Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Bom dia a todos, a todas e a todes.
Declaro aberta a reunião virtual de audiência pública em que vamos debater as políticas públicas para a capoeira no Brasil, em atendimento ao Requerimento nº 44, de 2021, de minha autoria.
É com muito prazer que eu recebo os convidados, homens e mulheres da capoeira do Brasil, essa arte-luta de resistência, de raiz, do nosso povo negro, absolutamente, genuinamente brasileira, com a garantia do resgate e da preservação da raiz africana. Nas diversas formas de prática, a capoeira tem-se revelado um instrumento absolutamente eficaz de inclusão social, de disciplina popular e acima de tudo de preservação cultural. Não são à toa tantos ataques e tantas tentativas de comercialização indevida, por pessoas que não têm a efetiva iniciação no mundo da capoeira.
Orgulho-me muito de compreender os fenômenos da capoeira e inicio esta audiência pública reverenciando os mestres aqui presentes e os não presentes, as mestras, os contramestres e contramestras, os alunos formados e toda a legião de seguidores e aprendizes da capoeira do Brasil.
Assim eu declaro aberta a reunião e anuncio a presença dos nossos convidados e convidadas: do Mestre Tonho Matéria, mestre de capoeira e especialista; do Sr. Sérgio Lima, mestre de capoeira e psicólogo; do Mestre Gildasio, mestre de capoeira e especialista; da Sra. Treinela Lira, mestra em educação; do Sr. Reginaldo Costa, mestre de capoeira do Instituto Terreiro do Brasil; do Mestre Guto, especialista; da Sra. Andressa Siqueira, a Mestre Dedê, mestra de capoeira; do Mestre Duda Carvalho, especialista.
Em geral damos até 10 minutos para cada convidado, pelo tempo da audiência, que é de 1 hora, 1 hora e pouco. Se pudermos ser concisos, será melhor. Depois das exposições, os Deputados que estiverem acompanhando a audiência, que foi fortemente divulgada, poderão falar por 3 minutos.
A reunião está sendo gravada, e esse é o maior trunfo, porque nós sabemos que hoje estamos num imprensado de feriado. Eu não quis desmarcar mais uma vez. Nós tivemos outro contratempo, e pedi que os consultassem sobre se a faríamos assim mesmo.
No dia 9 comemoramos o Dia da Cultura. Nós vamos realizar na Câmara dos Deputados uma grande Comissão Geral, para diagnosticar, denunciar, exaltar a cultura, em atendimento a requerimento de autoria da Deputada Jandira Feghali, e nós todos estaremos presentes. À tarde, sob a minha batuta, como Presidente da Comissão, nós vamos realizar o lançamento da minuta de uma plataforma para a cultura brasileira para 2022. Esta reunião gravada sem dúvida já dará o capítulo da capoeira para esta minuta. Mesmo que não consigamos hoje fazer um debate com os Parlamentares presentes, nós aproveitaremos a fala de vocês para essa construção.
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Quanto à forma de organização, há pressões para uma única forma, há pressões para múltiplas formas. E há posições de múltiplas formas, mas como vértice, através de fóruns, de congressos, etc.
Por que eu levanto essa questão? Porque fica muito mais fácil termos uma plataforma unificada, mesmo com diferentes formas de organização e modos de prática, do que uma atomização que só fortalece uma comercialização indevida por mãos que não tocam o chão no processo da prática da capoeira.
Com essa abertura mesmo de diálogo sobre essa realidade é que nos colocam enfrentamentos gigantes em defesa da capoeira na Casa. Tivemos uma luta muito grande com o Conselho de Educação Física. Fomos considerados à época persona non grata, porque na verdade defendemos o profissional de educação física. Eles têm um papel fundamental na educação, na construção da consciência corporal, na luta contra contusões, mas não se poderia exigir que toda a academia de capoeira tivesse um profissional. Nós temos hoje pela inclusão — mesmo com a educação que está sendo detonada no País — muitos capoeiristas que são também profissionais de educação física. Essa é uma luta constante, é um equilíbrio dinâmico que precisamos tratar cotidianamente. Aqui, na Bahia, obtivemos um grande êxito. Foi lançado o primeiro edital da capoeira para que pudéssemos inserir em programas de Estado capoeiristas, mas não conseguimos fazer isso pela Secretaria de Cultura. Conseguimos fazer pela autarquia que dirige o esporte na Bahia, a Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia — SUDESB. A SUDESB, para efetivar o edital e não perder a oportunidade de remunerar justamente mestres de capoeira, teve que tangenciar com essa mediação do profissional de educação física, que não precisa ser o coordenador do núcleo de capoeira.
Enfim, foi um edital muito bem-sucedido, muitos núcleos, muita gente participou do edital, mas nós sabemos que essa mediação acabou sendo necessária e alguns apontaram o dedo como uma contradição discursiva, mas o pior é não fazer nada e deixar o capoeirista à mingua na pandemia.
Então, aplaudimos a SUDESB, o seu Diretor-Geral, Vicente José de Lima Neto, que é também um defensor da capoeira, participou comigo do movimento pela arte e pelo ofício, contra a imposição que o Conselho à época colocava. E agora precisamos realmente fazer essa plataforma e exigir que as Secretarias de Cultura abracem a capoeira como sua.
Essas são palavras iniciais do que nós temos vivido. Ademais, o que nós temos que dizer é que a capoeira é um dos principais cartões de visita do Brasil no mundo inteiro que inclui milhões de jovens, que afirma a cultura negra no Brasil, que responde aos elementos da tradição, da hierarquia popular da capoeira.
É motivo e ferramenta de grande orgulho para o nosso povo e precisa ser preservada e exaltada.
Eu concedo a palavra, para iniciar a nossa audiência pública, ao Mestre Tonho Matéria, por até 10 minutos.
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A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Bom dia.
O SR. ANTONIO CARLOS CONCEIÇÃO (MESTRE TONHO MATÉRIA) - Bom dia a todos. Bom dia, Deputada, a quem já agradeço o convite para estarmos aqui batendo este papo. Em nome da nossa Deputada Alice Portugal, que está presidindo este belíssimo evento, eu quero aqui desejar um bom-dia a todos os presentes e saudá-los.
Quero aproveitar para agradecer ao Formiga pelo convite para estar aqui nesta manhã falando um pouco sobre a importância da nossa capoeira, principalmente no que se refere a políticas públicas.
Muitas vezes, quando se fala de políticas públicas, ligeiramente se remete a editais, que são interessantes. A Deputada acabou de citar o edital lançado pela Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia — SUDESB, que é uma autarquia lincada à Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte — SETRE. Eu acho de grande valia qualquer edital que seja lançado, em qualquer setor de uma secretaria. Todos esses editais valem para a capoeira. Não existe, segundo a minha forma de pensar, um edital só direcionado para a capoeira. Precisa ser feito pela SUDESB, porque essa é uma autarquia lincada ao esporte, e a capoeira está também inserida como esporte. Então, isso é válido. Mas nós temos aqui a Secretaria de Cultura, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de Saúde. Todas essas secretarias e Ministérios têm apostado que os grupos de capoeira podem, sim, enfrentar a questão e dialogar, através das políticas públicas, com os editais.
Além disso, penso que a capoeira é um instrumento transversal, ela trabalha em diversos braços. E podemos, através da capoeira, buscar garantias para a população capoeirista, população esta que, na sua maioria, é a população negra — estou me baseando, é claro, neste momento, nos grandes mestres que deixaram e continuam deixando esse legado.
Nós temos aqui mestres que tem 80, 85, 90 anos e que não têm garantias. Além disso, muitos desses mestres não têm renda, não têm sustento, porque muitos desses mestres não tiveram uma profissão direcionada para a sua aposentadoria, muitos ficaram na capoeira.
E a capoeira foi quem mais difundiu a cultura, foi quem mais difundiu o turismo na Bahia, foi quem mais difundiu entretenimento. O Mestre Bimba, o Mestre Pastinha, o Mestre Waldemar e o Mestre Gato Preto são exemplos disso tudo que estou falando. Se esses mestres não existissem na capoeira, nós hoje não seríamos o que somos e não teríamos o que temos hoje em termos de luta e resistência.
