3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência
(Educação Bilíngue de Surdos)
Em 12 de Julho de 2021 (Segunda-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
09:12
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Declaro aberta a presente reunião da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, atendendo ao Requerimento nº 35, de 2021, de minha autoria, Deputado Federal Alexandre Padilha, para debater os aspectos previstos no Projeto de Lei nº 4.909, de 2020, do Senado Federal, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação, para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos.
O requerimento teve várias substituições e adendos dos Deputados e Deputadas membros da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, como o Deputado Otavio Leite, a Deputada Dra. Soraya Manato, a Deputada Rejane Dias, o Deputado Paulo Pimenta, a Deputada Soraya Santos. A Deputada Soraya Santos inclusive foi designada Relatora do Projeto de Lei nº 4.909, de 2020, após a aprovação do requerimento de urgência de votação no plenário desta Casa. Eu também fui nomeado pela Presidenta da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Deputada Rejane Dias, como Relator desse projeto de lei no âmbito desta Comissão. Então, quero agradecer muito essa indicação por parte da Presidente, Deputada Rejane Dias, e parabenizar a Deputada Soraya Santos por seu papel como Relatora no âmbito do plenário.
Eu vou começar aqui fazendo uma autodescrição minha para as pessoas cegas ou com baixa visão que estejam nos assistindo. Peço aos demais integrantes da Mesa, aos convidados, às convidadas e aos Parlamentares que façam o mesmo antes de iniciarem as suas falas. Eu sou um homem branco, de pele clara, tenho olhos castanhos, uso óculos, tenho cabelo grisalho. A minha filhinha de 6 anos fala que o meu cabelo é cinza. Eu estou vestindo uma espécie de moletom preto porque está muito frio aqui. Eu estou falando com vocês aqui da cidade de São Paulo. Eu estou na cozinha da minha casa. No fundo, aqui atrás, tem uma parede preta e uma parede meio cinza e meio branca. Há bandeirinhas de São João aqui. A minha filha fez um arraial aqui em casa, e até agora não tivemos a coragem de desmontar o arraial. Tem também um aspirador de pó encostado aqui. Então, peço a todos que façam essa autodescrição.
Tendo em vista as alterações promovidas pela Resolução nº 19, de 2021, e pelos Atos da Mesa nºs 161 e 179, de 2021, que tratam do trabalho das Comissões em sistema de deliberação remoto, solicitamos às convidadas, aos convidados e a todos aqueles que nos acompanham atenção às seguintes orientações.
Além dos palestrantes, apenas os Parlamentares poderão ingressar na reunião do Zoom, na sala do Zoom, porque receberam o link para isso. Os demais interessados e interessadas poderão acompanhar o debate pela página da Comissão na Internet, pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube ou pela sala virtual do e-Democracia, com legendas e janela de tradução em LIBRAS. É importante alertar aos que forem usar o recurso de legenda que deverão ativar essa função, seja no Zoom, seja no Youtube.
09:16
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O uso de máscaras no plenário é obrigatório durante toda a reunião, bem como a manutenção do distanciamento de 1 metro e meio entre as pessoas.
Eu vou apresentar aqui, primeiro, os nossos palestrantes, os convidados e convidadas: Dr. Bruno César Deschamps Meirinho, advogado da FENEIS — Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos; Profa. Marisa Dias Lima, da Universidade Federal de Uberlândia; Profa. Regina Maria de Souza, da Universidade Estadual de Campinas; Profa. Mariana de Lima Isaac Leandro Campos, da Universidade Federal de São Carlos; Profa. Sueli de Fátima Fernandes, da Universidade Federal do Paraná; Eliane Ramos, professora, pesquisadora, fonoaudióloga, mestra e doutora em educação pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença — LEPED, da UNICAMP, e assessora da Secretaria Municipal de Educação de Amparo, de São Paulo; Profa. Meire Cavalcante, mestra e doutoranda em educação pelo LEPED, da UNICAMP; Dra. Érika Pisaneschi, fonoaudióloga, mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas, especialista em gestão de políticas públicas na saúde, com experiência em gestão na saúde e em educação em direitos humanos e foi do Ministério da Saúde — é muito bom vê-la aqui, Érika; Arlindo Nobre, primeiro advogado surdo do Estado do Tocantins, Diretor Jurídico da ANASO — Associação Nacional dos Surdos Oralizados, ex-Presidente e atual membro efetivo da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB do Tocantins; e Mônica Pereira dos Santos, professora da UFRJ —- Universidade Federal do Rio de Janeiro, representando a Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial — ABPEE.
Como regra geral, peço a todos que mantenham seus microfones desligados e os abram apenas quando forem usar a palavra. A Secretaria da Comissão também irá coordenar essa abertura.
Informo que a reunião está sendo gravada e pode ser, inclusive, acompanhada em outros momentos pela população e também fará parte dos registros desta Casa, da Câmara dos Deputados.
Para o melhor andamento dos trabalhos, adotaremos os seguintes critérios.
Será concedida a palavra aos nossos expositores e expositoras, convidados e convidadas, por 10 minutos. Em seguida, será concedida a palavra ao autor do requerimento, que sou eu. Por conta das várias falas, eu vou abrir mão de fazer uso da palavra como autor do requerimento. Logo após, os Parlamentares inscritos poderão falar por até 3 minutos. Em havendo tempo, será concedida novamente a palavra aos expositores que quiserem fazer as suas considerações finais, por até 3 minutos.
Durante o seminário, os Deputados que quiserem usar da palavra poderão fazê-lo, utilizando o recurso de levantar a mão no Zoom. A Secretaria da Comissão organizará a lista de inscritos. Para facilitar a captação de imagem do Parlamentar que for usar da palavra, peço que sempre anunciem seu nome parlamentar antes de iniciarem a fala.
Por fim, informo que esta audiência está sendo transmitida ao vivo pela Internet. Além disso, foi aberto um chat para a participação dos internautas, que poderão enviar suas perguntas aos palestrantes através da sala virtual do portal e-Democracia. O link foi previamente divulgado e poderá ser acessado pela página da Comissão: www.camara.leg.br/cpd.
As perguntas mais votadas, dependendo do tempo disponível, serão respondidas pelos Parlamentares.
09:20
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Antes de passar a palavra aos expositores, solicito uma gentileza a todos e todas, principalmente daqueles que estão usando máscara: durante as suas falas, falem próximos ao microfone e, se possível, um pouco mais alto, para que os intérpretes de LIBRAS possam captar claramente o som e, assim, realizar o seu trabalho da melhor forma possível.
Vamos passar às exposições.
O pessoal da Secretaria da Comissão colocou aqui o relógio bem visível para todos. Ele vai marcar 10 minutos para cada um dos expositores.
Em primeiro lugar, concedo a palavra ao Sr. Bruno César Deschamps Meirinho, advogado da FENEIS — Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, que dispõe de 10 minutos.
O SR. BRUNO CÉSAR DESCHAMPS MEIRINHO - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vou iniciar com a minha autodescrição. Eu sou um homem branco, tenho 39 anos, cabelos pretos, uso óculos, uso um pouco de barba e meu sinal em LIBRAS é assim: a mão espalmada perpendicular ao queixo.
Bom dia, Sr. Presidente, Deputado Alexandre Padilha; bom dia, Sra. Deputada Soraya Santos.
Cumprimento também todas as Deputadas e os Deputados presentes. Agradeço, primeiramente, pelo honroso convite para participar deste seminário.
Há mais de 10 anos eu me dedico ao estudo dos direitos das pessoas com deficiência, especialmente dos surdos, e espero contribuir com o debate sobre a educação bilíngue de surdos, tema deste nosso encontro hoje.
Quero ir direto ao ponto, Sr. Presidente, que preparei para este seminário. Gostaria de falar a respeito da legalidade e da adequação à Constituição do Projeto de Lei nº 4.909, de 2020. É importante salientar, Sras. Deputadas, Srs. Deputados, que o Estado brasileiro está em dívida com os surdos. Essa população tem os seus direitos sistematicamente negados em nosso País, sobretudo no tocante aos direitos linguísticos, e, por extensão, aos seus direitos educacionais.
A esse respeito, Excelências, recomendo a pesquisa, a leitura. São inúmeras as pesquisas em nível superior em universidades brasileiras que denunciam o verdadeiro genocídio linguístico da população surda, situação que, depois de muita luta, tem sido pouco a pouco revertida, mas sempre com muita resistência, negando, assim, os direitos humanos da população surda.
Observei, Sr. Presidente, que, no seminário anterior, houve quem falasse que esse Projeto de Lei nº 4.909 seria nitidamente inconstitucional. Isso está errado. Primeiramente, quero salientar a necessidade de maior responsabilidade quanto à afirmação de que um projeto seja inconstitucional, já que, quando se aponta a inconstitucionalidade de um projeto, isso ameaça suspender o próprio debate, uma vez que pouco importa a opinião a favor ou contra se a matéria for inconstitucional. Porém, a inconstitucionalidade de uma matéria só pode ser reconhecida com maior rigor, não pode ser uma afirmação simplista, com total desconhecimento do direito aplicável, que é como eu vejo a posição de quem afirma que é inconstitucional esse projeto de lei.
09:24
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Eu quero mostrar aqui algumas razões pelas quais eu entendo que o projeto de lei é constitucional e, mais ainda, é a melhor realização do direito humano das pessoas com deficiência surdas do acesso à educação e a melhor forma de se realizar tanto o que está previsto na Convenção de Nova Iorque, como o que está previsto na Constituição brasileira. Quem fala na inconstitucionalidade da proposta que prevê a educação bilíngue de surdos em escolas de classes bilíngues normalmente reivindica o art. 24 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Convenção de Nova York.
O art. 24, nº 1, diz que os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação e assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis. Mas esse artigo está sendo lido de maneira simplista quando quem acredita que isso conduz à inconstitucionalidade do projeto da educação bilíngue de surdos entende que esse artigo inviabiliza esse projeto, porque o mesmo art. 24., veja bem, Sr. Presidente, prevê o direito dos surdos à educação bilíngue de surdos.
A Convenção de Nova York — quero fazer antes um parêntese sobre esse aspecto — sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é uma convenção internacional que foi ratificada pelo Governo brasileiro, teve a aprovação do Congresso Nacional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição. Em razão disso, essa convenção tem status de emenda constitucional.
Nesse mesmo art. 24, que trata da educação, o nº 3 diz que os Estados Partes assegurarão a facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda.
Esse mesmo artigo, Excelências, diz:
Art. 24 ......................................................................................................................
3. ...............................................................................................................................
c) Garantia de que a educação de pessoas, em particular crianças surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social.
4. A fim de contribuir para o exercício desse direito, os Estados Partes tomarão medidas para empregar professores, inclusive professores com deficiência, habilitados para o ensino da língua de sinais.
A mesma convenção diz:
Art. 30 .........................................................................................................................
4. As pessoas com deficiência farão jus, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a que sua identidade cultural e linguística específica seja reconhecida e apoiada, incluindo as línguas de sinais e a cultura surda.
Tudo isso estou extraindo da Convenção de Nova York, Excelências.
A síntese desses direitos, no nosso sentir, concretiza-se na escola bilíngue de surdos, porque ela é um ambiente que oferece educação escolar em "LIBRAS, como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua (...) para educandos surdos, surdos-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com deficiências associadas". Isso é trecho do projeto de lei em questão.
09:28
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Assim, Excelências, o projeto de lei referido, no nosso sentir, apenas concretiza os direitos que estão previstos na convenção.
A possibilidade de existir escola bilíngue não é novidade, Deputada Soraya. Essas normas precisam ser lidas de forma integrada com o que há de mais avançado em termos de conhecimento técnico educacional.
Nessa matéria, eu quero reivindicar o nº 21 da Declaração de Salamanca, da UNESCO, que diz que as políticas educativas devem ter em conta as diferenças individuais e as situações distintas. A importância da linguagem gestual como meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deverá ser reconhecida, e garantir-se-á que os surdos tenham acesso à educação na linguagem gestual do seu país. Devido às necessidades particulares dos surdos e dos surdos/cegos, é possível que a sua educação possa ser ministrada de forma mais adequada em escolas especiais.
Isso está na Declaração de Salamanca da UNESCO, divisão da ONU, que é a mesma autora da convenção de Nova York. Portanto, é preciso ler os documentos de maneira integrada, porque a Declaração de Salamanca representa o consenso técnico de educadores em um encontro internacional da UNESCO.
Avançando para as conclusões, uma vez que eu trouxe aqui alguns elementos que, na minha visão, apontam para a constitucionalidade da proposta da educação bilíngue de surdos em escolas bilíngues ou em classes bilíngues em escolas regulares, enfim, nos termos do que está no projeto de lei, quero dizer também que não é possível afirmar que há inconstitucionalidade nítida, seja pelas razões que eu apontei, que, a meu ver, mostram a constitucionalidade do projeto, seja porque, inclusive, o Supremo Tribunal Federal recentemente debateu esse assunto. O STF suspendeu uma medida cautelar, o Decreto Federal nº 10.502, de 2020. Foi uma decisão tomada na ADI 6.590, de relatoria do Ministro Dias Toffoli. Nesse decreto, que foi suspenso pelo STF, existiam muitas normas que tratavam da educação de pessoas com deficiência, entre elas normas que tratavam da educação bilíngue de surdos. O decreto foi todo suspenso.
Mas é importante ressaltar que o Ministro Barroso registrou uma ressalva no seu voto, que foi acolhida pelo Plenário. A ressalva diz respeito justamente à educação bilíngue de surdos em escolas próprias ou classes especiais, que, de acordo com o próprio voto do Ministro Barroso, não estaria na contramão da inclusão.
Diz o Ministro Barroso: "Acompanho o Relator, com a ressalva de que reserva a possibilidade de revisitar o tema da educação especial de pessoas com deficiências que afetam a comunicação, e em particular no que diz respeito à educação bilíngue de surdos, no julgamento do mérito da presente demanda".
Ele apresenta mais algum arrazoado sobre o assunto, revelando que existem inúmeros estudos técnicos que apontam para essa possibilidade e, na visão dele, esse direito não está na contramão dos preceitos constitucionais.
Assim, Excelências, considerando que há uma posição de um Ministro do STF, guardião da Constituição, reservando-se o direito de debater o tema, quero pleitear que não haja essa posição, de antemão, de nítida inconstitucionalidade, porque não é assim que nós vemos.
09:32
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Em nome da FENEIS, agradeço, mais uma vez, o convite, a oportunidade de participar deste debate tão salutar. Defendemos a aprovação do Projeto de Lei nº 4.909, pela sua constitucionalidade e pela sua adequação aos direitos da população surda.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Dr. Bruno, que falou na condição de advogado da FENEIS — Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos.
Seremos um pouco rígidos nos 10 minutos, para que possamos depois ter uma segunda rodada de comentários dos convidados e convidadas a partir das falas dos Parlamentares. Por isso insisto um pouco e peço que todos acompanhem ali o relógio, que a Secretaria da Comissão colocou bem evidente para todos.
A Dra. Marisa pediu para falar no final. Então, vou passar a palavra agora para a Profa. Regina Maria de Souza, da Universidade Estadual de Campinas — UNICAMP. Tenho muito orgulho de ter feito minha graduação na Faculdade Ciências Médicas da UNICAMP.
