3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Centro de Estudos e Debates Estratégicos
(Audiência Pública Ordinária)
Em 2 de Agosto de 2021 (Segunda-Feira)
às 15 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Da Vitoria. CIDADANIA - ES) - Com o acordo do nosso Relator, eu já cumprimento todas as senhoras e todos os senhores, o nosso Relator Félix Mendonça Júnior e os demais colegas. Prezados Consultores Legislativos, demais amigos aqui presentes, boa tarde!
Hoje realizaremos uma audiência pública na qual iremos tratar do tema Projeções para a Evolução da Dívida Pública Brasileira no Pós-Pandemia, tema esse proposto pelo grupo de estudos A Dívida Pública Brasileira: um novo estudo e relatado pelos Deputados Félix Mendonça Júnior e Denis Bezerra.
O objetivo da audiência é avaliar as projeções para a evolução da dívida pública brasileira no pós-pandemia com ênfase nos seguintes aspectos. O que esperar da dívida pública brasileira? Quais os cenários possíveis e os respectivos efeitos? Quais as medidas necessárias ao controle do aumento da dívida?
Esse grupo também tem como foco identificar os grandes detentores da dívida pública, as principais regras fiscais, a evolução do estoque das operações compromissadas e o papel do Congresso Nacional na fiscalização da dívida pública.
Hoje teremos dois palestrantes, que irão contribuir para o nosso estudo. O primeiro é Caio Megale, economista graduado pela USP e Mestre pela PUC do Rio. Foi Secretário de Indústria e do Comércio e Diretor da Secretaria Especial da Fazenda, do Ministério da Economia, e também foi Secretário Municipal da Fazenda em São Paulo. No setor privado, Megale foi economista, economista sênior do Lloyds Asset Management e da Gávea Investimentos. Em 2005, participou da Fundação Mauá Investimentos, da qual foi sócio e Economista-Chefe. Ele também é membro do Conselho de Administração do Banco Pan, do Conselho Fiscal do Banco do Brasil, da Elo Cartões, do Global Future Council e Agile Governance no Fórum Econômico Mundial.
O segundo palestrante, Otavio Ladeira de Medeiros, tem graduação e mestrado em Economia e também é Analista de Finanças e Controle na Secretaria do Tesouro. Ocupou vários cargos, entre eles o de Coordenador de Planejamento Estratégico da Dívida Pública e da Administração da Dívida Pública. Foi Chefe da Divisão de Análise e Planejamento da Dívida Pública e Presidente do Conselho Fiscal do Banco do Brasil.
O terceiro palestrante é Cristiano Romero, do Valor Econômico, jornalista formado pela Universidade de Brasília. Ele trabalha no Valor Econômico desde a sua fundação, foi o primeiro correspondente do jornal em Washington e comentarista do programa Conta Corrente, da Globo News. No retorno ao Brasil, atuou como colunista e repórter especial de política assinando uma coluna semanal de economia. Em 2009, foi promovido a editor-executivo. Antes do Valor Econômico, foi editor do Informe Econômico, coluna diária do Jornal do Brasil, e repórter da Agência Brasil. Em 2008, recebeu o Citigroup Jornalistic Excellence Award.
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Após essa breve introdução sobre os palestrantes — já me informaram que o Sr. Caio entrou na sala —, eu passo a Presidência desta audiência ao Relator do estudo, o Deputado Félix Mendonça Júnior.
O SR. CAIO MEGALE - Estou por aqui. Boa tarde a todos!
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Boa tarde a todos! É um prazer estar aqui.
Para agilizar, vamos dar início às apresentações dos palestrantes convidados, que terão 15 minutos para fazer as suas apresentações. Em seguida, os Deputados e os Consultores farão as perguntas aos palestrantes sobre o tema da audiência.
Eu gostaria de passar a palavra para o Dr. Caio Megale, Economista-Chefe da XP Investimentos. É um prazer tê-lo aqui, Dr. Caio, e ouvir a sua palestra.
O SR. CAIO MEGALE - Muito obrigado, Deputado Félix Mendonça Júnior. Muito obrigado, Presidente. Muito obrigado a todos pelo convite. É uma honra e um prazer estar por aqui debatendo este tema tão importante com o Otavio Ladeira, o Cristiano Romero e todos os demais.
Antes de fazer a minha apresentação — se for possível e se houver espaço —, eu gostaria de sugerir uma alteração: nós ouvirmos primeiro o representante do Tesouro Nacional, o Otavio Ladeira. Eu acho que seria mais interessante, para que desse um pano de fundo mais detalhado das visões oficiais do tema. Depois, nós faríamos as nossas considerações e apresentações.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Sim, é claro.
O SR. CAIO MEGALE - Acho que ficaria mais interessante. Não sei se o Otavio concorda.
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - Ótima ideia!
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Então, Dr. Otavio, passo-lhe a palavra.
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - Obrigado, Deputado.
Poderiam colocar a apresentação na tela, por favor? (Pausa.)
Obrigado.
Boa tarde a todos os palestrantes, Deputados aqui presentes, Consultores e aos que nos ouvem.
A minha apresentação vai ser rápida. Estou trazendo alguns elementos que demonstram a evolução recente do endividamento público brasileiro e a nossa projeção para esse endividamento, para os próximos anos, à luz do que estamos enxergando agora em termos dos principais indicadores econômicos, financeiros e fiscais.
(Segue-se exibição de imagens.)
Aqui peço desculpas aos que já viram esses eslaides, mas eu penso que, para a plateia, para as pessoas que nos assistem e para o Caio, é interessante trazer aqui esse elemento, que, embora tenha um tom didático, é interessante para demonstrar a complexidade do tema, quando se discute dívida pública. E a primeira pergunta que se deveria fazer — geralmente as pessoas não fazem — é a seguinte: de que dívida nós estamos falando?
Aqui no Brasil, nós temos três indicadores de dívida. Ainda temos um quarto indicador, que seria um indicador de dívida do Fundo Monetário Internacional, que é diferente desses três indicadores brasileiros. Traz um quarto indicador, que é visto por muitos analistas internacionais como o mais correto pra avaliar o Brasil.
No Brasil, nós trabalhamos com três indicadores principais. São as três barras em azul-escuro nesse gráfico. O primeiro deles é o mais conhecido, porque ganha notoriedade mensal. Quando a Secretaria do Tesouro Nacional vai a público falar sobre dívida pública, fala sobre DPF, a chamada Dívida Pública Federal, que é a dívida pública do Governo Federal. Administrada pelo Tesouro Nacional, ela representa uma parcela importante do total do endividamento dos governos, do Governo Federal, dos Governos Estaduais e dos Governos Municipais.
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Sessenta e seis por cento do PIB em endividamento público está sendo administrado pela Secretaria do Tesouro Nacional. É uma dívida que possui seus indicadores bem definidos, divulgados anualmente. Nós divulgamos relatórios anuais, há metas a serem alcançadas a cada ano, metas de longo prazo, e nós apresentamos no Tesouro Nacional quão longe estamos dessas metas de endividamento. Há prazo médio, custo médio, custo de emissão dos títulos, fundamentalmente títulos públicos emitidos em mercado, quase a totalidade dessa dívida.
Nós podemos agregar um conjunto de outros passivos do Governo. Fundamentalmente, aqui nós estamos falando de operações compromissadas do Banco Central, caminhando um pouco para a direita no gráfico, 13% do PIB; e outros passivos do governo geral, que são dívidas de Estados e Municípios com instituições financeiras no Brasil e no exterior. Chegamos a uma Dívida Bruta do Governo Geral, DBGG — que, digamos assim, se pensarmos em uma empresa e seu balanço, é o lado passivo desse balanço —, 84% do PIB. É o total desse endividamento do lado passivo dessa empresa chamada governos do Brasil.
Caminhando um pouco mais para a direita, nós agregamos alguns passivos que ficaram de fora dessa conta inicial e, principalmente, agregamos ativos. Então, o balanço se forma quando agregamos os ativos. Fundamentalmente, colocamos aí reservas internacionais do Banco Central, o que está um pouco superior a 20% do PIB; crédito com instituições financeiras — o Governo Federal já teve mais de 10% do PIB em crédito com instituições financeiras, agora está com 2,2%, e caindo rapidamente; e outros ativos líquidos do Governo, que são fundos, fundos públicos de modo geral, que se aproximam de 10% do PIB. Quando agregamos o lado ativo, chegamos à Dívida Líquida do Setor Público.
Volto, então, aos três indicadores. Enquanto a Dívida Pública Federal é aquela que possui um conjunto interessante de indicadores para monitorar a característica do endividamento do Brasil, quando estamos falamos de sustentabilidade nós precisamos olhar um indicador um pouco mais agregado, e aí os analistas vão para a Dívida Bruta do Governo Geral e a Dívida Líquida do Setor Público. A escolha do indicador é muito particular de cada Governo. Por exemplo, o Brasil, até 2014, utilizava a Dívida Líquida do Setor Público como um indicador para avaliar a sustentabilidade fiscal. De 2015 em diante, passou a usar também a Dívida Bruta do Governo Geral e passou a ter a Dívida Bruta do Governo Geral como a principal referência de endividamento do setor público. É essa que está aí analisada, com 84% do PIB. Esses números todos são da posição de junho deste ano. Depois eu apresento a projeção para o final do ano e para os próximos anos.
Qual é o indicador melhor é um bom debate, é um debate que eu prefiro não fazer aqui, até pelo avançado da hora, mas, a depender do indicador que se escolhe, isso faz uma grande diferença na avaliação da evolução da dívida. Por exemplo, quando o Banco Central adquire reservas internacionais, ele adquire um ativo por meio de um passivo, que são as operações compromissadas. A Dívida Bruta do Governo Geral aumenta, porque as compromissadas aumentam, mas ele adquire reservas também, aumento do lado ativo. A Dívida Líquida do Setor Público não se altera, mas a Dívida Bruta do Governo Geral se altera. Em uma contabilidade empresarial, alguém iria dizer que o correto é não haver alteração do endividamento, da percepção de risco do agente, o seu patrimônio líquido não se alterou. Foi uma operação permutativa, como se fala na contabilidade. Na operação permutativa, há aumento de um ativo por meio do aumento de um passivo, ou vice-versa; ou há redução de um passivo pela redução de um ativo. Isso não deveria passar a leitura de piora da situação de uma empresa — no caso da análise do seu balanço — ou de um país, no caso do seu patrimônio líquido, que aqui seria refletido na Dívida Líquida do Setor Público.
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Mas, se alguém utiliza a Dívida Bruta do Governo Geral como indicador, se há alterações no nível de reservas internacionais — compras ou vendas —, altera-se a dívida bruta e, consequentemente, a percepção do risco do país. A mesma coisa ocorre quando se compram ou emprestam recursos ao BNDES, como fizemos entre 2008 e 2014, e agora, quando se resgatam os recursos do BNDES, de 2015 até 2021, há alterações na Dívida Bruta do Governo Geral, embora isso, do ponto de vista patrimonial, seja visto apenas como compra de um ativo com um passivo, e agora como redução de um passivo com um ativo, sem alterar o patrimônio líquido.
Portanto, esse é um debate complexo, mas o importante a se deixar como mensagem aqui é que, a depender do indicador que se utiliza, a leitura da situação fiscal do País se altera, a depender dos movimentos que se faça com seus ativos e seus passivos.
Este eslaide mostra um pouco da nossa trajetória desde 2001 até 2020. Nós podemos ver que, em dívida líquida, em função fundamentalmente dos resultados primários muito positivos e interessantes entre 2000 a 2001, até 2013, que foram bem fortes, estes fizeram com que a Dívida Líquida do Setor Público fosse se reduzindo ao longo do tempo, de 60% até chegar próxima de 30% do PIB. Não obstante, a dívida bruta não fez um movimento semelhante. Ela se manteve relativamente estável, apesar dos resultados primários, em função da aquisição de ativos pelo Governo. Como eu falei, quando o Governo adquire ativos, o lado passivo da dívida bruta se mantém mais alto. Foi o que aconteceu. O Governo adquiriu reservas internacionais em montante considerável até 2008/2009 — depois, isso se estabilizou um pouco — e emprestou recursos para bancos públicos federais até 2014. Isso fez com que houvesse um distanciamento entre dívida líquida e dívida bruta, justamente pelos ativos adquiridos.
De 2014/2015 em diante, o que se vê é um aumento dos dois, porque não houve mais esse movimento de aumento de reservas internacionais e créditos para instituições financeiras. Ao contrário, o crédito até caiu ao longo do tempo. Mas foi um período, e até hoje, de crescentes déficits primários. Os déficits primários elevados, somados a um crescimento econômico baixo e a uma taxa de juros mais alta, fizeram com que tanto a dívida bruta quanto a dívida líquida crescessem bastante a partir de 2014, mas principalmente a partir de 2015.
Aqui está uma fotografia desses déficits primários a partir de 2014. Segundo as projeções do Governo e mesmo as de mercado, chegaremos até 2024 com déficits primários, ou seja, não fazendo poupança sequer para pagar os juros. Então, nós rolamos todo o principal da dívida, rolamos todos os juros da dívida e ainda fazemos emissão de títulos para pagar despesas primárias do Governo, fazendo com que a dívida cresça pelo não pagamento dos juros e, em particular, com um foco em 2020 e em 2021, pelas despesas ocorridas por conta da pandemia, principalmente em 2020, para reduzir os efeitos econômicos e sociais e fazer frente às despesas com saúde para combater a pandemia.
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A partir de 2022, percebemos um retorno para superávits primários. O mercado está um pouco mais otimista, mas com números mais atualizados. O Governo deve rever os seus números, possivelmente reverá os seus números mais em direção ao mercado. Mas, como eu falei, além do ano atual, haverá ainda mais 3 anos de déficits primários, observando superávit somente em 2023 ou 2024, quando possivelmente poderemos ver o início do retorno para o lado positivo, fazendo resultados primários suficientes para começar a pagar os juros da dívida pública.
Olhando um pouco mais à frente, dando um zoom no passado mais recente de crescimento de ambos os endividamentos, bruto e líquido, em função do déficit primário e de uma certa estabilização, na medida em que caminhamos para superávits primários, as dívidas vão se estabilizando, a bruta mais rapidamente que a líquida, porque precisamos de um percentual aproximado de 1% do PIB para estabilizar a dívida bruta, enquanto no caso da dívida líquida precisamos de 2% do PIB. Então, a bruta estabiliza, e a líquida demora um pouco mais para se estabilizar, mas as duas caminham para uma certa estabilização em relação aos últimos 10 anos. Digamos que seja uma mensagem positiva em relação ao endividamento do Governo.
Não obstante, o Brasil está com o seu endividamento ainda muito elevado. No gráfico, na ordem da esquerda para a direita, à medida que vamos avançando, vamos avançando para países conforme graus de investimento. Para trás, estão países que estão com classificação de risco igual ou pior do que a do Brasil.
