3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Saúde
(Audiência Pública Extraordinária (virtual))
Em 2 de Setembro de 2021 (Quinta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:03
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Boa tarde a todos.
Declaro aberta a presente reunião.
Informo aos Srs. Parlamentares que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pela Internet, por meio do site da Câmara e do Portal e-Democracia, para ampliar a participação social por meio da interação digital. Informo ainda que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis para serem baixados na página desta Comissão logo após o encerramento dos trabalhos. As inscrições para uso da palavra serão feitas por meio do menu Reações, aquela mãozinha do aplicativo Zoom.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos dos Requerimentos nºs 250, de 2021, e 256, de 2021, de minha autoria, subscritos pela Deputada Carla Dickson, aprovados por esta Comissão, para debater a qualidade do ensino nos cursos de medicina no Brasil.
Participarão desta reunião, por videoconferência, a Dra. Mayra Isabel Correia Pinheiro, Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde; o Dr. Hélio Angotti Neto, Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde; o Dr. Júlio Cesar Vieira Braga, Conselheiro do Conselho Federal de Medicina; o Dr. Lincoln Lopes Ferreira, Presidente da Confederação Ibero-Latina-Americana e do Caribe de Entidades Médicas — CONFEMEL; o Dr. Márcio Yuri de Souza Ferreira, Presidente da Associação dos Estudantes de Medicina do Brasil — AEMED-BR; o Dr. Rafael Lobo de Souza, Diretor de Ensino Médico da Associação dos Estudantes de Medicina do Brasil — AEMED-BR; o Dr. José Luiz Gomes do Amaral, Presidente da Associação Paulista de Medicina; o Dr. César Eduardo Fernandes, Presidente da Associação Médica Brasileira; a Dra. Cristiane Dias Lepiane, Diretora de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação; o Dr. Sergio Henrique da Silva Santos, Diretor de Desenvolvimento da Educação em Saúde da Secretaria de Educação Superior do MEC.
Comunico aos senhores membros desta Comissão que o tempo destinado à exposição de cada convidado será de 10 minutos, prorrogável a juízo desta Presidência. Os convidados não podem ser aparteados. Os Deputados inscritos para interpelar os convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer dos presentes.
Vamos iniciar os trabalhos.
Tem a palavra, por 15 minutos, a Dra. Mayra Isabel Correia Pinheiro, Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde.
O SR. DR. LUIZ ANTONIO TEIXEIRA JR. (PP - RJ) - Presidente Dr. Zacharias Calil, posso fazer minhas considerações antes de a Dra. Mayra fazer uso da palavra?
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Fique à vontade.
O SR. DR. LUIZ ANTONIO TEIXEIRA JR. (PP - RJ) - Parece que a Dra. Mayra também não está aqui ainda.
O SR. VINÍCIUS NUNES AZEVEDO - A Dra. Mayra chegará em 2 minutos.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Está bem.
O SR. DR. LUIZ ANTONIO TEIXEIRA JR. (PP - RJ) - Permita-me, então, Deputado Calil, fazer minhas considerações.
Boa tarde a todos. É um prazer estar aqui com vocês participando desta reunião.
14:07
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Quero saudar o meu amigo César Fernandes, Presidente da AMB; o nosso amigo José Luiz, Presidente da Associação Paulista de Medicina; o Júlio Cesar Vieira, do Conselheiro Federal de Medicina, representando o Presidente Mauro Ribeiro; o nosso amigo Lincoln, ex-Presidente da AMB; a Cristiane Lepiane, representante do Ministério da Educação; a Mayra; o nosso amigo Hélio Angotti, que está aqui participando conosco; o Rafael Lobo; e todos os demais participantes.
Este é um assunto muito importante para todos nós que brigamos pela causa médica. Ontem, houve um avanço muito grande por termos conseguido que quase 95% da classe médica e dos profissionais de saúde ficassem fora da reforma tributária, com aumento da isenção para todas as empresas de lucro presumido e SIMPLES em até 4 milhões e 800, o que contempla quase 95% da classe médica com a não tributação de lucros e dividendos, o que teria um impacto muito grande na vida de todos nós profissionais da medicina.
Hoje, falar nesta audiência sobre a qualidade do ensino médico é fundamental. Quero parabenizar o Deputado Dr. Zacharias Calil, autor do requerimento de realização desta audiência, e a Deputada Carla Dickson, que subscreveu o requerimento.
Eu tenho conversado com algumas pessoas, primeiro, sobre a necessidade absoluta de colocarmos médicos dando aula a médicos. Um dos principais problemas, Deputado Calil, dos cursos de medicina hoje é que os nossos futuros colegas, os estudantes de medicina, estão tendo aula com fisioterapeutas, com farmacêuticos, com outros colegas enfermeiros e só vão encontrar um médico só no internato. Quem está dando aula de anatomia, de disciplinas que deveriam ser ministradas por médicos, são outros profissionais de saúde. Faz-se necessário trazer para exemplos práticos qual é a importância da anatomia dentro da medicina, qual é a importância de várias áreas dentro da medicina, até a farmacologia, que tem a sua importância.
Nós fizemos o nosso curso com um farmacêutico com grande especialidade, mas é fundamental que haja um médico para explicar qual é a importância da farmacologia, o que ela significa, porque não estamos fazendo um curso para farmacêutico, para quem fica ali apoiando a medicação. Nós estamos fazendo curso para quem vai aplicar a medicação, para quem vai indicar a medicação, e por isso tem que haver uma visão diferenciada sobre o tema.
Acho que um dos principais problemas a serem abordados nesta audiência é a necessidade de melhoria dos cursos, a necessidade de haver médico dando aula para médico nos cursos de medicina. Como as faculdades buscam economia de custos, estão colocando outros profissionais para ministrar o curso de medicina. Eu acho que esse é um ponto principal.
Outro ponto que é preciso abordar quanto à qualidade do ensino e à expansão ou não de vagas é a criação de uma barreira na saída, para que as pessoas, quando matricularem um filho numa faculdade de medicina, que hoje tem mensalidade em torno de 10 mil reais por mês, saibam que aquela é uma faculdade séria.
Eu conversei com o Presidente César Fernandes sobre a criação de um exame de proficiência médica. Acho que isso se faz necessário. É uma regra que eu me disponho a discutir para levantar essa bandeira. E vigoraria a partir do momento em que as pessoas ingressarem num curso de medicina, Deputado Calil, para quem entrar no curso de medicina. O menino vai acessar o primeiro período já sabendo qual é a regra ao final do curso. Se ele não for bem, se, ao longo de diversos exames a serem feitos durante o curso, ele não tiver condições de ser médico, ele não vai ser médico. Ele vai ser bacharel. Mas isso não se aplicará a quem já está no meio do curso, porque, talvez, haja uma insegurança jurídica nisso.
Queremos participar desta discussão. Estou à disposição e vou participar, ouvir e acompanhar a audiência pública, mas eu acho que discutir isso é muito importante para o bem e para o futuro da medicina.
14:11
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A cada dia que passa, Deputado Calil — e já estou formado há algum tempo, mas não tanto quanto V.Exa. —, vemos a qualidade do médico cair. Por isso, vemos as especialidades e a nossa profissão sendo invadida por biomédicos, odontólogos e outros profissionais, vendendo o mesmo serviço, mas muitas vezes com baixa qualidade. Vemos também que há cada vez mais necessidade de médicos nos plantões. Parece que precisamos trabalhar em bando. Um lugar que precisaria ter dois pediatras hoje tem quatro. Lugares que precisariam de dois ortopedistas hoje têm quatro, porque muitos têm insegurança na atividade. Por isso, é muito importante haver ensino médico de qualidade, assim como uma residência médica de qualidade.
Eu não sei se a Mayra já está conosco. Ela fez um grande trabalho na qualificação das residências médicas com a criação da remuneração para os preceptores. Temos certeza de que temos caminhos para apontar, porque muita gente de qualidade está envolvida nesta discussão. Estamos buscando a união da AMB com o CFM e com a Frente Parlamentar da Medicina. O envolvimento do MEC e do Ministério da Saúde se faz fundamental para termos certeza de que a população, quando chegar a um posto de saúde, a um pronto-socorro ou a uma UPA, vai se deparar com um médico devidamente qualificado, em condições de atender o seu filho, o seu pai, o seu esposo ou o seu avô. Precisamos ter médicos de qualidade defendendo e praticando uma boa medicina.
Deputado Calil, muito obrigado por este espaço, antes da abertura da audiência.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Eu é que agradeço a sua disponibilidade de estar aqui conosco. É um prazer muito grande recebê-lo, porque nos dá mais credibilidade.
Ontem, eu recebi centenas de mensagens nos parabenizando pela iniciativa da Comissão de levar este assunto à discussão.
Sou talvez o mais antigo aqui realmente. Eu passei no vestibular em 1975 e fiquei 6 anos numa universidade federal. Naquela época, no Centro-Oeste, só havia universidade federal em Goiás, em Brasília — a UnB — e em Mato Grosso. Era uma coisa muito concorrida, e o curso de medicina realmente era muito diferente, totalmente diferente do que é hoje.
Eu tenho dois filhos médicos, genro e nora médicos. Somos seis médicos na família. Eu vejo a formação deles e vou comparando com a minha. Eu me formei em 1980. Naquela época, o aluno já saía da faculdade muito bem preparado, sabendo fazer parto, algumas cirurgias de urgência, drenagem de tórax e uma série de procedimentos cirúrgicos. O aluno estava apto a praticar a medicina. De lá para cá muita coisa mudou. Hoje, o estudante não pode participar dos estágios dos quais participávamos antigamente, em convênios com o MEC. Para se ter ideia, eu conheci o Governador de Goiás, Ronaldo Caiado, em 1979, quando fui seu estagiário na clínica que ele montou de ortopedia. Foi assinado por ele um convênio da clínica com o MEC.
Hoje, realmente, pela quantidade de alunos formados no Brasil, a formação está deixando muito a desejar, exatamente pela baixa qualidade do ensino, principalmente na área básica. Se perguntarmos para um aluno do 1º ano sobre embriologia, minha especialidade — sou cirurgião pediátrico —, ele não vai saber responder. Isso é reflexo da formação do ser humano. Muita coisa ele não sabe, porque é uma matéria na qual ele não tem interesse, mas o aluno tem que saber como é a formação do nosso organismo. São situações com as quais temos, sim, que nos preocupar.
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Eu vejo o pessoal comentar no dia a dia a situação dos hospitais. Se você passar mal no fim de semana e for a determinado hospital, terá que saber muito bem quem vai lhe atender, porque a remuneração dos médicos está muito baixa. Eles contratam muitas vezes pessoas recém-formadas, que não têm a experiência e a qualificação devidas.
Há uns anos, fui fazer uma prova para ser professor de técnica operatória numa faculdade de medicina particular. Na ocasião, conversando com os alunos, perguntei quais eram os médicos que davam aula lá. Realmente, não havia nenhum médico. Os professores eram profissionais da biomedicina, da fisioterapia ou, mais raramente, da odontologia, cujos alunos têm uma formação mais humana e experiente do que os das outras matérias. Na nossa época, fazíamos o básico da disciplina de anatomia, matéria que era muito ferrada. Os professores de anatomia eram exigentes. Você tomava bomba mesmo e tinha que repetir o período.
É muito preocupante isso tudo. Esta audiência foi convocada também pelos alunos de medicina para debatermos este assunto de uma maneira muito profissional e encontrarmos um norte para o qual direcionar o ensino médico no Brasil.
Ainda bem que os Parlamentares médicos que nos antecederam conseguiram bloquear a abertura de mais faculdades de medicina no Brasil, porque é impressionante pagar 10 mil reais por mês e não ter um ensino de qualidade. Às vezes, você está lá dentro sendo enganado, achando que vai ser um grande médico, um grande profissional, e na realidade, na hora em que vai fazer o concurso para residência médica, não consegue passar.
Eu vejo isso como um assunto muito sério, que nós temos que debater.
A Mayra já chegou?
O SR. VINÍCIUS NUNES AZEVEDO - Boa tarde, Deputado. Boa tarde a todos.
Sou o Secretário Substituto da Dra. Mayra.
Ela solicitou que, se possível, as apresentações começassem e deixassem a dela para o fim, porque ela teve alguns imprevistos na agenda, mas quer muito participar do evento. Se ela puder, por gentileza, contar com essa tolerância, agradecerá. Assim, poderá fazer a sua apresentação.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Sim.
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Só vou concluir meu raciocínio.
Eu vejo que muitas faculdades particulares de medicina no Brasil não têm sequer hospital para os alunos fazerem treinamento. Fazem convênios com hospitais públicos. Às vezes, nem aqueles médicos que estão ali estão capacitados para ministrar aulas. Falam mais pela sua experiência profissional sobre como devem ser determinadas condutas. Mas é uma coisa à qual nós também temos que ficar bastante atentos.
Um tempo atrás, eu fui dar uma aula sobre cirurgia pediátrica, e os alunos vieram falar comigo — eu já era Deputado — sobre como eles conseguiriam um hospital para fazer internato, porque, até então, a faculdade não tinha o planejamento de colocar esses alunos do 6º ano para fazer o internato em determinadas unidades.
Então, é com isto que nós temos que estar sempre preocupados: a formação do profissional. Amanhã, você ou uma pessoa da sua família podem ser, sim, atendidos por alguém que não tenha capacidade e experiência suficientes para fazer um atendimento de qualidade e até salvar a vida numa emergência dessas.
Enquanto a doutora não chega, vamos chamar o Sr. Hélio Angotti Neto, Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, do Ministério da Saúde.
O SR. HÉLIO ANGOTTI NETO - Olá, Deputado Dr. Calil. Agradeço muito esta oportunidade. Em nome do senhor, gostaria de cumprimentar todos os demais presentes, mandando um abraço para todos.
Passando já, então, para o começo de uma breve exposição de alguns pontos, realmente, nós tocamos num assunto crucial: a qualidade dos nossos futuros médicos, dos médicos que estão saindo das universidades, que estão lá em formação. Existe até uma metáfora que já foi utilizada: ter um médico com alguma deficiência grave em sua formação é como colocar um Boeing na mão de alguém despreparado. Ele vai conduzir uma UTI, ele vai conduzir um pronto-socorro, e as vidas estarão em jogo naquele lugar, com aquela equipe. Então, é muito sério o que nós estamos dizendo.
Eu tive a oportunidade, assim que eu cheguei ao Ministério da Saúde, de acompanhar o trabalho da Secretária Mayra. Eu era Diretor do DEGES — Departamento de Gestão da Educação na Saúde naquela época. Então, tive essa excelente oportunidade de colaborar um pouquinho naquela busca de mapear a educação de saúde no Brasil. E, com todos os problemas que nós temos, a medicina ainda é uma das mais organizadas. Mas isso não é uma posição de conforto. Isso é uma posição de responsabilidade grande que todos nós temos. Mesmo sendo ela mais organizada em termos de estruturação da educação em saúde, há muitos pontos cegos no sistema.
Mas, enfim, quais são os desafios atuais quando falamos de qualidade do ensino? Quando falamos de uma formação médica — tenho a oportunidade também de atuar como professor de medicina —, nós temos grandes esferas da ação humana, a esfera científica. E aí vem o questionamento: nós conseguimos realmente instituir a prática médica baseada em evidências e a ciência baseada em medicina? Nós estamos formando analisadores e aplicadores de protocolos ou estamos formando médicos, artistas da arte médica, que mistura ciência, técnica, ética e profissionalismo, com todo o seu código de conduta, com todo o seu código moral e o seu compromisso com o próximo? É algo a se questionar. Qual é a qualidade da formação científica?
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Esta pandemia trouxe uma grande crise, mas ela também nos deixará com várias missões. Uma missão é aprofundar nosso uso, nossa compreensão da ciência e buscar consolidar isso nas escolas médicas. E também não adianta a simples ciência bruta. A ciência tem que ser depurada pela aplicação na prática.
Aqui foi comentada tanto pelo Deputado Dr. Luizinho quanto pelo Deputado Dr. Calil essa necessidade, primeiro, de haver médicos ensinando médicos. Médicos necessitam de modelos profissionais. Eles precisam enxergar a ciência, mas passando pela peneira humanística do modelo profissional concreto de um professor, de um médico, de um colega mais experiente, que vai aplicar aquilo na prática e vai saber pegar as ideias gerais que a ciência nos traz e aplicar essas ideias gerais à situação única, concreta e jamais repetível de um paciente que está na sua frente pedindo socorro. Nós precisamos desses modelos.
Então, entra aí a segunda esfera de formação profissional e técnica. Estamos fundamentando o raciocínio clínico com a devida competência? Não adianta estudar em abstrato as coisas. Nós precisamos pegar conceitos de fisiopatologia, farmacologia e arrastá-los para a prática médica, pegar uma aula de anatomia, analisar secções transversais de tomografia, de ressonância, agregar raciocínio clínico, agregar dicas da prática médica e de como aquilo é importante, dicas cirúrgicas no momento da anatomia. Nós precisamos desses modelos e dessa aplicabilidade, precisamos ter os campos da prática bem estabelecidos e supervisionados, conviver com pacientes e mestres.
Aí entra a esfera ética: possuir os devidos modelos profissionais de referência, a convivência com os professores. Muito me preocupa certa massificação e um contato muito tênue entre estudantes e seus preceptores, seus professores, chefes de serviço. Nós não podemos cair no risco da massificação. Nesse sentido, a medicina precisa caminhar ao lado de uma formação humanística e científica, que, para ser bem-sucedida, precisa estabelecer convivências com modelos profissionais adequados, médicos vocacionados para ensinar. E nós temos uma grande carência de colegas, às vezes em muitas cadeiras.
Nós também enfrentamos um problema quando analisamos a qualidade. Tivemos fragilidades enormes na expansão de escolas médicas. Temos aí muitos casos de leitos compartilhados entre mais de uma escola médica — duas, três escolas, possivelmente — e de leitos insuficientes. Há alunos que, muitas vezes, brigam pela atenção de um paciente ou pela atenção de um preceptor. Há números inadequados. A estrutura está inadequada, muitas vezes. Nós entendemos que o estudante precisa estar presente na atenção primária à saúde e na especializada. Às vezes, não temos a estrutura para ter um ambiente educacional ao lado de um ambiente assistencial na atenção primária à saúde. Até mesmo dentro de hospitais, às vezes, há pouca estrutura.
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Então, há essa limitação de estrutura, há limitação de docentes vocacionados e preparados. Muitas vezes, há uma inadequação de pedagogos, que não têm a experiência clínica, não têm essa visão da clínica e não têm um suporte de médicos que se comprometam, de fato e em espírito, com a educação da nova geração. Temos muitas vezes metodologias transplantadas de outros contextos e de outros países que não atendem às necessidades de formação do Brasil.
Temos também a questão de pessoas que vêm de outras escolas e buscam uma transferência para o Brasil. Então, há essa possibilidade de acolhida de novos estudantes de medicina, mas nós temos que lembrar que o nosso perfil epidemiológico é diferente. Será que somente uma prova com elementos teóricos e práticos, reforçando essas esferas da ação humana — ciência, conhecimento, técnica, habilidades, ética, práticas, atitudes, como falado na terminologia mais contemporânea —, dá conta disso? Não seria necessária também uma vivência prática com atualização teórica no contexto brasileiro, com a epidemiologia brasileira, nas suas devidas regiões de atuação? Como fazer essa vivência no SUS, para que a pessoa aprenda referência, contrarreferência, elementos de gestão, que são tão importantes na nossa formação? Há práticas orientadas, às vezes, por um cenário de carência de estruturas no exterior. Às vezes, chega um aluno aqui vindo de escolas médicas que passam dificuldade estrutural no exterior buscando essa estrutura no Brasil. Como garantir um mínimo de qualidade também para esses? Que critérios deverão ser utilizados? Eu entendo que o internato é um marco.
