Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Bom dia a todos.
Esta reunião de audiência pública foi convocada conforme o Requerimento nº 34, de 2021, do Deputado Vinicius Carvalho; o Requerimento n° 35, de 2021, do Deputado Aureo Ribeiro; os Requerimentos nºs 37 e 42, do Deputado Paulo Pimenta; e o Requerimento nº 44, de 2021, da Deputada Leda Sadala, para debater o Projeto de Lei nº 533, de 2019, que fala sobre a pretensão resistida.
Como podemos ver, com tantos requerimentos, este é um tema palpitante. E neste momento ele deve ser discutido, para que possamos exercer os direitos à cidadania. Quando nós temos um volume muito grande de processos tramitando no Poder Judiciário, acabamos fazendo com que a cidadania seja exercida a longo tempo. E, muitas vezes, as pessoas até desistem das suas pretensões.
Passo à apresentação dos senhores expositores: o Sr. Ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça; o Sr. Juiz Ricardo Chimenti, do Tribunal de Justiça do Estado São Paulo; a Sra. Juíza Marília de Ávila e Silva Sampaio, Representante da Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB; o Sr. Luciano Timm, advogado e ex-Secretário Nacional de Defesa do Consumidor; o Sr. Arthur Rollo, advogado e ex-Secretário Nacional de Defesa do Consumidor e Coordenador do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor; o Sr. Igor Rodrigues Britto, advogado e Diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor — IDEC; o Sr. Augusto de Paula Barbosa, advogado e Membro da Comissão Nacional de Direito do Consumidor — OAB Nacional; e o Sr. Bruno Miragem, advogado, representante do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor — BRASILCON.
Quanto à organização dos trabalhos, esclareço que esta reunião está sendo gravada e transmitida ao vivo pela Internet, na página da Comissão, no aplicativo Infoleg, no canal da Câmara dos Deputados e no Youtube.
Perguntas e participação dos cidadãos podem ser encaminhadas por meio do portal e-Democracia no endereço: edemocracia.camara.leg.br.
Para o bom ordenamento dos trabalhos, adotaremos os seguintes critérios: os convidados terão o prazo de 10 minutos para fazerem a sua exposição, prorrogáveis a juízo desta Presidência, não podendo ser aparteados no tempo destinado aos debates. Haverá espaço para mais considerações durante a fase de debates. O Ministro pediu para não ser o primeiro a ser chamado, pois ele quer ouvir um pouco os outros convidados.
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O SR. RICARDO CHIMENTI - Muito obrigado, Exmo. Sr. Deputado Celso Russomanno. É uma alegria realmente rever S.Exa. A última vez que nos vimos S.Exa. estava trabalhando, como voluntário no turno da noite, no Juizado Central de São Paulo. É um grande prazer estar aqui com o senhor, com o Ministro Buzzi e com os demais colegas que estão aqui presentes.
(Segue-se exibição de imagens.)
Estamos diante do debate do PL 533/19, que estabelece a inserção de parágrafos, os §§ 1º e 2º, na forma do substitutivo e da emenda substitutiva apresentados pelos Srs. Deputados Vinicius Carvalho e Eli Corrêa Filho ao projeto do Sr. Deputado Júlio Delgado.
Essencialmente, verificamos aqui, dentro do que foi aprovado pelo Sr. Relator até o momento, que o § 1º traz:
Art. 1º..................................................................................................................................................................................
§ 1º Em caso de direitos patrimoniais disponíveis, para haver interesse processual, é necessário ficar evidenciada a resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor.
§ 2º Tratando-se de ação decorrente da relação de consumo, a resistência mencionada no § 1º poderá ser demonstrada pela comprovação de tentativa extrajudicial de satisfação da pretensão do autor diretamente com o réu, ou junto aos órgãos integrantes da Administração Pública ou do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, presencialmente ou pelos meios eletrônicos disponíveis.
Nós temos aqui plena consciência da demanda gigantesca que recai sobre o Poder Judiciário e da possibilidade, sim, de estabelecermos alguns requisitos para que seja demonstrado o interesse processual na sua modalidade de interesse e necessidade de se buscar o Poder Judiciário. Inclusive, por meio do Fórum Nacional de Juizados Especiais, recentemente, se propôs um acréscimo ao § 5º do art. 14 da Lei 9.099, de 1995, no mesmo sentido, mas de uma maneira mais branda, para não estabelecermos aqui barreiras excessivas que acabem por impedir o exercício básico da cidadania, o exercício básico de acesso ao Judiciário.
Na redação proposta pelo FONAJE nós temos que ressalvar os casos urgentes, que nos parecem devem ser ressalvados no PL 533/19. Essa ressalva ainda não consta do projeto. Ressalvados os casos urgentes que autorizariam o ingresso imediato, nos quais a pessoa poderia acessar diretamente o Poder Judiciário — cito aqui como exemplo a necessidade de liminar para uma internação negada pelo plano de saúde —, a parte deverá comprovar, quando da apresentação do pedido inicial, que buscou previamente a composição do litígio por qualquer meio idôneo. E aqui, nos parece, está a chave dessa discussão e a chave da nossa preocupação.
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Então, se estabelecermos aqui que deve, como nos parece neste momento ser a necessidade, prevista no § 1º, ficar evidenciada a resistência do réu, que muitas vezes não é localizado, não mantém o celular ativo e não conseguimos saber se ele recebeu sequer uma mensagem de WhatsApp, quando se traz aqui essa regra — e nós entendemos a preocupação, que é legítima, de colocarmos até essa demonstração no interesse processual —, quando se estabelece que é necessário ficar evidenciada a resistência do réu, isso nos parece uma barreira excessiva.
No § 2º da emenda ao substitutivo já entramos num campo mais próximo da nossa realidade, quando verificamos que, nas hipóteses de relação de consumo, poderá ser demonstrada essa resistência pela comprovação de uma tentativa extrajudicial.
Parece-nos aqui que realmente o necessário é apenas que, nesse momento, nesse primeiro passo, o autor demonstre que fez, de alguma forma idônea, contato com o réu, que aguardou o prazo de 30 dias e que aquele problema não obteve uma resposta satisfatória. Aí estariam abertas as portas do Poder Judiciário, sem qualquer afronta ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal. E, mais do que isso, parece-nos, neste momento no nosso País, que isso acabará, de fato, se mostrando muitas vezes como uma barreira intransponível.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado. Sou eu que agradeço pela sua exposição. Creio que nos debates poderemos aperfeiçoar a intenção do projeto de lei.
Saúdo o Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados. E, na sua pessoa, saúdo também os demais presentes e todos os participantes desta audiência pública.
Eu recebi a incumbência da Presidente, Magistrada Renata Gil, de representar a AMB neste debate e trazer aqui a perspectiva, já esposada numa nota técnica que foi amplamente divulgada, em relação ao posicionamento da AMB sobre o PL 533/19 na forma do substitutivo apresentado pelo Deputado Vinicius Carvalho.
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O segundo pretende estabelecer a não resolução extrajudicial do conflito pelo réu como elemento balizador da sucumbência condenatória.
Da leitura do projeto, nós podemos agrupar os argumentos favoráveis em quatro pontos principais: o primeiro deles é que o projeto não representa qualquer afronta ao direito fundamental de acesso à jurisdição, pois a proposta simplesmente estabelece condicionamentos procedimentais ao exercício desse direito.
O segundo argumento é que a pretensão resistida seria tão somente uma faceta da legitimidade de se postular em juízo.
O terceiro é que a matéria não é nova. O ordenamento jurídico brasileiro já condiciona a judicialização de outras garantias fundamentais previstas na Constituição a requisitos procedimentais prévios, como é o caso do mandado de segurança, na medida em que a lei diz que não será concedida a segurança, quando se tratar de ato contra o qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo.
O quarto argumento é que são múltiplos os meios previstos pelo projeto de prova dessa resistência da pretensão: serviços ao atendimento do consumidor, ouvidorias, plataforma consumidor.gov, além dos PROCONs.
A despeito dos argumentos lançados na fundamentação da proposta, a AMB entende que ela apresenta alguns problemas — alguns problemas bastante graves, inclusive.
Em relação ao art. 17, nós podemos elencar cinco pontos principais: o primeiro deles é que o próprio CPC já estabelece mecanismos procedimentais que privilegiam a conciliação e a mediação, isso já feito com bastante sucesso, da mesma forma que o CNJ também estimula veementemente a realização dessas composições, da solução dos litígios por meios alternativos, havendo já um intenso estímulo à obtenção dessa solução construída pelas partes envolvidas nos litígios, o que, sem sombra de dúvida, é a melhor e mais rápida das soluções possíveis. Só que, em momento algum, a legislação restringe o direito fundamental de acesso à jurisdição. Existe esse estímulo intenso, mas sem qualquer restrição ao direito fundamental de acesso.
O segundo ponto é que a pretensão resistida, proposta pelos §§1º e 2º do art. 17 do projeto, conforme previsto no projeto, pode funcionar bem para aqueles casos em que há lesão a direito, mas não traz nenhuma resposta quando estamos na seara da simples ameaça ao direito. Quando o direito é ameaçado, o fato de haver a necessidade de comprovação da pretensão resistida não significa uma simples condicionante. Isso significa uma verdadeira vedação ao exercício do direito fundamental de acesso à jurisdição.
O terceiro ponto que nós gostaríamos de mencionar é que, ao abranger toda e qualquer demanda sobre direitos patrimoniais disponíveis, o PL nº 533, de 2019, acaba tendo um alcance muito grande, muito extenso e abrange também as demandas de família e principalmente as demandas que envolvem partes socialmente vulneráveis, dificultando — e muito — o acesso à Justiça.
Para os senhores terem ideia, o Judiciário pós-pandemia teve que se adaptar à realidade das audiências feitas virtualmente. Nós tivemos quase a digitalização integral dos processos em tramitação. Aqui no Distrito Federal, quase todos os fóruns tiveram que se adaptar à seguinte realidade: fornecer meios para que aquela massa de cidadãos excluídos digitalmente pudesse ter acesso às audiências, tanto como testemunhas quanto como partes.
Ou seja, existe, sim, uma realidade que não pode ser desconsiderada e não pode ser tratada de maneira equalizada para todas as camadas da população brasileira. Neste País, a assimetria é regra e não exceção, e pretender impor ao autor da ação o ônus de comprovar a pretensão resistida vai significar, sim, ao fim e ao cabo, a vedação de acesso à Justiça para uma massa imensa de cidadãos.
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O quarto ponto que nós gostaríamos de apresentar em relação ao art. 17 é que nas demandas de consumo essa pretensão resistida apenas reforça a assimetria já existente no mercado de consumo, na maioria esmagadora dos casos, e impõe limitações desarrazoadas aos consumidores, sendo certo que essas restrições ao exercício do direito de acesso à jurisdição não trazem qualquer garantia de melhoria da qualidade do atendimento ou da qualidade do resultado apresentado, ao contrário.
Nós assistimos recentemente em matéria de restrição de direitos dos consumidores — nós temos uma plêiade de exemplos, mas vou pegar um só — à questão do transporte aéreo, em relação à exclusão da franquia de bagagem. O argumento central na discussão, na época, era de que haveria uma queda no preço das passagens e que isso beneficiaria aqueles consumidores que viajam só com a bagagem de mão, podendo escolher receber a prestação de serviço com tarifas mais módicas. Ao fim e ao cabo isso não se concretizou. A discussão era só retórica, e esse benefício nunca foi concretizado. Da mesma forma isso acontece quando temos esse debate em relação ao amesquinhamento de direitos, sobretudo nas relações de consumo.
Por último, em relação ao art. 17, quero pontuar que o projeto dificulta o exercício da capacidade postulatória das partes e acaba, por exemplo, estabelecendo formalismos e dilações excessivas aos cidadãos. Essa capacidade postulatória foi uma conquista de longa data estabelecida pelos juizados especiais. Nós não podemos permitir que isso se perca, ao argumento de que tecnicamente seria mais favorável ao consumidor.
Já em relação ao § 3º do art. 491, o que verificamos é que há uma violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Por quê? Ao se estabelecer a pretensão resistida como balizador da sucumbência condenatória por parte do magistrado, dizendo que o juiz deverá levar em consideração a efetiva resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor, se esse busca a conciliação prévia antes de iniciar o processo, isso impõe uma consequência jurídica pecuniária em desfavor daquele que resiste à solução extrajudicial do conflito. A proposta é muito ruim para o réu. A proposta tem um caráter punitivo e incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro e não diz quais são os parâmetros que devem ser utilizados pelo magistrado para modular a extensão do dano decorrente da resistência da pretensão do réu.
Assim, Sr. Presidente, senhores membros desta audiência, quando assistimos a argumentos técnicos se superpondo à defesa dos direitos fundamentais garantidos na Constituição, perdemos todos — perdemos todos. A Constituição brasileira tem um compromisso inafastável com a cidadania, que acaba por ser muito prejudicada, quando não se respeitam os direitos fundamentais, seja lá com que argumento. A nossa defesa deve ser uma defesa intransigente da manutenção dessas conquistas históricas em favor dessa massa de cidadãos, sobretudo aqueles menos favorecidos.
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O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dra. Marília de Ávila e Silva Sampaio.
É um prazer reencontrá-lo depois de algum tempo em que tivemos uma interlocução num tema que é tão importante para os brasileiros.
Não poderia deixar de saudar o Ministro Buzzi, na pessoa de quem saúdo os demais representantes do Poder Judiciário.
Eu venho me dedicando academicamente a trazer o direito para a realidade. O direito é a última área a resistir ao trabalho com dados científicos, ainda sustenta muitos discursos baseados em posições ideológicas e políticas. Nós percebemos, até pelo que vem acontecendo no debate sobre vacinas e saúde pública, que a medicina já trabalha mais com estatística e com dados.
(Segue-se exibição de imagens.)
Quem faz muita pesquisa empírica no Brasil hoje é a Associação Brasileira de Jurimetria, que usa estatística para discutir política pública.
Este é um gráfico produzido pela ABJ, pelo Prof. Marcelo Guedes, da PUC de São Paulo, quem eu homenageio aqui, que mostra o consumo do serviço judiciário na cidade de São Paulo. Compara o acesso à Justiça na prática e as regiões da cidade de São Paulo. Isso está no gráfico da esquerda. Nós percebemos que só usa o sistema público a parte mais rica da cidade, de modo que a periferia não está acessando, na prática, o Poder Judiciário. Então, dizer que nós estamos defendendo a população mais vulnerável hoje simplesmente não corresponde à realidade empírica. Isso é um fato, não tem como negar.
E o que diz o Prof. Guedes é que a gratuidade não resolveu o problema do acesso dos pobres à Justiça. No fundo, se nós analisarmos o caso do transporte aéreo, por exemplo, veremos que quem está acessando esse serviço é quem tem condições de comprar uma passagem para ir a Paris, por exemplo, e reclamar na Justiça gratuitamente. Só que o pobre paga pelo acesso à Justiça. Isso já acontece um pouco, mutatis mutandis, com relação ao ensino universitário: o contribuinte arca com um custo, mas não é usuário do sistema.
Esse é um problema que precisamos enfrentar, e eu acho que o PL tem um mérito importante.