Tem a palavra a Profa. Regina Maria de Souza.
A SRA. REGINA MARIA DE SOUZA - Bom dia a todos e todas aqui presentes.
Eu sou uma mulher branca, tenho cabelos castanhos bem claros, estou usando óculos roxos, um vestido bastante primaveril, alegre, esperançoso. Aqui não faz frio, moro em Campinas. Atrás de mim há uma parte da minha biblioteca pessoal.
Eu gostaria muito de agradecer à FENEIS pelo honroso convite de estar aqui falando e dando apoio ao Projeto de Lei nº 4.909. Também gostaria de dar minhas felicitações ao Presidente da Comissão, o Deputado Alexandre Padilha, à Deputada Soraya, à Deputada Erika Kokay e a todos e todas que estão aqui nos ouvindo.
Eu vou começar a minha fala pela Declaração dos Direitos Humanos. Ela foi escrita em inglês. No Brasil, usamos o termo Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Em inglês, é Convention on the Rights of Persons with Disabilities.
Muito bem. O termo "desabilitar" tem uma polissemia, como qualquer palavra de origem estrangeira, palavra da língua. Desabilidade, por exemplo, disability, em inglês, não significa necessariamente deficiência, significa agredir ou afetar pessoas de tal modo que elas sejam incapazes de usar seus corpos apropriadamente. É aquele que é incapaz de se valer de seu próprio corpo por causa de uma agressão ou por causa de uma doença. A International Disability Alliance — IDA, onde se encontram também grupos de pessoas psiquiatricamente comprometidas, que sofreram pressões psiquiátricas, também utiliza o termo "disability", que é muito difícil traduzir em português. A tradução mais fácil seria "com deficiência", mas não é simples. Por exemplo, no início da década de 90 do século passado, antes da formação da própria IDA, um grupo de pesquisadores consolidava o que atualmente se conhece por disability studies. Note-se que o termo "disability" novamente aparece, não com o sentido de "deficiente", mas segundo um dos sentidos expressos no Oxford Dictionary, o Dicionário de Oxford: pessoas que encontram restrições à autonomia e ao desenvolvimento por conta de agressões ou de falta de condições do entorno social.
09:36
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Por que eu apoio o PL 4.909?
Este projeto de lei não interfere nos direitos conquistados pelos distintos sujeitos surdos e com deficiência auditiva, de modo que ninguém estará desconfortável, mas acolhido em um espaço que é reconhecido como lugar de hospitalidade, e não de hostilidade, para surdos.
Escolas bilíngues são escolas regulares no Brasil e em boa parte do mundo. No caso dos surdos, a escola bilíngue utiliza LIBRAS e português, uma língua nativa e uma língua fruto da colonização portuguesa no Brasil.
Cada pessoa surda ou com deficiência auditiva importa e deve importar para o sistema educativo.
Não estamos discutindo aqui a área de saúde. Não estamos discutindo aqui o que se deve fazer ou não, qual é o protocolo clínico, médico em relação aos surdos, porque isso não é educação. O processo de oralização, de reabilitação oral, se vincula diretamente à área da saúde, e estamos falando da área da educação.
Não é justo impor um modelo único às diferentes singularidades de alunos surdos ou com deficiência auditiva. Os pais e os estudantes têm direito à escolha, como os pais das pessoas de classes privilegiadas. Não há aprendizagem sem se pensar na garantia de um ambiente afetivo no qual o estudante se sinta confortável.
O bebê surdo necessita de uma língua que acolha seus primeiros apelos e lhe dê uma resposta que não apele apenas para o labirinto de seus ouvidos. Maternada por uma língua de sinais, se houver essa opção, a criança se torna em sujeito na e para a língua, elo importante na relação entre bebês, pais e o entorno social, a fim de que se sintam parte desse entorno.
A LIBRAS é uma língua. A singularidade, no caso dos surdos, é que, na língua de sinais, uma língua de conforto, diferente do que acontece com o português, que tem que ser aprendido por métodos articulatórios, uma rosa é também seu cheiro e sua cor, é a moça-flor que vira a esquina deixando saudades, é o filosofar de Romeu pra Julieta, é a queixa de Cartola em As rosas não falam. Sim, a aprendizagem de sinais oferece ao surdo a oportunidade de ingressar no mundo simbólico de outra língua, a portuguesa, minimizando o tempo do processo de reabilitação oral, disponível nos postos de saúde ou nas clínicas ligadas ao SUS.
09:40
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Por que eu defendo o projeto? Porque todas as vidas importam, em suas singularidades, para a educação; pelo sofrimento que, como psicóloga em clínica mantida pelo SUS, onde eu permaneci por 20 anos, acompanhei. Na Faculdade de Medicina da UNICAMP, em 35 anos de trabalho, acompanhei jovens que me perguntavam: "Por que não posso ficar livre do que eu tenho aqui, desse barulho que fica sempre dentro da minha cabeça?" Havia jovens que não sabiam que tinham outros surdos em suas cidades e se sentiam abandonados à própria sorte, tanto pela família como pela escola.
Muitos Municípios não têm condições de oferecer ou de contratar dois intérpretes para cada surdo. E o surdo com intérprete percebe que o currículo dele não é igual ao dos outros, por conta das adaptações curriculares, algo que está num texto ainda em vigor. Segundo o texto, se for para o benefício da inclusão, objetivos primários, secundários e até terciários do currículo serão retirados, ou seja, há uma aprovação automática do aluno. Isso não é justo. Não têm nada a ver essas adaptações com as necessidades dos surdos sinalizantes.
Os surdos precisam é de uma escola de conforto, porque uma língua não tem vida e desenvolvimento se não circular plenamente em comunidades linguísticas entendidas como espaços de produção e socialização de conhecimento. A escola bilíngue para surdos constitui a comunidade linguística para a interação dos surdos da comunidade surda brasileira com os seus pares e com adultos sinalizadores, sem prejuízo ao seu processo de identificação cultural e linguística com a LIBRAS e com a língua portuguesa na modalidade escrita.
Uma língua não causa prejuízo, ela enriquece. Por que deve haver a educação bilíngue? Porque ela é facilmente adquirida pelo surdo a partir de seus pares e porque ela está dentro da área da educação, não está restrita à área médica.
Sim, deficientes auditivos estão dentro da área médica também, pois, além da educação, há todo um aporte necessário da área médica, como implante, protetização, reabilitação. Mas isso não é educação. Esse é outro processo, em outro lugar. E aqui, Srs. Deputados, pais, nós estamos falando de educação.
Eu termino minha fala pensando nos idosos, como são considerados aqueles que têm mais de 65 anos. Eles são obrigados a se aposentar a partir dos 75 anos. Mesmo que eles queiram continuar a trabalhar, são desabilitados. Quando o idoso chega aos 70 anos, parece que as pessoas duvidam do que ele fala, acham que ele não tem mais consciência. Então, desabilitar é isso, e não confiar na capacidade do outro, é não dar oportunidade para que o outro se sinta confortável num lugar, com condições oferecidas pelo Estado.
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Não se trata de aposentar alguém, não se trata de colocar a pessoa em adaptações curriculares, trata-se de haver um professor bilíngue para o surdo, de dar ao surdo o direito que todas as pessoas ouvintes têm.
Eu agradeço, mais uma vez, a todos e a todas e espero que os Exmos. Srs. Deputados não desabilitem as capacidades dos surdos sinalizantes, não desabilitem a possibilidade de eles se sentirem confortáveis num ambiente educacional, de eles terem conforto e acesso equânime, sem adaptações curriculares, dentro de uma escola bilíngue.
Muito obrigada e bom dia a todos e a todas.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Regina.
Vamos passar a palavra agora para a Profa. Sueli de Fátima Fernandes, da Universidade Federal do Paraná, por 10 minutos.
A SRA. SUELI DE FÁTIMA FERNANDES - Bom dia a todas e a todos.
O meu nome é Sueli Fernandes. Este é o meu sinal. Sou pesquisadora e professora da educação de surdos há 28 anos. Sou uma mulher branca, tenho cabelos castanhos médios, estou vestindo uma blusa amarela, uso óculos, mas estou sem óculos agora, e tenho ao meu fundo a biblioteca da minha casa.
Trabalho, portanto, na educação de surdos há 28 anos. Tenho experiência em escolas de surdos, em classes de surdos, em escolas comuns, justamente os locos da modalidade de educação bilíngue de que trata o projeto de lei que estamos debatendo.
Nesse percurso de educadora, a lição mais importante que eu aprendi com os meus alunos surdos foi a denúncia de uma das formas mais perversas de opressão da dignidade humana, a opressão linguística. A prática faz com que crianças surdas cresçam sem a possibilidade de ter acesso a uma língua natural que não ofereça barreiras ou impedimentos para sua aquisição nas interações espontâneas com seus pares sinalizantes.
Essa história de opressão linguística que aprendi percorreu os últimos 100 anos, senhoras e senhores, e foi vivenciada, nas escolas, por muitas gerações de surdos ainda vivos. Foi-lhes imposta uma política de violência simbólica institucional de expressa proibição de comunicação em língua de sinais, uma forma de opressão que é comparável à praticada pela ditadura de Franco, na Espanha, que proibiu o uso de línguas nacionais, como o catalão e o galego, ou mesmo à proibição do uso do tupi pelo Marquês de Pombal, em meados do século XVIII, quando o tupi era a língua mais falada no Brasil — nesse caso, a punição, senhores, era nada mais, nada menos do que cortar a língua dos indígenas que ousassem enfrentar a proibição e falar em suas línguas. Essa face perversa da violência também foi praticada na educação de surdos.
Por mais bárbaro que isso seja, o fato é que, em muitas escolas oralistas, as crianças surdas tinham suas mãos amarradas — isso mesmo, amarradas —, para que não pudessem sinalizar. Elas se escondiam para sinalizar e, se fossem descobertas, eram punidas, eram humilhadas, recebiam bananas como símbolo de sua inferioridade, de sua preguiça para falar o português, pois se dizia que quem falava com as mãos eram os macacos. Esse resquício vergonhoso está amplamente registado na história da educação especial dispensada aos surdos ainda nos anos finais do século XX.
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Isso teve como consequência uma geração de crianças e jovens sem acesso a nenhuma forma de linguagem, nem à falada, pela impossibilidade natural do processo de aquisição em razão surdez; nem à sinalizada, pela proibição autoritária dos métodos impostos, na educação especial, por uma legião de especialistas ouvintes que ditavam o que era melhor para surdos; nem à escrita, pela falta de uma base linguística de uma primeira língua para alfabetização.
Essa é uma página infeliz da nossa história, que envergonha a todos nós que temos compromisso ético com a educação. Ela está denunciada e registrada nas teses e dissertações de mais de 400 pesquisadores surdos e ouvintes de universidades públicas, comprometidos com os direitos humanos, e é denunciada pelos surdos que assinam a carta de apoio a este projeto de lei.
Estamos aqui, diante de Deputados e Deputadas, a pedido da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos — FENEIS, para fazer coro à proposição das Profas. Patrícia Rezende, Flaviane Reis, Marisa Lima, Mariana Isaac e de tantas outras lideranças surdas do maior e mais representativo movimento social surdo brasileiro, para afirmar que essa história de opressão não pode se repetir. Estamos aqui para assegurar as conquistas e direitos linguísticos dos surdos garantidos nos principais textos legais brasileiros que foram forjados nas pressões e nas lutas dos movimentos surdos nas últimas duas décadas.
Educação bilíngue para surdos, de surdos, em escolas e classes que assegurem a LIBRAS como primeira língua e principal língua do surdo sinalizante, é o que entendemos por uma escola inclusiva. Ao contrário do que pensam alguns, a inclusão da modalidade de educação bilíngue na LDB, como já foi pontuado pelo Dr. Bruno Meirinho e reconhecido no voto do Ministro Barroso, no STF, aqui já citado, não é inconstitucional e não cerceia nenhum direito daqueles surdos que, por conta das suas configurações identitárias, podem se comunicar e aprender em escolas monolíngues em português.
Sim, senhores e senhoras, muito diferente do que dizem discursos abstratos sobre a letra da lei descolados da realidade educacional concreta, na maioria maciça das escolas brasileiras uma única língua é falada entre os estudantes, as aulas são ministradas em uma única língua, os livros são escritos em uma única língua, e essa língua é o português. A essa realidade chamamos monolinguismo. Apesar da diversidade, da pluralidade linguística da paisagem brasileira, as nossas escolas são monolíngues, com poucas exceções.
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A educação bilíngue está garantida aos povos indígenas e nas escolas bilíngues de línguas de prestígio, como é o caso do inglês, do alemão, do francês. Por que, Sras. e Srs. Deputados, não rotular e combater essas escolas como espaços segregados? Por que apenas o direito dos surdos a escolas bilíngues em LIBRAS e português é repudiado e atacado veementemente como um projeto de segregação? Não há outra explicação, senão caracterizar essa posição como um evidente e inegável caso de preconceito linguístico relativo às comunidades surdas que reivindicam a LIBRAS como língua de identificação cultural. Nós pesquisadores que apoiamos o PL 4.909 repudiamos essa posição e reconhecemos a necessidade de políticas linguísticas de educação bilíngue de surdos em contexto de minorias.
Como, nas atuais escolas monolíngues, garantir que o art. 24 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência seja cumprido, no que se refere à sua recomendação de facilitação do aprendizado da língua de sinais e de promoção da identidade linguística da comunidade de surdos em ambientes mais adequados? Ora, não entendemos que essa concepção distorcida da LIBRAS como um mero recurso educacional que pode ser ensinado em momentos, no contraturno escolar, algumas vezes, algumas horas por semana, responda a essa diretriz da convenção. A concepção de educação bilíngue que defendemos se opõe frontalmente a esse modelo vigente, pois reconhece a LIBRAS como língua do patrimônio cultural nacional e exige um novo desenho de sistema de ensino, impondo uma mudança radical: o modelo das escolas ou classes bilíngues, que defendemos como verdadeiramente inclusivas. E, por favor, não distorçam a minha fala.
O projeto protege e assegura os direitos linguísticos das crianças surdas na infância, a fase mais rica e mais importante para o desenvolvimento biopsicossocial, a fase em que se deve assegurar o direito de aquisição de uma língua natural. Imaginem, senhoras Deputadas que acabaram de ser mães, que vivenciam e testemunham a importância de uma língua partilhada na família como forma de comunicação e acolhimento de seus filhos, o que representa um ambiente de privação, às vezes por muitos anos, para os bebês surdos.
Qual será o espaço para aquisição da LIBRAS por bebês surdos nas atividades do cuidar e do brincar na educação infantil? É impossível admitir que se defenda como viável a hipótese de que um bebê surdo, uma criança pequenina que está em fase de aquisição da linguagem, possa se beneficiar da mediação de um intérprete em uma creche. É absurda, é descabida a defesa dessa proposta.