Destaco também a garantia de diversidade na formação, conforme disposto nas diretrizes curriculares. Nossa formação prática com o aporte teórico qualificado e atualizado precisa ser diversificada. Temos que passar nas cadeiras de especialidades para sermos bons generalistas. Não tem jeito; temos que entender um pouco de cirurgia pediátrica, neurologia, nefrologia, oftalmologia — eu falo em causa própria, com conflito de interesse, já que sou oftalmologista. Sim, precisamos de um aporte múltiplo para ter uma visão boa de generalista. Ser generalista é complicado. Temos que ter uma transmissão de valores profissionais no exercício junto a esses professores, preceptores, pacientes brasileiros, no nosso contexto. Trata-se da possibilidade, então, de atualizar esse conhecimento na prática.
Muitas vezes, se nós buscarmos um consenso do que é a formação nos quatro primeiros anos da medicina, não vamos ter um cenário muito claro no Brasil. As disciplinas, os módulos, enfim, não seguem uma ordem única. Embora tenhamos um currículo de Maastricht que foi adaptado para muitas escolas, há muita discordância nos currículos Brasil afora.
Temos flutuação de vagas disponíveis, fragilidades já existentes, escolas que foram abertas em Municípios que não têm estrutura, não têm hospital adequado.
Como lidar com toda essa carência de estrutura e dificuldade na formação dos nossos estudantes e na qualificação dos preceptores? Eu vejo algumas ações que já se iniciaram. Já foi comentada aqui a ação da SGTES, que visa à valorização também dos preceptores, à identificação do papel de preceptor como um papel nobre do colega médico, de alguém que está lá para ser um modelo de vida, um modelo de profissional para a nova geração de médicos.
Então, para valorizar nossa graduação, eu entendo que é interessante, sim, termos critérios, talvez uma avaliação nacional, sim, talvez um mínimo dentro do Brasil, no sentido de também promover o internato, para que quem vem de fora tenha o mínimo necessário para conviver com os nossos pacientes e com as nossas equipes técnicas. Já me encaminhando para o final, eu entendo que, sim, isso é o mínimo do mínimo. Somente o REVALIDA eu não sei se é a garantia da qualidade de que precisamos.
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Necessitamos do aprimoramento contínuo dos nossos preceptores e professores. Temos o programa da SGTES, que foi lançado e nos abre horizontes muito positivos de fortalecimento dessas ações de valorização da docência e da preceptoria como modelo profissional.
Precisamos de programas de egressos que avaliem o que acontece com os nossos alunos quando deixam a escola. Podemos ajudar os nossos Conselhos Regionais, o Conselho Federal, a AMB? Eu creio que sim. Podemos fazer uma caminhada em conjunto buscando acompanhar os nossos egressos, também no sentido de ajudá-los e ampará-los em suas dificuldades num cenário de saúde que é tão difícil lá fora.
Então, essas são algumas observações iniciais que faço, ressaltando a dificuldade de formar bem um médico e a necessidade de gente qualificada, de médico para formar médico e de estrutura. Sem estrutura os pacientes não estarão lá. Eu entendo que são pontos que realmente merecem muita reflexão e muita atenção na formulação das nossas políticas públicas.
Eu peço desculpas por ter me estendido um pouquinho além dos 10 minutos e fico aqui à disposição.
Agradeço muito esta oportunidade.
Um grande abraço a todos.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Muito obrigado. Agradeço ao senhor pela exposição.
Houve um erro aqui na hora de se cronometrar o tempo, mas eu peço que, se for possível, atentemos aos 10 minutos, porque está havendo sessão no plenário, com a votação dos destaques sobre o Imposto de Renda. Quando se mexe no bolso todo mundo fica esperto! (Risos.)
Tem a palavra agora o Sr. Júlio Cesar Vieira Braga, Conselheiro do Conselho Federal de Medicina, por 10 minutos.
O SR. JÚLIO CESAR VIEIRA BRAGA - Boa tarde.
Agradeço o convite ao Sr. Presidente Dr. Zacharias Calil e aos demais colegas.
Eu vou fazer uma pequena apresentação com base em dados que o Conselho Federal de Medicina levantou e trouxe no final de 2020. O resultado mudou pouco. Em face da moratória que conseguimos para a abertura de novas escolas, esse número pouco mudou, mas ele é importante para ilustrar a situação dos cursos de medicina no Brasil.
(Segue-se exibição de imagens.)
Avaliamos a infraestrutura de ensino. Como o Dr. Hélio Angotti falou, são essenciais os campos de prática.
A lei que instituiu o Mais Médicos e as portarias que surgiram na época exigiam alguns pré-requisitos, como determinado número de leitos públicos por aluno no Município do curso. O curso, para abrir, precisa ter hospitais para a atenção especializada e unidades para a atenção básica, para o ensino mais básico. Então, a exigência é que houvesse menos de três alunos por equipe de atenção básica. Haveria de ter um hospital com porte médio, ao menos, e um hospital de ensino. Isso era exigido. Esses eram os pré-requisitos, mas, posteriormente, o próprio Ministério da Educação os flexibilizou, e aquilo que era considerado essencial passou a ser levado em conta, mas não mais como um pré-requisito. Isso facilitou muito a abertura de cursos de uma forma, eu diria, descabida.
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No fim das contas, nesse levantamento que o Conselho Federal de Medicina fez, o que foi demonstrado é que, dos três parâmetros inicialmente considerados como essenciais — proporção de leitos de internação por aluno; presença de hospital de ensino; e proporção de alunos por equipe de Estratégia Saúde da Família —, apenas 20%, como vocês veem aqui em azul, atingiam as três metas, as três necessidades inicialmente estipuladas. Essa é a realidade em nosso País. De cada cinco, apenas uma escola de medicina atinge aquilo que era exigido naquela proposta de aumento de vagas em cursos de medicina.
Esse número é ainda pior se avaliarmos as escolas abertas nos últimos anos. Não são 20% dessas escolas, mas apenas 8% delas que têm os três parâmetros, de forma que a maioria delas foi aberta com uma qualidade claramente inferior nesse aspecto de campos de prática do que as previamente existentes. Então, é motivo de preocupação a falta de campos de prática.
O Brasil tem 166 hospitais de ensino. Para um hospital ter o nome "hospital de ensino", existem critérios bem claros especificados. Existe inclusive financiamento para esses hospitais. E, infelizmente, a maioria das escolas médicas está fora de Municípios onde existem esses hospitais de ensino. Eu trago aqui como exemplo o que acontece nos países da OCDE, que fez um levantamento importante, neste ano, da formação dos cursos de medicina. Eles afirmam que a maioria desses países controla a formação por conta de limitação nos locais de treinamento. Então, é essencial a formação adequada.
A abertura de escolas foi muito grande. Atualmente, praticamente um terço das escolas são públicas e dois terços delas são privadas. E as privadas ainda oferecem mais vagas do que as públicas: quase três quartos das vagas são de escolas privadas. É uma abertura enorme. Dessas 353 escolas, para vocês terem ideia, 247 foram abertas entre 2001 e 2020. Então, é um número absurdo. Podemos imaginar a falta de professores e a falta de estrutura nas unidades.
Aqui vemos a densidade de vagas de medicina pela população. Precisamos formar mais médicos do que formamos atualmente. Nós formamos dez egressos para cada 100 mil habitantes. É um número maior do que o de países desenvolvidos e com a população mais velha, que precisariam inclusive de mais médicos. Nos Estados Unidos, o número é de 7,8. Chile, Canadá, Japão e Israel, todos esses formam menos médicos por habitante do que o Brasil, atualmente. E vamos passar a 18 por 100 mil habitantes. Essa é a previsão com os novos cursos abertos, e o Brasil ainda vai somar a essa grande quantidade de médicos os formados no exterior.
Vale a pena salientar que os países mais desenvolvidos, os da OCDE, formam, em média, 13 estudantes de medicina para cada 100 mil habitantes. O Brasil, com a perspectiva que temos, vai chegar aqui e vai pegar a medalha de bronze. Ele será o terceiro país que mais vai formar no mundo. Irlanda e Dinamarca são os únicos que formariam mais do que o Brasil. Consideremos que esses países têm outra situação, campos de estágio, estrutura, e seus cursos não foram planejados de forma açodada, como foi feito aqui no Brasil. Aqui vamos formar muito e talvez formemos mal.
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Este é outro problema: o custo das escolas particulares de medicina no Brasil é enorme. A mensalidade, nessa avaliação, variou de 3.600 reais a 12.700 reais, com uma média de 7.300 reais. Estima-se que em torno de 2 bilhões de reais sejam gastos ao ano em mensalidades de cursos de medicina. E a realidade cruel que existe para muitos desses médicos que se formam é que vão passar a pagar um financiamento, em média, considerando o FIES, que é próximo disso, de 4 mil reais por mês por 18 anos, por conta dos juros. A duração do curso é de 6 anos. Ele vai pagar 4 mil reais por mês. Essa é a expectativa. Muitos estão sofrendo com essa perspectiva de sair de sua formação com essa carga enorme nas costas.
Vou finalizar falando da avaliação das escolas de medicina. Eu chamo atenção aqui para o fato de que por lei foram criados os sinais com que o Ministério da Educação deveria avaliar os cursos de graduação, não só de medicina, e que ensejavam estas penalidades: suspensão temporária, cassação da autorização de funcionamento. Mas, infelizmente, não vemos essas penalidades sendo utilizadas. Os cursos estão sendo sucessivamente abertos e, mesmo antes de formar, mesmo antes de uma avaliação adequada, já conseguem ampliar seus números de vagas. O Ministério da Educação não está aplicando bem essa avaliação.
Por esse motivo, o Conselho Federal de Medicina criou o Sistema de Acreditação de Escolas Médicas, que não é obrigatório. O Conselho Federal apenas quer dar essa garantia de qualidade aos cursos de medicina. O sistema é reconhecido pela World Federation for Medical Education, que é uma associação mundial de ensino médico que admite esse sistema como adequado para avaliar a qualidade dos cursos de medicina. As universidades e escolas credenciadas têm esse selo de qualidade. O mercado, com o tempo, eu creio, vai ajudar a selecionar aquelas melhores. E um dos critérios é que os cursos aprovados com essa acreditação podem ter, digamos, o reconhecimento internacional. Alguns países vão exigir que os médicos que queiram trabalhar em seus territórios tenham sido formados em escolas acreditadas com um sistema desse tipo da World Federation for Medical Association. Então, estimulamos a avaliarem essa possibilidade de as escolas participarem.
Como não tem sido feita uma avaliação adequada dos cursos de medicina, nós consideramos a possibilidade de avaliar os egressos. Aqueles formados seriam avaliados. Na lei que instituiu o Mais Médicos já havia a previsão de avaliação dos egressos a cada 2 anos. Isso foi modificado, e a avaliação passou a ser opcional, feita conforme ato do Ministro da Educação. Ele não estabeleceu a forma de avaliação.
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A avaliação é uma necessidade. Sabe-se que 85% da população é favorável à avaliação dos formados e 100% das entidades médicas aprovam essa avaliação. No Encontro Nacional de Entidades Médicas realizado em 2018, esse posicionamento foi unânime. E o Conselho Federal de Medicina se propõe a realizar, durante e ao fim do curso, uma avaliação nacional que garanta a qualificação desses alunos.
Por fim, chamo a atenção para o fato de que nada adiantará esse nosso esforço para garantir a qualidade dos formados aqui no Brasil se não garantirmos a capacitação de portadores de diploma obtidos no exterior. Estamos aqui avaliando a qualidade daquele que é formado no Brasil e não podemos facilitar a entrada de pessoas com capacitação duvidosa. Legisladores desejavam criar um modelo único de avaliação com a Lei nº 13.959, de 2019, a Lei do REVALIDA. Esse é um sistema reconhecido, é um sistema que não sofre críticas quanto à qualificação dos métodos e faz uma avaliação adequada dos portadores. Em geral, é o melhor jeito de fazer essa avaliação de forma prática. Entretanto, algumas universidades estaduais e federais emitem diploma sem critérios reconhecidamente válidos, de forma que é quase um risco que se impõe à sociedade. Eu creio que essa conduta deve ser inclusive questionada e espero que a Justiça reconheça que a Constituição, quando dispõe que as universidades têm autonomia didática e administrativa, não quer dizer que elas podem fazer esse tipo de revalidação, quando o Ministério da Educação acaba de reconhecer que a forma adequada é o REVALIDA. Por isso, fazemos este pleito de que ele seja reconhecido como um exame bem feito, um exame adequado para avaliar esses portadores.
Para finalizar, por mais que exista boa vontade de fazer leis e mudanças, eu chamo atenção para uma frase de Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia: "Um dos maiores erros que se pode cometer é julgar políticas e programas do governo pelas suas intenções, em vez de julgá-los pelos seus resultados".
Há expectativa de que essa vontade de ampliar os cursos de medicina, essa perspectiva de criar grande número de escolas possa trazer danos à população. Por isso, é muito bem-vinda esta audiência proposta pelo Deputado Dr. Zacharias Calil.
Muito obrigado a todos.
Boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Obrigado, Dr. Júlio. Foi muito boa a sua apresentação. Ela tirou muitas dúvidas.
Nós vamos continuar debatendo o assunto, principalmente em relação ao REVALIDA. É um questionamento que já está sendo feito novamente por alguns Deputados.
Agora a minha amiga Deputada Dra. Soraya Manato vai fazer alguns questionamentos. Ela tem 3 minutos, de acordo com o nosso regulamento.
A SRA. DRA. SORAYA MANATO (PSL - ES) - Meu amigo Deputado Dr. Zacharias Calil, cumprimento V.Exa. e todos os demais.
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V.Exa. pode deixar todos falarem. No fim, eu faço alguma consideração, está bem?
Fique à vontade.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Está ótimo. Eu é que agradeço. Abaixe a mãozinha aí. (Risos.)
Agora eu gostaria de chamar nosso amigo Dr. Lincoln Lopes Ferreira, Presidente da Confederação Médica Ibero-Latino-Americana e do Caribe — CONFEMEL.
Ele está presente?
O SR. LINCOLN LOPES FERREIRA - Perfeitamente, meu caríssimo amigo e ilustre colega Deputado Dr. Zacharias Calil.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Obrigado. Fique à vontade.
O SR. LINCOLN LOPES FERREIRA - Em primeiro lugar, até em respeito à nossa amizade, eu gostaria de deixar expressos os votos de que seu filho, nosso colega, tenha uma pronta melhora.
Eu gostaria também de cumprimentar o Deputado Luizinho, a Deputada Soraya Manato e a Deputada Carla Dickson, que assinou esse importante manifesto.
Eu gostaria de cumprimentar também o Júlio e o Hélio, que falaram de forma magnífica. Vou tentar complementar o que eles disseram e não ser repetitivo.
Eu venho aqui falar de uma entidade continental, e é fundamental que eu contextualize que, durante o nosso mandato à frente da Associação Médica Brasileira, conjuntamente com o Conselho Federal de Medicina, nós obtivemos, naquela ocasião, abril de 2018, a moratória das escolas médicas. Não foi exatamente o nosso pleito. Nós gostaríamos que a questão tivesse sido encerrada naquele momento, mas existiam alguns processos que remontavam a 2014 e outros, a 2007. O fato é que existiam cerca de 43 escolas médicas cujos processos estavam em autorização. E havia um último bloco, de 29 escolas, com uma proposta política.
E essa questão do Friedman cabe nisso como uma luva, meu caro Júlio — eu o parabenizo —, porque a política era colocar escolas médicas em cidades ditas remotas de médio porte. Essas cidades foram vistoriadas in loco. Eu me lembro particularmente das avaliações feitas em Itacoatiara, no Amazonas, e Estância, em Sergipe, que mostravam que esses locais, de fato, não comportavam a existência de escolas médicas, porque não havia número de leitos suficientes, não havia infraestrutura nem exames suficientes, não havia como estruturar minimamente uma escola médica em nenhum desses lugares.
Dessas 29 cidades avaliadas in loco, 19 foram reprovadas, ou seja, sobrariam apenas dez cidades, mas, num recurso com base política, sem avaliação, feito apenas com base em relatório, 28 cidades foram aprovadas, dentre elas as citadas. Então, os critérios para a formação de escolas médicas têm sido muito mais políticos — ou foram muito mais políticos — do que propriamente técnicos.
É importante lembrar também que, nessa moratória, foram obtidas duas questões.
A primeira foi a moratória das escolas. De fato, não se abriram mais processos de escolas médicas. As que abriram posteriormente foram todas essas cujos processos estavam em andamento e que nós não conseguimos barrar — e eu deixo aqui o meu testemunho e meu agradecimento ao meu caríssimo Dr. Mauro Ribeiro, que não mediu esforços. Na época, ele quase se indispôs com o então Ministro Mendonça na tentativa de barrar essas escolas, sem atingir o objetivo.
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Mas na moratória também ficou colocada outra questão, a saber: a da constituição de uma comissão. E essa comissão foi constituída. Eu deixo aqui o meu público agradecimento também ao Prof. Raul Cutait, que foi um leão nessa luta pela moratória das escolas médicas. Através do Raul, eu fiquei conhecendo outro colega, que é médico e economista — já vai me ocorrer o nome dele aqui; esperem só um momentinho. Então, nós, na época, constituímos essa comissão, que chegou a fazer três ou quatro reuniões ao longo do ano de 2018 sobre uma série de pontos que embasavam o que seria o critério mínimo para se abrir uma escola de medicina no Brasil. Portanto, isso ficou muito bem definido. Por exemplo, esse brutal desequilíbrio entre instituições de ensino, que são cerca de 75, e aquelas vocacionadas, que atingem o volume de 180, para as 340 escolas aproximadamente... Eu não sei exatamente o número, mas o fato é que nós temos aí uma disparidade muito grande, e a qualidade necessariamente fica comprometida. Um conjunto de instituições voltadas para o ensino, com o devido respaldo, com a devida qualidade, ensejaria, meus caros Deputados, uma verdadeira revolução no atendimento do Sistema Único de Saúde. Disso nós não temos dúvidas.
O Deputado Luizinho, o Deputado Dr. Zacharias Calil e a Deputada Soraya são colegas que eu conheço pessoalmente. Eu sei da enorme capacidade, da enorme disposição que eles têm para o trabalho e para enfrentar desafios. Restaurar essa comissão, que, de fato, já existe, e colocá-la em funcionamento é um desafio prático. Não é preciso nenhum tipo de modificação da lei, nada. Basta simplesmente cobrar, principalmente do Ministério da Educação, que essa comissão seja restaurada, porque nós já perdemos 3 anos no período. Que ela seja, então, colocada de novo em funcionamento e estabeleça de fato as bases, dentro daquilo que o Hélio Angotti disse com muita clareza e o Júlio disse com muita propriedade, das necessidades para se corrigir a questão dos desvios que o ensino médico no Brasil vem enfrentando e tende a enfrentar progressivamente.
