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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Declaro aberta a reunião extraordinária de audiência pública para discutir o aperfeiçoamento da Lei de Arquivos, a Lei Federal nº 8.159, de 1991.
Esta audiência pública atende ao Requerimento nº 15, de 2021, das Deputadas Erika Kokay e Benedita da Silva.
Neste momento, nós vamos compor a nossa Mesa, da qual fazem parte o Sr. Vanderlei Batista dos Santos, membro do Conselho Nacional de Arquivos; a Sra. Paula Cinquetti, pesquisadora iconográfica, fotógrafa e repórter; o Sr. Millard Schisler, professor adjunto do mestrado de museologia da Johns Hopkins University e gestor de acervo do IMS; a Sra. Beatriz Kushnir, doutora em história social do trabalho pela Universidade Estadual de Campinas, representante da Associação Nacional de História no Conselho Nacional de Arquivos e professora de pós-graduação da UNICAMP e da UFF; o Sr. Thiago Henrique Bragato Barros, professor e conselheiro do Conselho Nacional de Arquivos e representante do Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia; a Sra. Neide de Sordi, Diretora-Geral do Arquivo Nacional; e o Sr. José Maria Jardim, representante do Fórum Nacional das Associações de Arquivistas. Essa é a nossa Mesa.
Nós vamos estabelecer um prazo de cerca de 10 minutos. Achamos que esta discussão é absolutamente fundamental. Nós estamos falando de soberania nacional, de patrimônio material e imaterial deste País. Isso é soberania nacional, como também é soberania nacional a cultura, como também é soberania nacional a educação. Nós não podemos assistir à destruição deste patrimônio ou à falta de incentivo para que ele possa se fortalecer.
Recentemente, esta Comissão esteve na Fundação Palmares fazendo uma diligência. Ali nós atestamos que o acervo artístico, literário e histórico, que é a memória da própria instituição, está encaixotado em péssimas condições, literal e metaforicamente falando.
Não é só isso. Nós vamos ver como há um processo de falta de zelo com as expressões de um povo. As expressões culturais e a construção de seu patrimônio são expressões de territorialidades firmadas como espaços de troca e trança de afetos, de troca e trança de saberes. Enfim, são expressões da nossa própria humanidade e da nossa condição de nação. Elas não podem correr riscos, como temos visto neste processo. Por isso, nós estamos realizando esta audiência.
Queremos fazer as modificações trançadas, discutidas, enfim, tecidas. Tudo que é tecido é mais democrático, porque envolve as diversidades, reconhece as incompletudes que temos como pessoas institucionalmente. Para que nós possamos discutir esta proposição, assim como outras, não apenas este projeto, precisamos considerar a concretude da necessidade de adequarmos a legislação aos novos desafios que estão postos.
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A intenção é discutir o projeto. Obviamente, essa discussão do projeto está dentro de um contexto, dentro de um processo de problematização que tem seus vários indícios e suas várias expressões.
Eu, Deputada Erika Kokay, e a Deputada Benedita da Silva estamos presentes na nossa audiência. A Deputada Benedita é uma das autoras do requerimento para a realização desta audiência pública e tem uma história em defesa da cultura que marca todas as suas ações, em particular suas ações parlamentares. Estamos aqui para abrir esses espaços de escuta com a própria sociedade, para, a partir dessas escutas de todas as vozes, aprimorarmos a atuação legislativa, mas fundamentalmente aprofundarmos o processo democrático, porque soberania nacional também só se constrói com soberania popular.
O SR. VANDERLEI BATISTA DOS SANTOS - Inicialmente, eu gostaria de agradecer o convite para participar desta Mesa. É uma oportunidade única de me manifestar em relação à abordagem arquivística da memória do País e da construção efetiva da memória do País. É uma oportunidade dividir a Mesa com pessoas que representam tantos segmentos da sociedade, que se utilizam dessas informações para ajudar o Brasil a se entender como país, como cultura, como sociedade, a fim de pensar em sua evolução.
Eu queria agradecer o convite e agradecer a iniciativa das Deputadas de propor uma discussão sobre esse tema. No último mês, esta é a segunda vez em que há uma audiência pública com um tema similar. A primeira foi sobre o patrimônio cultural brasileiro. Agora é especificamente sobre patrimônio e a política nacional de arquivos, da Lei nº 8.159, de 1991.
(Segue-se exibição de imagens.)
Como se sabe, essa é uma das leis mais regulamentadas que se conhece por aí. Vários artigos foram regulamentados, outros tantos foram atualizados, digamos assim, com outras leis que vieram.
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Temos a própria Lei nº 8.159, que seria a nossa grande legislação guarda-chuva, que deveria ser referência para todas as outras. Temos a Lei nº 12.527, de 2011, que é a Lei de Acesso à Informação. Temos a Lei nº 14.063, de 2020, que trata da assinatura digital. Temos a lei sobre propriedade industrial. Temos a lei que regulamenta a forma como o servidor público trabalha, suas competências e o respeito que deve ter com os registros que são produzidos, com os documentos que são produzidos. Temos uma lei que trata do processo administrativo. Temos uma lei sobre ensino superior que fala sobre os tipos de documentos que precisam ser preservados e que contam a história dessas instituições e da sua relação com os alunos. Temos uma lei específica sobre o tratamento dos prontuários dos pacientes. Temos lei específica sobre a proteção de dados pessoais. Temos lei que regulamenta a profissão de arquivista. Temos leis sobre direito autoral, sobre processo judicial eletrônico, sobre digitalização, sobre microfilmagem, e algumas que falam explicitamente sobre danos a arquivos dentro do seu conteúdo.
Então, esse arcabouço legal existe. Há algum caso que talvez precise de regulamentação, mas ele existe e pode ser utilizado para penalizar, para abrir processo, para cobrar da administração pública e dos cidadãos a atenção e a preservação da memória.
Quando começamos a analisar na prática, vemos algumas coisas. Por exemplo, eu selecionei este caso de 2012 em que a Prefeitura Municipal de Pacajus, no Ceará, abriu um edital para contratação de arquivista. Existe uma lei de 1978 que regulamenta a profissão e diz que arquivista é uma pessoa que tem nível superior com formação em arquivologia. E a Prefeitura abriu concurso público para arquivista exigindo apenas ensino fundamental incompleto, ou seja, 5º ano do ensino fundamental, em total desrespeito à legislação. Como é que se resolve isso?
Houve também um concurso público recentemente, em 2019, para gestor da informação, com formação em biblioteconomia ou gestão da informação, para fazer uma função que é tipicamente de um arquivista. Então, a administração pública está fazendo uma curva na lei para tentar fazer concurso sem contratar um profissional específico regulamentado por lei.
Mas isso é o mínimo. Por quê? Se você está trabalhando com a questão da memória, precisa preservar a memória e precisa que essa memória seja tratada com esses documentos que vão gerar memória, e estes precisam ser tratados por um profissional adequado. Então, na questão primária do profissional adequado, nós já temos um problema.
A Lei nº 8.159, que é objeto desta audiência pública, tem explícito, em seu art. 4º, que esse acervo arquivístico e documental produzido pelas instituições públicas precisa ser muito bem tratado e precisa ser disponibilizado para a população em geral, sob pena de responsabilidade. Portanto, fica claro que precisamos tratar esse acervo para poder disponibilizá-lo. A própria Lei nº 8.159 dizia que deveria ser criado um decreto para regulamentar os prazos de guarda, os prazos de sigilo dos documentos, e dizia, ainda, que o prazo máximo para sigilo seria de 30 anos. Mas, em 1997, 6 anos depois da lei, tivemos um decreto que a regulamenta, exatamente como diz a lei: 30 anos, prorrogáveis por uma única vez — a lei falava isso.
Nós temos uma figura criada pelo Governo: um decreto que altera um decreto que regulamenta uma lei.
Um decreto não pode alterar uma lei, mas um decreto que vai alterar outro decreto, nessa figura esdrúxula criada, altera uma lei, estabelecendo que, agora, passam a ser 50 anos, prorrogáveis indefinidamente. A despeito de terem passado dois governos com essa lei em vigor, isso só vai ser alterado em 2011, com a Lei de Acesso à Informação — LAI.
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Então, é importante pensarmos nesses vácuos legais, porque eles não são automaticamente reguláveis, mesmo estando claro naquilo ali, para mim, que era inconstitucional.
Em 2011, surge a Lei nº 12.527, mostrando, de novo, que é preciso haver atenção e divulgação dos acervos institucionais, sempre pensando no viés também contrário, que é proteger a informação sigilosa e pessoal. Mas como se faz isso? Como proteger e dar acesso? Para mim, é muito claro: tratando.
Mas o que nós temos na prática? Em 2015, um incêndio destrói parte do arquivo público de Marabá, no Pará. Como acontece isso? Com certeza, com falta de investimento, de proteção, de capacitação e de recursos para que o arquivo público de Marabá pudesse ser tratado como deveria ter sido.
Em 2017, em Quixadá, no Ceará, documentos são encontrados abandonados. Um grande depósito estava cheio de documentos que, supostamente, deveriam se referir à memória do Estado e estão jogados. Imaginem quantas destas pessoas que estão retratadas aqui são especialistas no tratamento de documentos, são arquivistas! Se a imagem refletir alguma coisa, eu diria que nenhuma.
Na Capital Federal, Brasília, tivemos esta matéria, em 2018: “Ratos, pombos e fungos ameaçam a memória da capital do país”. Nós estamos falando de Brasília, aqui ao lado do Congresso Nacional, do arquivo público do Distrito Federal. Há 3 anos, houve esta reportagem sobre o descaso com o patrimônio de uma cidade que é considerada patrimônio da UNESCO.
Vamos para Minas Gerais, em 2020: "O caos e o descaso com a história e a cultura no Brasil”. Denúncias mostraram que essa área que guardava acervos museológicos e arquivísticos também estava um caos, estava sendo destruída por falta de atenção, por falta de cuidados.
"Sirlei" — era o Prefeito Taquara — "desnuda descaso com arquivo municipal de Taquara". O caso desse Município do Rio Grande do Sul mostrou que o descaso com o arquivo municipal estava fazendo com que eles perdessem acervos.
Disto aqui, eu não preciso nem falar. Todos viram recentemente o incêndio que comprometeu parte do acervo da Cinemateca, em São Paulo. Temos, ainda, a situação do Arquivo Municipal de São Paulo. Atualmente, em vez de fazer investimento no seu tratamento, o Governo do Município está tentando terceirizá-lo. Inclusive, a Associação dos Arquivistas de São Paulo, com outras tantas instituições, criou uma carta aberta sobre o processo de estatização, sendo contrária.
Parece que nós estamos falando de papel, e as pessoas precisam entender que arquivo não é papel, é memória da administração, é memória de quem produz.
Há situações, como esta mostrada aqui, em que alguém que tem acesso vai lá e apaga o acervo digital inteiro. É preciso investimento nisso também. Cadê os repositórios digitais? Não há investimento nenhum do Governo, quando se fala o tempo todo em digitalização, quando se fala em Governo digital? Cadê os repositórios digitais, que não aparecem nessas discussões?
No CNPq, recentemente, houve um apagão. Cadê os backups? Cadê os processos de preservação? Onde está tudo isso?
O CNPq conseguiu, em mais de 20 dias, restaurar totalmente, mas ainda era um problema que precisava ser pensado, precisava ser visto com atenção, para além dos papéis.
Nós temos a LGPD, que diz que nós precisamos proteger os dados pessoais. No entanto, recentemente, depois da entrada em vigor da LGPD, mais de 220 milhões de dados dos brasileiros foram vazados. Então, a lei não está indo no mesmo passo que as práticas de atuação das instituições fiscalizadoras.
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Eu quero lembrar que o Código Penal de 1940, o decreto-lei, já estabelecia para “destruir, suprimir, ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor” uma pena muito grande, e a Lei nº 8.159, de 1991, volta a falar isso quando trata de documento histórico. Nós temos informação.
O que eu gostaria de trazer como relevante nesta minha primeira abordagem é que, por trás de tudo isso que nós estamos tentando fazer, por trás dessa alteração normativa, está a necessidade de garantir a transparência das ações do Estado e garantir que o cidadão possa ser cidadão, possa ter acesso às informações do poder público, possa se manifestar quanto ao seu voto, possa exigir que o Governo faça aquilo para o qual foi eleito. Obviamente, isso é possível a partir de uma história contada formalmente, por seus representantes, e também daquela história que não foi contada formalmente, mas que temos à disposição hoje a partir de registros públicos, documentos públicos, arquivos públicos.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nós é que agradecemos a exposição do Vanderlei, que levantou toda a legislação e também fatos recentes que indicam um descaso com a história deste País, com a nossa memória, portanto com o patrimônio que esta Nação construiu para si.