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Além disso, essa é uma arte que perpassou o mundo e está presente hoje em mais de 160 países. O sonho do Meste Bimba era ter em cada bairro um mestre. Hoje nós temos em cada esquina de cada bairro dois, três, quatro, cinco, dez mestres. Talvez não fosse o sonho do Mestre Bimba ter essa quantidade toda de mestres nesses lugares, mas a capoeira cresceu, agigantou-se. A capoeira hoje tem vários profissionais dentro das universidades e tem profissionais dentro das comunidades que são doutores nessa arte, mesmo sem precisarem ir até os bancos da ciência, como diz o Mestre Pelé.
Então, eu quero fazer uma reflexão nesta minha fala, Deputada e demais amigos: quando tratarmos das políticas públicas, não podemos nos esquecer da Secretaria de Administração, porque é ela quem vai propor políticas para ajudar a construir heteroidentificações dentro da nossa sociedade da capoeira, a sociedade que precisa de fato de um reparo, de um cuidado, de um de manuseio que traga para a comunidade da capoeira não somente a formalidade. Nós precisamos sair de casa para buscar políticas públicas, mas acho que essas políticas precisam chegar até as escolas de capoeira.
Outra questão de que eu falo — e estou falando rápido porque eu tenho aqui um período de 10 minutos — é a garantia na área da saúde. Pensem bem: nós vivemos hoje numa população que tem anemia falciforme. Muitos capoeiristas espalhados por este mundo com certeza adquirem também esse tipo de doença. E é necessário cuidar da política de saúde desses capoeiristas. Além disso, falo da saúde mental dos grandes e velhos mestres da capoeira. É preciso que criemos ferramentas e políticas que deem garantia de atendimento a essas pessoas.
Ao longo do tempo, vimos fazendo vaquinha nas redes sociais para ajudar a comprar o remédio de um mestre e até para ajudar a fazer o sepultamento de um mestre ou capoeirista. Então, é preciso que tenhamos essa garantia.
É preciso criar e garantir também o centro de saúde para tratar dessas doenças que atingem a população da capoeira como um todo. Nós sabemos que temos um caminho imenso para dar essa garantia, para estruturar essa política pública, mas não se pode falar de política pública sem tocar no tema da saúde.
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Na área de desenvolvimento social, precisamos articular políticas sociais para os capoeiristas — principalmente para aqueles que têm deficiência, para as mulheres, para os jovens — e lhes garantir a segurança alimentar. Nós precisamos criar política pública para que se cumpra essa garantia.
Precisamos garantir também o repasse de verba do fundo. É importante que o Município, o Estado e a União garantam, por meio dos seus conselhos, um repasse para o mestre de capoeira, para o capoeirista, para o profissional da capoeira conseguir sobreviver.
Eu queria também, na questão de habitação, pedir aqui uma garantia para a moradia de muitos mestres que doaram suas vidas e hoje não têm um lugar para morar direito. Então, precisamos criar esse espaço de garantia também dentro dessa política pública.
É preciso garantir, na área da cultura, um suporte financeiro por meio de chamamento público — isso foi o que a Deputada acabou de dizer aqui — nos editais. Mas, além disso, oferecer prêmios para esses mestres de capoeira. O Governo Federal lançou o Programa Cultura Viva para ajudar o capoeirista, mas não se trata de uma política continuada. Nós precisamos de uma política continuada, não só de uma política que chegue naquele momento de campanha, garanta a política e, depois, o capoeirista fica a ver navios. São várias as políticas. Nós não temos muito tempo aqui para falar delas.
Mas eu queria também, na área de desenvolvimento econômico, dizer que se pode garantir patrocínio de empresas privadas para ajudar a capoeira e os capoeirista. Muitas empresas usam a marca da capoeira e não dão a devolutiva, nem para os capoeiristas, nem para a capoeira. Então, é preciso que essas empresas empreguem suas políticas de ação social para fortalecer cada vez mais a capoeira, sejam elas no esporte e lazer, sejam elas no turismo. Que essas políticas sejam, de fato, voltadas para os nossos capoeiristas.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Muito obrigada, Mestre Tonho Matéria.
Quero também mencionar que o mestre vem fazendo um excelente trabalho, além do artista que é, um artista multilinguagens. Ele também é professor e tem feito um trabalho brilhante de inclusão pela capoeira, inclusive por meio da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte aqui da Bahia, ganhando editais. Acima de tudo, se destaca pela reverberação da música na capoeira.
Então quero parabenizá-lo, Tonho, e mandar um abraço para a articulação que você junto com o Mestre Jacaré, o Jurandir, orientam.
O que eu quero destacar para os próximos oradores é que nós precisamos dar uma contextualizada com o que estamos vivendo na Secretaria Especial da Cultura. Tem sido muito difícil inserir no contexto as práticas populares.
Nesta semana nós tivemos a notícia de que boa parte da Lei Rouanet — são milhões de reais — está sendo utilizada para filmes bíblicos, filmes relacionados com temas religiosos e outras questões.
Temos tido a recusa, por exemplo, da liberação de um recurso já efetivado, já captado para o Núcleo de Ópera da Bahia, que apresentará em Belém, do Pará, no Festival de Ópera, a Ópera dos Terreiros.
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Nós estamos vivendo um momento de efetivo corte da pluralidade e da natureza laica das políticas culturais. Isso nos assusta. Ontem foi baixada uma portaria pela Secretaria da Cultura para que a linguagem neutra seja proibida. Ela não pode ser usada nos projetos da Lei Rouanet. O "todos, todas e todes", o uso do "x" ou de um "@" para identificação dos vários gêneros, tudo isso está proibido por uma portaria da Secretaria da Cultura.
Eu acabei de apresentar um projeto de decreto legislativo para anular essa portaria. Essa Secretaria vive hoje como um ministério público da cultura. É a tentativa de resgate do patrimônio da Fundação Cultural Palmares. Nós realizamos uma diligência e verificamos que não estão mais ali guardadas as cartas de alforria, não nos apresentaram. Os livros dos intelectuais negros estão jogados ao canto de uma sala. Eles destacaram o livro de fundações partidárias que doaram à Fundação Palmares para distorcer a natureza do acervo bibliográfico da Fundação. Nós não temos hoje a lista das comunidades remanescentes de quilombos. Imagine a de capoeira!
Então, a cultura passa por uma situação difícil, além de haver uma queda vertiginosa de orçamento. Isso é uma distorção, uma ideologização absurda e está completamente na contramão do que a Constituição diz sobre a natureza laica do Estado. É nessa condição que a capoeira enfrenta seus desafios.
Meu respeito a todos os mestres aqui. Eu vou falar em nome do Mestre Squisito, do Mestre Tonho Matéria, em nome de todos. Saudações, mestres!
Sei que o Mestre Squisito vai pontuar as questões da capoeira como salvaguarda. E eu serei bem pontual na relação entre o Congresso Nacional e a capoeira. Essa relação não tem sido agradável, por mais que a senhora tenha sido autora do PL 1.371/07 — eu o estava lendo ontem —, que protege a capoeira do sistema CREF/CONFEF.
Espero estar errado, mas isso me leva a crer que estamos, de novo, caindo nesse perigo do CREF/CONFEF com a lei que foi feita na Bahia, inclusive pelo partido da senhora — não querendo partidarizar. Refiro-me à Lei nº 14.341, da Deputada Olivia Santana, que coloca: "Reconhecemos o caráter educativo..." Isto é algo que nós queremos faz tempo: o reconhecimento do caráter educativo.
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Na última audiência pública da capoeira no Congresso Nacional, eu avisei que os PLs 2.858/08, 50/07, 31/09 e 7.150/02 aviltam a capoeira. Dado o teor do PL 31, já sabemos o que vai acontecer — acabamos de sair do Senado. No Senado, o projeto foi parado pelo Sr. Márcio Marinho, na época. Essa condição de levar para o sistema CREF/CONFEF não é boa para nós, o que o Sr. Márcio Marinho fez e anotou. Depois, em encontro dentro do gabinete dele, ele comentou que iria segurar a lei se eu não conseguisse institucionalizar a capoeira, ou seja, levar o capoeirista a um lugar onde nem o poder público vai. Para formar cidadãos, ele seria obrigado a pagar uma instituição, com certeza o sistema CREF/CONFEF novamente.
E o que acontece agora na Bahia? Por causa das dificuldades que há lá, reconhece o caráter pedagógico que queríamos, mas com o seguinte teor na lei: "Reconhecemos o caráter pedagógico, cultural, esportivo". Esse caráter já está amplamente reconhecido, mas se colocou a terminologia "e de inclusão social da capoeira", ou seja, a definição nova do que seja o desporto. E de novo vamos cair na história do CREF/CONFEF, isto é, em vez de se juntar para nos ajudar, o Congresso está sempre fazendo essa... Nem vou adjetivar. Nem vou adjetivar.