Com a visão continental que o cargo me obriga a ter, eu estive em dezembro de 2019 e em janeiro de 2020 na Bolívia, com o então Ministro da Saúde Aníbal Cruz e a então Presidente da Bolívia Jeanine Áñez. Eu estive também com o Daniel Salinas, que é o atual Ministro da Saúde uruguaio. E o que nós fomos discutir nesses países? Exatamente a necessidade de se colocarem marcos legais para a admissão, a qualidade do estudante de medicina, porque ocorre que, com a verdadeira diáspora hoje existente, as dificuldades são muito grandes. Na Bolívia, particularmente, eles declararam que não tinham controle sobre as escolas abertas, sobre o conteúdo, sobre o número de alunos por sala. No Paraguai, especificamente na cidade de Pedro Juan Caballero, existem mais vagas em escolas do que em todo o sistema público brasileiro e um hospital de 90 leitos. A Presidente do Círculo Paraguaio, Dra. Gloria Meza, entrou numa verdadeira batalha com o Ministério da Saúde do Paraguai, que queria legalizar a atuação dessas pessoas no Paraguai. Vejam, senhores, que nem seus próprios países dão autorização para essas escolas funcionarem, uma vez que não existe controle nem fiscalização sobre maneiras de ingresso, qualidade e avaliações. Portanto, tocar na questão do REVALIDA é tocar na necessidade de que a pessoa que queira exercer medicina no Brasil passe pelo menos pelo internato, sob forma de entendimento da nosologia prevalente, sob forma de aculturamento nas diversas regiões.
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Lembro que o que se fala na Amazônia é um pouco diferente do que se fala no Nordeste, é diferente do que se fala no Sudeste e é muito diferente do que se fala no Sul. Determinados termos, regionalismos, são muito próprios, e a nossa legislação — já estou caminhando para o fim da minha fala — tem questões específicas. Por exemplo, nós, enquanto médicos, sabemos que álcool seda a tosse. É óbvio que existe coisa muito melhor, tanto que o álcool foi deixado de lado, e nós temos hoje outros sedativos da tosse. Porém, aqui no Brasil, existe um agravante: oferecer bebida alcoólica a uma criança é crime. E isso ocorreu, não por maldade, mas por desconhecimento, por ignorância, quando daquele famigerado Programa Mais Médicos, em que pessoas foram trazidas de fora com uma formação de que nós não fazíamos ideia. Esses médicos, dentro da formação deles, dentro da legislação deles, acreditavam que estavam fazendo o melhor possível. O nosso País é gigantesco, de natureza diferente da dos países deles.
Portanto, a consideração que faço para os Srs. Deputados é esta: que a questão da revalidação de um diploma tenha que passar necessariamente por um período transicional, que seria o internato.
Muito obrigado pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Obrigado, Dr. Lincoln. Agradeço a sua exposição. Nós vamos continuar debatendo, porque o assunto é muito quente. Eu vejo que precisamos discutir também a presença do médico nessas regiões mais longínquas, essa abertura de faculdades de medicina em várias cidades. Esses dias, eu estava discutindo com um colega de Ribeirão Preto, onde acho que há quatro ou cinco faculdades de medicina, e ele falou: "Ninguém que se forma aqui quer sair. Ninguém quer ir embora, todo mundo quer ficar aqui". Então, criou-se na cidade uma superpopulação de médicos recebendo salários bem mais baixos do que deveriam receber pelo seu trabalho. Eu lhe agradeço.
Agora passo a palavra ao Sr. Márcio Yuri de Souza Ferreira, Presidente da Associação dos Estudantes de Medicina do Brasil.
Márcio, é um prazer tê-lo aqui conosco. Fico muito feliz de vê-lo representar os estudantes de medicina. Você tem a palavra por 15 minutos.
O SR. MÁRCIO YURI DE SOUZA FERREIRA - Obrigado, Deputado Dr. Zacharias.
Boa tarde a todos.
Agradeço, em nome dos estudantes de medicina do nosso País, ao Deputado Dr. Zacharias pelo convite, por estar, em conjunto com a Frente Parlamentar da Medicina e o IBDM — Instituto Brasil de Medicina, aberto para escutar as demandas que chegam dos estudantes.
Deputado Dr. Zacharias, deixo aqui meus votos de que o seu filho tenha pronta recuperação.
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Irei abordar em minha fala alguns pontos que serão repetitivos, pois já foram falados aí pelos outros professores, pelo Prof. Júlio principalmente, que citou os critérios que são o fundamento da minha fala, mas vou tocar neles novamente porque são de extrema importância.
A Associação dos Estudantes de Medicina do Brasil é reconhecida pela defesa incessante da melhoria da qualidade do ensino médico do Brasil, entre o mundo acadêmico e a representação de estudantes. Somos, juntos com os pacientes que iremos atender futuramente, os primeiros interessados em possuir uma formação técnica e humana que seja dotada de autoconhecimento científico tecnológico, teórico, unido com a formação prática e humana, capaz de realmente fazer a diferença na vida destes pacientes que irão nos procurar em seus momentos de fragilidade e em busca de auxílio.
A AEMED-BR recebe inúmeras denúncias e demonstrações de irregularidades que acontecem nas escolas médicas brasileiras. Antes de apontar os pontos de maior preocupação dos estudantes de medicina do Brasil, é necessário relembrar os critérios que foram estabelecidos na portaria do Ministério, citada aqui pelo Prof. Júlio, que condicionavam a viabilidade estrutural para abertura de escolas médicas capazes, segundo a portaria, de formar bons médicos e também defendidos pelas entidades médicas, pelo Conselho Federal e por nós também, mas que foram flexibilizados, como disse o Prof. Júlio, que manteve os critérios, mas fez com que esses critérios se tornassem tão subjetivos a ponto de estarem completamente de fora de controle.
São estes os critérios: oferta de cinco leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno no Município sede de curso; acompanhamento de cada equipe da estratégia de saúde da família por, no máximo, três alunos da graduação; presença de hospital com mais de cem leitos exclusivos para o curso.
Levando em consideração a importância desses critérios, que não são os únicos, fundamentais para a boa formação médica, vale ressaltar a importância do bom mestre, do preceptor preparado e vocacionado para o ensino e de um objetivo sincero da escola médica, da instituição de ensino, em produzir bons médicos, e não outros objetivos escusos, políticos, financeiros.
O estudo Radiografia das Escolas Médicas Brasileiras, realizado pelo Conselho Federal, demonstrou que, desde 2020, 92% das instituições de ensino que oferecem vagas para medicina não atendem pelo menos um dos três parâmetros considerados essenciais para a existência do curso, para que seja realmente capaz de formar bons médicos.
Entendemos que isso é resultado da abertura desenfreada de escolas a partir de 2011. É uma constatação óbvia. Atualmente, o Brasil conta com 357 escolas médicas. Nesse quesito, fica atrás apenas da Índia, que tem mais de 1 bilhão de habitantes, e à frente de países como China, Estados Unidos, Indonésia, Paquistão, todos mais populosos que o nosso.
Essas escolas ofertam 37.823 vagas por ano atualmente. E, em 10 anos, entre 2010 e 2020, mais de 20 mil novas vagas foram acrescidas, um aumento de 124,7%. Desde 2011, passaram a funcionar 162 cursos de medicina, sendo, entre eles, 116 privados. No total, 42 dessas instituições estão em Municípios com menos de 100 mil habitantes, com uma infraestrutura precária para o ensino, com déficit de leitos de internação, de equipes de saúde da família e sem hospitais adequados para a formação dos profissionais.
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Muitos desses cursos obrigam os estudantes a viajarem dezenas ou centenas de quilômetros para realizarem as atividades práticas e o internato, período esse de estimada importância para todos nós, para a aquisição de habilidades práticas médicas fundamentais. Muitas vezes é realizado esse internato em cidades distantes, às vezes a 200 quilômetros, 300 quilômetros daquela em que a escola de ensino está situada, por conta desses critérios que foram tornados subjetivos, a ponto de que acontecesse isso.
Vale ressaltar que o Brasil possui hoje mais do que o dobro de profissionais médicos que possuía no início do século. E, ao contrário do que é divulgado, a relação de médico por mil habitantes aumentou exponencialmente, passando de 1,41 para 2,4.
As informações coletadas pelo estudo Demografia Médica no Brasil 2020 apontam que a proporção de médicos no Brasil é superior à de países de primeiro mundo, como Japão, e se aproxima de índices de países como os Estados Unidos, Canadá e Reino Unido.
Além disso, um estudo da OMS –– Organização Mundial da Saúde, intitulado Uma verdade universal: não há saúde sem profissionais, revelou que o Brasil possui profissionais de saúde suficientes para atender as demandas da população.
Eu vou citar algumas falas de colegas, denúncias e reclamações, que nos chegam sobre coisas que são mais comuns, prevalentes das denúncias que mais chegam até nós em diversos Estados do País:
"Temos tido aulas práticas com mais de dez alunos observando apenas um paciente";
"Nas aulas práticas de ginecologia, às vezes tem 10, 15 alunos observando uma paciente. Essas pacientes se sentem desconfortáveis";
"Na minha faculdade, temos a autorização para a oferta de 50 vagas por ano, e todo ano as turmas iniciam-se com 70 a 80 calouros";
"Na minha faculdade, muitas vezes o foco da aula deixa de ser a medicina e passa a ser a construção de um pensamento ideológico, aos moldes da militância política ideológica impregnada pelo pensamento marxista e luta de classes, que em nada ajudam na construção de um bom médico para atender a população";
"Na minha faculdade, tenho colegas transferidos de outros países, que cursam poucos meses, às vezes 2, 3 meses, e recebem o diploma como o nosso. Sabemos da precariedade do ensino em faculdades nos países da fronteira e também sabemos que em algum desses países o diploma de graduação em medicina ofertado lá por muitas faculdades não dá permissão automática para que eles exerçam a profissão nesses países, como citou o Dr. Lincoln, levando em consideração a precariedade das escolas médicas nesses países ao redor";
“Na minha instituição, existem profissionais não médicos ensinando conduta médica, conduta terapêutica, dependente de raciocínio clínico que estes profissionais não estudaram em suas formações". Colocadas essas informações, a AEMED-BR entende que existem alguns pontos sensíveis e urgentes, cristalinamente óbvios, para todos aqueles que, com sinceridade, desejam a melhoria da saúde pública brasileira, que para tal precisam deixar subjugados a tal objetivo, ou seja, a melhoria da saúde pública brasileira, outros objetivos como acúmulo de capital político, exploração do ensino médico como forma de negócio — no sentido estrito da palavra "negócio" — e qualquer outro fim que não seja este aqui ressaltado: a melhoria da saúde pública brasileira. Então, esses pontos sensíveis e urgentes nós vamos colocar aqui, vamos enumerá-los. São os que se seguem:
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1 - é necessário impedir a abertura de novas escolas médicas e o oferecimento de novas vagas. Nós precisamos organizar a casa antes de pensar em qualquer expansão, demonstrada em diversos estudos como desnecessária;
2 - é necessário criar um cadastro nacional do estudante de medicina, que, ao ingressar no primeiro semestre do curso, receberá o seu cadastro que o acompanhará até o momento da obtenção do seu diploma. Atualmente não se sabe exatamente quem são e quantos são aqueles que irão atender a população no futuro;
3 - é necessário impedir que escolas médicas ofereçam de forma velada mais vagas do que as que o MEC autorizou. O cadastro nacional dos estudantes de medicina é uma solução para isso;
4 - é necessário que os estudantes de medicina em escolas do exterior, que desejam fazer transferência para o Brasil, sejam aceitos apenas em escolas médicas com vagas remanescentes, ou seja, vagas excedentes em relação à quantidade de vagas que a escola médica está autorizada, pelo MEC, a oferecer;
5 - é necessário que esses estudantes de medicina em escolas do exterior, que desejam fazer essa transferência para o Brasil, após comprovada a demonstração de conhecimento teórico, cursem pelo menos todo o internato no Brasil, para adquirirem seu diploma expedido pela escola médica brasileira. Isso é fundamental, pois um futuro médico precisa ter tido contato, como citou o Dr. Lincoln, com a realidade do nosso País, com o nosso sistema, com o SUS, com os pacientes brasileiros, com as doenças brasileiras, com a legislação brasileira;
6 - é necessário que a revalidação de diplomas expedidos no exterior siga rigorosamente a aprovação teórica e prática, conforme está em lei nacional e conforme é feito em países como os Estados Unidos, onde existe o step one, a fase 1, que é a demonstração de conhecimento teórico; depois, o step two, a fase 2, que é a demonstração de habilidades práticas clínicas.
Não se pode admitir, não se pode permitir, seguir permitindo que universidades adotem critérios internos para a revalidação de diploma, levando em consideração que o diploma será revalidado em âmbito nacional.
7 - É necessário que o ambiente acadêmico de ensino médico seja pautado por conhecimento tecnológico, científico e habilidades práticas necessárias para a assistência da população, livres de vieses ideológicos pessoais ou institucionais;
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8 - é necessário que conduta médica e conduta terapêutica, dependente de raciocínio clínico, sejam ensinadas por médicos, médicos vocacionados para o ensino e atuantes na prática clínica.
Então, como Presidente da Associação, eu a coloco à disposição de todos para tudo aquilo em que pudermos ser úteis, em prol do futuro da educação médica brasileira e principalmente da saúde pública brasileira do nosso povo, que tanto precisa de iniciativas sérias e coordenadas, livres de objetivos escusos que podem perverter o objetivo e o chamado pelo qual a medicina fora chamada a existir: aliviar o sofrimento daquele que carece de cuidado.
Finalizo agradecendo, mais uma vez, ao Deputado pelo convite e lembrando uma frase de um grande médico que é referência na educação médica mundial, o William Osler, que disse: "A medicina é aprendida à beira do leito e não nos anfiteatros".
Muito obrigado, Deputado.
Obrigado a todos.
A SRA. DRA. SORAYA MANATO (PSL - ES) - Deputado Calil, peço licença para interromper. Eu faço parte do Grupo de Trabalho sobre os cartórios, cuja reunião vai começar agora, e só queria fazer uma consideração, se V.Exa. puder me conceder a palavra.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Tudo bem. V.Exa. tem 3 minutos.
A SRA. DRA. SORAYA MANATO (PSL - ES) - Obrigada, Deputado Calil. V.Exa. está sempre à frente dessas pautas tão importantes que nós aqui do Parlamento defendemos tanto. Nós somos guerreiros — eu, V.Exa., o Deputado Dr. Luizinho, o Deputado Hiran Gonçalves — em todas essas pautas.
Eu quero cumprimentar o Dr. Júlio Braga, do CFM, o Sr. Márcio Yuri e, em nome deles, todos os presentes.
Realmente muito nos preocupa a formação dos nossos médicos aqui no País, a situação em que nós estamos hoje. Eu sou contra a abertura dessas escolas de forma irresponsável. Sabemos que elas não dão nem a formação técnica nem a formação científica adequada. Vemos isso a olhos vistos, nós que estamos sempre nos hospitais. Eu sempre trabalhei em hospital e vejo até a qualidade ruim de pedidos de exames complementares, como o ultrassom. Na realidade, eles não sabem o que estão pedindo.
Eu sempre dou o seguinte exemplo: pede-se um ultrassom de abdômen total e um ultrassom renal ao mesmo paciente a um só tempo. Não se sabe nem que o ultrassom de abdômen total contempla a visualização dos rins. Então, eu fico indignada com esse tipo de coisa.
Hoje em dia, no Brasil, o que vemos são grandes grupos empresariais abrindo escolas de medicina com a visão somente do lucro, porque é um negócio altamente lucrativo. Todos sabem disso. Hoje em dia, é muito difícil encontrar uma escola de medicina no Brasil em que se pague menos de 8 mil reais de mensalidade.
Sobre o REVALIDA, Dr. Zacharias, não adianta nem falarmos sobre isso, porque é chover no molhado a nossa posição.
De todo jeito, eu queria só dar um exemplo da situação da medicina no Brasil. Lá no Estado do Espírito Santo, há a escola de medicina da Santa Casa de Misericórdia, que é muito bem gerida pela Dra. Maria da Penha.
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Em 2018, surgiu uma proposta de se abrir uma escola de medicina no Município de Cachoeiro de Itapemirim, e ela entrou na concorrência. Ela tem 14 residências médicas, vários cursos de pós-graduação, um corpo docente maravilhoso, fantástico. Ela entrou nessa concorrência, e, para a surpresa de todos, inclusive dela — isso está judicializado —, na primeira fase do processo, a Santa Casa de Vitória tirou a nota máxima, e essa escola particular tirou uma nota bem baixa. Na segunda fase, que era justamente a análise do que ela tinha a oferecer a esses alunos, como residência e pós-graduação, ela simplesmente tirou a nota mínima, e a escola particular, que não tem curso de pós-graduação, não tem curso de residência médica, não tem hospital — os alunos ficam perdidos, vão de um lado para o outro, vão para Vila Velha, para Vitória, para Cariacica, para Guarapari —, ganhou a nota máxima. No dia 31 de dezembro de 2018 –– pasmem vocês, não é força de expressão, não! ––, na calada da noite, na saída do Governo Temer e entrada do Governo Bolsonaro, o que aconteceu? Essa escola particular ganhou essa concessão.
Isso muito nos indigna. Sabem por quê? Porque, como alguém aí disse, a decisão hoje em dia não é técnica, é política, envolve muito dinheiro. Esse é o grande problema do Brasil.
Então, temos que dar um basta nisso, porque isso repercute diretamente na formação dos nossos médicos, e muito nos preocupa essa qualidade.
E há outra coisa: alunos saem sem o suporte suficiente para passar numa boa residência médica. Vamos dizer que não se formassem muito bem em termos de técnica, em termos de conteúdo, mas que fizessem uma boa residência. Não têm condição de fazer isso! Então, esse médico vai para o mercado ganhando no mínimo 16 mil reais, e aí a situação está formada. Isso nós temos que discutir, sim.
Sou a favor da abertura de escolas, mas com responsabilidade. Isso não pode ser somente um negócio como está ocorrendo no dia de hoje.
Desculpe-me, Deputado Dr. Zacharias Calil, por eu ter me alongado.
Estamos juntos. Contem sempre conosco.
Obrigada pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Estamos sempre às ordens, Deputada.
Agora vamos passar a palavra ao Sr. Rafael Lobo de Souza, Diretor de Ensino Médico da Associação dos Estudantes de Medicina do Brasil, por 15 minutos.
O SR. RAFAEL LOBO DE SOUZA - Muito obrigado, Deputado Dr. Zacharias Calil, pelo convite.
Eu comprimento todas as autoridades presentes. É uma honra falar um pouco sobre o ensino médico brasileiro ao lado de grandes nomes da medicina que estão aqui representando instituições como o Ministério da Saúde, o Conselho Federal de Medicina, a Associação Médica Brasileira, entre outras.
Falar sobre o ensino médico é uma tarefa um tanto desafiadora, haja vista as inúmeras barbáries perpetradas ao longo do tempo na educação dos nossos acadêmicos de medicina.
Para iniciar minha fala, gostaria de antemão de relembrar uma frase icônica, clássica e que representa muito bem o estudo das artes médicas. Como já citado aqui pelo meu colega Márcio, um médico canadense famoso pelos seus pensamentos e ideais sobre a medicina, conhecido como William Osler, certa vez proferiu uma frase que ficará marcada no tempo e na história da medicina, norteando o que seria o ensino médico de qualidade: "Quem estuda medicina sem livros navega num mar desconhecido, mas quem estuda medicina sem pacientes não vai ao mar". Com essa frase, Osler traz para nós a importância inalienável da prática aliada aos estudos teóricos. Ou seja, de nada adianta o acadêmico estar imerso num ambiente rico de conhecimentos teóricos se lhe falta a prática médica, o contato com o paciente, para adquirir e aprimorar suas habilidades dentro da medicina. Infelizmente, quando se trata do ensino médico no Brasil, Osler ficaria extremamente decepcionado.