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Outra observação relevante — só para trazermos mais dados — é uma comparação dos valores gastos com disputas no Poder Judiciário, com educação básica e com saneamento. Segundo o CNJ, o gasto com o Poder Judiciário — e eu não estou falando dos salários, mas dos muitos processos, dos mais de 80 milhões de processos, com que os cidadãos arcam — é de 100 bilhões de reais. Isso não é gratuito, alguém tem que pagar por isso. É interessante a comparação dos gastos. Em 2017, gastamos com Justiça 100 bilhões de reais; com saneamento, menos de 1 bilhão de reais; e, com educação básica, menos de 20 bilhões de reais. Nós estamos gastando muito mais em disputas judiciais do que em educação básica e saneamento básico. Esse é um problema que precisamos enfrentar. É um dado da realidade. Tenho algumas ressalvas sobre isso, mas acho que não vêm ao caso pelo tempo.
Outro dado que precisamos levar em conta é número de excluídos digitais: são 45 milhões de pessoas. Estamos falando de uma parcela relevante da população brasileira — chega a 20%. É algo que tem que ser considerado. Já foi mencionado aqui que o telefone ainda é uma ferramenta importante. Eu acredito que apostar no SAC das empresas — elas precisam resolver o problema dos consumidores, e não o contribuinte no Poder Judiciário — pode ser algo a se pensar. Não dá para apostar apenas em meios digitais, embora, em tese, pudessem resolver os problemas de 80% da população.
É conhecido um princípio de gestão segundo o qual quem não mensura não gerencia. É uma regra básica de administração. Ou seja, é preciso medir. Outra regra básica de gestão, o princípio de Pareto, diz que é preciso resolver primeiro os grandes problemas. Então, se 80% das pessoas têm acesso à Internet, segundo dados do IBGE, já é uma boa prática de gestão investir nesse meio para solução da maior parte dos problemas. É o famoso princípio de Pareto ou regra 80/20.
Também é importante observar os dados sobre consumo do sistema público de distribuição da Justiça. Existe uma grande concentração dos casos, existem litigantes repetitivos. Pensar sobre isso também é uma forma gerencialmente eficiente de tratar o problema. E uma recente modificação do Código de Processo Civil passou a permitir a citação por meios eletrônicos. Assim, não há mais, com relação aos grandes litigantes, a situação de não localizar o réu. Acho que, estatisticamente, dependendo dos tribunais, chega a 70% a concentração. São grandes empresas, facilmente localizáveis e facilmente citáveis.
Este dado aqui mostra que apenas 20% concentram mais de 50% dos litígios. Em São Paulo, 30 empresas concentram 70% dos litígios, com foco em telefonia e instituições bancárias. Isso dá para resolver.
E sobre o que versam os problemas?
Na maioria das vezes, versam sobre indenizações por danos morais. O Judiciário está tentando resolver um problema de política pública com indenizações. Pelo visto, não está funcionando, porque todo dia aumenta o número de processos. Então, é preciso enfrentar esse ponto. Se estamos preocupados, de fato, com os consumidores, é melhor que os serviços funcionem.
Parece-me não existir uma bala de prata para, com um movimento, resolver um problema complexo desses. Os dados mostram que nós estamos com muitos processos, que são muito caros. Estamos gastando mais em processos do que em saneamento. Foi preciso, inclusive, um Marco Legal do Saneamento para apostar em privatização, porque o setor público não estava dando conta. Os problemas envolvem mais danos morais, e as tratativas não estão funcionando, aparentemente, pelo volume de reclamações. Então, o PL parece avançar em sentido positivo de tentar estruturar os incentivos para que as partes se componham previamente, e isso pode ser de qualquer forma. Não me parece um grande óbice.
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Sem falar que, no mundo real, a plataforma pública consumidor.gov.br, por exemplo, resolve 80% dos problemas, segundo os consumidores avaliam, em 6 dias. Em toda a minha experiência — eu também fui juiz leigo do Juizado Especial, no Rio Grande do Sul, fundado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pelo falecido Ministro Ruy Rosado —, nunca vi uma audiência ser marcada em menos de 6 dias. Não há prejuízo real em esperar 6 dias, salvo numa liminar, quando, aí, de fato, deve-se poder acessar o Poder Judiciário.
Há outras coisas interessantes, como o dano moral. Quer dizer, talvez seja preciso, sim, sancionar empresas que usam — eu não estou condenando empresa A ou B — o sistema público na distribuição da Justiça, mas a elas tem que ser dada a possibilidade de resolver os problemas sem onerar o contribuinte.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Agradeço a exposição ao Sr. Luciano Timm.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Obrigado, Ministro.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Claro, claro.
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Ponto dois. Aquilo que já falei informalmente, antes do início dos nossos trabalhos: passou a fase de pregar para convertido. Dizer que mediação, conciliação é bom ou não — eu sei que esse não é o objetivo da nossa reunião —, isso também já se acabou. Hoje em dia, esses métodos de resolução de conflito estão na Resolução nº 125, estão no Código de Processo Civil, estão lá na Lei nº 13.140. Todos os tribunais do Brasil, sem exceção, têm atos normativos que regulamentam esse assunto, essa matéria. Portanto, passou a fase. Nós perdermos tempo discutindo se mediação, conciliação, negociação é algo bom ou ruim para a Justiça, para o Judiciário e para o jurisdicionado. Isso já acabou, isso passou. Essa fase já foi.
Quem não concorda com isso — não quero ser mal-educado, pelo amor de Deus! — está vencido. Nosso sistema é democrático, na democracia vence a maioria. Quem não concorda com isso ficou vencido! Essa parte está superada.
Bem, eu creio que, destacadamente, o Timm tem muita razão. Na área do direito do consumo, são milhões de ações que entram ao cabo de cada período, de cada época, no Judiciário. E nós temos, sim, que bolar uma maneira de — e aí está a minha proposta de acomodação, de modificação feita na proposta do Prof. Kazuo Watanabe — fazer uma adequação.
O art. 321, se não me falha a memória, do Código de Processo Civil já dizia que o juiz não pode extinguir o processo de pronto quando constata alguma irregularidade ou falta alguma coisa. Então, quando o juiz, recebendo a petição inicial, vê que não está plenamente demonstrada a resistência do interesse por parte do acionado, já muito antes desse projeto nosso aqui, já no Código de 1973, ele já era obrigado a dar um prazo para o autor demonstrar ou fazer a regulamentação, regularização de certas questões.
Agora, eu sei que há uma nova questão: provar a questão do interesse de agir, constituído na pretensão resistida. Acho ótimo isso, excelente, mesmo porque, no mesmo Código de Processo Civil de 1975, tem um artigo que diz que é o Judiciário o encarregado de fornecer meios para essas populações mais carentes terem acesso às vias eletrônicas. E nós já temos totens e totens, aparelhos e aparelhos em todos os fóruns espalhados pelo Brasil. É exceção o fórum que não tenha um totem desses, ou seja, um aparelho disponível à população com um, dois, três, quatro funcionários à disposição da população, para que ela, portanto, possa também manifestar a pretensão resistida ou não. E, se manifestar uma pretensão que não é resistida, tanto melhor, será chamada para os nossos CEJUSCs. Nós já temos mais de 1.256 CEJUSCs instalados no Brasil, Santo Deus! Então, dentro de um CEJUSC desses fará a composição, com a vantagem de que lá, inclusive, é homologado por acordo. Sai homologado, sai título judicial.
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Não vejo outra porta, contudo, muito diferente dessa que o Prof. Kazuo Watanabe e V.Exas., Deputados, estão bolando para enfrentarmos essa gravíssima questão do altíssimo número de processos novos, que, a cada dia — não é a cada mês —, entram na Justiça. E nós temos que resolver isso, afinal, o legislador agora é V.Exa., Deputado Celso Russomanno. O juiz agora é o Ricardo Chimenti, não é? O protagonista de muitas coisas agora é o Timm, que está aqui junto conosco. O Ministro do CNJ agora sou eu. Então, está conosco a solução. Nós temos o dever de dar uma solução.
Parabenizo o Deputado Celso Russomanno e a Câmara dos Deputados por essa iniciativa, como sempre. Quero deixar registrada uma coisa a que, talvez, poucos brasileiros estejam atentos. O Brasil é conhecido internacionalmente como um dos países que fazem as melhores leis do mundo, vide o Código de Defesa do Consumidor. O nosso Código de Defesa do Consumidor não é considerado um dos melhores do mundo. Não, senhor! Ele é considerado o melhor Código de Defesa do Consumidor do mundo. Precisa de modificações? É claro. Precisa de atualizações? É claro. Então, tenho muita fé, para não dizer certeza, de que vamos acertar nisso também.
Deputado Celso Russomanno, é preciso mudar. Talvez o ideal não fosse mudar, mas, no mundo prático, com esses milhões e milhões de ações entrando na Justiça todos os anos, não há outra solução que não tentar bolar uma estratégia lícita, moral, correta, adequada, que não retire acesso de ninguém à Justiça, de nenhuma parte da população à Justiça. Graças a Deus, no Brasil, nós já conseguimos conceber bem esse sistema com a Defensoria Pública, com assistência judiciária mista. O cidadão que realmente quer consegue procurar uma assistência judiciária eficiente e que funcione, se não bem, pelo menos razoavelmente bem.
Quero deixar isso registrado aqui. Peço perdão por me inflamar tanto. Sou muito animado e muito adepto dessa iniciativa. Conversamos muito no FONAJE, órgão ao qual tenho grande orgulho de pertencer há muitos e muitos anos. O FONAJE foi um órgão, muitas vezes, presidido pelo meu amigo Chimenti, que é um excelente juiz, um excelente profissional. Sei que não é lugar, mas V.Exas. vão me perdoar. Quero parabenizar o Timm, que foi um dos grandes responsáveis pelo consumidor.gov, Deputado Celso Russomanno. O consumidor.gov é uma via eletrônica em que resolvemos — anotem lá — milhões de processos a cada ano. Não são milhares. São milhões de conflitos a cada ano. Então, nós estamos indo bem. Nós estamos indo numa direção boa. Nós vamos chegar assim a um lugar bom.
Parabenizo novamente a nossa Casa Parlamentar. Obrigadíssimo pelo convite. Sinto-me honradíssimo em estar aqui. Sempre que for necessário, conte comigo. Peço perdão pelo meu ânimo, pela minha exaltação. Sou apaixonado por aquilo que nós todos fazemos. Deixo um grande abraço a todos, tudo de bom. Obrigado pelo convite.
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O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Ministro Marco Buzzi, pela sua manifestação.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Ministro.
O Deputado está acompanhando desde o início aqui as falas dos nossos expositores. Isso é importante para guiar o seu relatório, haja vista que esse projeto tem criado uma polêmica grande na Câmara dos Deputados, especialmente, aqui na Comissão de Defesa do Consumidor.
Quero dizer que conheço muito desjudicialização, porque, pelo escritório, pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, que atende gratuitamente às pessoas, já desjudicializamos desde 1990, Ministro Buzzi, 360 mil casos. Falo de 360 mil casos de pessoas que são atendidas todos os dias, gratuitamente, numa estrutura, num imóvel da minha família, doado gratuitamente durante todos esses anos. Vemos que, muitas vezes, um telefonema da minha equipe para as empresas resolve os problemas, e as pessoas saem de lá com uma felicidade no rosto que é indescritível.
Acho que desjudicializar é um processo. Temos que aperfeiçoar esse projeto aqui. O nosso Relator Vinicius Carvalho é meu irmão de coração e está na área de defesa do consumidor comigo há muitos anos. S.Exa., que já foi Deputado pelo Rio de Janeiro e hoje é Deputado por São Paulo, tem se dedicado a esse tema, com várias especializações. Lembro-me muito bem dele estudando direito, indo para a faculdade, mesmo já sendo membro da Comissão de Direitos do Consumidor. Hoje, ele é um grande defensor do consumidor. Então, está em boas mãos, sem dúvida nenhuma, esse projeto de lei. Tenho certeza de que o Deputado Vinicius Carvalho vai fazer o melhor trabalho em relação a isso.
O SR. ARTHUR ROLLO - Eminente Deputado Federal Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Deputado Celso Russomanno, na sua pessoa e na pessoa do Deputado Vinicius Carvalho saúdo todas as Deputadas e todos os Deputados desta Casa Legislativa. Quero saudar o eminente Ministro Marco Buzzi e saudar a juíza Marília Sampaio. Na pessoa do Ministro e na pessoa da juíza Marília, quero saudar todos os meus colegas de Mesa.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Mas, com todo o respeito, este projeto se baseou em algumas premissas equivocadas e desconsiderou a vulnerabilidade do consumidor.
Um trecho da justificativa do projeto diz que a maioria das pessoas tem a falsa premissa de que recorrer ao Judiciário é melhor do que tentar a solução por meios administrativos.
Eu acho que, hoje em dia, ninguém mais tem essa percepção. E, se existe o recurso ao Judiciário, o consumidor vai suportar os riscos disso, porque quem entra no Judiciário entra para ganhar ou para perder. Existe sempre o risco de perder. E o tempo de duração do processo é muito mais danoso para os consumidores, que são os vulneráveis, nos termos do art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, do que para as empresas.
Outro argumento que está na descrição do projeto é que não é razoável que o Judiciário, até por um aspecto estrutural e orçamentário, continue sendo o primeiro, único e mais atrativo, financeiramente, acesso de materialização dos direitos.
Isso não acontece. O Judiciário acaba, excepcionalmente, sendo procurado por um ou outro consumidor. Pouquíssimos consumidores não procuram a empresa antes. A maioria dos consumidores, efetivamente, procura a empresa, vai ao PROCON, faz uso de plataformas digitais. Então, não podemos legislar com base na exceção. Todos esses argumentos aqui, com todo respeito ao eminente propositor inicial do projeto, o Deputado Júlio Delgado, não se verificam na prática.
"As empresas são as maiores interessadas em esclarecer e resolver as dúvidas e as questões mencionadas pelos seus clientes, a proposta busca evitar o ajuizamento de um processo judicial desnecessariamente." Há empresa que quer resolver e há empresa que não quer resolver.
O Ministro Marco Buzzi falou do consumidor.gov. Eu, na minha passagem pela Secretaria Nacional do Consumidor, lembro que fiz uma reunião com as concessionárias de energia elétrica aqui do Estado de São Paulo, e a plataforma, naquele momento, era de adesão voluntária das empresas. E o que aconteceu? Eu fiz reunião com todas as concessionárias de energia do Estado de São Paulo. E havia lá mais de 2 mil consumidores querendo reclamar contra essas empresas. Como essas empresas não haviam aderido voluntariamente à plataforma, os consumidores não conseguiam reclamar. Eu fiz a reunião, tentei sensibilizar as empresas, mas saí da reunião sem nenhuma empresa ter aderido. Então, há empresa que quer resolver o problema do consumidor e há empresa que não quer resolver o problema do consumidor, que usa o Poder Judiciário como uma extensão do seu serviço de atendimento ao cliente, que joga o custo das suas resoluções internas de problemas para o Judiciário e para o Estado, onerando-os.