Como pode haver língua sem que haja comunidade de falantes? É evidente que as línguas só podem sobreviver circulando vivas e fortes em comunidades linguísticas que as utilizam como instrumento de coesão, de identificação, de comunicação e expressão criadora. Pois então, como poderá uma criança surda conviver com outras crianças surdas se ela nasce, em mais de 95% dos casos, em famílias ouvintes? A educação bilíngue é, para as crianças surdas, a possibilidade de constituição de sua comunidade linguística. Sem a escola bilíngue, não se desenvolverá a língua de sinais.
09:56
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Para finalizar, o grande filólogo e humanista brasileiro Antônio Houaiss dizia que a colonização é glotocida, é matadora de línguas. Pensava ele nas centenas ou milhares de línguas exterminadas no processo colonial nas Américas.
Nós que militamos nos movimentos sociais e também somos humanistas não podemos, de modo algum, tomar parte em um processo similar, que, no limite, ameaça de glotocídio a Língua Brasileira de Sinais. E é por esse humanismo, pelo amor à diversidade linguística e cultural e pelo repúdio a toda forma de opressão que conclamamos V.Exas. para que, imbuídos de sua função legislativa, por princípio voltada à ampliação dos direitos sociais de todos os brasileiros e brasileiras, votem "sim" ao PL 4.909, como reparação de um processo histórico de genocídio linguístico das comunidades surdas brasileiras.
Muito obrigada pela atenção e pelo convite feito à FENEIS.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Profa. Sueli Fernandes.
Nós vamos passar a palavra agora para a Profa. Eliane Ramos, professora, pesquisadora, fonoaudióloga, mestra e doutora em educação pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença — LEPED, da UNICAMP, e assessora da Secretaria Municipal de Educação de Amparo.
A senhora tem 10 minutos, Profa. Eliane.
A SRA. ELIANE RAMOS - Bom dia, Deputadas, Deputados, debatedores, pessoas consideradas surdas e ouvintes que participam deste segundo seminário.
Como apresentado, eu sou Eliane Ramos. Sou uma mulher de pele clara, olhos escuros, cabelos lisos escuros, que estão soltos e um pouco abaixo dos ombros. Eu utilizo óculos com armação retangular, na cor preta, uma camiseta branca e também uma blusa de manga na cor mostarda. Estou no escritório da minha casa, que tem paredes verde-claras, e atrás de mim há uma prateleira branca com alguns objetos de decoração.
Quando recebi o convite da Deputada Rejane Dias para participar deste seminário — agradeço pela oportunidade a ela e também ao Deputado Alexandre Padilha —, considerei que esta seria uma boa ocasião para compartilhar como acontece o bilinguismo concomitante e a acessibilidade sonora, que criamos e praticamos há 15 anos na rede de ensino do Município de Amparo, localizado no Circuito das Águas Paulista. Essa rede atende alunos na educação infantil, no ensino fundamental I e na educação de jovens e adultos.
O bilinguismo concomitante é realizado nas turmas comuns que têm alunos considerados surdos. Esses alunos são devidamente matriculados nas escolas próximas às suas casas, não são retirados do seu território. Essas turmas comuns têm dois professores, que são pedagogos, um que fala e escreve na língua portuguesa, e outro que sinaliza na LIBRAS. Todas as atividades são planejadas e realizadas nas duas línguas com todos os alunos, sejam eles considerados surdos, sejam eles ouvintes. Nenhum deles é obrigado a sinalizar tampouco a falar. Todavia, todos eles — todos eles, ressalto —, até hoje, manifestaram grande interesse tanto pela sinalização quanto pela oralização.
Por a língua portuguesa ser oral-auditiva e a LIBRAS ser espaço-visual-tátil, o bilinguismo concomitante tem se mostrado o tipo de bilinguismo mais adequado às particularidades linguísticas e gramaticais das duas línguas.
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A acessibilidade sonora praticada no bilinguismo concomitante acontece sempre que os alunos considerados surdos e ouvintes são apoiados e orientados, tanto na língua portuguesa como na LIBRAS, a pesquisar os sons que são produzidos na sala de aula, no parque e no refeitório, por exemplo, com o objetivo de compreendê-los e de atribuir sentidos a esses sons, para que eles não fiquem com aquela sensação de barulho na cabeça. Eles precisam aprender a compreender os sons, pois esses alunos não vivem no silêncio, ao contrário do que muitos dizem.
A acessibilidade sonora originou-se no bilinguismo concomitante, na rede de amparo. Porém, ela pode e deve ser praticada em toda e qualquer turma do ensino comum. A prática da acessibilidade sonora leva em conta que, na educação infantil e no ensino fundamental, todas as crianças, independentemente de serem consideradas surdas ou ouvintes, aprendem a compreender os sons. Por que deveríamos matriculá-las em escolas separadas? Tais sons podem se tornar acessíveis quando são ouvidos, no caso das crianças consideradas ouvintes, quando a audição conta com o suporte de aparelhos auditivos e de implantes cocleares, no caso das crianças consideradas surdas, e quando as propriedades desses sons, a intensidade ou a frequência, a duração destes sons são compartilhadas pela LIBRAS, por alunos e professores considerados ouvintes aos alunos surdos.
Trabalhando com os nossos alunos considerados surdos, constatamos que não é preciso que um som seja ouvido para que seja compreendido. No entanto, tornar esse som acessível pela LIBRAS é condição para que os alunos considerados surdos compreendam os sons que não podem ouvir e também os sons que podem ouvir. O nosso bilinguismo concomitante e a nossa acessibilidade sonora não podem ser praticados em escolas e classes exclusivas, como propõe o Projeto de Lei nº 4.909.
Para que esse trabalho continue sendo uma realidade no Município de Amparo, temos que seguir rompendo com a hierarquização entre a língua portuguesa e a LIBRAS, com preconceito linguístico e com a falsa dicotomia educação bilíngue versus educação inclusiva, amplamente difundida nos debates que têm acontecido nesta Casa.
Nossa rede não abre mão da inclusão escolar e ressalta que a perspectiva inclusiva de educação tem sido a principal base que sustenta as nossas propostas e práticas bilíngues. As particularidades dos alunos com os quais trabalhamos são muitas. Alguns bebês, quando chegam à creche, têm a sua surdez conhecida por seus familiares e são acompanhados por médicos e fonoaudiólogos. Temos casos que têm a situação de surdez identificada pelas professoras na educação infantil. Outros ainda vêm de outras redes e não tiveram acesso ao bilinguismo concomitante e à acessibilidade sonora na escola comum. Há casos que adquirem ao longo da escolarização um tipo de surdez. Quase todas as crianças com as quais trabalhamos estão se tornando sinalizantes e oralizadas, pois elas, assim como as ouvintes, vivem nessa etapa de suas vidas o intenso processo de construção da linguagem.
Nos debates já realizados, a questão da escolha, sinalizar ou oralizar, num lugar de destaque... Chama a atenção o fato de que a primeira infância, que vai até os 6 anos de idade, é o período mais adequado para que as crianças se desenvolvam na linguagem. Passado esse período, as construções na linguagem sinalizada e oral poderão acontecer, porém, já distantes das inúmeras vantagens cerebrais, sociais, afetivas e educacionais presentes na primeira infância.
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Não temos dúvida de que a escola comum que pratica o bilinguismo concomitante, com a acessibilidade sonora que criamos, configura o ambiente linguístico adequado para que as crianças adquiram tanto a linguagem sinalizada como a linguagem oral e a escrita, sem que famílias e alunos tenham que escolher por uma delas.
Quando eu estava me preparando para este seminário, conversei com uma criança considerada surda que recentemente concluiu o 5º ano do ensino fundamental na nossa rede e que sinaliza, fala e escreve muito bem. Perguntei a ela: ''Se você tivesse que escolher entre se tornar sinalizante ou oralizada, o que você escolheria?'' A criança respondeu: ''Por que tenho que escolher? Eu preciso de tudo: sinalizar, falar e escrever. Não vão pedir para que as crianças escolham. Vão?" Perguntei: ''Como você prefere ser chamada, de surda sinalizante ou de surda oralizada?'' Ela respondeu: ''Pelo meu nome''.
Um importante parceiro na identificação e na eliminação das barreiras produzidas no bilinguismo concomitante e na prática da acessibilidade sonora é o professor do atendimento educacional especializado. Ele atua no estudo de cada situação que se torna inacessível em decorrência dos desafios de se trabalhar com duas línguas no ensino comum, a fim de que se converta em situações acessíveis. Esse professor trabalha diariamente com as famílias, ensinando-as a sinalizar na LIBRAS e a produzir um ambiente com acessibilidade sonora, a fim de que nossos alunos utilizem da melhor maneira possível seus aparelhos auditivos e implantes cocleares.
O professor de AEE dialoga e se articula com todos os profissionais envolvidos com cada caso com surdez da rede. Nossos alunos considerados surdos adquirem a LIBRAS sem prejuízos, aprendem a ler e a escrever na língua portuguesa com seus colegas da turma comum, e alguns deles aprendem a falar como consequência da alfabetização. Todos eles constroem laços de amizade com crianças e adultos ouvintes e surdos que, para além dos muros da escola, se encontram nas ruas e praças, no bairro onde residem, para brincar e conviver, livres de barreiras linguísticas e comunicacionais. Nossa rede se recusa a interromper a plena inclusão desses alunos nas escolas comuns. Estamos confiantes de que as Deputadas e os Deputados não permitirão que essa nova geração seja impedida de seguir a trajetória escolar em ambientes comuns.
Isso posto, a rede de amparo é contrária à criação de uma modalidade específica de educação bilíngue para surdos e vê com grande preocupação uma possível votação favorável à aprovação do Projeto de Lei nº 4.909, projeto que tem considerável potencial para impulsionar o sistema educacional brasileiro na construção de justificativas distorcidas para a criação e para o fortalecimento de outras escolas exclusivas para outros grupos e identidades. Essas escolas estão sendo chamadas de exclusivas quando, na verdade, todos sabemos, não passam de escolas e classes especiais.
Para concluir, deixo minha homenagem a cada profissional da educação do Município de Amparo pela coragem e competência na criação e na prática de um novo tipo de bilinguismo, o bilinguismo concomitante e da acessibilidade sonora.
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Agradeço, de maneira especial, à Profa. Luiza Benedetti, que coordena o programa de educação inclusiva do núcleo, e à Profa. Alice Veríssimo, nossa Secretária de Educação, pela confiança, parceria, e pela oportunidade de viver uma intensa experiência democrática na educação. Agradeço a cada família e a cada aluno que nos fizeram vislumbrar e tornar uma realidade essa pioneira forma de trabalhar com a língua portuguesa, oral e escrita, e com a LIBRAS na escola comum.
Finalizo reafirmando o nosso "não" ao Projeto de Lei 4.909, de 2020.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Eliane.
Vamos passar a palavra, agora, para a Profa. Meire Cavalcante, mestre e doutora pelo LEPED da UNICAMP.
A SRA. MEIRE CAVALCANTE - Obrigada, Deputado Alexandre, Deputada Soraya, pelo espaço, pela oportunidade. Eu fiquei bastante contente com a ordem aqui para poder falar depois da Eli, porque é sempre muito bom ouvir a experiência de quem está construindo a escola inclusiva bilíngue.
Eu sou uma mulher de pele clara, estou usando um batom vermelho, meus cabelos são castanhos claros, estão soltos, são compridos, eu estou usando um cachecol colorido nos tons vermelhos. Atrás de mim há alguns objetos de decoração, meus livros, uma estante branca.
Bom, vamos lá. Eu acho que é importante eu falar pensando um pouquinho no que eu já ouvi aqui, neste momento em que nós estamos dialogando. Chama-me bastante a atenção, gostaria de começar minha fala a partir daqui, que os defensores do PL tratam exclusivamente de classe e de escolas bilíngues.
O PL prevê quatro ambientes educacionais onde a educação bilíngue pode ser ofertada. Um deles é a escola inclusiva, a escola comum, a escola de ouvintes, de surdos, de todas as pessoas, de todas as características. Então, chama-me muito a atenção, porque parece que a escola comum está ali no PL só para constar, porque não é uma preocupação do debate aqui, de quem defende o PL.
Então eu gostaria muito de caminhar na minha fala para nós conversarmos sobre o que significa nós pensarmos em um sistema educacional inclusivo. É nós olharmos para o que não está funcionando e dizer: "Ah, é assim mesmo, então deixa para lá". Vamos criar novos arranjos, ou vamos manter velhos arranjos?
Também me chamam a atenção as afirmações sobre o que se faz na escola comum inclusiva sobre o bilinguismo, a síntese, a redução de que a educação inclusiva, quando trata do bilinguismo, se resume a ensinar LIBRAS no contraturno, ou de vez em quando, ou colocar um intérprete para um estudante que ainda não tem a aquisição da LIBRAS. Todas essas menções sobre o que acontece na escola comum são menções de coisas que não deveriam estar acontecendo na escola comum, que deveriam ser olhadas como objeto de estudo e de transformação também por aqueles que defendem a escola bilíngue.
Se estão defendendo que no PL essa escola inclusiva seja também bilíngue, nós não deveríamos naturalizar essas ofertas inadequadas. Nós deveríamos estar discutindo como melhorar, como ampliar o sistema educacional para que ele seja inclusivo e bilíngue.
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Eu coloquei aqui um roteirinho que eu gostaria de seguir. Espero que dê tempo, nos 10 minutos.
Sobre a inconstitucionalidade do PL, sim, nós vamos ter que debater, e foi importante que o Ministro Barroso tenha colocado uma ressalva, porque toda essa discussão é muito permeada por desinformação sobre o que é a educação inclusiva e o que deveria estar sendo oferecido para as crianças e para os jovens nesses ambientes. E também vai ser um espaço importante para discutirmos o que significa o texto constitucional, quando diz que o lugar da educação básica para os brasileiros de 4 a 17 anos é a escola. Não existe no ordenamento jurídico brasileiro escola para este ou aquele público. A escola especial, a escola segregada, a escola a partir de tal característica, organizada por características de pessoas — e aqui não estou desconsiderando a questão do bilinguismo, pelo contrário —, essa escola apartada não existe no ordenamento jurídico, nem na Constituição Federal, nem na LDB, tampouco na Convenção da ONU.
Então eu achei muito importante que o advogado da FENEIS tenha levantado e lido os tópicos. Como nós lemos sistema educacional inclusivo com ambientes apartados, como nós lemos que os surdos, os surdocegos, as pessoas cegas, em especial, tenham direito a um ensino de qualidade nas línguas e modos que são importantes, que são legítimos para o seu aprendizado, em ambientes que maximizem, que oportunizem o seu desenvolvimento, sem levar em conta o sistema educacional inclusivo? Nós temos que olhar para as escolas comuns, nós temos que olhar o que está sendo feito e o que não está sendo feito para que o dinheiro público seja alocado nesses ambientes.
O nosso sistema educacional é inclusivo, e muito me preocupa um PL que gira todo em torno da educação apartada, da educação fora da escola, e essa prática corriqueira de dizer que a escola comum não funciona, que a escola comum oprime, que a escola comum não dá conta, que a escola comum simplesmente oferece intérprete e acabou. Esse tipo de justificativa é utilizada por outros grupos que defendem escolas só para autistas, escolas para pessoas com deficiência intelectual, escolas só para cegos, enfim, as escolas especiais. Essa desqualificação da escola me preocupa muito, porque é quase como se nós estivéssemos dizendo: "Tudo bem, nós não precisamos melhorar a escola, ela é um fracasso, então vamos criar espaços segregados".