Por que grau de investimento? É uma panaceia, um desejo, uma ficção? Não, países como grau de investimento se financiam. E não estou falando de países avançados, estou falando de países emergentes, como o México, a Indonésia, a Turquia, o Peru, o Chile. Países como grau de investimento se financiam no mercado pagando alguma coisa como 2%, ao ano, de juro real, ou seja, uma taxa de juro real, ao ano, de 2%. E não só o País ou o Governo, mas também as suas empresas vão ao mercado se financiando a uma taxa de juros que é próxima da taxa de juros que paga o país. Então, todos se beneficiam: o país, porque os seus cidadãos tomam recursos emprestados a uma taxa de juros mais baixa, como eu disse, em torno de 2%; e as empresas, que também pegam com essa taxa de juros mais baixa.
O Brasil vai a mercado e se financia na faixa de 4%, ao ano. Enquanto esses países entendidos como grau de investimento pagam 2% ao ano, Nós pagamos 4% ao ano, e as nossas empresas também vão a mercado e pagam mais caro esse diferencial, quando vão a mercado, em comparação com uma empresa equivalente nesses outros países, tornando-se menos competitivas, menos incentivadas a pegar recursos para fazer investimento. Então, o grau de investimento não é apenas um carimbo, um ISO, ainda que ISO traga grandes benefícios. Ele é mais do que um símbolo: efetivamente traz benefícios para o país, traz benefícios para as empresas, traz benefícios para o investimento e para o crescimento econômico.
E o Brasil tem muito ainda a avançar, quando olhamos esse gráfico. Os países entendidos como grau de investimento, países com notas B+, B, B, caminhando para A, são países que têm seu endividamento na faixa de 60% do PIB, cuja dívida bruta está na faixa de 60% do PIB, caindo para 50% em alguns casos. O Brasil está na faixa de 80%. Como vimos no gráfico anterior, ele não sai dos 80% no curto prazo, até 2024. Ele vai começar a descer a partir de 2025 ou 2026. Começa a descer um pouquinho mais rápido, mas demora bastante para chegar aos 70%, que é um percentual mais próximo daquele dos países considerados como grau de investimento. Então, há um longo caminho a trilhar, apesar da estabilização do endividamento, o que é uma boa notícia. Enfim, temos um longo caminho a trilhar em direção a um investiment grade, a uma situação mais estável, mais confortável, em nosso endividamento.
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Trago três elementos interessantes para a discussão. Um deles foi um evento muito positivo, que nos ajudou bastante a não deixar que o nosso endividamento alcançasse níveis muito maiores do que esses, que já são níveis elevados: foi a antecipação dos empréstimos que tínhamos com o BNDES.
Sr. Presidente, se o senhor puder me dar mais 3 minutos, por favor, creio que eu concluo a minha fala.
Nós temos um conjunto de retornos de empréstimos junto ao BNDES, num total de 400 bilhões de reais, até 2019. Em 2020, não houve devolução. Agora, em 2021, nós esperamos receber mais 100 bilhões de reais. Veremos no gráfico a seguir quão positivo foi essa devolução do BNDES para que a dívida não alcançasse níveis bem mais elevados do que o que nós estamos vendo agora.
Temos a questão das regras fiscais, que é um avanço muito positivo, com a Emenda Constitucional nº 109, recém-aprovada, em particular, porque trouxe a dívida pública como âncora para o debate fiscal. É algo que não estava no nosso radar. Nós conseguimos introduzir, com a Emenda Constitucional nº 109, uma lei complementar que, se aprovada, vai criar esse arcabouço em que a dívida, que é uma meta ou um marco de médio prazo, pode ser uma boa referência, ou passará a ser uma boa referência para a definição dos resultados primários de curto prazo, evitando, por exemplo, ou reduzindo, ou aumentando a complexidade de se fazerem déficits primários recorrentes, como fizemos, uma década de déficits primários, porque não tínhamos nenhuma referência de longo prazo para o endividamento público, então não havia uma incoerência entre os resultados primários e a evolução do endividamento público. Uma boa regra fiscal, chamada de segunda geração de regras fiscais, faz essa alavancagem com o longo prazo.
E há a questão do crescimento econômico, que é uma condição sine qua non, condição sem a qual não podemos discutir estabilidade fiscal. Não há como se discutir estabilidade de endividamento público se não falarmos de um crescimento econômico estável, que dê sustentação às receitas, que dê sustentação a um endividamento mais baixo.
Aqui há um exemplo de quão positiva foi a devolução do BNDES para a União. Nossa dívida poderia estar rodando próximo de 90% do PIB e se estabilizando em 90% do PIB. Então, se nós temos um desafio à frente de sair de 80% para 60% do PIB, que é onde estão os países grau de investimento, imaginem quão difícil seria o nosso desafio se nós estivéssemos com uma dívida de 90% do PIB. Portanto, essa devolução do BNDES foi muito importante para nós, fazendo com que o endividamento estivesse um pouco melhor do que estaria se os recursos continuassem com o BNDES.
Temos aqui um pouco de um elemento que foi trazido para debate pela emenda constitucional, esta que mencionei há pouco, os benefícios tributários. Vejam que os benefícios tributários que foram dados pelo Governo a partir de 2005 levaram a dívida pública a um nível bem mais elevado.
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Se não tivesse sido criada essa sequência de benefícios tributários desde 2005, ou, pelo menos, com a criação de um benefício tributário, tivesse sido ajustada de alguma forma a despesa pública, hoje estaríamos com uma dívida pública, dependendo do cenário, de 50% a 70% do PIB e não de 88%. Esperamos que caia para um patamar próximo de 80%. A dívida estaria muito mais saudável, muito mais equilibrada. Nós estaríamos muito mais próximos dos países que são grau de investimento e, consequentemente, estaríamos pagando uma taxa real de juros bem mais baixa, como citei, de 2% ao ano.
Em outras palavras, os benefícios tributários que favorecem um grupo particular em detrimento de toda a sociedade trouxeram, entre outros elementos, essa alteração no tamanho do endividamento público, fazendo com que a nossa tarefa para voltar para níveis mais razoáveis fique bem mais complicada do que seria se não tivéssemos criado essa sequência. Eu não estou dizendo da qualidade do benefício tributário que foi criado, a minha discussão é mais em cima de um benefício tributário criado sem sustentação fiscal, como o tempo demonstrou.
Como eu comentei, é importante colocarmos a dívida pública como uma âncora de médio prazo, e em cima dela se define o resultado primário de cada ano, demonstrando que esse resultado primário tem por objetivo manter aquela dívida no nível que está previsto lá para frente ou pelo menos que a sua trajetória vá na direção daquela dívida, entendida como âncora.
É um debate interessante, que foi posto pela Emenda Constitucional nº 109, que precisa ser regulamentada por uma lei complementar, conforme o art. 163 da Constituição, que foi alterado por essa emenda constitucional, deste ano.
Nós vamos conseguir conectar essa âncora de endividamento de médio e longo prazo com a LDO e com a LOA, de tal forma que a dívida não caminhe na direção do desequilíbrio, da insustentabilidade. Esse projeto é muito valoroso e certamente passará pelo Congresso Nacional. Terá boas contribuições do Congresso Nacional, a partir de uma proposta encaminhada pelo Poder Executivo futuramente.
Por fim, um resumo da minha fala. Apesar de estarmos vendo uma estabilidade quanto ao endividamento, ela está num nível muito elevado. A dívida bruta está na faixa de 80%, e a dívida líquida, caminhando para 70% do PIB, ambas bem acima do que observamos em relação aos países que são grau de investimento e que, portanto, se financiam em mercado com taxa de juros bem mais razoáveis, bem menores do que as do Brasil. É um objetivo sim a ser alcançado, a ser buscado, para voltarmos a ter um grau de investimento ou caminharmos na direção de nos tornarmos novamente grau de investimento.
Temos desenvolvido alguns esforços para a redução do endividamento, mas há muito ainda a ser feito. O processo de consolidação fiscal vai levar tempo e exigir esforço. Não é uma tarefa para poucos anos, é uma tarefa para muitos anos. É uma tarefa contínua. Não há caminho fácil para a resolução dessa situação. O crescimento econômico é elemento fundamental dessa equação.
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Um elemento é a regulamentação, que passará pelo Congresso Nacional e receberá boas contribuições do novo arcabouço fiscal, saindo o Brasil da primeira geração de regras fiscais, caminhando na direção da segunda geração de regras fiscais, em que há a dívida como âncora e os indicadores fiscais de curto prazo se conectando com essa âncora de longo prazo para a tomada de decisão do Governo com relação a superávit primário e a outros pontos.
Essa é a mensagem que eu trago aos senhores.
Obrigado.
E me desculpem o atraso, a perda do prazo.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado, Dr. Otavio.
Passo a palavra ao palestrante Caio Megale, Economista-Chefe da XP Investimentos.
O SR. CAIO MEGALE - Obrigado, mais uma vez, pelo convite.
Boa tarde a todos.
Parabéns ao Secretário Otavio pela apresentação muito detalhada, muito boa.
Eu queria exibir alguns eslaides para apresentar um pano de fundo sobre o tema que quero tratar com vocês.
(Segue-se exibição de imagens.)
Quero pegar um ponto do que o Otavio falou, trazendo isso para o curto prazo, e fazer um pouco a discussão sobre o risco agudo e o risco crônico fiscal, que é uma diferenciação que temos feito aqui nas nossas discussões internas, e o desafio de viver o endividamento elevado.
No início do ano, havia uma preocupação muito grande no mercado financeiro, no debate público, sobre a sustentabilidade da dinâmica da dívida. A todo momento apareciam na discussão propostas de flexibilização do arcabouço fiscal para que coubesse um pouco mais de gastos, um pouco mais de dívida, etc. Tudo isso trazia muita preocupação, porque o Brasil, como o Secretário Otavio pontuou muito bem, tem um nível de dívida bastante elevado, quando comparado com o restante do mundo. Já era elevada antes da pandemia. A média das dos países emergentes está em torno de 50%, 55%, e no Brasil, antes da pandemia, a dívida estava em torno de 75%. Estou me referindo à dívida bruta, que é a métrica internacional mais utilizada, embora tenha prós e contras, como foi dito. Para me concentrar num indicador, digo que havia uma dívida que já estava quase 20 pontos percentuais acima da média das dos emergentes, antes da pandemia, e, durante a pandemia, tivemos, como todo o mundo, que gastar, dar suporte às atividades econômicas. Isso gerou um aumento ainda mais elevado e a percepção de que a dívida poderia não se tornar sustentável.
Com a retomada mais forte da economia, as coisas melhoraram. Vou mostrar alguns números aqui. Houve um certo alívio no sentido de que a dívida não seria tão alta, de que o teto de gastos não precisaria ser alterado este ano. Houve certa comemoração por parte dos agentes. Quero destacar que houve uma redução do risco agudo fiscal, mas o risco crônico permanece. A dívida continua elevada. Isso gera um problema para o Brasil em curto prazo e, principalmente, em médio prazo.
Começo caracterizando essa melhora recente. Este gráfico mostra a dinâmica de crescimento de receitas e despesas. Durante a pandemia, naturalmente as receitas caíram e as despesas subiram fortemente. Temos observado, nos últimos meses, em parte por boa e responsável gestão fiscal da Secretaria de Fazenda, da Secretaria do Tesouro e Orçamento, as despesas controladas.
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A regra do teto de gastos ajuda tremendamente nesse sentido, porque dá aquela segurança de que, passado o período de gastos extraordinários, vamos voltar ao regime anterior. E a rápida retomada da economia, impulsionada fortemente pela retomada global, pela alta dos preços das commodities e também pelo crescimento econômico gerado pelos gastos fiscais do ano passado... Muito da receita tributária deste ano é reflexo das transferências de renda que foram feitas ano passado e que geraram mais consumo. Quer dizer, não dá para dissociar por completo a alta da arrecadação de agora com os gastos fiscais do passado. Estou dizendo isso porque há uma boa parte que é temporária, é transitória.
Mas o fato é que essa melhora fiscal no curto prazo promoveu uma redução muito importante das expectativas de dívida para este ano. A nossa projeção, da XP, é representada por esta linha amarela. Em preto, está representada a mediana do mercado, coletada pelo prisma fiscal. A nossa projeção para a dívida bruta este ano era de 96% em outubro do ano passado. Hoje, já se aproxima de 82%. Este aqui é o resultado de junho. Não mudamos em julho. Estamos projetando 82%. Ou seja, essa é uma redução de mais de 10 pontos percentuais da dívida em relação ao PIB, o que dá essa noção de menos pressão de curto prazo.
Este é exatamente o mesmo gráfico. E aqui está representada a dinâmica da dívida. Em dezembro do ano passado, vimos a dívida pular para 90% do PIB, com expectativa de ficar, nos próximos 10 anos, entre 90% e 100% do PIB. Agora estamos vendo uma queda muito importante da dívida nesse curto prazo. A dinâmica ainda permanece problemática, para frente. Eu acho que essa dinâmica problemática já sinaliza um pouco a dificuldade estrutural fiscal. Mas o que víamos antes era que a dívida chegaria perto de 100% do PIB, e agora ela chega perto de 90% do PIB, um pouco mais adiante, e se estabiliza por aqui, antes de começar a cair mais lá na frente. Houve, portanto, uma queda paralela da dívida, o que ajuda muito.
Por que a dinâmica continua tão problemática? Por que não enxergamos, depois dessa queda deste ano, uma queda continuada da relação entre dívida e PIB para os próximos anos, voltando para perto da média dos emergentes, que agora, depois da crise, está em torno de 60%, 65%? Por que vamos continuar com endividamento tão alto? Primeiro, como falei, boa parte dessa queda tem a ver com efeitos temporários. Teremos um resultado primário bem melhor do que o que teríamos este ano, porque as commodities estão num nível muito elevado — isso traz arrecadação fiscal em alguns setores — e porque estamos observando uma arrecadação fiscal que é ligada a um gasto fiscal que fizemos no ano passado e que não vai se repetir para frente. Esse é o primeiro ponto importante.
O segundo ponto importante, e aí é que começa a caracterizar essa estrutura, o risco mais estrutural fiscal brasileiro, é o fato de, além de termos uma dívida alta, termos uma taxa de juros que é bem mais elevada do que a do restante do mundo. Discute-se no mundo desenvolvido hoje se é possível conviver com dívidas de 100%, 150%, 200% do PIB. Os Estados Unidos estão indo para esse nível. O Japão tem dívida perto de 200% do PIB há muito tempo. Por que o Brasil não pode ter dívida perto de 200% do PIB, se esses países têm? Por duas diferenças principais. A primeira é que a taxa de juros lá é muito menor do que a daqui. Enquanto lá se mantém a taxa de juros em zero, aqui o Banco Central já elevou a SELIC a 4,25%. Provavelmente, se o nosso cenário estiver certo, vai a 5,25% esta semana. E deve continuar subindo até pelo menos 6,75%, 7% este ano. Já há quem diga no mercado que ela pode chegar a 8%, 8,5%, 9%. O Brasil, portanto, além de ter uma dívida alta, tem uma taxa de juros que incide sobre essa dívida, estruturalmente mais alta. A dinâmica da dívida, o serviço dessa dívida é muito elevado. Carregar uma dívida de 90% do PIB é muito mais complicado no Brasil, porque a taxa de juros que recai sobre essa dívida é bem maior.