Quanto a canais de conflitos, temos vários. O Decreto nº 6.523, de 2008, do SAC, está em absoluto desuso. Uma das disposições desse decreto, que vai no sentido da comprovação da resistência à pretensão, no art. 15, § 3º, prevê que os consumidores vão ter acesso às gravações das reclamações que efetuarem ao SAC. Hoje, se um consumidor entra no SAC da empresa e pede acesso a essa gravação, ele não consegue obter, porque a empresa, pura e simplesmente, não manda. Em 2018, deixamos lá uma minuta de decreto do SAC, porque, na nossa concepção, o aperfeiçoamento do SAC é, sem dúvida nenhuma, um dos grandes caminhos para reduzir litígios. Mas não andou desde então. Parece que agora está andando. Mas eu acho que o foco aqui é o SAC.
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A ouvidoria da empresa tem a finalidade de ser o segundo grau, vamos dizer assim, das reclamações ao SAC. Mas muitas ouvidorias não têm nenhum poder de negociação. Então, há empresas com ouvidorias muito eficientes e empresas com ouvidorias absolutamente ineficientes, que são uma extensão do SAC. Então, isso nem sempre funciona, infelizmente.
O consumidor.gov.br é uma plataforma excelente, mas tem algumas questões. Uma das questões que reparamos, quando estávamos na Secretaria Nacional do Consumidor, é que ela não permite o acesso para advogados. Ela dificulta o acesso de advogados. Seria interessante, Ministro Buzzi, que os advogados... Por exemplo, hoje, um advogado que precisa notificar extrajudicialmente uma empresa, pode fazer isso via e-mail, via cartório extrajudicial, via carta com aviso de recebimento, por mais antigo que possa parecer. Seria interessante que houvesse um canal de notificação dessas empresas, direto dos advogados para as empresas, para facilitar, sim, a prova dessa tentativa de resolução extrajudicial, porque há empresa que se esconde, há empresa que não protocola. Podemos fazer um teste: vamos pegar uma carta de reclamação e vamos a uma loja de qualquer empresa de telefonia tentar fazer o protocolo para ver se algum atendente vai protocolar. Ele vai falar: "Não, vai ao jurídico". Ele vai encaminhar o consumidor para tudo quanto é canto e não vai protocolar a reclamação.
Então, efetivamente, o consumidor tem uma dificuldade enorme de provar essa resistência à pretensão. Exigir essa prova é diabólico. O consumidor não vai conseguir fazer essa prova, na grande maioria dos casos, até porque a resistência à pretensão pressupõe uma resposta. E, muitas vezes, o consumidor reclama, e não é, pura e simplesmente, respondido.
Ao falarmos de mediação, os PROCONs têm uma importância enorme. As associações civis — temos aqui o querido Igor, do IDEC — têm um papel importantíssimo, assim como o INADEC, o qual represento. Então, há um papel importantíssimo nessa desjudicialização. Vamos incentivar a desjudicialização pelos PROCONs e pelas associações civis. Esse é o caminho.
Para citarmos alguns problemas na prática — na própria Comissão de Defesa do Consumidor foram feitas audiências do crédito consignado, e esse crédito consignado pega efetivamente as pessoas mais carentes —, há caso de banco que faz consignado de aposentado e de pensionista com vazamento de dados. E eles nem sabem de onde isso veio. Por exemplo, no Judiciário do Rio Grande do Sul, há juiz que está exigindo que haja a cópia do contrato para entrar com a ação judicial. Se ele não fez o contrato, como é que ele vai ter a cópia do contrato? Às vezes, o consumidor contrata com o banco, e nem cópia do contrato recebe.
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Então, nós precisamos ver o que o PROCON vê no balcão, o que o consumidor vê no dia a dia, porque, na prática, isso talvez não funcione como está programado. Nós não temos dúvida de que a intenção do Legislativo e de todos os que estão aqui é a melhor possível, mas, entre a teoria e a prática, às vezes, as coisas não andam bem.
Eu acho que o foco está, sim, nos grandes litigantes. Se há grandes litigantes, há vários consumidores demandando determinadas empresas, isso significa que o saque e a ouvidoria delas não são eficientes, que o consumidor.gov não está resolvendo o problema para elas, senão, não haveria tantos consumidores recorrendo ao Poder Judiciário.
Eu acho que o foco tem que ser, sim, nos grandes litigantes; em estimular a resolução dos litígios, a diminuição do acervo de processos desses grandes litigantes; em fortalecer os PROCONs — já há um projeto de atualização do Código de Defesa do Consumidor para fortalecê-los —, os recursos repetitivos que o STJ vem julgando também, que é uma forma de coletivização até das ações individuais; e nas ações coletivas, que as associações civis entram. Desse modo, nós vamos conseguir resolver o problema. Mas exigir uma prova de resistência à pretensão do consumidor, nos termos do projeto, com todo o respeito, acaba dificultando ainda mais a vida do consumidor e indo contra o art. 5º, inciso XXXII.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Arthur Rollo, pela sua exposição.
O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Muito obrigado, Deputado Celso Russomanno, pela oportunidade, pelo convite ao IDEC. Muito obrigado também ao Deputado Vinicius Carvalho pela iniciativa da realização desta audiência pública. Parabenizo V.Exas. pela ocasião em que se iniciou a discussão desse projeto de lei e V.Exas. propuseram a suspensão da deliberação para a realização desta audiência pública.
Parabenizo V.Exas. também pela capacidade que tiveram de conseguir reunir, em uma única audiência pública, tantas autoridades, tantas pessoas altamente qualificadas e relacionadas com esse tema. Acho que, Deputado Celso Russomanno, esta é uma das audiências públicas mais ricas de que o IDEC participou na Comissão de Defesa do Consumidor.
(Segue-se exibição de imagens.)
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Já está na tela.
O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Eu já queria antecipar para V.Exas. que a nossa preocupação sobre esse projeto de lei, Deputado Celso Russomanno, Deputado Vinicius Carvalho, como o ex-Secretário Dr. Arthur Rollo, nosso colega de direção de entidade civil de defesa do consumidor, agora há pouco mencionou, é um problema de diagnóstico, que o Deputado Júlio Delgado apresentou.
Muitas das discussões sobre a judicialização, sobre as políticas de desjudicialização partem do pressuposto de que a culpa da judicialização é em razão de um movimento dos autores.
Mas, no que se refere a relações de consumo, a conflitos de consumo, todos os diagnósticos produzidos no Brasil, desde 2010, seja pela Associação dos Magistrados Brasileiros, aqui muito bem representada pela Dra. Marília, seja pelo próprio CNJ, nunca deixaram de demonstrar a afirmação que eu vou dizer para os senhores. No que diz respeito aos conflitos de consumo, a litigiosidade é culpa dos réus.
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Com relação a todos os dados que levantamos — estou falando apenas de dados públicos de instituições públicas, como por exemplo, o CNJ e, mais recentemente, o Ministério Público de Minas Gerais, que vem se debruçando sobre isso, sem contar as diversas pesquisas que a Associação dos Magistrados Brasileiros produziu, na última década, a respeito disso —, nós chegamos à conclusão de que, no que se refere a relações de consumo, não existe uma cultura de litigância dos autores consumidores, porque toda a concentração dos litigantes está no polo passivo. Não há dados, no Brasil, que demonstrem que a concentração dos litigantes está no polo ativo.
Os próprios dados agora de jurimetria apresentados pelo Dr. Luciano Timm estavam pautados por uma busca de identificação dos litigantes, tanto no polo ativo como no polo passivo. E todos os dados indicam que, no polo ativo, os maiores litigantes são a Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal, e, no polo passivo, os bancos, as empresas de telecomunicação, as seguradoras e as concessionárias de serviços públicos. Os autores consumidores não repetem, em sua massiva maioria, ações judiciais durante a sua vida. As pessoas físicas autoras consumidoras não litigam de forma reiterada.
Por isso, quando nós vamos analisar os dados da judicialização das relações de consumo, em 2019, ano da propositura da ação, vemos que 2,3 milhões de pessoas demandaram ao Judiciário assuntos de relação de consumo. Essas 2,3 milhões de pessoas são absolutamente distribuídas e não concentradas. No que diz respeito ao Juizado Especial, 1,5 milhão de consumidores demandaram o Juizado Especial em 2019.
Nós precisamos entender que isso é uma consequência de um problema raiz que é pouco explorado no Brasil. Mas há muitos dados que identificam as razões pelas quais um indivíduo procura o Judiciário como consumidor — estou concentrando a minha fala em nome dos conflitos de consumo — e quando ele procura.
E esses dados indicam, há muitos anos, que as pessoas consumidoras procuram o Judiciário depois de terem procurado, por diversas vezes, solucionar o problema diretamente com o fornecedor, ou uma minoria, inclusive, por intermédio dos órgãos de defesa do consumidor.
Não existe nenhum dado que demonstre, em quantidades massivas, que as pessoas, enquanto consumidoras, procuram o Judiciário sem terem procurado a empresa antes. Não existe esse dado no Brasil. Todos os dados indicam que as pessoas procuram, não uma, mas várias vezes, as empresas antes de procurarem o órgão público do Poder Executivo, de defesa do consumidor ou, ao final, o Judiciário. E os dados dos índices de procedência das ações de relações de consumo que nós temos no Brasil indicam que as pessoas demandam o Judiciário porque são vítimas da violação de um direito que é confirmado pelo Poder Judiciário.
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A grandíssima maioria da população brasileira que demanda os PROCONs ou o Judiciário está certa nos seus pleitos. Por isso que é nós do IDEC afirmamos, já há muito tempo, que a culpa pela judicialização dos conflitos de consumo é, em grande parte, dos réus. Esses, sim, são os maiores litigantes do País, segundo todas as pesquisas e todos os dados levantados desde 2010.
Eu vou citar aqui a mais recente pesquisa realizada, que é muito interessante, feita pela FIPE, contratada pelo Ministério Público de Minas Gerais, que realizou um diagnóstico nacional do consumidor. Essa pesquisa chegou à conclusão de que 90% das pessoas que tiveram problemas com empresas, que relataram que tiveram problemas e conflitos com fornecedores procuraram antes a empresa demandada. Apenas 10% não procuraram. Esses 10% não procuraram ninguém, nem a empresa, nem o Judiciário, nem o PROCON. É uma parcela minoritária da população que deixou passar a oportunidade de defesa dos seus direitos. As pessoas que procuraram o fizeram mais de quatro vezes, ou uma média quatro vezes. Portanto, nós não precisamos de uma lei para exigir que as pessoas procurem as empresas, porque elas as procuram.
Basicamente, a absoluta maioria das pessoas que judicializaram uma ação procurou o fornecedor, de alguma forma, para tentar solucionar o problema. Inclusive, das pessoas que procuraram a empresa, a grandíssima maioria delas conseguiu uma solução — é verdade, as pesquisas indicam isso —, mas 12% delas também precisaram procurar o órgão de defesa do consumidor. E é de se perguntar, Dra. Marília, quantas pessoas procuraram os PROCONs no ano de 2019, por exemplo?
A exceção, ou seja, as pessoas que precisaram procurar o PROCON, mesmo depois de terem tentado por quatro vezes solucionar o problema com as empresas, estão na ordem, em 2019, de 2,6 milhões de brasileiros. É um número maior do que o de pessoas que procuraram o Judiciário. E os PROCONs resolveram, em 2019, 77% dessas reclamações, o que, obviamente, indica que 77% das pessoas que procuraram os PROCONs provavelmente tinham razão, porque contaram com o apoio dos PROCONs na solução do seu problema.
Então, as pessoas que procuram o Judiciário são as pessoas que procuraram a empresa, e não conseguiram resolver o problema; são as pessoas que, depois de terem procurado o PROCON, também não conseguiram resolver; podem ser pessoas que procuraram o consumidor.gov, que é uma plataforma que ainda não chegou aos milhões de usuários. Em 2019, ela contabilizava apenas 780 mil usuários. Neste ano de 2021, é que ela está quase atingindo 1 milhão de pessoas.
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Então, para finalizar, Deputado Celso Russomanno, tanto os dados do CNJ quanto da Associação dos Magistrados do Brasil, pesquisados no ano de 2014 por coordenação da Dra. Maria Tereza Sadek — ela já havia concluído que o problema da judicialização de consumo é um problema dos réus, que precisa ser resolvido com maior fiscalização sobre as condutas, as práticas das empresas, para que sejam estimuladas, com o poder coercitivo do Estado, a resolver os problemas extrajudicialmente, para que essa demanda não seja levada ao Judiciário —, indicam que o projeto de lei, Deputado Vinicius Carvalho, precisa desse aperfeiçoamento, precisa refletir o olhar sobre o réu também, como uma das principais causas da litigiosidade das relações de consumo no Brasil.
E nós gostaríamos de sugerir, Deputado Vinicius, que o seu parecer possa apresentar algum mecanismo que penalize judicialmente, por exemplo, para que os juízes e as juízas considerem que a empresa que foi procurada pelo consumidor ou pela consumidora antes da demanda judicial e não evitou a demanda, porque recusou o atendimento do direito, fazendo com que o consumidor não tivesse outra alternativa a não ser procurar o Judiciário, precisa ser condenada, sim, por danos morais. É por isso que muitas dessas ações, Luciano, têm pedido de danos morais. E a maioria das pessoas não têm esse pedido acolhido. Mas elas pedem danos morais porque passaram por uma jornada de tentativa extrajudicial. Essa condenação por dano moral é importante. Ela é o melhor estímulo para que as empresas atendam ao consumidor, efetivamente, antes da demanda judicial, e evitem a judicialização, pela qual são as maiores responsáveis. Qualquer outra alternativa que ignore isso vai representar, como bem mencionou a Dra. Marília Sampaio e também o Dr. Arthur Rollo, que conhece muito bem as linhas e filas de atendimento dos PROCONs do Brasil, um obstáculo de acesso à Justiça, que só vai privilegiar aquela empresa que não tem ouvidoria, que não tem SAC eficiente, que não gera protocolo de atendimento, que não dá prova de que o consumidor procurou a empresa. Isso vai aumentar, obviamente, a quantidade de recursos que serão apresentados pelos autores, para discutir unicamente se eles tinham ou não direito de promover a ação judicial.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Igor, pela sua exposição.
O SR. AUGUSTO DE PAULA BARBOSA - Muito bom dia a todas e a todos. Na pessoa do Exmo. Deputado Celso Russomanno, estendo os meus cumprimentos a toda esta Mesa dileta que está aqui presente.
Agradeço a oportunidade de a OAB expor o seu posicionamento — isto não é segredo para muitas pessoas — totalmente contrário a esse PL e a todos os outros que mitigam, que limitam o acesso ao Judiciário pelo cidadão brasileiro.
Eu vou pedir vênia a V.Exa., Ministro Marco Buzzi, para discordar totalmente do seu entendimento.
Vou acompanhar principalmente a brilhante exposição da Dra. Marília Sampaio, que expôs a posição da Associação dos Magistrados Brasileiros. Sem querer ser repetitivo com relação às exposições anteriores, vou tentar sintetizar os pontos principais que motivam o posicionamento da OAB.
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Como já foi exposto aqui antes, torna-se uma verdadeira falácia dizer que o consumidor brasileiro ou o jurisdicionado brasileiro tem a cultura do litígio. Na verdade, o consumidor tem uma verdadeira aversão ao Poder Judiciário. Essa é a realidade que nós vemos no nosso trabalho, seja na nossa atuação enquanto advogados, seja na atuação enquanto representantes da Ordem que nos regulamenta. Dizer que é o consumidor, como o Dr. Igor expôs antes, o responsável pelo aumento nas demandas no Poder Judiciário é uma falácia.