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Segundo estudo publicado em 2020 pelo Conselho Federal de Medicina e também aqui já citado pelo Dr. Júlio Braga — aqui faço parêntese e peço perdão pela redundância, mas acho que estamos tocando no cerne da questão do ensino médico, então os dados vão acabar se repetindo, e é bom repeti-los para frisar e para memorizar —, intitulado Radiografia das Escolas Médicas Brasileiras, 84% das instituições de ensino superior que oferecem vagas para medicina estão em Municípios com déficit em pelo menos um de três parâmetros considerados ideais para o funcionamento de cursos desse tipo.
Os critérios são simples, alcançáveis e reais. Entretanto, não são cumpridos por quase 90% das instituições de ensino superior por mero descaso, por falta de valores éticos e morais na hora de elaborar um curso de tamanha relevância para a sociedade brasileira.
Os critérios mínimos, que não são cumpridos pela imensa maioria das universidades, são — aqui peço perdão pela redundância: oferta de cinco leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno no Município sede de curso; acompanhamento de cada equipe da estratégia de saúde da família por, no máximo, três alunos de graduação; e presença de hospital com mais de cem leitos exclusivos para o curso. Esses critérios, repito, são objetivos, mínimos e alcançáveis.
É bom lembrar que estamos falando de acadêmicos que, em 6 anos, estarão na linha de frente, ocupando cadeiras nas diversas instituições de saúde, atendendo paciente, prescrevendo medicações, aplicando condutas em última instância e salvando vidas. Eles terão a sua formação extremamente prejudicada pelo não atendimento dos critérios exigidos, pois não terão contato com o paciente. Contato esse tão valorizado por William Osler no século XIX.
Estamos, caros colegas, em retrocesso em nossa formação acadêmica. Um dado que choca é que, das 163 escolas médicas abertas entre 2011 até o primeiro semestre de 2021, 65, aproximadamente 40% delas, estão em 50 Municípios que não cumprem nenhum dos requisitos mínimos considerados ideais para uma boa formação médica — frise-se: 40% das instituições de ensino superior não cumprem nenhum dos requisitos mínimos apontados pelo CFM; 41,8% estão em 60 localidades que apresentam dois parâmetros insatisfatórios; e 13,5% estão localizadas em 20 Municípios que apresentam pelo menos uma inconsistência. O mais absurdo é que apenas 9 instituições das 163 inauguradas desde 2011 atendem todas as condições para o seu funcionamento.
Voltando ao critério de no máximo três alunos pela equipe de saúde da família — frise-se: um riquíssimo ambiente de prática para os estudantes —, em 54% das escolas médicas, faltam equipes e sobram acadêmicos. Os problemas são maiores nos Municípios com menos de 50 mil habitantes, onde a densidade é de 8,2 alunos por cada equipe de saúde da família. É como se fossem oito estudantes acompanhando uma equipe formada geralmente por mais um médico e uma enfermeira, atendendo em um ou dois consultórios, indo à casa dos pacientes.
No caso da visita em domicílio, imagine que o lar de uma pessoa, geralmente de baixa renda, será ocupado por dez pessoas, que, de certa forma, estarão invadindo a sua intimidade familiar, o seu espaço de convívio com outros integrantes do seu núcleo. O paciente está sendo desrespeitado nessa situação. O constrangimento é notório tanto por parte do paciente, que tem literalmente uma multidão em sua residência, como por parte dos acadêmicos, que também não queriam estar causando tamanho transtorno.
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Vejam que o ensino prático, nesse exemplo, é extremamente prejudicado, pois, com muita sorte, dois ou três acadêmicos, da soma de oito, terão algum contato mais próximo com o paciente e irão, de fato, aprender algo que será utilizado na sua vida profissional. Os outros cinco, que igualmente possuem o direito de aprendizado de qualidade, estarão à margem do conhecimento, pois não tiveram o efetivo contato com o paciente.
Vale ressaltar que o atendimento ao paciente não se trata apenas de executar o que foi aprendido em sala de aula, ou seja, o conhecimento teórico. É muito mais do que isso. O contato com o paciente é indispensável para que o aluno aprenda a forma humana, íntegra e respeitosa de atender, de acolher e de instruir a população.
Outro ponto igualmente importante é a falta de leitos disponíveis para estudantes de medicina. Conforme já citado aqui na audiência, é mandatório para uma boa prática médica a oferta de cinco leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno no Município sede do curso. Na minha Região Sul, infelizmente, 84,5% dos Municípios não atendem aos parâmetros defendidos pelo CFM, sendo a localidade com o pior resultado individual quanto ao número de leitos por estudantes de medicina. Caçador, Município aqui de Santa Catarina, relata apenas 0,38 leito por aluno, muito aquém do mínimo exigido de cinco leitos. Na sequência, os resultados mais negativos estão no Paraná, mais especificamente em Campo Mourão, com 0,62 leito, e Maringá, com 1,73.
Muito dessa falta de leitos observada com a instalação de cursos de graduação em medicina em áreas remotas, que não oferecem as condições necessárias para uma formação médica plena, advém da reordenação da oferta de cursos de medicina iniciada com o Programa Mais Médicos — Lei nº 12.871, de 2013. De lá pra cá, e através de portarias subsequentes que foram flexibilizando ainda mais, as vagas saltaram de 20.522, em 2013, para 37.346, em 2019, ou seja, um aumento de 17 mil vagas em apenas 6 anos. Vagas essas que na sua imensa maioria não cumprem os critérios mínimos de formação.
Em última análise, o mais prejudicado é e sempre será o cidadão usuário do SUS, que será atendido por esses alunos que não tiveram oportunidade de aprendizado completo por falta de infraestrutura.
O que apresentei aqui hoje é apenas uma parcela da problemática enfrentada pelo nosso ensino médico brasileiro. Nós da Associação dos Estudantes de Medicina do Brasil buscamos incessantemente defender a formação dos acadêmicos, promovendo campanhas de conscientização, efetuando denúncias, conversando com entidades de classe e representando o movimento estudantil publicamente nas mais diversas esferas. O assunto é vasto, com diversas facetas e, sem dúvida, não será exaurido em apenas uma audiência pública. Precisamos mais do que nunca de discutir o ensino em todas as oportunidades que nos é dada, para aprimorá-lo ainda mais.
Peço permissão, então, para encerrar minha fala com uma última mensagem, citando aqui o já referido por mim e pelo Márcio, o médico patologista William Osler, em mais uma das suas dezenas de frases que descrevem a maneira correta de se aprender medicina. Ele diz: "O método natural de ensino começa com o paciente, continua com o paciente e termina com o paciente, usando livros e aulas como ferramentas para este fim".
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Parabéns por sua apresentação, Rafael! Eu fico muito envaidecido em tê-lo aqui e em ouvir realmente as grandes dificuldades que temos enfrentado na formação dos nossos alunos.
Agora passo a palavra ao Sr. José Luiz Gomes do Amaral, Presidente da Associação Paulista de Medicina, por 15 minutos.
O SR. JOSÉ LUIZ GOMES DO AMARAL - Muitíssimo boa tarde, caríssimo amigo Deputado Dr. Zacharias Calil.
Gostaria de, nesta oportunidade, cumprimentar o Deputado Luizinho. É muito revê-lo.
E quero desejar pronta e completa recuperação a seu filho, caro Dr. Zacharias. Cumprimento também todos os demais integrantes desta Mesa.
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Eu vou tentar sumarizar, nestes minutos que me são concedidos, algumas considerações sobre o tema, talvez saindo um pouco das linhas de discussão dos que me precederam. Eu vou começar com consequências e competências.
Quais são as consequências do adiamento de um processo de saneamento da situação vigente, isto é, da falta de qualidade da educação médica no País?
Imaginem os senhores a seguinte situação: nós temos quase 40 mil formados todos os anos, trinta e oito mil e tantas vagas, pelo menos as oficiais. Nós já vimos que há muitas outras além das vagas oficiais ou autorizadas. Mas imaginemos esse número, imaginemos que nós nos restrinjamos aos formados no Brasil e deixemos esta questão dos formados no exterior para um outro ponto da discussão. Vamos imaginar o que aconteceria se nós submetêssemos esses quase 40 mil alunos a um exame de avaliação final, à semelhança dos exames que foram realizados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo — CREMESP, há alguns anos, em que mais da metade não conseguia responder 50% de questões simples que lhes eram formuladas. Eu vou imaginar que metade de 40 mil alunos, pelo menos, não seria hoje capaz de responder metade das questões que lhes são seriam formuladas. Isso significa que eles não seriam capazes de fazer metade dos diagnósticos ou metade dos tratamentos corretamente.
Nós vamos ver quais são as consequências dessa má-formação quando aplicadas à vida prática, à vida clínica desses colegas. Então, são 40 mil. Dos 40 mil, metade serão os que nós vamos entender que estão com uma qualidade na formação muito deficiente e erram metade dos diagnósticos ou intervenções terapêuticas. Suponhamos que eles trabalhem 40 anos — esta é a vida média do médico mesmo, 40 anos. Se ele não sabe medicina hoje, quando sai da faculdade, não vai ser com 39 anos de prática que vai aprender, porque ele não tem onde aprender. Portanto, ele vai trabalhar 40 anos. Suponhamos que, como todos os cidadãos, de acordo com a legislação trabalhista, ele tire 1 mês de férias por ano, ele trabalhe 48 semanas por ano. Suponhamos que ele tenha fins de semana, trabalhe 5 dias por semana e faça dez consultas por dia. Portanto, um desses alunos inadequadamente formado vai produzir, ao longo do tempo, 48 mil erros. É só multiplicar 48 semanas por 5 dias, por 10 consultas e por 40 anos. E metade dessas consultas é 48 mil erros médicos. E agora, se eu multiplicar por 20 mil alunos, nós teremos 960 milhões de erros médicos. Esse é o preço que nós pagamos por adiar 1 ano o processo de saneamento desta situação escandalosa que nós vivemos. Então, as consequências são basicamente essas em vidas e em custo financeiro para o nosso País. Quantas vidas nós perdemos a cada dia que procrastinamos a solução para esta escandalosa situação? É basicamente isso.
15:31
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Quais são as competências que um médico deveria ter? Nós estamos falando em qualidade da educação médica. A primeira lista de competências médicas que nós temos no Brasil é uma lista de competências que foi elaborada e apresentada ao nosso D. João VI para o funcionamento da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a Faculdade Nacional de Medicina. Essa lista de competências tem uma página e começa com a seguinte expressão: "Bom será se o médico souber isto e isto. Bom será se ele souber aquilo etc". Em uma página notável, que ninguém pode deixar de ler, resume-se o que deveria ser a competência ou as competências do médico. Isso lá no começo da vida do nosso País, por volta de 1813, se não me engano.
De lá pra cá, nós discutimos muito competências médicas até chegarmos às diretrizes curriculares do Ministério da Educação, que aí já passam a compor um conjunto de páginas bastante grande e com muita discussão. Mas, se nós espremermos muito bem as diretrizes curriculares do MEC, nós vamos chegar a conclusões que não nos levam muito distante do "bom será" do tempo do início da organização do nosso País.
Então, onde está o nosso problema crucial? Eu penso que o nosso problema crucial é que nós temos um foco no modelo, naquilo que nós queremos que deva ter um médico, mas nós não estamos considerando qual é a finalidade. O que vai fazer esse médico? O que nós queremos que ele execute? Objetivamente, qual é a tarefa que deve ser realizada? Quais são os problemas de saúde que devem ser priorizados? Em qual cronograma? Em qual linha de cuidados? Quais são os outros serviços que têm de ser articulados? Quais são os outros profissionais envolvidos para a realização daquela tarefa? E, depois, quais são as dotações orçamentárias para isso?
Sabendo da qualificação do nosso caro colega Dr. Zacharias Calil, cirurgião pediátrico, imaginem que nós queiramos resolver as cardiopatias congênitas do Brasil.
15:35
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Nós sabemos, aproximadamente, em função das estatísticas do mundo, qual é a frequência, qual é a incidência de diferentes cardiopatias congênitas tratáveis e suscetíveis de tratamento cirúrgico, por exemplo. Então, nós podemos ter uma ideia de quantos pacientes deveriam ser operados se nós quiséssemos controlar essa doença. Nós teríamos uma ideia de quantas unidades de terapia intensiva pediátrica nós precisaríamos, de quantos cardiologistas precisaríamos, de quantos enfermeiros precisaríamos para solucionar esse problema dentro de um determinado cronograma. E, a partir daí, eu sei exatamente de quantos cirurgiões cardíacos infantis superespecialistas eu vou precisar. Então, eu faço um planejamento. Esse tipo de trabalho eu vi ser feito em Taiwan e discuti bastante naquele país como que isso poderia se organizar.
Nessa circunstância, eu começo a dimensionar o sistema de saúde a partir do superespecialista, que é o cirurgião cardíaco infantil. Depois, eu passo para os especialistas que o precedem, os cirurgiões cardíacos. Em seguida, eu passo para os cirurgiões gerais, que precedem a formação do cirurgião cardíaco. Posteriormente, passo para os acadêmicos de medicina. E, ao fazer isso para todos os problemas que eu elencar como prioritários, eu posso dimensionar em numerus clausus o número de estudantes de medicina que eu preciso ter e, a partir daí, o número de vagas que eu devo oferecer. Não devo oferecer mais vagas do que as pessoas que eu necessito para executar as várias tarefas. Eu acho que é assim que se dimensiona com lógica o sistema de saúde.
Eu não vou formar estudantes em locais onde não há médicos. Como é que eu vou poder formar lá? Lá não existe um cenário de prática, não existe supervisão alguma. Portanto, é uma falácia dizer que nós vamos interiorizar os médicos a partir da criação de autorização de faculdade de medicina em locais onde não há médicos. Essa história da necessidade social é uma mentira, é algo que não funciona. Nós temos que formar médicos onde há melhor cenário de prática, onde há melhor supervisão e onde os resultados são melhores. A partir daí, eu os formo e, em função de um programa de atenção à saúde para todo o território nacional, eu vou alocá-los para finalidades específicas. Não faz sentido de forma nenhuma eu ter que decidir o que tenho de fazer nesta ou naquela localidade do País em função de recursos humanos eventualmente disponíveis naquele lugar. Eu tenho que alocar recursos para aquilo.
Portanto, é assim que os canadenses, por exemplo, modelo excepcional de atenção à saúde, fazem nas regiões remotas do Canadá. Não há escola de medicina para tratar esquimós. Eles simplesmente encaminham profissionais que são formados e trabalham regularmente em áreas onde há uma estrutura que lhes permita contínuo desenvolvimento profissional e social para atender áreas remotas por períodos determinados de 1 mês, 2 meses, 3 meses. É basicamente assim que se atendem áreas remotas e é basicamente assim que se garante uma qualidade na assistência.
15:39
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Eu gostaria de falar muito brevemente sobre avaliação. Não existe avaliação de médicos, de estudantes de medicina no Brasil. Não existe um processo adequado de avaliação. Estamos querendo, e com justa razão, avaliar os estrangeiros, mas nos recusamos a avaliar os nacionais, os que aqui se formam. Não existe um processo de avaliação para o ingresso, para entender se ele realmente tem uma vocação para a medicina. Não existe nenhum tipo de avaliação séria durante o curso. Uma avaliação séria durante o curso permite que identifiquemos os alunos com dificuldades e os redirecionemos, seja lhes dando o apoio necessário para que melhorem o desempenho, seja os redirecionando para outras profissões. Nós não temos uma avaliação que permita a identificação de lacunas nos cursos, correção de falhas. Nós não temos avaliação ao final da graduação.
Então, como já se disse, não é por causa das intenções que vamos julgar as políticas. Temos que julgá-las pelos resultados. E temos que julgar o resultado, isto é, o egresso, para avaliar o curso de medicina, e não as intenções ou os programas daquela faculdade.
Eu só gostaria de colocar aqui o meu apoio a uma iniciativa prática muito bem colocada aqui, que tenho defendido já há pelo menos 20 anos e que me parece muito simples. Eu já levei isto a vários Ministros da Educação. É absolutamente necessário que haja um cadastro de estudantes de medicina, para que possamos identificar aqueles que entram no curso e acompanhar com a devida transparência como está sendo a sua evolução.
Há 20 anos, aproximadamente, numa inscrição para um vestibular aqui no Estado de São Paulo, na fila, havia um indivíduo que estava entregando um panfleto, que dizia assim: "Não perca tempo fazendo vestibular no Brasil. Nós garantimos o seu ingresso numa faculdade de medicina no exterior". Nele constava um telefone. E a neta de um colega meu recebeu isso, chocada, entregou a ele, que me entregou. Eu fui ao Ministro da Educação e disse: "Veja como isso funciona, não é?" Antes de ir ao Ministro da Educação — isso faz 20 anos, e eu repeti isso com vários Ministros —, eu disse: "Telefone para saber como é que é". Aí ele telefonou e ficou sabendo que era para fazer medicina num país limítrofe, que eles asseguravam a transferência, exatamente como o Yuri disse aqui, para o Brasil.
Ótimo! Mas ele insistiu e disse: "Mas eu quero que faça no Brasil mesmo". "Ah, bom! Tudo bem, não tem problema. O senhor começa lá, e, no ano seguinte, no final do primeiro ano, eu já coloco a menina aqui. Vai custar mais caro, mas eu faço isso."
Então, basicamente, esse tipo de organização, de transferência é a regra há muitos anos, há décadas. E as faculdades são exatamente as mesmas, e todos nós as conhecemos. Um cadastro de estudantes de medicina evitaria pelo menos essa irregularidade.
Enfim, dados os 15 minutos, eu peço desculpas por ter ultrapassado aqui alguns segundos, mas agradeço demais a sua atenção a essas considerações.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Muito obrigado. São importantes essas colocações. Vemos aí que a própria Universidade Federal do Mato Grosso está fazendo esse tipo de compromisso. O aluno vinha para cá, fazia 1 ano, 2 anos, e ele pagava a mensalidade como se fosse numa faculdade particular. E por aí vai, tanto é que houve aquela operação na cidade no interior de Minas, se não me engano, a Operação Vagatomia, em relação a isso, para trazer esses médicos formados no exterior.
15:43
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Eu acho isso importante porque, para a profissão do médico, não basta se chegar... "Você tem vocação para ser médico? Ou você está fazendo medicina para arrumar emprego, para melhorar de vida?", pergunto. É claro, o mercado está aberto. Sabemos que o salário é bom e dá para você viver confortavelmente, mas não se justifica a má formação. Na minha especialidade, vemos isso, a má formação: má formação genética e má formação profissional.
Agradeço ao Sr. José Luiz Gomes do Amaral e agora chamo o Sr. César Eduardo Fernandes, Presidente da Associação Médica Brasileira.
V.Sa. tem 15 minutos, Dr. César.
O SR. CÉSAR EDUARDO FERNANDES - Boa tarde a todos os presentes!
Quero agradecer ao Deputado Dr. Zacharias Calil por esta oportunidade, por esta audiência pública, por convidar-nos para um assunto de tamanha relevância, como claro já ficou por todas as apresentações que nos antecederam. Já não era sem tempo que nós nos reuníssemos todos para discutir este assunto.