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Outro fator é que o Brasil é um país que tem uma estrutura de gastos muito rígida. É muito difícil fazer cortes de gastos no Brasil. E acho que parte da discussão tributária e fiscal para frente passa por isso, não só a manutenção do teto de gastos como também as desvinculações do piso de gastos, como diz o Ministro Paulo Guedes. Os gastos obrigatórios brasileiros crescem sistematicamente. Ocupam mais de 90% dos gastos primários federais. Sobem sistematicamente com a inflação, com progressões automáticas, e isso ocorre sem que se mencione o aparecimento de "meteoros fiscais" — entre aspas —, como o que foi discutido na semana passada, um contingente de pagamento de precatórios muito além do esperado. Essa conta vem subindo nos últimos anos. Se as notícias que foram vinculadas na semana passada estiverem corretas, ela pode subir ainda muito mais para frente. Portanto, fazer ajuste fiscal no Brasil é muito mais difícil do que nesses outros países, porque temos uma estrutura fiscal mais rígida.
Então, é mais complexo ter essa estrutura de dívida tão alta no Brasil. É por isso que são muito bem-vindas iniciativas como a de aprimoramento do arcabouço fiscal para a segunda geração de regras fiscais, como mencionado pelo Secretário Ladeira na sua apresentação. Eu acho que temos uma estrutura fiscal interessante, um arcabouço fiscal completo, que se mostrou resiliente, mesmo submetido a um estresse como o decorrente da pandemia. Quanto a esse arcabouço, cito a Lei de Responsabilidade Fiscal, o teto de gastos. Mas isso pode ser consolidado num objetivo final mais claro, que é justamente a trajetória da dívida. O ajuste fiscal não é um fim por si só. O objetivo é ter uma dívida baixa ao longo do tempo.
Por que é tão complicado ter uma dívida tão alta? Por que pesa ter uma dívida tão alta? Por algumas razões. Primeiro, como mencionei, os juros são elevados. Isso reduz o espaço para gastos em outras políticas e iniciativas importantes. Cada ponto percentual de aumento da taxa SELIC representa algo da ordem de 30 bilhões em gastos adicionais com juros, com serviço da dívida, no ano seguinte.
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Esses 30 bilhões equivalem, mais ou menos, ao orçamento do Bolsa Família, pelo menos do Bolsa Família atual. Ou seja, é muito pesado carregar essa dívida, justamente pelos juros elevados e também pelo perfil da dívida. Temos um perfil de dívida curto, bastante correlacionado com a taxa SELIC, por conta do fato de termos a dúvida, a incerteza com relação à trajetória da dívida. Não faço, no caso, distinção entre um país, uma empresa e uma família. Se a empresa cresce pouco — o Brasil tem crescido pouco nos últimos anos —, é uma empresa endividada, é uma empresa que não consegue cortar gastos, é uma empresa que certamente vai ter mais dificuldade para captar recursos no mercado. E o Brasil tem que captar recursos no mercado toda semana com os leilões do Tesouro para financiamento do déficit público, tem uma razão objetiva para buscar a credibilidade de trajetória de dívida, que é justamente poder pagar prêmios de riscos mais baixos na rolagem da dívida, fazendo com que sobrem mais recursos para outras políticas. É uma bola de neve. Quanto maior a incerteza fiscal, maior juro; quanto maior o juro, maior a incerteza fiscal. Esse círculo vicioso acaba recaindo sobre a perspectiva de trajetória de juro e pesando sobre as contas públicas brasileiras.
É possível transformar esse círculo vicioso num círculo virtuoso, que era mais ou menos o que começamos a ver aqui antes da pandemia. O que estávamos conseguindo? O Brasil vinha avançando, numa sequência de avanços estruturais fiscais muito interessantes, e, o mais importante, com uma visão de Estado e não com uma visão de governo. A meu ver, esse início de estabilização fiscal começa em 2015, no Governo Dilma, no segundo Governo Dilma, quando o Ministro Joaquim Levy vem ao Governo, abre as contas, reduz, tira todas aquelas estratégias que escondiam o real endividamento brasileiro, traz tudo à luz do dia. As contas não se deterioraram a partir daquele momento, elas já eram ruins, apenas ficaram mais claras. O início da solução do problema é reconhecê-lo, o que aconteceu em 2015.
Nos anos seguintes houve alguns avanços muito importantes: o teto de gastos; a TLP, que foi muito importante para desalavancar o BNDES e proporcionar a volta dos recursos, como foi mostrado também na apresentação anterior; a reforma da Previdência, a mais recente, que já gera frutos. Estamos percebendo que, a cada ano, a conta da Previdência se reduz em 5 bilhões, 6 bilhões, 7 bilhões, 10 bilhões de reais, já por efeito da reforma da Previdência, abrindo espaço no teto de gastos para gastos sociais, que são tão importantes. Houve uma sequência de reformas relevantes, que estavam permitindo uma estabilidade da dívida, uma queda das taxas de juros e um círculo virtuoso de dinâmica da dívida.
É muito importante trazermos a dinâmica para o círculo virtuoso de juros baixos, previsibilidade e volta à normalidade e não para um círculo vicioso de risco de insolvência, risco de mudança do arcabouço fiscal, pressões nos juros, que pioram ainda mais a dinâmica da dívida para frente.
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O último ponto que abordo é sobre o efeito do endividamento alto na política monetária, na política conduzida pelo Banco Central. Quando se tem um endividamento elevado e muito indexado à taxa SELIC, muito sensível à taxa SELIC, sempre que o Banco Central precisa subir a taxa de juros para controlar a inflação, tem-se um efeito colateral, que é o aumento do risco de desancoragem fiscal. Aumentam os prêmios de risco, aumenta a taxa de câmbio, e isso dificulta o trabalho do Banco Central. Normalmente, subir a taxa de juros deveria significar atração de investimento internacional e valorização do câmbio, mas, numa situação como essa, que tecnicamente os economistas chamam de dominância fiscal, uma alta de juros tem um efeito colateral negativo sobre a dinâmica da dívida e sobre a taxa de juros, impedindo que a política monetária funcione plenamente e forçando o Banco Central a ter que fazer mais do que poderia. Subindo menos os juros, já conseguiria trazer a inflação para baixo, mas, como há esse problema fiscal do outro lado, ele acaba tendo que subir mais os juros para trazer a inflação para baixo, piorando o lado fiscal.
O fundamental aqui — acho que debates como este vêm nessa direção — é apontar para os riscos que ainda estão presentes no arcabouço fiscal brasileiro, esse risco estrutural, muito além do risco agudo, que melhorou recentemente, e para a importância de persistir tanto no ajuste fiscal quanto no aprimoramento das regras, que é uma iniciativa que vem do Governo, mas precisa de debate na sociedade e de aprovação do Congresso Nacional.
Acho que esses são os pontos principais que eu queria trazer na minha fala. Volto depois no momento do debate.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado, Dr. Caio Megale. É uma honra tê-lo aqui.
Queria registrar a presença do Dr. André Clemente, Secretário de Economia do Governo do Distrito Federal, representante do Governador Ibaneis; Cezar Wagner Pinto, Superintendente do Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Espírito Santo; Julio Cesar Martins, Coordenador do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro; André Cirne de Paula, também do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro; e Abimael de Jesus Barros Costa, Auditor-Chefe da Universidade de Brasília. Estão aqui presentes, ouvindo este debate.
Passo a palavra ao palestrante Cristiano Romero, jornalista do Valor Econômico.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Boa tarde.
É uma honra mais uma vez estar aqui. Como sabem, eu não sou economista, mas sou curioso e acompanho a situação econômica do País há 31 anos — há menos tempo do que o Cesar Mattos e o João e há mais tempo, talvez, do que o Caio, embora ele saiba muito mais de economia do que eu, e o Otavio também.
O SR. CAIO MEGALE - Um pouquinho só, mas mais. (Risos.)
O SR. CRISTIANO ROMERO - Eu queria cumprimentar cada um de vocês. Muito obrigado, Deputado Félix Mendonça, Deputado Da Vitoria, Deputada Paula Belmonte. Sintam-se todos cumprimentados por mim. É uma honra participar deste evento.
Daqui a pouco, vou fazer uma coisa que geralmente jornalista não faz. Vou tentar apresentar aqui um quadro deste livro, que acabou de ser lançado pelo Fabio Giambiagi. Eu recomendo a todos vocês a leitura. O nome do livro é Tudo sobre o déficit público. De fato, traz tudo sobre o déficit público. Li este livro — recentemente fiz uma live com o Giambiagi —, que realmente é muito esclarecedor. Há muita estatística nele, muitos dados. Vou tentar depois apresentar o quadro aqui.
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Eu vou começar pelo final. O Caio disse que, se um governo é indisciplinado do ponto de vista fiscal, se não preza o equilíbrio fiscal, o Banco Central tem que aumentar a taxa de juros. E o que acontece quando aumenta a taxa de juros, entre outras coisas? Além de fazer com que a economia cresça menos, aprecia a taxa de câmbio. Não existe ninguém idiota no mundo. O cara olha para o mundo, para a América do Sul e vê que um país, o Brasil, paga taxas de juros altíssimas. Conhecemos essas taxas. As taxas de juros que o Brasil pagou nas últimas décadas são uma coisa... Éramos viciados em inflação e passamos a ser viciados em juros. Por quê? Porque não tínhamos equilíbrio fiscal.
A minha conversa vai ser muito política, mas não político-partidária. Vou falar centralmente aqui do Governo Dilma, mas o meu objetivo realmente não é partidário. Eu não sou nem petista nem antipetista, nem tucano nem antitucano. Não sou nada. Sou apenas um jornalista que gosta de observar as coisas.
Eu me lembro de o Ministro Pedro Malan comemorar, no fim de 1998, o fato de a sociedade brasileira ter finalmente entendido a importância do ajuste fiscal. E se via isso nos jornais, na opinião pública. Parece que a sociedade brasileira entendeu, naquele momento, que esse negócio chamado ajuste fiscal, equilíbrio fiscal é importante. Ele é crucial para o resto. Como o Governo é o maior comprador da economia, se o Governo gasta muito mais do que arrecada, os efeitos... Isso é óbvio, não dá para discutir. Existe gente que ainda questiona e disputa essas coisas, essa teoria econômica básica. Mas o governo que gasta muito diminui...
Armando Castelar tem uma definição direta para ajuste fiscal. O que é ajuste fiscal? Trata-se de reduzir a renda disponível do cidadão e das empresas. Se há aumento dos impostos, o cidadão tem que pagar mais imposto para financiar as contas do governo, e a empresa vai ter menos recursos, porque o banco vai estar emprestando dinheiro para o governo. O banco, o mercado somos nós, todos os cidadãos que temos conta nos bancos. Quando abrimos uma conta no banco, já estamos comprando título público.
Descobrimos que o déficit público era elevado já no primeiro ano de estabilização da economia, em 1995. Vocês devem se lembrar de que a inflação era de 2.700%. Com o Plano Real, ela cai no primeiro ano para 50% e depois vai caindo bruscamente. Evidentemente, o Governo perdeu a capacidade de corroer as despesas. As receitas eram indexadas à inflação, mas as despesas não. Na época de inflação alta, de inflação crônica, adiava-se a despesa, programava-se a despesa para 3 ou 4 meses, e ela era corroída pela inflação. A inflação, portanto, era um mecanismo que ajudava o Governo, digamos, a equilibrar as contas públicas.
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O ano de 1995 foi o primeiro nessa estabilização da economia. O lançamento do Plano Real aconteceu em julho de 1994. Baixada a poeira da inflação, aparece a despesa. O déficit público nominal, se não me engano, foi de 7% do PIB. Na live a que me referi, o Giambiagi dizia que foi feita uma reunião em Brasília em que eles chamaram vários economistas. O Giambiagi, nessa época, estava no BNDES. Depois foi assessorar José Serra, que era Ministro do Planejamento. Eles se reuniram em Brasília para discutir essa questão do déficit público. Ninguém fazia a menor ideia de como ia enfrentar aquilo — 7% do PIB é dinheiro à beça, o buraco é grande —, e aquela equipe econômica era bastante respeitável. José Serra estava no Ministério do Planejamento. Todo mundo sabe que Serra prezou sempre o equilíbrio fiscal. Tem aquele discurso desenvolvimentista, mas sempre manteve os pés no chão.
Chegamos a 1997 com uma péssima situação fiscal, ainda sem conseguir enfrentar a situação. Começaram a cair como peças de dominó os países que tinham situação muito parecida com a do Brasil: regime de câmbio fixo e desequilíbrio fiscal elevado. Esses países foram quebrando em série. Os asiáticos quebraram, e todos começaram a olhar para o resto do mundo. Em agosto de 1998, a Rússia... Fiquei impressionado com estes dados, trazidos, não sei, pelo Otavio ou pelo Caio: a Rússia, hoje, tem uma dívida líquida muito menor do que a do Brasil; a Turquia, que recentemente teve inflação altíssima, tem situação fiscal melhor do que a nossa. E são países que não têm, digamos, um histórico de políticas econômicas como o nosso.
O Brasil é um país de bons economistas. Inclusive, eu soube ontem que nós ganhamos a Olimpíada Internacional de Economia. Existe agora esse negócio. Ganhamos pela terceira vez consecutiva. Eu não consegui entender direito o que é isso, mas ganhamos. De fato, temos bons economistas justamente porque tivemos uma crise macroeconômica que durou muito tempo, não é, Caio, João? Vocês fizeram Economia por causa disso, era um negócio charmoso, simpático. "Vamos fazer Economia para salvar o País, vamos ajeitar o País." Eu sou jornalista por isso também. (Riso.) Mas, enfim, achamos que vamos salvar o País. Eu já fiquei velho, e o País não foi salvo.
Havia uma dificuldade enorme no Brasil, no debate público, de se mostrar a importância do equilíbrio fiscal. Isso só foi alcançado no fim de 1998. A Rússia quebrou no dia 15 de agosto de 1998, decretou moratória. Depois da Rússia, só havia um país para se olhar, o Brasil. Tudo bem, depois do Brasil, seria a Argentina, mas a Argentina está a jusante do Brasil. Os caras olharam para o Brasil, e o Brasil perdeu, em 1 mês, 45 bilhões de dólares de reserva. Ele tinha 75 bilhões de dólares de reserva. Isso aconteceu assim, num estalo. Eram reservas elevadas para o nosso PIB na época, e viraram pó em 1 mês. A sorte de Fernando Henrique é que a eleição veio logo, no dia 3 de outubro. Ele foi reeleito porque era a garantia de que o Plano Real seria salvo. Na vida das pessoas, não tinha acontecido nada ainda, ou seja, a crise não tinha atingido ainda a vida das pessoas. E, lembremos, a menor inflação da história foi a de 1998.
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Realmente, inflação baixa causa sensação de bem-estar em qualquer lugar do mundo, mas, no Brasil, ela é especialmente favorável porque vivemos, durante muitos anos, com inflação alta. Agora a inflação está começando a se assanhar novamente.
No fim de 1998, começamos a convencer a sociedade de que o equilíbrio fiscal é fundamental. Vocês já sabem o resto da história, não vou repeti-la. Não foi por causa da questão fiscal. Ali se cometeu um erro em relação ao qual houve alerta do FMI. O Brasil fez uma imposição ao FMI, com a ajuda de Bill Clinton, de quem Fernando Henrique era muito próximo, o Brasil não aceitou mudar o regime cambial, sendo que aquele regime cambial já tinha quebrado a economia de países no mundo inteiro. Já não funcionava no mundo inteiro. Na Argentina, isso era só uma questão de tempo.