A escola comum inclusiva bilíngue respeita as necessidades linguísticas dos sujeitos surdos. A Profa. Eliane não pode ser acusada de não fazer isso, assim como tantas outras experiências educacionais que já estão em curso no Brasil com a proposta de bilinguismo na escola comum desde a mais tenra idade, como a própria professora trouxe aqui também.
Eu gostaria também de chamar a atenção para alguns pontos específicos, aqui já no final da minha fala.
Sras. e Srs. Deputados, é muito importante lembrarmos que esse projeto de lei visa modificar uma lei nacional, que é a Lei de Diretrizes e Bases, implementando uma modalidade específica, que cria uma escola. Aliás, cria não, porque elas já existem, mas acaba por tornar mais abrangente isso e até fomentar a abertura dessas escolas, em um país de proporções continentais como o Brasil.
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Nós precisamos lembrar que o Brasil não é a megalópole, não é a cidade de 500 mil habitantes, de 1 milhão de habitantes. O Brasil é formado por 70% de Municípios que têm abaixo de 20 mil habitantes. Então, se nós não pensarmos em propostas, projetos de lei e políticas públicas que olhem para a escola comum e deem condições de contratação de profissionais com formação adequada em organização dos espaços, em formação dos professores, em formação em nível de graduação dos intérpretes de LIBRAS, dos profissionais que dão aula em LIBRAS, dos instrutores de LIBRAS, tal qual já vem sendo normatizado desde 2005, por meio de um decreto que regulamenta a lei de LIBRAS, nós vamos continuar colocando a escola comum como um lugar em que tudo bem se não estiver funcionando, porque nós resolvemos aqui.
Mas o que você faz com crianças que estão num Município que tem uma ou duas crianças em idades diferentes e que são surdas? Coloca-as num internato? Nós vamos fazer o que com as crianças que precisam da escola comum equipada com todos os recursos, com todos os apoios?
Então, esse projeto de lei modifica uma legislação nacional, desconsiderando o próprio País e sua realidade socioeconômica e demográfica. E é importante saber o seguinte: ser contra o PL não significa ser contra a educação bilíngue para surdos. E me preocupa que o PL, em vez de focar no aperfeiçoamento da inclusão escolar, preveja que recursos públicos sejam alocados nesses ambientes. A escola comum é o único lugar onde de fato o bilinguismo pode acontecer, pois ele demanda o uso concomitante e corrente da LIBRAS e da língua portuguesa por todos, surdos, ouvintes. Essa é a proposta que vai permitir que esta sociedade brasileira não ache exótico: "Olha que bonitinho! Eles falam em LIBRAS!" Mas eu não faço ideia do que é porque eu não entrei em contato, porque eu não conheço.
Então a escola inclusiva, para ser bilíngue, precisa de investimentos, políticas públicas, profissionais formados, estrutura e ainda do esforço e dedicação desses especialistas que estão defendendo aqui o PL e que poderiam muito contribuir para a construção, de fato, de políticas públicas inclusivas para todos e para todo o Brasil, não só naqueles lugares onde há um adensamento demográfico que permita esse arranjo educacional.
A existência de espaços segregados — eu chamo a atenção para isso — acaba por provocar a prática de encaminhamento. Eu tenho visto e acompanhado com certa frequência aqui na cidade de São Paulo o fato de que existem escolas só para surdos. E, por causa disso, a criança, quando chega a uma escola comum, é imediatamente encaminhada, e os apoios e os recursos para que aquela escola seja bilíngue, seja de fato um lugar de oferta para educação daquela pessoa, não são arranjados, não são organizados.
Para terminar, eu alerto os nobres Deputados que têm essa importante missão de avaliar a pertinência desse projeto de lei que o mesmo artifício, o mesmo recurso de dizer que a escola não funciona, que a escola comum não funciona, e por isso se precisa de algo específico, também é defendido por outros públicos que querem escola e classes especiais, o que fere o nosso ordenamento jurídico. Permitir esse PL é abrir a primeira porteira para outros PLs, para outras modalidades. É importante pensar: o que nós queremos? Um sistema educacional inclusivo ou uma peneira? Uma legislação que está cheia de furos, de excepcionalidades, a partir de apresentações específicas desses ou daqueles públicos, e que por fim vão levar à falência, à decadência do sistema educacional inclusivo. A gente precisa de mais trabalho, de mais tempo e de mais investimento.
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Muito obrigada pela oportunidade que eu tive aqui de conversar com vocês. Estou à disposição e espero que os nobres Deputados e Deputadas tenham noção do impacto de uma lei nacional ser modificada nesses termos, considerando que modalidade alguma na LDB substitui a educação básica. Isso também é uma alteração que vai de encontro ao que a própria LDB preconiza.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Meire, mestre e doutora do LEPED da UNICAMP.
Passo a palavra agora para Érika Pisaneschi, fonoaudióloga, mestre em linguística aplicada ao ensino de línguas, especialista em gestão de políticas públicas na saúde, com experiência de gestão na saúde, na educação e em direitos humanos.
É bom vê-la aqui, Érika. V.Sa. tem 10 minutos para sua exposição.
A SRA. ÉRIKA PISANESCHI - Bom dia, Deputado Alexandre Padilha. Tive aqui uma queda no sinal da minha Internet. Espero conseguir fazer a minha apresentação até o final.
Agradeço o convite e quero saudar o Deputado Alexandre Padilha e os demais Deputados e Deputadas que garantiram, neste seminário, espaço para reflexão em torno das proposições do PL 4.909/20. Bom dia aos Parlamentares que estão nos acompanhando e aos demais participantes.
Eu sou uma mulher branca, com cabelos e olhos claros, uso óculos, estou vestindo uma blusa preta. Ao meu lado direito, aparece a moldura de uma janela e atrás de mim uma parede clara e lisa.
Eu espero contribuir com análises sobre o PL a partir da experiência de gestora de políticas públicas para e com as pessoas com deficiência, que exerci por 13 anos na gestão federal, no Ministério da Saúde e também na área de educação e direitos humanos do Ministério da Educação. Essa experiência agregou conhecimento à minha formação de fonoaudióloga e pesquisadora linguista — e isso é importante para a leitura que faço do PL — a respeito da dimensão das demandas coletivas e do arcabouço legal que devem ser conjugados numa política pública. Esse foi um tempo de intenso diálogo com a sociedade civil em busca de consensos e apoio para transformar a abordagem assistencialista e caritativa do Estado brasileiro sobre essa temática numa abordagem baseada na conquista de direitos. Foi um tempo de participação das pessoas com deficiência na formulação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e das políticas públicas nacionais, específicas ou não, para esse grupo, porque este é o princípio inclusivo: convivência e participação em todos os espaços, reconhecendo que a diversidade faz parte do humano.
Uma sociedade inclusiva pode ser impulsionada ou barrada por políticas públicas. Esse é o risco que corremos agora. E isso diz respeito e afeta a todos nós. Desde que o paradigma social da deficiência foi adotado pelo Brasil, por meio dos decretos legislativos que internalizaram a convenção da ONU e com uma emenda à Constituição Federal — uma conquista histórica do movimento de pessoas com deficiência no Brasil —, as políticas públicas devem propor ações que eliminem as barreiras à participação dos espaços públicos comum a todos os cidadãos.
A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva segue, desde 2008, esse paradigma e orienta sistemas de ensino na implementação das condições estabelecidas pelo Decreto 5.626, de 2005, que regulamenta a Lei de LIBRAS. Portanto, a educação em LIBRAS, língua portuguesa oral e escrita é parte da concepção do sistema de ensino inclusivo brasileiro há 15 anos. A Eliane nos contou aqui um pouco a experiência de Amparo.
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Mas eu quero voltar ao início, afinal de contas, quem são as pessoas surdas? E não se trata da ideia que cada um tem ou traz. Já que estamos tratando de políticas públicas, eu gostaria de trazer aqui quem são as pessoas surdas de acordo com a nossa legislação. São aquelas que têm impedimentos de natureza sensorial. As pessoas surdas são aquelas que têm uma perda auditiva que, em interação com as barreiras, obstrui sua participação na sociedade. Essa leitura veio a partir do Decreto nº 6.949, de 2009, e do art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
De acordo com o Censo 2010, as políticas públicas se baseiam em dados possíveis no Brasil. Por volta de 2 milhões de pessoas — 1,1% do total da população brasileira — sentem grande dificuldade ou não conseguem de modo algum ouvir. Essas pessoas podem ter adquirido uma perda auditiva ao longo da vida, muito comum nos idosos, ou podem ter nascido com uma perda auditiva, o que traz implicações na aquisição da fala. Qual seria, então, a barreira vivida pela pessoa surda na interação social? Seria, não só esta, mas especialmente, a da comunicação. Qual é a forma de comunicação das pessoas surdas? Algumas usam a fala oralizada; outras, a língua de sinais; outras, a fala oralizada e a língua de sinais; e ainda há outras formas quando há outros impedimentos associados ao auditivo. Além desses, outros recursos são utilizados.
O art. 24 da Convenção, mencionado aqui por outros participantes do seminário, fala sobre os sistemas educacionais inclusivos. E aí devemos fazer a leitura do artigo na forma integral. Sistema educacional inclusivo é aquele que não separa estudantes por tipo de impedimento ou por tipo de comunicação e também não os deixa em ambientes segregados, como propõe o PL 4.909/20. O art. 24 diz que os sistemas educacionais inclusivos devem adotar medidas para facilitar o aprendizado da língua de sinais. Atenção: a premissa é inclusiva! Portanto, deve-se facilitar o aprendizado da língua de sinais para todos os estudantes, não só para os surdos. Os sistemas inclusivos também devem promover a identidade linguística da comunidade surda. Atenção: a premissa novamente é inclusiva! Portanto, deve-se fazer a promoção da LIBRAS para todos os estudantes, atingindo toda a sociedade. Os sistemas devem ainda garantir que a educação de crianças surdas seja ministrada nas línguas, nos moldes e pelos meios de comunicação mais adequados ao indivíduo. Atenção: a premissa mais uma vez é inclusiva! Portanto, consideram-se os surdos sinalizantes, os surdos oralizados e os surdos oralizados e sinalizantes e os que se utilizam de qualquer outra forma de comunicação.
Nesse ponto, quero destacar outro argumento. É também do século XXI, a partir do paradigma social da deficiência, a concepção de reabilitação com uma oferta de apoios terapêuticos e tecnológicos às pessoas com deficiência. Qual é o objetivo disso? Corrigir defeitos? Impedir formas singulares de interação comum, como já aconteceu com o uso da língua de sinais em outros séculos? Não. A oferta de apoio defendida pelas próprias pessoas com deficiência no texto da Convenção, presente também no nosso ordenamento jurídico, na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, é para ampliar os recursos de acessibilidade, eliminar barreiras e promover a autonomia. Reabilitação não é correção, não pode ser impositiva; é suporte, é apoio e é para aqueles que assim desejarem. O que não for assim pode ser denunciado como violação de direito, atualmente, com o respaldo da Convenção. No Brasil, até 2004, poucos surdos tinham acesso a esses recursos pelo SUS. De lá para cá, com a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva, foi ampliada a rede de serviços para identificação de crianças que têm perda auditiva e impeditiva do desenvolvimento da fala. Essas crianças, se os pais assim desejarem, podem se beneficiar do uso de aparelhos auditivos ou implante coclear e de processo terapêutico com fonoaudiólogo para desenvolver a fala. São os chamados surdos oralizados ou bilíngues, caso também façam o uso da LIBRAS.
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É de 2010 a Lei nº 12.303; e de 2012, as diretrizes do Ministério da Saúde sobre a triagem auditiva neonatal. Cada vez mais, as crianças com perda auditiva são identificadas e, se os pais desejarem, há recursos públicos para a reabilitação auditiva e oralização. Isso é recente em nosso País.
Passo agora alguns dados: no ano 2000, havia 4 centros que faziam o implante coclear no Brasil; e, no ano 2018, havia 33 centros. De 2018 a 2020, 35 mil crianças entre 1 e 12 anos receberam aparelhos auditivos pelo SUS, utilizados como apoio para reabilitação em oralização.
Desde o Decreto nº 5.626, de 2005, a LIBRAS foi incluída como disciplina obrigatória na formação dos fonoaudiólogos. Esta também foi uma maneira bastante efetiva para a difusão da LIBRAS e da cultura surda. Os pais devem ser informados pelos profissionais sobre essa possibilidade de comunicação e decidirem pela reabilitação ou não. Os profissionais sempre devem estimular as famílias para que as crianças surdas frequentem ambientes linguísticos em LIBRAS, mesmo que a opção seja pela oralização. A aquisição de ambas as línguas é salutar. Elas não são excludentes na visão que trago aqui de bilinguismo e na da Eliane, que também nos contou da experiência da rede de Amparo. Para famílias ouvintes, esse caminho é sempre mais difícil, mas a educação bilíngue LIBRAS/língua portuguesa oral e escrita, nos sistemas de ensino inclusivos no Brasil, garante essa oportunidade para todos os surdos. No meu entender, essa é outra conquista para a difusão da LIBRAS. Mesmo que crianças surdas, por opção dos pais, sejam oralizadas, elas poderão aprender a LIBRAS no ambiente escolar bilíngue, inclusive com outras crianças surdas e crianças ouvintes.
As redes públicas de saúde e educação trabalham em colaboração pela inclusão. Essa é a premissa da Convenção da ONU e se encontra na nossa Constituição Federal. Sem a intersetorialidade e diálogo das políticas públicas nos territórios, corre-se o risco de a criança ser atendida de uma forma por um serviço público e, de maneira oposta, por outro.
É um contrassenso daqueles que defendem a LIBRAS como identidade surda quererem que essa linguagem fique circunscrita às escolas especiais só para crianças surdas, como propõe o PL 4.909/20. Tal PL não reconhece o uso da forma oral de língua portuguesa por crianças surdas. Assim, o projeto é duplamente excludente: separa crianças surdas das ouvintes e separa crianças surdas sinalizantes das crianças surdas oralizadas.
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Para finalizar, volto a dizer: a perspectiva inclusiva do bilinguismo na escola comum, adotada pelo Brasil há 15 anos, visa atender às necessidades linguísticas e de aprendizagem de todos os estudantes — surdos sinalizantes; surdos oralizados; surdos bilíngues, oralizados e sinalizantes; surdos com outras formas de comunicação associadas — e promover o aprendizado da LIBRAS por crianças ouvintes.
O convívio com estudantes na diversidade promove valores imprescindíveis ao avanço civilizatório que almejamos para o Brasil, a partir da incorporação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência à Constituição Federal, que também se encontra na Lei Brasileira de Inclusão, o Estatuto da Pessoa com Deficiência. O PL 4.909/20 vai na direção contrária. Ele é apoiado pelo MEC, que quer a volta das escolas especiais, conforme proposto pelo Decreto nº 10.502, de 2020, que está suspenso pelo STF. Ambos significam perda de direitos e retrocesso.