Há uma enorme pluralidade de consumidores que buscam o Poder Judiciário, enquanto nós temos sempre aquela concentração de demandados, como já foi exposto aqui, inclusive por gráficos de um defensor ferrenho desse projeto e de outros, que é o Dr. Luciano Timm. As instituições financeiras e as empresas de telecomunicações dominam os polos passivos, as ações. E isso não é uma situação aleatória, não é uma situação que não tem um propósito.
Vamos analisar aqui. O Dr. Igor acabou de expor dados fáticos que demonstram claramente que a minoria da população chega ao extremo de judicializar as suas demandas. Essa minoria, grande parte das vezes, demonstra a sua razão perante o Poder Judiciário, só que há um porém. Se nós temos uma minoria que entra com uma ação judicial — algumas ações são julgadas procedentes —, qual é o valor médio dessas indenizações? Perante o grande rendimento anual, os balanços anuais dessas empresas, grandes empresas de telecomunicações, grandes instituições financeiras, o que isso representa para essas empresas, quando nós colocamos na ponta do lápis os valores das indenizações? É um valor ínfimo. Vamos falar a verdade: é um valor ínfimo.
A função das empresas no exercício das suas atividades mercantis é uma só: o lucro. E, atualmente, nós temos que reconhecer que violar a legislação de defesa do consumidor é lucrativo. Essa é uma realidade nua e crua. É lucrativo, porque uma minoria busca o Judiciário para reparar os danos sofridos, com indenizações que não representam o caráter punitivo e reparatório que a lei preconiza. Diante disso, as empresas são estimuladas a deixar de lado qualquer investimento estrutural no atendimento aos seus consumidores e, também, a deixar de lado qualquer investimento estrutural na qualidade dos produtos e serviços.
Nós temos visto uma crescente enorme na violação de direitos de pessoas cada vez mais vulneráveis, principalmente os idosos, no que diz respeito aos casos mencionados, se eu não me engano, pelo Dr. Arthur Rollo, dos empréstimos consignados. Esses empréstimos consignados são verdadeiros crimes que têm que ser investigados, são produtos de fraude. A empresa simplesmente deposita valores muitas vezes baixos nas contas de benefícios dos aposentados e pensionistas e, depois, passa a cobrar prestações ainda mais baixas, para que eles nem percebam, muitas vezes, o que está acontecendo. Quando eles vêm a perceber, acontecem situações como as relatadas anteriormente.
É necessário que o consumidor apresente o contrato de uma relação jurídica que ele não reconhece. Que contrato é esse? Não existe prova diabólica mais evidente do que essa.
A situação é tão grave que foi motivo de campanha lançada este ano pelo Conselho Federal da OAB: Acesso Pleno à Justiça — OAB em Defesa da Liberdade do Consumidor. Temos a ideia de que o consumidor não procura resolver os problemas extrajudicialmente. O Dr. Igor deixou bem claro que isso é uma falácia — ele procura e procura muito. Não fosse verdade, nós não teríamos hoje no Poder Judiciário discussões relacionadas às teses de desvio produtivo e perda do tempo útil, que se configuram exatamente no tempo perdido pelo consumidor para resolver problemas que nem deveriam existir ou que deveriam ser solucionados com rapidez. O consumidor passa por um verdadeiro calvário: procura a empresa uma, duas, três ou sei lá quantas vezes, procura o PROCON, acessar o consumidor.gov.br e, mesmo assim, não tem a solução para o seu problema, o que o obrigando, muitas vezes, a entrar com uma ação judicial.
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Pensemos numa situação em que o consumidor faça uso do art. 5º, inciso XXXV, que lhe permite acessar a Justiça com base no princípio da inafastabilidade. Vamos supor que ele não tenha procurado o fornecedor ou qualquer meio alternativo de resolução de conflito. Ainda assim, seja na Justiça comum, seja no Juizado Especial, há previsão legal para tanto. No caso da Justiça comum, o art. 334 do Código de Processo Civil, prevê a designação de audiência de conciliação pelo juiz uma vez recebida a petição inicial. Da mesma forma, antes mesmo de o juiz receber a petição inicial, no Juizado Especial, cabe à secretaria do juízo, segundo o art. 16 da Lei nº 9.099, de 1995, designar audiência de conciliação.
Pergunto onde estão, em meio aos dados fáticos aqui expostos por quem defende essa matéria, aqueles que demonstrem uma grande parcela de composições amigáveis ou propostas feitas pelos fornecedores no momento dessas audiências de conciliação? Onde estão? Nós sabemos muito bem que, quando o processo está ajuizado, a intenção da empresa é postergá-lo o máximo possível. Nenhum consumidor tem interesse em resolver o seu problema após anos da instauração do processo. O consumidor quer uma resposta imediata, quer uma resolução rápida do seu problema. Então, não é de seu interesse ingressar em juízo, pagar advogado, pagar custas processuais, sofrer um risco de condenação de pagamento de honorários de sucumbência caso venha a perder a ação para ter uma indenização baixa se não for essa a única alternativa que lhe resta.
Exmo. Sr. Ministro, temos um número exacerbado de ações judiciais? Concordo plenamente com V.Exa. Inclusive, a OAB é uma defensora dos meios alternativos de resolução de conflito, mas jamais que eles sejam impositivos. Jamais! Inclusive, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art.51, inciso VII, é expresso ao vedar a composição por meio de arbitragem de forma obrigatória, e isso não foi por acaso. A saudosa Dra. Ada incluiu esse dispositivo por um motivo muito específico — viu ali a vulnerabilidade do consumidor, viu ali que aquilo não representaria a defesa do consumidor na prática.
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Nós defendemos com unhas e dentes a valorização do consumidor por meio do enriquecimento dos meios alternativos de resolução de conflito e por meio da estruturação cada vez maior do consumidor.gov.br. Como já foi dito anteriormente, a plataforma não permite a atuação do advogado representando os seus clientes em sua plenitude. Não permite também a atuação do consumidor pessoa jurídica — até hoje isso não é possível. E não há o cadastramento compulsório de empresas. Empresas grandes como a montadora Fiat ou a Sony não estão cadastradas na plataforma.
Nós defendemos, sim, o aprimoramento dessa e de outras plataformas, defendemos, sim, a estruturação cada vez maior dos PROCONs e de todas as entidades civis de defesa do consumidor, mas jamais vamos defender a limitação de acesso ao Poder Judiciário. Isso nunca será admitido. Como o Dr. Luciano Timm expôs, apenas a parcela da população com maior poder aquisitivo acessa de forma contundente o Poder Judiciário. As parcelas mais pobres da população não estão tendo acesso a ele. Como a limitação do acesso ao Poder Judiciário vai melhorar a situação dessa população mais pobre, mais vulnerável?
É preciso garantir o acesso pleno à defesa do consumidor por todas as parcelas da população, e não limitá-lo a um grupo que já detém privilégios, que já detém maior conhecimento, que já detém estrutura para esse acesso.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Augusto de Paula Barbosa, que fala em nome da Ordem dos Advogados do Brasil.
O SR. BRUNO MIRAGEM - Obrigado, Sr. Presidente, Deputado Celso Russomanno. Saúdo V.Exa. e, em sua pessoa, os demais integrantes desta Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados. Saúdo também os meus colegas de audiência pública, Ministro Marco Buzzi, Dr. Igor Rodrigues Britto, Dr. Augusto, Dr. Arthur Rollo, Dr. Luciano Timm, Profa. Marília Sampaio, Dr. Ricardo Chimenti. Deixo, ainda, os meus cumprimentos à equipe da Comissão.
A minha exposição aproveitará, seguramente, muito do que já foi aqui estabelecido, mas eu gostaria de ordenar a minha contribuição para este debate em três classes de ideias.
A primeira delas trata de, digamos, fatos notórios. Há um excesso de litigância, não há dúvida. Há necessidade de redução do número ações, não há dúvida. Os grandes litigantes são identificados. Há aqui um problema significativo que envolve regulação prévia, ex ante de determinadas atividades, por entes reguladores, entes supervisores da atividade econômica.
Quanto a isso, não há nenhuma dúvida.
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Daqui para frente, entretanto, talvez eu faça algumas considerações em discordância ao mérito do projeto. Por quê? Em primeiro lugar, há — na minha impressão, naturalmente — uma falsa impressão de que há baixo custo para os consumidores litigarem no Brasil, porque se reduz esse custo apenas a uma noção pecuniária, monetária — o pagamento, eventualmente, de emolumentos, de taxas judiciais ou coisa que o valha — e se contrapõe isso à gratuidade da Justiça.
Essa, entretanto, não é a realidade dos foros Brasil adiante. Se formos ver, esses custos existem. Existem custos com advogados, se for o caso, se não forem ações nos Juizados Especiais — e, mesmo nos Juizados Especiais, em causas de maior valor, a exigência de advogado implica um custo, por menor que seja. Existe também um custo de tempo, e isso podemos retirar de dados objetivos, ou seja, a pessoa deve comparecer em juízo em uma demanda judicial, seja em uma audiência de conciliação, seja em uma audiência de instrução. Há um custo de tempo também em relação a muitas situações do transporte — o que implica ir a esta audiência. Há dificuldades e às vezes riscos, inclusive, para determinados litigantes, em relação à ausência familiar, à ausência do trabalho.
Então, não é admissível dizer simplesmente que os custos são baixos na perspectiva do litigante a partir de padrões pecuniários. É preciso que se faça essa contextualização.
Ademais, podemos minimizar, naturalmente, o comportamento oportunista, que pode existir, mas que não é a regra. A própria experiência comum de cada um de nós e também a experiência comum — isso é, inclusive, identificado em pesquisas de comportamento, como em estudos da antropologia, especialmente — revelam um número de violações ou pequenas violações de direito que são relevadas pelas pessoas no cotidiano exatamente para evitar o conflito e, no limite, o conflito judicial.
Diante disso, diante desses fatos, também é importante notar que, em termos proporcionais — e isso foi já dito aqui muito bem, inclusive com dados —, os litigantes habituais, na perspectiva portanto dos réus, em inúmeras situações, repetem as pretensões. As pretensões são muito semelhantes, muito parecidas: uma negativa, uma recusa; um vício de um serviço qualquer; ou outras situações conhecidíssimas do Poder Judiciário, como cobranças indevidas, reiteradas vezes, com a mesma justificativa, já impugnada pela Justiça em centenas ou milhares de sucessivas decisões — e esse comportamento se projeta no tempo —, ou situações de contratos que muitas vezes não são adaptados à decisão judicial que indicou a adaptação como necessária. Enfim, há situações que indicam uma uniformidade de comportamento de litigantes ou de réus fornecedores, e não necessariamente de consumidores. Não há uma uniformidade de um comportamento oportunista de consumidores.
Com isso, não digo que não possa haver oportunismo, mas é tópico. Não há nenhum dado que nos indique um interesse ou uma articulação sistemática, estrutural.
De outro lado, também é preciso recuperar — respeitosamente trago isso — a própria essência do Código de Defesa do Consumidor, que tem, digamos assim, as suas virtudes até hoje enaltecidas, destacadas por todos nós. Isto, em grande parte, deve-se exatamente ao fato de ter assegurado o direito de acesso à Justiça, o direito amplo de acesso à Justiça, que, inclusive agora, com a aprovação da Lei nº 14.181, de 2021, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor em matéria de crédito responsável, incluiu regra no tocante ao rol de cláusulas abusivas, inclusive indicando como cláusula abusiva aquela que impeça, de qualquer modo, o acesso aos órgãos do Poder Judiciário. Portanto, eventualmente, um projeto dessa natureza poderia dar um sinal trocado em relação àquela aprovação recentemente feita.
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De outra parte, também penso que não há nenhum antagonismo. Não podemos identificar, de qualquer modo, a busca de meios alternativos de resolução de controvérsias e o direito de acesso ao Poder Judiciário. Explico: já existe — aqui foi muito bem mencionado por diversos expositores, como o Dr. Luciano, o Dr. Igor, a Dra. Marília, o Ministro Buzzi, o Dr. Chimenti — a plataforma governamental consumidor.gov, uma grande plataforma que tem prestado grandes serviços ao País e que tem reduzido, sim, conflituosidade. Mas, em primeiro lugar, ela é uma plataforma de adesão voluntária. Em segundo lugar, ela não deixa de também representar custos à administração pública brasileira, portanto, ao orçamento público. Há custos aqui, claro que custos bem menos significativos, é evidente. Mas não se pode imaginar que não há custos; há custos.
Na verdade, a plataforma, em alguma medida, ocupa um espaço que deveria ser ocupado antes pelos próprios serviços de atendimento dos fornecedores, que, ao não funcionarem, remetem à plataforma. Mas, ainda assim, deve-se dizer que há dados, absolutamente transparentes, de eficiência, de alto nível de resolução. No próprio comércio eletrônico, hoje, há grandes alternativas de resolução on-line mantidas pelas próprias empresas no mundo inteiro.
Chamo a atenção para um ponto fundamental: no mundo inteiro, essas formas de resolução de demandas on-line, todas elas, são fundadas sobretudo na sua reputação, sem obrigatoriedade, sem condicionamentos, inclusive agregando a própria credibilidade do fornecedor que a adota com eficiência. Há experiências no Brasil, mas replicadas de experiências mundo afora, ou seja, as soluções on-line de resoluções de disputas pelos próprios fornecedores, inclusive, agregam-se como um serviço de cumprimento de deveres de boa-fé, de resolução, portanto, agregando a própria atividade ao valor de produtos e serviços comercializados por esses fornecedores, inclusive, em grandes plataformas assim se tem procedido, mas sempre pela reputação, nunca pelo condicionamento.
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Há também um dado importante, do ponto de vista prático — foi dito e sabemos —, que é a vulnerabilidade digital do consumidor hoje em dia. Qual seria comprovação da pretensão resistida? Seria o número do protocolo da forma como é fornecido? Não há, às vezes, sequer condições de identificar esse protocolo. Discutir-se-ia a prova sobre a existência ou não do protocolo de uma eventual reclamação dessa natureza.
E lembro um dado também: embora olhamos o mundo, legislamos para um contexto social e econômico brasileiro, no qual 50,2% da população brasileira adulta, maior de 25 anos, não completaram o ensino básico; no qual quase 30% da população brasileira se inserem entre analfabetos — 9,8% analfabetos funcionais —; destes, grande parte é idosa.
É desses consumidores também que se quer exigir um procedimento prévio, que apenas a ele incumbe, como o acesso a um sistema eletrônico, como um acesso a um canal de contato telefônico, que inúmeras vezes, por razões diversas, não completa a ligação, não fornece os dados, por mais que haja essa obrigação já regulamentada, isso muitas vezes não é cumprido, porque a ligação não completa — insisto — ou porque o dado é oferecido de forma rápida, sem que a pessoa tenha a capacidade de registrá-lo adequadamente ou num momento oportuno. Todas essas situações dificultam, do ponto de vista prático inclusive, essa demonstração, essa evidência, como traz a regra proposta pelo art. 17, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Então, a esses elementos, de fato, trago uma terceira ordem de ideias em relação às minhas restrições, respeitosamente, mais uma vez, a esse projeto. Não no sentido de otimização, mas a este projeto. Por quê? Do ponto de vista técnico- processual — claro que há aqui eminentes juristas muito mais especializados do que eu no tema —, essa distinção que se procura fazer do parágrafo único do art. 17 como condição da ação entre interesses ou espécies de interesses, isso é completamente dissociado de qualquer aspecto da tradição do processo civil brasileiro.
