centrais de alternativas penais são ferramentas importantes, em que se concentram volumes significativos de investimento como uma das principais estratégias para diminuir a superpopulação carcerária.
O Brasil tem hoje investidos 67 milhões de reais de valor global em convênios de alternativas penais firmados entre todos os Estados da Federação — são 29 convênios, e alguns Estados têm mais de 1 convênio — e o Departamento Penitenciário Nacional, exatamente para fomentar o aumento e a disponibilização de centrais. Assim, os juízes não precisam colocar a pessoa que comete pequenos crimes nas prisões. Há a opção de que aquela pessoa que comete um crime, de acordo com a lei, possa se utilizar de uma medida alternativa à prisão. Então, o DEPEN apoia com recursos a construção de centrais de alternativas penais.
Da mesma forma, as boas práticas indicam que a monitoração eletrônica é fundamental também para que haja a diminuição do encarceramento. Nesse sentido, o Departamento Penitenciário Nacional tem 24 convênios firmados em valores que ultrapassam 80 milhões de reais para a implantação de Centrais de Monitoração Eletrônica. E isso sem considerar — estou apresentando um breve panorama em relação às recomendações da RPU de 2017, sobre as quais poderíamos falar horas — os investimentos dos Estados, porque os esforços são comuns. São esforços do Ministério, são esforços do CNJ, são esforços do Departamento Penitenciário e são esforços dos Estados. Nós estamos colocando aqui apenas os recursos da União.
Nesse eslaide, vemos uma das parcerias mais importantes, feita com o Conselho Nacional de Justiça, em três TEDs, que foram descentralizados para o CNJ, somando 90 milhões de reais. A atuação é feita por meio dos eixos do CNJ, do Programa Fazendo Justiça, em três pontos principais: alternativas penais, sistema eletrônico unificado e identificação biométrica civil das pessoas. Então, são ações importantes feitas em parceria entre o Departamento Penitenciário Nacional, o Conselho Nacional de Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Seguindo nas alternativas penais, podemos perceber na próxima imagem o aumento obtido em função dos investimentos da União e dos esforços dos Estados no fomento das alternativas penais. A quantidade de indivíduos atendidos aumentou significativamente nas metas de 2020 para 2021. Hoje, são 284 mil indivíduos assistidos entre alternativas penais e monitoração eletrônica. É importante fazer essa observação, porque é a somatório.
Outro tema muito citado no relatório da RPU é a questão do combate à COVID. Essa tema é muito interessante, e também requer um pequeno recorte e algumas informações. A PNAISP, que é a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional, do Ministério da Saúde, está em vigor desde 2014 e traz várias opções. Uma das questões mais importantes é que houve uma observação em uma das recomendações de que o atendimento à saúde é de apenas 26%. Entretanto, essa informação refere-se aos recursos colocados pela PNAISP. Vários Estados contratam enfermeiros, psicólogos. Há mais dificuldade na contratação de médicos, mas alguns os possuem. Então, o total de atendimento à saúde no Sistema Penitenciário Brasileiro não é aquele referido, porque ele se refere apenas aos dados da PNAISP, inseridos pelo Ministério da Saúde. Há uma informação deles específica.
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No próximo eslaide, temos o total de pessoal que existe em todo o sistema penitenciário nacional para atender à questão da saúde prisional. Somente enfermeiros são 1.659, entre as pessoas que são enviadas ao sistema penitenciário pelos Estados em função dos recursos repassados pelo Ministério da Saúde, por intermédio da PNAISP, somadas àquelas que são contratadas diretamente pelas Secretarias de Administração Penitenciária e àquelas que são contratadas temporariamente. No total são 1.659 enfermeiros, 1.235 psicólogos e vários outros profissionais citados aqui, como os senhores podem ver. Pode-se observar que a média nacional é de mais de 1 enfermeiro por unidade prisional, considerando que há mais ou menos 1.400 unidades prisionais no Brasil hoje. Evidentemente, alguma deve estar sem enfermeiro, mas podemos perceber que não são apenas 26% delas, porque se considerou apenas o dado da PNAISP. Esse é um recorte importante também para trazer à tona, porque era uma das recomendações.
No próximo eslaide, vamos falar rapidamente sobre a questão da alimentação, que também foi uma das recomendações. Vale dizer apenas que existe uma recomendação do Guia Alimentar para a População Brasileira e existe uma recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, por meio da Resolução nº 3, de 2017, que orienta como deve ser a alimentação das pessoas privadas de liberdade a ser observada pela Secretaria de Administração Penitenciária dos Estados.
Dando sequência à nossa breve explanação, há a questão da COVID-19. Várias normatizações foram expedidas pelo Ministério da Justiça em parceria com o Ministério da Saúde e, algumas, pelo departamento. Trata-se de um arcabouço jurídico bastante significativo que orientou os gestores penitenciários para a obtenção dos dados que vamos ver em um eslaide mais à frente.
Este eslaide dá uma noção do que foi doado ao sistema penitenciário para o combate à COVID-19, sendo investidos mais de 42 milhões de reais. Só para citar um exemplo, mais de 16 milhões de máscaras foram adquiridas pela União e distribuídas, fora aquilo que foi adquirido pelos próprios Estados ou que foi doado por outras instituições. Aqui há uma lista, com grifo em amarelo, em que os senhores podem verificar a quantidade de itens investidos no sistema penitenciário para o combate à COVID-19. Sobre esse tema é muito bom trazer um aspecto: quando ocorreram os primeiros casos de COVID-19 no Brasil, a expectativa era de que haveria um caos no sistema penitenciário, porque é um local em que há aglomeração de pessoas e as condições de salubridade não são as ideais. Paradoxalmente às expectativas de todos, as medidas tomadas, as recomendações seguidas, as doações recebidas, os esforços dos Estados e dos organismos que compõem o sistema de Justiça criminal trouxeram dados importantíssimos.
Podemos observar neste gráfico a média de mortes de pessoas do sistema penitenciário em comparação à média de mortes da população brasileira. Houve 0,45 morte a cada 100 mil habitantes presos, ao passo que, na população brasileira, houve 2,78 mortes a cada 100 mil habitantes livres. Apenas para se fazer uma comparação, nos Estados Unidos, houve 1,60 morte de presidiários até o mês de abril a cada 100 mil habitantes presos. Então, no sistema penitenciário brasileiro, morreu-se quatro vezes menos do que no sistema penitenciário americano e morreu-se sete vezes menos do que na sociedade livre, inclusive os próprios policiais penais. A taxa de morte dos policiais penais é sete vezes maior ou igual à taxa de morte da população brasileira. Isso é importante frisar, porque milhares de vidas foram poupadas em função de esforços de vários atores no sistema penitenciário.
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Sigo para a parte final: a atenção às mulheres e grupos LGBTQI. Havia muitas recomendações sobre isso em uma resolução muito simples. Agora há planos de trabalho em andamento, que estão sendo assinados e entrarão em execução, de todos os Estados, estipulando metas e objetivos para a atenção às mulheres LGBTQI, indígenas, estrangeiros e grupos minoritários. Para cada um desses grupos existe uma recomendação, uma nota técnica do Departamento Penitenciário Nacional — para indígena, para estrangeiro, para LGBTQI e para mulheres — de como deve ser o tratamento dessas pessoas no cárcere. E para quase todos eles também existe uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária dando recomendações semelhantes.
É importante frisar isso, para que haja o entendimento de que o Governo brasileiro se preocupa e orienta, de maneira coordenada, todas as ações que devem ser feitas pelos Estados, respeitando-se o pacto federativo.
Sobre investimentos do Departamento Penitenciário Nacional apenas nos anos de 2020 e de 2021, nós falamos de muitos valores, uma somatória. Agora apresento aqui um recorte: alternativas penais, no ano passado e neste ano, 24 milhões de reais; APAC, 27 milhões de reais; modernização e tecnologia; monitoramento eletrônico; Projeto Grupos Específicos; e patronato, que são os egressos.
Neste penúltimo eslaide trago as principais ações que impactam positivamente o sistema penitenciário: doação de 292 mil livros; projetos arquitetônicos; ônibus e vans doados pela União para os Estados com recursos do Fundo Penitenciário Nacional; scanners corporais, que acabam com as revistas de visitantes no estabelecimento penitenciário.
Por fim, quero apresentar a mensagem final do Departamento Penitenciário Nacional: perseverança no planejamento estratégico existente; ação conjunta com os demais órgãos; manutenção da capacidade financeira do Fundo Penitenciário Nacional, da qual provêm todas as ações que nós colocamos aqui; respeito às diferenças no Sistema Penitenciário Federal; intensificação dos procedimentos organizacionais padrões nas unidades penitenciárias.
Quero dizer que não se negam as problemáticas existentes no sistema penitenciário nacional. São muitos os problemas. Entretanto, são os esforços conjuntos, como os feitos por todas as instituições aqui presentes, que têm trazido algumas melhorias para o sistema penitenciário. E as mazelas do sistema penitenciário nacional não serão atacadas com retóricas, mas com políticas penitenciárias eficientes.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Dr. Cristiano.
Cumprimento o Exmo. Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Deputado Carlos Veras, por meio de quem cumprimento os demais presentes em nome da Defensoria Pública da União.
Inicialmente, ao tempo em que deve ser reiterada a importância da presente audiência pública, que possibilita este debate acerca das providências adotadas pelo Estado brasileiro e suas respectivas instituições no cumprimento das recomendações do terceiro ciclo da Revisão Periódica Universal, isso deve ser observado com certo pesar, porque o Brasil permanece distante de atingir o patamar civilizatório esperado no que tange à realidade do sistema prisional brasileiro, ao respeito aos direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade e à prevenção e ao combate à tortura, à violência, aos maus-tratos e a todas as formas de violência institucional.
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Com a consciência de que as questões que envolvem o tema não podem ser esgotadas nesta fala de poucos minutos, será abordada brevemente a trajetória da Defensoria Pública da União no acompanhamento das políticas públicas voltadas ao cumprimento pelo Brasil dessas recomendações e serão feitas ainda breves pontuações sobre alguns pontos constantes no relatório preliminar que está sendo debatido nesta oportunidade.
Inicialmente, cumpre observar que, em relação ao estágio de cumprimento da recomendação relacionada à implementação do Sistema de Defesa Público Brasileiro analisado no presente relatório, com a devida vênia, não é possível concluir que ela se encontra em progresso. A realidade demonstra uma conclusão em sentido oposto, de modo que a estruturação da Defensoria Pública e a falta de acesso à Justiça no País beiram o estado de inconstitucionalidade, tendo em vista o abismo que se observa na efetivação da Emenda Constitucional nº 80, de 2014.
A Defensoria Pública da União não foi abordada de forma expressa no relatório, mas deve ser lembrado que a instituição atualmente está presente em menos de 30% dos locais onde a Justiça Federal está instalada e impossibilitada de expandir a sua atuação por questões orçamentárias. Segundo a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, atualmente, 86 mil habitantes não possuem acesso aos serviços jurídicos assistenciais oferecidos pela Defensoria Pública da União. Cumpre destacar ainda que a reforma administrativa, na forma atualmente desenhada, coloca em risco algumas formas de contorno desse déficit, como, por exemplo, através do desenvolvimento da atuação itinerante da Defensoria Pública, apontada como possível solução a essa situação no relatório preliminar justamente por possibilitar o atendimento nos locais em que ela não está instalada. Deve-se destacar, de toda forma, que essa medida não supre a necessária presença da Defensoria Pública nessas localidades em caráter permanente, porque não é possível propiciar assistência jurídica nem fiscalização cotidiana das condições do cárcere como atos omissivos e comissivos de agentes estatais que podem caracterizar tortura e outras formas de violência institucional.
Em continuidade, mesmo com essas dificuldades de implementação, estruturação e expansão, a Defensoria Pública da União tem uma sólida e significativa inserção no combate e prevenção à tortura no País. Desde 2019, ela integra o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, integrando o comitê nacional e alguns comitês estaduais já instituídos, como foi apontado na exposição pregressa. A DPU também estruturou alguns órgãos específicos para atuação nessa temática, a exemplo da Defensoria Regional de Direitos Humanos e do Grupo de Trabalho sobre Pessoas em Situação de Prisão e Enfrentamento à Tortura.
Nesse contexto, é importante mencionar uma atuação relevante da DPU, através da Defensoria Regional de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, que propôs ação civil pública cuja liminar foi deferida para determinar a devolução dos 11 cargos previstos na estrutura do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, revertendo ato governamental com potencial de acarretar o esvaziamento do órgão. Inclusive, essa situação foi mencionada do § 94 do relatório preliminar. De igual modo, a Defensoria Regional de Direitos Humanos do Amazonas ingressou com um pedido de liminar para garantir que a população privada de liberdade no Estado fosse vacinada, diante da demora no início da vacinação do referido grupo, que é prioritário no Plano Nacional de Imunizações.
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Além disso, através do grupo de trabalho específico, a DPU elabora notas técnicas, possibilita a articulação interinstitucional com entidades da sociedade civil, além de promover inspeções periódicas nas unidades do Sistema Penitenciário Federal, que, embora não padeçam dos mesmos problemas estruturais identificados nos estabelecimentos estaduais, também são identificadas algumas situações inconstitucionais que também contrariam as recomendações impostas ao Brasil, considerando o caráter extremamente restritivo do sistema. A partir dessas inspeções, administrações penitenciárias de diversos estabelecimentos prisionais do Sistema Penitenciário Federal já foram questionadas e notificadas acerca de registros da excessiva rigidez das condições de aprisionamento, inclusive em relação à utilização de medicação psiquiátrica pelos internos em elevado índice e as possíveis correlações desses fenômenos com as condições do cárcere.