O Projeto de Lei nº 2.789, de 2021, é de autoria da Deputada Benedita da Silva e também de minha autoria, da Deputada Erika Kokay. Nós buscamos modernizar a Lei nº 8.159, essa que foi comentada aqui pelo próprio Vanderlei. Ele cria uma nova hipótese de improbidade administrativa. Além de tratar de temas específicos da área arquivística, como a previsão de regras mais rígidas para a eliminação dos documentos públicos e a incorporação na Lei nº 8.159 de dispositivos de resoluções do Conselho Nacional de Arquivos, o CONARQ, as Resoluções nº 6, de 1997, e 27, de 2008, ele reforça a punição a quem, de qualquer modo, concorrer para desfigurar ou destruir documentos de valor permanente ou considerado como de interesse público, social ou institucional. Essa proposição, esse projeto de lei, está muito baseada no eixo da primeira Conferência Nacional de Arquivos, que se realizou em 2011.
Nós estamos aqui para contextualizar e, ao mesmo tempo, para medir a importância dessa memória, da memória do que este País construiu, e, ao mesmo tempo, para ver como nós fazemos uma discussão, com várias leituras, de vários cantos, sobre essa proposição.
Portanto, nós buscamos ter um instrumento legislativo que possa coibir o descaso, o descarte... Nós tivemos informações de que, com a extinção, à época, do Ministério do Trabalho, o arquivo da história brasileira, da vida dos trabalhadores, da CLT, tudo isso, a história concentrada naquele Ministério estava absolutamente depreciada, ou não cuidada. Isso é memória. Isso é memória do povo brasileiro. Um povo precisa resgatar a sua memória, porque, se nos roubam a memória, roubam-nos o próprio presente e também nos roubam a possibilidade da construção de um futuro para superar os períodos traumáticos que tanto permeiam a história do povo brasileiro.
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A SRA. PAULA CINQUETTI - Olá. Bom dia a todos. Saúdo as Deputadas Erika Kokay e Benedita da Silva. Saúdo os meus colegas da área de arquivologia, em especial o Millard Schisler, fotógrafo como eu, e na pessoa dele saúdo todos os fotógrafos e amantes da fotografia que nos acompanham, área que eu vim representar. Agradeço ao Vanderlei a apresentação, que foi muito elucidativa quanto às várias leis que estão envolvidas na nossa discussão.
Bom, eu vou falar mais sobre o que tange à fotografia nessa lei. Como sabem, a fotografia é uma das principais formas de comunicação e linguagem dos nossos tempos, e essa arte tão difundida acaba de comemorar 182 anos de lançamento como domínio público pela Academia de Ciências da França, motivo pelo qual recentemente comemoramos o Dia Mundial da Fotografia, em 19 de agosto.
Em 1833, quando o pintor naturalista francês radicado no Brasil Hercule Florence veio para cá trabalhar na Expedição Langsdorff, ele já realizava testes de luz, e obteve ótimos resultados, o que colocou o Brasil também como pioneiro nessa descoberta da fotografia, isso sem contar o encantamento do Imperador D. Pedro II quando o daguerreótipo foi apresentado a ele somente alguns meses após o anúncio da Academia de Ciências da França. Ele logo adquiriu um, e começou a fotografar aos 14 anos de idade, tornando-se assim, podemos dizer, o primeiro fotógrafo nascido no Brasil. Seu acervo está sob a guarda da Biblioteca Nacional, instituição para a qual ele o doou em 1889.
Bom, eu fiz essa breve introdução histórica porque falar de acervos é, acima de tudo, contar histórias. E quantas histórias não podemos contar a partir de nossos acervos? A fotografia conta a nossa história visual, seja como fotodocumentação, seja como foto artística, apesar de sabermos, hoje, como já é amplamente debatido, que uma abrange a outra, porque toda foto artística também nos fala muito sobre o período histórico em que foi feita, e toda fotodocumentação carrega o valor agregado da visão de mundo do autor que a realizou.
Vamos lá. No início da minha carreira, eu tive a oportunidade de trabalhar com o fotógrafo Walter Firmo, quando pude pela primeira vez perceber a necessidade de organização e preservação de um acervo fotográfico.
Chegamos a pensar na criação de um selo comemorativo, naquela época, pelos 45 anos de fotografia que ele estava prestes a completar — hoje ele já está completando 64 anos de fotografia, então já tem algum tempo isso —, de forma a chamar atenção para o seu grande acervo. Mas não conseguíamos nem saber quantas fotos ele tinha no acervo. Certa vez cheguei a comprar uma balança de cozinha para pesar os cromos e tentar estipular a quantidade, mas isso não bastava. Imaginem, não se trata de saber quantas fotos ele tem, mas de saber o que ele tem, como priorizar, como separar. É preciso criar procedimentos. Então, comecei a estudar mais o assunto. Isso já tem mais de 20 anos.
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Eu conheci o acervo do banco de imagens Tyba, do fotógrafo Rogério Reis. Visitei o acervo do fotógrafo de Sebastião Salgado, em Paris, junto com o Walter. Depois, trabalhei no laboratório do Silvio Pinhatti, onde eu conheci o Millard e me deparei com processos de ampliação fotográfica e durabilidade de papel, conheci fluxos de trabalho de fotografia analógica... Até que fui assistente do fotógrafo Clicio Barroso, que trouxe a fotografia digital para o Brasil e foi a pessoa com quem aprendi tudo sobre fotografia digital, fluxo de fotografia digital, fluxo de trabalho. Foi o Clicio que me avisou que o Senado Federal estava precisando de uma consultoria na área de organização de acervo e criação de fluxo de trabalho com fotografia digital, e foi o Walter Firmo quem me convenceu a me candidatar à vaga. Isso me trouxe até este encontro com vocês nesta manhã.
A modernização do fluxo de trabalho com fotografia digital do Senado Federal foi um grande desafio. Primeiro houve a criação de novos padrões de qualidade para o trabalho diário da fotografia. Para quem não sabe, a Agência Senado produz cerca de 2.000 a 4.000 fotografias por dia e disponibiliza grande parte delas em tempo real, além de contar com uma equipe de atendimento no arquivo fotográfico, arquivistas que finalizam o que eu chamo de fluxo da informação na imagem, iniciado pelos fotógrafos já na configuração da câmera.
Precisei treinar cerca de 120 servidores públicos e funcionários terceirizados para adotar esses padrões, que foram depois afinados conforme a demanda dos veículos de comunicação oficiais da Casa.
Então, percebi que modernizar a área de fotografia era um processo muito maior, que significava também mexer nas estruturas da Casa, mudar culturas, para valorizar a fotografia como ferramenta de comunicação, para levar o Senado Federal a cada cidadão brasileiro, à imprensa e a observadores estrangeiros. Esta era a nossa motivação em trabalhar ali: ser os olhos do povo dentro do Congresso Nacional e ressaltar para a equipe de fotografia a importância histórica do nosso trabalho, que depois seria facilmente incorporado, para acesso permanente no centro de documentação audiovisual do Senado Federal.
Ontem eu conversei com o atual chefe da área, para quem eu passei o bastão alguns anos atrás, e fiquei admirada em saber que até hoje ele utiliza os mesmos procedimentos, as mesmas tabelas de acompanhamento de produção que criamos em 2010, há 11 anos, ou seja, uma vez criados determinados protocolos de trabalho e segurança da informação, desde que bem resolvidos e adaptados à realidade daquele tipo de acervo, é só sair fotografando e guardando o que interessa. Nas palavras dele, houve realmente uma profissionalização da produção e da cobertura até o arquivamento das fotografias.
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Eu participo de várias associações, de coletivos e de entidades de classe. Faço parte da Associação Fototech, da Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil e do coletivo Fotógrafos pela Democracia. Este último conta com vários fotógrafos e produtores ligados a vários órgãos da nossa área. Algumas semanas antes do convite para esta audiência, coincidentemente, nós marcamos um grande debate para falar sobre acervo e mercado. Ali já surgiram várias demandas da nossa área, entre elas, claro, os acervos que estão em risco.
Posso chamar atenção para o caso da FUNARTE, que já foi citado e está na justificação da lei. O CEDOC da FUNARTE, vale lembrar, contém cerca de 3 mil fotografias reunidas nos últimos 42 anos, por meio do Núcleo de Fotografia do INFoto e da área de Fotografia da FUNARTE, cuja história pode ser conhecida no próprio site da FUNARTE, no espaço destinado ao projeto Brasil Memória das Artes. Está tudo lá: fotografias, história, depoimentos. É muito bacana o portal, mas não adianta só existir portal digital, se não existir backup e também se não forem preservadas as obras impressas que estão lá e que são de grande valor histórico. É necessário revivê-las em novas mostras, fazê-las circular, expô-las em prédios públicos do País.
Agora eu vou entrar mais especificamente em alguns trechos que nós destacamos da lei e, mais especificamente ainda, das regulamentações mais recentes de 2019. Também percebi, como o Vanderlei citou, um decreto que trouxe outro, que trouxe outro, que trouxe outro. Portanto, depois, temos que buscar os pontinhos do outro. Enfim, a leitura é toda truncada, mas eu destrinchei essa leitura e cheguei a alguns pontos para abordar com vocês.
Vou ler um trecho. O art. 2º, inciso XVI, diz que compete ao CONARQ propor a celebração, por meio do Arquivo Nacional, de acordos, convênios, parcerias, termos de cooperação técnica com órgãos e entidades públicas e privadas.
Será que entre esses acordos, convênios e parcerias poderíamos viabilizar a guarda compulsória de acervos em risco? De que forma poderia ser feita uma guarda compulsória, uma garantia de preservação em local seguro ao se observar o menor risco de perda, seja por denúncia de usuários, servidores ou até mesmo acompanhando algum tipo de censo dos arquivos do Brasil? Seria possível à iniciativa privada explorar comercialmente esse arquivo por um prazo determinado, visando a sua rápida recondução à instituição pública? Haveria facilidades para projetos de circulação e exibições, a exemplo de parcerias com os Correios para circulação de exposições?
Nós temos também um caso muito importante para falar, refiro-me aos acervos de veículos de comunicação falidos, já partindo para acervos privados. Nós temos um problema grave para os fotógrafos brasileiros, que são as empresas de comunicação que foram à falência e cujos acervos estão à deriva, perdidos, ninguém sabe onde estão. É o caso da revista Manchete, do Grupo Abril. Seria o caso de transformá-los automaticamente em acervos privados de interesse público?
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Estudei bastante a questão de acervo privado de interesse público e o quanto isso pode ser ou não interessante e vantajoso para alguém. Eu também tenho algumas ideias para um fundo de apoio aos acervos. Enfim, eu e a minha turma de fotógrafos reunimos várias ideias para debater aqui mais especificamente, podendo até eventualmente contribuir por escrito com essas questões.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada pelas contribuições, Paula.
Eu gostaria que você, se pudesse, encaminhasse suas sugestões no chat, para que nós possamos aqui assegurar essas contribuições. Esse projeto de lei de minha autoria e de autoria da Deputada Benedita fala da gestão de documentos, fala da organização e administração das instituições arquivísticas públicas e, inclusive, considera algumas recomendações de outros órgãos.
Quanto à gestão de documentos, o projeto explicita que a avaliação, a aprovação das tabelas de temporalidade de documentos e a publicidade dos procedimentos são condições para a eliminação de documentos públicos. Esses procedimentos serão realizados mediante autorização da instituição arquivística pública na sua específica esfera de competência.
Veja que, ao fazermos uma diligência na Fundação Palmares, solicitamos uma série de documentos, mas não se sabe onde estão. Refiro-me, inclusive, a documentos históricos, tais como cartas de alforrias. Enfim, há documentos históricos, documentos relativos à contribuição da cultura do povo negro ou dos negros ao nosso País.
Na gestão de documentos, nós também explicitamos que o conceito de gestão documental — que está no art. 3º da lei — deve prever o controle continuado do ciclo de vida dos documentos arquivísticos, bem como deve incluir os seguintes procedimentos: atividades de protocolo, classificação, reprodução e acervo. Mencionamos, também, que isso se aplica aos documentos em qualquer suporte e formato, de acordo com a definição no art. 2º.
Neste ponto, a Paula sugere, para a preservação do acervo, que possamos ter a guarda compulsória quando houver risco de que esse acervo seja deteriorado ou precarizado. E ela também explicita que deve haver impedimento à terceirização da guarda de documentos permanentes e de procedimentos de avaliação. Temos como referência, para estes aspectos, a resolução do CONARQ — Conselho Nacional de Arquivos. Outra sugestão é que seja afirmado na lei que a gestão do documento é condição preponderante para a garantia do acesso.