O que precisamos é que os recursos públicos voltem a ser aplicados para a consolidação do sistema educacional inclusivo para aprimorar a política educacional a partir de experiências exitosas, como a da rede de Amparo e de tantas outras que devemos ter pelo Brasil; do diálogo com as associações de surdos, como a FENEIS e outras; do financiamento de pesquisa; da articulação e das políticas públicas para promover a inclusão social.
Esperamos que os nobres Deputados não aprovem o PL 4.909/20.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Dra. Érika.
Vamos passar a palavra agora ao Dr. Arlindo Nobre, primeiro advogado surdo do Estado do Tocantins, Diretor Jurídico da Associação Nacional dos Surdos Oralizados — ANASO, ex-Presidente e atual membro efetivo da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/TO.
O SR. ARLINDO NOBRE - Bom dia a todos. Bom dia a V.Exas., Deputados e Senadores presentes nesta importante audiência pública. Bom dia aos nossos colegas sinalizantes e aos nossos colegas surdos oralizados. Bom dia a todos os doutores e doutoras palestrantes aqui presentes.
Eu estive analisando atentamente a fala de todos os palestrantes e gostaria de deixar bem claro, antes de começar, é que a Associação Nacional dos Surdos Oralizados — ANASO não é contra a LIBRAS. Eu sou surdo oralizado. Ser surdo bilíngue não é a minha área, mas não sou contra a educação bilíngue. Eu sou contra esse PL porque ele fere o direito de escolha dos pais, simplesmente por isso.
A educação bilíngue para surdos pode ser implantada? Pode, dentro da escola regular, dentro da escola inclusiva. Isso não fere a nossa Constituição Federal porque ela fala em escola inclusiva para todos. A Constituição não fala em escola segregacionista, em escola apartada, em escola especial.
Então, com todo o respeito à fala do colega advogado da FENEIS, o Dr. Bruno, entendo, na minha percepção jurídica, que esse projeto é, sim, inconstitucional, se for aprovado dessa forma, sem as devidas modificações. Por quê? Porque ele fere o direito de escolha dos pais, o direito de escolha do surdo. Quando se fala dos surdos, no plural, está se falando de todos os tipos de surdos, e não apenas dos surdos sinalizantes. Esse é o problema desse PL. Quando se fala dos surdos, está-se falando no plural, e o plural tem que abranger todo mundo. Não se pode querer implantar uma política que visa exclusivamente aos nossos colegas sinalizantes.
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E não é que eles não tenham direito a isso. Eu concordo: eles têm direito. Eu sei LIBRAS, eu falo LIBRAS, eu tenho amigos sinalizantes, eu tenho clientes sinalizantes. Isso é muito importante. Eu reconheço a importância da LIBRAS. Eu não sou contra a LIBRAS. Eu sei falar LIBRAS, como eu afirmei na última audiência pública.
Por 20 anos de minha vida, eu convivi e ainda convivo com a surdez bilateral, dos dois lados. Fui associado da Associação dos Surdos de Goiânia, que é uma associação de surdos sinalizantes. Convivi diretamente com eles por 20 anos. Porém, a minha escolha pessoal, como pessoa, como detentor de direito e como surdo, foi pela oralização. E isto é o que defendo: se esse PL for aprovado, que ele seja aprovado com as devidas modificações, para que garanta o direito de escolha das pessoas surdas ou de seus representantes legais, para que possam escolher se querem seguir o caminho da educação bilíngue ou se querem seguir o caminho da oralização.
Como bem falado por uma de nossas palestrantes, a oralização não vai ser feita dentro da escola comum, mas em outra área. Ela é feita em clínicas de habilitação e reabilitação, que também são um direito constitucional da pessoa com deficiência. A habilitação e a reabilitação estão previstas na nossa Constituição. Então, por que o projeto tem que ser obrigatório? O erro desse projeto é querer obrigar, de forma que a pessoa com deficiência ou seu representante legal não tenha escolha.
Hoje, se o bebê nasce com deficiência auditiva, faz o teste da orelhinha e é detectado que ele possui uma deficiência auditiva de grau profundo, os seus pais recebem a devida orientação da equipe de habilitação e reabilitação, no sentido de que eles devem escolher um destes dois caminhos: podem iniciar a criança no ensino bilíngue, na aprendizagem de LIBRAS, ou podem tentar a reabilitação dessa criança, desse bebê surdo que acabou de nascer. Isso se dá de acordo com a escolha dos pais, porque o pátrio poder que nós temos respeita a escolha dos pais. O princípio do melhor interesse da criança está na nossa Constituição Federal. Prevalece a escolha dos pais, prevalece o pátrio poder da família. O Estado não pode interferir no pátrio poder.
Então, se esse projeto não tiver as devidas modificações, ele irá nascer já inconstitucional, porque fere o direito de escolha, fere o direito de liberdade. A liberdade é um direito fundamental, previsto no art. 5º, e não existe liberdade sem direito de escolhas.
Peço a V.Exas. que reflitam sobre a fala de todos os doutores aqui presentes. Cada um realmente mostrou seu ponto de vista, e todos os pontos de vista são importantes.
10:40
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Não se trata de excluir LIBRAS, porque LIBRAS não será excluída nem por esse PL, nem por mim, nem por ninguém. LIBRAS faz parte da comunidade brasileira. LIBRAS já foi reconhecida como língua. Não é a língua oficial do Brasil, porque, para isso, V.Exas. precisam, primeiro, modificar o art. 13 da nossa Constituição Federal. A única língua oficial do Brasil é a língua portuguesa, tanto que, na própria Lei de LIBRAS, o legislador constituinte — os Deputados Federais e os Senadores que aprovaram a Lei de LIBRAS — deixou claro que LIBRAS não pode substituir a língua portuguesa em sua forma escrita.
Então, a escola inclusiva de que a CF fala é dentro da escola regular, preferencialmente na escola regular, como está no art. 206, inciso III, da Constituição Federal, se não me engano.
E há outra coisa: nós temos no art. 28, incisos I, II e III, da Lei Brasileira de Inclusão — inclusive estamos completando, neste ano de 2021, 6 anos de sua publicação — todos os direitos à acessibilidade sonora para todos os tipos de surdos. Esse projeto de lei não pode simplesmente ignorar os incisos I, II e III do art. 28, que falam em escola inclusiva, em acessibilidade para todos os tipos de surdos, respeitando-se as suas necessidades específicas.
Então, peço a V.Exas., mais uma vez, que analisem, reflitam, pois não se pode impor a língua de sinais de forma obrigatória. Que ela seja realmente incluída como uma modalidade de ensino. Eu concordo que os nossos colegas sinalizantes realmente precisam dela. É a única forma que eles têm, mas essa é uma escolha pessoal de cada um ou de seus representantes legais.
Eu poderia estar aqui simplesmente só sinalizando para vocês, mas essa não foi a minha escolha, e o Estado tem que respeitar a minha escolha pessoal, enquanto pessoa detentora de direito, pessoa com deficiência que tem direitos, nos termos da nossa Constituição Federal, nos termos da Convenção de Nova Iorque.
A Convenção de Nova Iorque fala, realmente, em sistemas inclusivos, mas ela não fala em obrigação de aprender LIBRAS. Ela fala em respeito à escolha das pessoas com deficiência. Isso está, se não me engano, nos arts. 19 e 21 da convenção. O art. 24, que fala da educação, também é claro ao dizer que o sistema educacional será inclusivo em todos os níveis.
Então, por que o PL quer que apenas LIBRAS seja a língua universal de todos os tipos de surdo? Por que isso? Isso não é claramente uma discriminação contra os outros tipos de surdos existentes, o surdo oralizado, o surdo usuário de aparelhos auditivos, o surdo que não é oralizado mas que também não é usuário de LIBRAS, as pessoas ouvintes que, por algum acidente no decurso de sua vida, perderam a sua audição e se tornaram pessoas com deficiência auditiva? Essas pessoas têm o direito de escolher qual caminho elas querem para a vida delas, ainda mais no que diz respeito ao direito fundamental à educação. É isso que peço a vocês.
Solicito que passem agora um vídeo institucional da ANASO que foi lançado no ano passado, na campanha Setembro em Todos os Tons de Azul. Este vídeo defende justamente a pluralidade da surdez, porque a surdez é plural, e o respeito a todos.
10:44
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(Exibição de vídeo.)
O SR. ARLINDO NOBRE - Deputado Alexandre, o som do vídeo não está saindo.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Estou vendo isso aqui com o pessoal da Comissão.
O SR. ARLINDO NOBRE - Peço que recomece o vídeo, pois o som não está saindo corretamente.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Vai recomeçar. (Pausa.)
O pessoal está tentando resolver, Arlindo. (Pausa.)
Para quem está nos acompanhando, registro que nós estamos tentando passar um vídeo trazido pelo Dr. Arlindo, que representa também a ANASO, mas está havendo um problema técnico.
Então, vamos passar para a próxima expositora, que é a Sra. Mônica Pereira dos Santos, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que representa aqui a Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial.
Arlindo, assim que a nossa equipe técnica conseguir ajustar o som, vamos assistir ao vídeo, está bem?
10:48
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Passo a palavra, então, à Profa. Mônica, que dispõe de 10 minutos.
A SRA. MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS - Obrigada, Deputado. Bom dia a todas, todos e todes.
Eu gostaria de iniciar agradecendo à ABPEE pela indicação desta importante representação e ao Sr. Deputado Alexandre pelo convite.
Eu sou uma mulher branca, de cabelos escuros, presos neste momento, e uso óculos de armação retangular. Eu estou com batom cor-de-rosa, tenho os olhos escuros, sobrancelhas grossas, estou usando um brinco azul e estou vestida de azul e rosa: uma echarpe rosa, um terno azul e um blusão rosa por dentro. Atrás de mim...
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Professora, eu acho que conseguiram colocar o vídeo ali.
A SRA. MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS - Eu vou fazer como vocês fazem e pedir que, por favor, descontem isto do meu tempo. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - A senhora pode ficar tranquila. Nós vamos reiniciar o seu tempo.
Se o pessoal da Secretaria conseguir passar o vídeo agora, pode fazê-lo.
(Exibição de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - É muito bom o vídeo, viu, Arlindo?
Devolvo, então, a palavra à Profa. Mônica.
Recuperaram todo o seu tempo, viu, professora? (Risos.)
A SRA. MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS - Muito obrigada, Deputado.
Eu já havia iniciado a audiodescrição, então vou só finalizar descrevendo o cenário aqui atrás, que é um biombo com algumas placas. A placa acima da minha cabeça contém a palavra "amor" em língua de sinais. À minha direita, nós temos duas placas, uma branca e uma preta. Na branca está escrito "Hoje eu só quero que o dia termine zen". A preta diz: "Às vezes é preciso silêncio". Do outro lado, há uma placa amarela em que está escrito: "Risco de abdução". Embaixo dela há uma foto dos Beatles, para dizer que o risco de abdução é pela arte, é pela alegria, é pela beleza.
10:52
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Inicio minha fala saudando os colegas debatedores, todos de altíssimo nível, e resgatando um pouco algumas das falas com as quais eu mais me afino, como, por exemplo, é o caso das falas da Eliane Ramos, da Érika Pisaneschi, da querida Meire Cavalcante e do Arlindo Nobre. É nessa direção que eu vou.
Gostaria de iniciar falando um pouco sobre inclusão, porque acho que é a questão que ficou mais esquecida no debate de hoje, embora algumas colegas tenham bem feito questão de trazê-la de volta como referência central. Parece-me que, quando deixamos a inclusão desaparecida do texto, acabamos perdendo o norte da grande questão.
E qual é a grande questão? Todas as políticas públicas no mundo hoje — e no Brasil não é diferente, por ser signatário de praticamente todas as convenções internacionais de agências supranacionais, como a Organização das Nações Unidas — vão em direção ao princípio de inclusão. A inclusão é entendida hoje como princípio central básico para que se chegue a uma série de objetivos e princípios que estão na base também de uma série de políticas públicas que ordenam governos do mundo inteiro, como, por exemplo, o princípio dos direitos humanos e, dentre eles, os direitos fundamentais, como o direito à dignidade, o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à educação, o direito à saúde, o direito à mobilidade e assim sucessivamente, como também o direito à paz e ainda o direito ao diálogo e à compreensão mútua, que não se pode obter sem a convivência mútua. Então, a inclusão entra hoje reconhecidamente em vários documentos internacionais e também do nosso País como esse princípio central que fundamenta, que dá a base, que lança a base para que todos esses outros preceitos sejam possíveis.
Quando observamos o Projeto de Lei nº 4.909, de 2020, vemos que a palavra "inclusão" praticamente desaparece. E o que se percebe é a criação de um nicho de sujeitos, um nicho do nicho do nicho de sujeitos. Isso é muito preocupante, porque nos separa, Deputados e Deputadas: nos separa como pessoas, nos separa como gente. E, quando há separação, não pode haver paz, não pode haver diálogo, não pode haver compreensão e não pode haver união, o que, por sua vez, detona, na base, todos os princípios legais da nossa legislação, do nosso ordenamento jurídico, como nossa própria Constituição, nossa Lei de Diretrizes e Bases e uma série de decretos e políticas que se seguiram a ela.
Eu gostaria de salientar que, quando falamos de inclusão, falamos de valores que não podem ser abandonados, que têm sido duramente conquistados desde a Segunda Guerra Mundial e que têm sido duramente defendidos nas mais diversas searas, nacionais e internacionais. Não podemos nos esquecer disso, porque, quando trazemos isso para dentro do nosso cenário e vemos qualquer projeto de lei — não precisa ser só esse de que falamos, mas qualquer projeto de lei — que se esqueça desse preceito central de que precisamos dialogar, estar juntos e compreender juntos a importância dessa convivência, pomos a perder, pelo menos, 60 ou 70 anos de história duramente conquistados em prol da paz, da manutenção do planeta e do direito às vida nestes planeta, com toda a sua diversidade de espécies, entre espécies e intraespécie, particularmente a espécie humana.
10:56
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Tendo ouvido todas as discussões que ocorreram hoje, eu queria retomar um pouquinho o Comentário Geral nº 4, sobre o art. 24 da Convenção, só para lembrar algo que talvez tenha sido dito, mas que não foi dito com tanto detalhamento pelo advogado que nos precedeu. Nesse Comentário Geral nº 4, a respeito do art. 24, no item 11, está claramente posto o que é inclusão:
Inclusão envolve um processo de reforma sistemática, incorporando alterações e modificações no conteúdo, métodos de ensino, abordagens, estruturas e estratégias em matéria de educação, para superar as barreiras com uma visão que serve para fornecer a todos os estudantes da faixa etária relevante uma experiência e ambiente de aprendizagem igualitários e participativos, que melhor correspondam às suas necessidades e preferências. Colocar os estudantes com deficiência no ensino regular sem as mudanças estruturais necessárias (...) não constitui inclusão.
Então, do que estamos falando? Estamos falando de mudar a escola, e não de escola. Estamos falando aqui que a nossa escola precisa melhorar, mas não que ela é ultrapassada e fracassada.