O caso da Argentina era muito pior do que o nosso. O Brasil teve 200 moedas, cortou zeros 300 vezes, mas sempre teve moeda. Aqui ninguém usava dólar para comprar as coisas. O empresário raciocinava considerando o dólar, que era o indexador, mas ninguém usava dólar. Na Argentina, não, ou seja, o peso não vale nada. Então, a aposta lá, com a Lei de Conversibilidade, foi esta: "Se você quiser trocar 1 peso por 1 dólar, você troca". Depois do que aconteceu no restante do mundo e no Brasil, a Argentina se deparou com a realidade.
Eu me lembro de que, na véspera da queda, do fim da Lei de Conversibilidade, o então Ministro Cavallo estava em Washington. Eu era correspondente lá do Valor. Ele estava na porta do FMI. Fomos entrevistá-lo e perguntamos: "Ministro, e a Lei de Conversibilidade?" Ele olhou assim e disse: "The convertibility has come to stay". (Riso.) Nós perguntávamos, e ele repetia a mesma frase. Eu disse então: "Ministro, o senhor está muito certo disso". No dia seguinte, caiu a conversibilidade, e a Argentina entrou nessa espiral, de qual, na verdade, ainda não saiu, e vai demorar para sair, se é que vai sair um dia, porque é muito complicado não se ter uma moeda, e a economia daquele país é grande para ser dolarizada.
O Brasil passou por aquele negócio, e a questão fiscal passou a ser considerada pela opinião pública. Ganhou adeptos a ideia de que era preciso haver equilíbrio fiscal.
O resto da história todos nós conhecemos. Lula, inteligentemente, percebeu que só havia um jeito de ele ganhar a eleição, ele não podia fazer estelionato perante o eleitor dele. Todo mundo acha que a Carta aos brasileiros elegeu Lula. É claro que não elegeu. É só lembrar. A carta foi divulgada no dia 22 de junho. Lula disse lá que haveria compromisso com o superávit primário, compromisso com contrato, compromisso com isso, com aquilo. É só ver o que aconteceu com o dólar na semana seguinte. O dólar foi para 4. O País, na verdade, virtualmente quebrou. Eu me lembro, lá em Washington, dos caras dizendo: "O Brasil quebrou".
Mas Lula precisava fazer aquilo ali para o público dele, do PT. É como Bolsonaro, que fica fazendo essa maluquice toda que, infelizmente, é algo inteligente da parte dele, porque ele faz esse alarido todo para manter a turba ali, agitada, torcendo por ele. Mas não se leva a sério, nem ele leva a sério. Com isso, ele se desvia do assunto principal que o incomoda neste momento: a CPI.
Lula então, eleito, fez mais do que prometeu. Vamos lembrar. O seu primeiro mandato foi de uma austeridade fiscal violenta. Palocci tomava café da manhã, almoçava e jantava com Arminio Fraga toda semana. Então, era um negócio forte.
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Lembremo-nos de que, no auge do mensalão, os então diretores do Banco do Central Schwartsman e Rodrigo Azevedo propuseram antecipar o pagamento da dívida com o FMI. Na época, houve gente que criticou: "Não, mas vai trocar uma dívida barata por uma dívida cara? Imagine!" Mas aquilo ali foi importantíssimo, porque, nesse caminho, em 2008, alcançamos o grau de investimento. Alguns economistas disputam a importância disso. É que vivemos num mundo onde as regras, infelizmente, não são determinadas por nós, mas o grau de investimento é um selo de bom pagador.
Esse selo, obtido em 2008, salvou inclusive a permanência de Meirelles no cargo. Meirelles ia ser demitido em maio de 2008, ia ser substituído por Luiz Gonzaga Belluzzo. Descobri isso sem querer, por acaso. Eu estava num churrasco na casa de uns amigos aqui em Brasília. A minha então esposa é parente de uma pessoa que, inclusive, vocês conhecem, a Sílvia Paiva, que foi consultora da Câmara ou do Senado — não sei, João, se a conhece. É casada com Eduardo Teixeira, que foi Ministro de Collor, foi Presidente da PETROBRAS. Eduardo estava lá no churrasco, que aconteceu num sábado. Sempre conversávamos. Ele me chamou num canto e me disse: "Cristiano, olhe só, o Belluzzo me ligou e me convidou para trabalhar com ele no Banco Central, para ser o secretário-executivo". Eu perguntei: "Como é que é?" Ainda disse a ele o seguinte: "Olhe, vou lhe dar a chance de repetir essa maluquice". E era isso mesmo. Iam substituir Meirelles, com a economia rodando a 6% ao ano. Iam fazer o que eles fizeram depois, a nova matriz econômica, em 2008. Depois houve uma tentativa, mesmo com Meirelles no cargo.
O que salvou Meirelles e também o País naquele momento foi que os bancos, quando viram aquele movimento, foram até Lula — eles tinham acesso a Lula — e disseram: "Isso aqui vai dar confusão". Mas, antes, eles foram às agências de classificação de risco e disseram: "O Brasil já tem todas as condições para ganhar o investment grade". Gente, a crise lá fora, a crise do subprime, já tinha começado no ano anterior, em julho de 2007, e o Brasil ganhou o grau de investimento em maio de 2008, da S&P. Aquilo ali, do ponto de vista simbólico, foi um negócio espetacular. No fundo, aquilo ali foi a superação da crise da dívida de 1982. O Brasil finalmente tirou o pé da lama que nos condenou há anos de exclusão do sistema de crédito internacional. Enfim, aquilo representava uma arrumação de casa. É importante dizer isso.
Gente, não falei sobre o Governo Dilma. Que coisa! E hoje eu não posso estourar meu tempo, senão os Deputados Félix Mendonça e Da Vitoria nunca mais vão me convidar para vir aqui novamente.
Mas aquilo foi de uma importância crucial. Por quê? Porque, pela primeira vez na história, o Brasil enfrentou em pé uma crise externa. O Brasil teve acesso a uma linha de crédito, de swap, do FED, do Banco Central americano, que ele não precisou usar. O que garantiu aquilo ao Brasil foi a situação fiscal. Naquele ano, o nosso superávit primário, se eu não me engano, foi de 4,25% do PIB. Inventaram até o negócio do fundo soberano. Eu ganhei um prêmio de jornalismo por causa desse fundo soberano, que era a maior maluquice da história. É basicamente o seguinte: o sujeito tem uma dívida enorme, ganha um dinheirinho e vai aplicá-lo na poupança. Ele vai abrir uma poupança. Não faz sentido. Ele tem que pagar a dívida. A poupança rende menos que a dívida que ele tem. Ela é mais barata do que a dívida.
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Vou só fechar esse raciocínio. Depois, se eu tiver oportunidade, quero apresentar aquele quadro. Deputado Da Vitoria, Deputado Félix Mendonça, realmente clamo que despolitizem o que vou dizer. Temos que colocar os olhos... Ladeira e Caio mostraram perfeitamente a evolução. Eu até estava pegando os quadros deles para usar aqui, mas nem vou precisar fazer isso, porque eles mostraram a realidade. É isso mesmo. Agora, temos que botar um olho no que causou isso. O Brasil estava no caminho da virtude. Tudo bem, já tinha começado algo em 2008, justamente em 2008, aproveitando-se da crise internacional. A turma desenvolvimentista dentro do Governo já havia começado a ter uma influência maior nos rumos da política econômica. O Governo passou a gastar mais. Precisamos olhar o que aconteceu, falar disso abertamente, porque, se não falarmos, esses erros vão continuar sendo repetidos. Eu não tenho a presunção de achar que alguém vai mudar porque eu disse algo. Mas a questão tem que estar no debate. Vejam, quem arrumou as contas foi o Governo Lula, foi o Presidente Lula, e quem as desarrumou foi a Presidente Dilma, o PT, inclusive com medidas cujas consequências estamos vendo aí. Voltarei a falar daqui a pouco.
Eu queria saber como faço para apresentar depois este quadro a vocês. É um quadro espetacular. Mostra a evolução de cada item da despesa em percentual do PIB. Vê-se claramente o que aconteceu naqueles anos, nos anos de arrumação da casa, e o que ocorreu depois, em que Dilma desarrumou a casa sem que tivéssemos tido qualquer vantagem com isso. Os indicadores sociais pioraram, tudo piorou.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Cristiano, na fase de perguntas e respostas, você pode apresentar esse quadro e desenvolver o seu raciocínio.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Desculpe-me. Eu sempre sou prolixo.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Nada! É sempre bem-vindo.
Eu quero agradecer ao Cristiano.
Vamos então começar a fase das perguntas.
Antes de passar a palavra ao nosso consultor João Ricardo, para que apresente a primeira pergunta, eu queria fazer uma reflexão e ouvir dos nossos palestrantes — Ladeira, Caio Megale, Cristiano — algo sobre a taxa SELIC.
Ouvimos no Brasil o seguinte sobre a reforma da Previdência: ou o Brasil reforma a Previdência ou o Brasil acaba. Parece a história da saúva: ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. Não aconteceu nem uma coisa nem outra. A reforma da Previdência foi feita, alegando-se economia de 900 bilhões de reais em 10 anos. Veio o teto de gastos. Tem que existir, está certo, é ótimo. Agora vem o Ministro Paulo Guedes falar a respeito de precatórios, diz que eles estão influenciando no problema brasileiro.
Sabemos que o custo da dívida pública é imenso. Em janeiro, a taxa SELIC era de 2%. Atualmente, é de 4,25%. Pelo que disse o economista Caio Megale, ela pode chegar a 8% no final do ano. Imaginem, 8%! Esses 2,25% representam um custo para o Brasil de 100 bilhões, pelo que sabemos. Cada 1% da dívida total, 45 bilhões. Esses 2,25% são mais do que toda a reforma da Previdência. Só esses últimos aumentos que houve na taxa SELIC são mais do que toda a reforma da Previdência.
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Hoje, de tudo que o Brasil arrecada, 50% vão para a dívida pública. Mais do que 50%! Cinquenta e dois por cento vão para a dívida, para rolagem, para pagamento parcial... E não vemos nada sobre isso, simplesmente aquele anúncio de quarta-feira: "Para cuidar da inflação, nós vamos subir a taxa SELIC, vamos subir (ininteligível) a inflação". A inflação nos Estados Unidos está em 5,4%, com taxa de juros de 0% a 0,25%. A inflação na Europa está em 2%, com taxa de juros negativa em 0,5% para depósitos, 0,25% para empréstimos e 0%para refinanciamento. No Japão, está em -0,10% a taxa de juros. No Canadá, em 0,25%. Todas essas taxas são atuais. Na Suíça, está em -0,75%. Então, o Brasil está inventando a economia? Tudo bem que nós ganhamos prêmio de economia, como disse o jornalista Cristiano Romero, mas, poxa, será que essa contramão do Brasil está certa?
O SR. CRISTIANO ROMERO - Deputado...
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Pois não.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Posso ler aqui o que eu estava procurando aquela hora?
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Claro.
O SR. CRISTIANO ROMERO - No livro do Fabio Giambiagi, ele diz o seguinte: a taxa de juros no Brasil foi de 45% na crise de 1999; de 19% na crise de 2001/2002; de 26,5% na crise de 2003; de 19,75% em 2005, no começo do ciclo de alta das commodities; de 13,75% na crise de 2008; de 12,5% no ciclo de alta de 2010/2011, diante de uma clara situação de superaquecimento da economia; de 14,25% diante da aceleração inflacionária de 2015. Médias: de 1995 a 2000, 18,7% de taxa real ao ano; de 2001 a 2010, 8,2%; de 2011 a 2018, 4%; em 2019, 1,6%; em 2020, 0,9%. Já andamos um bocado nesse negócio.
Eu devolvo a palavra ao senhor, mas acho que seria interessante o Otavio e o Caio falarem um pouco sobre isso. Depois, se me permitirem, eu darei um pitaco também.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Cristiano.
O Banco Central Europeu, os Estados Unidos, o Japão, o Canadá, a Suíça, todo mundo está registrando inflação. Nos Estados Unidos, a inflação está altíssima também. Aqui também. Agora, quando se anuncia "vamos subir 1%, vamos chegar a 8%..." Qual é a explicação para cada 1%, ou 30 bilhões ou 45 bilhões de custo para o Brasil? Isso mereceria do Ministro da Economia uma explicação aos brasileiros: “Olha, nós vamos ter que subir a taxa SELIC em 1% por isso, isso e isso". Poxa! A reforma da Previdência tomou tanto tempo de todos nós, tirou benefícios adquiridos, para uma economia de 900 bilhões em 10 anos! Apenas 2% de aumento da taxa SELIC cobre toda a reforma.
O que eu fico vendo é que, no Brasil, se temos aumento da economia, sobem os juros; se vai faltar energia, sobem os juros; se podemos entrar em recessão, sobem os juros... Se o Ministro tropeçar na entrada do Ministério da Economia, sobem os juros também.
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O SR. CRISTIANO ROMERO - O Luís Fernando Veríssimo publicava umas charges, uns quadrinhos com cobrinhas, no JB. Na época do filme Titanic, estava lá o navio afundando, aí uma cobrinha virava para a outra e dizia: “Aumentem os juros!“ (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - É, o Brasil está assim. Mas a quem interessam essas contas? A quem o Banco Central deve prestar essas informações? A quem o Banco Central deve prestar contas? E a responsabilidade? A responsabilidade de se aumentar a taxa de juros em 1 ponto, em 0,5 ponto, em 0,25 ponto, o que for, ela é muito grande com todos os brasileiros.
Eu gostaria de saber a opinião dos nossos economistas e também do Cristiano sobre essa responsabilidade, sobre essa necessidade, na contramão de outros países, da Europa inteira, dos Estados Unidos, Japão, Suíça, Canadá e outros, mesmo considerando-se a inflação. Por que o Brasil tem essa “genialidade“ de sempre subir os juros? Vemos que os juros são hoje o fator que mais contribui para o crescimento da nossa dívida, líquida ou bruta. É sobre isso que eu gostaria de ouvir o Cristiano Romero, o Otavio Ladeira, o Caio Megale, nosso economista-chefe da XP Investimentos, e, é claro, os nossos consultores.
Com a palavra quem quiser entrar no debate.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Eu vou entrar por último, para deixar os técnicos falarem primeiro.
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - Obrigado, Deputado. Eu acho que posso começar, se o Caio aceitar a divisão de tarefas, discutindo esse tema de um ponto de vista mais de princípio, e o Caio fala sobre o caso concreto atual, até porque eu, como gestor de dívida pública, sou parte interessada em não fazer nenhum comentário indevido sobre a atuação do Banco Central em mercado.
Do ponto de vista de princípio, o que é que o Banco Central tem? Ele tem um instrumento muito claro, que é a taxa de juros, que controla a evolução dos preços ao longo do tempo. E o Banco Central trabalha muito mirando a inflação futura, o que é uma determinação dada a ele pelo Conselho Monetário Nacional. O Conselho Monetário Nacional diz para o Banco Central que, na inflação do ano que vem, ele deve perseguir o centro na meta, que é 3,5%. É esse centro da meta que ele está observando. Ele possui modelos que dizem que a taxa de juros tem que subir para determinado patamar para garantir que a inflação alcance, chegue àquele valor definido pelo Conselho Monetário Nacional.