Cumpre mencionar também a atuação da DPU no HC 165704, no qual ela assumiu o polo ativo e em que foi concedida a ordem para concessão da prisão domiciliar a todos os presos que sejam os únicos responsáveis por crianças e pessoas com deficiência. Inclusive, esse precedente foi utilizado para atribuir o status em progresso à Recomendação nº 95.
Por fim, já me encaminhando à conclusão, observamos que tivemos alguns avanços nos últimos anos, como a implementação da ferramenta da audiência de custódia e a construção de alternativas possíveis à cultura do encarceramento, apesar de ser possível identificar ainda certa resistência à aplicação sistemática das penas alternativas pelo Poder Judiciário, como bem observado no relatório.
Diversos avanços legislativos que poderiam dar efetivo cumprimento a algumas dessas recomendações, como aquelas que determinam a adoção de providências para minimizar a duração da detenção preventiva, acelerar os julgamentos e considerar a alternativa da detenção para enfrentar a superlotação, tiveram a efetividade relativizada, na medida em que a aplicação desses institutos permanecem sendo submetidas a uma intensa discricionariedade judicial.
Neste ponto, é possível mencionar o art. 316 do Código de Processo Penal, introduzido pelo Pacote Anticrime, que estabeleceu a necessidade de revisão periódica e a previsão da prisão preventiva, também mencionada no relatório como um avanço para a adoção de medidas alternativas ao encarceramento. No entanto, percebemos, a partir da análise da jurisprudência, que também esse avanço vem se submetendo a uma intensa discricionariedade judicial.
Não podemos deixar de mencionar ainda os recentes relatórios publicados pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, fruto de inspeções realizadas neste período da pandemia que demonstram a situação calamitosa e o total desrespeito aos direitos fundamentais de presos, presas e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de internação em diversos Estados.
Já concluindo, não podemos ignorar que essas medidas legislativas, administrativas e orçamentárias implementadas ainda são insuficientes e representam uma verdadeira falha estrutural que gera ofensa ao direito das pessoas privadas de liberdade, além da manutenção da situação de agravamento dessas violações relativas às condições do cárcere e da prevenção e combate à tortura.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Dra. Mariana, pela sua participação e contribuição.
Antes de apresentar alguns dados de São Paulo, queria contextualizar algumas questões apresentadas aqui. Começo pela fala do Juan Pablo Vegas, por exemplo, que endosso. Diferentemente do que algumas pessoas disseram aqui, o Governo brasileiro não está priorizando o combate e a prevenção à tortura. Quando o Juan Pablo trata do desmonte do mecanismo, é importante lembrar que, em março, o mecanismo não pôde fazer inspeção junto à Defensoria de São Paulo porque não foram pagas passagens e diárias.
Quero contextualizar também a fala do Secretário Eduardo, porque, diferentemente do que foi colocado — e falo isso porque sabemos o que acontece, pois também faço parte, pela ANADEP, do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, como membro convidado no mandato que se encerra e faremos parte do próximo mandato também —, o trabalho do comitê nacional também é, de alguma forma, inviabilizado pelo Governo Federal. Não há essa harmonia conforme dito aqui. Na verdade, o Governo usa várias manobras para não deixar nem o mecanismo nacional nem o comitê nacional funcionarem. É importante colocarmos isso.
É necessário lembrar que o Presidente da República foi eleito fazendo ode à tortura e homenageando Ustra — isso tem que ser dito também. Não chama a atenção, infelizmente, o que vem acontecendo no Brasil.
Quero destacar uma das recomendações em relação a São Paulo. Conseguimos aprovar um trabalho da Defensoria, do Ministério Público, do IBCCRIM, da Pastoral Carcerária e da Conectas Direitos Humanos. No final de 2018, aprovamos uma lei que criava o comitê e mecanismos estaduais. Infelizmente, o Governador Dória vetou-a. Então, faço aqui um pedido encarecido para esta Comissão da Câmara, no sentido de eventualmente oficiar o Governo Estadual e trabalhar para que os decretos legislativos que queiram derrubar o decreto presidencial de 2019 não possam caminhar e ser aprovados.
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Eu queria falar também sobre audiências de custódia. Aqui em São Paulo, não existe audiência de custódia há 1 ano e meio, nem presencial nem remota — deveria ser presencial. Somente na Comarca de Guarulhos ela ocorre de forma virtual. É importante dizer que o Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal endossaram essa barbaridade que é não haver audiência de custódia. É importante dizer também que o Ministério da Justiça não tem como prioridade o desencarceramento, como foi falado nesta tarde. Pelo contrário, o projeto de lei chamado Pacote Anticrime, nos próximos anos, vai acarretar um boom carcerário.
Desejo contextualizar também uma fala do DEPEN sobre as mortes. Foi colocado como se as pessoas presas estivessem em situação até melhor do que as pessoas soltas, ou deu a entender isso, pelo menos. Isso não é verdade. Aqui em São Paulo, por exemplo, já morreram 79 pessoas presas e 119 agentes penitenciários. É importante colocar que temos que ter honestidade intelectual quando passamos alguns dados. O nosso núcleo fez 222 inspeções em unidades prisionais desde 2014 e 40 inspeções durante a pandemia. Eu vou passar alguns dados aqui. As situações são realmente bárbaras. Quando colocamos um dado como esse, temos que refletir que as pessoas presas são mais jovens. Ocorre que 79 pessoas morreram, e a maioria eram idosos, pessoas com comorbidades. Então, temos que ter um pouco de honestidade intelectual quando vamos passar alguns dados, porque a matemática não explica. Tem que vir algum expert da área para explicar. Eu achei importante colocar isso.
(Segue-se exibição de imagens.)
São Paulo poderia ser um dos lugares que mais encarcera no mundo, porque tem um terço da população carcerária do Brasil. São 179 presídios e 206 pessoas presas. Esses são dados de 30 de agosto. É importante dizer que, de acordo com um levantamento do nosso atendimento sobre dados de violência e torturas, em relação a homens e mulheres, de 2020 até 2021, 31% dos homens alegaram que sofreram torturas — a maioria torturas físicas. Em relação a mulheres, 19% delas sofreram tortura — a maioria torturas físicas. Isso aconteceu durante a pandemia.
Uma das recomendações é da Coreia do Sul. Ela fala em relação à água, à alimentação e a equipes médicas. Em São Paulo, 85% das unidades prisionais fazem racionamento de água, o que até os tratados de guerra proíbem; 95% das unidades prisionais estão superlotadas; 30% das unidades prisionais não têm médico; 90% das unidades prisionais não fornecem alimentação de forma suficiente; e 70% das pessoas presas não recebem itens de higiene com regularidade, ou seja, escova de dente, pasta de dente, papel higiênico, absorvente feminino.
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É importante dizer que o Governo de São Paulo cortou 31 milhões de reais, durante a pandemia, em gastos com higiene. Além disso, 45% não recebem material de limpeza, como rodos e vassouras, e 80% das pessoas recebem roupas apenas na inclusão: a pessoa fica presa 1 mês, 2 meses, 6 meses, 1 ano ou, às vezes, 2 anos, e tem apenas uma única roupa. Eu fiz uma inspeção, em janeiro, no presídio feminino Franco da Rocha e pude ver que as mulheres estavam usando roupa molhada porque só tinham uma roupa. Elas tinham que lavar as roupas e usar as mesmas roupas.
Em relação à vacinação, embora o Plano Nacional de Vacinação colocasse as pessoas presas e a população de rua, por exemplo, como prioritárias, aqui em São Paulo elas foram vacinadas só no fim, já que nós tivemos que entrar com uma ação civil pública para que elas pudessem ser vacinadas. É importante dizer que não havia gasto orçamentário, pois o próprio Estado de São Paulo fabricava as vacinas.
Um dado interessante é que, entre fevereiro e julho deste ano, morreram 41 pessoas presas, já com a vacina fabricada, um número maior em 5 meses do que o primeiro ano da pandemia, de fevereiro a fevereiro.
Queria lembrar também que, da população LGBTI, 90% têm que marcar seus utensílios para não serem compartilhados e 90% das pessoas são obrigadas a ficar nuas durante blitz no meio de outras pessoas. Mulheres trans, por exemplo, têm que ficar nuas durante blitz na frente de homens. E mais: 80% das pessoas não têm o nome social respeitado, 32% da população LGBTI em cárcere têm pensamentos suicidas e 20% são obrigadas a cortar o cabelo.
Pessoal, acho que esgotei o tempo. Eu queria agradecer a atenção de todos e parabenizar o Deputado e dizer que nosso norte é acabar com a escravidão e com as prisões no Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Mateus. A assessoria vai entrar em contato com você para nós estudarmos a proposta que apresentou à Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Sim, estou ouvindo.
Cumprimento a todas e a todos na figura do Deputado Carlos Veras. Saudando a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de Deputados, eu trouxe a iniciativa de monitorar as recomendações do Estado brasileiro no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, por meio do Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal.
Na esteira da fala do Dr. Walter Godoy, do CNJ, que me antecedeu, continuo a tratar das ações do Conselho Nacional de Justiça, apenas com foco mais específico no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
É com alegria que compartilho com as colegas e os colegas deste painel e com as pessoas que estão assistindo a esta audiência que o CNJ e a Corte Interamericana de Direitos Humanos firmaram um acordo de cooperação que culminou na criação da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões e Deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio da Resolução nº 364, de 2021, do CNJ.
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A unidade é vinculada ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, já que é a unidade do CNJ vocacionada para a atuação fiscalizatória de monitoramento em vários temas relacionados a direitos humanos.
A preocupação com a posição do Brasil no cenário internacional motivou a criação da UMF, que se dedica, entre outras atribuições, à criação e à manutenção de bancos de dados com as deliberações e as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos que envolvem o Brasil; à sugestão de propostas e observações ao poder público acerca da adoção de medidas necessárias; à solicitação e ao encaminhamento de informações relacionadas ao cumprimento de decisões e de deliberações da corte; à elaboração de relatório anual sobre as providências adotadas pelo Brasil para o cumprimento de suas obrigações oriundas da jurisdição contenciosa interamericana.
O sistema prisional e a prevenção e o combate à tortura foram temas centrais para impulsionar a criação da unidade, portanto, foram temas fundamentais na nossa atuação. Limitada no tempo, a unidade somente começou a ser montada em meados de fevereiro deste ano, mas já era sentida por outros órgãos estatais e por organizações da sociedade civil como um espaço importante para o avanço na agenda dos direitos humanos no Brasil.
As recomendações feitas ao Brasil, neste terceiro ciclo da RPU sobre o sistema prisional e a prevenção e o combate à tortura, não divergem das deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos no chamado supercaso de medidas provisórias brasileiras relativas às unidades Complexo do Curado, Complexo de Pedrinhas, Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho e Unidade Socioeducativa do Espírito Santo.
No dia 2 de junho de 2021, o CNJ participou de audiência conjunta para o monitoramento de tais medidas. Para tanto, foi elaborado relatório que se encontra em nosso sítio eletrônico, a fim de fornecer subsídios atinentes às unidades em questão. Foram levantados dados junto ao poder público, além de terem sido realizadas reuniões com os representantes dos beneficiários das medidas, a fim de melhor diagnosticar os entraves e de apontar os encaminhamentos para os principais desafios detectados.
Deste modo, a atuação propositiva da unidade, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, visa a contribuir, em última instância, para o efetivo cumprimento da Convenção Americana, concorrendo para que o Judiciário desempenhe seu compromisso de promover e proteger os direitos humanos.
Para além desse importante caso sobre o qual nós nos debruçamos, lembro também que as juízas e os juízes brasileiros são também juízas e juízes interamericanos, no sentido de que aplicam a norma interamericana, fazem o controle de convencionalidade, utilizam-se dos protocolos interamericanos, não apenas em casos que envolvem violações no sistema prisional ou atinentes a penas de combate à tortura, mas também em relação a qualquer direito protegido e garantido pela Convenção Americana sobre os Direitos Humanos.
Neste sentido, nós estamos em tratativas para avançar, num acordo de cooperação com a corte, capacitações em busca não só do fortalecimento do diálogo jurisprudencial com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas também da otimização das capacidades de aplicação do direito internacional, dos direitos humanos e da jurisprudência da Corte Interamericana, mediante a difusão, o intercâmbio e a atualização dos estandartes interamericanos.
A UMF constitui um marco da atuação do Conselho Nacional de Justiça para a concretização de uma cultura jurídica de direitos humanos no Judiciário nacional, em especial, para a materialização das normas da Convenção Americana e para a concretização das sentenças, medidas provisórias e opiniões consultivas proferidas pela corte em relação ao Estado brasileiro.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado pela sua participação, Julia.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos participa com muito interesse e agradece o convite desta audiência pública da RPU, notadamente sobre o sistema de custódia. Queria saudar a todas e a todos os participantes na sua pessoa e dizer que, em que pesem os registros já feitos aqui pelo Secretário de Proteção Global, pelo próprio CNJ e pelo DEPEN, nossa realidade é muito complicada. A fala do Dr. Cristiano, representante do DEPEN, foi muito clara quando ele disse “respeitadas as questões da Federação”. Não adianta o Estado brasileiro ter um desenho ou um propósito, se ele não consegue sequer que as unidades da Federação cumpram as recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Estas recomendações são solenemente ignoradas. Os Estados obtêm repasses, celebram convênios, mas não cumprem essas recomendações.
O Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, como bem falou o Defensor Público de São Paulo, vive sua pior crise, gerada por uma incompreensão e pela posição do Governo de não aceitar a participação da sociedade civil e de querer controlar o comitê, o que é um problema. Não adianta o DEPEN mostrar um monte de programas, não adianta a Secretaria Global de Proteção dizer que está desenvolvendo uma série de coisas e, no âmbito mesmo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, nós termos o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura quase transformado em um quartel. Eu não vou mais a reuniões lá para representar o CNDH. Para quê? Tudo parece que está em ordem unida, não é possível um comitê em que a Presidência leva uma claque à sua liderança. Não é possível discutir sem a institucionalidade das saídas. Não se trata de uma questão de retórica, de uma questão política, de uma questão ideológica ou de uma questão partidária — nada disso! Já que o Brasil é signatário do protocolo facultativo, ele tem que seguir o protocolo facultativo.
Várias das recomendações são no sentido de fortalecer o sistema de prevenção. Nós já sabemos que a tortura existe, que é difícil ela ser erradicada, mas ela pode ser prevenida — uma das melhores formas é prevenir a tortura. Nós temos um comitê em crise, nós só temos os peritos trabalhando por uma ação civil pública da DPU para os peritos voltarem a trabalhar. Há questões como a superlotação, a insalubridade, a promiscuidade, a tortura. Não se trata da tortura de pau de arara. O fato é que a rotina prisional brasileira hoje é uma tortura. Os procedimentos implantados pela Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) são uma verdadeira tortura. A rotina dos presídios hoje é uma tortura.
Com isso, o Judiciário começa a reconhecer que, nesta seara de coisas inconstitucionais, neste estado de barbárie, vai contar em dobro o tempo em que se está sob custódia.
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Não se trata também de uma questão utilitarista. As pessoas que cometeram alguma infração devem responder pelo que fizeram, mas nenhuma sentença chega condenando a maus-tratos, a racionamento de água, à má assistência de saúde, ou condenando 16 presos a ficarem numa cela em que só cabem 4, como eu vi na PAMC, um presídio com cerca de 400 vagas, mas com 2.036 pessoas.
Este estado de coisas nos coloca numa situação muito ruim no mundo. É como se não fôssemos uma das 10 maiores economias do mundo, é como se não vivêssemos, Deputado Carlos Veras, sob a égide do pacto de 1988. Esta foi uma razão de ser, foi uma opção política da sociedade brasileira, quando nós escolhemos um Congresso constituinte, e o Constituinte disse que nós éramos uma República fundada na dignidade da pessoa humana. Isso não é uma opção de governo. Isso é um princípio, um mandamento constitucional. Esta é a razão de ser do Estado brasileiro.
Nós precisamos, de uma vez por todas, entender que, se continuarmos como estamos, nós não vamos caminhar, nós vamos continuar recebendo recomendações enquanto este estado de coisas não mudar. Para este estado de coisas mudar, é preciso um pacto federativo neste caso. É preciso que todos se sentem, e a União diga ao DEPEN, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública que, a partir de hoje, se as recomendações do mecanismo não forem cumpridas e se não for dada satisfação a estas recomendações, não fará convênio e não repassará os recursos. A lei não é para brincadeira!
Nós somos o terceiro país em população carcerária do mundo. Eu acho que nenhum país do tamanho do nosso trata as pessoas sob custódia como o Brasil. Há algumas válvulas de escape às alternativas. A audiência de custódia vive uma grande crise, como disse o defensor de São Paulo. É que nós consideremos todos esses pontos no momento de uma revisão, desarmados, sem julgamentos, e sentemos à mesa com a sociedade civil e toda a institucionalidade — CNJ, todos os envolvidos, DPU, todo mundo — e façamos um pacto, uma meta de superação destes impasses e deste estado de coisas inconstitucionais.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Dr. Everaldo, pela participação.
A SRA. ALESSANDRA QUINES CRUZ - Muito boa tarde a todos, a todas, a todes. Deputado Federal Carlos Veras, muito obrigada pelo espaço de fala para a Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos. Parabenizo V.Exa. pela condução desta audiência pública e saúdo a Comissão de Direitos Humanos e Minorias pela criação do Observatório Parlamentar para o acompanhamento das recomendações da RPU.
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Eu fiquei feliz ao ouvir o colega de São Paulo, que trouxe preocupações idênticas a estas que trago agora aos senhores e às senhoras, considerando que o mundo ideal e o mundo dos dados trazidos tanto pelo Governo Federal como pelos Governos Estaduais não se ajustam em absoluto à realidade que nós enxergamos diariamente. Eu posso dar dois exemplos que vivi nesta semana de situações que demonstram isso. Uma delas diz respeito a uma consequência direta de uma das preocupações das recomendações trazidas, que é justamente a superlotação nos presídios brasileiros.
Uma das consequências que nós enfrentamos diariamente de onde falo, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, é que há presos e presas, homens e mulheres, custodiados dentro, por exemplo, de viaturas policiais estacionadas na frente de delegacias de polícia. Por que isso acontece? Justamente dentro das delegacias de polícia, uma cela que era para ser temporária já está superlotada, e não há transferência dos presos para as unidades prisionais, em razão da superlotação.
A consequência direta é que, por 10 ou 20 dias, as pessoas permanecem em situação de absoluta tortura, custodiadas sem nenhum espaço físico, dentro de uma viatura policial, sentadas, algemadas, sem a possibilidade de fazer o asseio pessoal, sem a possibilidade de ao menos se alimentarem corretamente, sem possibilidade nenhuma de assistência familiar, por óbvio, até que o sistema prisional resolva acolhê-las, o que leva muito tempo. Aliás, leva mais tempo do que aquele que seria tolerável. Em razão disso, essas pessoas ficam numa situação deplorável. Esta é uma das consequências da superlotação com que nós deparamos diariamente.
Aqui em Porto Alegre, Deputado Carlos Veras, há um projeto-piloto, que não existe em outra unidade da Federação em termos da Defensoria Pública. O projeto trata justamente da atuação desta instituição nas delegacias de polícia. É por esta razão que eu digo a V.Exa. que assisto diariamente a estas cenas.
Esta situação é levada, sim, ao conhecimento do Poder Judiciário, porém, repetidamente, nós obtemos decisões que simplesmente não consideram a situação fática vivida por essas pessoas e o que é levado pela defensoria para análise. Mesmo depois de ter obtido, por exemplo, decisões judiciais em ações civis públicas que determinavam que o recolhimento das pessoas à situação de cárcere adequado seja feito no prazo máximo de 24 horas, sob pena de multa, ainda assim, nós estamos em face do descumprimento. Ainda que tenhamos noticiado esse descumprimento diariamente ao Judiciário, a resposta que nós obtemos é nenhuma. As pessoas permanecem presas porque o Poder Judiciário não tem a coragem de tomar uma decisão nem mesmo para tornar efetiva a própria decisão, que determina o recolhimento em 24 horas.
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Acredito que só poderemos atingir estas metas de modificação cultural por meio de uma modificação daqueles que pertencem a este sistema, por meio da revitalização da forma de ingresso ao serviço público, especialmente pela política de cotas. Afinal, nós temos um sistema judiciário amplamente branco, de classe média, que julga uma população amplamente negra e pobre. Portanto, são evidentes as consequências deste tipo de situação.
Por falar na situação de enfrentamento da realidade versus dados, eu posso mais uma vez noticiar que as medidas que são festejadas no relatório como medidas de progresso no cumprimento das recomendações, bem como as audiências de custódia ou até a possibilidade de revisão da prisão preventiva de 90 dias são situações absolutamente irreais — elas não existem na realidade. Audiências de custódia não existem aqui no Estado do Rio Grande do Sul desde março de 2020, em nenhuma cidade, em nenhuma comarca. Revisões de prisão preventiva de 90 dias, sinceramente, Deputado, eu nunca vi. Eu atuo há 15 anos no sistema penal, e elas não ocorrem na realidade.
Diante disso, eu convido todos e todas, especialmente o Observatório Parlamentar, a dialogarem com a Defensoria Pública Estadual, que ela está no dia a dia, frente a frente com estes problemas que são causados pela superlotação dos presídios, ponto a que me referi mais nitidamente hoje, e com todas as recomendações que estão na Revisão Periódica Universal.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Alessandra. As Defensorias dos Estados têm sido parceiras de primeira hora desta Comissão na luta em defesa dos direitos humanos, tanto no que diz respeito não só à parte carcerária, como também aos conflitos que ocorrem nos Estados. As defensorias têm sido parceiras desta Comissão de primeira ordem.
O SR. ANTONIO NETO - Obrigado, Deputado Carlos Veras, meu conterrâneo de Estado. Quero agradecer o convite à Justiça Global para participar desta importante audiência e saudá-lo pela realização desta audiência e pela construção deste observatório, que tem sido muito importante para construirmos pontes no monitoramento das recomendações da RPU.
A Justiça Global, junto com outras organizações também presentes a esta audiência, faz parte do coletivo RPU Brasil, um coletivo formado por várias organizações da sociedade civil brasileira que vem monitorando e fazendo a avaliação das recomendações da passagem do Brasil pelo terceiro ciclo da RPU. Nós já fizemos dois relatórios sobre a sociedade civil, em que analisamos a terceira passagem.
Nós fizemos o relatório de meio período em 2019 e, no ano passado, fizemos também um relatório relacionado à COVID, que saiu quase no fim do ano, quando pegamos um pouco das avaliações da RPU sobre a pandemia. Portanto, este é um processo que nós vimos construindo há 3 anos no coletivo, e este monitoramento tem sido bem importante para nós.
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É importante constatar que a maioria das recomendações que tratam das condições dos cárceres, como a prevenção e o combate à tortura e o sistema de justiça, como costumamos falar, não está sendo cumprida ou está, em quase sua maioria, passando por retrocessos nos últimos anos, sobretudo desde o início do atual Governo.
A realidade que foi pintada aqui pelos representantes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e pelo DEPEN parece a realidade de um outro país, pois a realidade de quem está fazendo o acompanhamento direto dos espaços de privação de liberdade só confirma o estado inconstitucional de coisas que nós vemos no sistema prisional brasileiro, tendo em vista os dados importantes trazidos pelo Mateus e pela companheira que me antecedeu.
Neste sentido, eu quero me ater basicamente às recomendações que tratam da superlotação e das condições de cárcere e, se der tempo, de alguma coisa sobre a prevenção e o combate à tortura, porque eu imagino que outros companheiros e companheiras que vierem a falar depois de mim poderão abordar com mais propriedade este assunto.
Sobre as Recomendações nºs 75, 76, 77, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 89, 90, 91 e 92, nós temos dito que seguem sendo descumpridas e estão em retrocesso. A situação dos presídios brasileiros continua crítica, e o Brasil segue como terceiro país no mundo com a maior taxa de encarceramento. Segundo os dados do próprio DEPEN, 759.518 pessoas estão privadas da liberdade ou sob monitoramento eletrônico, e o déficit de vagas no sistema prisional brasileiro está por volta de 300.
É importante destacar que a principal fonte de informação sobre os dados do sistema prisional é o próprio DEPEN, órgão que não apresenta os dados de maneira explícita e de fácil compreensão, além de apresentar inconsistências visíveis no número geral de pessoas privadas de liberdade. A seletividade racial do sistema segue como uma realidade latente, de acordo com próprio DEPEN. No ano passado, cerca de 80% das unidades informaram a raça e a cor das pessoas privadas de liberdade, entre as quais 52% eram pessoas negras.
Nós queremos ressaltar que não há informações qualificadas sobre a coleta dessas informações, ou seja, não há o reconhecimento de como os dados são produzidos, se por heteroidentificação ou autodeclaração, que seria a forma correta e legalmente garantida de coleta deste tipo de informação. Para que haja a possibilidade de proteção e a garantia dos direitos humanos às pessoas privadas de liberdade, é necessária a implementação urgente de medidas de desencarceramento.
A superlotação segue como fator de risco para a saúde no que diz respeito tanto à COVID-19, como a outras doenças respiratórias, como tuberculose, e doenças dermatológicas e o aprofundamento de doenças preexistentes.
Segundo dados do Ministério da Saúde e pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz — FIOCRUZ, a incidência de tuberculose é 30 vezes maior dentro das prisões. Entre as principais comorbidades no sistema prisional, destacam-se os problemas respiratórios e cardiológicos e diabetes, o que eleva ainda mais a quantidade de pessoas presas que fazem parte do grupo de risco do coronavírus.
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Vou terminando. O cenário descrito evidencia que o cárcere brasileiro perpetua imensuráveis violações de direitos, que se intensificam ainda mais no contexto da pandemia. A ausência de medidas para impedir o alastramento descontrolado da COVID-19 nas prisões está culminando progressivamente com a morte de pessoas privadas de liberdade.