Nesse mesmo item, se diz:
O Comitê ressalta a importância de reconhecer as diferenças entre exclusão, segregação, integração e inclusão. (...) A segregação ocorre quando a educação de estudantes com deficiência é oferecida em ambientes separados, concebidos ou usados para atender a uma determinada ou várias deficiências, isolados de estudantes sem deficiência.
11:00
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Esse mesmo comentário que regulamenta o art. 24 diz que a inclusão busca habilitar as comunidades, os sistemas e as estruturas a combater a discriminação, incluindo o reconhecimento da diversidade, a promoção da participação e a superação de barreiras à aprendizagem e à participação para todos, por meio do foco no bem-estar e no sucesso dos estudantes com deficiências, o que requer uma transformação profunda nos sistemas educacionais, quanto às suas legislações e políticas, e no mecanismo de financiamento, administração, delineamento e entrega dos serviços.
Vejam, de novo, estamos falando de um sistema que já existe, do nosso sistema regular, minha gente! É nele que precisamos investir. É nele que precisamos acreditar.
Eu vou ter que ser mais breve.
Outra coisa importante: as medidas apropriadas têm que ser tomadas para garantir às pessoas com deficiência oportunidade de terem acesso à vida cultural. E essas medidas têm que garantir que as pessoas com deficiências possam ser reconhecidas por suas identidades linguísticas. A escola regular jamais deixou de fazer isso e jamais deixará.
Então, não há sentido nesse decreto. Ele cria um nicho de gente. Isso não tem sentido nenhum! Eu gostaria muito de pedir que entendêssemos isso.
Eu não vou mais me prolongar e gostaria agora só de fechar a minha fala trazendo aqui também o depoimento da Federação Mundial de Surdos, sediada na Finlândia. Ele está dentro de um relatório de 2019 do Secretariado-Geral da ONU relativo à Resolução nº 72, de 2019, que é uma resolução trata dos direitos humanos e da diversidade cultural.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu queria só mostrar este eslaide.
Essa federação foi uma das participantes que disse que as línguas de sinais são línguas de pleno direito, com propriedades linguísticas, incluindo características gramaticais, e podem ser consideradas a língua materna e natural das pessoas surdas. Segundo a entidade, elas são os meios para a inclusão de pessoas surdas tanto nas comunidades surdas quanto na sociedade em geral. Portanto, deve-se promover na escola a LIBRAS, e, enquanto isso não acontece, o fornecimento de intérpretes profissionais é fundamental.
E mais: está posto por essa federação, na qual se unem milhares de federações de surdos de todo o mundo, que a educação das crianças surdas é mais bem alcançada através da educação bilíngue em línguas nacionais de sinais e línguas nacionais escritas, com escolas bilíngues seguindo o currículo educacional nacional oficial. Onde? Em ambientes inclusivos. Então, a própria Federação Mundial de Surdos coloca que a escola de todos é o melhor lugar.
Entendo que isso é um argumento extremamente potente para que os senhores Deputados e Deputadas, por favor, pensem bastante, reflitam bastante. Se necessário, promovam mais diálogos. Por favor, não aprovem este projeto imediatamente.
Muito obrigada.
11:04
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Mônica.
Vamos passar a palavra agora à Profa. Marisa Dias e à Profa. Mariana Campos, que haviam pedido para falar ao final.
Não sei se a ordem continua. A Profa. Marisa Dias, da Universidade Federal de Uberlândia, falará primeiro? (Pausa.)
Depois, falará Mariana Campos, da Universidade Federal de São Carlos.
Passo a palavra às duas. Cada uma terá 10 minutos.
A SRA. MARISA DIAS LIMA - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Começo fazendo, inicialmente, a minha autodescrição. Estou vestindo uma blusa vermelha escura, com uma faixa preta no meio e botões vermelhos. Estou sentada na frente do computador. Meu cabelo está preso. Uso um brinco simples. E o fundo é claro e liso.
Bom dia a todos.
Primeiramente, quero agradecer o espaço destinado a nós nesta audiência. Cumprimento os Deputados e agradeço-lhes pela oportunidade de estarmos neste espaço para a comunidade surda se posicionar. Este é o seu lugar de fala. Temos experiência, temos a perspectiva surda e sabemos o que estamos falando sobre educação bilíngue de surdos.
Sou Marisa Lima e possuo formação em dois cursos de nível superior: pedagogia e letras-LIBRAS. Na pós-graduação, tenho mestrado em linguística pela UnB. Tenho pesquisa com foco no estudo de português escrito por surdos. Também, em 2018, defendi uma tese de doutorado na Universidade Federal de Uberlândia. A linha de pesquisa da minha tese foi Estado, política e gestão escolar. Na Universidade Federal de Uberlândia, essa tese é intitulada Política educacional e política linguística na educação dos e para os surdos têm como objeto de estudo uma análise da formação dos professores surdos e ouvintes.
Venho falar da minha experiência, de acordo com a perspectiva de pesquisadora e de acordo com a vasta experiência acumulada, durante anos, na educação básica, na qual atuei como professora, em uma sala de aula com alunos surdos. Trabalhei também no atendimento educacional especializado. Então, por muitos anos, tive essa vivência. Além disso, também fui aluna surda. Portanto, conheço toda essa problemática da educação.
Optei por ir para o ensino superior trabalhar nessa área pela experiência que tinha na formação de professores surdos e me deparei com vários problemas nesse momento. Sabemos que não é há pouco tempo que venho acumulando toda essa experiência, e, por isso, optei por estar no ensino superior e atuo nesse espaço para fortalecer a ciência que mostra como deve ser a educação para os surdos.
Venho aqui, por isso, com essa bagagem, representar a comunidade surda, representar meus pais surdos nesta audiência pública, por ter formação e conhecimento técnico, assim como vivência e prática na atuação em sala de aula na educação de surdos e na formação de professores para surdos.
11:08
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Nossa defesa em favor do PL se deve à necessidade de fortalecer as políticas públicas para as crianças surdas, que devem ser subsidiadas por uma política educacional e por uma política linguística.
A fim de assegurar uma interligação de políticas públicas, nós estamos defendendo três princípios básicos aos quais as crianças surdas têm direito: ensino de qualidade, acesso ao conhecimento e permanência na escola. Sabemos que esses são direitos, mas, na prática, isso não tem acontecido, os direitos não são contemplados. Por isso, a importância de, com o PL, assegurar esses princípios na LDB — a LDB também não contempla esses três princípios. Precisamos garantir esses princípios inseridos na LDB.
Sabemos que a LDB, vigente já desde 1996, trata de um sistema educacional que não garante às crianças surdas esses três princípios. Estamos requerendo essa garantia, cobramos que esses três princípios estejam preenchidos nessa lei. A LDB tem vários itens, mas não tem nada que fale da educação bilíngue para as crianças surdas. Por isso, precisamos incluir a educação bilíngue de surdos.
Neste momento, a educação bilíngue das crianças surdas encontra-se vinculada a uma política geral, generalizada, o que levou a vários problemas. Falta o quê? Não falta só a LDB falar dessa educação, falta ela falar também dos intérpretes, dos professores, falta muita coisa ainda.
Não se pode evitar que a inclusão aconteça. E essa realidade carece de um ensino de qualidade. Por isso, a presença de intérpretes é imprescindível. Não pode ser inviabilizada a inclusão escolar, que deve ser oferecida por direito.
O papel do Estado, do poder público é o de ampliar os direitos, a escolha de todos, sem limitar o sistema a uma única opção, a uma única modalidade, obrigado os alunos a irem somente a ela. Os estudantes surdos não se encaixam em qualquer modalidade e são constantemente submetidos a um ensino restrito. É preciso que o Estado, o poder público amplie as possibilidades, crie modalidades. Essa abertura é importante.
É preciso que, no contexto bilíngue, haja professores bilíngues, porque não adianta um professor que não sabe língua de sinais. E na formação é preciso muito mais: é preciso conteúdo, é preciso currículo, é preciso um entendimento amplo. A LDB não trata disso para a educação bilíngue de surdos. Ela precisa orientar. Não há essas orientações nesse documento, e é preciso incluí-las.
Inclusão escolar para os surdos é nossa prática quando há a interlocução efetiva entre a política e a educação linguística. Isso é necessário. Aí acontece a inclusão escolar verdadeira. A LDB ainda não assegura a inclusão escolar efetiva dos surdos. Por isso, muitas vezes os surdos têm um ensino que não tem respeitado a modalidade, e isso é muito importante.
Sabemos que, tradicionalmente, nós apresentamos um seminário no Senado. Fizemos um seminário anteriormente. Este é o terceiro seminário em que estamos falando sobre este tema, com propostas e estratégias, falando de contratação de professores e ofertas de disciplina de LIBRAS.
11:12
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Eu, que sou da comunidade surda, olho para essa perspectiva e fico preocupada com o que está sendo diretamente oferecido para os ouvintes. Eles estão preocupados se os ouvintes entendem LIBRAS, se adquirem conhecimento em LIBRAS, se trocam conhecimento. Mas isso é política de educação bilíngue para surdos? Essa proposta é para o surdo ou para o ouvinte?
Então, por isso, nós estamos aqui nos posicionando sobre essa proposta. Essa proposta que existe hoje agrega valores aos surdos, garante esses três princípios que são necessários? É preciso criar isso dentro da modalidade, porque as crianças surdas precisam desses três princípios garantidos.
Eu acrescento ainda que há muita legislação que fala sobre os surdos — leis, decretos, o Plano Nacional de Educação. Mas onde é que está a política pública efetiva no sistema? Por isso, nós precisamos garantir o posicionamento dos surdos, o lugar de fala dos surdos, que são aqueles que vão estar dentro da educação. É o que queremos, é o que sabemos que é melhor para nós.
Em 1999, já falamos desse congresso, vários surdos, empoderados, foram lutando e criaram documentos que já têm quase 20 anos — e a educação é a mesma até hoje. Nós temos um momento de mudar, incluindo na LDB essa modalidade.
Antes de finalizar, eu gostaria de esclarecer uma coisa. Nós estamos mostrando uma proposta que amplia direitos. Nós estamos interferindo nas políticas que já existem paras as outras pessoas, com outras modalidades, para as outras pessoas que optam. Não é esse o nosso objetivo. Nós estamos querendo resolver os entraves para o sistema. Nós estamos pedindo direito para os surdos sinalizados. Então, o projeto de lei não impõe nada, só oferece direitos de escolha. Por isso, nós queremos essa ampliação de direitos, do direito de escolha.
É importante reforçar que essa proposta de modalidade de educação bilíngue dos surdos não é atual; é uma proposta antiga, é uma luta de antes. Agora ela tem tido mais vigor porque nós temos uma maioria de doutores surdos e pesquisadores surdos que têm trabalhado juntamente com ouvintes pesquisadores, que têm empoderado e fortalecido essa área, que têm mostrado a importância dessa proposta.
Eu quero saber se vocês sentem que é uma imposição. Estão tentando nos impor uma governabilidade do discurso de poder. Não é uma política pública de qualidade a educação de surdos? Isso é papel do Estado, é o que estamos reivindicando. O que é necessário? A política que nós queremos. Parece que vocês não perceberam e não estão preocupados com a política pública de educação e linguística para as crianças surdas. Para as pessoas que são contra essa proposta, parece que nós estamos defendendo política pública que não é política. Na verdade, é, sim. E é nosso papel, é papel do Estado garantir essas políticas linguísticas e também garantir essas políticas para as crianças surdas.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Marisa.
Agora vamos passar a palavra para a Profa. Mariana Campos, que também disporá de 10 minutos.
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A SRA. MARIANA DE LIMA ISAAC LEANDRO CAMPOS - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Bom dia a todos. Primeiro, eu cumprimento os membros desta audiência. Também lhes agradeço o convite feito à FENEIS e a oportunidade de estar aqui, representando os surdos.
Eu sou Mariana, sou surda sinalizante, sou branca, uso uma blusa preta. Atrás de mim, há uma parede bege e duas intérpretes que estão me apoiando em português. Eu nasci surda, sou surda de nascença. Sou mestre em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina, doutora em Educação Especial pela UFSCar e docente da UFSCar. Sou membro da Associação de Surdos de Ribeirão Preto, membro titular e conselheira do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa com Deficiência em São Paulo. Sou militante surda desde 2000, lutando pela comunidade surda, pela melhoria da qualidade de vida e pela garantia de nossos direitos. É com grande satisfação que assumo o meu lugar de fala como pessoa surda, pesquisadora e professora na área de educação de surdos.
Antes de iniciar as minhas reflexões, eu gostaria de introduzir e esclarecer as diferenças entre surdos existentes em todo o Brasil. Segundo dados do IBGE de 2010, o Brasil tem em torno de 9,7 milhões de pessoas surdas, com problemas de audição e com dificuldade de comunicação. Esses dados não mostram especificamente a quantidade exata de quem são sinalizantes, surdos oralizados, surdo-cegos, de quantos sabem português e assim por diante.
Vale ressaltar que essas diferenças de pessoas surdas, de pessoas com deficiência auditiva, de pessoas surdo-cegas são jeitos diferentes, culturas diferentes. Esses surdos são vistos com a sua diferença linguística, cultural e identitária. Eles têm a LIBRAS como L1 e o português como L2. Eles lutam pelo reconhecimento da diferença de cultura. Eles constituem comunidades linguísticas.
Há aquelas pessoas com deficiência auditiva que têm como modelo os ouvintes e têm uma cultura ouvinte, não falam a língua de sinais, são normalizados. Há as pessoas surdo-cegas, com baixa visão; algumas totalmente surdas, algumas com a comunicação relativa, algumas que comunicam por LIBRAS tátil, tadoma, LIBRAS háptica, entre outros. Há uma diversidade.
Então, nós precisamos perceber que esse projeto de lei, com foco no público de surdos e surdo-cegos sinalizantes, não é um entrave para os oralizados, não desrespeita a inclusão e o sistema pelo qual cada um pode optar. Ele não está preocupado com isso. Ele respeita isso. Ele está preocupado com o fato de que, no Brasil, majoritariamente há surdos de famílias ouvintes que têm problemas de comunicação dentro de casa, no convívio familiar. A língua base deles é um entrave para a comunicação na sociedade. Muitas vezes, eles não têm linguagem, não têm uma língua, não têm um modelo linguístico para trocar experiências com seus pares. Nós sabemos que, na sociedade, é importante ter os pares linguísticos para se desenvolver, e os surdos sinalizantes têm tido muitos prejuízos no aprendizado, na educação, na interação social. Há muitos entraves.
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Por isso, é muito importante defender esse projeto de lei, porque a LIBRAS precisa ser articulada, precisa estar num ambiente linguístico e cultural adequado, com acessibilidade ao conhecimento, com informação visual. É preciso ser uma língua com a qual eles possam se comunicar e se desenvolver. Isso é importante. E esse projeto de lei não fala de segregação. Ele não é segregador de jeito nenhum. Fala-se em segregação dos surdos pela língua — como assim?
Dou um exemplo. A maioria das crianças surdas chega à escola e não tem língua, não tem linguagem, não tem conhecimento. Há entraves na comunicação ou, às vezes, um intérprete não consegue se comunicar com as crianças surdas, porque elas não têm língua. Como isso é possível? As crianças ouvintes, quando vão aprender, interagem com o professor. A criança surda fica em defasagem — isso é segregação.