Com base no tipo de interesse, definir-se as condições, isso, de novo, dá um sinal trocado em relação àquilo que o Código de Processo de 2015, que é de ontem, definiu muito bem: para postular em juízo é necessário haver interesse e legitimidade. Definir essa distinção, conforme e qual seja o interesse em situações tais, inclusive, em que na mesma ação poderá ser veiculado mais de um interesse, é absolutamente comum e corriqueiro. Exigir essa evidência, do ponto de vista técnico- processual, no meu modesto entendimento, claro, submetendo à razão de todos os que entendam em contrário, parece-me tecnicamente impróprio, tecnicamente impreciso.
Da mesma maneira, no art. 491, § 3º, na redação proposta: indicar que "na definição da extensão da obrigação, o juiz levará em consideração a efetiva resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor(...)", o sentido está indicado. A razão de ser da regra está posta na própria justificativa, no sentido de desestimular demandas que busquem, especialmente, condenações e indenizações frívolas ou que o valham.
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Mas, a rigor, o texto, tal qual está, também pode definir o inverso, porque, a rigor, aqui também caberá, a permanecer o texto como está, que, em tendo havido a demonstração da efetiva resistência do réu, deveria haver — por que não? — a ideia de condenação também pelo seu comportamento desidioso em relação ao atendimento. Portanto, reincorporando uma discussão que lá atrás não vingou em relação à própria multa civil ou providência equivalente.
Entretanto, parece-me que a ideia de definição da extensão da obrigação do § 3º confunde elementos de direito material. Essa definição da obrigação, quando o pedido é genérico, é a indenização, é o quanto. Mas aqui há elementos de direito material que não se vinculam necessariamente à conduta do réu ou do autor, mas se vincula ao fato, à obrigação, ao título, à causa que gera o exercício da pretensão.
De modo que, com essas razões de ordem técnica legislativa, digamos assim também, respeitosamente, termino minha exposição, reconhecendo o esforço deste Parlamento e dos projetos que aqui se examinam para a otimização dos trabalhos do Poder Judiciário e a eficiência da Justiça, no caso específico, parecem-me inoportunos e tecnicamente imprecisos para trazer a solução que todos pretendemos de melhoria do acesso à Justiça.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Obrigado, Dr. Bruno Miragem.
Eu vou passar a palavra ao Relator para iniciarmos os debates. Antes, informo que os Deputados inscritos poderão interpelar o convidado sobre o assunto da exposição pelo prazo de 3 minutos. O interpelado terá 3 minutos para responder, facultadas a réplica e a tréplica, pelo prazo de 2 minutos, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer dos presentes.
Antes de passar a palavra ao Relator, o Deputado Vinicius, eu gostaria de fazer uma consideração aqui a respeito do que foi falado por duas vezes em relação ao empréstimo consignado. Aí nós vemos a dificuldade de o consumidor fazer uso da sua defesa, inclusive em juízo.
O que ocorre atualmente — e já falei isso aqui várias vezes e tenho pontuado isso nos meus programas de televisão todas as semanas — é o seguinte: o idoso, aquele que está numa cadeira de rodas, aquele que está numa cama, é surpreendido com desconto em sua pensão, aposentadoria, sem nem sequer saber qual instituição financeira lhe fez aquele empréstimo consignado.
O que é mais grave nessa situação é que, muitas vezes, o dinheiro nem chega à conta do idoso, aposentado, pensionista.
Os correspondentes bancários, que literalmente são escondidos pelas instituições financeiras, fazem contratos, falsificam as assinaturas de idosos, aposentados e pensionistas, e jogam na conta do idoso um valor que ele não pediu. Em outras situações, os correspondentes bancários abrem uma segunda conta bancária, sacam o dinheiro e deixam a conta para o aposentado, que terá que buscar seus direitos. Quando esses aposentados telefonam para as instituições financeiras, não conseguem identificar quem praticou a fraude. O aposentado telefona quando isso é possível, porque na maioria das vezes as instituições financeiras só trabalham com endereço eletrônico, ou seja, com e-mails, e a maioria desses aposentados e pensionistas sequer têm Internet em suas casas, dada a situação financeira e a vulnerabilidade em que se encontram.
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Quando a Comissão de Defesa do Consumidor fez a audiência pública, essas instituições financeiras sequer quiseram vir aqui. Pediram que viesse o representante, ou seja, a FEBRABAN. Até hoje, por mais que nós da Comissão de Defesa do Consumidor tenhamos relacionado as instituições e oficiado ao INSS, nenhuma providência foi tomada para evitar que isso continuasse acontecendo. Quando as instituições financeiras cometem esse tipo de fraude, por meio dos seus correspondentes bancários, deveriam ser punidas e impedidas de continuar fazendo empréstimo consignado. Mais de 500 denúncias já foram oficiadas ao INSS. Falo isso para que todos aqui tenham ciência do que acontece. É muito difícil, inclusive, procurar o Poder Judiciário quando não se tem cópia do contrato e quando não se conhece sequer quem praticou a fraude.
As instituições financeiras continuam escondendo os correspondentes bancários. Elas não apresentaram para esta Comissão de Defesa do Consumidor sequer um envolvido nas mais de 500 denúncias de fraudes no empréstimo consignado, oficiadas ao INSS, que aqui chegaram. Sequer apresentaram um desses correspondentes bancários, para que a prática criminosa de falsificação de assinatura e de estelionato fosse apurada e punida. Esta semana, estamos oficiando à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, para que tomem as devidas providências.
Pode ser muito difícil para o consumidor, principalmente para um idoso ou uma idosa, para quem está numa cadeira de rodas, para quem tem pouco conhecimento técnico, acessar sequer a plataforma do Ministério da Justiça para fazer uma reclamação em relação a qualquer instituição financeira.
Parece brincadeira, mas a mesma coisa ocorre quando existe monopólio na prestação de serviço. Por exemplo, aqui foram citadas mais de uma vez as companhias de energia elétrica, que têm monopólio na sua área de atuação e que sequer dão satisfação sobre os seus atos. Elas punem o consumidor unilateralmente quando ele, por algum motivo, tem algum problema no seu relógio. Elas autuam e multam os consumidores.
Mas, quando os consumidores procuram seus direitos nos órgãos de defesa do consumidor, como os PROCONs, essas empresas sequer comparecem para responder pelos seus atos.
Como foi falado aqui, é muito difícil para uma grande parcela da população buscar seus direitos no Juizado Especial de Pequenas Causas, onde, em tese, nem precisaria de um advogado em ações até 20 salários mínimos. Nós temos que voltar nossos olhares para essas pessoas mais vulneráveis. Infelizmente, não temos tido êxito em todas essas ações que nós estamos fazendo contra as instituições financeiras, para que parem essa prática de impor ao aposentado ou ao pensionista empréstimos consignados sem que ele tenha pedido.
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Esta semana, recebi uma denúncia de um correspondente bancário. Ele me disse que quem libera os dados de aposentados e pensionistas para que os correspondentes bancários tenham essas práticas são os próprios bancos. O INSS tem que explicar como os bancos têm acesso a esses dados, que são sigilosos. São dados financeiros e, portanto, sigilosos. Eles não poderiam ser abertos, como determina não só a legislação que trata do sigilo financeiro, mas também a Lei de Proteção de Dados. Mas eles têm acesso ao cadastro de todos os aposentados do Brasil.
Quando a pessoa está prestes a se aposentar, quando faltam 2 ou 3 meses para a sua aposentadoria, ela já começa a receber ligações de correspondentes bancários, que têm a informação de que ela vai se aposentar e que oferecem empréstimos consignados. Esses até fazem os empréstimos com permissão, mas a maioria faz sem permissão, e nós não temos como controlar isso.
Deixo aqui essa informação, para ficarem claras para todos os expositores as dificuldades que as pessoas têm para fazer valer os seus direitos quando não têm conhecimento de quem praticou o crime de estelionato e a falsificação de assinatura.
O SR. VINICIUS CARVALHO (REPUBLICANOS - SP) - Obrigado, Presidente Celso.
Quero agradecer a todos pela presença e pelo enriquecimento do nosso debate nesta audiência pública. Saúdo o Ministro Marco Buzzi, o Juiz Ricardo Chimenti, a Juíza Marília de Ávila e Silva Sampaio, e os advogados Dr. Luciano Timm, Dr. Arthur Rollo, Dr. Igor Rodrigues, Dr. Augusto de Paula e Dr. Bruno Miragem.
Presidente Deputado Celso e demais amigos que acompanham esta audiência pública, o art. 5º da Constituição Federal, inciso XXXII, é bem claro quando diz que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
Tudo que nós estamos fazendo aqui está em consonância com o nosso ordenamento maior.
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Essa matéria é de extrema importância e relevância. Por isso, é necessário termos ouvidos para ouvir especialistas de todas as áreas: Judiciário, PROCONs, entidades ligadas à Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, advogados e a própria população.
Presidente, V.Exa. e eu somos representantes da população e temos a nossa formação jurídica. Eu sou advogado também, embora não militante, por conta dos mandatos de Deputado Federal. Sou advogado especialista em direito do consumidor.
Dentro dessa máxima de que o Estado promoverá a defesa do consumidor, temos que ouvir todos os especialistas, pois cada um tem um posicionamento dentro da sua ótica, da sua área de atuação. Nós não fazemos parte do Judiciário, não fazemos parte da OAB, não fazemos parte do PROCON, não fazemos parte das entidades de defesa do consumidor. Todos têm papel fundamental para o atendimento do jurisdicionado, para o atendimento da população, para o acesso à Justiça.
Há mais de 2 milhões de acessos à Justiça por ano, feito pelas pessoas que requerem seus direitos. Em 2018, segundo informações da nossa consultoria, houve mais de 4 milhões de ações. Segundo as informações que foram passadas, a despesa no Judiciário chega a mais de 100 bilhões de reais, em decorrência dessas demandas judiciais. Portanto, nós temos que fazer uma escolha: ou deixamos tudo como está, para vermos até onde a coisa vai, ou procuramos tomar uma medida, ainda que seja inovadora.
Se for inovadora, haverá resistência de vários lados, principalmente daqueles que, por um motivo ou outro, vão sentir o impacto desta medida. Se eu militasse como advogado, por exemplo, não gostaria que um projeto desse passasse, porque eu teria algo a perder. Se eu fosse militante na área de defesa do consumidor, perderia algumas possibilidades de atuar nos processos. É natural que isso aconteça. Mas o meu papel como alguém ligado ao direito da população, como seu representante nesta Casa, é de ouvir as pessoas.
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Muitas vezes, quando o consumidor faz contato com esses os réus contumazes como alguns bancos, empresas telefônicas e grandes empresas, ainda ouvem: "Vá buscar os seus direitos!" Isso acontece porque todas essas grandes empresas — isso é sabido por todos — já têm dentro dos seus orçamentos, nas previsões anuais de orçamento, as despesas que terão com ações e recursos. Elas não estão perdendo nada.
Eu vou citar aqui um caso, Presidente Celso Russomanno, muito rapidamente. Comprei pela Internet uma cama para a minha casa, para o quarto da minha filha. Nesse período de pandemia, eu uso muito a Internet. Eu virei cliente do Mercado Livre.
Inclusive, quero parabenizar aqui, de público, o Mercado Livre pela sua atuação para resolver conflitos que envolvem consumidores e fornecedores. Quando há um problema, nós acionamos o Mercado Livre, e ele entra como intermediador para resolver aquele problema. Se ele não o resolve por algum motivo, o dinheiro é devolvido. Não se precisa de Judiciário.
No meu caso, tive que tomar a primeira iniciativa. Qual? Tentar resolver a questão da forma administrativa. Eu comprei uma cama de uma empresa, e ela chegou com uma peça quebrada. Eu fiquei 45 dias tentando resolver o problema, e nada, nada, absolutamente nada era resolvido. Vou dizer onde a comprei: foi naquele site da MadeiraMadeira. Quem for comprar neste site, fique atento, porque o serviço é péssimo. E eu coloquei na balança: vale a pena eu entrar na Justiça por causa disso? O custo que existe não são só os 90 bilhões de reais do Judiciário...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. VINICIUS CARVALHO (REPUBLICANOS - SP) - Exatamente, o custo do Judiciário é de 100 bilhões de reais. Obrigado, Presidente Celso Russomanno.
Há o custo do consumidor em usar o seu tempo para tentar resolver um problema que a empresa teria que ter a capacidade de resolver. Muitas vezes, trata-se de um litigante de má-fé, e por isso nós estamos tratando aqui dessas questões. Em consequência, o consumidor deixa para lá.
No meu caso, se eu entrasse na Justiça, o processo levaria no mínimo 6 meses. Eu esperei 45 dias, e acho que eu os venci pelo cansaço, porque eles me mandaram a peça que estava quebrada.
Quando a pessoa tem um problema, ela quer resolvê-lo, ela não quer entrar no Judiciário para ganhar indenização por danos morais. Os juízes muitas vezes decidem e mensuram o dano moral das pessoas sem passar pela situação. Isso é lastimável, ainda mais quando o art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor, fala claramente da inversão do ônus da prova, quando há verossimilhança.
Tem que haver, por parte do consumidor, a efetivação de uma certeza absoluta. O consumidor tem que mostrar, comprovar e convencer o juiz de algo que é seu direito. Muitas vezes, o juiz não lhe dá ganho de causa, dizendo que não vai fazer crescer o instituto do enriquecimento ilícito, do enriquecimento sem causa. Pelo amor de Deus!
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Ainda estou falando do art. 5º da Constituição, da parte que determina que o Estado deve promover a defesa do consumidor. Por isso, é nosso papel fazer esta discussão. Não faremos apenas esta audiência, faremos mais duas ou três, e ouviremos especialistas. Assim, este Relator fará um relatório a quatro mãos para modificar algumas coisas, sem reserva de mercado. Vamos modificar esse texto, sim.
As pessoas querem a resolução dos seus conflitos. Não querem continuar abarrotando o Judiciário, que tem muitas coisas mais importantes a fazer do que, reiteradamente, decidir sobre réus que são litigantes habituais. Eu ainda não vi um juiz que tenha dado uma sentença exemplar para inibir a cultura da litigância dos réus e a cultura da litigância dos autores. Se há essa cultura entre os autores, isso ocorre porque certamente existe essa cultura entre os réus. Se a Justiça desse uma decisão devida, sem olhar o campo de vista moral... Se o juiz não quer dar indenização por dano moral ao consumidor para não enriquecê-lo, então decida que há dano moral coletivo em casos de empresas que reiteradamente praticam atos que acometem inúmeros consumidores. Assim, certamente haveria menos réus, porque muitos problemas seriam resolvidos. Enquanto isso não acontece, é nosso papel, como Estado, promover essa defesa na forma da lei.
Dentro da questão da pretensão resistida, temos que melhorar o texto, observando as explanações brilhantes de todos.
Inclusive, peço aos expositores que nos mandem suas exposições e suas sugestões, se puderem, porque isso será importantíssimo. Ainda que alguns tenham se posicionado de forma contrária ao PL, eu peço a todos que nos ajudem. Esta é a nossa Casa legislativa. Todos sabemos que existe um problema, não podemos fechar os olhos. Então, peço que deixem de olhar do seu ponto de vista contrário ao projeto para construirmos juntos um caminho. O consumidor precisa resolver o seu problema, e não ficar 10, 15, 20 ou 30 dias esperando uma decisão judicial que, muitas vezes, é frustrante e — por que não dizer? — decepcionante.