Não há a possibilidade de garantia eficaz do fornecimento de água potável e de saneamento ou, ainda, a garantia do direito a banho de sol, espaço e tempo para exercícios físicos. Não há a garantia nem mesmo de segurança, considerando-se os baixos efetivos de funcionários em relação ao número de pessoas privadas de liberdade. A situação da saúde também é muito grave.
Em 2020, relatório do Ministério da Saúde demonstrou que pessoas presas no Piauí morreram por causa de beribéri, doença que se caracteriza pela baixa ingestão de vitaminas. O próprio relatório afirma que o quadro de doença pode ter sido agravado pela baixíssima qualidade da alimentação fornecida pelo estabelecimento penal e pela ausência de visitação, já que as pessoas responsáveis por fornecer os alimentos e higiene eram suas próprias famílias.
A privação da liberdade como primeira opção nos tribunais mantém cerca de 40% da população prisional brasileira presa provisoriamente, enquanto aguarda o sagrado direito de ser julgado. A maioria da população carcerária, tanto de homens como de mulheres, está presa por crimes sem grave ameaça, mormente pelos tipos prisionais de roubos e furtos.
No caso da população prisional feminina, a que se referem as Recomendações nºs 93, 94, 95, 96 e 97, quase 70% devem estar privadas de liberdade por crimes relacionados à lei antidrogas. Mais de 75% são mães. Em que pese haver legislação que garanta às pessoas responsáveis por crianças de 12 anos responderem à Justiça em liberdade ou em prisão domiciliar, poucas mulheres têm acesso a estes direitos, especialmente aquelas acusadas de cometer crimes relacionados a comércio e a varejo de drogas.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Antonio Neto, pela participação.
O SR. JOSÉ DE RIBAMAR DE ARAÚJO E SILVA - Boa tarde, Exmo. Deputado Carlos Veras. Queria cumprimentar a Comissão por esta feliz iniciativa. Eu e minha equipe de peritas, aqui presente, do Mecanismo Nacional agradecemos sempre a este colegiado de parceiros estratégicos, motivo pelo qual nós persistimos nesta fronteira de controle social da Política Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
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Toda a nossa luta é para que este estado seja um estado com "e" minúsculo, de "estado temporário", e não o Estado com "e" maiúsculo, um Estado consolidado, como nós vemos retroceder ou se reafirmar nos dias atuais.
Nós vivemos verdadeiramente — eu enfatizo isto — a certeza de que todos os que me antecederam e os que me sucederão dão conta daquilo que eu não consegui abordar na minha síntese de 5 minutos. Chamo a atenção para o fato de que o Brasil fez uma opção ao ratificar o Protocolo de Prevenção e Combate à Tortura, documento da ONU.
Assim como é o SUS para a saúde, o SUAS é para a assistência social, e a SESAN é para a segurança alimentar e nutricional, o Brasil fez a opção de responder à prevenção e ao combate à tortura com a criação de um sistema. Assim o fez, ao criar um comitê ou colegiado de 12 entidades da sociedade civil, 11 do poder público e um mecanismo com 11 peritos selecionados de diversas experiências e de diversas formações, peritos e peritas para darem conta de inspeções regulares a espaços de privação de liberdade. Nós temos a certeza de que apenas com o enfrentamento sistêmico do fenômeno da tortura é que nós daremos conta de vencer tão grave problema, cumprindo nossos compromissos constitucionais.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Ribamar, agora a tela está compartilhada. Antes, ela não estava compartilhada conosco. Pode continuar. Peço a você que se aproxime um pouco mais do microfone, para podermos ouvi-lo bem. Em alguns momentos, o som do seu microfone fica baixo.
(Segue-se exibição de imagens.)
Mais do que um emaranhado, isto representa um sistema que se encontra fortemente ameaçado, como outros já disseram. Portanto, eu não vou delinear sobre ele. Mas quero chamar a atenção, neste eslaide, para o fato de que este ciclo virtuoso foi interrompido com o Decreto nº 9.831, de 11 junho de 2019. Este decreto incompreendeu a missão de controle social, de autonomia e de adesão que o Brasil, em suas 27 unidades federativas, deveria fazer, criando a seu tempo comitês ou conselhos, como temos o SUS para a saúde e o SUAS para a assistência social. Os Estados também deveriam criar comitês e, ao fazê-lo, deveriam criar mecanismos.
Este ciclo virtuoso estava se cumprindo no quarto ano de posse dos primeiros períodos, quando esta lei veio a sequestrar esses poderes e a ferir nossa autonomia e criar esta descontinuidade na política. Isso provocou tudo o que os outros já disseram. Portanto, eu vou passar adiante, porque nós estamos com força de inúmeras ações judiciais, entre elas a ação cível pública movida pela DPU que, por meio de uma liminar, nos mantém na luta. Há uma ação também movida pela PRDC do Distrito Federal e uma ADPF desenvolvida pela Procuradoria-Geral da República, através da Procuradora Raquel Dodge.
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15:52
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Infelizmente, no atual momento, a PGR recuou dessa decisão, julgando prejudicada a matéria — o que para mim, que não sou da área do direito, no meu parco conhecimento filosófico, não se aplica, não se justifica, uma vez que não houve análise de mérito, e todas essas ações estão ainda por ser julgadas no mérito, mantidas por medida liminar.
Queremos chamar a atenção que, de igual forma, quatro Projetos de Decretos Legislativos do Congresso — um do Senado, pelo Senador Fabiano Contarato, e outros três da Câmara — deram conta de mobilizar, em um deles, 301 assinaturas de Parlamentares, inclusive da bancada parlamentar do Governo Federal, para sustar os efeitos. Todos esses PDLs foram assim agrupados em um único, o PDL nº 389/2019, que teve como Relatora a Deputada Erika Kokay, aprovado na CTPAS. Deixamos nosso pleito de que ele venha a ser apreciado e de igual forma aprovado também no Plenário da Câmara.
Isso tudo afetou diretamente o processo de adesão das unidades federativas e produziu efeitos muito danosos, com reflexos imediatos na nossa missão junto às unidades de privação da liberdade.
Queremos chamar a atenção aos reflexos desse recrudescimento da política em função dessa tentativa de desmonte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, porque é da ausência de quem controla que nasce a impunidade, e a impunidade é a irmã da arbitrariedade, da violação e do tratamento desumano, degradante e da tortura — se é que se pode usar e merecer este termo “irmã”. Um dos fenômenos muito recorrentes, em função dessa ausência de um maior controle, é a militarização e a terceirização de serviços essenciais do sistema prisional e socioeducativo, seja com a presença de forças especiais — a Força de Segurança Nacional/FSN e FTIP —, com salvo-conduto para uma série de práticas de violações, como os nossos relatórios e o testemunho de alguns de nossos parceiros estratégicos já trouxeram à baila e nossos relatórios denunciam isso, seja com a adoção de práticas violadoras, os chamados "procedimentos", em que se reeditam práticas dos navios negreiros, seja na conduta e no tratamento das pessoas massivamente dentro de espaços, seja na incomunicabilidade, seja no isolamento, em prisões arbitrárias, em sanções coletivas, e arbitrariedades que convivem e prosperam no rol de impunidades, uma vez que é muito difícil, sendo mobilizadas pessoas de forças de diferentes Estados, que uma única corregedoria dê conta, e ela não tem dado, de responsabilizar esses agentes, sobretudo de forças especiais, como ali foi apontado.
Isso tudo se agravou fortemente na pandemia, com a ausência da assistência a serviços essenciais. Aqui foi falado do racionamento da água, da alimentação. Sou ainda remanescente sobrevivente da Pastoral Carcerária do Carandiru. Havia um tempo em que procurávamos marcas de tortura em hematomas e sangramento. Hoje, o racionamento de água, a má qualidade da alimentação é um vetor de tratamento cruel, desumano, degradante da tortura, como também a ausência de serviços de saúde. Sabemos que a população carcerária foi, sobretudo, inflacionada pela política de drogas.
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A política de drogas desconsiderou também a visão necessária da distinção entre o usuário e o traficante, fazendo com que haja o desmonte das RAPS e dos CAPS, que deveriam dar assistência, pela Lei nº 10.216/2001, à saúde mental do usuário, que é desprezada. E a seletividade penal faz com que vejamos pretos, povos periféricos, mantidos presos por gramas de cocaína, enquanto em apreensões com 500 quilos de droga temos pouca notícia de responsabilidade sobre o dono helicóptero e do avião e de onde partiu o helicóptero — só para dar um exemplo.
Falando em saúde mental, preciso lembrar que acabamos de chegar de inspeções do sistema penitenciário federal, e isso atinge não somente as pessoas presas, mas substancialmente também os servidores. Estamos atentos ao processo de saúde mental dos servidores.
Acho que estou me excedendo no tempo. Finalmente, reitero o pedido da decisão liminar na ADPF 347 para que se considere a aprovação em pleno do Decreto nº 389/2019, que dá conta de sustar os efeitos danosos do Decreto nº 9.831/2019, para o qual convido todos nós a nos mobilizar.
Por fim, assistimos estupefatos a algumas afirmações daqueles que nos antecederam, pintando um quadro sobre o qual nós todos sonhamos, e como eu queria ser desmentido nesse particular.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, José de Ribamar de Araújo e Silva. Viva o centenário de Paulo Freire! Viva Paulo Freire!
A SRA. MARIA CLARA D'ÁVILA ALMEIRA - Boa tarde a todos e todas. Obrigada, Deputado Carlos Veras e Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Sou Maria Clara, advogada e assessora jurídica do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares/GAJOP, organização de defesa de direitos humanos com sede na cidade de Recife. Hoje estou representando a Rede de Justiça Criminal, formada por nove organizações não governamentais que promovem ações de incidência política, disseminação de informação e debate público sobre temas relacionados às violações de direitos causados pelo próprio sistema de justiça criminal. Ressalto que o GAJOP também faz parte do coletivo RPU, como já foi falado pelo Antonio Neto, que me antecedeu, e também participa da elaboração do relatório do coletivo RPU Brasil sobre o terceiro ciclo de passagem na Revisão Periódica Universal.
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Vou iniciar a minha fala apontando que todas as recomendações relacionadas às condições dos cárceres, prevenção e combate à tortura e sistema de justiça definitivamente não estão sendo cumpridas pelo Estado brasileiro ou então se encontram em retrocesso.
Eu não tenho condições de abordar todos os aspectos disso aqui nesse espaço de fala de 5 minutos, mas vou priorizar dois temas principais.
Vou iniciar com a questão da tortura, em particular a tortura e o sistema de justiça. Eu gostaria de ressaltar as Recomendações nºs 70, 100, 101, 103, 104, 105, 107 e 108 sobre a situação das audiências de custódia no Brasil. O relatório preliminar ressalta a importância e a conquista da implementação das audiências de custódia no Brasil. Contudo, o nosso atual cenário é de retrocesso em relação a esse instituto.
As audiências de custódia foram suspensas desde março de 2020, em razão da pandemia. Em outubro de 2020, o CNJ votou às pressas a Resolução nº 357, de 2020, que passa a admitir a realização de maneira virtual das audiências de custódia, fazendo com que os demais Tribunais de Justiça de diversos Estados tornassem regra a realização da videoconferência no lugar da apresentação presencial da pessoa que acaba de ser presa dentro do prazo de 24 horas.
Também gostaria de ressaltar que, em junho de 2021, o Ministro Nunes Marques, do STF, também concedeu parcialmente uma liminar de ação direta de inconstitucionalidade impetrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros para liberar as videoconferências, que estavam proibidas por dispositivo da Lei nº 13.964, de 2019. Esse julgamento foi interrompido e ainda não tem data para ocorrer novamente.
Tramitam também no Congresso Nacional diversos projetos de lei nesse sentido de flexibilizar as audiências de custódia aproveitando o contexto da pandemia, mas que abrem brechas para que esse instituto permaneça após essa situação da pandemia.
Inclusive, ressalto que vários tribunais já têm retornado com algumas atividades presenciais, não só tribunais, mas também diversas situações envolvendo o comércio, diversas cidades não se encontram em lockdown, mas ainda assim as audiências continuam acontecendo por videoconferência, até em delegacias de polícia, que é uma situação absolutamente incompatível com todos os tratados internacionais acerca da prevenção e combate à tortura.
Então, eu gostaria de destacar que esse movimento político-jurídico para que esse formato remoto se estenda para além do período da pandemia representa esse retrocesso a que estou me referindo em relação às audiências de custódia e ao papel do Poder Judiciário de prevenir e investigar abusos, maus-tratos e torturas cometidas por agentes de segurança em abordagens policiais.
Saliento também que esse é um sistema de justiça criminal seletivo que espelha o racismo estrutural da sociedade brasileira, marcando de forma injusta e desigual jovens negros e pobres, com pouco acesso à Justiça, assim como suas famílias. Esse cenário de realização de audiência de custódia por videoconferência além de perder o seu intuito primordial, que é servir à garantia de direitos, à qualificação do processo decisório e à prevenção de maus-tratos e tortura, acaba por vulnerabilizar ainda mais pessoas já vitimadas pela violência institucional no Brasil.