Do ponto de vista do que nós estamos vendo hoje — imagino que a XP tenha uma estimativa próxima, semelhante, talvez com alguma variação —, é mais ou menos o que o Caio disse, uma taxa de juros na faixa de 6,5%, de 7%, talvez de 7,5%. Lembro que a inflação deste ano está mais perto de 6%, então, a análise de uma taxa de juros... Como economistas, nós precisamos sempre ter em mente que a análise de uma taxa de juros não pode ser vista apenas nominalmente. O que é uma taxa de juros de 7% para um país? Não sei. A resposta de um economista sério é “não sei". Qual é a inflação desse país? É 9%. Então, a taxa real de juros é negativa. De repente, eu não consigo controlar a inflação com uma taxa de juros negativa, eu preciso de uma taxa de juros pelo menos positiva para controlar a inflação. Isso depende muito, obviamente, da particularidade de cada país.
O fato é que os modelos do Banco Central estão sinalizando que a taxa de juros precisa subir ao longo dos próximos meses. Para quanto? Boa pergunta. Cada um tem a sua aposta. O Caio colocou a dele. O mercado estava trabalhando com 6,5% ou 7%, o que vai fazer, segundo os modelos, com que a inflação do ano que vem convirja para a meta.
16:18
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Existe uma meta, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional. Se o Conselho Monetário Nacional achar que essa meta deveria ser 4%, ou 4,5%, ou 5%, ou 5,5%, o Banco Central estaria atuando de forma distinta. Mas o Conselho Monetário Nacional definiu que essa meta deveria ser 3,5%. Os países emergentes — para não ficar no debate comparando o Brasil com países avançados —, como Brasil, Colômbia, México, para pegar a nossa região, países um pouco mais equilibrados fiscalmente, como Peru, Uruguai, trabalham na faixa de 3%. Esses países buscam sempre uma inflação na faixa de 3%. O Brasil está caminhando para isso: 3,5% no ano que vem; 3,25% em 2023; 3% em 2024. Se não me engano, o Peru tem a taxa mais baixa de todos, 2%. O restante está em 3%. Na Ásia também a faixa é de 3%. Então, parece que 3% é uma taxa de inflação entendida como razoável de se perseguir em país emergente. Em país avançado, é de 2% a inflação a se perseguir.
O Banco Central tem uma meta hoje — quando eu digo "hoje" eu me refiro ao ano que vem, porque ele está perseguindo uma meta mais para o ano que vem, uma vez que, do ponto de vista de política monetária, o ano já está próximo do fim —, mira para o ano que vem uma meta de 3,5%. Com base nisso, ele tem um instrumento. Ele tem um objetivo e um instrumento para alcançar esse objetivo. É muito clara a missão do Banco Central, ela é uma missão única: um objetivo, um instrumento. Se o Banco Central não usa esse instrumento — taxa de juros — para alcançar seu objetivo — inflação estável e controlada —, ele começa a passar uma percepção para os agentes econômicos de que a inflação vai sair de controle. Quando ele começa a passar esta percepção para os agentes, a de que a inflação vai sair de controle, junto com a leitura de que a inflação vai sair do controle, os agentes de mercado imaginam: "Ah, os juros também vão sair do controle". E aí, quando vão aos leilões de títulos públicos, ao invés de emprestarem ao Tesouro Nacional recursos com taxa de juros nominal de 7%, de 8%, ao invés de emprestarem com taxa de juros real de 3%, de 4%, como está acontecendo agora, eles vão começar a pedir nos empréstimos deles ao Tesouro 9%, 10%, 11%, 12%, 13%, 14%... Então, o efeito final de um não uso pelo Banco Central do instrumento que está ao seu dispor para controlar a inflação, ao invés de uma redução dos juros, é o contrário, uma subida dos juros.
Talvez o Caio possa analisar algum caso concreto do movimento atual do Banco Central, se faz ou não sentido ele subir os juros para controlar a inflação. Esse é um debate que eu deixo para o Caio analisar, como agente de mercado, se faz sentido o Banco Central subir os juros, e para que patamar, para colocar a inflação do ano que vem dentro da meta. Mas, entendendo que o Banco Central está fazendo o movimento necessário para que a inflação fique dentro da meta, não fazê-lo, não controlar a inflação, atua no sentido contrário do pretendido: nós teremos mais inflação, mais taxa de juros, maior dificuldade de financiar a dívida pública, maior dificuldade de o Governo se financiar em mercado. Aí, a situação da dívida pública vai piorar, ao invés de melhorar. Isso é muito claro para o gestor da dívida pública, a cada movimento do Banco Central.
16:22
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Eu lembro como difícil era financiar a divida pública quando nós não tínhamos controle da inflação, quando o mercado não tinha confiança de que o Banco Central iria colocar a inflação na meta — era muito difícil financiar a dívida pública. Era uma dívida menor e até mais difícil de financiar do que é hoje. Nós financiamos hoje com tranquilidade uma dívida muito maior, bem maior por conta da pandemia, porque temos um Banco Central com credibilidade, as pessoas acreditam que o Banco Central vá levar a inflação para a meta.
É a credibilidade do Banco Central que faz a inflação ir para a meta, consequentemente garantindo uma taxa de juros mais baixa no futuro e não mais alta. É isso que se imagina, de repente, ao não deixar o Banco Central subir a taxa de juros para controlar a inflação no curto prazo, lembrando que o Tesouro Nacional se financia no longo prazo, com títulos de 3 anos, 4 anos, 5 anos, 6 anos.
Então, é a estabilidade econômica de médio prazo que vai definir a taxa de juros, e não as decisões de curto prazo do Banco Central.
Eu passo a palavra ao Caio, para discutir a situação do caso concreto. (Pausa.)
O SR. CRISTIANO ROMERO - Posso só falar uma coisa antes de se passar a palavra para o Caio, até para facilitar a vida do Caio?
Acho que a preocupação — e eu concordo 110% com o que o Otavio disse —, o que o Deputado coloca hoje é um debate que felizmente está desinterditado. Antigamente, todo mundo só falava em juro, juro, juro, SELIC, SELIC. A SELIC era culpada de tudo. Hoje, não se pode falar da SELIC, não pode, porque a SELIC, o Banco Central... Existe um debate de alto nível, conduzido por Lawrence Summers, Olivier Blanchard e outros economistas sobre taxa de juros, porque vimos de (falha na transmissão) para cá é uma coisa que o Caio não viu no livro-texto, nem o João, nem o Cesar, nem o Humberto, nem o Antonio D'Ávila.
O FED jogou dinheiro na economia a rodo, aos baldes, e a inflação não subiu. Os caras queriam provocar a inflação para terem uma política monetária que estimulasse a economia, que tirasse a economia daquela crise de 2008. Hoje, o André Lara Resende já entrou nesse debate e diz que a taxa de juros no Brasil está fora do lugar.
Eu não estou querendo provocar, mas acho importante só lembrar isso. Deputado, V.Exa. está certíssimo, o que o Otavio disse está corretíssimo, é isso aí, mas temos que entender por que no Brasil a taxa de juros é tão alta.
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - Quero dizer o seguinte, antes de devolver a palavra para o Caio, devolver não, porque eu não a tomei dele, nem a entreguei ainda.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Eu peguei.
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - O debate é rico, mas é um debate feito em cima de uma realidade dos Estados Unidos, e é bastante complexo trazer isso para um país emergente como o Brasil. Não à toa, esse debate não ganha grande espaço no Brasil, no México, no Chile, na Colômbia, no Peru, para ficar só na região de países estáveis, porque é um debate que está fora da nossa realidade, está em um universo paralelo, no sentido de como eu posso falar de taxa de juros inferior ao crescimento econômico, se meu crescimento econômico... A discussão é se realmente 2% é o ponto de equilíbrio do meu crescimento econômico de médio prazo, porque gira em torno de 2% ali, não avança muito. Se a minha taxa de juros não baixa de 4%, em que situação eu estaria para falar de New Monetary Economy, a nova teoria monetária? Estão falando de um caso em que a taxa de juros estrutural é abaixo da taxa de crescimento econômico estrutural. Vejam, não estamos falando do conjuntural; estamos falando de taxa de juros estrutural, portanto uma taxa de juros de equilíbrio, abaixo da taxa de crescimento econômico de equilíbrio. Não estamos falando de taxa de curto prazo, nem de taxa artificialmente jogada para baixo. É um equilíbrio, em que há um bônus, porque o seu crescimento econômico é maior do que a taxa de inflação. E como o País se dá ao luxo de ter déficit primário? É uma ideia tão longe da nossa que é até complicado trazer o debate para cá.
16:26
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O SR. CRISTIANO ROMERO - Com certeza.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Eu quero dizer o seguinte. Eu fiz uma live com o Pérsio Arida. e ele fez um questionamento. Temos que debater isso. É claro, o Brasil tem um passado que o condena. Segundo o livro de Kenneth Rogoff e da Carmen Reinhart, o Brasil deu onze calotes na dívida. Onze! Como dizia o Barão de Itararé, as consequências vêm depois. O último calote foi o do Plano Collor. O investidor estruturalmente no Brasil fica com medo, porque o Governo não é confiável.
Pérsio Arida e André dizem que não existe nível ideal de dívida. Isso é praticamente impossível — eles dizem isso. Eu não deveria falar isso para o Subsecretário do Tesouro, mas eles estão questionando hoje a definição de um nível ideal de dívida PIB para um país como o Brasil.
Acho, sinceramente, que não dá para comparar Brasil com Colômbia, com o Peru e mesmo com o Chile. Olhamos o Chile e dizemos: "Bonito, possui boas práticas". Mas observem a complexidade do Brasil em todos os aspectos!
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Cristiano.
Antes de passar a palavra ao Caio, quero dizer, Otavio e os que nos ouvem, que às vezes ficamos muito fixados na parte ligada ao setor financeiro. E o sistema de produção? Eu aprendi que, se você tem 10 reais e 10 laranjas, cada laranja vai custar 1 real; se você tem 10 reais e 100 laranjas, elas vão custar 10 centavos — é a inflação. Se você investe na economia, no sistema produtivo, na infraestrutura, no saneamento, na geração de riqueza, isso vai rodar e gerar mais impostos, o PIB aumenta, a participação da dívida cai. Então, nós temos que olhar muito a economia.
Essa função do Banco Central de relacionar inflação e juros, juros e inflação, e o mercado, e a economia, e o crescimento do País, e a produção, e a infraestrutura? Fica tudo jogado a segundo plano, e às vezes é só o sistema financeiro — o sistema financeiro.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Deputado, eles olham.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Eu não sou economista. Desculpe-me, sou administrador e estou praticando a função de Deputado Federal. Espero que contribuamos, com a presença ilustre dos senhores, para um estudo digno.
O SR. CRISTIANO ROMERO - O debate é sempre positivo.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Sim.
Quero sugerir que o Fabio Giambiagi, autor do livro Tudo sobre o Déficit Público, seja um dos convidados, para palestrarmos com ele. Seria uma participação interessante.
Com a palavra o Dr. Caio Megale.
Às vezes, ficamos até envergonhados, Caio, de falarmos com você, com o Otavio. Ficamos atentos para não darmos muito fora, mas vocês vão salvar a reunião.
O SR. CAIO MEGALE - Imagina! Nada disso! E a política monetária também é assim.
16:30
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É muito importante que a sociedade entenda o que o Banco Central está fazendo. A comunicação é muito importante. Isso até ajuda no trabalho. O trabalho fica mais eficiente quando é mais compreensível. É por isso que um dos pilares do sistema de metas de inflação com que o Banco Central opera é a transparência. Com mais transparência, ele ganha mais credibilidade, que é um ponto que o Otavio colocou muito propriamente na sua intervenção. Com mais credibilidade, vamos ajudando a trazer a inflação para baixo.
Queria só trazer dois pontos aqui, não tenho muito mais a agregar, acho que já foram colocados todos os pontos importantes. O Banco Central, sem dúvida, olha todos os temas, olha para o setor produtivo. Na verdade, é do setor produtivo que saem as pressões de preço. Então, ele tem que avaliar muito bem a gestão da política econômica para gerar inflação baixa. E eu acho que a contribuição que o Banco Central pode dar e que a política monetária pode dar para o crescimento é justamente manter a inflação baixa, manter a previsibilidade. Eu tenho certeza de que o empresário vai preferir uma taxa de juros, digamos, de 8% com a inflação estável em 3%, 3,5%, do que uma taxa de juros em 2% com a inflação que vai para 10%, vai para 15%, a taxa de câmbio fica volátil. Eu acho que o empresário, de forma geral, prefere isso, ainda que o juro seja um pouquinho mais alto, mas que haja mais previsibilidade, que ele possa planejar seus negócios. Isso ajuda inclusive no spread, o tal do spread bancário, porque não adianta se baixar o juro na marra — já vimos isso em outros momentos no Brasil. Você baixa o juro na marra, mas aí a incerteza cresce lá na frente, os juros no crediário ficam altos, não adianta muito. Para a empresa, o importante não é a SELIC, o importante é o juro que está lá no mercado. Então, a coisa tem que ser feita de forma estrutural, com o equilíbrio econômico, como vinha acontecendo. Quando vamos fazendo de forma estrutural... Eu contei aquela história que desde 2015, quando o déficit foi reconhecido, os avanços estruturais foram vindo. A cada passo desse ajuste estrutural, os juros no Brasil caíam de forma estrutural também. E o Cristiano fez uma retrospectiva das taxas de juros, que eram bem mais altas e vieram caindo.
Então, acho que estamos no caminho certo. A independência do Banco Central vai ajudar também. A manutenção do teto de gastos é fundamental, porque, caso se perca essa âncora fiscal, perde-se a perspectiva de uma dívida estável, e aí vai pressionar a taxa de câmbio, vai pressionar a taxa de juros. Portanto, acho que é uma coisa toda junta. No fim, a taxa de juros é um sintoma de como está o equilíbrio da economia, muito mais do que o que faz a economia ir para uma situação ou outra. Ele é mais um sintoma, é um reflexo que mostra se a economia está mais ou menos equilibrada.
O Cristiano comentou que talvez a taxa de juros no Brasil esteja muito errada e tal. Ela ficou em 2%, ela veio para 2% e ficou pouco tempo ali. Eu sei que não foi você que comentou, há algumas teorias aí.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Não, eu não estou dizendo que ela esteja errada. Existe um debate de por que... Por exemplo, agora já estamos em... Quanto está agora? Já está em 5,25?
O SR. CAIO MEGALE - Está em 4,25%.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Em 4,25%. E já vai para 5% — o Banco Central já sinalizou. Enfim, de novo, estamos voltando com a taxa... Não vai ser aquela taxa de 17%, 14%, 12%, muito provavelmente não será, mas já estamos com a taxa bem mais alta que a do resto do mundo. E, veja, eu não estou aqui de jeito nenhum... porque eu realmente acredito em tudo o que o Otavio falou: credibilidade. Aliás, estamos discutindo dívida pública. Dívida pública e a questão fiscal é o que melhor explica o fato de termos uma taxa de juros alta e uma taxa de juros...