Eu acho que merecemos um pouquinho de respeito por parte do Congresso pela história que fazemos no mundo todo, pois levamos ao mundo todo a capoeira e a cultura brasileira sem a ajuda de ninguém — nós mesmos. E a capoeira não tem uma condição social como a minha, que sou de classe média. A capoeira é da classe baixa, colocou a cara na frente e divulgou o Brasil, sozinha.
Para tentar nos livrar do que me parece ser essa coisa federal, vou ficar por aqui; para não dar o chancelamento que foi dado na Bahia, peço que não se faça isso. A senhora, que é uma defensora da capoeira, que o foi pelo menos, tenha cuidado com essa coisa! Se querem reconhecer todas as dimensões da capoeira, coloquem: "Reconhecemos todas as facetas, todas as dimensões que a capoeira pode representar". Coloquem os novos conhecimentos, por exemplo, a capoeira terapêutica, para retirar esta definição de desporto, que parece não ter maldade alguma — parece. "Reconhecemos o caráter pedagógico, cultural, educativo e de inclusão social", essa é a nova definição de desporto. Eu não ficaria tão preocupado se não soubesse também que a Diretoria do PCdoB está assimilando a Diretoria do sistema CREF/CONFEF. Então, eu fico preocupado.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - É inevitável que eu responda.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Vou dizer, primeiro, que é evidente que, na Assembleia Legislativa, a Deputada Olivia Santana tem sido uma defensora da capoeira.
Eu não conheço os meandros da lei. Não é uma lei do PCdoB, é uma lei da Deputada Olivia Santana, articulada com os capoeiristas da Bahia. Eu não participei da redação da lei. E, se o senhor tem dúvida sobre se eu até então a defendi, ou sobre se vou continuar a defendê-la, é uma questão individual. Eu gostaria que nós respeitássemos aqueles que, aqui na Comissão de Cultura, têm feito uma imersão, inclusive em nível de sacrifício contra fake news e no enfrentamento ao Governo Bolsonaro, não deixando dúvida sobre a ação que empreendem. Foi através da minha ação como Presidente desta Comissão que nós criminalizamos o Sr. Sérgio Camargo. E, por sinal, não vi, Sr. Sérgio Lima, manifestação de V.Sa. sobre isso.
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A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Aqui nós estamos na Comissão de Cultura, num coletivo plural, com pessoas de todos os partidos. E não há aqui uma disputa partidária em voga.
Se essa foi a orientação que lhe deram... Eu sou uma Deputada do PCdoB, com muito orgulho, um partido que fará 100 anos no ano que vem. Eu estou no meu quinto mandato sem nenhuma mácula, sem nenhuma denúncia de corrupção ou de tergiversação em relação à defesa de direitos dos mais pobres, dos trabalhadores e da cultura. Então, realmente eu não compreendi o seu nível de agressividade.
O Parlamento não é uno. Nós temos desde representantes de Bolsonaro até representantes populares autênticos. Então, não coloque o Parlamento como um amálgama igual. O Congresso Nacional não é igual. Ele é formado de partes, representadas por partidos. O senhor deve ter o seu, mas isso não significa que deva apontar o dedo para o outro como inimigo de uma categoria.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Só um minutinho.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Ele pode falar da Lei Moa do Katendê, um homem que foi assassinado.
E obviamente seria necessário dizer que a Deputada Olivia Santana, a primeira Deputada negra na Assembleia Legislativa da Bahia, tem por costume ouvir os segmentos envolvidos na construção de suas matérias legislativas. Nesse sentido, eu tenho como defendê-la, não obstante eu não conhecer os meandros dessa lei, porque estamos neste momento em esferas diferentes, e eu tenho tratado de uma resistência hercúlea contra o fascismo que abate a cultura em nosso País.
É nessa dimensão que fizemos esta audiência, para fortalecer a capoeira. E não há, por parte do PCdoB, nenhum tipo de relação com alguma concessão ao Sistema CONFEF/CREF de agressão à capoeira, porque eu mesma fui pessoalmente para a frente de academias e enfrentei professores renomados na Bahia, na época em que o hoje já fechado Ballet Rosana Abubakir foi invadido por seguranças do sistema, assim como a academia do Mestre Bimba, cuja mão tive a honra de ter sobre a minha cabeça, ainda criança. Então, é absurda a acusação de que o PCdoB está envolvido com a volta desse problema, dessa relação. Isso não é verdade!
Então, eu quero, primeiro, que façamos aqui a pavimentação da nossa tarefa de hoje: achar espaço para a capoeira em âmbito nacional e desmontar a ação que desmonta o Sistema Nacional de Cultura, através da Secretaria Nacional de Cultura.
Se nos dividimos no lugar frágil em que estamos, não restará oportunidade para nós nos reconstruirmos diante de tantos ataques.
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Portanto, eu gostaria de dizer ao senhor que procure a Deputada Olivia Santana para um diálogo — eu própria posso propiciar esse encontro —, se o senhor tem essa divergência com o projeto de lei, e procure o sistema que participou da construção da lei coletivamente lá na Bahia. Hoje nós queremos tratar de plataforma para a capoeira em âmbito nacional.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Não, o senhor partidarizou e acusou o PCdoB.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - O senhor disse: "O partido de V.Exa. (...)".
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - O que é isso, Dr. Sérgio? Por gentileza, por favor, nós somos companheiros. São muitos anos de luta.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Fique à vontade, para sua réplica, Sr. Sérgio Lima. Em seguida falará o Mestre Gildasio.
Não estou querendo partidarizar. A relação é com toda a Casa mesmo, a relação que não está boa é com toda a Casa Legislativa.
Novamente, parece que vem... E eu não quero também conversar com a Sra. Olivia Santana não. Eu sei dos brilhantes mestres que estavam lá e podem ter sido levados ao engano. E qual é esse engano, para ser bem pontual, para não precisarmos sair do foco? É colocar a capoeira, ao reconhecê-la pedagogicamente, como parece que vai acontecer na continuação disso, não sei, ao reconhecer a capoeira como pedagogia, reconhecer justamente como cultura, esporte e inclusão social. Dessa forma, fazendo isso, nós voltaremos para o Sistema CONFEF/CREF.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Pois eu o desafio a dizer se o senhor tem algum tipo de identificação da minha ação nessa direção. Eu deixo o desafio no ar.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Eu estou no PCdoB desde 1978, e não existe por parte do partido nenhum tipo de relação com essa tentativa absurda de domar a capoeira, de domesticar a capoeira.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Essa não é a nossa intenção, nem é a da Deputada Olivia Santana, diga-se de passagem.
Eu quero aqui primeiramente parabenizar a Deputada Alice pela coragem, pela garra na defesa da nossa cultura, da nossa capoeira. Não é fácil dar a cara a tapa para defender a luta de um povo de resistência.
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Em comemoração aos 100 anos da Abolição, nós implantamos o Movimento Negro aqui na cidade, com o objetivo principal de busca por políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo, à intolerância religiosa e a todo tipo de perseguição. Com isso, implantamos várias atividades aqui, inclusive a Marcha Zumbi dos Palmares.
O que eu quero dizer? Pegando um pouco da fala do Tonho Matéria e também da Presidenta em relação à questão da cultura da capoeira, quero dizer, com toda a tranquilidade, que o nosso País é extremamente racista, inclusive com a nossa cultura e com a nossa arte. A capoeira, desde a época da... eu não vou nem dizer que isso vem da época da escravização, mas, da época da Abolição para cá, a capoeira vem sendo perseguida por todos os setores.
Em todas as cidades do País, as secretarias não respeitam a cultura negra, não respeitam a capoeira. Quando você chega a alguma secretaria, você encontra de tudo, você encontra todas as manifestações dos povos, mas elas não representam o nosso País. Estão lá representadas todas as manifestações. Mas, quando se fala de capoeira, nunca há tempo, nunca há ações programadas. Sempre deixam a capoeira marginalizada, como se ela fosse prejudicar todas as ações políticas da cidade, sendo que a capoeira é uma das maiores ferramentas de educação e de formação de cidadãos.
Gostaria de voltar um pouco no tempo e relembrar as Olimpíadas que aconteceram aqui no Brasil. Vocês perceberam que a tocha passou por todos os Estados brasileiros e que, nesses Estados por onde ela passou, foram mostradas as manifestações culturais daqueles territórios? Mostraram a capoeira, o jongo, os terreiros de candomblé, enfim, todo tipo de cultura foi mostrada para atrair cada vez mais o turismo para o nosso País.