O segundo ponto, de que vou falar brevemente em razão do tempo, é em relação à situação de superlotação. Eu gostaria somente de ressaltar que a criação de novas vagas definitivamente não resolve a questão de superlotação dos presídios brasileiros. O crescimento da população prisional não acompanha a criação de novas vagas. E nós temos visto, pela fala dos representantes do Estado, que o intuito realmente tem sido criar novas vagas ou expandir o sistema penal através de novas formas de controle para pessoas negras, pobres e já vulnerabilizadas pelo Estado.
O desencarceramento é a principal medida para a garantia de direitos e para a redução da população prisional.
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Eu gostaria de lembrar também que o Governo Federal sugeriu a criação de vagas através da utilização de celas contêineres no ano passado, em plena pandemia, como medida de prevenção à COVID, em vez de priorizar medidas de desencarceramento, mesmo para pessoas que já poderiam se encontrar em liberdade, pessoas que se encontravam em situações de comorbidade e que fariam jus às medidas desencarceradoras.
Além disso, outra medida interessante e pensada pelo Governo Federal, que eles não ressaltaram aqui, mas foi amplamente implementada, foi a suspensão da entrada de visitas de familiares. Isso, desacompanhado de outras medidas desencarceradoras ou de prevenção à COVID, apenas contribuiu para a ocultação de tortura e de outras formas de maus-tratos dentro dos presídios.
Eu gostaria de lembrar que os dados ainda são bastante obscuros em relação à testagem, às mortes no sistema prisional. Quero lembrar também que não se comemora qualquer índice de morte no sistema prisional, porque todas as pessoas que se encontram no sistema prisional estão sob custódia do Estado, e a obrigação dele é garantir a vida dessas pessoas.
Não procede e me espanta muito a forma como isso foi colocado pelo representante do Governo, comemorando e até insinuando que as pessoas que estariam no sistema prisional estariam mais protegidas contra a COVID ou contra quaisquer outras condições que agravariam as condições de saúde e atentariam contra a vida das pessoas que estão privadas de liberdade.
Foi suspensa também a entrada com itens essenciais para as pessoas que estão privadas de liberdade. O que deveria ser obrigação do Estado, como o fornecimento de itens de higiene e de alimentação, foi transferido para as famílias brasileiras. A representante da Agenda Nacional deve falar sobre isso logo em seguida, mas já ressalto que a Agenda Nacional constatou diversas violações envolvendo condições de saúde, incomunicabilidade, falta de transparência às pessoas presas e aos familiares.
Por fim, eu gostaria de concluir que com o Poder Legislativo primando pelo recrudescimento penal através da ampliação de leis, com o Judiciário primando pelo encarceramento desenfreado de jovens negros e pobres e com o Poder Executivo garantindo que essas pessoas permaneçam nessas condições, tudo isso apenas contribui para o agravamento das situações de tortura e maus-tratos no Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Maria Clara, pela sua participação e pela sua contribuição.
A SRA. MARIA TERESA DOS SANTOS - Boa tarde a todas e todos. Eu queria agradecer muito ao Deputado Carlos Veras por esse convite. Acho muito importante a participação da sociedade civil nesses espaços.
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Na realidade, o que nós queríamos mesmo é que o sistema prisional brasileiro fosse abolido, porque ele não serve para nada. O daqui de Minas está metido numa corrupção sem tamanho, de conhecimento público, porque o GAECO já investigou e já provou, mas a Justiça não faz nada para desmanchar o que foi feito na corrupção.
Desde março de 2020, as visitas foram suspensas devido à pandemia, e nós concordamos com isso, porque era necessário que fosse feita a suspensão de visitas naquele momento. Mas agora tudo aqui em Minas já está liberado, inclusive as aulas já voltaram. A maioria dos presos já foi vacinada. A população acima de 18 anos já está toda vacinada. Alguns poucos Municípios daqui não vacinaram os presos — e o Tribunal de Justiça tem conhecimento disso e também não toma nenhuma providência —, porque pularam a prioridade que havia sido dada aos presos pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde.
Então, essas visitas deveriam voltar, porque entendemos que essa é a única forma de colocar um paradeiro nas torturas físicas e psicológicas que os presos vêm sofrendo dentro do sistema prisional. E isso não é só no sistema prisional mineiro, mas no sistema prisional brasileiro, porque tudo o que acontece aqui em Minas acontece em todos os outros Estados. Uma visita de 20 minutos não é visita, principalmente quando é monitorada por agentes prisionais.
Eu me espantei muito com o semblante e até meio que um sorriso do moço que falou aí — esqueci o nome dele — sobre a questão das mortes no sistema prisional, como se vidas presas não importassem. Aquelas pessoas estavam sob a responsabilidade do Estado e era dever do Estado cuidar delas, porque as pessoas que morreram de COVID dentro do sistema prisional brasileiro chegaram aos hospitais para receber a medicação já praticamente mortos. Eles não tiveram antes nenhum cuidado que pudesse ter preservado a vida deles.
Houve uma recomendação para que as pessoas que tivessem comorbidade ou que estivessem acima de 65 anos fossem colocadas em liberdade naquele momento da COVID, mas também não foi cumprida. As mães que têm filho menor de 12 anos e que estão presas também não têm acesso à recomendação, porque não é uma lei, apenas uma recomendação. É preciso, Deputado Carlos Veras, que esta Casa crie leis e cobre que essas leis sejam implementadas, porque só falar não adianta, só recomendar não adianta.
Minas tem o histórico de não atender recomendação, seja do Conselho Nacional de Justiça, seja do Ministério de Justiça, seja lá de quem for. Nós chegamos ao absurdo, Deputado, de o Tribunal de Justiça encomendar uma pesquisa para a Sapori Consultoria, e todas as denúncias que os familiares fazem através da Plataforma Desencarcera! e na Ouvidoria do sistema prisional foram colocadas no relatório dessa pesquisa para o Tribunal de Justiça, mas ainda assim nada foi feito. A Associação dos Magistrados do Estado de Minas Gerais disse que não é dever do juiz da execução fiscalizar o cárcere, quando sabemos que isso está previsto em lei.
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16:12
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O sistema prisional brasileiro só está afundado da forma que está, só está falido do jeito que está por incompetência dos Tribunais de Justiça e do Ministério Público, que são ótimos, são excelentes em punir os pobres, os pretos e os periféricos. Quando é para fiscalizar e punir as pessoas que recebem salário do Estado para cuidar, para zelar por aquelas pessoas presas, para que elas possam repensar seus erros e voltar para sociedade de forma melhor, eles não fazem nada. Se fizessem, o sistema prisional não estaria do jeito que está.
Eu sou abolicionista penal e sou contra a pena privativa de liberdade, mas, se o Ministério da Justiça, os Tribunais de Justiça, a Defensoria Pública e o Ministério Público começassem a enfiar na cadeia diretores de presídios, diretores de segurança, diretores administrativos e governadores que não cumprem a lei, as coisas começariam a andar.
Não precisamos reclamar de nada, porque a Constituição nos garante aquilo de que precisamos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos está aí. Temos as Regras de Mandela, as regras mínimas. O Brasil assinou os tratados referentes a direitos humanos que existem por aí, mas não se cumpre nada, ninguém faz nada, ninguém toma uma providência. Agora, se um pobre roubar um pão para comer, ele vai para o cárcere.
A única forma de esvaziar os presídios é parando de prender os vendedores de drogas a varejo, tachando-os e punindo-os como traficantes, quando os verdadeiros traficantes estão em suas mansões e não adentram o cárcere. Quando isso começar a ser feito, quando os juízes das audiências de custódia realmente perceberem que aquele preso que está conversando com ele foi torturado e está ali coagido a dizer que não foi, começaremos a falar em justiça. Por enquanto, não temos nenhuma justiça.
Em Minas Gerais, estão fechando as unidades pequenas e levando os presos para as unidades que já estão superlotadas, para fazerem economia — aquilo que chamamos de economia porca —, inclusive estão querendo fechar o Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, que fica localizado na cidade de Vespasiano. Estão aos poucos sucateando aquela unidade, que é um local onde as presas têm um pouquinho de dignidade, juntamente com os seus filhos, para cumprir a pena. Nós não sabemos mais a quem recorrer, não sabemos mais a quem pedir, não sabemos mais a quem suplicar com tantos nãos que temos. Escutamos somente não, não e não.
A Secretaria de Direitos Humanos recebeu vários ofícios com a informação de que o Estado de Minas Gerais passou a exigir união estável de pessoas, de mulheres para fazerem visitas a namorado, amigo, primo ou sobrinho no cárcere, e nenhuma providência foi tomada. Esse é o maior sentimento de desprezo que temos quando oficiamos uma Secretaria de Direitos Humanos e ela nem sequer responde ao ofício.
Por isso, é preciso a Câmara Federal dialogar com a sociedade civil e com a Defensoria Pública, que são os únicos que nos respondem. Mesmo que digam sim ou não, eles sempre nos respondem. É preciso fazer leis que não deixem brechas para o diretor da unidade prisional fazer o que bem quer dentro dela, para que não existam mais donos das cadeias, porque hoje cada cadeia tem um dono, e cada dono gere de uma forma.
Aquilo que pode em uma não pode em outra; a pessoa que visita em uma não visita em outra; a roupa que entra em uma não entra na outra.
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O Estado diz que gasta entre 2 mil e 3 mil reais com preso. Aí perguntamos: gasta com o quê? A comida é imprópria para o consumo. O preso não tem água disponível o dia inteiro. Para ele ter acesso a material de higiene, a família tem que levar; se a família não leva, ele fica lá na pindaíba, na pedra, como eles dizem. Então, não entendemos para onde vai esse dinheiro, como é o caso do dinheiro que o DEPEN diz que aplicou.
Noutro dia, houve uma reunião, e o DEPEN falou que aplicou não sei quantos mil reais aqui em Minas para fazer isso e aquilo. Eu nunca vi um centavo desse dinheiro enquanto familiar de preso, enquanto representante de familiares de presos. Nós não temos notícia do que foi feito com esse dinheiro, porque ele não chega à ponta, ele não atinge o objetivo.
Agora nós estamos com uma unidade LGBTQIA+ onde só este ano já houve cinco suicídios e várias tentativas de suicídio. Nós vemos o povo sentar, se reunir, conversar, conversar e conversar, e os suicídios continuam, mas resultados nós não temos. Então, precisamos que esse pessoal, que se reúne tanto, que debate tanto, comece a colocar em prática tudo isso que falam, tudo isso que dizem que acontece, porque até hoje não tivemos acesso a nada.
Mas ainda insisto que o mais urgente é a retomada das visitas. Os presos já estão vacinados, a população que visita já está vacinada. Não podemos deixar que os diretores dos departamentos penitenciários e das secretarias penitenciárias dos Estados continuem mantendo as visitas afastadas das unidades prisionais para que os presos fiquem expostos a todos os tipos de tortura, como está acontecendo. É complicada essa situação.
Essa semana, em Três Corações, uma advogada foi visitar os seus clientes. Quando entrou no parlatório, ela se deparou com os presos nus lá, passando por um procedimento. Parlatório é lugar de preso passar por procedimento? Essa revista vexatória já não foi proibida? Por que isso continua acontecendo? Por que a OAB não está tomando nenhuma providência? Os advogados estão sendo achincalhados nas unidades prisionais, e a OAB não faz nada. Fica criando lei, como a que foi criada agora, que diz que o cara não pode ostentar. Em vez de apoiar o cara que paga o salário dele, o proíbe de, num momento de lazer dele, postar que está num iate, que está numa praia, que tem um iPhone, que tem um carro bom, que tem isso e aquilo.
Então, são coisas muito loucas que não conseguimos entender. Não sei se sou eu que sou muito burra ou se esse povo que é muito trapaceiro. O certo é que não conseguimos entender o que se passa na cabeça de uma pessoa que é representante da lei, está vendo a lei ser descumprida e não toma nenhuma providência para cessar isso.
Eu peço desculpas pelo meu desabafo, mas é muito importante que falemos dessas coisas quando temos oportunidade de conversar com um Vereador, um Deputado, um Senador, porque alguma coisa precisa ser feita. As mães não aguentam mais receber os corpos dos seus filhos. As mães não aguentam mais relatos de tortura dentro das unidades prisionais. Nós não aguentamos mais isso.
Quem está retomando as visitas agora está encontrando os presos completamente debilitados, porque eles não têm mais a comida que a mãe levava no final de semana, eles não têm mais a quantidade de biscoito que tinham, porque agora tudo é entregue por SEDEX, e nem sempre o que se envia por SEDEX chega às mãos do preso.
Um dos Ministros falou que o sistema prisional brasileiro vive um estado de inconstitucionalidade. Ele declarou isso, mas fez o que para mudar essa situação? Nada! É preciso que se faça alguma coisa.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Maria Teresa. Esta aqui é a Casa do Povo, é o espaço para o povo falar, e você representa o povo e cada uma e cada um que está na linha de frente.
Eu quero passar a palavra agora ao Juan Pablo, do Subcomitê para a Prevenção da Tortura, aqui representando a ONU, agradecer a ele pela parceria e pela honrosa participação nesta audiência pública e que ele possa nos trazer alguns suplementos e também possa se despedir de todos nós. Mais uma vez, agradeço profundamente pela sua participação, que é muito importante para esta Comissão e para todo esse trabalho que estamos realizando com o conjunto dessas audiências públicas, dessa parceria firmada entre a Câmara dos Deputados e a ONU.