Isso é muito importante porque o acervo que este País conquistou está muito fragmentado. Há acervo público em vários locais, em vários Ministérios. Portanto, o acervo está fragmentado. É preciso que o poder público possa se organizar, para que possa ser publicizado esse acervo, para que se possa ter acesso e que seja ele, de fato, de domínio público e que as pessoas possam adentrar para pesquisar, para conhecer, para se enriquecer. E deve haver essa organização porque isso diz respeito à nossa história, à história do povo brasileiro.
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Então, quanto mais a população se apropria da história e da memória deste País, ela estabelece os limites da própria realidade que tantas vezes tem sido negada no nosso País.
O SR. MILLARD SCHISLER - Está bom. Acho que nós podemos deixar mais tempo para debate depois, porque a reunião está superinteressante.
É uma honra estar aqui com meus colegas. Obrigado, Deputada Erika Kokay e Deputada Benedita da Silva, pela iniciativa de propor esse projeto de lei fascinante. Eu comecei a mergulhar nele e, cada vez mais, vejo a grande importância que ele tem, principalmente neste momento histórico de precarização geral que estamos vivendo. Acho que o Vanderlei colocou muito bem essas questões que estão acontecendo.
Essas questões são, com certeza, um dos poucos exemplos de boa iniciativa — dentre as muitas que vemos por aí. Quero pontuar a gravidade disso, porque deve haver uma reação a esse risco de perdermos a memória, como bem colocou a Deputada Erika Kokay.
Eu começaria pela citação do art. 216 da Constituição, que fala do patrimônio e que é realmente importante. Esse patrimônio é nosso — de todos. Temos direito ao acesso a esse patrimônio. Acho que isso também é colocado como questão jurídica, Vanderlei. Você citou a previsão de sanção, no Código Penal, quando se danifica esse patrimônio. Portanto, é sério o risco de perda desse patrimônio, e temos que pensar seriamente como evitar isso.
Vivemos em um momento complicado, até porque estamos falando de materiais físicos — documentos em papel, documentos em microfilme ou audiovisuais —, que são complexos e precisam de estratégias de migração para serem preservados. Mas também estamos falando de documentos que já nascem digitalmente. Com o Vanderlei falou, há casos em que alguém vai lá e apaga simplesmente o documento digital ou ele se perde por falta de um processo.
Eu acho que a lei introduz de forma muito boa essa questão dos backups. Depois, eu posso enviar comentários sobre isso por escrito, porque, pelo que entendi, pela orientação, teremos ainda alguns dias para apresentar algumas propostas de textos. Acho que não vou conseguir fazer isso ainda.
Mas, para pensarmos nessa estrutura, eu queria falar um pouco sobre essa questão dos backups. Houve a menção de um documento do TCU sobre os procedimentos de backups nas organizações públicas federais. Houve essa recomendação em um documento que é, realmente, fascinante. Eu queria comentar um pouco sobre isso porque, para mim, é o retrato de 420 instituições de peso neste País. Portanto, quero compartilhar com todos, rapidamente, essas questões.
(Segue-se exibição de imagens.)
As recomendações estão no começo, logo no art. 2º, sobre a realização de backups. Estão elas nesse documento do Tribunal de Contas da União e falam sobre as cópias de segurança.
Obviamente, está claro que já vivemos situações em que os backups ou não são muito confiáveis ou feitos há muito tempo. O próprio documento do TCU lista o Brasil como um dos países com maior índice de dados sendo a "hackeados" e criptografados etc.
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Acho que essa proposta vem em ótima hora e que devemos pensar um pouco mais sobre essas questões dos backups, no sentido de definirmos quantas cópias e onde elas estão. O relatório, no item 10.5, fala sobre a questão de ser algo não acessível. No relatório do TCU, a Tabela 2 — Subcontroles do controle 10.5 — assim dispõe: "Armazene as cópias de segurança (backups) da organização em ao menos um destino não acessível remotamente". A ideia, portanto, é ter sempre algo off-line, isto é, sem que esteja conectado à Internet e sem que possa ser racheado.
Olhando para os dados desse documento do TCU, entre 410 organizações, praticamente a metade não tem uma política de backup.
Sobre a restauração de dados, falamos sobre "DR", que significa Disaster Recovery. Vemos que, quando se faz um teste de recuperação de dados a partir do backup, mais da metade não executa isso. Obviamente, não há backup ou uma política de backup. Às vezes, não se consegue fazer isso.
Se olharmos para o local de armazenamento, veremos que não há nada guardado fora, o que chamamos de off-site, em outra localidade física e geográfica. Essa é uma das questões importantes de preservação. Praticamente, metade guarda dados somente na própria organização, o que eleva o risco em termos de perda.
Quando começamos a pensar nessas questões, precisamos nos referir a algo importante sobre esses backups. Neste ponto, adiciono um texto do Trevor Owen, que é uma leitura minha, uma a reflexão sobre os axiomas de preservação digital, que diz: "A preservação digital pensa os objetos digitais a longo prazo para que possam continuar sendo descobríveis e acessíveis no futuro".
A ideia de preservar esses dados digitais e que possamos ter um plano de preservação digital, para preservar o acesso a essa informação, a longo prazo, para as gerações atuais e para as gerações futuras. Sabemos que backup não é o único componente de preservação digital. Falamos sobre isso nesse projeto de lei, mas precisamos nos aprofundar um pouco mais nisso, de modo que o backup seja o mínimo necessário, ou seja, termos backups seguros e, depois, com o tempo, caminharmos para projetos de preservação digital com vistas a adquirir repositórios digitais confiáveis e tal.
Então, acho que é uma questão importante entender que isso tem impacto, inclusive na possibilidade de poder fazer esses trabalhos.
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Então, acho que vale aqui levantarmos essa discussão e talvez pensarmos em como garantir, nesse projeto de lei, esses recursos para as instituições, os arquivos públicos federais, estaduais e municipais. Muitas vezes, como você demonstrou no caso do incêndio de Marabá, nós não sabemos exatamente o que aconteceu. Mas, de qualquer forma, há essa dificuldade de garantir a continuidade desses trabalhos, ou de recursos humanos e financeiros para fazer, por exemplo, a mudança de uma instalação elétrica, que muitas vezes é a causa dos incêndios. Essas são questões importantes que temos que levantar.
Eu discuto aqui um outro axioma, que são as instituições que tornam possível a preservação, e isso é muito importante, porque temos que fortalecer as instituições para que elas possam fazer esse trabalho de preservação dos objetos, analógicos e digitais, de todos os seus arquivos. Se as instituições não forem fortalecidas (falha na transmissão). Ele colocou bem essa questão de consolidarmos e fortalecermos as instituições, para que elas possam, de fato, executar esse trabalho.
Eu acho que houve uma preocupação, e eu até discuti com a Paula no começo desse debate, e obviamente entendemos que esse projeto de lei apresenta uma questão de improbidade administrativa, de punição para quem descumpre. Mas me parece que precisamos arrumar uma forma de investir, com força, em termos de educação e formação, por um período plurianual. Eu acho que vai ser um projeto contínuo, obviamente, mas seria liderado pelo CONARQ. Então, fica claro pela lei que o CONARQ seria o órgão que faria isso. E eu destaquei aqui algumas palavras da lei — "fortalecimento", "subsidiar", "fiscalizar", "informar", "orientar" —, que me parecem palavras importantes para podermos ter um programa denso de formação, material educativo, sobre todas as questões que estão nesse projeto de lei, que incluem a organização, que é uma parte em que eu acho que também existem muitas divergências e falhas no jeito que é feita. O Conselho Nacional de Arquivos, via Arquivo Nacional, pode ter um papel importantíssimo de, durante um período intenso, criar esse material para garantir que os órgãos públicos e privados tenham orientações a seguir, dentro desse projeto de lei, e que não tenham os problemas de perda, de não conseguir guardar seus arquivos, e façam isso dentro de um procedimento padrão definido pelo País.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer a contribuição. Quero apenas informar que nós temos o ccult@camara.leg.br, para que as sugestões possam ser encaminhadas e para que nós possamos aqui na Comissão de Cultura centralizar essas sugestões, para aprimorarmos a proposição, que fala também sobre organização e administração das instituições arquivísticas públicas e que define o papel da instituição arquivística pública, no sentido de esclarecer sua atuação tanto como órgão de custódia e preservação de documentos quanto como órgão normativo e coordenador da política de gestão documental, incorporando no texto da lei as recomendações da Resolução do CONARQ.
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Atualizo o § 1º do art. 17 da lei, de que já foi falado, no sentido de fortalecer o Arquivo Nacional como instituição arquivística máxima do Poder Executivo Federal, suprimindo a referência aos arquivos do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e reforço as diretrizes para a implementação de controles internos e de controle social da atividade de gestão de documentos dos órgãos públicos, além da criação de novas hipóteses, aqui já falado, de improbidade administrativa para o gestor que, por ação ou omissão dolosa ou culposa, concorrer para a perda, o desvio, a apropriação, o malbarateamento ou a dilapidação dos bens materiais e imateriais do patrimônio histórico, artístico e cultural brasileiro, especialmente mediante a desestruturação e corte de verbas — e vamos retomar a questão sobre a qual o Millard falava, sobre o próprio orçamento — para custeio dos órgãos incumbidos de proteger o acervo.
Então, podermos definir melhor e assegurar de forma mais nítida a necessidade de dotação orçamentária para que se possa cumprir o que está posto no próprio projeto.
E, ainda sobre a preservação de dados, o PL prevê um rol exemplificativo de práticas que deverão ser adotadas: cópias de segurança, backups, de todos os dados da organização, de forma regular e automática, e a realização periódica de testes de restauração das cópias de segurança da organização, de modo a testar o seu funcionamento em caso de necessidade.
Houve um trabalho no âmbito do TCU para avaliar os procedimentos de backup e de restauração das organizações das administrações públicas sobre as principais bases de dados e sistemas críticos que deverão ser adequados para garantir a continuidade dos serviços prestados. O TCU aponta que a gestão de arquivos e documentos teve uma mudança significativa na gestão de procedimentos quando do atual contexto de transformação digital da administração pública.
Praticamente todas as informações relevantes das organizações já são tratadas em formato eletrônico, muitas vezes sem possuir correspondência alguma no mundo físico, documento e/ou processo em papel. Assim, qualquer perda de dados que eventualmente não possam ser recuperados tem o potencial de acarretar enormes prejuízos, pois pode afetar ou mesmo inviabilizar os processos de negócios do órgão em questão, bem como a prestação de serviços à sociedade.
"Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: IV - as obras, objetos, documentos, edificações; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor arqueológico, paisagísticos.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem".
Ou seja, consta da nossa Constituição tal previsão. E esse texto já ensejou, inclusive, posição do Supremo Tribunal Federal.
"A proteção jurídica do patrimônio cultural brasileiro, enquanto direito fundamental de terceira geração — e é um direito generoso, fraterno e solidário; é um direito assegurado sem que se nomine, sem que se tenha quantidade. Esse é um direito largo, um direito chamado de terceira dimensão ou de terceira geração —, é matéria expressamente prevista no texto constitucional.
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A ordem constitucional vigente recepcionou o Decreto-Lei nº 25, de 1937, que, ao organizar a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estabeleceu disciplina própria e específica ao instrumento do tombamento, como meio de proteção de diversas dimensões do patrimônio cultural.
Esta foi a fala, em verdade, do Ministro Luiz Fux à época. Portanto, esse direito é largamente acolhido na própria Constituição brasileira e reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal como direito de terceira dimensão ou de terceira geração. Em verdade, eu acho que os direitos vão se complementando como ondas, mas alguns os definem a partir das gerações. Mas esse é um direito largo, generoso, solidário, fraterno, para que atinja o conjunto das pessoas simplesmente porque são pessoas.
Portanto, solicitamos que as contribuições possam vir pelo e-mail que aqui já falamos — ccult@camara.leg.br —, para que nós possamos aprofundar a discussão.
Passo a palavra para Beatriz Kushnir, Doutora em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas e representante da Associação Nacional de História — ANPUH no Conselho Nacional de Arquivos e professora de pós-graduação da UNICAMP e da UFF.
É um prazer tê-la aqui, Beatriz, e passo-lhe a palavra para que posamos continuar nessa construção coletiva, a partir de leituras diversas de vários lugares.
Primeiramente, agradeço o convite da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados na pessoa da Exma. Deputada Alice Portugal e, em especial, das Exmas. Deputadas Erika Kokay e Benedita da Silva, pela iniciativa desta audiência pública.