Eu gostaria de fazer algumas reflexões, porque muitas das coisas relevantes já foram aqui colocadas. Isso me remete a dizer — já vou antecipar algo que comentaria ao final — que nós estamos aqui descrevendo o cenário atual: o cenário de caos, o cenário de precariedade, o cenário de preocupação. Vários que me antecederam, inclusive o Prof. José Luiz, que acabou de falar, tiveram o cuidado de fazer um cálculo estimativo dos danos numéricos, dos equívocos de diagnóstico, de erros de diagnósticos e da gravidade que pode repercutir no paciente em sua individualidade e na população como um todo. Então, o cenário é conhecido de todos.
E, usando de um silogismo médico, nós primeiro fazemos o diagnóstico. Parece-me que não há dúvida quanto ao diagnóstico, não é? A nossa situação é precária. Nós estamos entregando um produto final de qualidade altamente duvidosa, para uma função nobre. Na sociedade existem inúmeras profissões, e a nossa, entre outras, é de importância vital para a sociedade. Nós estamos entregando um profissional à sociedade e nós não estamos convencidos da sua qualidade.
O que nós da AMB pensamos em relação a isso? O que nós queremos? Qual é a nossa missão? A nossa missão é lutar para que se possa prover a população de uma saúde de qualidade, de uma saúde acessível, de uma saúde resolutiva. Para que isso ocorra, nós precisamos do bom exercício da medicina, portanto precisamos de bons profissionais. Então, isso diz diretamente da nossa missão.
Nós já temos o diagnóstico, e há consenso entre todos nós aqui de que temos o diagnóstico de um cenário terrível, caótico, e de prognóstico péssimo. E aqui já estou antecipando, o prognóstico é uma das coisas que nós médicos sempre elencamos quando fazemos um diagnóstico dos nossos pacientes. O prognóstico tem frente àquele diagnóstico. Então, se esse prognóstico (falha na transmissão). Se nós temos o diagnóstico, o que nos cabe fazer? Acho que precisamos fazer essa reflexão. Cabe-nos fazer o tratamento. Temos que tratar essa situação. Não podemos ficar aqui entre nós nos lamentando, como cada um de nós fez até agora. Temos que encaminhar um planejamento de resolução dessa situação. Temos que fazer o tratamento.
15:47
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E não basta um tratamento de choque, como eu suponho que tem que ser feito nessa situação. Eu preciso monitorar os resultados. Preciso acompanhar a evolução desse paciente moribundo, caótico, que é a qualidade da formação do profissional médico. Eu estou usando de uma linguagem de entendimento muito fácil para nós médicos. Temos o diagnóstico. Não estamos fazendo o tratamento. Estamos deixando o paciente evoluir à sua própria sorte. Nada tem sido feito efetivamente para mudar esse cenário. Portanto, não estamos tratando corretamente dessa situação. (Falha na transmissão.) A inspeção não é feita. Não há fiscalização alguma. Portanto, o prognóstico só vai agravar, só vai piorar ao longo do tempo.
O que nos cabe enquanto entidades médicas? Aqui eu vejo que está representado o CFM, a quem parabenizo na pessoa do Júlio Braga, por compartilhar conosco a bela apresentação que fez sobre a radiografia das escolas médicas. Ela permite, por si só, pela apresentação, ver-se a gravidade da situação. Estão presentes também a Associação Paulista da Medicina, os estudantes de medicina e o movimento associativo. O que nos cabe? Cabe-nos alertar, dizer qual é o problema, ajudar na identificação do problema. A quem cabe a solução? A quem cabe o tratamento? Será que a Associação Médica vai resolver esse problema? Será que o Conselho Federal de Medicina — ou quem mais esteja presente aqui — vai resolver esse problema?
Eu compreendo que a resolução desse problema cabe ao Parlamento, cabe ao Executivo e ao Parlamento. E não estou falando aqui com nenhuma linhagem político-partidária ou ideológica. Isso é tudo que eu abomino dentro do movimento associativo. Cada um de nós, como cidadãos, é claro que tem a sua própria convicção, mas, dentro do movimento associativo, não podemos nos pautar com bandeiras ideológicas ou bandeiras partidárias. Portanto, eu estou isento na minha fala. Não estou falando deste Governo, não. Estou falando de todos os Governos que vieram até agora. Acho que o Governo não tem sido eficaz, zeloso ou qualquer adjetivação que se queira dar. Quero que fique bem claro que não é deste Governo que eu estou falando — não que este Governo também não tenha a sua responsabilidade —, estou falando dos Governos do Brasil. Portanto, acho que é o Parlamento e o Executivo que têm que resolver isso. Não se pode continuar nesta inércia. Deve haver medidas eficazes. Não adianta jogar para a torcida. Nós temos que efetivamente resolver o problema.
De onde nasceu tudo isso? Tudo isso nasceu do Mais Médicos. Qual era a ideia do Mais Médicos? Acho que vale a pena retomar isso. Vocês já falaram aqui sobre o Mais Médicos. O Mais Médicos visava, primeiro, colocar médicos onde eles não existem habitualmente, nos locais mais longínquos deste País continental. Junto com isso, vem uma ideia absolutamente equivocada de fazer escolas nesses locais. Esses locais não têm condições de formar médicos. Todos nós aqui sabemos disso, todos nós sabemos. E quem aproveitou isso tudo? Foram os grupos privados universitários que viram nisso uma possibilidade fantástica de fazer dinheiro. Olhem o número de escolas médicas que foram feitas na última década: 173 escolas médicas! Acabei de verificar esse número na apresentação com que o Júlio nos brindou hoje. Quem está lucrando com isso? É a população que está lucrando com isso? Quem deve ser o beneficiário final disso? A população. O beneficiário final disso não está sendo a população, mas estão sendo esses grupos universitários que viram nessas novas escolas médicas uma possibilidade de um negócio altamente lucrativo.
15:51
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Voltando ao raciocínio básico, eu acho que o diagnóstico está feito. A moratória que se conseguiu algum tempo atrás não é perene e vai vencer no final deste Governo. É moratória de novas escolas. Vale lembrar que não é moratória de novas vagas. As faculdades continuam aumentando as vagas. Elas podem aumentar. Não há moratória de novas vagas, mas moratória de novas escolas. Então, temos um aumento orgânico inercial de novas vagas, porque isso não está freado. Muitas faculdades vêm aumentando oficialmente ou, como aqui foi dito, oficiosamente essas vagas. Como aqui já foi dito, a faculdade tem 50 vagas para preencher no primeiro ano e coloca 80 alunos. Alguém disse isso. Perdoem-me porque eu não lembro quem falou isso. Isso é a maneira oficiosa, mas tem a maneira oficial: "A partir do ano que vem, no meu curso foi aprovado o aumento de vagas". Isso o Ministério pode fazer.
O que um curso médico — eu não quero ser repetitivo — precisa ter para ser um bom curso médico, sendo bem simplório? (Falha na transmissão.) Ele precisa ser um curso bem delineado. Eu, que sou um médico decano, talvez o decano entre todos vocês aqui, estudei anatomia dissecando cadáver. Não via outra maneira de estudar anatomia. Foram 2 anos estudando anatomia e dissecando cadáver. Hoje, há escola de curso de medicina em que o indivíduo não põe a mão num cadáver. Ele estuda na lousa, no vídeo. Então, a formação básica está muito precária. Nós imaginamos que qualquer um pode dar o curso básico. Como foi dito aqui inclusive pelo nosso anfitrião Deputado Dr. Zacharias Calil, não são médicos que estão dando o curso de medicina. Eles chamam um professor de Educação Física, e ele dá o curso de anatomia. E nem ele sabe anatomia, sem nenhum demérito ao professor de Educação Física. Ele pode conhecer anatomia para ser um professor de Educação Física, não para formar um médico.
E é preciso campo de ensino para o ensino prático. Há regras mínimas que são, a meu juízo, extremamente tímidas. Isso pode ficar consagrado no projeto, mas são regras extremamente tímidas. Eu venho de uma instituição onde havia um hospital com 2 mil leitos. Nós éramos 100 alunos. Então, todos nós tínhamos um acesso muito grande aos pacientes, aos docentes. Hoje o docente não tem qualidade. Também não basta colocar qualquer médico para dar aula. O médico tem que ter qualificação para isso.
Dito isso, é claro — vocês já fizeram o diagnóstico — que nós temos uma situação de precariedade. Portanto, não podemos deixar a situação continuar dessa maneira.
Quero fazer algumas proposições. Uma delas, de que todos já falaram aqui e com a qual eu concordo também, é a avaliação de proficiência ao final do curso, mas não apenas isso. Eu acho que essa avaliação tem que ser feita durante o curso, um teste de progresso, bem conduzido, conduzido de maneira competente, feito centralmente, não feito por unidades isoladas, como é feito por aí, por consórcios de teste de progresso, como há no País, não. O teste do progresso é bancado por uma instituição oficial determinada pelo Ministério da Educação. Eu acho que vai ter que se montar uma instituição oficial, que não é nem no CFM nem na AMB, uma instituição competente, com a competência necessária para avaliar os alunos ao longo do curso de maneira oficial, para que se possa ao final dizer: "Este aluno foi bem avaliado, progrediu e está dispensado de fazer uma prova de proficiência ao final". E também dirá: "Não, este foi um foi um mau aluno, não tem condições de receber o seu certificado de conclusão de curso e obter o seu registro no Conselho Regional. Ele precisa fazer o que se chama de prova terminal, ao término do curso". E deverá ser, a meu juízo, uma única prova para o médico egresso do curso de Medicina no Brasil e o médico que vem de fora. Não pode ser diferente. E assim acabamos com o preconceito de que nós só estamos testando o médico que vem de fora e não estamos testando o médico formado aqui no Brasil. Portanto, eu proponho duas escalas: uma de acompanhamento ao longo do curso, e outra que é o exame terminal para aqueles que não mostrarem progresso ao longo da sua formação.
15:55
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A nosso pedido, nós já estivemos reunidos com o Conselho Federal de Medicina, juntamente com a Associação Brasileira de Escolas Médicas, a Academia Nacional de Medicina e o Ministro da Educação, há cerca de 2 meses, e falamos para o Ministro da Educação: "Nós achamos que a situação é grave. A situação é séria. Nós estamos aqui para ajudar. Não queremos nomeação de nada, nós queremos ajudar". A nossa proposta, a proposta defendida naquela reunião pelo representante do Conselho Federal de Medicina, pelo representante da AMB, pelo representante da Academia Nacional de Ensino das Associações de Escolas Médicas, é esta: nós queremos um comitê absolutamente independente, independente no seu sentido maior, que possa claramente contribuir para delinear de que maneira nós vamos fiscalizar a escola.
A escola médica precisa fechar. Ninguém quer falar isso, mas tem que fechar. Nós não podemos ser irresponsáveis. Não comporta tamanha irresponsabilidade do poder público em relação a isso, porque eu, como Associação Médica Brasileira, não posso fechar nenhuma escola, não posso fiscalizar nenhuma escola, não tenho legitimidade para isso. Posso ter a boa vontade, como teve o CFM, de fazer a radiografia, mas isso de nada adianta. Minto, é claro que adianta. Adiantou muito para que nós hoje pudéssemos fazer o diagnóstico, mas do ponto de vista efetivo, de resolver o problema... Nós ficamos aqui choramingando uns com os outros.
Então, eu quero dizer o seguinte: nós precisamos formar médicos qualificados. Deve ser "Mais Médicos Qualificados", tem que se colocar um adjetivo aí, o "qualificados". Não é qualquer um, não é médico "Zé Ruela", mas médico com competência. Perdoem-me a sinceridade, mas este assunto me mobiliza. Eu estou achando que isso é grave demais, para que continuemos nesta inércia.
E quem tem que fixar o médico lá longe não é uma nova escola médica. Isso é uma política de Estado, uma política de Governo, já defendida pelas entidades médicas há muito tempo.
15:59
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(Falha na transmissão.)
O médico é um cidadão como qualquer outro. Ele tem família, ele tem anseios.
Eu acho que a minha Internet está instável. Desculpem-me, mas eu acho que a Internet ficou instável.
Então, o médico é um cidadão como qualquer outro. Se não houver condições, ele não se fixa na distância, na barranca do rio. Quem tem que fazer isso é o Governo, com uma política de Estado, com uma remuneração correta, com uma remuneração garantida. Não pode ser a contrato precário, para que o médico vá lá para trabalhar por 2 anos e depois volte para o seu local de origem com a mão abanando. E tudo isso, dentro do mesmo problema. Não importa se ele se formou em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Goiânia, em Belo Horizonte, em Recife. Isso não importa. Tem que haver uma política de Estado que motive esse médico para ir à distância. Não é se fazendo uma escola na barranca do rio (falha na gravação), por exemplo, para esses grandes centros, a fim de melhorarem o seu aprendizado.
Eram essas as considerações.
Mais uma vez, parabenizo o Deputado Dr. Zacharias Calil e agradeço a S.Exa. por dar-nos esta oportunidade de debater um assunto tão relevante. Já passou da hora, Deputado, de nós termos mais seriedade neste assunto! Obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Nós é que agradecemos, Dr. César. Eu acho muito importante este tema.
Vemos que, quando eles começaram com esse Programa Mais Médicos, com a abertura de faculdades de medicina, este era o programa: fixar o médico no local onde ele mora, perto da residência dele, para que pudesse tratar a população, e nós vimos exatamente o contrário.
É interessante também o que o senhor disse, que todo político, quando vai falar da área da saúde no programa de saúde, fala da criação do médico de Estado, de carreira. Eu digo que quase todos dizem isso, e ninguém nunca cumpriu essa palavra, esse programa de Governo. Prometem que vão fazer isso em relação à medicina, fixar o médico, fazer concurso. Essas organizações sociais — OS acabaram com os concursos de médicos. Hoje se trabalha só na pejotização da saúde. Não se tem carteira assinada, não se tem direito a férias, não se tem direito a 13º, não se tem direito a nada! Hoje você está ali quando anoitece, e não está mais quando amanhece.
O que está havendo é uma série de fatores que, é claro, influenciam na formação, porque todos esses hospitais têm convênio com essas faculdades, no qual os alunos passam a fazer o internato. Chegam lá para trabalhar com essa intenção. Eu trabalho no Hospital Materno-Infantil, um hospital público, que tem convênios com várias faculdades da região e no qual os alunos passam no 6º ano. Para eles é muito fácil. Então, vai haver hospital para que, se eu posso fazer um convênio, pagar uma determinada quantia para a unidade, para mantermos os nossos alunos? Mas nós sabemos também, porque há exigências, que nem todos ali têm mestrado ou doutorado. E você fica meio perdido com a má formação, com a qualidade inferior à que deveria ser.
Portanto, esses Governos também têm que cumprir promessas de campanha. O que mais escutamos, o que mais se fala é sobre médicos de Estado, de carreira. E há muitos médicos que são eleitos com nome da Medicina, e quando chegam à Câmara mudam de lado, passam para outro tipo de atividade.
16:03
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Eu gostaria de chamar agora a Sra. Cristiane Dias Lepiane para a sua exposição, por 15 minutos. Cristiane Dia Lepiane é Diretora de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação — MEC.
A SRA. CRISTIANE DIAS LEPIANE - Boa tarde, Deputado Dr. Zacharias Calil. Na pessoa de V.Exa., eu cumprimento todos os presentes.
Inicialmente, eu agradeço o convite ao Ministério da Educação para participação em audiência sobre um tema tão sensível, de grande relevância para toda a sociedade. Entendo que somente com o diálogo e a interação de todos podemos, de fato, avançar.
Como o tema da audiência é Qualidade do ensino nos cursos de Medicina, trago a nossa proposta de apresentação, por parte da Diretoria da qual eu estou à frente, a Diretoria de Regulação. Julgo pertinente nós realizarmos um contexto em que a apresentação se focará em qual é o aspecto normativo em que a qualidade está presente. Somente ao conhecer a norma vigente, podemos juntos realizar esses estudos que promovam a qualidade tão almejada e tão bem debatida e defendida por todos que falaram até o momento. Então, em linhas gerais, nós iremos contextualizar para os senhores isto: como que se dá esse padrão de qualidade frente à legislação vigente e como os cursos de Medicina estão inseridos. A proposta vai ser um pouco mais técnica, mas o intuito é aprofundar e contextualizar a todos: qual é a legislação, quais são os pontos em que nós podemos avançar e o que temos de grandes entraves normativos.
Primeiramente, o que eu gostaria de trazer, em linhas gerais, são os aspectos que nós iremos mencionar. Iniciaremos com a Constituição; passaremos pelas diretrizes curriculares, pela LDB — Lei de Diretrizes e Bases da Educação; entraremos na Lei dos SINAES — Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior; passaremos pelo Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017, que é o decreto de regulação, supervisão e avaliação do sistema federal; e demais atos editados no Ministério da Educação.
Inicialmente, é importante estar na mente de todos que a garantia de padrão de qualidade é um princípio constitucional, e a avaliação da qualidade pelo poder público é uma das condições estipuladas no art. 209 da Constituição Federal, derivando o ensino pela iniciativa privada.
Com relação especificamente à LDB, é importante nós destacarmos dois pontos em que a União está encarregada de atuação, especificamente. Eu chamo atenção para o inciso VI — "assegurar processo nacional de avaliação" — e inciso IX — "autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar, avaliar, respectivamente, os cursos e instituições de ensino superior" e os seus respectivos sistemas de ensino. É muito importante frisar que as atribuições constantes no inciso IX poderão ser delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que mantenham as suas instituições de ensino superior.
Normalmente, é muito comum que no contexto imediato seja atribuída a todas as instituições de ensino superior privadas, principalmente, a incumbência direta ao Ministério. Então, é importante ter em mente o escopo de atuação, que é o próximo eslaide que trazemos para compartilhar com os senhores. A LDB delimita a competência em âmbito federal, estadual e municipal. Está facultada a atuação da SERES, no Ministério, ao Sistema Federal de Ensino, ou seja, às instituições de ensino mantidas pela União; às instituições de educação superior mantidas pela iniciativa privada e aos órgãos federais de educação.
16:07
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Também é importante destacar, ainda mencionando a LDB, o art. 46. Por que ele é tão importante? Esse artigo exige uma renovação periódica dos atos de regulação. Existe essa periodicidade. Também nesse mesmo artigo incide que, em caso de identificação de deficiências, é concedido um prazo de saneamento, com posterior reavaliação, para se verificar se de fato foram sanadas essas deficiências. Essa ação poderá resultar em desativação do curso, intervenção da instituição, suspensão temporária das suas prerrogativas de autonomia ou até mesmo descredenciamento. Então, o Poder Executivo é o responsável pela instituição pública. Deve acompanhar todos esses procedimentos que se fizerem necessários e dar todo o aporte para a superação das deficiências.
No caso das iniciativas privadas, além dessas questões que eu mencionei, naturalmente, o processo de reavaliação também poderá resultar na redução das vagas autorizadas, na suspensão temporária de novos egressos e até mesmo da oferta do curso.
Destaco em especial que, para fins de regulação, os Estados e o Distrito Federal deverão adotar critérios definidos pela União para a autorização e o funcionamento dos cursos de Medicina.