O SR. JUAN PABLO VEGAS (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Obrigado a vocês. Obrigado, Sr. Deputado, pelo convite e pelas suas palavras. Para mim, é um prazer poder estar aqui. Eu gostaria de pedir desculpas por não poder ficar até o final. Por isso, eu gostaria de fazer alguns comentários adicionais e breves em relação à minha primeira intervenção e às intervenções que escutamos.
Dentro do contexto da complementariedade que já mencionei entre os relatórios do Subcomitê para a Prevenção da Tortura e os compromissos universais assumidos que têm que ser realizados, é importante destacar, infelizmente, mesmo com a LEP, o SPT e o que temos contra a tortura em vários âmbitos brasileiros que realizam um trabalho essencial e admirável para combater a tortura, incluindo o Mecanismo Nacional de Prevenção e vários outros mecanismos em âmbito estatal, que a tortura é um problema sistêmico e estrutural no Brasil já há muitos anos.
Todas essas organizações coincidem de alguma forma, e as ações que são tomadas até o presente momento de diferentes setores do Estado não são suficientes para fazer esse tipo de enfrentamento desse problema central de lugares de liberdade do Brasil.
Eu gostaria de trazer experiências internacionais. Um dos elementos centrais para prevenir, evidentemente, essa tortura que existe e outros tipos de maus-tratos cruéis e maldades é contar com mecanismos sólidos de prevenção em âmbitos nacional e estadual, no caso do Brasil, que sejam independentes de forma funcional e administrativa.
Por isso, eu gostaria de concluir, uma vez mais, expressando a importância de a comunidade internacional, especialmente o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, continuar perto do que acontece com países como o Brasil, que está em posição das autoridades, para poder colaborar com o cumprimento dos compromissos assumidos, através do SPT e também dos tratados, com os quais os países fazem parte, em matéria de combate, de revisão da tortura e também de disposição da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, para poder contribuir com o que temos a nosso alcance e para que possamos conseguir, uma vez mais, que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura seja um mecanismo sólido, independente e que trabalhe plenamente para prevenir a tortura.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Agradecemos ao Sr. Juan Pablo, pela sua participação, pela parceria da ONU com esta Comissão.
Vai ser bem difícil discorrer sobre o tema depois da fala da Maria Teresa, mas vou seguir aqui o que eu tinha pensado para falar.
É um prazer estar aqui no dia de hoje. Agradeço imensamente pelo convite. Agradeço ao Deputado Carlos Veras, pela iniciativa.
Primeiro, eu gostaria de destacar que nós do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania entendemos que os presos e as presas devem ser chamados de pessoas presas, frisando a palavra "pessoa", egressos e egressas como sobreviventes do cárcere, para nunca esquecermos que se trata de pessoas como nós, embora muitas vezes elas sejam tratadas como menos humanas.
É muito relevante, nesta audiência, pensarmos no conjunto desse problema tão grave, que hoje atinge mais de 700 mil pessoas diretamente no Brasil, além de familiares e amigos das pessoas presas, que também são afetados pela lógica do encarceramento em massa.
Nesse contexto, pontuo que é relevante também debatermos a relação entre as mulheres e as especificidades de gênero que devem ser observadas na discussão do encarceramento feminino, levando-se em consideração que se trata de um grupo social vulnerável.
Destaco o exponencial aumento do encarceramento de mulheres. Entre os anos 2000 e 2016, houve 600% de crescimento do encarceramento de mulheres no Brasil. De acordo com atualizações, até o ano de 2018, essas taxas passaram para 700%, com destaque para o papel da nova Lei de Drogas, que colabora diretamente com esse aumento.
Nesse sentido, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania é uma organização que se dedica, há mais de 2 décadas, à promoção do acesso à Justiça, à garantia dos direitos das pessoas presas e à produção do conhecimento por meio de uma atuação constante e sistemática, do atendimento direto, do diálogo público e do desenvolvimento de pesquisas sobre o desencarceramento de mulheres, políticas de drogas e migração.
As nossas produções de pesquisa partem de um olhar interseccional, cruzando diferentes marcadores sociais da diferença, como raça, classe social e gênero, para observar o quadro constante de reprodução e violação de direitos sofridos sistematicamente por essas mulheres e seus familiares, em situação de prisão.
O escopo da pesquisa está alinhado ao proposto nas Regras de Bangkok, ao reforçar a urgente necessidade de mudar o quadro de negligências, confinamento e abandono a que são submetidas essas mulheres em conflito com a Justiça. É nesse contexto que surgem as medidas com potencial desencarcerador voltadas para mulheres, tal qual a prisão domiciliar.
Assim, no ano de 2019, o projeto social Justiça Sem Muros, do ITTC, publicou a pesquisa MulhereSemPrisão: enfrentando a (in)visibilidade das mulheres submetidas à Justiça Criminal, que traz a narrativa de mulheres que passaram por audiência de custódia na Região Metropolitana do Estado de São Paulo, com o objetivo de contextualizar como o Sistema de Justiça Criminal valora, prende ou concede a liberdade para determinadas mulheres.
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Nesse mesmo ano, também foi publicada a pesquisa Maternidade sem prisão: Diagnóstico da Aplicação do Marco Legal da Primeira Infância para o Desencarceramento de Mulheres, que trouxe noções importantes sobre o Marco Legal da Primeira Infância e mudanças legislativas que repercutiram nas mães gestantes, lactantes do sistema prisional. A pesquisa teve como principal foco compreender melhor o que fundamenta as práticas, as abordagens e as decisões daqueles que movem o sistema de Justiça Criminal.
Após se debruçarem sobre a atuação dos atores e das atrizes do sistema de Justiça Criminal na aplicação do Marco Legal da Primeira Infância, que prevê a prisão domiciliar para mulheres mães lactantes e gestantes com filhos de até 12 anos e com deficiência, partindo inclusive de um pressuposto de que toda gravidez no cárcere é uma gravidez de risco, constatou-se que os fundamentos mobilizadores pelos atores e atrizes do sistema de Justiça, em síntese, refletiam a forma como o sistema prisional brasileiro é estruturado, de uma maneira a reforçar a opressão sobre as mulheres.
De modo reiterado, nas decisões, são invisibilizadas as necessidades específicas da mulher encarcerada. Ademais, são atribuídos juízos morais e punitivos acerca do papel social tradicional esperado para mulheres no que concerne em especial ao exercício da maternidade, pautado por outro referencial: um tipo ideal de maternidade alçado por juízes e juízas, por promotores e promotoras majoritariamente brancos, aprofundando ainda mais as desigualdades que marcam as relações de gênero, raça e classe, e de acesso à educação, ao lazer e à cultura.
A pesquisa também revelou que, apesar da importância do instituto do Marco Legal da Primeira Infância para a preservação dos laços da criança com a mãe, os juízes e juízas, os promotores e promotoras, por diversas vezes, justificaram as suas decisões e pareceres em critérios subjetivos e arbitrários, sem fundamentação legal para negar a prisão domiciliar a mulheres que legalmente tinham esse direito, em especial aquelas que estavam sendo acusadas por crimes relacionados a drogas.
Assim, podemos afirmar que a aplicação dos parâmetros legalmente conquistados até agora se atrelam ao reforço da desigualdade, atravessada por marcadores sociais de diferenças, como raça, classe, renda, acesso à educação, ao lazer e à cultura, impondo a essas mulheres a manutenção do círculo de invisibilidades ou ao menos a dificuldade de rompê-lo.
A ausência de garantias plenas aos direitos dessa parcela específica de mulheres representa mais uma forma de punição.
Nesse sentido, é muito importante discutirmos e colocarmos holofotes para o papel dos atores e das atrizes do sistema de Justiça Criminal, que, como demonstram as nossas pesquisas, colaboram para o encarceramento de mulheres que teriam direito a outras medidas que não a pena privativa de liberdade, pensando inclusive numa lógica desencarceradora. Não defendemos a prisão domiciliar como a última saída. Mas essas mulheres teriam direito à prisão domiciliar, em especial aquelas que estão presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas, que são crimes sem violência e sem grave ameaça.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Eu que agradeço a sua participação.
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Meu nome é Sylvia Dias, represento a Associação para a Prevenção da Tortura. Vou focar a minha fala nas Recomendações nºs 73, 74, 79, 85, 87 e 88, que abordam medidas relativas à prevenção à tortura e às obrigações adquiridas pelo Brasil em decorrência da ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura.
Deputado, essas recomendações não somente não estão sendo cumpridas pelo Estado brasileiro, como estamos enfrentando um retrocesso grave nos poucos avanços que haviam sido obtidos no âmbito de políticas públicas para o enfrentamento à tortura no País. As Recomendações nºs 73 e 85 instam o Brasil a intensificar os esforços destinados a prevenir a tortura e a prosseguir na implementação efetiva do Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura. No entanto, o que se deu foi justamente o contrário: o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criado por uma lei federal, a Lei nº 12.847, de 2013, para dar efetividade às obrigações impostas pelo Protocolo Facultativo, foi desmantelado pelo Executivo Federal em 2019. Como é do conhecimento de V.Exas., o Governo publicou em junho de 2019 o Decreto nº 9.831, que é objeto de seis PDLs que tramitam hoje na Câmara dos Deputados e que retira recursos, esvazia o Mecanismo e cerceia a participação da sociedade civil no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Aproveito para lembrar, complementando e endossando as preocupações trazidas pelo defensor Mateus Moro e também pelo Dr. Everaldo, que recentemente as universidades federais, as entidades de ensino e pesquisa federais foram impedidas pelo Governo de participar e ter assento no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Ressalte-se que esses dois órgãos foram criados por lei. O Mecanismo Nacional é um órgão de controle com atribuição legal para monitorar espaço de privação de liberdade, registrar e visibilizar as condições de detenção em todo o País, e deve ter garantida a sua independência e autonomia para atuar.
O Decreto nº 9.831, ao retirar os cargos destinados aos peritos e peritos do Mecanismo — cargos que foram criados para esse fim, diga-se de passagem, por uma lei, a Lei nº 12.857 — e ao prever no art. 4º que o trabalho dos peritos será de caráter voluntário, o que faz é extinguir o órgão na prática, inviabilizando por completo a sua existência e ferindo a sua independência. Dessa forma, o que nós tivemos é que, por via de decreto, o Governo Federal usurpou a competência do Poder Legislativo, retrocedendo na proteção de direitos humanos e descumprindo sete recomendações da última RPU. Não somente, senhores e senhoras, não houve avanços; o Estado brasileiro retrocedeu, e muito.
Se tal ato, por si só, já não gerasse especial preocupação, ele se reveste de especial gravidade neste contexto de pandemia, no qual se fecharam ainda mais estabelecimentos prisionais, por exemplo, com acesso proibido a familiares, como foi trazido aqui pela Dona Maria Teresa — é sempre uma honra e um privilégio escutá-la. Também houve acesso proibido à assistência religiosa, entre outros, o que torna ainda mais invisíveis as violências que estão acontecendo nos presídios no momento e ainda mais vulneráveis as pessoas que ali se encontram.
Note-se ainda que esse decreto continua hoje vigente e que o Mecanismo, se continua existindo, como bem colocou o Dr. Everaldo, é em caráter precário, devido, unicamente, a uma decisão judicial cautelar proferida em uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União. A vinculação funcional, então, desses peritos e peritas se mantém hoje sub judice, em caráter provisório. Se essa decisão cai, o único órgão no País com atuação exclusiva voltada para a prevenção à tortura nas unidades prisionais deixa de existir no mesmo instante.
Além disso — indo para o encerramento —, quero também mencionar as Recomendações nºs 74, 87 e 88, que tampouco foram cumpridas.
Até hoje não foi implantada qualquer política pública — nenhuma — para incentivar, induzir os Estados a criarem esses mecanismos estaduais de prevenção à tortura que prevejam a alocação de fundos pelo Governo Federal para apoiar o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Para informação, o último mecanismo de prevenção estadual implantado no Brasil foi em 2018.
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Senhoras, senhores, políticas públicas se fazem com vontade política, com recursos, com orçamento. Retirar cargos, retirar recursos não é incentivo — é desmonte. Prever que órgãos de Estado atuem na base do voluntariado de forma precarizada, sem corpo técnico, é desmantelamento.
Para encerrar, eu gostaria de lembrar que as recomendações dos organismos internacionais de direitos humanos se dirigem ao Estado. As normas internacionais constituem compromissos de Estado e não apenas de um dos Poderes. Então, esta Câmara dos Deputados tem em suas mãos oportunidades de ao menos frear os graves retrocessos mencionados. Por isso, eu pediria, Deputado Carlos Veras, aos outros Deputados e Deputadas aqui presentes que nos escutam que deem urgência e aprovem o Projeto de Decreto Legislativo nº 389, de 2019, que tramita hoje na CTASP, que já tem relatório favorável da Deputada Erika Kokay, que visa justamente sustar os efeitos do Decreto nº 9.831, de 2019, de forma a proteger a existência do Sistema Nacional de Prevenção à Tortura no Brasil e dar cumprimento às recomendações do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Sylvia, pela sua participação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu vou começar me apresentando. Primeiro, quero agradecer ao convite do Deputado Carlos Veras em nome do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Gostaria de começar falando um pouco sobre qual é o nosso papel, qual é o lugar de onde eu falo. O Fórum é uma instituição da sociedade civil que se dedica à produção de conhecimento nos campos da segurança pública e do sistema de Justiça Criminal. Temos um compromisso com a produção e a disseminação de evidências. Mais do que isso, entendemos que as estatísticas e os dados são importantes ferramentas para a promoção de um espaço verdadeiramente democrático no Brasil.