O engraçado é que isso não é feito só por conta das Olimpíadas. Em todos os portfólios que o Brasil envia para fora, não se colocam as culturas estrangeiras que existem aqui. Coloca-se exatamente a nossa cultura, especialmente a capoeira e o candomblé. São essas coisas que eles enviam lá para fora, para atrair cada vez mais turistas para as nossas cidades.
Só que, quando você vai à escola, a capoeira é proibida de entrar. Quando você vai à Secretaria de Cultura, a capoeira é proibida de entrar. Só chamam a capoeira ou um mestre de capoeira para participar de alguma atividade gratuita, sem dar nenhum tipo de estrutura, apenas para apagar fogo para eles.
Então, é necessário que o Governo deste País veja a capoeira e nós mestres de capoeira com mais responsabilidade. Já passou da hora de a capoeira ser, de fato, reconhecida como uma cultura genuinamente brasileira. Já passou da hora de termos um plano nacional de capoeira.
Pensando nisso, eu trago aqui uma proposta para ser discutida nesta audiência, assim como a Deputada também trouxe algo para ser discutido.
Trata-se da criação, em todas as cidades do nosso País, de uma espécie de concha acústica onde haja a prática da capoeira e das suas manifestações, porque o barato da capoeira é que ela não vem só tocando berimbau e jogando a perna para lá e para cá. A capoeira, quando ela vem, ela traz o maculelê, ela traz o samba de roda, ela traz a puxada de rede, ela traz a proteção da questão dos terreiros de candomblé. A capoeira tem uma bagagem fenomenal, porque ela traz praticamente tudo o que se fala e, como o Mestre Pastinha dizia, tudo o que a boca come. Eu costumo dizer até que, em todas as cidades do nosso País que tenham minimamente uma população acima de 50 mil habitantes, obrigatoriamente, deveria haver uma concha acústica, e não é uma concha acústica de qualquer jeito não. Eu fui a uma cidadezinha aqui de São Paulo onde criaram uma praça que diziam que era um anfiteatro. Descoberto, sem nenhuma estrutura, não havia banheiro, não havia nada nessa praça, e eles diziam que era um anfiteatro. Havia apenas três arquibancadas, não havia mais nada.
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E o que queremos? Queremos que isso seja construído em cada cidade, como eles fazem com a pista de skate. Se você for a qualquer cidade do nosso País, com uma população acima de 50 mil habitantes, vai encontrar uma pista de skate muito bem estruturada, muito bem iluminada para a galera ficar lá brincando com o seu skate, e nós queremos isso para a capoeira. Estamos querendo um espaço desse onde se possa fazer encontros de capoeira, onde se possa fazer eventos de capoeira e para que se possa de fato debater também, através dessas manifestações, a questão do racismo.
Vejam o que está acontecendo com este Governo brutal e genocida, o que ele está fazendo com o nosso povo, o que ele está fazendo com a nossa cultura, ele acabou com os Conselhos da Igualdade Racial. Inclusive, eu estive por duas gestões como Coordenador da Igualdade Racial, os conselhos hoje estão todos detonados, eles acabaram com tudo. Então, nós precisamos fortalecer isso.
E é necessário que se diga "Fora, Bolsonaro!", porque este camarada deve estar a serviço do mal por conta do que ele está fazendo com o povo brasileiro. Ele está destruindo tudo.
Lembrando o que foi dito pelo nosso saudoso Mestre Moa do Katendê, eu quero pedir a permissão aqui, antes de estourar o meu tempo, para fazer a ele uma saudação. O que fizeram com ele foi uma perversidade. Ao falar que este Governo ia ser perverso para o nosso povo, o camarada chegou lá e o esfaqueou de forma covarde. Ainda bem que a Bahia criou um projeto de lei muito importante para lembrar o nome deste homem. E quero — sei que eu fui falando de forma atropelada, fui muito rápido — encerrar fazendo a ele uma homenagem cantando:
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A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Axé, Mestre Gildasio. Suas palavras tocam profundamente os corações daqueles que entendem a capoeira como um dos gestos de resistência de nosso povo.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Estamos a ouvindo bem.
A SRA. LIRA MENESES (TREINELA LIRA) - Bom dia a todos, todas e todes. Embora estejam proibindo a nossa linguagem neutra, eu não a deixarei de utilizar.
Deputada Alice Portugal, este é, sim, um momento importante. Que outros momentos como este se repitam! Que consigamos, de fato, consolidar esses debates para além de partidarizações! O que está em voga são políticas que possam de fato ser implementadas para que o povo da capoeira, assim como de outras vertentes de cultura de matriz africana, possa ter políticas públicas voltadas para os seus nichos sociais, porque isso é fundamental.
Em um país que se mata mais negro — 80% das mortes que acontecem por policiais são de pessoas negras —, nós precisamos rever isso e entender quais são os nossos pontos reais de pauta, entendendo quem é o nosso inimigo, colocando obviamente uma visão dualista das questões.
Antes de iniciar mais um ponto da minha fala, quero dizer que sou do Malungo Centro de Capoeira Angola, meu mestre é Bel Pires e meu contramestre é Augusto Leal. Falo em nome deles porque são dois homens, um do Estado do Pará e outro de Feira de Santana, que têm, ao longo de sua vida, no processo da capoeira, batalhado tanto no campo intelectual quanto no campo da capoeira, por melhores condições na capoeira, por compreender os processos históricos em que vivemos e o processo pelo qual a capoeira passa. Se eu estou aqui hoje podendo fazer essa fala junto aos camaradas é devido à luta que esses dois têm travado em todos os cantos. Agradeço pela oportunidade que eles me deram de estar aqui.
Pensar política pública hoje neste País é muito difícil. Mas não só hoje está difícil. Se pautarmos o hoje, vamos esquecer que o Brasil vivenciou um processo histórico, vamos esquecer que o Estado nos coloca como seus inimigos. A capoeira foi inimiga do Estado, só tendo sido tirada do Código Penal quando interessou ao Estado tirá-la do Código Penal. Isso é fundamental, porque senão acabamos nos focando só no hoje.
Eu não estou defendendo esse traste que está no poder — não podemos nem falar o nome dele — e essa corja que está com ele, mas isso não vem de hoje. O Estado brasileiro, falando de estrutura, precisa reconhecer o crime que cometeu contra a capoeira. Isso tem que estar dentro da possibilidade de se repensar a capoeira. Se o Estado não reconhecer isso, assim como não reconhece os processos de escravidão que existiram, ele não vai assumir políticas públicas para a capoeira, assim como não vai assumir políticas públicas para outras vertentes.
Na minha perspectiva, na perspectiva da ideia que eu defendo, o Estado, a princípio, precisa reconhecer o crime que cometeu contra a capoeira, especialmente nos Estados mais afetados, como o Estado do Pará, onde o processo de criminalização da capoeira foi intenso ao ponto de perdermos a memória histórica da capoeira.
Esse deve ser um ponto da pauta.
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Concordo com o Mestre Tonho. Nós precisamos de um plano nacional de capoeira. Esse plano deve ser muito bem costurado, muito bem articulado e ter uma linguagem acessível aos mestres. Aqui há um ponto muito interessante, porque falamos, falamos e falamos, mas, no papel, a linguagem é tão difícil de se acessar que parece que não fomos nós que tratamos sobre aquele assunto.
Eu me lembro do Krenak, que diz assim: "Uma lei que não entendemos não é para nós". Se a linguagem não nos é acessível, se não conseguimos compreender o que a lei quer dizer, ela não é feita para nós, ela é feita para nos ludibriar. A linguagem precisa ser acessível.
São importantes os editais? Sim, eles são fundamentais. Neste período de pandemia vimos o quanto foram importantes esses editais. Mas esse dinheiro já era nosso. Ele estava guardado e estava sendo gasto pelo Governo Federal. Nós sabemos que não foi repassado, por esses editais do período da pandemia, nem a metade do que era da cultura. Sabemos disso. Então, edital é importante? É, sim, mas precisamos de políticas que sejam permanentes, porque não dá para ficar abrindo edital aqui, edital ali, edital acolá. Alguns grupos que tem um pouco mais de possibilidade conseguem acessá-lo, outros não.