Quanto à apresentação do contexto normativo, conforme já foi aqui mencionado, trazemos a Lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior — SINAES, que foi instituído pela Lei nº 10.861, de 2004, cujo objetivo é assegurar o processo nacional de avaliação das instituições superiores, dos cursos de graduação e do desempenho dos seus estudantes.
É muito importante observar que entre as suas finalidades está a melhoria da qualidade da educação superior. Queremos ressaltar que o compromisso abarca desde a avaliação institucional — há momentos de avaliação interna da instituição e também externa —, contemplando uma "análise global e integrada de suas dimensões, estruturas, relações, compromisso social, atividades, finalidades e responsabilidades sociais das instituições de educação do ensino superior e de seus cursos." Também se avalia "o caráter público de todos os seus procedimentos, dos dados, dos resultados e dos processos avaliativos; o respeito à identidade e à diversidade de instituições e de curso; a participação do corpo discente, docente e técnico-administrativo das instituições de educação superior, e da sociedade civil, por meio de suas representações."
Este é o ambiente sobre o qual estamos debatendo aqui. É muito propício e sempre muito construtivo e enriquecedor existirem todos esses apontamentos.
É importante colocar que o SINAES é constituído por três pilares básicos. Dentre eles, destacamos as instituições de ensino superior, os cursos de graduação e o desempenho acadêmico dos estudantes. Para cada um desses pilares há um procedimento específico a ser adotado, de modo a garantir esse conceito de avaliação. No caso das instituições, nós temos a autoavaliação institucional, que é formada por uma comissão própria de avaliação das instituições, a qual tem que garantir a representatividade de todos os segmentos institucionais; e a avaliação in loco, realizada por uma comissão de especialistas.
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Dentro dos preceitos do SINAES existem dez dimensões. Para o novo instrumento de avaliação, eles estão classificados em cinco eixos, cujo foco é planejamento e avaliação institucional, desenvolvimento institucional, políticas acadêmicas e política de gestão e infraestrutura.
No que tange aos cursos de graduação, nós temos a avaliação in loco, que é realizada também por uma comissão de especialistas. As avaliações in loco são realizadas pelo INEP. O foco dessa avaliação é marcado em três dimensões: organização didático-pedagógica; corpo docente, tutorial; e instalações físicas.
Muito importante a ser considerado na avaliação do curso é o projeto pedagógico do curso, elaborado pela instituição, pelo seu Núcleo Docente Estruturante — NDE. Obrigatoriamente precisa seguir as diretrizes curriculares, conforme já mencionado. Este é mais um motivo para termos esse olhar e entendermos em que momento são feitas as avaliações.
Por último, no pilar relacionado ao SINAES, nós temos o desempenho acadêmico dos estudantes, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes — ENADE, que é a aplicação aos alunos de todos os cursos de graduação, no primeiro e no último ano do curso, para avaliação trienal. Mencionamos algumas particularidades. Tivemos alteração na redação que rege esse conceito do ENADE.
Quanto ao resultado da avaliação de todos esses aspectos da avaliação, não vou me alongar muito, porque o intuito aqui é apresentar o contexto. Depois estaremos abertos a aprofundar naquilo em que a Comissão julgar pertinente e a explorar mais qualquer um dos temas. Mas o que eu quero deixar aqui quanto a esse ponto do SINAES é isto: os resultados da avaliação constituem-se em "referencial básico do processo de regulação de supervisão da educação superior", neles compreendidos o credenciamento e o recredenciamento das instituições, a autorização, o reconhecimento e a renovação de reconhecimento dos cursos.
Em seguida, eu estou trazendo aqui, para que os senhores tenham uma noção disto, quais são os indicadores de qualidade que compõem esse cenário normativo hoje. Nós temos o conceito ENADE; o Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado — IDD; o Índice Geral de Cursos avaliados — IGC, que é um indicador de qualidade que avalia as instituições da educação superior; e o Conceito Preliminar de Curso — CPC, que também é um indicador de qualidade que avalia os cursos de graduação.
Um ponto importante — e vou chamar atenção para o CPC, uma vez que o foco é a avaliação do curso de Medicina — é que o cálculo e a divulgação ocorrem sempre no ano seguinte ao da realização da prova do ENADE, com base na avaliação de desempenho dos estudantes, no valor agregado pelo processo formativo e em insumos referentes às condições de ofertas. Leva em consideração o corpo docente, a estrutura e os recursos didático-pedagógicos.
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É muito importante ter em mente que há, dentro do SINAES, uma escala, em que todos os indicadores são expressos em uma faixa de 1 a 5, sendo considerados satisfatórios os que fiquem a partir da faixa 3. Então, nas faixas 3, 4 e 5, considera-se atendido o quesito mínimo de qualidade, conforme estabelecido por essa lei.
Posteriormente, foi editado o Decreto nº 9.235, de 2017, que dispõe sobre as funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de ensino superior e dos cursos de graduação e pós-graduação no sistema federal. A atuação é específica, apenas para as instituições que estão inseridas no sistema federal.
Com relação à regulação, ela é realizada em atos autorizativos de funcionamento de instituições de educação superior e de oferta de cursos, a fim de promover a igualdade de condições de acesso, garantir o padrão de qualidade das instituições e dos cursos e estimular o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas.
A avaliação, realizada por meio do SINAES, tem caráter formativo. Os seus resultados constituem o referencial básico dos processos de regulação e de supervisão da educação superior, a fim de promover melhorias em sua qualidade.
A supervisão é realizada por meio de ações preventivas ou corretivas, com vistas ao cumprimento das normas gerais da educação superior, a fim de zelar pela regularidade e pela qualidade da oferta dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu e das instituições que os ofertam.
O que nós estamos apresentando para os senhores? A competência de cada um desses atores que estão inseridos. Eu destaco a SERES, Secretaria responsável pela regulação e pela supervisão da educação superior. Ela faz parte de um processo regulatório. E esse processo regulatório tem outros atores, e cada um compõe uma ação fundamental para a computação da qualidade dessa educação de que estamos tratando aqui. Nesse termo, até mesmo para enriquecermos mais o trabalho, é muito importante que todos os atores tenham voz, para que componham esse debate.
A título de exemplo, eu chamo atenção com relação às diretrizes curriculares, que são de competência do Conselho Nacional de Educação e que, como se disse em muitas das falas, remetem à competência do médico, conforme muito bem pontuado pelo Dr. José Luiz. Temos que levar em consideração também as diretrizes curriculares, pois, como eu mencionei no eslaide anterior, há a questão da avaliação em si. Centrada em seu projeto pedagógico, ela está muito estruturada nas diretrizes, conforme a implementação. Então, no momento da avaliação, é verificada essa situação, mas, de fato, entendemos que temos muito ainda a aprimorar nesses quesitos.
O Ministério da Educação, por meio da SERES, é responsável pela regulação e pela supervisão no âmbito do sistema federal. O INEP é responsável pela avaliação das instituições, pelo desempenho dos estudantes, bem como pela realização do censo. Notem que temos muitos atores ainda a serem colocados nesse contexto.
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A fim de contextualizá-los sobre a atuação especificamente da SERES, apresento a estrutura da Secretaria. Ela é composta por uma diretoria específica, a Diretoria de Regulação de Educação Superior, pela Diretoria de Supervisão da Educação Superior e pela Diretoria de Política Regulatória.
A missão das SERES é, de fato, assegurar a qualidade e a confiança da educação superior. E sempre estamos dispostos a ampliar o debate, ouvir todos os conceitos que estão sendo colocados e entender que sempre podemos evoluir. E essa construção tem que ser feita em conjunto.
Com relação especificamente aos cursos de Medicina, objeto da nossa fala, do nosso encontro, é muito importante que seja considerado que as instituições públicas são realizadas no plano de expansão das escolas médicas. As instituições privadas são regidas pela Lei nº 12.871, de 2013, que instituiu o Mais Médicos. Eu chamo atenção para o art. 3º:
Art. 3º A autorização para o funcionamento de curso de graduação em Medicina, por instituição de educação superior privada, será precedida de chamamento público, e caberá ao Ministro de Estado da Educação dispor sobre:
I - pré-seleção dos Municípios para a autorização de funcionamento de cursos de Medicina, ouvido o Ministério da Saúde — reforçamos que é muito importante que o Ministério da Saúde seja ouvido;
II - procedimentos para a celebração do termo de adesão ao chamamento público pelos gestores locais do SUS;
III - critérios para a autorização de funcionamento de instituição de educação superior privada especializada em cursos da área de saúde;
IV - critérios do edital de seleção de propostas para obtenção de autorização de funcionamento de curso de Medicina; e
V - periodicidade e metodologia dos procedimentos avaliatórios necessários ao acompanhamento e monitoramento da execução da proposta vencedora do chamamento público.
Conforme já foi mencionado, está em vigor a moratória do curso de Medicina. E a Portaria nº 328 prevê a suspensão de 5 anos do protocolo dos pedidos de aumento de vagas e também de novos editais dos chamamentos públicos.
Gostaria de colocar no debate também a Portaria nº 329, de 2018, que dispõe sobre a autorização e o funcionamento dos cursos de graduação de Medicina nos sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal.
Os procedimentos de autorização dos cursos de Medicina dos Estados e do Distrito Federal deverão ser precedidos de chamamento público para a pré-seleção de Municípios e de propostas das instituições públicas de ensino superior dos seus respectivos sistemas de ensinos, além de adotar todas as prerrogativas que estão dispostas na lei que instituiu o Mais Médicos.
Como já foram amplamente apresentados todos os dados sobre a questão de vagas, nós trouxemos o recorte apenas do sistema federal, que reflete muito como o fazemos. Por isso, temos 34 mil vagas. Conforme anteriormente mencionado, nós temos um cenário geral de 37 mil. E esse item é apenas para contextualizar o cenário de como se deu essa evolução até agora.
Com relação ao monitoramento dos cursos de Medicina, é importante observar o que está disposto na Portaria nº 572, de 2018. Essa portaria que instituiu os procedimento de monitoramento com a finalidade de verificar as condições e a efetiva implementação do cursos de Medicina, da autorização ao reconhecimento do curso. A SERES é responsável pelo monitoramento e pela criação dessa comissão integrada de especialistas, pelas visitas desses monitoramentos de IES e dos cursos de Medicina objeto de chamamento público. Essas visitas são realizadas pela comissão de monitoramento, hoje conduzidas pela CAMEM — Comissão de Acompanhamento e Monitoramento de Escolas Médicas, conforme a Portaria MEC nº 306, de 2015. É importante também colocar no debate que é realizada, no mínimo, uma visita de monitoramento para fins de autorização do curso, após o seu início. E é realizada, no mínimo, uma visita de monitoramento anual, até a publicação dos atos regulatórios de reconhecimento de curso e de recredenciamento das instituições.
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Também quanto aos procedimentos que são verificados durante essas visitas de monitoramento, eu destaco os requisitos sobre o cumprimento do plano de implementação dos Programas de Residência Médica, em que a mantenedora deve apresentar a efetiva implantação das vagas de residência médica durante o curso, o Plano de Contrapartida à Estrutura de Serviços, Ações e Programas de Saúde do SUS. Então, a mantenedora fica obrigada a apresentar os comprovantes de contrapartidas efetuadas, com a descrição dos entendimentos que foram realizados com os equipamentos e programas de saúde no Município, com vista à melhoria do processo de ensino-aprendizagem no cenário de prática no SUS e da qualidade de assistência à população.
Por fim, é importante observar também que eles têm que apresentar o Plano de Oferta de Bolsas para Alunos. A mantenedora tem que comprovar a oferta de bolsa de estudo integral a estudantes cuja renda familiar mensal per capita seja de até 1,5 salário mínimo. Então, além do monitoramento, a supervisão da Diretoria da SERES também ocorre na forma prevista para as demais fases. Conforme disposto no Decreto nº 9.235, de 2017, temos também as verificações de visitas in loco, em caso de denúncias, momentos para recredenciamento e reconhecimento de cursos em decorrência (falha no áudio) de qualidades previstas no SINAES.
Atualmente, já que nós estamos fazendo...
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Sra. Cristiane, o seu tempo está bem estourado.
A SRA. CRISTIANE DIAS LEPIANE - Estou no penúltimo eslaide. Só vou pontuar alguns dados.
Para se ter uma noção de como foi o último processo avaliativo, digo que 198 instituições fizeram o último CPC. O que é realizado quando se tem um CPC insatisfatório? Queremos só deixar claro que existe um procedimento de abertura de ofício desses processos. Sendo os resultados reiterados como insatisfatórios nos últimos ciclos, também há um procedimento específico.
Eu peço até desculpas por ter me alongado e ser muito técnica, e às vezes repetir muito dos dispositivos de que os senhores já têm conhecimento, mas achei fundamental trazer esse debate para conseguirmos avançar, de fato, na questão normativa também e ter uma solidez mais robusta para avançarmos nesses estudos.
Obrigada.
Era somente isso que eu tinha a dizer. Peço desculpas por estender-me.
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Eu é que agradeço.
Essas dúvidas eu mesmo tinha, e agora consegui resolvê-las. As denúncias nos preocupam um pouco. Ou o aluno denuncia, ou os pais... Às vezes o aluno fica com medo de denunciar e perder a bolsa, ou de fecharem a faculdade, alguma coisa assim. Nós ainda vamos ter oportunidade de falar sobre isso.
Muito obrigado.
Eu gostaria de chamar agora o Sr. Sergio Henrique da Silva Santos, Diretor de Desenvolvimento da Educação em Saúde da Secretaria de Educação Superior do MEC.
O SR. SERGIO HENRIQUE DA SILVA SANTOS - Olá. Boa tarde a todos. Boa tarde, nobre Deputado Dr. Zacharias Calil, Deputado Luizinho, colegas médicos. Parabenizo também pela iniciativa a Deputada Carla Dickson, que subscreveu o pedido.
Nós vamos ser breves. Faremos uma rápida explanação daquilo que envolve a Diretoria de Desenvolvimento da Educação em Saúde.
(Segue-se exibição de imagens.)
Esta diretoria foi criada no escopo da Lei nº 12.871, dentro da Secretaria de Educação Superior do MEC, e tem como objetivo justamente fazer o monitoramento do processo de educação de graduação e pós-graduação na área da saúde, não apenas da medicina, mas nas 16 áreas da saúde.
Digno de nota é entender a questão que envolve a avaliação da educação superior. A Profa. Cristiane, que me antecedeu, colocou muito bem o papel do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior — SINAES e suas atribuições para garantia e melhoria da qualidade da educação superior, bem como para orientação da expansão da oferta. Existe parâmetro normativo, parâmetro legal para que a expansão da oferta seja feita.
Alguns marcos, como a Lei nº 10.861, que instituiu esse sistema, são significativos. Os marcos regulatórios para expansão das escolas médicas partem da Portaria Normativa MEC nº 15, de 2013, que instituiu a Política Nacional de Expansão das Escolas Médicas das Instituições Federais de Educação Superior e trouxe para dentro da Secretaria de Educação Superior do MEC a competência para assegurar o cumprimento dos requisitos de qualidade por parte das instituições federais de ensino — e viriam dispositivos regulamentadores logo na sequência.
É de conhecimento de todos o papel da Lei nº 12.871, que instituiu o Programa Mais Médicos e tinha o objetivo de reordenar a formação médica no País, para aperfeiçoar a atenção à saúde da população.
Eu fui citado por aqueles colegas que me antecederam sobre a questão que envolve o papel de fixação ou não de mão de obra da saúde. Entretanto, ficou claro na intencionalidade da política a necessidade de interiorização dessas escolas. Isso se deu através de editais de chamamento público. Esses editais de chamamento público são normatizados pela SERES. Trazemos aqui uma lista de editais com os perfis daqueles candidatos que estariam contemplados. O último edital saiu em 2018 e também selecionava propostas para novos cursos de medicina.
Foi citado também o que envolve a moratória. Mas eu quero focar no panorama dos cursos de medicina existentes no Brasil dentro do programa de expansão das escolas médicas. É claro que existem cursos criados antes do Programa Mais Médicos, tanto públicos como privados, que seguem a normativa geral de regulação. No âmbito do plano de expansão, nós temos em instituições federais de ensino 2.016 vagas autorizadas; em instituições de educação superior, que são as instituições privadas, 3.604 vagas novas, autorizadas, já com as ampliações a que têm direito. No total, são 5.620 novas vagas dentro do plano de expansão das escolas médicas.
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Como é feita a distribuição dessas vagas, no total? Noventa por cento delas atendem a meta de interiorização, ficando 10% das escolas em região metropolitana. Quando paramos para observar os institutos federais e as escolas federais dentro da expansão, temos que 100% dos novos campi de escolas de instituições federais de ensino estavam nas regiões do interior, atendendo plenamente o disposto no normativo, no marco legal. Quando passamos à distribuição das vagas das escolas privadas no âmbito do plano de expansão, vemos que 82% dessas escolas estavam locadas no interior e 18% na área metropolitana, atendendo também o disposto no normativo legal.
Sobre o crescimento das escolas médicas, sobre como se deu esse crescimento, nós percebemos que, na Região Norte, o crescimento foi mais marcado do que nas outras regiões. Tivemos crescimento de 70% na Região Norte, de 100% no Nordeste e de 133% no Centro-Oeste. Em que pese na Região Sul e na Região Sudeste também termos tido alocação de escolas médicas, essas escolas foram alocadas em cenários de interiorização.
É importante saber que uma das ferramentas — apenas uma das ferramentas — utilizadas para a avaliação dessas escolas e dos seus egressos é o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes — ENADE. Percebemos que, no âmbito das escolas federais, temos 21% das escolas com conceito 3, temos 43% das escolas com conceito 4 e temos 36% das escolas com conceito 5. Nós temos entre conceito 5 e conceito 4 uma quantidade bastante significativa das instituições federais de educação superior.
O monitoramento no âmbito do plano de expansão se dá por uma comissão, a Comissão de Acompanhamento e Monitoramento de Escolas Médicas — CAMEM, instituída por portaria em 2015. Hoje ela é composta por 44 docentes, todos especialistas em educação médica, designados por portaria da Secretaria de Educação Superior do MEC. Esses integrantes atuam também como integrantes na comissão de especialistas da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior, a SERES, da qual a minha colega Cristiane faz parte. Dignas de nota são as atribuições da comissão. Ela participa dos processos de avaliação dos cursos de medicina, e os resultados dessa avaliação auxiliam nos procedimentos regulatórios. Os atos autorizativos de curso, o aditamento de vagas e os atos de reconhecimento não acontecem sem que haja um monitoramento.
A CAMEM também monitora e acompanha a oferta satisfatória dos cursos de medicina. Isso se dá por uma visita de monitoramento semestral e também por monitoramentos mensais a distância. Em 2020, fizemos 283 monitoramentos, uma média de 23,5 atendimentos por mês às instituições delineadas dentro do plano de expansão.
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Que panorama temos, então? As vagas de alunos autorizados preenchem os critérios que estamos vendo neste gráfico. Hoje nós temos uma quantidade bem maior de alocações no Nordeste do que em outros cenários. Estamos falando de 32 cursos novos de medicina em instituições federais de ensino.
O que chama a atenção e devemos compreender é que todos os instrumentos de monitoramento e de regulação dentro do escopo da saúde precisam ser aperfeiçoados. Percebam que existe um arcabouço legal e normativo que determina as ferramentas a serem utilizadas e o comportamento do poder público e daqueles que estão desempenhando essa ação. É importante entender que muitas daquelas escolas que estão hoje no componente privado ainda não concluíram o primeiro ciclo de avaliação e de formação profissional, motivo pelo qual ainda não alcançaram o corte do ENADE.