Neste momento, mesmo com a intérprete, que estará focada, com um olhar restrito e reduzido, com o campo reduzido para a comunicação, ela não pode interagir. Não há língua de instrução. A LIBRAS não é língua de instrução da escola. A maioria desses estudantes tradicionalmente não aceita a adequação. Os professores, muitas vezes, não têm educação metodológica, jogam a informação, passam a responsabilidade para o intérprete. O intérprete não é professor, o intérprete não é cuidador. Isso, sim, é segregação.
Cadê o direito linguístico dos surdos, das crianças surdas? Onde é que vai ser garantido o espaço linguístico para elas? A Constituição Federal fala que as crianças têm o direito de acesso ao conhecimento, à igualdade de oportunidades e de aprendizado. Mas isso não funciona para os surdos. Para os ouvintes, tudo bem. Eles se desenvolvem. Os surdos, não. Eles ficam em defasagem. Onde está o respeito a eles?
Esse projeto de lei vai fazer essa conexão com o que está faltando. Ele precisa atualizar a LDB, para que ela garanta um ensino equitativo para os surdos, garanta a inclusão escolar e linguística dos surdos. Isso não é segregação. Parem de falar dessa forma!
O projeto de lei vai garantir benefícios no sentido de profissionais fluentes em LIBRAS, currículo adequado cultural e linguístico em LIBRAS e em português, com primeira língua e segunda língua escrita, pedagogia cultural, pedagogia visual, didática específica, ensino para surdos.
Isso é importante, porque o surdo vai se sentir acolhido, vai perceber como é que se aprende realmente, vai saber explicar. Hoje não existe isso. O professor está preocupado com o aluno ouvinte. O intérprete não consegue se comunicar com o aluno. O aluno fica sozinho. Isso não é um reconhecimento. Isso não é um respeito com o aluno, isso é uma opressão linguística. Isso não pode acontecer.
A Constituição fala que a criança surda precisa estar dentro da escola de 4 anos até 17 anos, mas na verdade ela está fora da escola, porque não tem conhecimento, não recebe ensinamento. Como é que ela vai aprender o conteúdo?
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Por isso, o momento é agora. Nós precisamos garantir, com esse Projeto de Lei nº 4.909, de 2020 — e é o que queremos —, a modalidade linguística em língua de sinais para os estudantes.
É preciso lembrar que, na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, está clara a importância do desenvolvimento linguístico e cultural. Isso é preciso ser garantido, assim como o conhecimento e o aprendizado nas línguas acessíveis ao estudante, para haver acessibilidade na sociedade.
Quanto à educação bilíngue, não há o significado de misturar surdos e ouvintes, no espaço em que uma vai ter sua identidade e a outra também. Elas continuam do mesmo jeito, sem se comunicar, sem aprender, sem acesso a conhecimento. Isso não tem acontecido. O prejuízo tem sido muito grande, no âmbito do trabalho, da sociedade, da saúde.
Os estudos não estão sendo atendidos. A questão linguística é a base da educação, é preciso garantir esses eixos para que o surdo consiga ter entendimento, com interação verdadeira na sociedade, com uma vida normal. É preciso que seja uma pessoa normal, como qualquer outra pessoa.
Os surdos não são cobaias, gente! Há quantos anos nós estamos vendo as pessoas fazendo os surdos de cobaias? Eles dão prejuízo para os surdos com essas tentativas. Chega de nos fazer de cobaias de laboratório! Os surdos são indivíduos humanos e precisam ser respeitados. Precisam ter o seu valor. Este é o momento.
A língua é constitutiva dos indivíduos. Eles precisam da interação linguística. É preciso mudar isto: o conhecimento precisa estar acessível. A experiência visual é muito importante. Chega, basta de privação linguística! Estão tirando a nossa língua, estão arrancando o território linguístico e cultural que compartilhamos com os nossos pares. Isso não pode acontecer. Nós precisamos garantir que os surdos consigam conviver com os adultos no futuro.
Eu peço a vocês, Deputados e Deputadas, que tenham empatia e que se coloquem no nosso lugar. Imaginem se vocês tivessem filhos ou netos nas condições em que nós vemos as crianças surdas sem interação. Como seria a vida deles? Vocês teriam mais sensibilidade.
Por isso, queremos empatia. Queremos garantir a cidadania, o empoderamento, a capacidade jurídica, a participação política das pessoas surdas e surdo-cegos na sociedade, para terem uma inclusão social de forma equitativa e justa.
A nossa proposta não é segregadora, é uma proposta de adequações e fortalecimento do nosso direito linguístico. Nós estamos ampliando os direitos linguísticos com essa proposta, garantindo os direitos linguísticos dos surdos. É preciso mudar essa realidade do Brasil. Chega, basta de privação linguística! Agora nós estamos aqui para consolidar a necessidade da língua de sinais, cravar nossas raízes, mostrar que a língua de sinais e a nossa cultura surda, que é percorrida por várias gerações, precisam florescer! Chega de violência! Nós estamos no século XXI. Opressão linguística, não! Precisamos atualizar a LDB.
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Por isso, nós vamos conseguir, com o apoio de todos vocês, garantir tudo isso que nós defendemos. Isso é realmente inclusão escolar efetiva, que mostra a questão da cultura e reconhece os direitos humanos dos surdos.
Obrigada a todos. As crianças surdas agradecem a vocês este momento. Não nos deixem para trás!
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Mariana Campos.
Quero agradecer mais uma vez a fala de todas as nossas convidadas e os nossos convidados.
Já vamos passar às Parlamentares e aos Parlamentares presentes que pedirem a palavra.
Nós recebemos várias perguntas pelo e-Democracia. Foram dezenas de perguntas. Eu vou ler as quatro que tiveram mais votos aqui. Até peço ao pessoal da Secretaria, se puder, que mande as perguntas da sala do Zoom ao pessoal.
Gostaríamos de saber essa questão vai ser resolvida? Como os surdos sendo usuários de libras, aprenderão a ler, a escrever, a dar significado a todo o contexto da língua portuguesa, com 341.500 SINAIS a menos do que as palavras existentes na LÍNGUA OFICIAL DO PAÍS, a LÍNGUA PORTUGUESA????
Esta é uma pergunta.
A outra é:
Qual é o PROJETO PEDAGÓGICO elaborado para equilibrar tamanha defasagem??? Já que o número de ANALFABETISMO FUNCIONAL entre os surdos usuários de libras são alarmantes, segundo estudos 14.500 SINAIS DE LIBRAS em ENTRADAS lexicais individuais. Os outros dicionários de LIBRAS documentam no máximo 10.000. Ou seja, a LÍNGUA PORTUGUESA tem 356 MIL PALAVRAS ou agrupamento de palavras em nossos dicionários e a LIBRAS APENAS 14.500 SINAIS.
São essas as perguntas para todos registrarem.
Eu queria saber se algum Parlamentar gostaria de fazer o uso da palavra.
A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Deputado Padilha, bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Pois não, Presidente Rejane.
A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Eu gostaria de falar.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - A palavra está aberta, Presidente.
A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Muito obrigada.
Primeiro, eu queria dar um bom dia a todos vocês.
Quero cumprimentá-lo pelo excelente seminário e pela sua condução. Já são dois seminários que nós estamos promovendo pela Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Quero também cumprimentar e saudar todas as palestrantes e os palestrantes convidados para participar deste seminário.
Também gostaria de destacar, meu querido Deputado Alexandre Padilha, o alto nível das palestras. Estou aqui praticamente desde o começo, ouvi praticamente todos os palestrantes. Fiquei muito feliz de participar e de ouvir a fala dos especialistas. Como nós aprendemos com vocês!
11:32
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Também queria cumprimentar todos os nobres Deputados e as Deputadas que estão neste momento acompanhando este seminário, na pessoa da Deputada Soraya Santos, que tem também acompanhado e tido todo o interesse por essa matéria.
A Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência vem focada na preocupação de ouvir todos os palestrantes, até porque o Projeto de Lei nº 4.909, de 2020, abre uma discussão e, ao mesmo tempo, uma polêmica entre aqueles que defendem a modalidade de escola bilíngue apartada do ensino regular e aqueles que defendem também, com toda veemência, o ensino da LIBRAS dentro das nossas escolas regulares. Cada um que se expressou dentre aqueles que entendem e defendem esse tipo de modalidade distinta também tem a sua importância
Por isso, nós fizemos questão de falar junto ao nobre Relator, o Deputado Alexandre Padilha, na Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, mas também junto à nobre Relatora, a Deputada Soraya Santos, que aprovou o requerimento de urgência e vai relatar esse projeto no plenário, para promovermos, de forma democrática este momento.
Eu sei que, para a comunidade surda e para os familiares, é de suma importância darmos oportunidade aos especialistas, a fim de que se posicionem e defendam as suas teses, assim como para a própria comunidade surda como um todo.
Apenas para concluir, quero dizer que teremos ainda outra rodada. São três os seminários que nós estamos organizando, repito, no âmbito da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, para que todos realmente possam participar sobre uma matéria tão polêmica como essa, uma matéria de suma importância.
Eu ouvi aqui alguns palestrantes já dizendo: “A nossa preocupação também é que, se esse projeto passa no plenário da Câmara, outros segmentos também, de forma legítima, vão querer modalidades de ensino conforme a sua deficiência”. Então, vai se abrir um precedente com relação a isso. Chamou-me a atenção a fala dessa nossa palestrante, que se posicionou e nos alertou sobre essa situação.
Mais do que nunca, esse projeto de lei permite uma mudança na LDB. Evidentemente, se for aprovado, os recursos serão alterados e modificados para atender a essa modalidade de ensino.
Eu milito também na área da educação, acompanhei, inclusive, a votação, o debate e a discussão na Comissão da Educação sobre o novo FUNDEB. Sabemos que os recursos ainda são bastante escassos quando se trata de educação, apesar das conquistas que nós obtivemos com o novo FUNDEB. Os recursos têm que ser muito bem aplicados.
11:36
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É claro que devemos atender às exigências e ouvi-las com sensibilidade. Eu sei que é um projeto polêmico e, ao mesmo tempo, extremamente sensível. Nós não podemos também nos descuidar de ouvir quem está lá na ponta, que são todos os surdos, com as suas especificidades, os sinalizantes e os oralizados. Nós precisamos realmente ter sensibilidade e empatia para entender quem realmente serão os protagonistas desse tipo de ação no âmbito da educação. Então, eu acho que esse é o melhor espaço para ouvi-los.
Aproveito para cumprimentar todos os que estão nos acompanhando através do e-Democracia. São muitos os que, em todo o País, têm interesse por essa matéria e estão realmente atentos à fala de cada um de vocês.
Nós queremos, na verdade, ter realmente essa empatia, ouvindo os especialistas, ouvindo as pessoas com deficiência, para aprovarmos o melhor projeto possível, se tivermos que alterá-lo. Fazemos esse apelo, porque sabemos que a Deputada Soraya Santos é de uma sensibilidade muito grande. O Deputado Alexandre Padilha também foi uma das melhores escolhas. Inclusive, destaquei esse projeto para que ele realmente pudesse relatá-lo no âmbito da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, porque é um Parlamentar experiente, de uma sensibilidade muito grande.
Eu creio que, com a ajuda da Deputada Soraya Santos, a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, se Deus quiser, vai apresentar o melhor projeto possível no plenário da Câmara. Pelo menos, vamos tentar aprová-lo da forma mais conciliadora. Nós não queremos deixar ninguém para trás.
Eu sou mãe de uma criança com deficiência, que tem um autismo muito grave, um autismo muito sério. Sei perfeitamente o que os pais passam com relação à inclusão dos filhos na educação, com o jeito que está hoje o ensino regular. Sei dos desafios que tenho passado com a minha filha. Compreendo-os, portanto, perfeitamente. Por isso, acho que precisamos realmente ter empatia com a comunidade surda e com os pais, ao mesmo tempo, ajudando-os a fazer as melhores escolhas, para que não tenhamos um projeto equivocado.
Era isso o que eu gostaria de dizer, Deputado Alexandre Padilha. Essa é minha contribuição. Mais uma vez, quero parabenizá-lo pela excelente condução nesses dois seminários.
Um abraço a todos. Estamos juntos.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Presidenta Deputada Rejane Dias.
Estou vendo aqui também o Deputado Eduardo Barbosa na sala.
V.Exa. gostaria de fazer uso da palavra? (Pausa.)
Acho que não vai fazer uso da palavra.
Algum outro Parlamentar gostaria de fazer uso da palavra? (Pausa.)
Acho que não.
11:40
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Então, vamos ter a oportunidade de retornar a palavra para os nossos convidados e convidadas.
Eu queria, primeiro, além de endereçar as perguntas que nós já encaminhamos, que foram as mais votadas, informar que daremos de 3 minutos a 5 minutos, com uma tolerância de até 5 minutos, para cada um dos nossos convidados e convidadas. Sabemos que é um tempo curto.
Esperem só um instante, porque eu tenho que passar a palavra aqui. (Pausa.)
Ao passar a palavra para os nossos convidados e convidadas, quero trazer três perguntas aqui, além das que já foram trazidas a partir da fala dos nossos convidados e convidadas.
Como disse a nossa Deputada e Presidenta Rejane Dias, essa é a terceira reunião de debates sobre esse projeto. Nós tivemos também uma reunião na Comissão de Educação de forma conjunta.
Quero reconhecer também a qualidade, a importância e a necessidade desse debate. Desde o começo, já assumimos como responsabilidade a tarefa de dar espaço para a diversidade de opiniões sobre esse projeto.
Eu queria endereçar três perguntas a partir das falas que foram feitas hoje. E aqui, na condição de Relator, quando eu endereço as perguntas, eu o faço no sentido de colher opiniões, diversidade de opiniões, sugestões de cada participante e de sempre nos colocar abertos para que os convidados e convidadas, caso queiram, possam nos mandar sugestões por escrito, documentos, resoluções das associações que representam.
Primeiro, fiquei muito tocado pela apresentação e fala do Dr. Arlindo, que disse o seguinte: "Não dá para aprovar esse projeto sem fazer modificações". Gostaria muito que tanto o Dr. Arlindo como qualquer outra pessoa que queira falar sobre isso dissessem se têm sugestões de modificações e que sugestões seriam essas. Aqueles que têm sugestões podem falar; aqueles que não as têm podem só reafirmar, porque acho que deve ser aprovado o texto que veio do Senado. Gostaria muito de ouvir algo sobre isso.
Segundo, vários que fazem críticas ao projeto de lei apontam uma preocupação no sentido de estabelecer que, como está no projeto de lei, caso LIBRAS passe a ser a primeira língua na escola para surdos, isso pode significar uma segregação na prática, nos Municípios, nos Estados, a criação de escolas exclusivas para surdos.
Quem defende o projeto, como dialoga ou responde essa pergunta, essa afirmação? Queria muito ouvir algo sobre isso e dar espaço para que seja apresentado aqui.
Ao mesmo tempo, quem defende o projeto faz crítica bastante forte, e acho que todos reconhecem isso. Os surdos, mesmo os oralizados, têm dificuldade de acesso a implante coclear, aos equipamentos, embora se tenha avançado muito no SUS. Tenho muito orgulho de termos construído um programa para buscar essa ampliação, mas ela está aquém ainda da necessidade.