A realidade aqui no Pará, por exemplo, talvez seja a realidade de outros Estados. Empresas se especializarem em editais neste período de pandemia, ganhando fortunas em nome dos grupos. Elas cobram para fazer tudo, porque os mestres, as mestras e os alunos não entendem a linguagem técnica dos editais e têm um gasto muito grande. Eu vi mestre chorando desesperado porque não sabia o que fazer para prestar conta, porque ele não tinha escrito o edital e não sabia o que estava no edital. Ele não sabia nem o que ele tinha feito. Ele sabia que tinha feito um monte de coisa, mas não sabia o significado: "E agora, como vou prestar conta?" Então, é necessário repensar a nossa linguagem nos editais.
Outro ponto é a necessidade de se implementar políticas de reconhecimento dos nossos mestres e mestras de capoeira, dos seus saberes, sem nos institucionalizar, sem exigir que tenhamos que ir para o banco da escola. A escola é fundamental? É, sim, mas ela não deve ser a base para pensar os nossos mestres e mestras de capoeira, os nossos fazedores de cultura, que estão há muito tempo mostrando a cultura brasileira, mostrando a arte da capoeira.
Eu concordo em parte com o Mestre Sérgio Lima. É preciso repensar, sim, para não cairmos na armadilha do CREF e CONFEF. É preciso pensar quem é a capoeira, quais são os princípios da capoeira. Há um monte de capoeiristas e grupos aparecendo — capoeira gospel, capoeira não sei o quê — que só querem angariar fundos para tirar da capoeira as suas características principais.
Esses são alguns pontos. Obviamente, como o tempo é um pouco corrido, acabamos acelerando um pouco, mas estes são alguns pontos fundamentais: o reconhecimento da dívida histórica do Estado — não estou falando de A ou B, mas do Estado, que é o nosso principal ponto de partida —; um plano nacional de capoeira bem alinhavado, bem pensado; editais; e políticas que sejam implementadas a longo prazo, e não a curto prazo, para a capoeira.
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Então, quero agradecer a todos e todas novamente, agradecer por esta oportunidade. Feito isso, quero dizer que depois podemos nos sentar novamente para ver o saiu que desta audiência, assim como de tantas outras. Nós precisamos também estudar mais sobre essas leis que estão passando pelo Congresso, pelas Câmaras de Deputados, como frisou o Sr. Sérgio Lima, porque, se não soubermos o que está sendo feito para a capoeira, não vamos ter como ter terra para brigar por ela. Mas sabemos que há pessoas, como a senhora, como a outra Deputada, que estão na briga conosco. Se temos essas oportunidades e se as nossas fontes de busca pelo reconhecimento da capoeira passam pelo Estado, vamos peitar o Estado, e não peitar um ao outro.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Muito obrigada.
O SR. JURANDIR JUNIOR (JACARÉ DIALABAMA) - Bom dia. Cheguei há pouco de viagem. Peço desculpa por estar meio atropelado. Estou ajeitando a câmera.
Inicialmente, quero saudar a Deputada Alice Portugal, companheira de longas datas na luta em defesa da nossa cultura, em defesa da capoeira; saudar os mestres e mestras capoeiristas, estudiosos da nossa arte, que aqui fazem parte desta Mesa virtual, por assim dizer; saudar o meu camarada Tonho Matéria.
Peço desculpa aos que eu não consegui ouvir. Eu só consegui passar a acompanhar a audiência a partir do momento em cheguei a Salvador e vim me deslocando para cá, mas gostaria de dizer da importância deste evento.
A pandemia propiciou que a capoeira pudesse se reunir em uma roda de outro formato, tirou a possibilidade do jogo, do contato com as pernas, mas propiciou o jogo das ideias. E esse jogo, para mim, é fundamental para que possamos nos colocar em outro patamar e elevar também o acúmulo da nossa cultura.
Para quem não me conhece, meu nome é Jacaré DiAlabama. Sou discípulo do Mestre Alabama e passei a coordenar o movimento chamado Capoeira em Movimento Bahia, que é fruto da política de salvaguarda da capoeira aqui na Bahia. A partir dessa relação, dessa construção da política de salvaguarda, nós passamos a existir. E nascemos no bojo da luta em torno da defesa da política de salvaguarda, em torno da promoção da capoeira e, principalmente, do reconhecimento, pelo Estado brasileiro, da capoeira como importante elemento de identidade cultural do nosso povo, inclusive defendendo a capoeira na perspectiva ancestral, porque a nossa luta é parte ainda de uma luta histórica, de uma abolição inconclusa, de uma abolição que nos colocou à margem da sociedade. De forma marginalizada, a capoeira vive.
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Se, por um lado, a roda de capoeira, os mestres foram reconhecidos como patrimônio imaterial da humanidade, por outro lado, a capoeira continua adentrando nos espaços de poder pela porta dos fundos, principalmente nas escolas, o que é fruto da nossa luta aqui na Bahia. Nós tivemos oportunidade, inclusive, de ter um ato histórico, que foi a aprovação de um projeto de lei. Falarei dele daqui a pouco.
Um processo de marginalização, para mim, é o que define a relação estranha — para usar esse eufemismo — da capoeira com o poder público, com a sociedade. Isso porque nós estamos discutindo política pública em um sistema que foi feito para não nos incluir; nós estamos discutindo política pública em um Estado cujas amarras nos colocam fora do acesso aos espaços de poder e do acesso aos direitos, em uma realidade em que os nossos mestres e mestras continuam morrendo, assim como morreram Mestre Pastinha e Mestre Bimba, sem terem nenhum direito, acesso, nenhum tipo de reconhecimento efetivo, além de títulos. São chamados para fazer alegorias ou espaços de recreação e de alusão, para fazer crescer o turismo e vender uma imagem para o mundo da capoeira. Hoje, ela é a maior difusora da língua portuguesa no mundo, em mais de 360 países. A capoeira é um elemento de identidade cultural. Nós não temos, e vivemos alguns paradoxos diante disso, com as contradições. Utilizam-nos como símbolo de um Estado que não reconhece e não fortalece a capoeira.
E se vai vivendo uma crise, portanto, até mesmo de identidade. Essa crise e esse processo de escravidão nos colocam também em contradições com nós mesmos, porque a capoeira passa a disputar esse espaço entre nós. Essa herança maldita da escravidão nos divide, assim como houve o processo do capitão do mato, no processo da escravidão, assim como houve também um processo de utilização de bandeiras históricas.
Digo isso — e está chegando ao fim do meu tempo — para defender não só a tese, perdoe-me se for aqui repetitivo, porque não ouvi todos, do plano nacional da capoeira, mas também a necessidade de nós pensarmos para dentro esse processo de evolução.
Adentramos a universidade, e o conhecimento passou a ser sistematizado, a partir da produção nossa, acadêmica. Adentramos os espaços e o poder, como a escola, por meio das escolas particulares, mas nas escolas públicas, por exemplo, que são um elemento de reconhecimento da nossa cultura pelo Estado, isso não foi feito.
Aprovamos uma lei, aqui na Bahia, que não saiu como nós queríamos, porque os arts. 4º e 5º, que garantiam, efetivamente, a entrada nas escolas, foram suprimidos. Contudo, a força da capoeira, que ainda é muito pequena, diante do nosso potencial, fez o Estado aprovar uma lei que garante uma política de salvaguarda. É um instrumento de luta, que só foi possível porque houve aqueles capoeiristas que acreditaram e tivemos aliados, como a Deputada Olivia Santana e a Deputada Alice Portugal, que nos ajudaram na aprovação dessa lei, que toparam enfrentar essa estrutura.
Eu acho que nós precisamos construir mais pontes do que muros, porque os muros a sociedade já nos impõe, essa herança já nos coloca. A ponte significa ponte entre nós, em cada Estado, ponte nesta articulação, que há pouca nacionalmente, entre nós.
Vi aqui a importante fala do Mestre Gildasio. Eu acho que essa articulação mais permanente é fundamental para que nós tenhamos menos preconceito, inclusive entre nós, para que nós possamos construir uma unidade, para fazer o Estado brasileiro reconhecer a nossa cultura como um importante elemento de identidade cultural.
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Parabéns à Deputada Alice Portugal e à Comissão de Cultura por essa iniciativa. Vejo isso como a retomada, talvez, de uma articulação nacional para que possamos, efetivamente, defender e efetivar uma política pública que desenvolva a capoeira, preservando a sua ancestralidade e como elemento de identidade nacional do nosso povo.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Muito obrigada, Jurandir.