Nessa oportunidade eu represento a Associação Nacional de História, uma instituição que em 2021 completou 60 anos de existência e cujos congressos bianuais congregam mais de 8 mil associados. Aqui exporei tanto as demandas do historiador enquanto pesquisador e usuário dos arquivos, mas também sublinhando que, nas equipes multidisciplinares que compõem as instituições arquivísticas, somos igualmente seus servidores.
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A proposta desta audiência é debater possíveis alterações na Lei nº 8.159, de 1991 — a Lei de Arquivos. Mas não há como negar que fomos surpreendidos por um PL, o Projeto de Lei n° 2.789, de 2021, que já propõe transformações à Lei de Arquivos e que, infelizmente, não contou antes com um debate amplo e com sugestões da comunidade arquivística, que muito poderiam contribuir. Espero que o trâmite parlamentar ainda possibilite tais assistências de nossa parte.
Desde a Constituição Federal de 1988, o direito à informação encontra-se assegurado. Assim, no bojo constitucional e numa luta que remonta a década de 70, quando da regulamentação da profissão de arquivista, em 1978, tivemos em 9 de janeiro de 1991 a instituição da Lei de Arquivos. Esta dispõe sobre o direito à informação a ser exercido pelo cidadão, em sincronia com o processo de redemocratização vivenciado desde 1985, inclusas as idiossincrasias de nossa abertura política. Mas é fundamental a tríade: redemocratização, acesso à informação e constituição de pactos de cidadania.
Ficou estabelecido pela Constituição Cidadã que cabe ao Estado a obrigação de disponibilizar informações, e o cidadão tem a prerrogativa de acessá-los para pesquisas e comprovação de direitos. É dever do Estado, portanto, garantir o ingresso a essas informações contidas em arquivos mantidos pelo poder público. Lembro que já vivenciamos a dificuldade de acesso a informações a partir do processo iniciado na passagem do Governo FHC para o Governo Lula.
Marcada pela promulgação da Lei n° 11.111, de 05 de maio de 2005, a questão do acesso e do sigilo permeou o enfrentamento à redemocratização e à garantia de consulta aos documentos públicos e de pesquisa sem violar a segurança do Estado e da sociedade. Apenas 6 anos depois, quando instaurada a Comissão Nacional da Verdade, foi promulgada, em mesma data, a Lei de Acesso à Informação — não por acaso. Essa foi uma conquista do Estado Democrático de Direito que pactua com a transparência.
No mesmo ano, em 2011, realizamos a 1ª Conferência Nacional de Arquivos, que, entre outras deliberações, instituiu um GT de revisão da Lei de Arquivos. Esse texto passou por consulta pública e, salvo engano, se encontra desde 2014 no Ministério da Justiça para reavaliação. A 1ª Conferência Nacional de Arquivos espelhou a arquivologia como uma área madura em termos de produção técnica e acadêmica, composta atualmente por 17 cursos de graduação em universidades públicas e nas cinco regiões do País. Dois anos depois, a UNIRIO instituía o primeiro Programa de Pós-graduação em Gestão de Documentos e Arquivos, do qual eu tenho satisfação de compor o quadro docente desde o seu início, por convite do Prof. José Maria Jardim, nosso primeiro coordenador.
Penso ser fundamental compreendermos a simbiose entre a informação de natureza arquivística e a qualidade da democracia vivida, por oferecer à sociedade os elementos de prova para o pleno exercício dos direitos civis. Assim, a arquivologia está plasmada ao acesso e à disseminação da informação para a coletividade, em que a administração faz informação, trata informação, cria informação, difunde informação e produz documentação.
Nesse sentido, algo é fundamental: a organização, a previsão legal e a implementação das políticas públicas direcionadas ao acesso e à disponibilização dos documentos de arquivos são basilares.
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Assim, permito-me dizer que a Lei n° 8.159, de 1991, por suas características de um texto legislativo e inaugural em grande parte da América Latina, necessita ser implementada em sua totalidade — repito: a lei deve ser implementada em sua totalidade. Lembro o papel de destaque que a arquivologia brasileira sempre teve e tem na América Latina e nos países de língua portuguesa.
As instituições arquivísticas precisam de investimentos volumosos e continuados e não merecem viver das ondas ocasionais de editais, além de um corpo técnico multidisciplinar e concursado. Não gostaríamos de ver os nossos acervos públicos sendo privatizados.
A Lei n° 8.159, de 1991, tem por uma de suas principais missões a de estabelecer a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados ao instituir o Conselho Nacional de Arquivos — CONARQ, do qual tenho a honra de participar desde 2015, representando a ANPUH. Ao CONARQ compete, dentre outras atribuições, estabelecer o sistema ou, numa atualização, a Rede Nacional de Arquivos.
A legislação arquivística é a base e a estrutura das políticas no campo dos arquivos públicos. Mas somente a letra da lei não garante a efetividade da prática da política arquivística. Há uma inexistência de poder fiscalizador dos arquivos públicos nas esferas de suas competências. Esta seria uma importante demanda: impor o cumprimento das atribuições legais, de gerir e de recolher os documentos do Poder Executivo nas três esferas, não esquecendo a necessidade de implantar e implementar serviços arquivísticos nas esferas do Legislativo igualmente.
A Lei de Arquivos, que em 2021 completou 30 anos, tem a sua implementação e efetividade pari passu aos processos de avanços e retrocessos da democracia brasileira. A visão de um Estado neoliberal, no qual informação é poder, vem vilipendiando as instituições arquivísticas nos últimos anos. Se em 2012 fomos capazes de sensibilizar a Presidência da República quanto às normas de segurança na digitalização, o mesmo não ocorreu 3 anos depois, quando um PL desarquivado quis colocar em prática o que freamos anteriormente. Travamos uma longa batalha no movimento “Queima de arquivo não” e a perdemos para um decreto, em 2020.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada pela contribuição, Beatriz.
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Quanto à questão orçamentária, acho que esta realmente tem que ser reafirmada, embora ela e o poder fiscalizador já tenham sido citados entre outras contribuições.
Nós reafirmamos a quem queira contribuir para aprimorar a proposição que pode fazê-lo por meio do e-mail secult@camara.leg.br.
O SR. THIAGO HENRIQUE BRAGATO BARROS - Primeiro, quero agradecer o convite ao Fórum de Ensino e Pesquisa em Arquivologia para estarmos aqui. Eu estou representando um coletivo de professores da área de arquivologia. Por ser um coletivo, na hora da definição dos nomes talvez não tenha ficado claro quais pessoas iriam atuar.
Eu sou professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e já dei aula por mais de 5 anos na Universidade Federal do Pará. Posso dizer, portanto, que eu formei arquivistas do Norte ao Sul do Brasil, literalmente.
A primeira coisa que eu digo, como alguém que forma arquivistas há mais de 10 anos, é que fica claro, pelas contribuições da Profa. Beatriz e do colega arquivista Vanderlei, que nossa maior dificuldade quando acontecem tragédias como as que o Vanderlei destacou anteriormente é justamente a falta de financiamento, a falta de pessoal capacitado e qualificado, por meio de concurso público, para atuar nos arquivos públicos brasileiros.
O Prof. José Maria Jardim, que vai falar depois de mim, foi um ator no processo de construção da Lei de Arquivos há 30 anos. A parte histórica da formação da lei eu vou deixar para quem tem muito mais conhecimento do que eu. Esta lei foi um marco não apenas para o Brasil, mas também para a América Latina, como dispositivo legal ao qual cabia salvaguardar os arquivos públicos no País.
Esta lei permanece atual até hoje. Já se passaram 30 anos, e ela permanece atual justamente por ser um dispositivo legal: é uma lei que tem conceitos sobre gestão documental, sobre o papel público na salvaguarda e na preservação dos arquivos públicos. Porém, fica claro para mim que as nobres Deputadas têm a maior boa vontade em buscar aprimorar a legislação brasileira, especificamente neste caso. De outro lado, preocupa-me um pouco, como técnico que dá aula de arquivologia por todo esse tempo, o fato de um dispositivo legal trazer questões de digitalização ou de normativas arquivísticas que são responsabilidades previstas em resolução do Conselho Nacional de Arquivos — CONARQ.
Eu acredito que este tipo de texto legislativo descaracteriza a concepção inicial da lei, que era para ser um guarda-chuva da atuação arquivística no Brasil.
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Com isso, o que acontece? Existem muitos artigos desta lei que não foram regulamentados, não foram efetivados pelo poder público, e isso acontece em diferentes níveis. No início da apresentação, o Vanderlei falou de situações em arquivos municipais, em arquivos estaduais e até mesmo no do Distrito Federal. Em muitos casos, o problema não são necessariamente os dispositivos legais. Há o problema da falta de investimento público e de investimento na constituição dos arquivos brasileiros.
Há alguns anos, o próprio Conselho Nacional de Arquivos fez uma pesquisa sobre a implantação de arquivos municipais no Brasil. A partir deste estudo, que permanece atual, nós temos um percentual entre 5% e 10%, no máximo, de arquivos públicos institucionalizados no nível municipal. O que isso significa? Significa que a grande maioria dos Municípios brasileiros ainda não cumpre os dispositivos de uma lei que já tem 30 anos.
Portanto, eu acho fundamental que nós tenhamos dispositivos legais atualizados, que estejam à frente do tempo e das situações da rotina administrativa das instituições. Porém, preocupa-me um pouco quando este dispositivo legal entra no material técnico da área de arquivos, deixando de lado algumas ausências regulatórias na área arquivística.
A profissão de arquivista foi regulamentada em 1978, mas, como o Vanderlei lembrou, nós ainda temos concursos públicos de nível médio e de nível fundamental em cidades do interior e mesmo em capitais — a profissão não é regulamentada nem no âmbito estadual, nem no âmbito municipal. O que isso quer dizer? Fica evidente que o que existe em muitos casos é, de fato, um desconhecimento de um dispositivo legal, já existente, a respeito da arquivologia, a respeito dos arquivos.
Eu volto a dizer que a Lei de Arquivos brasileira, se formos compará-la com outras legislações internacionais — eu acho que este exercício pode ser feito nesta Comissão de Cultura —, se fizermos uma comparação com outros dispositivos legais atuais de outros países, devemos fazer uma discussão um pouco mais profunda a respeito das mudanças na lei. Eu acho que seria interessante se tivéssemos mais tempo e mais espaço para discutir estas alterações na lei. Ficou evidente na fala da Deputada Erika Kokay que existe vontade e interesse em refinar o projeto de lei apresentado.
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Como eu sabia que minha fala seria curta, de 10 minutos, eu preparei um texto. Minha intenção é discuti-lo com meus pares, encaminhá-lo à Comissão de Cultura e recomendar algumas modificações em artigos e, principalmente, no conteúdo que vem de resoluções do CONARQ.
As resoluções do CONARQ são matéria técnica, que é alterada em vista da atualização técnica. É muito complicado que uma matéria como esta esteja num dispositivo legal, porque ela vai ser atualizada ao longo do tempo. Estas são algumas recomendações do CONARQ para a atuação dos arquivos públicos.
No entanto, volto a dizer, o maior problema na realidade dos arquivos públicos no Brasil diz respeito a sensibilidade, a investimento e a recursos humanos. Para que nós tenhamos uma dimensão do que estou falando, hoje nós somos uma das maiores áreas arquivísticas do mundo. São poucos os países que podem dizer que atualmente têm 18 cursos de graduação superior em arquivologia que foram arquivistas. Nós formamos uma média de 200 a 300 arquivistas por ano. Isso quer dizer que nós somos um corpo profissional com grande atuação, se comparados com outros países da América Latina. No entanto, nós continuamos vivendo situações como aquela que o Vanderlei destacou sobre um Município no interior do Ceará. Este não é o único caso. São vários os casos, ao longo de vários anos.
Isto é um símbolo, digamos, da falta de espaço que ainda existe na discussão das questões arquivísticas. Nós precisamos de mais espaço e precisamos discutir mais.
No caso do PL proposto, eu acho que nós podemos, nesta audiência pública e no futuro, aprimorar este texto, para que ele realmente ajude na salvaguarda da documentação pública. Evidentemente, esta é a maior preocupação. No próprio texto da lei, já temos indícios ou uma posição de que o poder público, de fato, não efetiva esta questão.
Eu volto a dizer o que disse no início da minha fala: o problema da questão arquivística, em muitos casos, não é legislativo, não é referente a um dispositivo legal em formato de lei. O problema diz respeito a decretos, à atuação dos órgãos de fiscalização dos acervos. O problema diz respeito às recomendações feitas pelos arquivistas, mas, muitas vezes, não são seguidas pela administração pública.