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Eu parabenizo os expositores pelas apresentações e peço que nos encaminhem as suas sugestões para esse texto, que é de conhecimento público. Assim, ao término das audiências, poderemos apresentar um novo substitutivo, com maior riqueza de informações e mais completo, para atendermos à demanda de que o Estado tem que promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Deputado Vinicius Carvalho, que é o Relator do Projeto de Lei nº 533, de 2019.
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI - Cumprimento o Presidente Celso Russomanno e o Deputado Vinicius Carvalho, que concreta e visivelmente estão engajados em ações de cidadania.
Como eu já afirmei ao Deputado Celso Russomanno, e vou cumprir isso, tomarei a liberdade de endereçar a S.Exa. uma sugestão de adequação de um dos preceitos dessa norma que nós estamos discutindo. Obviamente, S.Exa. é o legislador e fará o julgamento sobre a oportunidade ou não dessas alterações.
Gostaria de respeitosamente propor algumas reflexões, principalmente para os colegas que não estão vendo esse projeto de forma tão abrangente.
Segundo dados internacionais — não de dados de pesquisas brasileiras —, o Brasil é o país com o maior número de ações tramitando nos fóruns, proporcionalmente ao número de habitantes. Ele não é um dos maiores, ele é o maior país do mundo nessa categoria. O Brasil tem, em relação à proporção dos seus habitantes, o maior volume de processos em andamento na Justiça. De quem é a culpa disso? Isso é culpa da mentalidade existente no País. Enquanto nós não mudarmos certas mentalidades, não vamos resolver isso. E mentalidade não se muda de um dia para o outro, ela se muda com muito investimento. Eu e o Chimenti estamos ligados ao FONAJE e ao Conselho Nacional de Justiça há muitos anos. É preciso investir muitos anos, muita política, muito encontro e muita conversa para mudar a mentalidade. É disso que nós estamos falando agora. Este projeto fala de mudança de mentalidade.
Peço que o Chimenti me corrija, por favor, se eu estiver enganado quando digo que há mais ou menos 110 milhões de ações tramitando na Justiça brasileira. E somos mais ou menos 220 milhões de habitantes no Brasil.
Santo Deus! Desculpem o termo que eu uso, mas, se para cada ação é preciso haver um autor e um réu, então existe uma ação para cada brasileiro. Há 110 milhões de ações, e para cada ação precisa haver alguém que a inicie e alguém para responder. Ao multiplicar 110 milhões por 2, na minha matemática, chega-se a 220 milhões. Então, teoricamente, para cada brasileiro, para cada um dos presentes aqui agora, existe uma ação tramitando na Justiça.
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Tudo isso são reflexões. Tudo isso que eu estou propondo agora são reflexões, e peço perdão por tomar-lhes tempo com isso.
O Conselho Nacional de Justiça é o nosso órgão externo de controle da magistratura e das políticas públicas. Graças a Deus, controla também as políticas públicas. Segundo uma pesquisa do CNJ — são dados oficiais, não é achismo —, o juiz brasileiro é o que mais produz no mundo. Não há nenhum juiz no mundo que produza tanto quanto nós, nem o alemão, nem o inglês, nem o americano. Não há nenhum juiz no mundo que produza tanto quanto o juiz brasileiro.
Existe problema na magistratura brasileira? Claro que sim, existem problemas de todas as ordens dentro da magistratura brasileira, problema disso, daquilo, de corrupção, do que se imaginar. Toda e qualquer instituição tem problemas, seja no Brasil, seja no resto do mundo. O Legislativo, o Executivo, o Judiciário, qualquer instituição tem problemas gravíssimos. Nós também temos problemas na magistratura.
Agora, se o critério for produtividade... Peço mil perdões, mas eu estou afirmando que, se o critério for produtividade, nós somos os melhores juízes do mundo. Eu me orgulho de dizer isso. Tenho 39 anos de carreira, sou juiz de carreira. Comecei a minha carreira com 22 anos de idade e estou com 63 anos. Graças a Deus, eu dediquei a minha vida inteira a uma coisa que adoro, que é fazer parte da judicatura, da magistratura, da jurisdição.
O último Código, de 2015, no seu art. 334, criou a audiência preliminar de mediação. Ela não tem esse nome, eu sei que não tem, mas eu vou chamá-la assim. No Código de Processo, ela não tem esse nome. Trata-se de uma audiência feita pelo juiz, pelos advogados e pelas partes antes da contestação. Santo Deus! A ação nem começou, e já fazemos uma tentativa, forjada em lei, para tentar fazer a composição.
A Lei nº 9.099, de 1995, criou os Juizados Especiais. Cá entre nós, falando baixinho, o Juizado Especial deu tão certo que está se inviabilizando no Brasil. O Juizado Especial está ficando inviabilizado, de tão bem que funciona, de tanta gente que atende. Então, nestes dois lugares, nos Juizados Especiais, criados pela Lei nº 9.099, e no CEJUSC...
Deputado Russomanno, cá entre nós, pouca gente no Brasil sabe que existe o CEJUSC — Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos. O CEJUSC está na Lei nº 13.140, na Resolução 125 e no novo Código de Processo Civil. Essa central recebe pessoas que queiram fazer a reclamação que bem desejarem, tenham elas advogado ou não.
E nós chamamos a outra parte, tudo extrajudicialmente, para tentarmos resolver os conflitos.
Caríssimos, eu tenho aqui mais dez itens anotados, mas não vou cansá-los com isso. Mil perdões!
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Existem muitas coisas que já existem, que já estão funcionando. O que falta é mudarmos a mentalidade dos brasileiros, esclarecer principalmente as populações mais carentes de que esse serviço já está à disposição delas e funciona magnificamente bem. Ele não funciona bem, ele funciona magnificamente bem.
Caríssimos, há Varas em São Paulo — São Paulo é o carro chefe, não é, Chimenti? —, há unidades judiciais do Fórum João Mendes em que chegamos a resolver por acordo 32% de todos os processos que entram nas Varas Cíveis. Num mês, resolvemos 32% dos casos. Se entraram mil processos, nós resolvemos 320 por acordo na primeira audiência. As partes saem de lá com acordo homologado pela Justiça. Se o acordo não for cumprido, não há nova ação, há execução. Há execução para o pronto cumprimento.
Então, muita coisa está funcionando, e funcionando muito bem — peço mil perdões, porque sei que estou até um pouco exasperado —, e nós precisamos fazer campanhas de esclarecimento à população.
Deputado Russomanno, eu defendo e apoio esse projeto de lei. Tem cabimento uma ou outra ponderação feita aqui, inclusive feita pelo Augusto? Claro que sim, tem cabimento. Não há nada perfeito, não existe nada ideal, claro. Mas, dentro dessa realidade que nós vivemos, com esse volume imenso de processos, não existe juiz que dê conta de julgar tudo. Nós precisamos criar, ainda que transitoriamente, mecanismos fiscalizados pela OAB, pelo Ministério Público e pelo Judiciário — graças a Deus! — que vão levar alguma chance, alguma perspectiva de resolução dos conflitos, principalmente às populações mais pobres, que o Deputado Celso Russomanno e a sua família sempre atenderam, sempre fizeram questão de atender.
Peço mil perdões, porque sei que faço um discurso apaixonadíssimo. Eu sei disso e peço mil perdões a vocês todos.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Ministro Marco Buzzi, pela sua exposição.
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Creio que as exposições foram muito lúcidas e convergentes, desmistificando alguns dados sobre a ausência de tentativa extrajudicial de solução dos conflitos, conforme muito bem foi dito aqui pelo Dr. Igor, pelo Dr. Augusto e pela Dra. Marília. Na verdade, o cidadão por vezes até procura resolução do problema.
O Deputado Vinicius mencionou uma ocorrência que o envolveu, mesmo sendo ele uma pessoa esclarecidíssima, sendo do ramo, sendo jurista e Deputado Federal. Ele teve problemas seríssimos com uma cama, e a solução levou 45 dias, não é? Às vezes, reclamam que uma solução no Judiciário demora 30 dias. Realmente, há uma sobrecarga gigantesca, conforme o Ministro Buzzi nos esclareceu.
A nossa grande preocupação é em relação ao Judiciário excluir pessoas pela exigência de que fique evidenciada a resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor, como está na redação atual.
O Deputado Russomanno citou os casos de consignações de empréstimos bancários, em que instituições financeiras oficiais deixam de responder pedidos da Câmara dos Deputados. Não dão resposta nem à Polícia Federal.
Como é que um consumidor, um senhor, uma senhora, um idoso, simples e humilde, vai conseguir demonstrar a evidência dessa resistência do réu em satisfazer sua pretensão? Não estamos aqui pensando só em relações de consumo. Como aqui foi dito, isso envolve um universo gigantesco de ações — bem ou mal, alimentos são indisponíveis, mas são transigíveis, então podemos classificá-los, lato sensu, como direitos patrimoniais disponíveis.
Não é à toa que o Judiciário consuma recursos públicos, já que ele é um grande prestador de serviços aos cerca de 5.570 Municípios do País.
É necessário que exista razoabilidade, e daí essa proposta que temos no FONAJE para a redação. Se em algum momento o Legislativo, com toda a sua autonomia, entender que é necessária a demonstração de interesse processual na modalidade de interesse e necessidade, deve bastar para tanto que se demonstre, por qualquer meio idôneo, que se fez uma comunicação, que se fez um telefonema com duas pessoas ao seu lado testemunhando. Conforme foi dito, parece-me que pelo Dr. Augusto, às vezes as pessoas ficam horas ao telefone para conseguir um atendimento eletrônico. Então, sugerimos que a demonstração seja feita por um meio idôneo. Vamos seguir um passo a passo.
Conforme o Ministro Buzzi bem definiu, é necessário haver uma mudança de cultura. A mudança é salutar, o avanço é salutar, desde que haja esse cuidado para não excluirmos o acesso das pessoas ao Judiciário. E, sim, muitas pessoas humildes procuram o Poder Judiciário, nos diversos âmbitos. Não procuram tanto em relação de consumo, porque, infelizmente, muitos sequer têm recursos para consumir, para comprar um eletrônico, para comprar algum produto que pudesse gerar uma demanda.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Ricardo Chimenti, juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo. Obrigado, inclusive, pela amizade que nos cerca há tantos anos.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Passo a palavra agora à Dra. Juíza Marília de Ávila e Silva Sampaio, representante da Associação de Magistrados Brasileiros — AMB.
A SRA. MARÍLIA DE ÁVILA E SILVA SAMPAIO - Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a possibilidade de participar desta audiência pública e de fazer um registro do ponto de vista pessoal.
Como magistrado de primeira instância, atualmente sou titular de um Juizado Especial aqui no Distrito Federal.
Alenta-nos a alma quando ouvimos um representante de uma Corte Superior do Brasil falar com tanta paixão e com tanta emoção em relação a questões que nos são muito caras. Às vezes, em função das metas, dos prazos e, de fato, do avassalador volume de trabalho que nos é cometido, tendemos a nos encastelar, a achar que estamos sozinhos, a pensar que é um problema que não tem solução.
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Quando uma audiência tão qualificada se reúne exatamente para se dedicar ao debate dessas questões, inclusive na perspectiva da atuação profissional do magistrado, isso é um ponto positivo. E nos conforta saber que estamos fazendo parte de um projeto muito maior. Conforta-nos também sabermos que, ao fim e ao cabo, nós temos mais convergências do que divergências em relação ao que está sendo apresentado.
Quais são as convergências? A necessidade de uma mudança de mentalidade, sem sombra de dúvida. É necessário que haja uma preocupação extrema em não excluirmos a massa de pessoas que têm, no Judiciário, o último baluarte para a defesa dos seus direitos, pessoas que já tentaram em outras instâncias, que já procuraram, que não têm acesso mesmo ou que não têm informação. Enfim, a plêiade de situações é enorme, é muito variada, é muito grande. E, sim, nós temos que ter uma preocupação extrema com essas pessoas. Não é possível excluí-las.
Nós temos que considerar, como foi dito pelo Dr. Igor de uma maneira bastante feliz, que existem empresas que têm, sim, interesse em resolver os problemas e existem outras que não têm. Existem canais que são extremamente eficientes. Só que, na discussão de um debate tão amplo, com um universo de interessados tão distinto, às vezes, pautarmos a discussão pela perspectiva de uma determinada experiência ou de uma determinada classe talvez não atenda às necessidades dos cidadãos como um todo. E esta é a dificuldade de se legislar, quer dizer, esta é a beleza e a dificuldade da legislação: pretender regular a questão de maneira tão abstrata e tão geral que venha a atender ao maior número de pessoas possível. Exatamente por isso é que é necessário que se faça um contraponto. Os números em relação a determinadas questões mostram uma determinada realidade, mas outros tantos, em cotejo com os apresentados, sobretudo no que diz respeito aos custos dos direitos, enfim, os que mostram a margem de excluídos, de consumidores e de cidadãos que ficam de fora do processo, também têm que ser considerados.
Além disso, temos as questões técnicas envolvidas na proposta de regulamentação da questão. E, do ponto de vista técnico, há toda evidência de o projeto apresenta problemas. Se é possível a melhoria, se é possível encontrarmos um denominador comum, creio que sim, sempre. Isso é democracia. O diálogo aberto, franco, profícuo, sincero e leal é sempre, sempre, extremamente bem-vindo.
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Então, em que pese a manifestação da AMB em relação ao projeto proposto, na forma como foi proposto e com a redação que foi apresentada, tenha sido pelo encaminhamento contrário à apresentação, isso não significa que o debate não tenha que continuar, que não deva continuar. Ao contrário, é sempre muito salutar quando percebemos que existe, sim, boa vontade, boa-fé e abertura para que nós possamos democraticamente estabelecer um debate em que as posições antagônicas sejam de fato respeitadas e ouvidas.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dra. Marília de Ávila e Silva Sampaio, Juíza representante da Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB.
Aqui está o nosso apaixonado Ministro Buzzi. Que bom que, depois de tanto tempo de profissão, o senhor continua entusiasta e apaixonado! O senhor é um exemplo, sem dúvida nenhuma, a ser seguido.
Essa questão da mudança de cultura, a que o senhor se referiu, é uma realidade. A questão é: será que se faz mudança de cultura a partir de lei?
O Deputado Vinicius Carvalho citou o exemplo do Mercado Livre. Eu acompanhei essa mudança de cultura dentro do Mercado Livre. Eu lembro que, no final de 2017, o Mercado Livre assinou o termo de adesão à plataforma consumidor.gov.br. Mas uma coisa, Ministro, que o Mercado Livre deixou claro naquela ocasião é que ele ia criar uma série de mecanismos internos para a resolução dos conflitos dentro da estrutura da empresa, e não deixar que isso, pura e simplesmente, fosse parar no site consumidor.gov.br.
Isso, como o Deputado Vinicius constatou, acabou gerando uma melhoria no trabalho deles, cujo volume de processos acabou reduzido. Mas ainda temos problemas em relação ao Mercado Livre também: a questão dos produtos falsificados, etc., que está em discussão; a questão das formas de pagamento. Como o senhor disse, nem tudo é perfeito.