O SR. REGINALDO COSTA - Bom dia a todos e a todas. Saudações aos Mestres Gildasio, Dedê, Tonho Matéria, Brucutu e Jurandir. É uma honra participar deste movimento.
Minha saudação especial à Deputada Alice Portugal. Nós já estivemos juntos em outro momento. Eu acho que a senhora não lembra, porque, naturalmente, são muitos movimentos e eventos, mas eu estive presente quando a senhora promoveu a Ordem do Mérito Cultural para um mestre parceiro, o Mestre Bimba. Eu estava lá junto com o Mestre Nenê e o Mestre Moraes. Estivemos próximos, não sei se a senhora lembra.
Neste momento, eu gostaria, inclusive, de sugerir, se fosse possível, que usassem a parte de visualização que enxerga o palestrante ou o falante, tem speaker, em inglês, eu não sei como é que está, mas é o orador, ou alguma coisa assim, porque eu vou mostrar alguns eslaides que organizei rapidamente, tendo em vista que a minha confirmação nesta audiência só foi feita ontem. Então, eu estou trazendo algumas coisas mais ou menos organizadas, para poder permitir uma exposição mais ou menos sistematizada.
Primeiro, eu queria falar, por mais 1 minuto, de qual é o meu trabalho. Essa constelação que vocês estão vendo atrás de mim é trabalho meu e do meu mestre, nós nos associamos neste movimento. Eu sou aluno, discípulo do Mestre Tabosa, que é discípulo do Mestre Arraia, de Salvador, e nós temos, hoje, essa constelação de grupos que surgiram do nosso movimento. Nós temos 85 grupos em âmbito nacional, espalhados, praticamente, pelo Brasil inteiro, e mais cerca de 20 grupos fora do Brasil.
Eu, pessoalmente, já formei cerca de 30 mestres de capoeira, que já formaram outros tantos. E hoje, dentro da minha linhagem, temos mais de cento e poucos mestres de capoeira. Estou dizendo isso apenas para dizer para vocês que a minha condição, a que eu vou trazer, não é só de capoeira, porque, neste momento, para discutir dentro da esfera do problema em que nós estamos, precisamos pensar além da capoeira, precisamos pensar o problema da sistemática.
(Segue-se exibição de imagens.)
Estou discutindo elementos para uma legislação sobre a capoeira porque, enquanto não tivermos uma legislação que nos respalde, qualquer debate vai ser estéril, vai ser quase emocional, vai ser essa discussão que sentimos bater forte no nosso coração, de discriminação, de exclusão, de preconceito, de racismo e de todos os outros elementos que muitos de vocês já falaram, e eu sei que isso é parte do nosso cotidiano. Mas sou especialista em processos, em como organizar uma discussão que é complexa por si só.
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Vejam bem, nisso aqui eu trabalhei por algum tempo. Foi criada na Câmara, em 2014, a Frente Parlamentar em Defesa da Capoeira. Eu fui convidado para assessorar voluntariamente esse movimento, esse trabalho. Eu levantei alguns estudos, à época, para entender como essa frente poderia organizar esse debate dentro da Câmara.
Então, uma das coisas que fazem parte das premissas desse processo é a seguinte: enfrentamento das adversidades. A Deputada Alice Portugal falou o tanto de limitações e de restrições que existem e também o problema do foco, da prioridade, do interesse das autoridades, dos partidos, etc.
Nós não podemos decidir arbitrariamente as prioridades. Nós temos que entender coletivamente qual é a prioridade e democratizar essa discussão. Também temos que permitir uma compreensão ampla da capoeira enquanto matéria legislativa.
As premissas de um modelo que eu vou apresentar para vocês são essas aqui. Nós precisamos entender as matérias de interesse da capoeira, e não dá para tratar disso de uma forma única. Por quê? Porque a capoeira tem aspectos múltiplos, como muitos de vocês já falaram. A capoeira é transversal, a capoeira é extremamente múltipla nas suas facetas. Existem pessoas dentro da capoeira que estão trabalhando com ela nessas suas dimensões, de um modo mais ou menos especializado.
Precisamos discutir isso e precisamos discutir também quais são os órgãos do Governo que têm que responder por essas demandas. As políticas públicas são produtos de uma manifestação consagrada, de uma manifestação coletiva das demandas. É por isso que não adianta muitas vezes apenas brigarmos, como muito bem manifestou o Mestre Jacaré, na questão de nós ficarmos brigando entre nós: "Farinha pouca, meu pirão primeiro!" Nós não podemos mais fazer esse tipo de coisa.
Então, precisamos trabalhar enxergando esses atores que nós temos. Precisamos logicamente criar respaldo para a inclusão dos mestres e dos praticantes de capoeira. Precisamos acolher a capoeira como patrimônio material e imaterial. Muita gente esquece que existe um acervo gigantesco da capoeira que está sendo jogado no lixo, e, como a Deputada mencionou, o acervo da Fundação Palmares está sendo logicamente jogado no lixo do descaso.
O modelo passa por isso aqui. Eu tenho uma legislação específica, que envolve uma área de atuação dos capoeiristas em que nem todo mundo atua. Por exemplo, alguns caras atuam dentro das universidades como pesquisadores e há até grupos que estão lá dentro fazendo estudos. Eu tenho entidades civis que se interessam por isso. Eu tenho entidades da capoeira que dialogam com essas questões. E eu tenho os entes de Governo, que precisam ter compromisso com essas coisas.
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Por exemplo, se eu estiver discutindo o problema relacionado com a ancestralidade, tradição, produções culturais baseadas nos legados tradicionais da capoeira — as rodas tradicionais, os mestres tradicionais, etc. —, eu tenho isso relacionado com qual tipo de entidade da capoeira? Com entidades que trabalham dentro da tradição, e não venham dizer que é todo mundo, porque não é!
Nós temos esse movimento chamado capoeira contemporânea, por exemplo, que despreza essa discussão de tradição. E temos mestres — como o Mestre Gildasio, como o Mestre Tonho Matéria, como os mestres relacionados com a capoeira angola e que estão resistindo com a capoeira angola — que precisariam estar presentes neste debate. Essas entidades de capoeira representam esses movimentos.
E quais são as entidades que trabalhariam e que teriam interesse nisso? As entidades de produção cultural, as entidades com identidade tradicional da capoeira, os programas de circuitos artísticos — as tradições, datas comemorativas, etc. —, todos esses que dizem respeito a esse elemento tradição e ancestralidade têm que participar desta Mesa. E isso não interessa absolutamente para o povo, por exemplo, do esporte da capoeira olímpica e não sei o quê! Isso aí é outro debate, que tem que estar em outra linha dessa discussão.
Dentro do Governo, quais são os segmentos que têm a ver com esse debate? Existe a questão do pessoal da cultura e do patrimônio, o pessoal do turismo e as pessoas das relações exteriores, por quê? No caso, nós temos um movimento enorme, uma demanda enorme por essa capoeira tradicional, por exemplo, na Europa e nos Estados Unidos, ao ponto de um mestre brasileiro que nunca foi reconhecido no Brasil receber um título de Doutor Honoris Causa nos Estados Unidos, como é o caso do Mestre João Grande. Por que isso aconteceu? Porque lá existe um respeito com esse perfil de trabalho, com esse perfil desses atores.
E a legislação que diz respeito a isso? Qual é a legislação que se produz disso aí? A legislação pró-salvaguarda, o reconhecimento e o incentivo dos méritos culturais. Como o Mestre Tonho Matéria lembrou aí, houve premiações que já foram distribuídas e que depois morreram, pararam lá atrás. Parece que foi só uma amostra grátis do que poderia acontecer, e isso a partir da mudança do Governo acabou. Isso tem que ser um compromisso de Estado, e não de Governo.
A Classificação Brasileira de Ocupações nunca respeitou a existência do mestre de capoeira. Na Classificação Brasileira de Ocupações, por exemplo, existem — na última vez que eu contei — 199 tipos de mestres lá dentro. E quantos mestres existem? O mestre de capoeira está lá? Não.
Então, essa demonstração que eu trouxe aqui é para dar uma ideia de como podemos sistematizar essa discussão.
Eu termino dizendo — e é lógico que o tempo é muito curto — que precisamos abrir a nossa mente porque uma "mente que se abre a uma nova ideia", e a capoeira faz isso o tempo todo, "jamais voltará ao seu tamanho original". Nós crescemos na nossa compreensão da realidade, desde o ancestral, que luta por isso, e não vamos voltar, porque nós somos essas pessoas que representam esse pensamento do Einstein aí.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Nós queremos lhe pedir licença inclusive para usar de maneira objetiva esse seu trabalho. Esse seu trabalho abre o portal da criação desta plataforma 2022 e será uma minuta.