Eu acho que este PL vem numa hora oportuna para a discussão. No entanto, eu acredito que o ideal seria que nós ampliássemos esta discussão e revíssemos alguns pontos previstos no texto para que realmente pudéssemos avançar. Isso fica claro, acredito, com a realização desta audiência pública, bem como com a fala de todos os colegas que me antecederam. Fica claro em toda intervenção que a Deputada Erika Kokay faz.
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10:21
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada pela contribuição, Thiago.
Quero dizer que, quando nós sentimos a necessidade de responsabilizar o gestor, estamos colocando parâmetros para que ele possa municiar os órgãos com a estrutura necessária para cumprir sua função.
A questão do patrimônio não é menor, não é uma questão que deve ser invisibilizada. Eu acho que ver o patrimônio encaixotado, queimado, enfim, exige uma ação legislativa, sim. Penso eu que esta ação legislativa pode ser aprimorada, pode receber todas as contribuições, e esta audiência faz parte do processo de acolher estas contribuições. No entanto, é preciso aumentar o nível de responsabilização, para que haja condições de desenvolver um movimento nas estruturas do Estado de dotar os arquivos, a memória e o patrimônio deste País das condições necessárias para sua preservação e o acesso de todos.
Acho muito importante que nós asseguremos o acesso à memória e disponibilizemos o que este Brasil construiu de dor e de delícia para, enfim, desenvolvermos uma condição de protagonismo da população.
Nesse sentido, é importante termos o poder fiscalizador e o aprimorarmos, assim como é importante a educação. Como foi dito pelo Millard, a educação é importante, do ponto de vista do acervo e da introdução da memória, pois isso não diz respeito apenas a uma política pública. Quando falamos de arquivo e de acervo, nós estamos falando de um processo que dialoga com o conjunto de políticas públicas.
A educação, penso, é importante, assim como o resgate da memória, para que nós não fiquemos à mercê das concepções de governantes, mas criemos uma estrutura de Estado. Eu creio que as políticas sempre se transformam em políticas de Estado quando a população delas se apropria, porque elas se tornam políticas permanentes, políticas com sustentabilidade. Isso é um pouco da discussão que nós queremos traçar aqui.
Nós queremos aprimorar a responsabilização, mas achamos que é preciso a promoção, a proteção, os instrumentos necessários para que haja uma inteireza em qualquer processo legislativo. Eu penso que a questão da improbidade administrativa vem nesta perspectiva: não é possível achar normal que possam ser incorporados no tecido social o fogo, os caixotes, uma fundação como a Fundação Palmares. Isso significa dizer que parte do seu acervo literário será descartada. Simplesmente se chegou à conclusão de que isso pode ser descartado, porque não está dentro dos princípios estabelecidos pelo governante, e não pela estrutura do Estado. E, na função precípua da fundação, estão os princípios que eles acham que têm que ser de colaboração, de conciliação, dentro da Fundação Palmares, na medida em que negam o racismo estruturante e estrutural.
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10:25
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É importante o que foi dito pela Paula, que aponta como a necessidade da guarda compulsória daquilo que está em risco, que se tenha um mecanismo para assegurar uma guarda compulsória até que as discussões ou as causas mais estruturantes que provocaram risco a determinado patrimônio possam ser supridas.
A SRA. BENEDITA DA SILVA (PT - RJ) - Eu gostaria de falar logo depois da próxima exposição.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Depois do Sr. José Maria Jardim, eu passarei a palavra à Deputada Benedita da Silva e à Neide. Em seguida, por 3 minutos, os palestrantes farão suas considerações finais.
Eu quero parabenizar as Sras. Deputadas Erika Kokay e Benedita da Silva pela iniciativa deste PL e pela realização desta audiência pública. Saúdo os demais participantes desta reunião.
Eu estou aqui representando o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil, que congrega 12 associações de arquivistas. Nós agradecemos a oportunidade desta audiência. Pessoalmente, é muito reconfortante para quem é do campo arquivístico deparar com Parlamentares com preocupações epicêntricas no nosso fazer, na nossa produção de saberes.
Eu sou professor titular aposentado do Departamento de Arquivologia da UNIRIO e pesquisador de políticas públicas e governança arquivística. A profissão de arquivista e a de técnico de arquivos foram aprovadas pelo Congresso Nacional em 1978. Ao longo desses 43 anos, os arquivistas vêm dando uma grande contribuição ao País, tanto no setor público, como no setor privado, num processo constante de redinamização dos seus saberes, dos seus fazeres, à luz das tecnologias da informação, dos avanços da arquivologia e da democratização do Brasil.
Os arquivistas participaram de forma ativa, com outros atores, do processo que por 10 anos, de 1981 a 1991, levou à aprovação da Lei de Arquivos, a Lei nº 8.159, em janeiro de 1991. A Lei de Arquivos começou a ser concebida nos anos de 1980 e 1981 pelo Arquivo Nacional e foi objeto de várias versões debatidas com a comunidade profissional e com vários atores.
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10:29
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A proposta mirava o papel dos arquivos para o Estado e a sociedade, os direitos à memória e o acesso à informação na agenda da democratização do País. A lei, portanto, é fruto de um debate não só longo, mas também democrático, e é fruto da agenda de democratização do País.
Este debate foi, entre aspas, "interrompido" no período da Constituinte, quando nós também participamos como comunidade profissional para trabalharmos juntos, os constituintes, sobretudo naquilo que viria a ser o § 2º do art. 216, aqui mencionado, que diz que cabe à administração pública a gestão da documentação governamental, além da consulta aos que dela necessitem. Isso quer dizer que a gestão dos documentos é um preceito constitucional do Brasil, e colegas de outros países nos invejam por isso.
Após a Constituição, surge um novo projeto de lei, aliás, novos projetos de lei, que refletem e continuam os anteriores, mas inserindo as conquistas constitucionais. É bom lembrar que o projeto de lei levou em conta o melhor da legislação arquivística internacional. Nós estudamos várias leis internacionais, e o projeto de lei contou, na sua formulação, com o apoio da UNESCO e do Conselho Internacional de Arquivos, e não por acaso segue como uma lei muito consistente, em que pese a importância de atualizá-la em determinados aspectos.
Naquele momento, no fim dos anos 80 e início dos anos 90, a experiência internacional e o ordenamento jurídico brasileiro — eu não sou advogado, devo frisar — ressaltavam, sobretudo, o caráter conceitual da lei. Era recomendável que a lei fosse clara, didática, e que favorecesse os aspectos operacionais gerais pretendidos, mas que determinados aspectos micro-operacionais fossem objeto de decretos regulamentares. Isso significava reconhecer mudanças e atualizações que se fizessem necessárias ao longo do tempo, mediante decretos regulamentadores, o que pouco ocorreu.
Era clara também a importância de se levar em conta — isto foi muito debatido — o pacto federativo brasileiro consolidado na Constituição. Uma lei de arquivos de um país federalista e a de um país unitário tendem a ser distintas, não tanto na dimensão arquivística, mas na estrutura de operacionalização.
A vocação federalista do Brasil e a autonomia dos Poderes, aprovadas na Constituição, tinham que estar, e estão, presentes na lei. A recomendação internacional naquele momento, que continua pertinente para qualquer país que inicie um processo deste tipo, era um tripé legal, ou seja, três legislações distintas, mas muito conexas:
a Lei de Arquivos; a Lei de Acesso à Informação, que só foi aprovada em 2011; e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, aprovada em 2018. A constituição deste tripé não se deu naquele momento, por uma série de condições. Não por acaso, a Lei de Arquivos foi aprovada em 1991 com o Capítulo V, que versava sobre o acesso à informação. Este capítulo cai, com a aprovação da Lei de Acesso à Informação.
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Todos sabíamos, desde a concepção desta lei, que sua aplicação jamais seria simples. Ao contrário, ela exigiria uma complexidade de processos e ações de agentes do Estado e da sociedade civil. Por quê? Porque são periféricas no Estado brasileiro as instituições arquivísticas, assim como os quase sempre precários serviços de arquivo — quando existem — nos órgãos públicos. Esta "periferização" dos arquivos e das suas informações faz parte do DNA autoritário do Estado brasileiro.
Diante disso, era evidente que a aplicação da lei seria difícil, porque ela é um instrumento que vai no sentido contrário ao da opacidade, da corrupção, da falta de acesso à memória, da falta de acesso à informação, dos direitos gerais da cidadania, que são aspectos históricos e estruturais da relação entre o Estado e a sociedade no Brasil.
A Lei de Arquivos, nos termos dos avanços da Constituição de 1988 e da democratização do Brasil, é o primeiro instrumento a combater esta "periferização". A Lei de Arquivos é um divisor de águas para os arquivos brasileiros. A situação arquivística do País certamente seria muito pior sem ela.
Antes da Lei de Arquivos, os arquivos públicos não existiam, de certa forma, como figuras jurídicas. Sua existência e, sobretudo, sua autoridade na estrutura do Estado como um órgão apenas são estabelecidas a partir da lei, ou seja, com a lei, rompe-se aquele modelo até então vigente, no qual as instituições arquivísticas desempenhavam, na melhor das hipóteses e muito passivamente, uma função de, entre aspas, "arquivo histórico periférico", desvinculado do conjunto da administração pública. A propósito, algo importante no projeto de lei proposto pelas Sras. Deputadas é explicitar a ideia do arquivo público como instituição que exerce atividades típicas de Estado. Vários governos, em diversos âmbitos da Federação, ainda não o reconhecem assim.
A Lei de Arquivos favoreceu avanços notáveis, se a compararmos com o cenário anterior à sua aprovação. Porém, muitas questões que perduram no campo arquivístico brasileiro, como documentos físicos e digitais que existem no Estado brasileiro sem o tratamento e o acesso devidos, não resultam de problemas da lei, mas da sua não execução com a plenitude que deveria haver. Problemas recentes como os da FUNARTE, da Fundação Palmares, da Cinemateca Brasileira e, ainda, a doação de arquivos privados de interesse do País para outros países e a proposta da Prefeitura de São Paulo de transferir funções da gestão de documentos do Arquivo Municipal para a iniciativa privada são apenas a ponta do iceberg.
Da mesma forma, é a situação, mencionada aqui, do acervo do Ministério do Trabalho, cujo recolhimento ao Arquivo Nacional foi recomendado pelo Ministério Público do Trabalho em 2018.
Há graves problemas de preservação e acesso em acervos arquivísticos no Governo Federal, Estaduais e Municipais. Faltam arquivos municipais na maioria dos Municípios. Dos 5.570 Municípios, apenas 382 possuem arquivos instituídos, segundo levantamento realizado pelo Arquivo Nacional em 2020.
O Conselho Nacional de Arquivos, que tem por finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e privados, até hoje não cumpriu esta finalidade, apesar de suas contribuições relevantes em outros aspectos. O funcionamento do Sistema Nacional de Arquivos está longe da realidade. Este cenário resulta de eventuais limitações da lei? Não é possível afirmar isso de forma simplista, já que são vários os problemas em nossos arquivos, em nosso sobrevivente patrimônio documental, físico ou digital, que derivam, sobretudo, do fato de a Lei de Arquivos não ter sido aplicada pelo Estado em todo o seu potencial, apesar, como já foi mencionado aqui, da existência de uma comunidade profissional ativa, de universidades empenhadas no ensino, na pesquisa e arquivologia e de demandas recorrentes da sociedade civil em geral.
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10:37
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Os vários aprendizados, com sucessos e limitações da Lei de Arquivos, após duas décadas de experiência, tornaram sua atualização uma demanda da comunidade profissional, demanda que se consolida já nos últimos 10 anos. Faltou, por exemplo, que a lei, como eu mencionei, fosse plenamente regulamentada. Por várias razões, que transcendem meu tempo de fala aqui, faltou interesse do poder público, em diversos âmbitos, na regulamentação de vários aspectos da lei, e faltam políticas públicas de arquivos em vários âmbitos.
O consenso entre vários atores quanto à necessidade de atualização da Lei de Arquivos não se deu, portanto, por uma crítica descomunal à qualidade geral da lei existente. Nós temos uma das melhores leis de arquivos do mundo. Seriam necessários, sim, atualizações pontuais e aprimoramentos, sem comprometimento de suas bases fundamentais. Atualizar a lei sem aplicá-la via políticas públicas e sem dotar os arquivos da devida infraestrutura física e humana significaria seguirmos, em muitos casos, no comprometimento do patrimônio documental do País, do direito à cidadania, à memória e à informação.
É bom lembrarmos que não se colocou em questão, inclusive, na primeira, e infelizmente única, Conferência Nacional de Arquivos, em 2011, a necessidade de uma nova lei, mas, sim, a necessidade da sua atualização à luz de novos elementos que pudessem fortalecê-la sem comprometê-la em seus fundamentos.