Em relação ao decreto que trata do SAC, eu me lembrei — e o Deputado Vinicius Carvalho também dividiu uma experiência pessoal dele que, sem dúvida nenhuma, todos temos — que ele surgiu de uma experiência do então Ministro da Justiça Tarso Genro. O Ministro tentou resolver um problema dele com a empresa de telefonia e não conseguiu. Então, pensou: "Se eu que sou Ministro da Justiça tento resolver meu problema e não consigo, significa que a coisa não está funcionando direito". E aquele decreto funcionou bastante. Houve uma grita geral por parte das empresas, ele funcionou por um período, mas acabou em desuso pelo tempo decorrido.
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Foi aqui citado o CEJUSC — Centro Judiciário de Solução de Conflitos, mas eu, Dr. Chimenti, já participei de várias audiências de conciliação nos Juizados Especiais, por exemplo, tentando promover a conciliação, de que sempre fui um entusiasta. É comum comparecer um preposto contratado, que nem tem vínculo com a empresa, nem sabe o que está acontecendo, ou um mero advogado audiencista, que não tem autonomia nenhuma.
Uma vez, num dos eventos de que eu fui participar no Rio de Janeiro com o Judiciário, um juiz relatou, dando-lhe até tons de anedota, uma experiência triste. Ele foi fazer uma audiência, perguntou para o advogado do autor do que se tratava, e o advogado do autor não sabia. Perguntou para o advogado do réu, e o advogado do réu também não sabia. O réu mandou lá um preposto. Enfim, ninguém estava sabendo de nada do que estava acontecendo na audiência.
Muitas vezes, a presença das empresas nas audiências de conciliação é meramente protocolar, não tem o fim de promover a conciliação.
Então, eu acho que se tem que concentrar foco nos grandes litigantes sim. Foi mencionado o CEJUSC, que funciona muito bem. Agora, é preciso focar nos grandes litigantes, nas grandes empresas, que são as freguesas.
Eu sou um curioso do tema. Quando ia às audiências presenciais nos JECs, eu pesquisava os fregueses da Justiça. Eu ia de uma vara do JEC para outra, e os fregueses eram os mesmos. Então, a sugestão é cuidar dos grandes fregueses do Judiciário, que são também os grandes fregueses dos PROCONs. Como disse muito bem o Dr. Bruno Miragem, geralmente são os serviços regulados que mostram que está faltando exercer bem o poder de polícia e a regulação. Se nós tivéssemos um bom exercício do poder de polícia, uma boa regulação, com certeza, teríamos menos processos.
Então, eu acho que os pontos de vista são convergentes. A ideia aqui é o aprimoramento, não é cada um tentar defender o seu. A ideia é defender um projeto de lei que funcione e que seja bom para a sociedade, porque, se o processo demora, o advogado, sem dúvida nenhuma, é um dos maiores prejudicados, pois ele tem todo o interesse em que o processo ande rápido para ele conseguir receber os honorários, pegar outros processos e fazer um círculo virtuoso, pegar conciliações — o advogado é entusiasta da conciliação também.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Arthur Rollo, Coordenador do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor e ex-Secretário Nacional de Defesa do Consumidor.
O SR. IGOR RODRIGUES BRITTO - Deputado Celso e Deputado Vinicius Carvalho, depois de ouvir todos os que participam desta Mesa, as ilustres autoridades que V.Exas. conseguiram reunir — eu me sinto muito honrado de ter participado desta audiência pública —, eu queria destacar, nesta minha fala final, que nós do IDEC estamos plenamente de acordo com as problematizações e as análises, as avaliações que fizeram o Deputado Celso e o Deputado Vinicius.
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12:00
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Nós acreditamos que esse texto está espalhado também em outras propostas legislativas no Congresso Nacional e talvez esta seja uma janela de oportunidade única de o Congresso Nacional e o Judiciário conseguirem resolver, ouvindo todos os demais setores de Justiça e da sociedade civil, problemas estruturantes da política de justiça e problemas estruturantes do acesso de brasileiros à Justiça.
Depois de ouvir as falas, especialmente do Excelentíssimo Ministro Marco Buzzi, da Dra. Marília e do Dr. Ricardo, eu gostaria de convidar a todos, principalmente as magistradas e os magistrados, a conhecerem um conjunto de dados, Excelências, que são pouquíssimo analisados e valorizados no Brasil. Refiro-me ao conjunto de dados, reunidos há décadas, do nosso sistema público de solução alternativa de conflito de consumo, que não é reconhecido como tal no Brasil.
O Brasil possui o maior sistema público de solução alternativa de conflitos de consumo do planeta. Desde a constituição do IDEC, há 33 anos, nós estudamos as iniciativas de direito de reclamação dos consumidores existentes ao redor do mundo. Em nenhuma parte do mundo há uma estrutura do Poder Executivo que conte com mais de 800 órgãos estaduais e municipais de defesa do consumidor. Refiro-me aos PROCONs, mais às agências reguladoras e mais agora a outros sistemas públicos, como SERJUS e o consumidor.gov.br.
A reunião desses dados, Ministro Marco Buzzi, Dra. Marília e Dr. Ricardo, fez o IDEC concluir, há muitos anos, que esse sistema reunido não está sistematizado, porque esses órgãos não dialogam plenamente entre si. Mas, se reunirmos esses dados, nós vamos identificar que o volume de atendimento do Poder Executivo, da administração direta e indireta — tanto os PROCONs quanto as agências reguladoras — na solução desses conflitos para as empresas é quatro vezes maior do que o Judiciário no que diz respeito aos conflitos de consumo — é claro, Ministro, que são conflitos de complexidade muito inferior à dos conflitos administrados pelas magistradas e pelos magistrados no Brasil.
Isso significa, Ministro, Deputado Celso e Deputado Vinicius, que o brasileiro é o consumidor, no mundo, que mais respeita e prestigia as soluções alternativas de conflitos de consumo. Quando nem existiam essas instituições ao redor do mundo, em 1984, o brasileiro já frequentava os primeiros PROCONs do Brasil, que serviam unicamente para tratar a autocomposição. De lá para cá, como eu mostrei nesses dados, o volume desses atendimentos tem sido maior do que a demanda judicial, porque o brasileiro é o que mais, no mundo, procura não judicializar, é o que mais evita a judicialização.
É claro que, como eu disse, essas demandas que chegam ao Judiciário são muito mais complexas do que as que chegam ao Executivo nesses atendimentos dos PROCONs, das Defensorias Públicas e das agências reguladoras. Porém, os dados do Conselho Nacional de Justiça e outras pesquisas feitas sobre os maiores litigantes, bem como as últimas do CNJ que resultaram na lista dos maiores cem litigantes — terminou em 2014, mais ou menos, mas a AMB continuou conduzindo essas pesquisas —, indicam que a grande maioria desse trabalho árduo dos magistrados, Ministro, no que diz respeito aos conflitos de consumo, condena as empresas.
Ou seja, o Judiciário brasileiro reconhece, na grande maioria das demandas, que o consumidor tinha razão no seu pleito — consumidor esse que, ao fazer essa jornada, gastou o seu tempo pessoal perante as empresas e um enorme recurso público na fila dos PROCONs, na fila da Defensoria Pública, nas filas das agências reguladoras.
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Quando tratamos do Judiciário, esses dados do CNJ indicam, Deputado Vinicius e Deputado Celso, que, dessas cem milhões de ações que desde 2010 até hoje orbitam no Judiciário, mais de 50 milhões, ou seja, mais da metade, têm os mesmos autores: a Fazenda Pública Nacional, Estadual e Municipal. Em alguns Estados, mais da metade das ações foram propostas por cinco pessoas jurídicas de direito público.
Portanto, os consumidores não são os maiores litigantes, nem como autores, nem como réus. As pessoas físicas no Brasil não litigam nessa proporção. Quem propõe ações no Brasil, na sua grande maioria, é o próprio Poder Executivo, e, no polo passivo, nós vamos encontrar uma lista de aproximadamente 50 CNPJs de instituições financeiras, concessionárias de energia elétrica e, atualmente, na pandemia, operadoras de turismo e seguradoras. Esses CNPJs identificados pelo CNJ no polo passivo das demandas são os mesmos que integram a lista das empresas mais reclamadas nos PROCONs.
No IDEC, nós vamos continuar insistindo durante muito e muito tempo em que a solução, no que diz respeito aos conflitos de consumo — que não são os conflitos que afogam o Judiciário, não são o gargalo do Judiciário, mas ainda sim ocorrem uma proporção grande —, está em resgatar propostas como a que o Deputado Vinicius Carvalho mencionou — e eu fiquei muito feliz de ouvi-lo dizer isso — e o Dr. Bruno Miragem há muitos anos vem defendendo nas suas obras: o resgate da multa civil, o resgate das penalidades coletivas para esses réus que estão contribuindo para esse gargalo do Judiciário, estão deixando de utilizar seus recursos próprios para atender às demandas no SAC, nas suas ouvidorias, e estão usando o Poder Executivo e o Poder Judiciário como seu setor de atendimento.
Volto a dizer que os dados provam aquilo que nós agentes de defesa do consumidor já sabemos há muito tempo: o brasileiro não gosta de litigar; ele faz isso como última alternativa. Ele é, efetivamente, uma minoria entre os que investem muito tempo e acabam gastando recursos do Executivo na solução alternativa.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Igor Rodrigues Britto, Diretor de Relações Institucionais do IDEC.
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O SR. AUGUSTO DE PAULA BARBOSA - Muito obrigado, Deputado Celso Russomanno. Agradeço, mais uma vez a V.Exa. o convite para participar desta audiência pública.
Direciono novamente a minha fala ao Exmo. Ministro Marco Buzzi e agradeço imensamente a oportunidade de debater o tema, o que está se tornando tão raro no País atualmente. Com a polarização que hoje vemos, parece que as opiniões divergentes não conseguem mais formar uma síntese, com a tese e a antítese. Infelizmente, nós não temos tido essa oportunidade.
Eu posso dizer que eu fico muito feliz não apenas de ter esta oportunidade de debater com V.Exa., mas com honra de debater com um Ministro do STJ, falando do interior de Minas Gerais. Isso, para um advogado do interior, é uma verdadeira honra. Agradeço muito essa oportunidade.
Voltando à questão discutida, acho que é um fato incontroverso, Ministro, que, de fato, há um número exacerbado de processos em trâmite no Brasil. Agora, imagine se não tivéssemos os meios alternativos de solução de conflitos que temos hoje, já apresentados pelo Dr. Igor, qual seria a situação do Judiciário brasileiro! Porque esse número existe apesar dos meios alternativos de resolução de conflitos.
Então, nós temos que focar na causa desse grande número de processos, não podendo simplesmente limitar os meios de acesso ao Judiciário sem saber o que está causando esse número cada vez maior de processos. Eu volto a dizer que a situação demonstra que esses grandes litigados, essas grandes empresas que representam a maior parte do polo passivo atualmente são as responsáveis por essa quantidade de processos.
Eu vou a fazer um paralelo com a tragédia terrível que o mundo está vivendo com a questão da COVID: não é o problema específico da doença, ou, em segunda instância, o que ela causa em 10 pessoas, mas o que ela causa quando atinge milhões e milhões de pessoas. O índice de mortalidade dessa doença é de 1%, 2%. O problema é a quantidade de pessoas que contrai essa doença, por causa do alto grau de contágio que ela tem. O problema aqui é que há um aumento vertiginoso na quantidade de pessoas violadas que têm seus direitos violados e, consequentemente, um aumento no número de demandas que não muda a proporção, como os fatos que o Dr. Igor apresentou deixaram bem claro. O que ocorre é que algo está causando o aumento no número de processos, e é essa causa que nós devemos combater. É claro que a OAB se coloca à disposição para auxiliar no que for necessário na revisão desse projeto para que essa causa seja de fato atingida.
É motivo de comenda o fato de a produtividade dos magistrados brasileiros ser a maior do mundo, mas é também motivo de preocupação, porque demonstra que há um excessivo trabalho concentrado em poucas pessoas. E não é reduzindo o poder de ação que nós vamos resolver esse problema. A proporção de violações vai acabar aumentando e novamente nós teremos, não a longo prazo ou a médio prazo, mas a curto prazo, um novo aumento no número de demandas judiciais.
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Eu acho que a causa deve ser analisada. Talvez seja o caso de pensarmos em multas, como o Dr. Igor bem falou. Mas podemos também pensar, se as empresas entendem que é lucrativo desrespeitar a lei, como eu falei, em transferir para elas os encargos das custas judiciais — que as empresas, e não o consumidor, assumam esses encargos das custas judiciais —, exceto, é claro, quando comprovada a litigância de má-fé, a lide temerária. Nesse caso, o consumidor deve ser punido não somente com as custas, mas também com as multas previstas em lei, porque nós também temos que combater as exceções à regra e os abusos de qualquer das partes. A ideia seria, portanto, deixar, em regra, esses encargos para as empresas.
Eu duvido que esse custo elevado para as empresas não tenha reflexos em sua forma de atendimento ao consumidor, nas suas estruturas para tratar reclamações e prestar informações e até mesmo na qualidade dos serviços e produtos oferecidos. Eu tenho certeza de que isso aconteceria, porque o lucro que eles estão apontando ao desrespeitar a lei não vai ser mais tão incisivo. Isso vai gerar uma mudança de pensamento. É só uma proposta inicial, que deve ser amadurecida, assim como a proposta do Dr. Igor.
Eu acho que nós somos convergentes nessa ideia de que realmente há um número excessivo de processos. Mas o motivo está nos demandados, e não nos demandantes. Nós temos que proteger o consumidor, como o Deputado Vinicius Carvalho leu no art. 5º, inciso XXXII, da Constituição: "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Isso é cláusula pétrea. Nós devemos valorizar e cada vez mais estimular a aplicação desse dispositivo, que é direito e garantia fundamental da nossa Carta Magna.
Acho válida a proposta do Dr. Ricardo Chimenti sobre a comprovação simples de uma tentativa de contato com o fornecedor. Como eu disse, eu estou falando do interior de Minas Gerais. Eu sou procurado por colegas advogados formados na área jurídica sobre como proceder em determinados casos referentes à defesa do consumidor por ser Presidente da subseção da minha cidade. Se até mesmo os colegas não sabem como agir — mesmo porque não há, na grade curricular de muitos cursos de graduação, uma matéria de direito do consumidor —, o que dizer da população que não tem educação para o consumo, educação sobre a legislação de defesa do consumidor?
Qual tem sido sempre a minha orientação básica? Eu ainda prefiro o telefone. Buscar pelo WhatsApp parece ser mais rápido, mas falar com um robô simplesmente não traz solução, leva a uma irritação instantânea e estimula desistência. O telefone, por mais difícil que seja, ainda é o meio mais fácil de conseguir contatar o fornecedor. Então, sempre recomendo papel e caneta na mão, para anotar data e horário e número do protocolo. É importante exigir que esse número seja informado no começo, o que é, como bem lembrou o Dr. Arthur Rollo, uma obrigação da empresa, estabelecida pelo Decreto nº 6.523, de 2008. Mas quem tem esse conhecimento? Nem mesmo os advogados o têm. Nós não podemos simplesmente concluir e presumir que o consumidor médio vai ter conhecimento dessa conduta, quando, muitas vezes, o que nós recebemos, os PROCONs recebem, são faturas de serviços de telecomunicações com um tanto de protocolo anotado de dezenas de contatos.