E, é claro, os segmentos que foram ouvidos por esta Comissão de Cultura, e são quase todas as linguagens culturais, farão a crítica sobre essa modelagem antes da publicação. A nossa ideia é que essa plataforma cultural seja entregue aos futuros candidatos à Presidência da República, para que nós possamos de fato ter uma plataforma e ter esse plano para as várias áreas: no audiovisual, no teatro, no circo, para os mestres populares da cultura oral, na literatura e na capoeira.
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E quero dizer que também sou autora da indicação de tombamento da capoeira como patrimônio imaterial. O Sr. Sérgio Lima não sei se tem conhecimento. É importante dizer que até hoje os croquis não saíram. Cadê os croquis? Tem que ser desenhado, não pode ser desenho digital, têm que ser desenhados todos os movimentos da capoeira. Esse tombamento, ainda não é patrimônio cultural? E aí dizem: "Já é". Se já é, cadê o diploma? Então, tudo isso são cobranças que realizamos no dia a dia. Mas quando acabaram com o Ministério da Cultura, tiraram-nos os mecanismos de um lócus concreto para exigir essas posições do Governo. E nós temos feito cotidianamente esse enfrentamento na Comissão de Cultura.
Eu lhe agradeço e peço licença para usarmos esse seu material riquíssimo, muito bem sistematizado. E agradeço também a fala de todos e todas, inclusive as opiniões críticas. Eu acredito que nesse contexto nós poderemos sugerir quais são os parâmetros para que leis estaduais possam ser criadas sem qualquer margem de dúvida acerca dos interesses gerais e nacionais da capoeira.
Eu quero asseverar que nós estamos realmente no limite do horário. Então, eu queria pedir aos próximos oradores que tentassem falar em 5 minutos para que possamos aproveitar a presença de todos e fazer uso desse conteúdo maravilhoso para que, numa futura reunião, o apresentemos já sistematizado como uma proposta da capoeira.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Eu peço aos técnicos da nossa Comissão de Cultura, à Lúcia, que é a nossa coordenadora técnica, que depois façam contato com você para que possamos ter acesso a essa sua apresentação.
O SR. MÁRIO AUGUSTO DA ROSA DUTRA (MESTRE GUTO) - Bom dia, Deputada. Em 5 minutos agora darei conta, porque muito já foi falado pelos demais mestres.
Antes de mais nada, saúdo a sua presença, agradeço a oportunidade. Estendo o meu bom-dia ao Mestre Sérgio, ao Mestre Squisito, ao Mestre Tonho Matéria, ao Mestre Gildasio, à Mestra Treinela Lira, à Mestra Dedê, ao Contramestre Jacaré, que está aí, e ao Formiga, que também fez o convite para nós.
Bom, eu falo aqui do Rio Grande do Sul, de Porto Alegre, no extremo sul do Brasil. E vou falar como têm chegado essas possibilidades e propostas de capoeira na escola, a capoeira educação, e toda essa luta que estamos tendo em prol da valorização dessa nossa arte ancestral.
Poucos debates foram feitos efetivamente. Quem tem trazido algumas informações relativas à capoeira realmente são os mestres.
Têm se reunido os mestres de várias áreas, de vários estilos, de várias linhagens da capoeira. Nós temos aqui um grupo de mestres e mestras — mais recentemente, passamos a ter também as mestras — bem articulado no sentido de salvaguardar a capoeira, de pensar ações bacanas para a capoeira. É claro que divergimos também, porque a ideia não é unitária, é uma ideia plural, mas está todo mundo muito atento aqui no Rio Grande do Sul em relação ao que é bom para a capoeira. Então participamos de várias atividades, desde os congressos nacionais unitários da capoeira. E, quando veio a lei do CONFEF/CREF, a Lei nº 9.696, nós também fomos incansáveis.
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O que eu quero trazer agora como proposta, uma vez que tudo já foi dito? Primeiro, antes de mais nada, quero dizer: fora, Bolsonaro! Realmente, tirar esse homem do poder já é uma forma de tentar reconstruir um pouquinho do que nós tínhamos construído e avançar nas políticas públicas para a capoeira, para a cultura popular e para a cultura como um todo.
Eu faço parte também da Rede Cultura Viva e dos Pontos de Cultura, e sabemos que a própria Política Nacional de Cultura Viva dialoga muito com essa política de salvaguarda, com os saberes dos mestres e das mestras, e isso está sendo desconsiderado no atual Governo e está até havendo perseguição pelo atual Governo.
Deputada e demais colegas presentes, considerando a pluralidade, considerando as múltiplas possibilidades de inserção da capoeira e de prática dela, conforme o Mestre Squisito trouxe agora, o que está faltando para nós no Rio Grande do Sul, e talvez isso já tenha acontecido nos outros Estados, são miniconferências, pequenos encontros, ou grandes encontros, para debatermos o assunto, para vermos de que maneira essas leis poderiam estar sendo contempladas.
Parece-me, olhando de longe, que para a Lei Moa do Katendê houve esse debate. E a lei tentou contemplar o debate, o contraditório, as múltiplas possibilidades da capoeira. É claro que, quando se tenta contemplar tudo, pode-se também divergir da ideia de uma ou de outra pessoa. Mas aqui no Rio Grande do Sul nós acabamos não conseguindo fazer isso. Nós não temos uma lei nesse sentido e acabamos sempre reagindo às leis e às propostas que vêm de outros Estados. E aí, organicamente, nós sentamos e conversamos. Mas não conseguimos aqui, através de nenhum Deputado nem de nenhum Vereador, fazer essa articulação.
No Rio Grande do Sul, as ações que têm chegado a nós, inclusive pela Câmara de Vereadores e pela Assembleia Legislativa, são ações vinculadas a setores que não dialogam com a capoeira da maneira como nós dialogamos. São ações de setores políticos mais vinculados à capoeira gospel, à capoeira que tem ligação com a base evangélica, e sabemos que a base evangélica descaracteriza a capoeira — o Mestre Gildasio pode falar sobre isso muito mais fortemente —, desvaloriza a ancestralidade africana da capoeira e a esvazia para um formato somente esportivo. E isso é um prato cheio para que CREF e CONFEF possam mais uma vez atuar. Então, esses setores da política é que têm chegado até nós.
Em contraposição, nós temos uma ação forte, temos o Conselho de Mestres e Mestras de Capoeira que faz parte da salvaguarda da capoeira no Rio Grande do Sul, da capoeira gaúcha, como a chamamos. Eu faço parte do conselho gestor.
Mas, na atual gestão, o próprio IPHAN foi totalmente desestruturado. Foram colocados técnicos lá. A Superintendente aqui no Rio Grande do Sul, inclusive, era uma pessoa que dialogava com a religião dela. Ela falou que não passaria nada sobre cultura de matriz africana. Então, isso está muito em sintonia com o que está acontecendo na Secretaria Especial da Cultura em relação à Lei Rouanet. Colocam-se verbas para atividades de cunho religioso, mas só para um padrão religioso, e retira-se a cultura de matriz africana. Essa perseguição aconteceu. E nosso Conselho de Mestres acabou se desestruturando um pouco. Só não foi pior porque ainda foram mantidos alguns técnicos. Eram pessoas que já estavam lá, faziam parte do quadro, pessoas concursadas do IPHAN, e esses ainda continuam resistindo. Então, apesar de as cabeças dessa estrutura do IPHAN e tal estarem alinhadas ao Governo, os trabalhadores de base ainda estão resistindo muito.
O que trago para finalizar a minha fala? Além de agradecer à Comissão o convite para estar aqui, sugiro vermos a possibilidade de construirmos um encontro. A senhora, Deputada, está aí na Bahia, eu estou aqui em Porto Alegre, e os outros mestres estão em outros lugares. Então, precisamos ver de que maneira podemos fazer pequenos ou grandes encontros para debatermos isso. Esses encontros podem ser de forma virtual ou até presencial, pois já está melhorando o problema da pandemia. Assim poderemos debater que lei pode contemplar a capoeira enquanto educação, atendendo a maioria? Claro, não vamos contemplar todo mundo em 100%, mas podemos ver de que maneira podemos ser inclusivos.