16:34
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O SR. CAIO MEGALE - O juro alto. Exatamente.
O ponto que eu estava falando é esse, o juro foi para 2% e não conseguiu ficar em 2%. Ficou um tempo ali, depois teve que subir de novo. (Pausa.)
Esse era o meu ponto, eu só queria agregar isso. (Falha na transmissão.)
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Não estamos mais ouvindo aqui, Caio.
O SR. CAIO MEGALE - A minha Internet deu uma rateada, mas o ponto que eu queria destacar era aquele. Eu já o comentei. Podemos ir para o próximo.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado.
Eu vou passar a palavra ao nosso consultor João Motta, aqui na tela, para que ele faça alguns questionamentos e ponderações.
O SR. JOÃO RICARDO SANTOS TORRES DA MOTTA - Primeiro quero agradecer a presença do Otavio, do Caio, do Cristiano.
O Otavio sempre coloca muito claramente a posição do Tesouro, que é mais cuidadosa. O Caio colocou o que, na visão do mercado, realmente interessa para se visualizar uma situação de estabilidade. A taxa de juros é mais ou menos uma consequência de uma determinada situação econômica, e não o contrário. Toma-se como parâmetro o longo prazo e verifica-se quais são as condições que você pode financiar ou não essa dívida. E não é porque a taxa sobe ou desce, talvez descasada de uma expectativa, que você vá conseguir influenciar o crescimento econômico da maneira como se pretendeu quando mexeu na taxa de juros. É mais ou menos uma situação endógena o crescimento no final do processo.
E o Cristiano sempre coloca a visão anedótica do passado brasileiro de instabilidade, mostrando que nós, não à toa, estamos nessa situação. Em muitas situações do passado, as decisões foram tomadas sem levar em conta os parâmetros técnicos, digamos assim, motivadas por diversas coisas. Enfim, a situação de um desequilíbrio fiscal crônico que nós temos, vamos dizer, tivemos 40 anos de inflação, para sairmos dessa inflação de 40 anos, precisamos de um Plano Real, que meio que caiu do céu, através de uma grande ideia, uma ancoragem que durou pouco tempo. O Cristiano mostrou bem: quando você chegou a uma situação em que precisava consolidar, no longo prazo, esse equilíbrio fiscal, você ficou tentado a cometer os erros do passado, a achar que há situações perenes de bonança e abusar, digamos, do gasto. Aí você chega a uma condição em que começa a desequilibrar de novo a percepção de estabilidade, e com isso leva o País, de novo, a uma situação de desequilíbrio.
O Deputado Félix colocou muito bem o absurdo que é mexer 1% numa taxa de juros no Brasil e levar a um gasto adicional de 30 bilhões, que seria, vamos dizer, uma Bolsa Família ou a metade de uma reforma da Previdência. Agora, isso tudo é uma consequência. Consequência de quê? Você tem um estoque de dívida de 80% do PIB e déficits fiscais primários crônicos, ou seja, nem com a taxa de 1%, você conseguiria fazer a dívida descer, porque todo ano há um desequilíbrio fiscal primário que faz essa dívida crescer, e você não consegue reverter essa dinâmica de crescimento da dívida.
16:38
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O SR. CRISTIANO ROMERO - Eu queria muito compartilhar com vocês essa tabelinha que mostra por que geramos essa situação.
O SR. JOÃO RICARDO SANTOS TORRES DA MOTTA - O Otavio apresentou um gráfico que eu achei muito interessante do contrafactual dos benefícios tributários, o que seria a dívida hoje, de 2005 a 2020, caso não tivessem sido concedidos tantos benefícios tributários.
Em tese, eles são concedidos e a defesa dessa concessão sempre foi a geração de crescimento econômico: se você gerasse crescimento econômico suficiente, você teria ganhos na sua dívida sobre o PIB. Então, o crescimento do PIB faria a dívida diminuir. Mas o que se mostra justamente é que a qualidade desses benefícios importa, que seus efeitos na economia importam. E muitos desses benefícios geraram, de fato, um aumento de despesa muito grande e um crescimento da dívida que poderia chegar, pelo que eu vi no gráfico, a 50% do PIB, mas o acumulado ao longo desse período está em 80%, e não se teve um retorno do crescimento econômico que justificasse esse tipo de coisa.
Isso mostra a dificuldade. Todos sabemos aqui no Congresso da importância política dos benefícios, de como isso é importante setorial e talvez regionalmente. Isso mostra a dificuldade que é, num País como o Brasil, com a complexidade política que ele tem, administrar uma dívida pública de uma forma estanque de um grande consenso nacional, que você deveria levar em conta, dar importância a isso, quer dizer, de que você vai ficar estagnado durante décadas, se não resolver esse problema fiscal crônico que nós temos.
É muito interessante, porque são visões de agentes diferentes: uma visão política; uma visão jornalística; uma visão do mercado; uma visão do gestor da dívida, que é quem tem que estar preocupado, sem entrar nas demais questões, em colocar esses títulos, vendê-los e financiá-los. O Otavio mesmo colocou que era mais difícil financiar um estoque de dívida menor no passado, dada a desconfiança e a falta de credibilidade que você tinha na gestão da inflação, do que hoje, quando você tem um estoque muito maior, mas consegue financiar de uma maneira basicamente muito mais fácil e sem turbulência um estoque de dívida muito maior, porque ainda existe essa credibilidade.
Então, tudo isso me parece que enriquece muito o debate.
Cristiano, fique à vontade para complementar.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Quero apenas fazer uma observação em relação ao que você falou, só para complementar, porque eu tenho essa mania de botar um olhar político, mas não político-partidário.
A sociedade brasileira está se mexendo de um jeito muito maléfico para o conjunto da sociedade. O Otavio é um funcionário do Tesouro Nacional, um funcionário de carreira, extremamente competente, e quando ele traz esse número de maneira tão apaixonada, contrafactual, e nos mostra que, se não tivessem ocorrido essas duas hipóteses de gasto tributário, que são as isenções fiscais e outras, olhem como teria sido o comportamento da dívida.
16:42
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Gente, esse negócio explodiu. Esse negócio vinha em um nível constante, era a Zona Franca, a Zona Franca... De 2005 para cá, a curva é um negócio — eu já publiquei esse gráfico na minha coluna — que só significa uma coisa, na minha opinião, ali estão os donos do poder. Não vamos nos iludir. A classe política recebe a culpa, mas não é exatamente a classe política que está levando esse dinheiro, não. Ela acaba chancelando, porque aprova o Orçamento, mas, João, vá olhar lá: a indústria automobilística veio para o Brasil em 1950, e nunca, não houve um ano na história da indústria automobilística no Brasil em que esses caras não tivessem recebido um caraminguá do poder público brasileiro. "Ah, nós vamos embora do Brasil." Então, vão! Quero ver. Isso é um absurdo! A curva de aprendizagem acabou, estão aqui há 70 anos, e nós continuamos dando dinheiro para esses caras. O Meirelles disse para o Temer: "Eu, enquanto estiver no Ministério..." Foi o único ano. Eu me lembro que a nossa especialista nessa área, a Marli Olmos, fez uma matéria, em janeiro, na primeira semana, em que, pela primeira vez na história do Brasil, a indústria automobilística começa o ano sem receber dinheiro do Governo. O Meirelles saiu do Governo, para ser candidato, e o Temer deu.
Esse negócio é um achincalhe, Deputado — é um achincalhe esse negócio! Isso não pode continuar. O SIMPLES, todo mundo sabe, não tem nada de simples. Eu conheci empresário em São Paulo que tem CNPJ em Recife, Salvador, Rio de Janeiro, ele distribui o CNPJ da empresa. Todas as empresas dele são pequenas, na verdade são médias, e o limite do SIMPLES é altíssimo. Esse cara não paga imposto. E o SIMPLES é uma conta de quanto? Noventa bilhões por ano. Esse negócio é uma esculhambação! E muitos outros.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - São tantos, que nós íamos passar até o final do ano falando aqui do que é. Mas, na verdade, Cristiano, se resume, a cada 4 anos, nas eleições. A população brinca com a eleição, coloca quem quer, coloca brincando, deixa lá e pronto.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Mas a impressão que eu tenho é que nós estamos vivendo uma espécie de último "baile da ilha fiscal", que foi a última festa da monarquia. A turma sabe, porque está vendo que estamos caminhando para bater a cabeça na parede. Infelizmente, eu tenho que dizer isso. Não estou falando desses funcionários públicos aí brilhantes, que são críticos e tudo o mais. Também setores do funcionalismo, mas principalmente dos sindicatos, têm esta visão: estão querendo se apropriar ao máximo do Estado, sabendo que estamos caminhando para bater a cabeça na parede, e que vai ter uma hora em que vai faltar dinheiro para pagar o aposentado. Aí a coisa complica.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Cristiano.
Que seja o último baile do sistema financeiro também.
Com a palavra o consultor Cesar Mattos.
Ele está presente? (Pausa.)
O consultor Antonio Carlos Costa D´Ávila está presente?
Eu estou vendo o Antonio Carlos.
O SR. CESAR COSTA ALVES DE MATTOS - O Antonio Carlos.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Vai falar o Antonio Carlos primeiro? Então, pronto. Depois o Cesar fala.
O SR. ANTONIO CARLOS COSTA D'ÁVILA CARVALHO JUNIOR - Boa tarde a todos.
Eu sempre brincava nas minhas aulas, quando as dava para concurso público, que, se você tem um amigo no Governo, se você é um amigo do rei, você consegue colocar numa lei uma despesa obrigatória. Se você, vamos dizer assim, é um parente muito próximo do rei, você consegue colocar essa despesa obrigatória dentro do texto da Constituição. Agora, se você é o rei mesmo, você consegue uma renúncia de receita, porque renúncia de receita não passa por nenhum instrumento de controle no âmbito do setor público, nem sequer passa pelo Orçamento, é dinheiro que não transita pelo setor público.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Perfeito, Antonio Carlos.
O SR. ANTONIO CARLOS COSTA D'ÁVILA CARVALHO JUNIOR - E renúncia de receita não é coisa da Dilma, não. É bom lembrar isso. E eu posso falar muito bem desse período Dilma, porque estudei a fundo esse período. Renúncia de receita não começou com a Dilma, não. De certa forma, ela teve que intubar as denúncias que alguém um pouco antes tinha concedido a ela.
16:46
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Até uma vez fiz um trabalho interessante... Eu, não, uma aluna fez um trabalho, uma monografia interessante da qual fui o orientador. Essa aluna mostrou que, das medidas provisórias que concederam renúncia de receita a partir de 2001, ou seja, sob a égide da LRF — de todas as condicionantes do art. 14 da LRF —, cerca de 90% dessas MPs não cumpriram as condicionantes estabelecidas pela LRF, elas foram editadas pelo Poder Executivo, passaram pela análise do Poder Legislativo e, sem cumprir as condições que o art. 14 estabelece, foram aprovadas e colocadas em prática.
Colocando este assunto um pouquinho de lado, quero agradecer novamente a participação dos palestrantes. É muito bom ouvir o Otavio, ouvir também o Caio Megale e contar com a participação do Cristiano.
Depois, se for possível, Cristiano, gostaria de conversar com você a respeito desses assuntos, porque também gosto muito de reviver um pouco o passado e, ouvindo o pessoal falar nas audiências anteriores e nesta também, cada vez eu me convenço mais do seguinte: nós vivemos um momento em que as paixões estão muito afloradas.
Quando estamos lidando muito com essa coisa da emoção, esquecemos um pouco a razão, e, nesse momento, porque a adrenalina vai para o coração, ficamos sem enxergar o que acontece em nossa volta, principalmente o que aconteceu no passado. Tenho cada vez mais certeza de que não vamos conseguir chegar a um caminho novo, a um lugar novo sob o ponto de vista fiscal se não pararmos para estudar, analisar de maneira muito detida o que aconteceu, principalmente entre 2008 e 2015, na economia, no âmbito do setor público.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Exatamente.
O SR. ANTONIO CARLOS COSTA D'ÁVILA CARVALHO JUNIOR - Parece que nós debatemos alguma coisa sobre o processo de impeachment da ex-Presidente, mas, se fizermos uma análise, perceberemos que o que foi debatido no âmbito do processo de impeachment são apenas duas operações, na realidade uma operação, que é a história do Plano Safra, que representou, naquela época, um décimo, no máximo, do que aconteceu de coisa errada. Muita gente diz que naquela época não houve crime de responsabilidade, que a Presidenta foi "impeachmada" sem crime, o que não é verdade. Isso, de certa forma, ficou meio camuflado porque, de todos os equívocos, vamos chamar assim, que foram descobertos naquela época, somente um dos vinte que foram colocados em apenas um processo no TCU foi trazido para a discussão; todos os outros passaram sem nenhum tipo de discussão pela sociedade. As pessoas não sabem, por exemplo, que o Minha Casa, Minha Vida esteve no âmbito das pedaladas fiscais, assim como o Fundo de Garantia — nada disso. Parece que foi só o Plano Safra.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Vamos conversar, hein? (Risos.)
O SR. ANTONIO CARLOS COSTA D'ÁVILA CARVALHO JUNIOR - Está vendo?
Para encerrar a minha participação, eu acho que só conseguiremos chegar a um novo lugar se discutirmos de maneira detida, sem essa emoção toda que aconteceu aí nesta última década.
As renúncias tiveram forte participação? Sim.
16:50
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A título de sugestão, e até para nós mesmos, nesse trabalho que estamos fazendo, mas também para quem se interessar, proponho realizar esse contrafactual que o Otavio fez com a renúncia, fazê-lo em relação àquela famigerada — eu sempre gosto de tocar nesse assunto — equalização cambial. Onde estaríamos, em termos de dívida, se o Banco Central não tivesse financiado o Tesouro em 1 trilhão de reais de 2008 a 2018? Onde estaria a nossa dívida? Onde estariam os subsídios que vimos pagando? Onde estariam as renúncias? E por aí afora.
Mais uma vez, agradeço a participação e as apresentações.
Eu me coloco à disposição.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado, Antonio, pela importante participação.
Graças a Deus este debate, este novo estudo que nós estamos fazendo aqui não tem viés político, não tem viés de esquerda ou de direita, tem o viés econômico, tem o viés da nossa dívida pública e caixa. Nós não vamos entrar nessa questão político-partidária porque esse não é o nosso objetivo. Temos estudos analisando os últimos 20 ou 30 anos, prevendo os próximos 20 ou 30 anos e oferecendo soluções na legislação para que possamos contribuir, de alguma forma, com o futuro do Brasil. Não sabemos quem vai estar aqui daqui a 10 anos, não sabemos nem se estaremos aqui daqui a 20 anos — espero que todos estejam.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Mas nossos filhos ainda estarão.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Estarão com certeza.
Nós dizemos que política é tão importante que, se a pessoa não quiser votar por ela, que vote pelos filhos e netos dela e que pense nas outras pessoas. Mas vamos lá!
Cesar, estou vendo que você está pronto. Vamos lá!
O SR. CESAR COSTA ALVES DE MATTOS - Obrigado, Deputado.
Na verdade, eu queria fazer uma pequena provocação, naturalmente, para o meu amigo Otavio Ladeira, do Tesouro.