Com certeza, a Dra. Marília Sampaio já se deparou com documentos dessa natureza instruindo processos — faturas cheias de números anotados pelos consumidores sem referência alguma de data, do nome dos atendentes ou do assunto que foi tratado. Falta muito para chegarmos a esse ponto, por mais simples que seja.
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Eu acho que as empresas têm que ter esse contragolpe. E lembro que elas também são muito litigantes. O Dr. Igor deve se lembrar de uma reunião em 2019 — uma situação pré-pandemia, ainda curtindo uma reunião presencial —, em que a ANATEL nos expôs a sua atuação firme em face dos abusos das empresas de telecomunicações, mas nos revelou que um ínfimo percentual das multas que aplicava era realmente pago, porque essas empresas recorriam à Justiça e perpetuavam ações da pior forma possível, conseguindo, muitas vezes, reduzir drasticamente os valores das multas impostas. Isso também tem que ser levado em consideração. A própria agência reguladora nos trouxe essa informação, alertando: "Olhe, nós da ANATEL estamos atuando, mas precisamos de apoio. Sozinhos podemos fazer pouco ou nada".
Eu acho que isso estimula medidas preventivas contra violações na legislação de defesa do consumidor e, automaticamente, funciona como uma vacina — voltando à analogia com a COVID —, diminuindo drasticamente o número de ações no médio prazo ou no longo prazo. A educação para o consumo, a educação da legislação vai demandar bastante tempo e muito esforço de todos os setores, públicos ou privados, mas eu acho que é o caminho a se trilhar.
Finalizando a minha fala, eu faço uma ressalva ao que disse o Deputado Vinicius Carvalho. Eu realmente vi uma evolução na forma de atuação do Mercado Livre, mas ainda está muito aquém do ideal. Não sei se o Deputado percebeu, mas, quando pediu um reembolso de uma compra referente a um produto que devolveu, foi obrigado a abrir uma conta no Mercado Pago para receber o seu dinheiro. Não foi reembolsado da mesma forma que pagou, seja por débito em conta, seja por PIX, seja por cartão de crédito. Teve que abrir uma conta no Mercado Pago, teve que fornecer seus dados para alguma instituição financeira e teve uma dificuldade maior para transferir o seu dinheiro para a sua conta bancária. Esse é só um exemplo.
O atendimento do Mercado Livre antes não existia. Essa é a realidade. Não havia sequer um SAC no Mercado Livre. Agora, pelo menos é possível o contato com a empresa, mas ainda é muito deficiente. Eu falo de uma situação pessoal. Um cartão meu venceu, e eu o substituí, mas não consegui fazer isso sem realizar uma nova compra. E ninguém me informou isso pelo SAC da empresa. Precisei entrar em contato com o consumidor.gov.br para saber como cadastrar um novo cartão de crédito. Isso não pode ser admitido.
Nós estamos numa situação de constante militância e de constante busca pela evolução da defesa do consumidor no Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Agradeço ao Dr. Augusto de Paula Barbosa, membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB.
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Agora, quando a compra é feita e o prazo de entrega é longo — e a maioria das empresas fazem isto quando querem dar golpe: estendem o prazo de entrega para 30 dias, 60 dias—, o Mercado Livre não devolve o dinheiro, porque já pagou ao fornecedor. Ele nem sequer se responsabiliza. Existem práticas do Mercado Livre com relação àqueles que colocam seus produtos para vender. Eles são obrigados a transitar pelo Mercado Pago em uma verdadeira venda casada. Nós recebemos uma quantidade grande de denúncias de pessoas que estão sendo vítimas dessas práticas inclusive na venda de produtos.
Para se ter uma ideia, há pessoas que colocam produtos para serem vendidos no Mercado Livre, e eles nem sequer devolvem os produtos que ficaram à disposição dos consumidores nos galpões de logística da empresa. O Mercado Livre destrói os produtos sem autorização dos seus proprietários, impõe práticas abusivas através da aceitação do aplicativo. Há todos os problemas possíveis e imagináveis.
O Deputado Vinicius, em um momento, precisou e foi atendido, mas, na maioria das vezes, não é isso o que acontece. Eles não dão satisfação do que fazem. É uma situação extremamente complicada. E isso não acontece só nessa plataforma de venda, mas em outras também.
Eu chamo a atenção para o Decreto nº 6.523, de 2008, que fixa as normas do SAC. No art. 15, § 3º, ele estabelece que as gravações das chamadas feitas em atendimento ao consumidor devem ser mantidas pelas empresas.
Então, eu acrescentaria à sua fala, Dr. Augusto, a gravação das conversas. Eles estão gravando do outro lado, mas, em hipótese nenhuma, ninguém, seja a autoridade que for, vai conseguir essa gravação. Então, além de dados de horário, de quem prestou o atendimento, do número do protocolo, grave também a conversa para que você tenha algum tipo de garantia. Hoje os contratos são feitos por telefone, principalmente os firmados com as empresas de telefonia. Elas mantêm as gravações para preservar seus direitos, mas, de forma nenhuma, entregam essas gravações aos consumidores.
Então, mais uma vez, nós vemos a vulnerabilidade do consumidor, a hipossuficiência do consumidor quando se trata de tentar fazer valer os seus direitos.
É por isso que eu acho que a aplicação da inversão do ônus da prova, que está no texto do Código de Defesa do Consumidor, Ministro Marco Buzzi, não deveria ser só a critério do juiz. Isso deveria acontecer em todas as ocasiões em que o consumidor se encontrar em condição hipossuficiente e não tiver provas. Nada lhe foi entregue — o orçamento prévio, o contrato, a nota fiscal —, absolutamente nada.
Nesta semana, eu fiz a reportagem — ela ainda vai ao ar no sábado — de um rapaz que vai a uma assistência técnica multimarcas trocar a tela do celular, o que é a coisa mais comum que existe hoje. Todo mundo, em determinado momento da vida, deixa o celular cair no chão e quebra a tela.
Ele vai a uma assistência técnica multimarcas, e é trocada a tela do celular. No dia seguinte, a tela do celular para de funcionar. Ele volta à assistência técnica, que diz que ele bateu o celular e perdeu a garantia. Depois de muita insistência, a assistência técnica conserta o aparelho de novo. Um dia depois, ele se vê na mesma situação: a tela para de funcionar. Ele vai reclamar os direitos dele — a assistência técnica não deu o CNPJ e disse que, se quisesse encontrá-lo, ele teria que pesquisar no Google a existência de um CNPJ —, mas não tem o nome da empresa, só tem o nome de fantasia. A ordem de serviço não tem absolutamente nenhum dado, e a dona da empresa disse: "Olha, vá lá procurar seus direitos".
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Quando eu cheguei fazendo a reportagem ao lado dele, ela ainda teve a pachorra de dizer que ele tinha perdido a garantia sem nem ter verificado o que havia acabado de acontecer no celular dele, que não era um problema de tela quebrada, e, sim, um problema de conexão do software.
O SR. BRUNO MIRAGEM - Obrigado, Deputado Celso Russomanno. O seu abraço será transmitido. Eu, muito brevemente, quero cumprimentar todos, especialmente o Deputado Vinicius Carvalho pela exposição.
Acho que, desta audiência, em primeiro lugar, houve um momento inspirador. De fato, nas discussões aqui, não há qualquer censura. Absolutamente pelo contrário, só há que se enaltecer o trabalho do Poder Judiciário, aqui bem representado por magistrados das três instâncias, desde o Ministro Buzzi; o Dr. Chimenti, do Tribunal de Justiça de São Paulo; e a Dra. Marília. O Judiciário brasileiro trabalha muito e trabalha bem.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Dr. Bruno, deixe-me interrompê-lo só um minutinho? O Ministro Marco precisa sair.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Tem a palavra o Dr. Bruno.
O SR. BRUNO MIRAGEM - Na verdade, deve-se ao Poder Judiciário, em grande medida, essa efetividade também do nosso Código de Defesa do Consumidor.
Agora, por outro lado, também ficou bem caracterizado, no meu modo de ver, que a restrição do acesso ao Poder Judiciário, se houver, precisa considerar este dado objetivo, muito preciso, que foi trazido agora, mais uma vez, pelo Dr. Igor Britto nas demandas de consumo, quando identifica, a partir de dados do CNJ, que os grandes litigantes em matéria de consumo representam 50 CNPJs.
Isso significa dizer que são 50 grandes litigantes. Claro que isso é próprio de um país continental como o Brasil, que tem um mercado de consumo de escala, mas são 50 litigantes como réus.
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Eu acho que este é um elemento fundamental. Não há, em todos os dados apresentados, elementos para justificar litigantes habituais numa escala tal a demandar uma alteração no Código de Processo Civil em relação a autores dessas demandas.
Sobre autoria, foi dito aqui pelo Dr. Igor ou pelo outro colega — não lembro e por isso peço perdão — que os autores consumidores não se repetem, pelo menos não do ponto de vista estatisticamente representativo. São episódicas as demandas de autores consumidores. Ao contrário, quanto aos réus há uma repetição, há essa litigância de massa, o que nos induz desde logo a considerar que esse comportamento e os incentivos a esse comportamento já estão presentes no sistema. Então, me parece que esse dado decisivo faz com que a discussão sobre a redução de demandas não deixa, como eu disse na minha exposição inicial, de incentivar meios alternativos.
Aqui uma nota fundamental foi dita — eu a destaco com muita ênfase — sobre o papel dos CEJUSCs nesse trabalho de conciliação, porque são órgãos do Poder Judiciário na fase conciliatória, realizando a missão que o Código de Processo Civil de 2015 determinou. Agora estão inclusive revalorizados pela alteração no Código de Defesa do Consumidor com a Lei do Crédito Responsável. A conciliação vai se dar não apenas, mas predominantemente por intermédio dos CEJUSCs.
Mas todas essas são, digamos assim, respostas parciais, que devem se somar. Não há — perdoem-me a expressão não técnica — uma bala de prata, e sequer esse projeto, se aprovado, seria uma bala de prata. Ao contrário, os riscos de se restringir o acesso ao Judiciário por intermédio de uma alteração dessa profundidade nas condições da ação são maiores inclusive no sentido de incentivar a lesão a direitos, porque a rigor nós teremos, dentre as várias respostas que hoje bem ou mal os maus fornecedores... Os bons fornecedores não têm grande dificuldade, aqueles que cumprem as regras não têm dificuldade, mas os litigantes habituais, sobre os quais vão eventualmente repercutir essas demandas, vão ficar a rigor reduzindo o custo. E esse custo que se reduz não é ao Poder Judiciário stricto sensu. Esse custo que se reduz ao se limitar a ação dos consumidores é aos fornecedores que violam direitos.
Não retirando o mérito da preocupação, parece-me que a estratégia hoje — naturalmente, essa é a minha ponderação, mas a inteligência e a reflexão são do Parlamento — tem que ser mais abrangente, ou seja, tem que avançar também sobre as causas dessa violação reiterada e, por outro lado, naturalmente, sobre os incentivos necessários para o cumprimento das normas.
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Modelos de incentivo. A própria Lei nº 14.181, de 2021, agora está tratando de matéria de crédito. O juiz vai ter poderes para ingressar no conteúdo da obrigação, impondo sanções àqueles que violam direitos, que não cumprem dever de informação, que não cumprem dever de oferta, que assediam consumidores. A lei definiu ao juízo o poder de impor redução de encargos, redução de juros, revisão da obrigação. É um poder fortíssimo, que deve servir justamente para incentivar o fornecedor a se adequar às regras, ou seja, a cumprir ex ante, a cumprir cooperativamente. Medidas dessa natureza se justificam e talvez sejam mais efetivas do que simplesmente restringir, porque restringir na verdade vai causar o risco significativo, com todo o respeito à opinião contrária, de se reduzirem demandas, mas artificialmente. Vão se reduzir as demandas formais no Poder Judiciário, mas não se vai reduzir a litigiosidade, que estará contida na sociedade brasileira, embora muitas vezes não mais sendo veiculada pelo Poder Judiciário.
Foi dito aqui com muita precisão, salvo engano pelo eminente Deputado Vinicius Carvalho, que no Brasil há vários brasis. O Brasil é o da Capital de São Paulo, o da minha Porto Alegre, o de Brasília, bem como é o dos rincões do Brasil, de gente muito simples, de gente com deficiências de formação educacional expressiva, de idosos, de pessoas que não se relacionam como nós nos relacionamos, não digo nem com as novas tecnologias, o que seria demasiado, mas com as tecnologias mais comezinhas, como o telefone. Foi muito bem citada aqui, com repetidos exemplos, a realidade vivida pelos consumidores brasileiros. Exigir dessas pessoas que façam essa comprovação, mesmo de forma mais flexível, com prova testemunhal, devido às dificuldades que há, porque implicaria levar outras pessoas à audiência para demonstrar eventualmente a existência da resistência, talvez, a propósito de se aperfeiçoar, nós estaríamos contribuindo para se criar um obstáculo intransponível sobretudo aos mais vulneráveis. Os que não são tão vulneráveis, que contratam advogados e pessoas capacitadas, eventualmente vão ter mais condições para tal. Agora, os mais vulneráveis estarão definitivamente afastados da prestação jurisdicional, que é um serviço público essencial, razão pela qual todos nós aqui atuamos e buscamos o aperfeiçoamento da nossa atividade judiciária.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Eu que agradeço, Dr. Bruno Miragem, pela sua exposição.
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Embora o presente projeto de lei tenha o cunho de evitar a grande judicialização de demandas que possam ser resolvidas de maneira extrajudicial, acredito que ainda há um longo caminho a ser percorrido, tendo em vista que há grande dificuldade em equiparar o consumidor e o fornecedor tanto com relação aos direitos inerentes quanto com relação ao acesso de plataformas eletrônicas. Não seria pertinente — ele pergunta —, antes da aprovação do presente projeto, garantir uma maior assistência ao cidadão, com maior acesso à informação e disponibilização de plataformas de fácil acesso para a solução de conflitos de maneira extrajudicial, visto que a maioria das plataformas digitais criadas pelo Estado ainda não são acessíveis à maioria da população, considerando-se sua complexidade de acesso e até mesmo o despreparo da sociedade em utilizar plataformas digitais? Considerando o exposto, o presente projeto de lei não atingiria diretamente o princípio do acesso à Justiça.
O SR. VINICIUS CARVALHO (REPUBLICANOS - SP) - É verdade, Presidente Celso.
Quero aqui, mais uma vez, agradecer a todos os nossos palestrantes. Peço desculpas pela forma enfática como muitas vezes nós falamos ao defender uma tese. Jamais o fazemos com cunho pessoal. Eu agradeço a todos pelo enriquecimento do debate com o conhecimento a partir do ponto de vista de cada um.
Como V.Exa. disse, é muito importante que eles possam encaminhar para esta Comissão as suas sugestões, para fazermos a quatro mãos, da forma mais assertiva possível, um texto que venha ao encontro da evolução social que a nossa relação de consumo requer.
O SR. PRESIDENTE (Celso Russomanno. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Deputado Vinicius.
Não havendo mais nada a tratar, agradeço a todos pela presença. Este foi um debate extremamente importante para sociedade brasileira.
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