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Também precisamos ficar atentos ao que o mestre Sérgio disse, para não colocarmos na lei algo que possa nos atrelar. Às vezes, uma palavra que vai para a lei faz provoca uma regressão total à própria (ininteligível). Fazemos toda uma caminhada, mas colocamos uma questão que depois remete à paralisação. Sabemos que isso é difícil, mas, de qualquer forma, falando com todas as pessoas, talvez consigamos chegar a um denominador comum.
A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Muito obrigada. Vamos absorver integralmente as suas contribuições, mestre.
Queria agradecer à Comissão o convite e agradecer à Deputada o histórico todo em relação aos movimentos e à valorização da capoeira. Queria agradecer a participação aos mestres, às mestras e aos capoeiristas em geral aqui presentes também.
Quero dizer que muito já foi dito, então vou tentar ser bem breve. Além de mestra de capoeira — sou formada pelo Mestre Pé de Chumbo e pelo Mestre João Pequeno, sou dessa linhagem —, quero dizer que também sou acadêmica e pesquisadora. Vou falar um pouco desses dois lugares: o de agente cultural detentora de saber cultural e o de pesquisadora sobre o tema do patrimônio também, que é a minha especialidade. Então, vou tratar um pouco disso.
Pela própria importância da capoeira já colocada aqui, por ser ela uma das maiores expressões culturais que temos e que representa o Brasil no mundo inteiro, isso, por si só, já seria motivo suficiente para valorizarmos e respeitarmos a capoeira. Somada a isso, há toda a questão histórica que foi colocada e toda a dívida histórica com a cultura negra neste País, o que também é outro motivo que já podemos elencar em qualquer ação que for pensada em política pública. Ela está mais que justificada por tudo isso.
Mas eu vou acrescentar outra razão: o registro da capoeira como patrimônio cultural brasileiro de natureza imaterial. E ressalto que foram registrados como patrimônio a roda de capoeira e o ofício de mestre de capoeira. Então, quando formos falar da valorização do saber de mestres e mestras, precisamos lembrar que o ofício de mestre de capoeira é patrimônio cultural, assim como a roda de capoeira. E por que a roda é patrimônio cultural? Porque ela aglutina todos os elementos da capoeira. A roda traz a movimentação, a musicalidade e tudo o mais. E a roda é patrimônio cultural imaterial da humanidade também.
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Nós estamos falando de uma cultura que já tem toda a sua importância pelo que é, pela sua história, mas, adicionalmente, o Estado registrou a capoeira como patrimônio cultural imaterial. Então, o Estado tem a obrigação de zelar por essa salvaguarda e a obrigação de valorizar essa cultura. Por isso, nós não estamos querendo ou pedindo favor, não! Isso é uma obrigação. A partir do momento em que o Estado dá à capoeira esse reconhecimento, esse registro, esse é mais um motivo, entre tantos que já foram colocados aqui, para se pensar em políticas públicas para a capoeira. Isso é uma obrigação agora. O Estado precisa zelar por isso. É nesse sentido que eu acho que nós podemos aproveitar para pensar a política também, além de tudo o que já foi colocado.
No processo de patrimonialização da capoeira, há recomendações de salvaguarda. São diversos pontos para os quais devemos atentar — não dá tempo de eu os colocar aqui. Isso foi discutido com capoeiristas, mas precisa ser rediscutido, porque já faz muito tempo. A capoeira foi registrada como patrimônio cultural em 2008 no Brasil. Já faz algum tempo. Então, algumas coisas têm que ser rediscutidas.
Para me adiantar, o que mais é importante colocar aqui? Nós estamos falando em plano nacional de capoeira, nós estamos falando em plataforma cultural para o ano que vem. Pensando nisso, precisamos lembrar que a capoeira é diversa. Tudo isso tem que ser discutido na sua diversidade. A capoeira é diversa tanto qualitativamente, digamos assim, porque ela tem várias linhas, vários fundamentos, quanto geograficamente. O que a capoeira representa no Pará, na Bahia ou no Rio Grande do Sul são coisas diferentes, coisas que têm relações diferentes e formas de vivência diferentes. Nós temos que buscar uma unidade? Acho que sim. Isso facilita, pensando em construção política. Mas temos que ouvir todo mundo e respeitar todos.
Como mulher mestra de capoeira, eu quero pontuar outra coisa importante. Quando falamos em diversidade, destaco que temos que pensar na questão de gênero dentro da capoeira. As mulheres estão na capoeira desde sempre. Elas sempre estiveram lá, mas num processo de apagamento. Se nós pegamos a mesma política de salvaguarda, as mesmas recomendações, não vemos essa questão colocada. E ela precisa ser colocada, porque há diferenças entre ser uma mulher na capoeira — uma mestre de capoeira — e um homem na capoeira. Existem diferenças que precisam ser consideradas na construção dessa política, como em qualquer outra. (Falha na transmissão.)
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A SRA. PRESIDENTE (Alice Portugal. PCdoB - BA) - Muito obrigada. Grande fala, Mestre Dedê. Sem dúvida, nós vamos procurá-la para fazer esse esboço. Será uma minuta para ser novamente passada pela crítica da diversidade da capoeira, pode ter certeza disso.
Então, eu quero agradecer a todos os convidados a valiosa contribuição dada nesta manhã. Eu quero dizer que vamos sistematizar o conteúdo, que está sendo gravado. Infelizmente, não teremos tempo para a réplica pela própria imposição do dispositivo e também pela questão do tempo de todos. Mas quero ressaltar as contribuições dadas por Mestre Tonho Matéria, com a fala importante para que possamos fazer uma imersão sobre legislações estaduais. Também recepciono a fala do Sr. Sérgio Lima, para verificarmos a pertinência de todos os aspectos da legislação estadual, analisando, conforme a amplitude da fala de Mestre Dedê, a diversidade da capoeira, que são muitas, mas é una na sua natureza cultural, incorporando inclusive as vitórias e as conquistas, mas, ao mesmo tempo, dando um salto para a atualidade, em respeito a toda a diversidade nacional.
Tivemos a fala do Mestre Gildasio, na sua abordagem, inclusive sensorial, sobre a importância simbólica dos homens e mulheres da capoeira do Brasil e a importância de contextualizarmos com as agressões que são feitas, com a questão inclusive do racismo estrutural e institucional que enfrentamos no Brasil.
Tivemos a palavra de Treinela Lira, também com muita pertinência no aspecto da defesa dos interesses de homens e mulheres da capoeira e da sua arte.
Tivemos o Mestre Reginaldo, que numa abordagem profunda nos remete, inclusive de maneira sistematizada, à ideia dessa construção de uma plataforma. Buscaremos utilizar muito o seu trabalho dedicado a essa sistematização.
Tivemos o Mestre Guto, que também fez uma abordagem muito profunda sobre a importância da capoeira e da busca do reconhecimento de seus mestres.
Tivemos a Andressa, a Mestre Dedê, que já citei. Vou convocá-la para a redação dessa proposta. Vou pedir essa ajuda, esse suporte para que a Comissão de Cultura possa fazer o melhor possível.
O Mestre Duda não esteve presente, mas teve a disposição de aqui estar. Eu agradeço a ele também por isso.
Tivemos também o Contramestre Jurandir, que esteve conosco e deu noção sobre a construção estadual, aqui na Bahia, da Lei Moa do Katendê.
Gostaria, portanto, de dizer que nós vamos tentar aproveitar todas essas contribuições, porque, na minha modesta participação, contestei e contesto todo tipo de tentativa de rédea sobre a capoeira, quer seja de conselho profissional de qualquer categoria, quer seja do Estado nacional, quer seja de qualquer visão privatista, mesmo interna corporis à capoeira.
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Eu compreendo que a contribuição daqueles que têm tratado da questão da capoeira na Câmara dos Deputados — eu, a Deputada Áurea, a Deputada Erika —, infelizmente, recebeu uma visão bem diferenciada pela frente que foi formada, mas a nossa expectativa é de ver a capoeira liberta e ativa.
Então, nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente reunião, antes convocando os senhores membros da Comissão de Cultura para audiência pública virtual no dia 5 de novembro, sexta-feira, às 9h30min, no Plenário 8, para debate da instituição do Dia Nacional de Luta dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Cultura, a ser comemorado anualmente no dia 4 de maio. Essa será uma grande discussão com a turma da coxia, a turma de preto dos espetáculos. Estamos ativamente participando da criação dos seus sindicatos em todo o País. O Deputado Padilha tem projeto sobre isso, e eu serei a Relatora. Vamos juntos organizar a cultura.
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