Semana passada nós tivemos uma nota técnica da Secretaria de Política Econômica que, na verdade, indicava claramente sinais de uma consolidação fiscal, e, de outro lado, tivemos o artigo do Marcos Mendes, que dizia que, no final das contas, uma parte da consolidação fiscal seria uma protelação de despesas e que também, do lado da Receita, mesmo a própria reforma tributária, que ele considera bastante arriscada, poderia ir na direção oposta dessa consolidação fiscal. Inclusive, ele sugere há algum tempo... O Marcos Mendes trabalhou no Ministério da Economia e foi um dos caras que fizeram o teto de gastos. Ele trabalhou muito no teto de gastos à época do Ministro Meirelles.
Então, eu perguntaria: o Tesouro, na verdade, o executor dessa política... Nós temos consolidação fiscal. O Otavio mostrou aquele gráfico. Ele espera um recuo já a partir de 2024, diz que consegue equilibrar o déficit em 2024, mas temos 1 década com problema na dívida pública. Como ele está vendo essas duas visões, que me parecem completamente antagônicas, sobre o equilíbrio fiscal, sobre o fluxo, na verdade, que alimenta a dívida?
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - Obrigado, Cesar.
Antes de entrar nesse ponto, eu gostaria de dizer ao D'Ávila que, se eu tivesse conseguido o relatório, poderia fazer a conta de cabeça. Nós temos o relatório bimestral de cálculo de subsídios do BNDES... Desculpe, é de subsídios do Tesouro para o BNDES, da União para o BNDES, para os empréstimos. Nós fazemos, inclusive, todo o histórico de subsídios e, depois, uma projeção dos subsídios futuros, trazendo ao valor presente. Dá para somar os dois. Se até o final eu conseguir recuperar, faço a conta rapidamente, de cabeça, e digo quantos pontos percentuais para baixo teríamos da nossa dívida bruta sem os subsídios do BNDES.
16:54
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Dentro desse mesmo tema, esse assunto do benefício tributário é só um ponto anedótico, há outros pontos anedóticos importantes com relação a ajudar um pouquinho a responder por que quão complexo está sendo o reequilíbrio em 1 década inteira de debates e mudança de Governo e a dificuldade de se chegar ao reequilíbrio, mas este tema do benefício tributário foi bem citado.
Ele é um tema interessante, porque ele é o melhor dos gastos públicos, é a melhor das políticas públicas para aquele que consegue capturar o benefício, porque ele desaparece do radar de todos, ele desaparece do olhar de todos. Ele é uma não receita. Como uma não receita — e aí há três elementos que foram todos benefícios tributários desde sempre, e os que vieram a partir de 2005 só vieram a agregar esse mau desenho do benefício tributário —, quantos deles possuem um gestor bem definido? Nenhum.
Nenhum benefício tributário tem um gestor definido para poder fazer estimativas, cálculos, demonstrar que aquele benefício tributário alcançou o seu objetivo. Objetivo, quantos deles têm objetivo? Nenhum. Nenhum benefício tributário construído no Brasil ao longo de toda a sua história tem um objetivo claramente definido, "meu objetivo é esse", para que o gestor dele, que também não existe, possa fazer uma avaliação se ele está ou não alcançando o seu objetivo.
E quantos deles são reavaliados de tempos em tempos? Nenhum. Todos os benefícios tributários são perenes. Por serenes perenes, por não terem objetivos e não terem gestor é, como se disse aí, a festa da ilha fiscal.
O SR. CRISTIANO ROMERO - É o "último baile da ilha fiscal".
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - É o "baile da ilha fiscal".
O SR. CRISTIANO ROMERO - É como se não fosse ter Orçamento.
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - Isso!
Você retira dos olhos de todos, você não avalia, você não tem objetivo, você não rediscute. Pronto, de todas as despesas públicas é a melhor delas, de longe — de longe.
Infelizmente, trabalhamos algumas propostas que foram encaminhadas ao Congresso Nacional e não foram aceitas, de zerar, dentro de um período de tempo de 2 anos à frente, todos os benefícios tributários que não fossem aprovados novamente por lei complementar para os próximos 5 anos. Havia uma regra encaminhada ao Congresso Nacional que era: todos os benefícios tributários em 2 anos serão extintos, senão repactuados com o Congresso por meio de lei complementar. Se repactuados, teriam um prazo de 5 anos; em alguns casos, poderiam ser de 10 anos. Isso foi encaminhado duas vezes ao Congresso Nacional e não foi aprovado.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Mas você lembra a reação da sociedade?
O SR. OTAVIO LADEIRA DE MEDEIROS - Sim.
Enfim, voltando aqui à discussão do Cesar Mattos, confesso que não vi o trabalho da SPE. Então, não consigo comparar a fala do Marcos Mendes, que eu conheço bem, com o documento da SPE, a que não tive acesso. Mas eu acho que os dois temas talvez não sejam tão contraditórios, como você colocou, no seguinte sentido: primeiro, temos que entender o que é consolidação fiscal.
16:58
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Para algumas pessoas, consolidação fiscal pode ser a estabilização da dívida em determinado patamar. Nesse aspecto, a própria apresentação que eu fiz demonstrou que a dívida bruta — isso é importante dizer — ganha certa estabilidade, porque precisa de um superávit primário bem menor para se estabilizar, na faixa de 1% do PIB, até um pouco menor, dependendo do auxílio de juros, e não é a dívida líquida, que precisa de 2% do PIB para se estabilizar. Mas olhando a dívida bruta como indicador oficial do Governo, ela tende a ganhar uma estabilização. Há um pouco de devolução de dinheiro do BNDES, que ajuda um pouco e etc., mas, no geral, ela ganha uma estabilidade em torno de 80%.
Se alguém chama uma dívida de 80% como estabilização fiscal, nós a estaríamos consolidando agora nesse círculo próximo. Mas se alguém diz que a dívida é relevante para que nós possamos caminhar na direção de nos tornarmos investment grade novamente, na linha de que ser investment grade é positivo para o País, então é para o setor real da economia que nós estamos falando de um investment grade. E na fala do Deputado é positivo para o Governo se financiar e, consequentemente, as gerações presentes e futuras se financiarem mais barato. Enfim, é importante para as empresas buscarem investimentos, poderem investir,
Se nós acreditamos que isso é verdade — e cada Governo constrói a sua tese em relação a esse assunto —, como integrante de um órgão de Estado de Secretaria de Tesouro Nacional, eu digo que deve, sim, o investment grade ser um objetivo a ser buscado, porque ele é benéfico para toda a sociedade.
Se nós traduzimos isso dentro da consolidação fiscal, podemos dizer que a consolidação fiscal ainda tem um caminho longo para chegar, no sentido de que precisamos alcançar um endividamento mais baixo do que o de 80% para sonharmos com a possibilidade de retornarmos para o investment grade.
Essa é a minha leitura pessoal do tema, o que não quer dizer que está em contradição com as pesquisas a que eu não tive acesso, infelizmente, mas que ele pode estar falando do ponto de vista da estabilização da dívida pública, que, nesse sentido, esperamos, todos, alcançar em breve.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Posso acrescentar só uma coisa?
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Otavio.
Pois não, Cristiano.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Nós ganhamos um grau de investimento, como eu lembrei na minha fala, em maio de 2008, e o perdemos, entregamos de volta em 2015, quando ficou claro que não só o ajuste fiscal, mas também o ajuste da economia em geral, dos preços... A Dilma represou preços. A Dilma fez coisas que nós imaginávamos que ninguém fosse mais fazer, como a intervenção direta na taxa de juros, querer estabelecer um nível para a taxa de câmbio, controlar preço de gasolina. Enfim, nós perdemos, em setembro de 2015, ou seja, 7 anos depois. Então, ao fazer isso, ela foi eleita. O Bolsonaro foi eleito. Lá atrás, nós tínhamos chegado a um ponto em que, obtida a estabilidade de preços...
A questão fiscal é difícil de entender, porque nós moramos em um País que tem 50 milhões de pessoas miseráveis, mais de 100 milhões de pessoas pobres acima disso. Ou seja, aqui no Brasil, uma pessoa que ganha acima 2 mil reais tem que pagar Imposto de Renda. Então, trata-se de um País complicado. É difícil falar em ajuste fiscal neste País. Mas o problema é que os benefícios fiscais, só para lembrar, os gastos tributários estão, neste ano, se não me engano, em torno de 317 bilhões de reais. É bom lembrar esses números, porque é muito dinheiro.
17:02
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O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Cristiano.
Passo a palavra ao Luiz Humberto Veiga, nosso consultor.
O SR. LUIZ HUMBERTO CAVALCANTE VEIGA - Obrigado, Deputado.
Boa tarde a todos.
Quero dar os parabéns a essa excelente apresentação, tanto do Otavio quanto do Cristiano e do Caio. Quero agradecer e dizer que realmente este debate vai contribuir bastante para a elaboração do nosso relatório.
O meu foco continua mantido na questão das operações compromissadas, na realidade um pouco da política monetária executada pelo Banco Central. E como se comentou essa questão da taxa de juros, quero dizer que eu estive conversando com algumas pessoas com relação à taxa de 2%. Nós ficamos um pouco incrédulos com a situação de inflação apontando para cima, quer dizer, as coisas estavam mais ou menos funcionando do ponto de vista do mercado financeiro. Eu até tive conversas com alguns participantes, mas não vou citar nomes aqui até por conta de funções, essa coisa toda. Nós conversamos sobre uma espécie de ameaça que sempre havia quando falávamos sobre uma taxa de juros inferior, na realidade uma taxa de juros negativa, uma taxa de juros real negativa. Então, nós estamos vivendo um período, provavelmente, em que a SELIC acumulada neste ano vai dar menos que a inflação. Se pegarmos os últimos 12 meses, veremos que já deu muito menos.
Nós questionamos um pouco essa "aceitação" — entre aspas — bem colocada no mercado. E vamos falar muito mais do destino do dinheiro, onde estava alocado, como existia ainda uma demanda por títulos indexados à SELIC. Eu vi, recentemente, o relatório da dívida pública. Nós temos, lógico, um volume muito grande que está negociado em operações compromissadas que, mesmo usando títulos que não sejam indexados à SELIC, acabam elevando a taxa SELIC por conta da alteração que é feita no Banco Central. Então, o Banco Central usa aquele título só pró-forma, supostamente como uma garantia, mas nem isso deveria acontecer, porque já estão agora com um mandado para que sejam utilizados os depósitos lá.
17:06
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Mas voltando a esse foco, nós tivemos realmente um momento de aceitação do mercado, em que houve uma abertura de ágio nos títulos da SELIC, houve um prêmio adicional, mas com uma taxa abaixo da inflação.
Temos que observar outra questão que foi muito bem apresentada. Infelizmente, eu não me lembro por quem. Eu acho que o Otavio foi muito preciso. Desculpe-me, eu não me lembro, mas você foi muito preciso quando falou da questão do mandato, porque há uma previsão de meta de inflação de 3,75% para este ano, com 1,5%, o que daria 5,25%. Se as previsões do mercado estiverem certas, mesmo o teto superior vai ser estourado. O Presidente do Banco Central vai ter que se manifestar. Ele vai ter uma justificativa fácil na manga, que é falar de pandemia. De qualquer forma, ele vai ter que dar a sua justificativa por ter estourado a meta.
Aí surge a questão. Realmente é como diz o ditado "para quem só tem um martelo, todo problema é um prego". O martelo do Banco Central é a taxa de juros, e não foi aberto pelo Conselho Monetário Nacional, que também tinha a possibilidade de aumentar um pouco a taxa de inflação esperada para este ano. Obviamente, isso levaria à discussão no mercado para comportar algo que estava claro no início do ano. Aliás, claro, não, porque se olharmos o próprio mercado, nesta semana, pela 17ª semana consecutiva aumentou a previsão de inflação para este ano. Até se discute: que previsões são essas do mercado? São 17 semanas seguidas aumentando, como uma busca por um número certo, que só se vai saber no final do ano. Espero que não seja assim, que haja alguma previsibilidade.
Na realidade, eu ia aproveitar para fazer essa pergunta até para o Caio, porque eu acho que ele tem essa informação: como foi acomodar, como foi o sentimento do mercado em aceitar títulos, com taxas de juros de 2%, em um ambiente no qual a inflação certamente iria estourar não a meta? Porque no início do ano eles não estavam esperando que fossem estourar a meta e o limite de 1,5%. Como foi essa recepção? Quando olhamos para a composição e para os tomadores da dívida, observamos um volume muito grande da dívida que está em instituições de previdência. Nesta semana, o responsável pela PREVI disse que tem 22 bilhões de títulos e está querendo comprar títulos mais longos. Então, há um grande volume de previdência, um grande volume de fundos de investimento e um volume razoável de instituições financeiras.
17:10
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Eu queria ouvir um pouco do mercado, representado pelo Caio Megale. Pergunto como ele vê essa questão.
O SR. CAIO MEGALE - Obrigado pela pergunta, acho-a muito relevante. O Otavio falou um pouquinho sobre isso quando explicou o que é uma taxa de juros de 2%, de 3%, de 5% para um país. Além do tema da inflação, quando falamos principalmente sobre títulos, temos que falar do risco atrelado a essa taxa de juros.
Em determinado momento do tempo, o Banco Central colocou a taxa de juros em 2% e sinalizou que iria ficar nesse percentual por muito tempo, e o mercado acreditava naquilo não por ser ingênuo, simplesmente porque era muito difícil entender o que estava acontecendo ali. Estava todo mundo muito assustado ainda com os efeitos recessivos da pandemia. A impressão que tínhamos era de que o mundo inteiro teria que ficar com juro baixo por muito tempo, que iríamos demorar para recuperar a economia. Não tínhamos muita certeza sobre a vacina e estávamos em um ambiente que favorecia os 2% de taxa de juros.
O Banco Central até pensou em cair mais. Em um momento, ele chegou a falar: "Eu gostaria até que o juro caísse mais, mas não consigo porque poderemos ter problemas prudenciais" — eles passaram a usar esse termo. "Então, já que isso não é possível, eu sinalizo que o juro vai ficar em 2% por muito tempo." Havia muita gente no mercado que previa, naquele momento, que o juro iria ficar em 2% durante o ano de 2021 inteiro. Muita gente apostava nisso.
Só que, ao longo do tempo, foi começando a ficar claro que, por um lado, a economia já estava se recuperando mais fortemente, estava voltando a se normalizar. Acredito que 2% seria uma taxa de juros aplicável em um momento de patologia, em um momento de doença, numa economia que estivesse mal. Tudo bem, nesse momento, isso faria sentido, esse era o remédio a ser aplicado. Mas, no momento em que a coisa vai normalizando, os juros tem que voltar a subir. Este foi o primeiro lado: a economia começou a normalizar mais rápido do que o esperado não só aqui no Brasil, mas também no mundo inteiro.
As commodities subiram, e as pressões inflacionárias vieram. A inflação está temporariamente elevada. Não acredito que a inflação permaneça em 9%. Ela está batendo perto de 9%, mas esse não é o nível de inflação no Brasil, assim como não são os 5% nos Estados Unidos. Estamos passando por várias coisas temporárias, mas, quando voltar ao normal, ela voltará para 3%, 3,5%, 4%, ou seja, já estamos perto da meta e, portanto, não faz sentido ficarmos com um juro tão baixo. Esse é um lado.