Finalmente, é importante lembrar também que o produto da graduação em medicina deve encontrar congruência com os métodos de avaliação, com compreensão dos requisitos necessários para o credenciamento das instituições, mas também com requisitos necessários para a oferta de um graduado, de um profissional que atenda as necessidades da população brasileira. Somente assim conseguimos medir a extensão da aprendizagem dos alunos, que acontece em diversos domínios.
Vamos continuar à disposição. Esperamos ter contribuído, de certa forma, para engrandecer este debate e para alcançarmos um modelo de avaliação adequado para o egresso e também para as instituições.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Agradeço ao Sr. Sergio a apresentação.
A Dra. Mayra deve estar em atividade ainda...
A SRA. MAYRA ISABEL CORREIA PINHEIRO - Estamos aqui, Dr. Calil.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Ah, que bom! Nós a aguardávamos ansiosamente.
A SRA. MAYRA ISABEL CORREIA PINHEIRO - Pronto. Nós estamos aqui desde o comecinho. É que o Ministro ficou de vir despachar conosco, então estávamos no corre-corre.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Fique tranquila. A apresentação agora é sua.
A SRA. MAYRA ISABEL CORREIA PINHEIRO - Muito obrigada.
Boa tarde a todos. Parabéns pela iniciativa de voltarmos a discutir uma das pautas mais importantes não só para a formação médica, para todos nós que compomos as entidades médicas, para o Ministério da Saúde, mas também, como já foi colocado aqui pelo Presidente da AMB, uma pauta de relevância social, uma vez que, quanto mais escolas médicas sem qualidade nós abrirmos, quanto mais escolas sem qualidade na área da saúde, mais entregamos à nossa população oferta de serviços de saúde de má qualidade, com profissionais mal formados.
Eu abro um parêntese para dizer que, se nós temos um conhecimento muito grande do que acontece na medicina... Nós aqui na SGTES estamos estudando várias profissões de saúde e os respectivos cursos superiores. O que vem acontecendo com a enfermagem, com o avanço do ensino a distância, Dr. Calil, é que há cursos exclusivamente a distância. No papel, Sergio, eles funcionam com uma diretriz que estabelece que pode haver 40% de atuação não presencial, e na verdade, em nossa fiscalização, encontramos boa parte dos cursos no Brasil, como enfermagem, veterinária, fisioterapia, em que a prática é essencial, em que a intercambialidade de ações multiprofissionais é essencial, sendo aplicados 100% a distância. Então, nós temos muitos problemas graves na formação em saúde que impactam o Sistema Único de Saúde e a vida das pessoas.
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Muita coisa já foi falada aqui pelos que nos antecederam. Vamos tentar minimizar, para sermos mais objetivos. O nosso foco é o que vem depois da pós-graduação, tentando contextualizar as preocupações.
Peço que seja disponibilizada a apresentação em tela.
(Segue-se exibição de imagens.)
As nossas preocupações com a formação médica começaram com o Programa Mais Médicos. Para quem pensava que o programa era simplesmente a vinda de intercambistas para o País, digo que tivemos problemas muito mais graves, como o aumento da oferta de vagas em faculdades de medicina. Nós tivemos uma reordenação da oferta de cursos de medicina e de vagas para residência médica. Pelo Programa Mais Médicos, deveríamos ter uma vaga de residência médica para cada egresso dos cursos de medicina, mas isso não aconteceu até hoje no País. E tivemos o estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no País, porque mudou completamente a formação, com mudanças de percentual, dada a urgência e a emergência. Nós que estamos lá na ponta sabemos que boa parte dos serviços de urgência e emergência médica no Brasil foi fechada. No meu Estado isso foi gritante — a própria emergência do Hospital Universitário da Universidade Federal do Ceará foi fechada. Então, os alunos ficaram fazendo as suas práticas de urgência e emergência e passaram a ter um quantitativo maior a partir da Lei do Mais Médicos e em serviços privados de saúde muitas vezes.
Com a Portaria nº 328, de 5 de abril de 2018, houve uma mudança: instituiu-se um grupo de trabalho para que houvesse uma nova reorientação na formação médica. É a moratória dos cursos de medicina. E isso deu uma freada, provocou uma redução na abertura de escolas médicas. O Sergio já comentou sobre isso. Mas nós não conseguimos fugir do que eu chamo de drible que foi feito pelas instituições privadas. Hoje todos nós sabemos que a abertura de escolas médicas é um grande negócio. As vagas nesses cursos custam 10 mil, às vezes até 15 mil reais por mês. Então, foi uma motivação para que isso se transformasse num grande negócio no Brasil. Driblando a moratória, a lei do Programa Mais Médicos permitiu, e permite até hoje, a abertura de escolas médicas onde a densidade demográfica de médicos por habitante não atendesse ao que foi considerado como critério, que é aquele valor acima de 1,8 médico por 10 mil habitantes. Portanto continua havendo a abertura de escolas.
No Ministério da Saúde a nossa preocupação inicial também foi a ampliação de cursos, porque definimos que não seriam abertas novas escolas, exceto pela lei que instituiu o Programa Mais Médicos. Mas tínhamos a ampliação das vagas de medicina. Então nós começamos a revisar todos os critérios que permitiam essa ampliação de vagas. Os cursos que foram abertos com 70 vagas, no ano seguinte já solicitavam ampliação para 100 vagas, 120 vagas. Quando nós fomos analisar, tomamos pé que mais de 23 mil vagas foram ampliadas de forma irregular.
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Nós temos os critérios muito bem definidos pelo MEC e pelo Ministério da Saúde. Dentro desses critérios está a oferta de serviços de saúde, de leitos, de preceptorias, de unidades de atenção psicossocial. E utilizavam critérios extremamente falhos e imprecisos, como, por exemplo, a proximidade geográfica. Nós temos alunos fazendo internato médico e vagas sendo criadas, justificando que cidades que ficam às vezes a mais de 200 quilômetros da cidade polo que se criou a faculdade de medicina possam servir de campo de ensino. Sabemos que, na realidade, isso não ocorre. Dificilmente um aluno vai percorrer todos os dias 120 quilômetros para fazer o internato em uma cidade e voltar.
Nós comunicamos isso ao MEC. Criamos um sistema de monitoramento das escolas de saúde no País que permite o cruzamento de cinco indicadores, para que hoje possamos dar, com maior precisão, a informação ao MEC se é possível ou não serem ampliadas vagas dos cursos de medicina. Com isso, nós conseguimos também dar uma desacelerada na ampliação da oferta desses cursos de medicina.
Na tela os senhores estão vendo os números que já foram mostrados. Com a moratória — foi essa a motivação —, percebíamos que já havia cerca de 11 mil formandos/ano. Mesmo com a moratória, nós estamos chegando, em 2020, com 37.823 novos egressos das faculdades de medicina. Para que os senhores tenham uma ideia, nós tínhamos mais enfermeiros no Brasil, nos últimos censos, do que médicos, e hoje nós temos cerca de 429 mil enfermeiros e 533.935 médicos ativos, segundo o Conselho Federal de Medicina. Então, está havendo uma inversão com o rápido crescimento do número de médicos formados no País.
O SIMAPES é esse sistema de monitoramento que só permite a ampliação de vagas de medicina de acordo com critérios precisos, como a existência de campo de atuação para a formação desses profissionais. Esses são os critérios que foram utilizados para a criação desse sistema de monitoramento. O SIMAPES se assemelha ao que Flexner fez, ao Relatório Flexner, só que usando muito mais critérios de informação de um grande banco de dados, que dá com precisão a possibilidade de aquele Município, de aquela universidade poder ou não abrigar áreas para a formação dos nossos internos na área da saúde, sobretudo da medicina.
Em seguida, a CGEX encomendou o estudo PROVMED 2030, em uma parceria com a USP e a Universidade Federal de Goiás. Esse estudo é semelhante ao que já foi feito para a análise de provisão de médicos em países como os Estados Unidos, o Canadá, o Japão. Com o PROVMED, demos um grande passo, um sonho de todos nós, que é começar a ampliar as nossas vagas de residência médica no País, para que, de fato, possamos ter, para cada egresso das faculdades de medicina, uma vaga de residência.
Sabemos que existem modelos hoje de cursos de especialização rápidos no País feitos no fim de semana. E depois esses médicos vão buscar fazer uma prova de título. Mas todos nós que fazemos parte do ensino médico sabemos que a residência é o grande padrão ouro para entregar ao País especialistas de boa qualidade. O PROVMED foi implantado, e a previsão dada por esse estudo é de que, em 2030, haja cerca de 700 mil médicos no País. Com isso, haverá uma mudança muito grande no perfil de médicos, mudança que já foi apresentada ao Conselho Federal de Medicina — haverá mais mulheres, inclusive mudança de escolha de especialidade, que vai levar de novo a uma ausência de determinados especialistas por região.
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Um dos nossos objetivos é induzir que as novas bolsas de residência do Ministério da Saúde hoje sejam financiadas em regiões de vazio assistencial e em regiões onde também possamos induzir a formação do especialista escasso naquela região, criando, assim, um sistema de georreferenciamento. Hoje o Ministério da Saúde tem financiado cerca de 23 mil vagas de residência de saúde, residências na área profissional e residências médicas — 13 mil nas áreas médicas. E estamos ampliando cerca de mil novas bolsas por ano.
Esses são os estudos implicados do grande estudo que é o PROVMED. Nós usamos todas essas referências para que pudéssemos ter esse grande banco de informações para oferta de residências médicas no País e para analisarmos como será o quantitativo, o perfil dos médicos em 2030 no Brasil, a fim de podermos direcionar nossas políticas de educação e saúde voltadas para um estudo bem feito, bem embasado e de alta qualidade.
Essa é a distribuição da última demografia do Conselho Federal — já falamos sobre isso aqui também. Nós formamos mais médicos, mas, de novo, temos uma alta densidade de médicos e de especialistas na Região Sudeste sobretudo, com regiões de grandes vazios assistenciais especialmente no Centro-Oeste, no Norte e depois no Nordeste. No Sul e Sudeste, há uma densidade elevada de médicos, sobretudo nas capitais, e um número maior de especialistas também.
Essa é a distribuição da demografia médica, de especialistas por unidade da Federação. De novo há uma grande concentração nas Regiões Sudeste e Sul.
Essas são as nossas bolsas de residência médica financiadas pelo Ministério da Saúde — o MEC também tem um quantitativo. Os senhores imaginem que nós temos 36 mil egressos de faculdades de medicina, e hoje o Ministério da Saúde tem 13 mil vagas. Mesmo com as vagas do MEC, nós ainda não conseguiremos cobrir esse montante. Estamos nos referindo à residência de R1. Ainda não conseguimos ofertar especialização de qualidade para todos os egressos dessas faculdades. Há um descumprimento, algo que o MEC vem estudando. Acredito que a fiscalização já seja uma área de atuação deles. Discutimos isso na última reunião, e o Dr. Sergio estava presente. As faculdades privadas deveriam também estar envolvidas na criação de residências médicas, atendendo ao que já foi normatizado, mas isso não vem sendo cumprido. Isso hoje fica a cargo das instituições federais.
Essas são as bolsas de residência de R1 financiadas pelo Ministério da Saúde, as quais mostram que isso é de nosso interesse. Temos feito esforços para vir aumentando gradativamente as bolsas de residência.
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Essa é a distribuição por programas de residência do total de bolsas financiadas pelo Ministério da Saúde.
Esse é o plano nacional, o lançamento que nós fizemos agora no mês de agosto. Com esse plano, nós temos como objetivo maior ofertar mais vagas de residência médica no País, financiar serviços de residência médica não só do ponto de vista financeiro, mas, sobretudo, com apoio logístico, para que nós possamos ampliar vagas, abrir bolsas que estavam desativadas, ajudar esses serviços a pedirem novas bolsas, para que possamos ter mais programas de residências sendo criados, mas ele visa também valorizar os nossos preceptores a partir de um incentivo financeiro, que é uma bolsa no valor da bolsa CAPES hoje.
Essas bolsas por editais já foram lançadas. Poderão inscrever-se preceptores de todo o Brasil. Esse edital já foi publicado. Nós, dentro do plano, colocamos também a reposição das perdas da bolsa de residência médica, que é muito defasada no País. Essa reposição ficou em torno de 24%, precisamente 23,29%, mas é do nosso interesse que nos próximos anos continuemos aplicando a reposição das perdas sobre a bolsa de residência médica no País, além da ampliação, também valorizando os nossos residentes e valorizando os nossos preceptores.
Os objetivos do plano são: ampliação do financiamento, ampliação do número de profissionais especializados, valorização da qualificação dos residentes, dos preceptores e das instituições e contribuição para a formação de maneira qualificada. Junto com o plano nós criamos mais de 50 ofertas educacionais, que são de escolha voluntária. Elas não mexem com a matriz, com o conteúdo pedagógico dos programas de residência. Nós temos desde a formação em gestão de saúde até programas de cursos dentro da própria área de atuação dos residentes, que podem ser feitos por preceptores e residentes em todo o País.
Nós já falamos sobre o público-alvo.
A expectativa dos eixos e das ofertas educacionais do novo plano é que nós alcancemos 55 mil residentes nas áreas da saúde e até 25 mil preceptores com as novas modalidades de formação que estão sendo oferecidas para aprimoramento da formação desses profissionais.
Também já falamos da bolsa e dos editais, como solicitar e como se inscrever nesses editais, do apoio à criação de novos programas, assim como da nossa parte junto às instituições, além da reativação de programas que estão desativados.
Os debates urgentes todos nós aqui já comentamos.
Sobre a graduação da medicina, é preciso discutir urgentemente e adotar medidas efetivas para que nós possamos frear a abertura indiscriminada de escolas médicas.
Destaco a criação da Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde. Eu creio que até o final do ano nós estaremos lançando a seleção pública para a contratação de profissionais que darão prosseguimento ao Programa Mais Médicos. Nosso objetivo é ir encerrando os editais do Programa Mais Médicos à medida que nós formos chamando os novos aprovados da seleção pública da ADAPS para provimento da atenção primária. Ainda não é a carreira de Estado que nós desejaríamos, mas é uma carreira... Os salários iniciais são de 21 mil reais, podendo chegar até 30 mil reais, com incentivo de progressão funcional para esses médicos da atenção primária. Assim, encerramos o Mais Médicos, podendo revogar a lei, além de fecharmos mais uma possibilidade de abertura indiscriminada de escolas médicas no País, que hoje é propiciada pela vigência desse programa.
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O nosso objetivo é planejar e aumentar as vagas de residência médica no País para que se possa melhorar a força de trabalho qualificada do SUS.
Por último, nós estamos dando início agora neste ano ao ENARE, a prova de residência unificada no País. Nós entendemos — Ministério da Educação e Ministério da Saúde — que para os egressos das faculdades de medicina, ou seja, para aqueles que têm a intenção de cursar o padrão ouro de formação, que é a residência médica, a prova unificada gera menor ônus e mais facilidades, uma vez que esses médicos e outros profissionais da área da saúde não precisarão se submeter a vários certames, viajando pelo País inteiro, além de terem mais oportunidades, fazendo um mesmo certame.
Do ponto de vista da qualidade, o ENARE permitirá ao Ministério da Educação e ao Ministério da Saúde — de acordo com a análise dessas provas — conhecer o perfil do aluno que faz essas provas, de quais escolas eles são egressos e qual é o quantitativo de acertos por área de formação. Teremos uma análise, para ser informada à sociedade, de onde vieram esses alunos. E, por indução, muitas dessas escolas, nós esperamos que elas não sirvam para formar profissionais, uma vez que veremos que os alunos egressos delas vão ter menores chances de passar nas provas oferecidas pelo Ministério da Saúde e Ministério da Educação, agora em conjunto com a EBSERH. Assim, poderemos reduzir, eu acredito que de forma importante, as más escolas hoje funcionando no País, com nota 1 e nota 2, e que — acho que é um termo muito forte, mas é o termo que a sociedade tem usado — praticam um estelionato, uma vez que há a cobrança de grandes valores para formação desses novos médicos e uma péssima entrega para a sociedade.
São essas as colocações atuais do Ministério da Saúde. Esperamos que esta audiência resulte em tomada de medidas objetivas. Esse assunto é grave, ele precisa ser discutido, ele impacta a sociedade, a qualidade desses profissionais que nós estamos formando.
Então, nós temos que pensar no fim da moratória, objetivamente no encerramento do Programa Mais Médicos e na revogação da lei, na fiscalização efetiva sobre essas faculdades. E, agora, com o ENARE, vamos ter a possibilidade de oferecer uma análise da qualidade desses alunos e de onde eles são provenientes.
Muito obrigada.
Uma boa tarde a todos!
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Muito obrigado, Dra. Mayra.
Uma coisa que me chamou atenção, eu recebi alguns e-mails agora, e o foco é este, é a qualidade de ensino no Brasil. Alguns alunos questionaram a situação deles, porque, durante esse período de pandemia, eles ficaram o tempo todo no remoto. São alunos do 4º ano, 5º ano, 6º ano que ficaram sem nenhuma atividade. Para o residente da área cirúrgica, então, foi terrível. A suspensão das cirurgias eletivas também criou um problema muito sério na formação desses profissionais. É claro que eles não tiveram culpa, mas também não tiveram treinamento suficiente.
Imaginem pagar uma faculdade de medicina nesse valor, sem aula presencial, só no remoto! Recebi centenas de e-mails de pais e alunos, perguntando de que maneira poderíamos ajudar. Mas, faz parte.
16:59
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Obedecemos sempre a ordem da lista de inscrição. Eu não estou vendo nenhum Deputado que queira se manifestar. Sendo assim, para finalizar, têm a palavra os convidados, por 1 ou 2 minutos, para que façam suas considerações finais.
Eu vou começar pela Dra. Mayra, que chegou agora, mas é a primeira da lista.
V.Sa. tem a palavra, doutora.
A SRA. MAYRA ISABEL CORREIA PINHEIRO - Nós estávamos comentando aqui, eu e o Vinícius, que já participamos de muitas audiências e de muitas discussões sobre esta questão, que é grave, do ensino médico no País, da formação médica e da abertura indiscriminada de escolas médicas. Nós precisamos efetivamente definir estratégias de atuação, Deputado Dr. Calil, sobretudo com o Parlamento, com o MEC e com o Ministério da Saúde juntos, para que saiamos da discussão, porque já sabemos quais são os nossos problemas, mas o que vamos fazer objetivamente para que nós encerremos esse ciclo?
O número de alunos de cursos de medicina que serão formados, segundo o estudo PROVMED 2030, chegará a 700 mil no País. Além de nós termos hoje a incerteza da qualidade da formação desses profissionais, sendo muitos deles não capacitados para uma atuação responsável no SUS e mesmo na rede privada, temos ainda o problema da precarização do trabalho médico.
Hoje nós fizemos entrevistas com alunos egressos das faculdades de medicina recém-formados. No Sul, que é uma região onde se considerava que as remunerações médicas fossem melhores do que, por exemplo, no Nordeste e no Centro-Oeste, médicos recém-formados relataram para nós que estão ganhando 180 reais por um plantão de 12 horas. Nós temos aqui no Distrito Federal plantão de 12 horas de 1.200 reais, de 1.500 reais.