Gostaria de destacar, até em diálogo com algumas falas que me antecederam, que a transparência pública é um dever do ente público, ela não pode nunca ser uma opção. Nesse sentido, eu gostaria de pontuar inicialmente que nos preocupa o retrocesso que foi promovido pelo DEPEN no sentido da transparência dos dados do INFOPEN nos últimos tempos. Esses dados passaram a ser publicados no formato de painéis de dados fechados sem metodologia clara e, pior do que isso, com formas de apresentação e contagem dos dados que mudam a cada levantamento. Isso dificulta o controle social desses dados. Entendemos que isso é um retrocesso na transparência desses dados.
Por isso aqui na minha apresentação eu vou até retomar alguns dos dados que já foram citados nas falas anteriores, mas eu vou buscar destrinchar um pouco mais alguns deles e principalmente chamar atenção para as inconsistências que podem emergir dessa forma como esses dados são apresentados e tratados, que busca, muitas vezes, obscurecer determinados aspectos que esses próprios dados revelam.
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Primeiro eu vou começar falando dos dados gerais sobre a situação prisional no Brasil. Eu destrinchei aqui as recomendações em três grandes eixos. Nesse primeiro, eu estou falando sobre as condições de encarceramento e direitos humanos, que contemplam todas essas recomendações. Segundo o último dado que foi divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional e que foi confrontado com outras estatísticas às quais temos acesso, em julho de 2020 tínhamos 759 mil pessoas presas no Brasil. Estamos falando de uma taxa de encarceramento da ordem de 358 para cada 100 mil pessoas. Estamos falando também de um déficit de vagas da ordem de 242 mil. Então, faltam 242 mil vagas no Brasil. Eu acho que é importante pontuarmos esse dado, porque muitas vezes vemos dados sendo apresentados sobre o quanto de dinheiro foi colocado na construção de vagas e na construção de unidades prisionais no Brasil, mas percebemos por esse dado que esse esforço e esse gasto público são sempre insuficientes e vão ser sempre insuficientes, porque o ritmo de encarceramento é muito maior do que as condições do cofre público para aplacar. Então, faltam ainda hoje 242 mil vagas no sistema prisional. Estamos falando de uma taxa de ocupação da ordem de 147%. Estamos falando aqui de quase duas pessoas para cada vaga que existe no sistema prisional. Eu acho que é importante termos a dimensão disso. Nas falas que me antecederam também tivemos um olhar muito próximo sobre a realidade dessas pessoas que estão encarceradas no Brasil. Acho que é importante levarmos isso em conta quando falamos sobre esse dado, que parece muito frio.
Ainda em relação às condições gerais de encarceramento, temos uma evolução dessa população prisional ao longo do tempo. Às vezes, quando falamos apenas que o Brasil é o terceiro País que mais encarcera no mundo, isso fica parecendo também um dado um pouco etéreo. Quando colocamos isso no gráfico, dá para vermos claramente o que estamos falando sobre essa marcha do encarceramento, esse ritmo de encarceramento que não consegue ser aplacado por qualquer política pública se ela realmente não se comprometer com a diminuição desse ritmo. Estamos falando de um contexto de pelo menos 32% desses presos provisórios. São pessoas que nem sequer foram julgadas e estão dentro desse ambiente prisional, que é um ambiente — sabemos — de violações de direitos, de péssimas condições de vida, e essas pessoas estão lá dentro sem que sequer tenham sido julgadas.
Estamos falando também de um sistema em que só 13% das pessoas trabalham. Essas pessoas têm direito ao trabalho, estabelecido pela LEP, mas ainda assim só 13% delas estão trabalhando. Sabemos que a maior parte desses que estão trabalhando trabalham na verdade em vagas que estão dentro da própria unidade prisional e que servem para movimentar a gestão da unidade prisional, como limpeza, apoio à gestão da unidade. Só 12% dessas pessoas estão estudando — outro direito que também é garantido pela LEP, mas que também não está sendo observado dentro desse sistema.
Quando falamos sobre assistência médica — eu acho que esse é um tema bem interessante, que até foi apontado aqui pelos representantes do Governo Federal —, estamos falando também de um sistema em que a incidência de tuberculose é 28 vezes maior do que fora desse sistema.
Então, no Brasil temos 31,6 casos de tuberculose para cada grupo de 100 mil pessoas. Dentro das prisões, temos 1.301 casos de tuberculose para cada grupo de 100 mil pessoas presas. Então, estamos falando de uma incidência 28 vezes maior dentro do sistema. A mesma coisa em relação à incidência de HIV/AIDS.
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Quando falamos ainda especificamente sobre a Recomendação nº 77, que cita a questão da assistência psicológica, temos hoje, segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça, 1.235 psicólogos em todo o sistema prisional brasileiro. Estamos falando de um profissional para 554 pessoas presas. Então, é muito claro que nessa relação essa assistência psicológica não está sendo prestada a contento, não está chegando a todas as pessoas presas e principalmente não está cumprindo o seu papel de realmente oferecer para essa pessoa presa essa assistência psicológica, que inclusive está prevista também na UEP.
Quando falamos sobre as informações de saúde, acho que também é importante detalharmos um pouco mais isso — e esses dados foram sistematizados pelo Conselho Nacional de Justiça. Quando olhamos o número de atendimentos de saúde que foram realizados em 2019 e em 2020, percebemos que há uma queda de 38% no número de consultas médicas realizadas, 11% no caso das consultas médicas realizadas dentro do estabelecimento, consultas psicológicas, consultas odontológicas. Todas essas consultas têm uma queda muito expressiva. A única coisa que aumenta, quando comparamos esses dois períodos, é efetivamente a quantidade de vacinas que foram aplicadas.
Por mais que essa seja uma boa notícia, o fato de estarmos vacinando a população privada de liberdade, é importante notarmos que é como se essa política não existisse antes, porque, se agora ela aumentou tanto, 64% de aumento em 1 semestre, quer dizer que antes não estávamos vacinando as pessoas presas. E essas pessoas têm direito à assistência médica e também têm direito à assistência em saúde mesmo fora de um contexto de pandemia. Então, não precisamos chegar a um contexto de calamidade pública e de pandemia para que possamos oferecer assistência à saúde para essas pessoas presas. Acho que esse dado é bem expressivo nesse sentido.
Em relação especificamente ao dado da incidência de COVID, eu acho que esse é um dos exemplos em que é preciso destrinchar e olhar para as fontes dos dados, questionar as fontes dos dados e as formas como esses dados estão sendo apresentados, para que consigamos chegar realmente às questões que estão sendo reveladas.
Então, quando olhamos aqui para a informação que foi prestada pelo Boletim do CNJ de Monitoramento da COVID, que é publicado a cada 15 dias — você pode entrar no site do CNJ e ver quantos óbitos e quantos casos de COVID foram informados naquela quinzena —, diferentemente dos dados do DEPEN, eles informam também o número de servidores do sistema prisional que foram acometidos pela COVID-19, que é um dado central para se pensar sobre a disseminação dessa doença dentro do ambiente prisional.
Portanto, estamos considerando os dados do boletim do CNJ com a posição de 17 de maio de 2021. Tínhamos uma taxa de incidência de COVID-19 — e estamos falando aqui do número de casos confirmados de COVID a cada 100 mil pessoas presas — de 7.642 entre pessoas presas. Entre os servidores do sistema prisional, essa taxa de incidência vai para 18 mil. Então, há 18 mil casos de servidores com testagem confirmada para COVID-19 para cada 100 mil servidores. Quando se soma maqui os dois, pessoas encarceradas e servidores, a taxa é de 9 mil. Quando olhamos para a incidência no Brasil como um todo, para a população que está fora do sistema prisional, essa taxa de incidência para cada 100 mil pessoas é de 7 mil.
Então, percebe-se que, dentro do ambiente prisional, há uma incidência muito maior dessa doença. Pode haver uma letalidade menor, e isso está ligado decisivamente ao perfil dessa população prisional.
Sabemos que diversos estudos na literatura mundial atestam que a COVID é muito mais letal entre pessoas idosas do que entre pessoas jovens. Se o sistema prisional é majoritariamente formado por pessoas jovens, espera-se que haja uma letalidade menor nesse ambiente. E isso foi expresso pelos dados, isso está comprovado nos dados sobre o sistema prisional. Mas, quando falamos sobre a incidência dessa doença, ela é muito maior dentro do ambiente prisional, considerando pessoas presas e servidores, do que entre a população que não está privada de liberdade. Estamos falando novamente de uma população cujo direito à assistência médica, o direito à saúde tem que ser garantido pelo Estado. Se as pessoas estão sob custódia do Estado, esse direito tem que ser garantido pelo Estado. Essas pessoas estão muito mais expostas à incidência da COVID-19.
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Temos que considerar ainda que esses dados podem ser maiores, podem estar subnotificados, porque estamos falando de uma testagem, de uma política de testagem que sabemos que demorou muito a chegar ao ambiente prisional e ainda hoje é muito falha. Então, só temos casos confirmados se eles tiverem sido testados e confirmados.
Os dados do DEPEN são muito menores do que os dados informados pelo CNJ. E, se forem confrontados os dados informados pelo DEPEN sobre a incidência de COVID com os dados que foram informados pelas secretarias estaduais de situação prisional, secretarias estaduais de administração prisional e de segurança pública, percebe-se uma disparidade ainda maior. Então, é preciso questionar esses dados.
Eu até faço uma ponderação à Comissão e ao Observatório, para que tenham em mente a questão dos dados não como uma questão periférica, mas como uma questão central no monitoramento das recomendações que estão sendo monitoradas aqui. A forma como se coleta esse dado, a forma como se divulga esse dado e a transparência que é dada a esse dado são centrais para podermos ter ferramentas para monitorar essas recomendações. Eu acho que neste caso da pandemia dentro do ambiente prisional isso fica muito claro.
Vou concluir a minha apresentação. Enfim, eu acho que as falas que me antecederam, da Sofia, da Maria Clara, da Maria Teresa, citaram muito a questão da população prisional feminina. Eu separei esse grupo aqui de recomendações relacionadas à população prisional feminina, mas eu queria só destacar alguns dados gerais sobre esse aumento do encarceramento feminino, que sabemos que desde 2000 foi de mais de 600%.
Quero chamar a atenção também para o número de gestantes e parturientes que estão dentro do ambiente prisional. Novamente, quero dizer que sobre esse número há diversas divergências. Se formos atrás do dado informado pelo DEPEN e o dado informado pelo Conselho Nacional de Justiça, que também monitora esse dado, veremos que ele é muito divergente entre as fontes. Então, também não temos segurança e confiabilidade em relação a essa informação, mas sabemos que só 4% dos estabelecimentos que recebem mulheres dispõem de berçário ou centro de referência materno-infantil. Então, seriam esses espaços destinados a receber essas mulheres gestantes e que tenham filhos dentro do ambiente prisional. Então, uma parcela muito pequena desses estabelecimentos está apropriada para receber essas mulheres.
Entendemos que esse não é o espaço em que elas deveriam estar. Essas mulheres deveriam estar em condições de prisão domiciliar, assim como já foi garantido pelo julgamento do habeas corpus coletivo. Dezesseis por cento das unidades prisionais que recebem mulheres têm espaço reservado para gestantes e lactantes. Então, sabemos também que essas unidades não estão preparadas para receber essas mulheres.
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Eu peguei os dados de uma nota técnica que foi publicada pelo Departamento Penitenciário Nacional. Nós não sabemos muito bem como esses dados foram coletados — por que metodologia. Há sempre essa dificuldade, esse desafio quanto a esses dados do sistema prisional.
Nessa nota técnica, dá-se conta de pelo menos 11.490 pessoas dentro do ambiente prisional que se declararam pertencentes à população LGBTI, com os diferentes marcadores possíveis. O número de vagas destinadas especificamente à população LGBTI informado ao Departamento Penitenciário Nacional é de 3 mil. Então, uma população de 11 mil pessoas está distribuída em 3 mil vagas. É claro que as pessoas não estão acessando o direito a uma vaga específica para a sua condição, para a sua denominação de orientação sexual ou de identidade de gênero. Ainda, 87% dos estabelecimentos não têm alas ou celas para pessoas LGBT.
E 88% dos estabelecimentos não dispõem de espaço exclusivo para pessoas idosas, também uma população com marcador específico de vulnerabilidade.
São 231 vagas destinadas à população indígena, segundo o último painel do DEPEN, e o número de pessoas declaradas indígenas é de pelo menos 1.085. Então, assim como no caso da população LGBT há 11 mil pessoas distribuídas em 3 mil vagas, no dos indígenas, são mil pessoas para 200 vagas. É claro que essa população não está tendo acesso a esse direito.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Thandara, por sua participação.
Cumprimento todos na pessoa do Deputado Carlos Veras, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, que está conduzindo esta audiência pública.
As Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal são organizadas por matéria. A 7ª Câmara de Coordenação e Revisão foi criada no ano de 2014, com atuação nas matérias de controle externo da atividade policial e do sistema prisional. Assim, na defesa da ordem jurídica e dos direitos humanos, busca garantir à sociedade a efetiva e correta execução da pena, tendo em vista as suas finalidades e a preservação dos direitos e garantias do sancionado, nos termos da lei e da Constituição federal.
Desde a sua criação, a 7ª Câmara concentra esforços a fim de garantir a presença mais efetiva do Ministério Público Federal na reestruturação do sistema prisional. Em 2016, expediu o Enunciado nº 2, expressando seu entendimento de que o Ministério Público Federal possui atribuição para a persecução de crime de tortura ou de maus tratos contra preso à disposição da Justiça Federal, ainda que esteja recolhido em estabelecimento prisional estadual e tenha o delito sido praticado por agente estadual, o que faz referência, então, ao art. 109, inciso IV, da Constituição Federal.
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Desde 2017, as ações do órgão colegiado têm como principal premissa a necessidade de respeito aos direitos humanos dos custodiados.
Para se alcançar qualquer mudança positiva de longo prazo, o órgão reforçou o diálogo com o Departamento Penitenciário Nacional — DEPEN e abriu canais de comunicação com a Organização das Nações Unidas, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Tribunal de Contas da União.
Entre os temas debatidos, estão a prevenção de rebeliões, a fiscalização de recursos repassados pelo Fundo Penitenciário Nacional e a fiscalização das situações ensejadoras de violação de direitos humanos nos cárceres. Nesse sentido, em 2018, na revisão do planejamento temático, a Câmara definiu como um dos seus temas prioritários a prevenção e o combate à tortura, adotando iniciativa no sentido de efetivar essa atuação com especial atenção à promoção de espaços de diálogo com instituições da sociedade civil e do sistema de justiça e execução penal.
A título de exemplo, o colóquio O Direito à Identidade de Gênero no Sistema Prisional foi realizado em maio de 2019 e discutiu questões relacionadas ao acolhimento e ao respeito a pessoas transgênero dentro do sistema prisional. Contou com a participação de representantes da comunidade LGBTI e da sociedade civil, além de advogados, defensores públicos, especialistas e pesquisadores e membros do Ministério Público e do Judiciário também.
Nesse contexto, manifestou-se favoravelmente a Câmara pela inserção, no formulário de inspeção de presídios, de campo de identificação da identidade de gênero, prevendo o levantamento e registro dessas informações das pessoas LGBTI privadas de liberdade.
Em dezembro de 2019, a mostra de cinema Sistema Prisional e Direitos Humanos teve como objetivo fomentar a reflexão sobre o sistema de Justiça Criminal, o sistema prisional e a falta de efetivação de direitos e garantias fundamentais de pessoas em situação de privação de liberdade.
Em 2020, o novo colegiado que eu estou presidindo tomou decisão no sentido de atualizar o planejamento temático da Câmara. Foram, então, aprovados quatro temas prioritários, três deles voltados à atuação do Ministério Público Federal no sistema prisional.
Esses três temas são: prevenção e combate à tortura no sistema prisional e na atividade policial e monitoramento do cumprimento das recomendações elaboradas pelo MNPCT; fiscalização da aplicação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional e do adequado financiamento do sistema prisional; acompanhamento das políticas do DEPEN no enfrentamento ao domínio de facções criminosas e outras políticas relativas ao sistema prisional.
A 7ª Câmara tem insistido no relacionamento interinstitucional, expandindo o diálogo com órgãos e organizações que também atuam na temática do sistema prisional, como forma de enriquecer o debate sobre soluções (falha na transmissão) atividade policial e do sistema prisional procurou instrumentalizar e capacitar seus representantes, oportunizando sua participação ou realizando eventos que debatem questões sobre políticas públicas ou que foram pensados e executados no propósito de atender às premissas da 7ª Câmara, principalmente no intuito de promover diálogo com a sociedade, com os órgãos de segurança pública e o sistema de justiça, sobre atribuições do MPF nas atividades concernentes à fiscalização do sistema prisional, visando à formação de uma cultura de respeito aos direitos humanos e ao (falha na transmissão) para a proteção da cidadania.
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17:00
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Em 2020, a Câmara indicou um dos seus integrantes como ponto focal para o diálogo e articulação da Câmara com o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, especialmente com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, definindo como trabalho inicial a identificação do tratamento dado, as manifestações do MNPCT, a sistematização dos relatórios, particularmente aqueles que tratam das visitas aos estabelecimentos penitenciários e proposição de roteiro de atuação do MPF frente as suas recomendações.
Neste ano de 2021, com o foco de reforçar o diálogo interinstitucional, alinhar a atuação e discutir forma de fortalecer (falha na transmissão) o Procurador Luciano Mariz Maia, como titular, e a Subprocuradora Ela Wiecko, como representante suplente no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e na Comissão Permanente do Direito da População em Situação de Privação de Liberdade do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Buscando avançar no mesmo foco, adotou-se a concentração dos feitos extrajudiciais em andamento no âmbito da Câmara relacionados à prevenção e ao combate à tortura, a relatoria do ponto focal, buscando uma maior eficiência na análise de proposição de adoção de rotina de atuação com acompanhamento de recomendações e de outros expedientes do MNPCT.
1. procedimento autuado em 2019 com o objetivo de acompanhar as condições de funcionamento do MNPCT e o adequado financiamento das atividades por parte do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, e a efetivação das prerrogativas previstas em lei;
2. procedimento adotado em 2020 com o objetivo de acompanhar a fiscalização do cumprimento do Protocolo de Istambul e do Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no Crime de Tortura em atenção a recomendações expedidas pelo MNPCT, relativas à presença de agente de custódia ou policial durante a realização de exame de corpo de delito em pessoas privadas da liberdade;
3. procedimento autuado em 2019 com o objetivo de analisar os impactos da Resolução nº 06, de 2017, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária acerca das diretrizes para a arquitetura penal no Brasil e da adequação delas às normas internacionais dos direitos humanos sobre o tema, levando em conta a norma técnica do MNPCT.
A atuação na 7ª Câmara Prisional ocorre em duas vertentes: de forma indireta, nas unidades prisionais e estaduais, através dos representantes do Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, nos Conselhos Penitenciários Estaduais; e, de forma direta, no Centro Penitenciário Federal, onde os membros do MPF são responsáveis pelas inspeções nos estabelecimentos penais, no acompanhamento da execução penal e em outras ações que julgarem necessárias para garantir a segurança e o respeito aos custodiados.
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17:04
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Eu concluiria dizendo o seguinte: mesmo que a temática do Ministério Público Federal diga respeito basicamente, com relação aos pedidos federais ou aos pedidos estaduais, aos presos federais e às verbas do FUNPEN destinadas aos pedidos estaduais, a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF está à disposição de todos para agir dentro de sua esfera e de sua competência tanto com relação aos pedidos federais quanto aos estaduais.
Há outros pontos que eu gostaria de tocar, mas eu iria gastar mais uns 5 minutos e já extrapolei o tempo que me foi destinado.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Dr. Francisco, pela sua participação.
Antes de passar a palavra e a coordenação desta audiência pública à Vice-Presidenta desta Comissão, Deputada Vivi Reis, quero agradecer a participação de todos e todas.
Gostaria de informar — aproveitando o comentário feito pela Coordenadora de Relatórios Internacionais de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos — que a metodologia adotada pelo Observatório Parlamentar considerou o agrupamento de recomendações em benefício dos debates feitos durante as audiências e da racionalidade do exame dos temas. As mais de 240 recomendações foram agrupadas em eixos de maneira a contemplar todos os pontos que devem ser avaliados.
No relatório preliminar que foi enviado com antecedência às senhoras e aos senhores convidados e convidadas, há um número maior de recomendações que coincide tematicamente com todas as recomendações anunciadas na pauta.
A nossa consultoria, assim como o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, está à disposição para fornecer informações adicionais.
Quero novamente agradecer a cada convidado, cada convidada pela participação e pelas apresentações aqui feitas.
Devido ao adiantado da hora, se houver mais alguma recomendação, sugestão ou contribuição — todas as sugestões apresentadas serão consideradas no relatório final —, que sejam enviadas por escrito para a Comissão, pois serão consideradas no nosso relatório final.
Com muita honra, passo a palavra à Deputada Vivi Reis, Vice-Presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, que tem neste tema uma atuação muito presente e destacada. Por isso, é uma honra passar a palavra para a Deputada Vivi Reis, que vai concluir os trabalhos desta audiência do dia de hoje. Tem a palavra a Exma. Deputada Vivi Reis.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Presidente, Deputado Carlos Veras.
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17:08
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Primeiro, quero agradecer a V.Exa., Presidente, e a todos que nos prestaram solidariedade pelo ocorrido no final de semana, a invasão ao nosso escritório político em Belém. Portanto, quero agradecer-lhe porque, logo no dia em que o fato foi noticiado, V.Exa. já fez contato, prestando solidariedade, colocando-se à disposição e ressaltando essa necessidade de fazermos nosso trabalho político sem sermos alvo de ataques.
Então, muito obrigada. Agradeço a V.Exa. e a todos e a todas que nos prestaram solidariedade e estão conosco nessa luta para a garantia das investigações. E quero também colocar a importância desse apoio, para que eu e minha equipe possamos seguir com o sentimento de que não estamos sós e que temos com quem contar nessa luta, para que possamos seguir com o nosso trabalho em defesa dos direitos humanos, da vida e dos direitos dos trabalhadores, da juventude, sem distinguir quais seres humanos devem ou não ter direitos.
Quero já expressar que essa temática de hoje tem relação direta com a atuação do nosso mandato. Inclusive, antes mesmo de eu ser eleita Deputada Federal, ainda em 2019, estive aqui nesta Câmara como convidada, representando os movimentos do meu Estado que lutam em defesa dos direitos das pessoas privadas de liberdade. Desde muito tempo atuamos nesta pauta, e não me poupei, na condição de Deputada, em seguir construindo essa política que, como bem sabemos, também recebe muitos ataques, porque muitas pessoas não entendem qual é a defesa real que fazemos. Trata-se de uma defesa pela vida, uma defesa para que seres humanos possam ser respeitados e ter direitos básicos, como alimentação, itens de higiene, tal como algumas falas apresentaram aqui. Muitas das vezes não se tem a garantia de itens básicos de higiene, e eu cito especialmente as mulheres privadas de liberdade, que às vezes não têm absorvente higiênico, que é um item tão básico e necessário para todas as pessoas que menstruam.
E eu queria fazer aqui essa análise de como vem acontecendo esse desmonte, pelo Governo Federal, de políticas que possam garantir os direitos das pessoas privadas de liberdade. Nós temos que fortalecer essas políticas e pensar como dar suporte à atuação, inclusive do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que conheci naquela oportunidade em que vim para uma audiência pública aqui em 2019.
Devemos fazer as denúncias necessárias, a exemplo do fato que foi citado por alguns dos nossos convidados e convidadas, quanto às audiências de custódia, que não foram respeitadas na pandemia. E eu diria que muitas outras coisas não foram respeitadas na pandemia. Eu diria que, muitas das vezes, falava-se sobre a necessidade de não aglomeração, de distanciamento social, mas como se garantiu isso dentro desses espaços do cárcere? Portanto, precisamos seguir falando e fazendo as devidas denúncias.
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17:12
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Tenho aqui o nosso requerimento para realização de diligências nas unidades penitenciárias do Pará, que tem como finalidade apurar os indícios de violação aos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade no meu Estado, aprovado no dia 23 de março.
Desde que iniciamos nossa atuação neste mandato de Deputada Federal, esta é uma pauta que tem sido prioridade para nós. Então, eu já me coloco à disposição.
Agradeço a participação de todos e todas que estiveram conosco, sejam aqueles que estão nos acompanhando agora pela TV Câmara, sejam por intermédio das plataformas virtuais, sejam os nossos convidados que estão na programação, fizeram suas falas e trouxeram suas denúncias.
O papel desta Comissão está sendo muito importante porque está trazendo este debate sobre a Revisão Periódica Universal — RPU. Temos que, de fato, ouvir e saber se os itens apresentados estão sendo ou não cumpridos e o que fazer para que sejam. Acho que também é papel do Governo escutar e fazer com que sejam efetivados esses direitos humanos, para termos essa garantia de combate a qualquer forma de violação aos direitos humanos.
Contem conosco! Temos aqui uma Comissão que está muito aberta e disponível a essas discussões e, com certeza, vai produzir muito ao longo desses anos para garantir os direitos das pessoas privadas de liberdade, para a garantia e defesa dos direitos humanos e da vida.
Espero que neste País possamos, de fato, ter uma Casa legislativa que esteja pensando nessa população que, em geral, é pobre, precarizada, de pessoas negras. Inclusive, aumentou muito o número de mulheres negras hoje privadas de liberdade. Tudo isso são determinantes que temos que avaliar, marcadores importantes que precisam constar também de todos os debates sobre essa temática.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente audiência pública, antes convocando os membros da Comissão para a audiência pública destinada a debater processos de tombamento dos espaços e edificações relacionados à história e à memória de pessoas atingidas pela hanseníase, audiência que ocorrerá na sexta-feira, dia 24 de setembro de 2021, às 10 horas.
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