O outro lado, que até provocou um pouco de estresse no mercado, quando começaram a aparecer sugestões de flexibilização adicional ao arcabouço fiscal. Lá em setembro do ano passado e depois de novo em março deste ano, a cada momento em que o arcabouço fiscal ficava em risco, os prêmios reagiam.
E o mercado — que somos todos nós, todos que compram título público, basicamente todos os brasileiros que auferem alguma renda acima da sobrevivência, que guardam um pouco — fala: "Espere aí! O juro é só de 2%? E quanto está a inflação? Está de 3%, 4%? Não, não!" Com isso, começou a haver um estresse junto com a questão fiscal. Em setembro do ano passado, houve um primeiro estresse no mercado de títulos, um estresse forte, que depois foi acalmado justamente quando houve a sensação de que o arcabouço fiscal iria ser mantido. Ficou claro isso, não é? O Ministério da Economia retomou as rédeas do processo e sinalizou que não iria ter rompimento do teto de gastos, aquela ideia de utilização de precatórios lá do passado, que eu acho que é diferente dessa discussão que está acontecendo agora, sutilmente diferente, mas é diferente. Ficou um pouco mais claro que não iria ser por aquele caminho, e o estresse diminuiu.
17:14
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O Banco Central, depois, foi começando a subir juros devagarzinho, gradativamente, e tudo foi normalizando. Também se trata de títulos pós-fixados. Sabe-se que, se eles subirem, a inflação vai junto. Os títulos mais longos já pagavam algum prêmio, e, depois, quando a inflação ficou mais alta, etc., os prêmios subiram um pouco.
Acho que esse é o ponto principal aqui.
Eu vi que o Cesar postou meu artigo lá do ano passado, não é Cesar? Vi aqui no chat.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Dr. Caio.
Cristiano, você quer falar?
O SR. CRISTIANO ROMERO - Quero só fazer um complemento ao que o Caio falou.
Sabem aquele peixinho que vai debaixo do tubarão e fica pegando os restos? Não sei qual é o nome desse peixe, eu esqueci agora.
É o seguinte: nesse regime de metas, é evidente que nós não podemos afirmar que o Banco Central acertou sempre. Mas quanto aos erros, se você for olhar de forma intertemporal, é difícil encontrar alguém que só critique, a não ser, é claro, os críticos de sempre, que acham que a taxa de juros é definida pelos diretores do Banco Central, numa espécie de complô para beneficiar os rentistas. Não é assim que funciona.
Evidentemente, tem que haver debate. Mas uma prova de que o Banco Central tem credibilidade é olhar a inflação para 2 anos adiante. Não tem como prever a inflação para 2 anos adiante. Se ela está na meta, é porque o cara acredita que o Banco Central vá levar a inflação para a meta.
O regime de metas é por definição um regime que suaviza os ajustes de ciclo econômico. Aqui no Brasil, existe um debate que fica meio fora do lugar, de que o Banco Central tem que ter dois mandatos, tem que garantir o pleno emprego, porque no FED é assim. O FED não tinha isso, ele tinha uma meta que era implícita. Hoje é completamente diferente, ele diz o que vai fazer.
Enfim, eu não estou entre aqueles que acham isso do Banco Central, assim como também não acredito nesse negócio do mercado. Mercado realmente somos nós da classe média, e temos que dizer isso claramente. Só não está no mercado o povo, o qual não está em lugar nenhum, nem em Brasília.
O problema do Brasil é essa concentração de renda horrorosa. Quando nós falamos de políticas de gasto tributário, por exemplo, o que é aquilo ali? É uma disputa, é um conflito distributivo, é o pessoal de Brasília, sem regulamentação do lobby, enfiando coisa no Orçamento público para se beneficiar. Isso está crescendo vertiginosamente e, como o Antonio lembrou bem, não foi coisa da Dilma, não. Vejam, na época da Dilma, isso cresceu também, mas a aceleração empinou em 2005. Ali começou um negócio violento.
Também temos que falar sobre o BNDES, sobre a relação incestuosa entre o Tesouro e o BNDES. Tenho que tomar cuidado com as palavras, porque o Otavio vai se sentir pessoalmente agredido. Eu estou brincando! Mas nós temos que falar sobre isso, que é um capítulo muito estranho, no mínimo, da história do País.
17:18
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Uma coisa que eu realmente não consegui entender até hoje foi o fato de a Dilma ter recebido o Brasil razoavelmente organizadinho pelo Lula — já com vários problemas não enfrentados — e, em vez de se preocupar em aproveitar que a Europa estava estagnada e os Estados Unidos ainda estavam tentando se recuperar, para tocar uma agenda que ela valorizava no discurso e nas conversas — eu conversava muito com ela —, que era uma agenda de aumento da produtividade, ela foi mexer na taxa de juros, que ia cair, já estava caindo. Aquele era um momento conjuntural, porque houve um choque de preços de alimentos. Mas ela foi mexer no juro e na taxa de câmbio, como se alguém pudesse mexer na taxa de câmbio. E deu no que deu, não é?
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Cristiano, obrigado.
Se alguém tiver algo a acrescentar, fica franquiada a palavra.
Eu quero agradecer a todos. Vou passar a palavra a quem tiver algo para falar ainda. Estou vendo que o Cristiano, com certeza, tem o que falar.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Eu só queria passar aquela tabela.
João, como eu faço para botar essa tabela aqui? (Pausa.)
Vocês vão gostar dessa tabela, porque ela é um apêndice, é um documento simples que mostra a evolução de cada item da despesa e da receita de 1991 até agora.
Eu estou parecendo aqueles repórteres que ficam com um negócio no ouvido e, quando alguém fala, eles se enlouquecem.
Como eu faço para colocar essa tabela? Ela já está aqui disponível. Como faz isso?
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Para botar agora, talvez seja melhor você mostrá-la ao vivo.
O SR. CESAR COSTA ALVES DE MATTOS - Bota no chat. Eu acabei de botar o artigo do Caio Megale ali.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Ah, bota no chat? Está bem. Mas as opções que aparecem aqui...
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Enquanto você está procurando aí, Cristiano, eu quero dar uma sugestão para a nossa equipe. Seria produtivo que nós pudéssemos chamar representantes do Banco Central, do Conselho Monetário Nacional, do sistema produtivo, da Bolsa de Valores de São Paulo que quisessem vir a um debate, a uma próxima palestra sobre a dívida pública. Aí nós pegamos um outro conceito também, do setor produtivo.
Por sugestão do Romero, há o Fabio Giambiagi, que escreveu um livro sobre o déficit público.
Seria interessante nós convidarmos esses representantes.
O SR. CRISTIANO ROMERO - O Fabio especializou-se realmente em finanças públicas, não mais do que todos vocês. O negócio dele é que ele gosta de publicar livros.
O SR. CESAR COSTA ALVES DE MATTOS - Ele lançou um livro há pouco tempo, não é Cristiano? Ele fez uma live no Valor, com o Cristiano, há 1 semana e meia atrás, eu acho. Foi muito interessante até.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Exatamente.
Olhem só o que aconteceu. É uma leitura rápida. Esse apêndice mostra desde 1991, mas eu vou eu vou falar de 2011 para cá rapidinho.
Em 2011, a receita líquida da União, já descontadas as transferências dos Estados e Municípios, estava em 18,85% do PIB. Em 2021, a estimativa é de 16,80%. Estava acontecendo uma queda de receita líquida, o que era previsível. Aí a Dilma aumenta a despesa primária de 16,76% do PIB — vou até o ano dela só — para 19,93%. É um negócio...
17:22
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Vejam o INSS. E não estamos nem na primeira reforma ainda. Em 2011, 6,43% do PIB; hoje, 9,39%. Já houve três reformas, certo? E vamos falar sério, Antonio! Toda reforma vai fazer o quê? Mexer com direito adquirido. É uma violência! Despesa discricionária — aí se vê a crise do Estado brasileiro: em 2011, 2,13% do PIB; hoje, 1,5%. Como disse o Mansueto, o Brasil pode ser administrado por um software, não precisa de governo. É impressionante! O gasto com educação está diminuindo.
Enfim, depois eu mando para vocês esta tabela por e-mail.
O SR. LUIZ HUMBERTO CAVALCANTE VEIGA - Cristiano, a colega Juliana depois vai colocar o link no grupo.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Perfeito. Eu vou mandar para vocês. Eu tenho essas tabelas todas, ele me franqueou. O negócio é bacana.
O SR. LUIZ HUMBERTO CAVALCANTE VEIGA - O.k. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Quero agradecer a presença à Deputada Paula Belmonte, que está nos ajudando também.
Alguém ainda tem alguma coisa a mais para falar? (Pausa.)
Agradeço a presença a todos, especialmente ao Caio Megale, ao Otavio Ladeira e ao Cristiano Romero. Muito obrigado. Agradeço a todos os nossos assessores, através da Juliana, ao João Motta, ao Antonio D'Ávila, ao Humberto Veiga, ao Cesar, que vejo aqui na tela, enfim, a todos os outros aqui presentes. Muito obrigado a todos.
Vamos tentar contribuir de alguma forma com esse debate sobre a dívida pública, levando-o para o público, tornando mais transparente essa posição, porque às vezes o desconhecimento, como alguém falou aqui, leva a dúvidas, até sobre se existe benefício em uma reunião do COPOM, sobre como ela é feita, sobre se beneficia o sistema financeiro ou não. Essas dúvidas são levantadas também. Não há de se esconder isso.
Nós vivemos num País que sofre de corrupção, e muito. Quando falamos de bilhões e bilhões — 1% da taxa SELIC corresponde a 30 bilhões, 45 bilhões de reais ao ano em custo —, isso está sendo pago a alguém, há o interesse de alguém. Então, é preciso ser muito claro para que não haja dúvidas sobre a atuação do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional. Que tudo fique muito claro para a população e para todos nós também, a fim de que não paire nenhuma dúvida de que nós estamos no caminho certo! Na contramão em relação ao mundo, nós estamos. Foi falado aqui dos Estados Unidos, Canadá, países da Europa, Suécia, países diferentes do nosso. Mas os Estados Unidos estão agora com inflação alta também.
Enfim, o importante é o debate, o importante é que tiremos as dúvidas.
Muito obrigado a todos.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Aliás, quero só fazer um reconhecimento. O Mansueto uma vez chamou a mim e ao Ribamar Oliveira, colega que infelizmente faleceu há 2 meses, vítima da COVID. O Ribamar é um brasileiro, um jornalista do qual eu me orgulho muito, porque, com seu trabalho, ele ajudou de maneira crucial a melhorar a institucionalidade fiscal brasileira. Ele foi o sujeito que ficou meses escrevendo sobre os precatórios, lá atrás. Aqui neste grupo há fontes dele. Mas, enfim, o que eu queria dizer é o seguinte: o Otavio e o Sr. Mansueto tiveram uma ideia e chamaram a mim, o Ribamar e o Fernando Dantas para conversar com 50 gerentes do Tesouro.
17:26
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O Tesouro é um órgão como é o Congresso com os Consultores da Câmara e do Senado. São órgãos de excelência, como o TCU. O Brasil tem uma elite, no bom sentido, do funcionalismo de altíssima qualidade. Entre os documentos que vocês fazem, os estudos, não há nada que não seja no mínimo brilhante. É tudo de alta qualidade. O nosso problema está na prestação de serviços para o povo, porque ninguém representa pobre em Brasília, muito menos a Esquerda.
Eu queria chamar a atenção dos senhores para o seguinte. O Tesouro começou a divulgar, num dado momento — e precisamos, Otavio, incrementar mais isso —, os seus estudos. Não há nada de político nisso. Isso é para facilitar. E fomos ali para conversar e dizer: "O que vocês têm de informação..." E se começou a fazer isso.
Eu lembro que o Mansueto liberou um estudo sobre o FIES, um negócio chocante. Na verdade, o TCU tinha que ter trabalhado em cima desse FIES — e o Ministério Público, também —, porque aquilo ali é um escândalo. Na minha opinião, é um desvio de dinheiro público da educação pública para a educação privada, assim como acontece nas deduções do Imposto de Renda. Esse negócio das deduções do Imposto de Renda no Brasil é um escândalo, é um negócio absolutamente inaceitável. O Everardo Maciel, que era contra esse negócio quando era Secretário, virou para mim e fez um raciocínio que eu achei... Ele era meu amigo, mas eu achei o raciocínio dele o fim da picada. Ele virou para mim e disse assim: "Cristiano, todo brasileiro tem direito à saúde pública e à educação pública. Se o Estado não consegue oferecer, então tem que existir o direito à dedução do Imposto de Renda". Veja, você está tirando dinheiro de onde? Da saúde pública e da educação pública. É claro que a saúde pública e a educação pública têm que ser geridas também de outra forma.
Vocês viram ontem o sindicato dos professores em Brasília? Tomaram a Janssen, que é a vacina de uma dose só, e, no momento seguinte, no mesmo dia, aprovaram o indicativo de greve. Então, de quem é a educação, de quem são as escolas? São dos sindicatos ou são da população? Isso é um negócio que nos deixa... Eu, na UnB, tive 8 meses de greve, perdi 2 períodos letivos. Eu sou contra a greve? De jeito nenhum. Mas será que só existe a greve?
As pessoas lidam com a coisa pública no Brasil de maneira muito... A palavra é "patrimonialista". Mas, enfim, eu estou aqui fazendo discurso político. Só quero falar para o Antonio Carlos d´Ávila que eu tenho um jeito muito enfático de falar, mas eu não estou naquele debate apaixonado, não. A Dilma me decepcionou, porque ela foi eleita com um discurso e governou de outra forma. Aí, na reeleição, ela fez mais do mesmo no discurso e começou a governar de outra forma — ou seja, ela fez estelionato. É por isso que ela caiu. Ela não caiu por causa das pedaladas. Foi como você falou. Eu quero conversar com você depois. O impeachment é político. Ela perdeu as condições de governar.
17:30
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O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Eu votaria nela por qualquer motivo. Votei contra o impeachment porque o motivo não era aquele, não existia. Se fosse "Vamos derrubar por incompetência", votaria por derrubar, se pudesse, mas "Vamos derrubar por pedalada", não. É ilegal, não voto.
O SR. CRISTIANO ROMERO - E o Collor? O Collor foi inocentado em dezembro. Ele caiu em setembro e foi inocentado pelo Supremo em dezembro.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - É isso aí. Então, vamos lá.
Muito obrigado a todos vocês.
O SR. CRISTIANO ROMERO - Desculpe-me aí qualquer excesso.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - É bom conversarmos aqui, mas vamos lá.
Muito obrigado, mais uma vez.
Declaro encerrada a reunião, com um agradecimento novamente a todos vocês.
O Otavio apareceu. Muito obrigado, Otavio. Desculpe ter tomado tanto o seu tempo, mas estávamos tentando fazer alguma coisa que preste.
Esses Consultores nossos são muito competentes, graças a Deus — bem mais competentes do que o Deputado que preside. Temos que nos cercar de pessoas competentes. O resto nós fazemos. De resto, é termos boa vontade, procurarmos ter bom senso. René Descartes dizia que não querermos mais bom senso do que já temos.
Um grande abraço a todos e obrigado.
Declaro encerrada a reunião.
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