Então, são discrepâncias de um mercado que está colocando profissionais sem fazer uma avaliação do que realmente a sociedade precisa, do que ela consegue absorver. E com essa história de que nós vamos trabalhar com a lei do mercado, da oferta e da procura, nós estamos criando uma legião de profissionais que estão entrando em Burnout, porque, para a sobrevivência, eles vão trabalhar migrando de um Município para outro sem parar. Meninos jovens já estão com cara de velhos, colocando a vida em risco nas estradas, saindo de um Município para outro...
É preciso que nós, entidades médicas, Parlamento, paremos para discutir com que medidas vamos enfrentar esta realidade muito triste que estamos vivendo.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Muito obrigado.
Eu acho que o caminho é este, nós tomarmos as decisões. Para isso tem que ser nós cirurgiões. Não adianta ficar enrolando o paciente. Você tem que tomar a medida, operar e resolver. Então, nós temos que passar deste ponto, porque, realmente, um salário de 180 reais num plantão é inadmissível.
Há pouco tempo, na Câmara, eu estava conversando com o Deputado Professor Israel Batista, que é da educação, e ele falou assim para mim: "Olha, vocês não podem deixar acontecer o que aconteceu com a educação. Não podem deixar, com essa abertura indiscriminada de faculdades de medicina, esse pessoal brigando para que o REVALIDA entre no País...". Nós temos tido uma discussão muito grande, principalmente com a Oposição, porque o pessoal, principalmente lá do Nordeste e do Norte, quer porque quer, pois era promessa de campanha deles, que esses médicos formados no exterior entrem no Brasil com muita facilidade.
17:03
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Nós não podemos aceitar isso e vamos lutar até as últimas forças que tivermos. Vejam que, quanto ao REVALIDA, nós ganhamos por dois votos. Nós temos que trabalhar, e as entidades médicas têm que estar muito em cima disso e cobrar dos seus Deputados.
Tem a palavra agora o Sr. Hélio Angotti Neto, para fazer suas considerações finais. (Pausa.)
Ele saiu.
O Dr. Júlio Cesar Vieira Braga está presente ou não?
O SR. JÚLIO CESAR VIEIRA BRAGA - Estou aqui.
Agradeço novamente pelo convite e agradeço pela oportunidade, inclusive, de abrir as discussões, mas nós que abrimos as discussões ficamos impedidos de comentar a participação dos demais colegas, que eu vi fazendo considerações importantes.
Eu gostaria de chamar a atenção aqui, até levando em conta a sua consideração no tratamento, do cirurgião, do médico que aborda um caso grave, para a primeira coisa que acho mais fácil, que é estancar a sangria. Isso é o emergencial. E eu acho que a forma de se fazer isso é com o exame dos egressos. Para V.Exa., como um representante aí da sociedade que tanto defende a categoria médica, eu acho que esta é uma pauta, porque, como foi levantado aqui e como eu apresentei, o levantamento do Datafolha solicitado pelo CFM mostrou que 85% da população apoiam esse exame de egressos.
Nós vimos as dificuldades que há no Ministério da Educação. A Sra. Cristiane fez a apresentação do regramento, que se aplica talvez razoavelmente para outros cursos, mas, para medicina, você está dando uma autorização, com o diploma, de que o médico está habilitado para tratar pacientes e salvar vidas ou não. Esse tipo de avaliação genérica talvez seja para um diplomado em gastronomia, em matemática, porque talvez não exista o risco para a sociedade de formá-los de maneira insatisfatória.
Então, essas limitações na forma de avaliação do Ministério da Educação... Por exemplo, em relação ao currículo dos professores, muitas faculdades insuflam o seu currículo colocando professoras enfermeiras com doutorado para ensinar os estudantes, enquanto contratam médicos sem nenhuma pós-graduação para ensinar com preços vis. Eu acho que há limitação na forma de avaliação do Ministério da Educação, principalmente no resultado. Hoje em dia, nós avaliamos o processo, mas é importante avaliar o resultado.
Voltando ao assunto, eu acho que o exame de egressos é um dos tópicos.
Outro assunto é a própria sociedade e os grupos de ensino acompanharem a ideia de fazer a acreditação dos seus próprios cursos de medicina. O SAEME, que o CFM faz, é uma forma já reconhecida. Então, as faculdades e os cursos poderiam aderir mais e utilizar isso de uma forma proativa. Qual é a vantagem que uma faculdade boa tem em defender uma faculdade ruim? Não entendo por que não qualificam, não desenvolvem ou agregam esse projeto de acreditação, mas eu acho que o mais fácil é o exame de egressos. A população apoia, a categoria médica apoia, e eu creio que precisamos que os nossos representantes na Câmara dos Deputados e no Senado venham acatar essa vontade popular.
17:07
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Muito obrigado a todos.
Boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - É interessante isso, Dr. Júlio, porque também valorizamos a instituição. A instituição que tem esses alunos se torna uma instituição com muita credibilidade. O nível é muito bom. Nós temos que realmente pensar nisso, começar a tirar isso do papel e fazer a execução desses processos.
Passo agora a palavra ao Sr. Márcio Yuri.
O SR. MÁRCIO YURI DE SOUZA FERREIRA - Eu só tenho agradecimentos ao senhor por ter nos convidado para a audiência.
De acordo com os demais participantes e as demais instituições, acreditamos que de nada adianta mesmo ficarmos só discutindo se não existirem medidas práticas, objetivas e concretas que realmente produzam transformações no cenário que está posto, que, de acordo com todos, foi diagnosticado como um problema urgente.
Acreditamos que essa criação do cadastro nacional dos estudantes é um caminho que não levaria tanto trabalho para ser feito e que daria condições de estancar boa parte da sangria. Nós depositamos as nossas esperanças principalmente nos legisladores, para que ações sejam tomadas. Precisamos mudar. É claro. Vemos as normas e as portarias. Existe um monte de legislação já tentando organizar. O próprio MEC tem vários mecanismos que tentam qualificar o ensino, melhorar o ensino médico no Brasil, mas na prática vemos que isso não está acontecendo. A coisa está piorando. A coisa não está melhorando.
Então, é isto que esperamos: que os nossos legisladores se sensibilizem em relação aos temas e que tomemos medidas que andem para frente. Nós precisamos de um País melhor, de um futuro melhor para a nossa população, para a saúde pública da nossa população.
Obrigado, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Obrigado.
Tem a palavra agora o Dr. Rafael Lobo para as considerações finais.
O SR. RAFAEL LOBO DE SOUZA - Primeiro, quero agradecer pelo convite. Foi realmente uma honra estar aqui ao lado de autoridades que falam sobre o ensino médico com tanta propriedade. Eu e o Márcio aqui representamos os acadêmicos de medicina do Brasil, e é realmente uma honra. Espero que tenhamos contribuído com o debate. Espero que do debate que criamos aqui saiam medidas pragmáticas que consigam efetividade na qualidade do ensino médico, para que avancemos e, enfim, terminemos com essa sangria que foi tão mencionada aqui.
Eu queria só, nos meus segundos finais, 30 segundos, falar de um tema importante para os acadêmicos de medicina, que é o REVALIDA velado, que temos notado que tem acontecido muito nas universidades, principalmente particulares, no Brasil, que é o aluno do 11º ou 12º períodos que fez a faculdade inteira em países do exterior — Paraguai, Argentina —, conseguiu uma transferência no último semestre para o Brasil e se formou como médico, com diploma de médico no Brasil. Também temos que dar mais atenção a isso, temos que conversar sobre isso e temos que tomar medidas para que isso pare, porque isso é um REVALIDA velado. Ele não passa pelo REVALIDA, mas ele fez a universidade toda fora do País, só cursa 1 semestre, o período do internato, e já recebe o diploma de médico no Brasil.
17:11
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Eu agradeço muito a oportunidade.
Até logo!
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Muito obrigado.
Vou passar a palavra agora ao Dr. José Luiz Gomes do Amaral.
O SR. JOSÉ LUIZ GOMES DO AMARAL - Muitíssimo obrigado.
Mais uma vez, parabéns, caríssimo amigo, colega Deputado Dr. Zacharias Calil.
Eu fiquei muito feliz com várias das observações que aqui foram levantadas. Talvez eu pudesse, nas considerações finais, fazer uma sugestão. É mais uma sugestão do que uma proposta.
Primeiro, o cadastro certamente contribui para estancar essa sangria. O exame proposto pela Dra. Mayra é absolutamente fundamental. Eu não entendi muito bem o que possa ser a indução, que acaba levando ao encerramento de vagas em faculdades que têm um mau desempenho no exame, mas, se indução significa proibição de se abrirem novas vagas, eu penso que isso seja ótimo, seja uma excelente notícia. A faculdade que não consegue ter os seus alunos aprovados será penalizada com a redução do número de vagas. Se o número de vagas total puder ser fechado em função das necessidades do País, nós chegaremos a uma situação de equilíbrio na qual as próprias faculdades serão autorizadas a funcionar, mas terão limitação no número de vagas a partir da sua qualificação. Eu acho que isso seria muito bom.
Eu gostaria de acrescentar a minha satisfação com a observação da Dra. Mayra de que é necessário encerrar a Lei do Mais Médicos, revogar essa aberração, porque Lei do Mais Médicos, como bem ela frisou, não é algo que se resume à vinda de médicos cubanos para o Brasil. Esse negócio — é um negócio financeiro mesmo — da vinda de médicos cubanos para o Brasil foi só um pedacinho do Mais Médicos. O grande estrago que essa lei fez foi desestruturar completamente a educação médica no País. Portanto, ela terá de ser revogada de ponta a ponta. Essa é uma aberração que está na raiz do grande problema que nós enfrentamos.
Só para finalizar, quero dizer que o estelionato não é o estelionato decorrente de mensalidade de 10 mil reais cobrada de alunos da rede privada. Provavelmente, o mesmo custo é o custo que a sociedade brasileira paga nas universidades públicas, que também se encontram degradadas. Houve uma grande expansão do ensino público no País em localidades onde não há cenário de prática, onde não há a supervisão adequada e onde, portanto, não é possível educar.
Finalmente, eu não consigo entender — eu acho que precisaríamos trabalhar melhor nisso — a possibilidade de termos residência médica num local onde não há médicos, onde há carência de médicos, onde a relação médico/habitante é pequena, porque o residente, tanto quanto o aluno, precisa ser supervisionado por outro médico.
17:15
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Portanto, eu entendo que graduação e residência médicas têm de ser feitas em locais onde há cenário de prática, onde há supervisão, locais onde já há um serviço de saúde, um sistema de saúde estruturado. E, aí, o investimento para melhorar a assistência em localidades remotas tem de se valer de outra estratégia, mas não a partir da desestruturação da formação.
Muitíssimo obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Terá agora a palavra o Dr. César Eduardo Fernandes, para as considerações finais.
O SR. CÉSAR EDUARDO FERNANDES - Também, como todos, eu quero agradecer pela oportunidade ao médico e Deputado Dr. Zacharias Calil.
Acho que o mais importante que posso ressaltar dessa nossa audiência foi a coincidência dos pontos de vista. Não vi ninguém que contraditasse nenhuma das observações que tenham sido feitas por qualquer um de nós. Há um alinhamento perfeito aqui. Poucas vezes você vê uma reunião em que as pessoas se alinham de maneira quase que uníssona em relação às suas preocupações, em relação à leitura do cenário atual.
Eu só lamento algo, mas isso fica como sugestão: que, para as próximas audiências, tragam mais segmentos organizados da sociedade, porque nós estamos pregando para convertidos aqui. Parece bonito a cidade ter uma nova escola de medicina, mas nós temos que mostrar que isso é feio. Isso não é bonito, isso é irresponsável. Quando um Prefeito diz "Não, agora eu criei uma escola de medicina no meu Município", não se pode falar que ele é responsável. Ele é irresponsável ao fazer isso. Não pode ser uma bandeira política a luta das pessoas para se fazerem novas escolas médicas.
Então, eu gostaria que nós aqui tivéssemos instrumentos para divulgar essa nossa percepção, para que ela não fosse lida como corporativista, que nós somos médicos defendendo os nossos interesses. Não, essa é uma defesa da boa medicina, do bom médico, da boa formação médica, da boa assistência à população, da assistência segura à população. É isso que nós queremos. Não se pode confundir isso como uma luta corporativa, pois essa é uma luta em prol da melhor assistência médica à população, da assistência segura à população. E nós teríamos que ter instrumentos de divulgação, de marketing, para fazer chegar isso às pessoas.
Eu quero bater palmas aqui para essa proposição (falha na transmissão) lutar pela revogação da Lei do Mais Médicos. Eu tenho a impressão de que a população vai se voltar contra nós. A população, equivocadamente, entende que isso é bom. Mas isso não é bom, pelo estrago que a Lei do Mais Médicos trouxe à formação médica especificamente, ao formar médicos pouco qualificados.
Então, nós temos que reverter essa expectativa falaciosa que a população tem a esse respeito. Existe todo um arcabouço, que foi muito bem apresentado aqui, de monitoração dos cursos. Mas, copiando o que o Márcio Yuri falou, eu acho que isso não está sendo eficaz. Os cursos continuam piorando. A despeito de o arcabouço que tem o Ministério da Saúde estar muito bem elaborado, ele, na prática, não está funcionando.
Portanto, eu gostaria de propor, Deputado, que, nas próximas audiências, se possível, trouxessem mais segmentos da sociedade civil organizada, para que possam interagir com cada um de nós médicos e as nossas entidades, para ouvir as nossas opiniões e entender os nossos motivos.
17:19
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Muito obrigado.
Foi excelente o debate. Eu saio gratificado com o que eu ouvi hoje aqui.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Vamos aceitar, sim, e vamos convocá-los. A Câmara é do povo.
Eu acho que temos que debater e chegar a uma conclusão para que não se crie animosidade, essas coisas assim. Tem gente que diz que as leis já existem e têm que ser cumpridas. Mas vamos, sim, levar o assunto adiante, levar as discussões e trazer a sociedade para que possamos fazer um debate mais profundo.
Tem a palavra a Sra. Cristiane Dias Lepiane para suas considerações finais.
A SRA. CRISTIANE DIAS LEPIANE - Agradeço o debate e a oportunidade de expor aqui. Eu sei que a fala foi pesada, técnica, mas atingimos o objetivo ao apresentar esse arcabouço normativo vigente, pois é nítida na fala do Dr. Júlio essa indignação frente ao normativo vigente. Eu tenho certeza de que toda essa sensação de indignação se estende a todos os demais aqui presentes.
Nós sabemos que a legislação é densa e dispersa. Por isso, nós fazemos questão desse tom dessa fala para que todos possam avaliar essa estrutura normativa e fazer um exame realmente necessário para identificar os problemas, de modo a nos permitir promover uma melhora estrutural, e também para que possamos ter toda a relevância dessas ações.
É importante estender isso a todos os atores envolvidos na regulação, a fim de abranger, de fato, toda essa estrutura, na qual está envolta a qualidade. E, puxando a sua fala, Deputado Dr. Zacharias, quero dizer que as leis existem e precisam ser cumpridas, de fato, na íntegra, mas também é o nosso papel aqui estar sempre aprimorando e, juntos, conseguirmos mudar todo esse cenário.
Agradeço a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Se o senhor me permite, alguns dias pela frente, quando tiver mais tranquilo, eu vou dar uma chegada ao Ministério para que nós possamos conversar mais e debater a profundidade dessas fiscalizações, como elas têm ocorrido, quais são as faculdades que estão com maior déficit, para que possamos começar a trabalhar em cima disso e ajudar vocês também. Nós temos que cobrar dessas diretorias, desses reitores, essas atividades.
Eu vou também com a Mayra lá no Ministério da Saúde. Nós vamos conversar muito sobre isso.
Gostaria de passar a palavra ao Sr. Sergio Henrique. Ele está presente? Eu acho que ele saiu, pediu para sair. (Pausa.)
Não, ele está aí.
O SR. SERGIO HENRIQUE DA SILVA SANTOS - Deputado Dr. Zacharias Calil, muito obrigado mais uma vez pelo convite. Parabenizo V.Exa. pela iniciativa.
Em relação às observações, quero apenas ressaltar que ficou aqui claro que a qualidade do ensino não é apenas um elemento de dentro de sala. Ela envolve estrutura física, recursos humanos, um bom projeto pedagógico e, acima de tudo, o ensino ser visto.
17:23
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Nós entendemos que locais em que há escolas precisam de equipamentos de saúde. O investimento em equipamentos de saúde — pode ser público, pode ser privado — é necessário para dar respaldo aos cenários de prática e à presença de profissionais nesses locais.
Eu gostaria de sugerir como encaminhamento o modelo CAMEM. Nós procuramos demonstrar que as escolas com supervisão da Comissão de Acompanhamento e Monitoramento de Escolas Médicas têm, sim, um desempenho superior. Nós reputamos esse desempenho à presença de cenários de prática, porque a maioria delas tem hospitais universitários. Para aquelas que não têm hospitais universitários, esta Diretoria e a Secretaria de Educação Superior têm um programa de fortalecimento com as instituições federais de ensino sem hospitais universitários, o que permite a contratualização de preceptores e cenários de prática locais, seja por meio do SUS, seja de forma privada, para que possam atender a relação de leitos, estudantes e cenários de prática. Eu sugiro que esse modelo CAMEM seja replicado também para outras instituições que ainda não são alcançadas por esse modelo.
Finalmente, quero lembrar que todos nós que estamos aqui — foi muito bem falado pelo meu colega Presidente César Fernandes — somos atores com responsabilidades: de acompanhamento, de contribuição normativa, de aprimoramento daquilo que é feito. Aqui no Executivo, nós tentamos aprimorar as normas existentes, mas podemos também receber contribuições e receber outros normativos advindos da Câmara, do Poder Legislativo, para nos auxiliarem.
Finalmente, faço apenas uma observação: virá para o próximo ano um novo ciclo do ENADE. Foi feito o corte em 2019. Foi esse o corte que eu trouxe. Vem aí o corte de 2020. Neste corte, nós poderemos ver como está o comportamento dos diversos eixos analisados pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes e dessas instituições que completarão o seu primeiro ciclo.
Quero lembrar que é muito importante entender que existem escolas que estão dentro do plano de expansão, que existem escolas que estão fora do plano de expansão e que o tratamento de monitoramento e supervisão é diferente de uma para outra. Com relação às escolas alcançadas pela Comissão de Acompanhamento e Monitoramento de Escolas Médicas, nós já suspendemos o vestibular, já impedimos a prorrogação de novas vagas, a ampliação de vagas, já interviemos no projeto pedagógico, com todas as ações que estão previstas no que faz a Comissão de Acompanhamento e Monitoramento de Escolas Médicas, do ensino médico. Talvez seja interessante replicar esse modelo, que hoje está atingindo uma quantidade pequena de escolas do plano de expansão, para alcançar outras escolas.
Mais uma vez, agradeço.
As portas estão abertas aqui também, Deputado Dr. Calil.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Zacharias Calil. DEM - GO) - Eu já vou pedir à minha assessoria que agende. Será muito interessante nós fazermos essa visita e aprofundarmos esses assuntos.
Não adianta, às vezes, nós discutirmos e não tomarmos nenhuma posição em relação a isso.
Eu agradeço aos senhores convidados as ilustres presenças.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, antes convidando a todos para audiência pública amanhã, sexta-feira, dia 3 de setembro de 2021, às 9h30min, no Plenário 5, para debater o incentivo à detecção precoce do câncer de mama no SUS.
Declaro encerrada a presente audiência pública.
Muito obrigado. Um abraço a todos!
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