É importante lembrar que a Conferência Nacional de Arquivos, realizada em 2011, foi uma proposta do então Ministro da Justiça, o Sr. José Eduardo Cardozo, diante da inquietação da comunidade arquivística com a volta do Arquivo Nacional para o Ministério da Justiça, depois de anos na Casa Civil da Presidência da República. Aliás, o primeiro entendimento do projeto de lei é que o Arquivo Nacional deveria ser vinculado, como órgão de Estado e numa posição estratégica, à Casa Civil da Presidência da República, e não ao Ministério da Justiça.
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10:41
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A conferência foi um processo altamente democrático, conduzido pelo Ministério da Justiça, envolvendo diversos atores em um momento de alta valorização, ao contrário deste momento de controle social do Estado, como elementos de governança.
A estrutura da conferência do CONARQ teve seis eixos temáticos, e um deles foi exatamente o regime jurídico de arquivos no Brasil, que dispõe a Lei nº 8.159.
O sucesso da conferência gerou a expectativa de uma segunda conferência, o que infelizmente ainda não ocorreu, mas está previsto no planejamento estratégico do CONARQ para 2023.
A Conferência Nacional de Arquivos aprovou várias recomendações. Esse é um documento valioso que pode muito favorecer a proposta de lei em discussão nesta audiência. Parece-me que o projeto atentou bastante para essas recomendações. Eu não vou aqui mencioná-las por falta de tempo.
Recomendo também, caso não tenha ocorrido, que sejam considerados os resultados dos documentos do Plano Setorial de Arquivos no marco do Plano Nacional de Cultura, de 2016.
Com base nessas e em outras recomendações, como foi mencionado aqui, o CONARQ realizou, em 2013, uma consulta pública e, em 2014, aprovou uma proposta de atualização da Lei nº 8.159. Ou seja, há 7 anos, o CONARQ remeteu uma proposta de alteração da Lei de Arquivos ao Ministério da Justiça e, salvo outra informação, nada aconteceu quanto a isso. Essa proposta do CONARQ de 2014, que provavelmente foi também estudada para este projeto de lei, acolhe sugestões da consulta pública, não todas, avança na atualização da modernização da lei, mas ignora outras, como, por exemplo, aquelas que tentam fortalecer os serviços públicos arquivísticos do poder público. Esse aspecto não foi contemplado na Lei de Arquivos naquele momento diretamente ou com a evidência que seria necessária hoje. A Lei de Arquivos enfatizou, de maneira muito pertinente, o fortalecimento das instituições arquivísticas públicas. Esses serviços arquivísticos, quando existem, em geral são unidades técnico-administrativas periféricas das estruturas da maior parte dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais.
Esse quadro é, sem dúvida, um dos obstáculos à construção ou à implementação de políticas arquivísticas. E seu fortalecimento, no marco da lei, com uma possível atualização, é fundamental, inclusive à luz da Lei de Acesso à Informação e da Lei Geral de Processamento de Dados. A LAI e a LGPD precisam de arquivos bem gerenciados.
Então, repito, nós temos uma das melhores leis do mundo que merece ser atualizada levando em conta os caminhos que já foram traçados em três décadas e os que não foram devidamente desenvolvidos. Entendo, porém, que é imprescindível que essa atualização se dê em um contexto social, político e democrático favorável à ampliação das conquistas realizadas. Em um cenário em que muitas conquistas democráticas estão sendo minadas, nós precisamos ter muito cuidado com a salvaguarda do avanço democrático, representado pela Lei nº 8.159.
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10:45
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Dados a complexidade que envolve uma possível atualização da lei e o contexto que estamos vivenciando no Brasil de hoje, parece importante que mais audiências sobre o projeto de lei ou outras iniciativas semelhantes sejam consideradas pelas Sras. Deputadas.
Outro ponto é que diversos aspectos do projeto de lei em discussão parecem ser mais compatíveis com decretos regulamentares. Além disso, é preciso considerar os temas que, mesmo sendo próximos do universo arquivístico, transcendem os limites de uma lei de arquivos.
Então, acho importante valorizar as reflexões que possam ser sistematizadas pelo CONARQ, que, apesar das suas limitações institucionais, é uma instância relevante que representa o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia profissionais junto a outros atores representativos do campo arquivístico brasileiro. Espero também que se levem em conta outras contribuições de outros agentes da sociedade civil.
Finalmente, ressalto que o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil coloca-se à disposição para contribuir ativamente em qualquer processo de aperfeiçoamento da lei. A comunidade profissional precisa e quer ser ouvida, especialmente em uma perspectiva futura, reforçada com a criação dos Conselhos Federal e Estaduais de Arquivologia, que seriam instâncias relevantes para a aplicação da Lei de Arquivos.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nós que agradecemos as suas contribuições.
A SRA. BENEDITA DA SILVA (PT - RJ) - Após a última, Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Está ótimo.
Sou Diretora-Geral do Arquivo Nacional e Presidente do Conselho Nacional de Arquivo — CONARQ, tão falado aqui, órgão colegiado vinculado ao Arquivo Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública que tem por finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e privados como órgão central do Sistema Nacional de Arquivos, além de fazer a orientação normativa visando à gestão documental e à proteção especial do documento de arquivo.
Essas questões todas são constitucionais. Elas estão registradas na Constituição. Particularmente, a Lei nº 8.159 dispõe sobre essa política e delega ao poder público essas responsabilidades. A lei vem ratificar o dever do poder público para com a gestão documental e a proteção especial de documentos de arquivos como instrumento de apoio à administração, à cultura e ao desenvolvimento científico e como elemento de prova e de informação. A lei estabeleceu também que o CONARQ é o órgão central do SINAR.
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10:49
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Estou colocando essas questões que já foram levantadas aqui porque elas vêm ao encontro da questão da mudança do projeto.
O CONARQ vem atuando para o cumprimento dessas atribuições. Em abril de 2019, o CONARQ foi descontinuado por decreto, que extinguiu, estabeleceu diretrizes e limitou a atuação dos colegiados, foi recriado pelo Decreto nº 10.148, de 2019, e só voltou a funcionar em outubro de 2020. Então, nesses 10 meses de funcionamento, temos um CONARQ novo, renovado, que se encontra em funcionamento e que apresenta alguns avanços em relação à sua atuação anterior.
Destaco alguns avanços: seleção de conselheiros, representantes dos arquivos municipais e estaduais e sociedade civil, por meio de editais públicos; aprovação de um regimento interno novo, que dá transparência, agilidade ao debate interno e apoio à constituição de câmaras técnicas construtivas; elaboração do seu primeiro planejamento estratégico publicado para o período de 2021 a 2023; e iniciação da elaboração da sua agenda regulatória. Eu acredito que muitas das questões colocadas no projeto de lei são muito necessárias e devem ser objeto dessa agenda regulatória. Destaco ainda que, a partir dessa reinstalação, as sessões do colegiado passaram a ser transmitidas ao vivo pelas redes sociais. E, conforme o planejamento estratégico do CONARQ, o objetivo dele é viabilizar a política nacional de arquivos e ampliar o seu alcance por meio de ações estratégicas coordenadas e de uma atuação transparente, integrada e colaborativa.
Todas essas propostas visam a atender aos princípios necessários de uma governança pública pautada no respeito aos gestores, aos técnicos e aos usuários das instituições arquivísticas, na preservação da memória e na transparência pública. Cabe ressaltar que o CONARQ vem articulando essas ações recentes aprovadas para aprimorar o funcionamento do SINAR. E, como dito aqui, está prevista uma segunda Conferência Nacional de Arquivos com o objetivo de propor diretrizes para o aprimoramento dessa política.
Conforme bem lembrado no projeto de lei das Deputadas, a gestão de documentos e arquivos é assunto técnico de grande repercussão em todo o País e precisa, em meu entendimento, ser abordada numa esfera de discussão também com os técnicos. Por essa razão, o CONARQ continuará este amplo debate com a comunidade arquivística para aprimorar continuamente o seu arcabouço legal e normativo.
Em relação à Lei nº 8.159, neste ano em que ela completa 30 anos de existência, eu tenho tido a oportunidade de participar de lives e de debates. Em várias ocasiões, eu disse que, apesar dessas 3 décadas de existência, com as mudanças tecnológicas que têm acontecido, essa lei, por ser principiológica, é vanguardista.
É tão vanguardista que consolidou o princípio constitucional de acesso à informação como direito do cidadão, estabeleceu a importância do documento de arquivo para a sociedade brasileira e é referência, como também já foi dito aqui, para os arquivos dos países da América Latina que têm se baseado nessa lei para elaborar os seus dispositivos legais. Para se ter uma ideia — e já foi mencionado pelo professor —, o primeiro marco legal de acesso à informação foi de dispositivos da Lei de Acesso à Informação que foram revogados, porque mais detalhados, depois, na LAI. E também questões de sigilo e de proteção de dados, que estavam presentes na Lei de Arquivos, foram depois revogadas na implementação da LAI. Então, essa lei, por tratar de princípios e não entrar em detalhes técnicos, tem se mantido atual.
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10:53
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Como Presidente do CONARQ, eu tenho consciência da necessidade de aprimorar o funcionamento do colegiado na implantação e aprimoramento das políticas. Mas, sobretudo, quero concordar com os que falaram antes de mim sobre a necessidade de investimentos públicos dos entes federais e subnacionais na implantação e manutenção dos arquivos públicos. E, para a obtenção de recursos públicos, eu sei, no entanto, que é preciso ter programas de ação, projetos, e talvez seja isso que tenha faltado na regulamentação da lei, na atuação do CONARQ. Nesse sentido, nós consideramos a apresentação deste PL uma iniciativa que pode vir a se somar a este debate em torno desses temas prementes de gestão de informação, de acesso e de preservação.
Uma questão que precisa ser abordada é a aplicação da LGPD às questões de arquivos. Então, este debate deve continuar, mas acho que ele deve ser conduzido de forma mais ampla, mais técnica e mais democrática. O CONARQ espera poder colaborar nisso. E, embora o CONARQ, do ponto de vista do estabelecimento de normas, já tenha feito uma contribuição ímpar, nós fizemos essa semana a sessão de número 100, o que significa uma atuação longeva e constante. Nós temos consciência, no entanto, da falta de estruturação do SINAR em torno de um programa de ação comum. Sem projeto, sem programa de ação, nós sabemos que não haverá investimento. E faltam investimentos dos diferentes Governos, falta fiscalização dos órgãos de controle, falta até uma maior preocupação do Ministério Público.
A escassez desses recursos para investimentos é uma preocupação que tem que ser considerada. No âmbito do Arquivo Nacional, nós já estamos trabalhando na implantação de uma política de gestão de documentos e arquivos para a administração pública federal.
Nós estamos tentando suprir várias dessas questões abordadas aqui em relação aos órgãos da administração pública federal com essa política do SIGA — Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos, que é um dos sistemas estruturadores da administração pública, cujo órgão central é o Arquivo Nacional; estamos trabalhando com capacitação e com custódia compartilhada.
Uma questão, por exemplo, que foi muito abordada aqui é a dos serviços arquivísticos na política que está sendo estabelecida pelo decreto que está em tramitação. Ele foi encaminhado pelo Arquivo Nacional, após uma consulta pública ampla que contribuiu bastante para o aprimoramento desse decreto, e nele colocamos a necessidade de os acervos não serem alienados, transferidos nem dispersos. Os documentos de público e de guarda permanente precisam realmente dessa proteção, e o Arquivo Nacional está identificando esses mecanismos. Os arquivos centrais dos órgãos deverão ser constituídos formalmente. Haverá um programa de ação, um plano de trabalho; nós estamos chamando os órgãos de controle para atuar na fiscalização desse cumprimento.
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10:57
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Do ponto de vista da administração pública federal, nós estamos trabalhando para implantar um programa de trabalho, e cada órgão terá que fazer o seu plano de ação, como hoje é feito em relação aos dados abertos, por exemplo, em que cada órgão precisa desenvolver seu plano de trabalho. Nós entendemos que esse será um avanço e que nós teremos condições melhores para atuação dos sistemas dos órgãos da administração pública federal. E esse programa que estamos propondo para a administração pública federal já está bastante consolidado, no sentido de estarmos desenvolvendo os normativos e os modelos, para que, quando o decreto sair, possamos divulgá-lo para a administração pública federal. Em nosso entendimento, é uma ação que precisa ser feita em relação aos outros entes subnacionais, aos outros órgãos integrantes do SINAR. Acreditamos que o problema da falta de recursos para as instituições de memória, para os arquivos, para os aparelhos culturais infelizmente é um comportamento histórico do Estado brasileiro que precisa ser revertido.
Na audiência pública de que tive a oportunidade de participar, em abril, a convite desta Comissão de Cultura, eu já coloquei para os senhores que nós precisamos de emendas parlamentares direcionadas aos arquivos públicos estaduais e municipais. Mais que um arcabouço normativo, nós precisamos de programas de trabalho, de programas de ação, de investimento e de criação de arquivos. O CONARQ, no começo deste ano, encaminhou correspondência a cada Prefeito, e agora a estamos encaminhando às Assembleias Legislativas Municipais solicitando a criação de arquivos públicos e o fortalecimento dos poucos existentes. A questão é que nós precisamos implementar programas, e esses programas deverão trazer dinheiro, porque não dá para fazer política pública sem investimento.
Eu trabalho no Ministério da Justiça, pois o Arquivo Nacional é subordinado ao Ministério da Justiça, e vi como estavam fazendo política de segurança pública, por exemplo, projetos de investimentos e transferência de recursos a Estados e Municípios.
Nós precisamos disso em relação aos arquivos municipais.
Eu poderia falar muito mais, mas já ultrapassei o meu tempo.
Agradeço a oportunidade e o interesse da Comissão de Cultura. Agradeço as Deputadas por voltarem seus olhares para a questão dos arquivos. É um trabalho muito bem intencionado o que as senhoras estão fazendo. Mas faço coro aos que me antecederam: acho que temos que tratar essa alteração legislativa dentro de um contexto mais amplo, mais participativo de toda a sociedade brasileira.
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11:01
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Chegamos ao final das exposições dos nossos convidados e convidadas.
A SRA. BENEDITA DA SILVA (PT - RJ) - Bom dia a todos e a todas!
Quero agradecer muito o comparecimento dos convidados na Comissão para esta audiência pública, agradecer também a Presidenta Erika Kokay, presidindo hoje esta reunião, observando sua capacidade e competência de informar a cada um aquilo que estamos propondo em nosso projeto como representantes legislativos.
Dizem que de boas intenções o inferno está cheio. Mas esta é uma Casa Legislativa que reconhece que um projeto, principalmente partindo das Deputadas Erika Kokay e Benedita da Silva, é diálogo — é diálogo! Os senhores não têm condição de apresentar um projeto, a não ser que contenha milhões de assinaturas, e assim mesmo não sabemos se vai para a pauta. Esse é o nosso papel. Nós estamos nos colocando no nosso papel de legisladoras. E, como legisladoras, estamos apresentando a todos os senhores aquilo que iniciamos com a ajuda de técnicos e de representantes da sua área, para que V.Sas. possam colaborar conosco. Não é só uma vontade política nossa. Nós temos vontade.
Mas todos os projetos são feitos e formulados a partir de uma assessoria técnica competente voltada para esse momento de apresentação de projetos. Por que eu digo isso? Porque quero prestigiar também todos os nossos colaboradores da parte legislativa que nos ajudam na elaboração dos nossos projetos, que nos dão segurança técnica. A parte política é o que nós estamos fazendo neste momento: abrindo espaço para que todos possam dar sua contribuição.
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11:05
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Eu penso que um projeto de lei é melhor que um decreto. Essa é a preocupação do legislador. Com um decreto, a viabilidade de trocar é incrível, principalmente se tratarmos de um Governo que muda até a Constituição, que muda também projetos de lei. Então, precisamos salvaguardar a política pública. É isso que nós queremos, porque, independentemente de quem seja Governo, A, X ou B, nós teremos uma política pública funcionando. E sabemos que qualquer lei — qualquer lei — está sujeita a aprimoramento. É o que este projeto busca fazer: ajudar no aprimoramento daquilo que já se tem e que é aproveitável.
Eu prestei muita atenção a cada um dos senhores e das senhoras. Uma parte da questão que foi colocada pela Deputada Erika é a de que estamos nos orientando pela auditoria do Tribunal de Contas da União, que recomenda: a criação de uma caixa de ferramentas; a melhoria da gestão dos arquivos e da salvaguarda; a formação de servidores; o protocolo de padrões e o fluxo; a melhoria desse manuseio para a preservação dos arquivos em todos os formatos; e o comprometimento para o cumprimento desses protocolos. Isso é importante para os senhores e as senhoras, que têm essa expertise.
O que nós não podemos é colocar no lugar de um técnico dessa área alguém que não possui conhecimento para o tratamento desses acervos. Nós precisamos compreender isso. É um objetivo fazê-lo, e fazê-lo com propriedade. Então, fiquem tranquilos, porque nós vamos fazer isso com a contribuição de todos os senhores. Iremos refletir em cima dessas contribuições e, se necessário, faremos outras audiências, porque a nossa iniciativa é uma iniciativa democrática.
Já convidamos os senhores, o que não nos impede de convidarmos também outros, para que todos tomem conhecimento deste projeto e possam dar sua contribuição, a sua contribuição independente, mas somando-se a isso também a prioridade dos senhores e das senhoras de estar aqui conosco para discutir o projeto.
Nós abrimos esse projeto. Não há nenhum problema quanto às audiências, quanto à contribuição.
Eu peço a todos e a todas, agradecida, que mandem as suas colaborações, além da manifestação de hoje. Nós vamos nos debruçar sobre isso. Se necessário for, faremos outra audiência, sempre no sentido colaborativo, não no sentido de recuo. Nós queremos avançar, aprimorar, adequar a lei, para que possamos ter salvaguardas, para que possamos ter o orçamento que o Thiago colocou. Para isso nós precisamos ter um projeto de segurança e precisamos saber quais entes serão responsáveis pela execução. Nós temos que conhecer quem são eles. A partir daí, eu tenho certeza de que estaremos com equipes adequadas às nossas demandas, para dar esse tratamento aos nossos acervos.
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11:09
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Eu concluo dizendo que o que mais fez acender isso em mim, de acordo com o que nós estamos propondo em nossos mandatos como política cultural, foi a preservação dos nossos acervos. Os acervos contêm a identidade de um povo, de uma nação, no caso, a arte, as raças, os costumes, a ciência, o conhecimento, o saber. Isso tem que ser democrático, com acessibilidade para todos, sem que haja nenhum recorte ideológico. É preciso preservar nosso acervo. O que nós esperamos com esse projeto é dar essa contribuição para o País, para o País e para a população brasileira.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputada Benedita.
Eu vou devolver a palavra aos convidados, para as considerações finais, pelo prazo de 2 minutos, na ordem inversa, como eu anunciei, mas, antes disso, quero fazer um agradecimento, porque, como disse a Deputada Benedita, essa proposição, esse projeto de lei, teve a contribuição da Consultoria da Casa, que deu a formatação legislativa, o recorte legislativo, e também teve a contribuição dos gabinetes e, especialmente, do Centro de Documentação e Informação da Câmara, cuja experiência, cujo locus concreto foi muito importante para nos ajudar a superar todas as deficiências e a dor.
O Vanderlei expôs vários processos que doem bastante em cada um e cada uma de nós que quer que este Brasil se abrace na sua condição de Nação. Há toda essa depredação.
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11:13
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Numa das primeiras reuniões que fizemos, com outras entidades, nós vimos o acervo do Ministério do Trabalho. Aquilo foi muito doído. Ficou tudo jogado, esquecido. Ali é história, é história que perpassa várias épocas do Brasil, com vários recortes, com várias ênfases. É preciso que o povo brasileiro se aproprie da sua história, da sua memória. A memória não é algo que pode ser arrancado de um povo, porque assim o povo deixa de ter raízes, a condição para ir ressignificando sua própria existência, e acaba sendo moldado como uma massa, de acordo com quem está ocupando os postos de mando, ou de governo, deste País. Não pode ser isso. Nós temos que ter a preocupação de preservar e a preocupação de manter uma unidade, porque existem acertos que são muito fragmentados, mas que dialogam entre si. As políticas públicas dialogam entre si, elas não são solitárias, posto que os direitos também não são solitários.
Nós vamos sugerir o prazo de até 10 de setembro para que as pessoas encaminhem sugestões para a proposição. Achamos que é muito importante ter esse marco, que de certa forma é uma resposta desta Casa, uma resposta que nós queremos ver construída democraticamente. A democracia é um princípio, é um valor, do meu ponto de vista, absolutamente universal e radical, radical no sentido de Hegel, no sentido de raiz do próprio problema. Então, até o dia 10 de setembro nós vamos colher aqui, através do e-mail, que já foi posto, desta Comissão de Cultura contribuições para que possamos aprimorar o projeto e trabalhar com a celeridade necessária, sem prejuízo do aprofundamento da discussão no que diz respeito ao próprio projeto e a essa readequação, diante do momento que estamos vivenciando. Há muito fogo neste País, e este não é o fogo do ardor, não é o fogo da paixão, não é o fogo metafórico: é o fogo concreto, nas nossas matas, nas nossas florestas e também na nossa história. E como é que se pode imaginar, apesar de não ser tão direta a relação — mas a relação existe —, a precificação de um prédio como o Capanema. Como se pode pensar em precificar algo que faz parte da nossa própria história?
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11:17
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A SRA. NEIDE ALVES DIAS DE SORDI - Deputada Erika, Deputada Benedita, para nós é importante o olhar da Comissão de Cultura para essas questões. Estaríamos incomodados se não fosse assim. Certamente, o CONARQ poderá contribuir para o aprimoramento disso. Inclusive, quero ressaltar que o CONARQ é tão plural, que representa todas as instâncias da administração pública e todos os poderes. O Vanderlei é um dos conselheiros, temos representantes do Judiciário, e toda a sociedade civil está representada.
Nós entendemos que a adequada gestão de documentos é condição essencial para o acesso à informação e para a transparência pública. A transparência passiva do Estado depende da existência de arquivos organizados, e esses arquivos públicos não existem. Acreditamos que um projeto de lei possa facilitar isso sendo mais incisivo na institucionalização dos arquivos públicos.
Eu quero ressaltar que essa preocupação da Comissão de Cultura vem ao encontro de outras preocupações. O Arquivo Nacional passou recentemente por uma auditoria da CGU — não os contratos, não as nossas questões administrativas, mas o papel do Arquivo Nacional como órgão central do SIGA. Nós temos agora, já foi publicizado, o relatório da auditoria. Os nossos processos de trabalho para atender aos órgãos da administração pública passaram por essa lupa, por esse escrutínio da CGU, e foram recomendados aprimoramentos à atuação do Arquivo Nacional e à atuação do próprio SIGA.
Também recentemente... Não, acho que é hoje que nós vamos encaminhar, em atendimento ao TCU, preocupado com a preservação dos acervos, as ações que o Arquivo Nacional está desempenhando para a preservação dos seus acervos. Eu digo que estamos lá em obras, criando todas as condições estabelecidas pelo Corpo de Bombeiros. Já gastamos mais de 7 milhões e 500 mil reais só na adaptação para atendimento das demandas do Corpo de Bombeiros.
Quero dizer também que, de acordo com o projeto de lei, o Arquivo Nacional passa a ser apenas instituição arquivística do Poder Executivo. Hoje nós somos a instituição arquivística nacional, e preservamos vários fundos privados que ganharam a condição de fundos de interesse público e social. É importante para nós que o Arquivo Nacional continue a ser a autoridade arquivística nacional, mantendo o seu papel de salvaguardar outros acervos importantes para a sociedade brasileira, além dos arquivos públicos federais.
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11:21
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Tem, então, a palavra o Sr. José Maria Jardim, para suas considerações finais.
Como eu disse no início, para todos nós é reconfortante podermos exercitar um diálogo democrático sobre um tema que nos é tão caro, sobre uma conquista democrática que foi tão batalhada por todos nós e que, no processo democrático, pode, sim, ser melhorada.
Nesse sentido, com os cuidados e consensos que podemos ter do ponto de vista conceitual e técnico, o Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil se coloca à disposição das Deputadas e se compromete em prosseguir participando desse diálogo democrático, oferecendo as suas contribuições para que o projeto de lei chegue a bom termo, tornando ainda melhor algo que conseguimos com muita luta, algo que pode ser requalificado numa perspectiva democrática mais ampla, o que esperamos para este País, com as devidas políticas arquivísticas, com a participação da sociedade civil e com o direito à memória e o direito à informação efetivamente garantidos, aspectos que nesse momento estão tão comprometidos.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nós é que agradecemos, Sr. José Maria Jardim.
Quero pontuar que esse projeto ainda não está com a tramitação definida. Ele deve passar por esta Comissão de Cultura, assim como é possível que passe por outras Comissões. Mas nós queremos, até o dia 10 de setembro, ver a possibilidade de aprimorarmos a proposição, com a contribuição para esta construção de todas e todos sobre os diversos pontos e dos diversos lugares onde cada um e cada uma está.
Fica evidente, pela fala da Deputada Benedita, a vontade do diálogo e a vontade de realmente reunir esforços numa questão que é cara para a área da arquivologia, para os arquivistas e para os cursos de arquivologia. Eu falo aqui pelo Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia, que se coloca também à disposição para auxiliar nesse processo, então, até a data que a Deputada Erika Kokay colocou agora, o dia 10 de setembro. Acho que só essa possibilidade e a forma como esta audiência foi montada demonstram o cuidado das Deputadas em estabelecer um diálogo com a sociedade civil, com as áreas que têm relação e interesse na questão arquivística — isso fica muito claro.
Eu gostei muito da fala da Deputada Benedita, que é agregadora e integradora.
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11:25
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Com certeza, as legislações precisam avançar, e esse avanço só será possível com uma proposição do Legislativo, como ela bem disse, e também, é claro, com o apoio daqueles que estão ali na ponta da lança, sofrendo com as condições precárias dos arquivos públicos no Brasil. Eu acho que isso fica evidente, e realmente me sinto abraçado pela fala da Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Thiago.
A SRA. BEATRIZ KUSHNIR - Nobres Deputada Erika Kokay e Benedita da Silva, mais uma vez eu gostaria de agradecer a oportunidade, em nome da área da arquivologia e da ANPUH, de participar deste espaço democrático de discussão.
Eu gostaria de reforçar mais uma vez a importância da implementação da Lei nº 8.159, de 1991, na sua totalidade — essa é uma conclamação da área — e a importância da realização de um amplo debate, que tenho certeza de que faremos, com a comunidade arquivística e todos os servidores multidisciplinares das áreas afins dos arquivos, para o fortalecimento de recursos humanos e financeiros nas nossas instituições públicas.
Peço, por gentileza, a recuperação do texto legal que passou por consulta pública e que se encontra no Ministério da Justiça, para que as nobres Deputadas tenham maior noção do que a área, após a Conferência Nacional de Arquivos, instituiu como importante para que o PL pudesse avançar.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Beatriz.
Eu queria terminar minha fala dizendo que há coisas que me marcaram bastante, como a questão de menos de 5% dos Municípios terem arquivos instituídos. Acho que é um fator importante, bem como a questão que a Neide colocou, de recursos sólidos a serem administrados, pensando-se em todos esses projetos que entendemos ser necessários.
Eu só leria um trecho rapidamente, dentro dos meus 2 minutos, de um axioma do Trevor Owens sobre preservação digital. Ele diz o seguinte: "Definições altamente tecnológicas sobre a preservação digital — e eu incluo a analógica aqui — são cúmplices em silenciar o passado". Eu acho que esse é um termo importante.
Esse termo está presente no título do livro Silenciando o passado: poder e a produção da história, de Michel-Rolph Trouillot, um reconhecido antropólogo haitiano, na publicação de 1995, traduzido para o português e publicado pela Huya Editorial, em 2016. Acrescento que hoje também se fala em silenciamento dos arquivos, ou seja, sobre a possibilidade de o arquivo ser silenciado com as ações que tomamos em relação a eles.
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11:29
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Quando pensamos na produção digital e na analógica e no comprometimento necessário para a sua preservação, fica fácil entender que há uma relação direta entre acesso à informação, recursos e know-how para a realização de um programa de preservação analógica e digital. Somente as instituições mais abastadas poderão fazer isso. Aquelas que têm menos dinheiro correm o risco de terem suas histórias silenciadas. O entendimento de que esse campo é complexo e requer todos os recursos acaba por afastar e intimidar as instituições com menos conhecimento, recursos humanos e materiais. Temos que pensar em soluções mais simples e bons programas de backup para garantir a longevidade dos dados digitais como o começo para um programa de preservação digital, envolvendo todas as instituições, evitando assim o silenciamento dos arquivos, dessas histórias e desses dados. Acho que num momento em que discutimos muito diversidade e inclusão, essa questão do silenciamento dessas histórias e desses arquivos fica ainda mais crucial dentro da nossa conversa sobre a necessidade de preservação de todas as histórias.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nós é que agradecemos a sua contribuição, Sr. Millard.
A SRA. PAULA CINQUETTI - Eu também gostaria de agradecer o convite e a oportunidade de trazer aqui reflexões acerca da fotografia. Peço licença para complementar com algumas proposições que eu não consegui concluir na minha fala anterior. Vou tentar falar bem rapidamente.
A fotografia está, cada vez mais, presente na vida de todos nós. É muito importante preservar digitalmente a fotografia analógica também. A questão de como trazer o incentivo para a arquivologia, para a área de acervo, é a grande discussão que foi gerada aqui em torno da mesa, e ocorreu-me a ideia de um fundo. Depois de debater com meus pares, pensamos no Fundo de Apoio a Acervos, que vou apresentar por escrito, mas sobre o qual eu gostaria de falar bem rapidamente. Vou trazer isso um pouco para uma reflexão sobre a fotografia, mas acho que dá para aplicar em todo tipo de acervo.
Quando falamos em fotografia, por onde se dá o seu maior contato com imagens no dia a dia, acho que logo pensamos nas redes sociais. E por onde mais vemos as redes sociais? Seria pelo celular. Pois bem, quando eu estava no Senado, em 2011, há 10 anos, foi votado o Marco Regulatório da TV por Assinatura, que, entre outras coisas, visava fomentar a produção audiovisual no País. Já está mais do que na hora de entrar em discussão, no Congresso Nacional, a questão de um marco regulatório das redes sociais. Além de questões eventualmente ainda não contempladas na Lei Geral de Proteção de Dados — LGPD, poderia ser contemplada também a eventual criação de um fundo para suporte a acervos nos mesmos moldes do Fundo Setorial do Audiovisual — FSA. Eu não sei se estou dizendo uma coisa muito absurda, mas o FSA, que tem verba da ANATEL, são diversos recursos, e também do Marco Regulatório da TV por Assinatura, foi um dos grandes elementos que fomentaram a indústria audiovisual nos últimos anos no País.
Nesses últimos 10 anos, pudemos ver o resultado nas telas de cinema. Então, eu acho que atrelar um fundo para o acervo aos negócios do País que consomem informação e que consomem acervo pode ser uma eventual solução para o nosso grave problema de recursos financeiros.
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11:33
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Outra questão é a de pensar na inclusão de acervos privados em acervos públicos. Na verdade, penso mais nos acervos a que eu tive muito acesso, como o da própria Câmara. Fiquei feliz em saber que o Centro de Documentação da Câmara ajudou também na elaboração deste projeto. Até sugiro que o Centro de Documentação do Senado participe também. Acredito que o debata vá para lá depois, onde as pessoas são muito capacitadas realmente.
O Poder Legislativo parece ter os órgãos mais cuidadosos. Pode ser uma opinião pessoal, mas realmente existe um grande cuidado na preservação, porque são preservados diariamente um volume grande de informação, de imagem, de vídeo, de foto, de taquigrafia.
O próprio setor jornalístico do Senado, por exemplo, utiliza muita fotografia externa, de acervos particulares, então há uma ideia também de trazer esses acervos particulares para uma guarda na esfera legislativa ou dos Ministérios.
Isso também foi amplamente debatido com os meus pares e apresentado na nossa proposição, que encaminharei por e-mail.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada pela sua contribuição, Paula Cinquetti.
O SR. VANDERLEI BATISTA DOS SANTOS - Eu queria começar da mesma maneira como comecei a minha intervenção inicial, agradecendo pela oportunidade.
Eu queria concluir a minha participação trazendo uma visão geral sobre essa questão de fundo da Lei nº 8.159, de 1991, que é o acesso à informação pública de fato.
Lembro que há uma série de elementos que dão suporte a isso. Um desses elementos é o que está agora em debate: a legislação ampla, discutida e fundamentada.
Precisamos de órgãos fiscalizadores fortes, que possam cobrar que essa legislação seja cumprida. Também precisamos de cidadãos que se mostrem decepcionados ou agredidos no momento em que uma legislação como essa não é cumprida. É preciso que eles possam denunciar. Precisamos de instituições de memória, instituições arquivísticas fortes, mas também precisamos de arquivos correntes respeitados, gerenciados e conduzidos por profissionais competentes.
Nesse último caso, eu queria chamar a atenção para uma discussão já de uma década que retornou agora com bastante força, que é a questão do conselho de arquivistas, como alguns já mencionaram.
O objetivo do conselho, no passado, sempre falado por todo mundo, era fazer o nicho profissional. A pergunta que se fazia no passado era: "Qual é o prejuízo que pode ter o não controle da profissão de arquivista?" Está mostrado hoje claramente que o prejuízo é uma memória perdida, uma informação não encontrada, uma instituição arquivística incendiada e coisas parecidas.
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu vou agradecer mais uma vez ao Vanderlei Batista dos Santos, à Paula Cinquetti, ao Millard Schisler, à Beatriz Kushnir, ao Thiago Henrique Bragato Barros, ao José Maria Jardim e à Neide de Sordi, Diretora-Geral do Arquivo Nacional. Agradeço muito a contribuição de vocês, obviamente a contribuição e a participação. Como disse a Deputada Benedita da Silva, estamos juntas na elaboração da proposição. Estamos juntas na construção desse requerimento para que pudéssemos fazer esta audiência pública, para que pudéssemos escutar e tecer este projeto, que acho que é uma urgência.
Esta Casa simplesmente não pode analisar de forma passiva e omissa o que está acontecendo neste País no que diz respeito à nossa memória, aos nossos acervos. Eu falo muito da Fundação Palmares, porque estivemos lá em diligência, mas o acervo artístico, o acervo histórico, o acervo literário, os acervos todos carregam uma história muito grande. Eles carregam momentos muito específicos da nossa história que, em verdade, não ficam nos limites cronológicos, porque vão se espraiando. Até por ausência de memória, eles vão se espraiando para a nossa contemporaneidade, ou seja, não fechamos os ciclos dos períodos traumáticos da história brasileira. E a memória, o acervo, enfim, o patrimônio imaterial e material deste País são elementos fundamentais para que nós possamos, mergulhando na nossa própria história e na nossa memória, avançar na perspectiva de superação de todos os momentos de profunda desumanização simbólica e literal que este País vivenciou e os momentos também em que este País se fez uma Nação. Então, nesse sentido, a memória é absolutamente fundamental e os arquivos, ou seja, a política de arquivos. Quando nós falamos, eu vou apenas repetir, na responsabilização mais aguda é para que você não ache que não existe estrutura. Ao não existir estrutura, ao não existirem instrumentos, tampouco existir poder fiscalizador a contento, que você possa achar que é assim mesmo e que vai ficar assim. Não! É preciso que nós ponhamos marcos e responsabilização. É claro que não pode ficar só na responsabilização, mas que isso coloque limites para que nós tenhamos a estrutura necessária à valorização dos arquivistas, à valorização de quem trabalha com os dados neste País, com os arquivos, com a memória, enfim, a valorização das pessoas; também a valorização dos instrumentos, dos órgãos, para que asseguremos um País mais livre e soberano, que só teremos se tivermos um olhar especial para a nossa própria memória e os arquivos que constroem a história deste País.
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A nossa intenção foi fazer esse processo de discussão. Não existem certezas absolutas e estanques. Nós demos um pontapé inicial com essa proposição, que é concreta, para não ficarmos apenas na discussão. É preciso a concretude da técnica legislativa. A partir daí, poderemos aprimorar o projeto, para que ele realmente alcance todos os seus objetivos.
Queria agradecer, mais uma vez, aos nossos convidados e às nossas convidadas. Falo em meu nome e em nome da Deputada Benedita, que propusemos esta audiência. Nós estamos absolutamente à disposição para o seu aprimoramento.
Gostaria de agradecer muito a contribuição de todas e todos, em particular da nossa querida Deputada "Benediva" da Silva. Nós já modificamos o nome dela, que não é mais Benedita. Há muito tempo, ela é "Benediva" da Silva pelo que representa para este Parlamento e para este País.
Nada mais havendo a tratar, vou declarar encerrada a presente reunião, mas, antes, gostaria de convocar os membros desta Comissão de Cultura para a reunião deliberativa extraordinária que acontecerá na próxima terça, dia 31 de agosto, às 14 horas. Na sequência, faremos uma audiência pública extraordinária, às 15 horas, para discutir o Projeto de Lei nº 1.518, de 2021, que institui a Política Nacional Aldir Blanc de fomento ao setor cultural e que traz outras providências.
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