11:44
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Em relação à formação de professores, educadores na linguagem de LIBRAS, afirmam que, na prática, existe uma segregação, uma exclusão dos surdos hoje na escola regular por não terem acesso a tecnologias assistivas, por não terem acesso à possibilidade de aprender a se expressar em LIBRAS, ou mesmo pela falta da preparação dos professores e da escola para acolher surdos e surdas. Por isso, afirmam a defesa desse projeto.
Então, eu queria ouvir também, dar espaço para se apresentarem aqueles que são contra o projeto. Quero saber como acreditam que é possível ampliarmos a inclusão e o acolhimento de surdos e surdas na educação brasileira.
Dito isso, como nenhum Parlamentar pediu a palavra neste momento, eu queria voltar à nossa lista. Nós vamos seguir a mesma ordem da fala inicial, está certo?
Vamos começar passando a palavra ao Dr. Bruno César Meirinho, advogado da FENEIS, que disporá de 3 minutos a 5 minutos, está certo?
Eu sei que o tempo é curto. Por isso, quero reforçar, na qualidade de Relator, que sabemos que o tempo é curto, mas é o prazo de que podemos dispor aqui da sala, do plenário, do esforço dos servidores da Comissão.
Quero agradecer muito aos servidores da Comissão, que estão se esforçando, ultrapassando o horário regular, inclusive, para poder nos apoiar nessas atividades.
Quero reafirmar ao Bruno e a todos os convidados e convidadas que estamos abertos para receber manifestações por escrito, comentários por escrito ou outros comentários que queiram fazer, está certo?
Então, tem a palavra o Dr. Bruno.
O SR. BRUNO CÉSAR DESCHAMPS MEIRINHO - Muito obrigado, Deputado Alexandre Padilha.
Cumprimento também a Deputada Rejane Dias, Presidente da Comissão.
Vou passar às minhas considerações finais a partir do debate que se deu.
Quero, inicialmente, frisar uma máxima, uma palavra de ordem das pessoas com deficiência em todo o mundo que sempre reivindicam: Nada sobre nós, sem nós. É muito importante, nesse sentido, o lugar de fala da pessoa com deficiência e que ela possa participar do debate como estamos fazendo aqui hoje. Podemos ver que, no tocante à comunidade surda, o debate é favorável ao projeto de lei.
Quero me dirigir aqui às considerações feitas tanto pelo Deputado Alexandre Padilha como pelo Dr. Arlindo e dizer o seguinte: este projeto de lei veio do Senado, onde ele foi aprovado por unanimidade. E lá também houve debates. Houve um debate no Senado do qual participou a ANASO, entidade que o Dr. Arlindo representa.
Quero enfatizar que, no Senado, a ANASO fez ponderações e o projeto foi modificado. A ANASO fez a sua fala no debate a favor do projeto. E, nessa condição, o projeto foi aprovado lá.
11:48
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A preocupação do Dr. Arlindo quanto ao direito de escolha está superada justamente pela emenda que já foi feita no Senado, Deputado Alexandre Padilha. É desnecessário fazer novas modificações agora.
Lá no Senado foi incluído o § 3º, que diz:
§ 3º O disposto no caput será efetivado sem prejuízo das prerrogativas de matrícula em escolas e classes regulares, de acordo com o que decidir o estudante ou, no que couber, seus pais ou responsáveis — no exercício do pátrio poder, como disse o Dr. Arlindo —, e das garantias previstas (...) –– na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ––, que incluem, para os surdos oralizados, o acesso às tecnologias assistivas.
Ou seja, isso foi incluído a pedido da ANASO e, nessa condição, veio por consenso para ser debatido na Câmara. E entendo que contempla as preocupações do direito de escolha que o Dr. Arlindo pontuou.
Quero destacar também que em momento algum eu vi fora do comentário do Dr. Arlindo o debate de inconstitucionalidade pelo direito de escolha. O que se pontua por algumas pessoas é que não poderia haver uma escola de surdos.
Quero enfatizar que a FENEIS é filiada à Federação Mundial de Surdos, citada pela Profa. e Dra. Mônica. Reivindicamos as mesmas pautas da Federação Mundial de Surdos. Inclusive a Federação Mundial de Surdos encaminhou uma carta de apoio à nossa causa neste projeto de lei. E, no eslaide que a Profa. e Dra. Mônica apresentou aqui, estava cristalino: educação bilíngue de surdos em escolas bilíngues.
Quero esclarecer que, na nomenclatura da Federação Mundial de Surdos, a escola bilíngue de surdos é uma escola inclusiva. Quando eles chamam de escola inclusiva não é porque eles estão falando que é na escola ouvinte, e sim na escola. Isso porque eles entendem que a concepção da escola bilíngue de surdos é uma escola inclusiva.
Queremos enfatizar, mais uma vez: o Comentário nº 4, a respeito da convenção da ONU, também versa sobre a escola de surdos, a educação de surdos. Há passagens específicas sobre isso. Em momento algum, nós estamos indo na contramão da convenção; pelo contrário, a existência de instituições de instrução de surdos em LIBRAS é essencial. Nesse sentido, Deputado Padilha, é importante que os surdos possam acessar o conhecimento pela língua de sinais para que haja o seu pleno desenvolvimento.
O projeto de lei contempla a diversidade territorial e os desafios de um país continental, uma vez que prevê a possibilidade de classes bilíngues; prevê, inclusive, a educação bilíngue em instituições, em escolas comuns também. Há uma série de possíveis configurações, polos de educação bilíngue.
Então, em relação a tudo isso, o projeto de lei é flexível o suficiente para permitir essa configuração em qualquer território. Essa é a nossa leitura.
Presidente, agradeço mais uma vez a oportunidade e vou lhe passar a palavra para dar sequência aos debatedores.
Muito obrigado.
Desejo a todos um bom dia!
Mais uma vez, enfatizamos que somos a favor do nosso Projeto de Lei nº 4.909.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Dr. Bruno.
Vou passar a palavra, pelo tempo de 3 minutos a 5 minutos, para a Profa. Regina.
Estou entendendo que tanto a Marisa quanto a Mariana vão querer falar no final mais uma vez.
Então, tem a palavra a Profa. Regina, seguindo a ordem inicial, pelo tempo de 3 minutos a 5 minutos.
11:52
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O SR. BRUNO CÉSAR DESCHAMPS MEIRINHO - Está desligado o microfone, professora.
A SRA. REGINA MARIA DE SOUZA - Bom, agora pode contar o tempo!
Em primeiro lugar, eu gostaria de esclarecer o seguinte: toda língua abrange tudo. A língua de sinais não é limitada. Língua é justamente isto: um conjunto limitado de caracteres, que é capaz de realizar infinitas sentenças.
Nós temos vinte ou pouco mais de caracteres na língua portuguesa, o alfabeto, por exemplo. Com o nosso alfabeto, nós construímos todas as palavras; então, esse argumento linguisticamente não se sustenta.
Em segundo lugar, eu também gostaria de dizer que me preocupou muito o que disse a Profa. Mantoan numa entrevista à revista Nova Escola. A Profa. Mantoan, que é do LEPED, onde também está a Meire, disse o seguinte: que é até bom os professores não saberem a língua de sinais, porque isso os obrigaria a entender o português. Isso está numa entrevista à Meire Cavalcante.
O que é inclusão para a Federação Mundial de Surdos? É o ensino em escola bilíngue inclusiva, entendendo-se inclusiva como um lugar de conforto, em que todos os estudantes estejam ali. As escolas para surdos devem ser inclusivas –– e agora eu estou falando em nome da federação –– para todos os alunos. Inclusiva significa verdadeiramente inclusiva para todos.
As crianças surdas com deficiências cognitivas e físicas, incluindo crianças surdas com espectro do autismo, crianças surdas com déficit de mobilidade, crianças surdo-cegas ou surdas de baixa visão, têm, todas elas, os mesmos direitos de acesso à escola bilíngue inclusiva.
A educação do surdo deve ir além de um modelo de educação especial. Os surdos não precisam do aparato da educação especial. O Brasil deve assegurar que todos os ambientes de aprendizagem para crianças surdas satisfaçam esse critério.
A Federação Mundial de Surdos apela para o Brasil que se comprometa plenamente com a sua obrigação de garantir uma educação bilíngue em língua de sinais; espaços congregados em que crianças surdas e outras crianças usuárias de línguas de sinais possam aprender convivendo umas com as outras; professores formados e qualificados, que sejam totalmente fluentes nas línguas do seu País, incluindo professor que seja surdo. Linguisticamente é impossível falar duas línguas ao mesmo tempo, é impossível sinalizar uma língua que tem estrutura gramatical e falar outra língua que tem outra estrutura gramatical. Isso não se faz em língua nenhuma.
E mais: que o Brasil se comprometa a garantir um espaço educacional completamente bilíngue, que seja inclusivo para crianças surdas e suas famílias desde o nascimento, proporcionando ambientes ideais para a aquisição da língua de sinais pelas crianças surdas.
Portanto, é isso que defende a Federação Mundial de Surdos. E isso não segrega ninguém.
Acho que a questão passa por outra questão, a do financiamento. Quanto vai custar a educação?
Vocês que estão aqui me ouvindo olhem o seu holerite e vejam o quanto vocês pagam de Imposto de Renda. Agora perguntem para mim o que o Governo faz com esse dinheiro do Imposto de Renda. Dá muito bem, sim, com os recursos que nós pagamos, com as taxas e os tributos que nós pagamos diariamente ao comprar qualquer coisa, para termos um financiamento digno para todos, e não apenas para as pessoas desse ou daquele segmento.
11:56
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Pensem no quanto vocês já pagam de Imposto de Renda. Olhem o seu holerite e vejam se a demanda dos surdos não é justa e que há, sim, dinheiro para financiá-la, só que nós não sabemos para onde ele vai.
É só isso.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Regina.
Seguindo a ordem, agora passo a palavra para a Profa. Sueli.
A SRA. SUELI DE FÁTIMA FERNANDES - Obrigada, Deputado Padilha.
Eu gostaria de iniciar minha fala agradecendo a grande mobilização da comunidade surda nacional, aguerrida em defesa desse PL, que tem nos acompanhado em todas as audiências e tem se posicionado favoravelmente à educação bilíngue de surdos na LDB, corroborando o lema Nada sobre nós, sem nós, nenhuma política e nenhuma decisão sem que sejamos partícipes e protagonistas dessas decisões.
Pois bem, também quero dizer que, desde a oficialização de LIBRAS, em 2002, com a regulamentação pelo decreto federal, todas as conquistas históricas da comunidade surda em defesa da educação bilíngue, tendo LIBRAS como primeira língua, sempre foram fruto dessas conquistas de lutas aguerridas. Foi assim na CONAE 2010 e na CONAE 2014, para fazer valer o direito da educação bilíngue no PNE, em escolas bilíngues, em classes bilíngues e também em escolas chamadas inclusivas.
Então, não se trata, como foi dito aqui, de um projeto de Governo, deste Governo. Trata-se de uma luta histórica e de décadas de mobilização e de organização da comunidade surda na FENEIS, como protagonista.
Também não é verdade, como tem sido reiterado, que o PL defende apenas as escolas exclusivas para surdos.
Mas isto, sim, é verdade, Deputado Padilha, Deputada Soraya e Deputada Rejane: reconhecemos que todos os espaços previstos nesse projeto de lei para a realização da escola bilíngue só serão inclusivos se se constituírem comunidades linguísticas em que a LIBRAS circule, não seja excluída, não seja minorizada, não seja reduzida a uma relação entre intérprete e criança surda ou jogada no contraturno em momentos, em algumas horas, no atendimento educacional especializado, como é e como tem sido praticada hoje nas escolas brasileiras. E estamos contribuindo para essa construção.
O meu percurso pessoal, como pesquisadora e gestora de políticas públicas no Paraná, que tem 399 Municípios, e não são todos que contam com escolas bilíngues, foi fazer valer a lógica de a escola bilíngue ser uma escola possível na realidade de todos os Municípios e em suas diferenças socioeconômicas e culturais.
Então, queremos reforçar a nossa posição de que o PL não se contrapõe às diferentes identidades surdas. A reabilitação oral e auditiva continuará a existir e está garantida na ampla legislação e políticas intersetoriais da área da saúde. Mas nós estamos tratando aqui de educação.
12:00
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Também não é verdade –– e queria chamar a atenção para isto –– esse discurso de que, aprovada a modalidade de educação bilíngue, será, como foi dito, aberta a porteira para escolas de outras deficiências.
Não, senhores e senhoras. O PL trata de uma modalidade linguística. Ele trata de uma política linguística para uma minoria linguística brasileira. Pessoas com deficiência visual, com deficiência física, com deficiência intelectual, entre outras, falam o português como língua materna e não precisarão de escolas específicas, porque a escola que aí está já é uma escola que ministra educação nas suas línguas maternas. Temos que parar com esse discurso de que educação em LIBRAS é uma educação que segrega. A nossa compreensão é que a educação em LIBRAS é educação inclusiva. A educação que segrega é a educação monolíngue em língua portuguesa.
Obviamente que, aprovada a modalidade de educação bilíngue, seguir-se-á um longo processo de elaboração de programas de ensino, de pesquisa, de formulação de programas de implementação nas diferentes realidades nacionais da escola bilíngue que defendemos, que não é essa que aí está, dita inclusiva. Vamos, sim, precisar de currículos específicos, incluindo conteúdos culturais, formações de profissionais bilíngues, assim como outras minorias, como grupos culturais que lutam por verem refletidas no currículo as suas referências culturais identitárias, como tem sido o movimento negro, como tem sido o movimento LGBTQIA+, como tem sido a educação indígena.
Para finalizar, eu gostaria de agradecer muito a pergunta que fala da abissal diferença de vocabulário entre a língua de sinais e a língua portuguesa. Isso porque ela expressa exatamente o histórico de genocídio e de exclusão linguística a que foram submetidas a LIBRAS e a comunidade surda nos últimos anos. Se a LIBRAS ainda não conta com um léxico ampliado, é porque ela foi excluída, marginalizada, proibida. As comunidades linguísticas foram impedidas de se desenvolver nos últimos anos.
Nós pesquisadores e professores da área, comprometidos com os direitos humanos e linguísticos dos surdos, estamos trabalhando nisso. Há um amplo e forte terreno de pesquisas que demonstram que a LIBRAS é uma língua completa e tem toda a potencialidade para se desenvolver culturalmente, como língua de cultura. Só não o fez porque sofreu o autoritarismo linguístico das políticas que a secundarizaram como língua de cultura nos últimos anos. E é isso que denunciamos.
Sou pesquisadora e professora do ensino de português como segunda língua. Digo que é apenas pelo bilinguismo que a língua portuguesa escrita, que é um direito de todos os cidadãos e cidadãs bilíngues, poderá ser apropriada por crianças surdas. A única possibilidade de se aprender o português como segunda língua é tendo uma referência, uma língua materna adquirida em idade correta, na infância, por meio da interação com pares sinalizantes, competentes linguisticamente nessa língua.
12:04
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Como professora de um curso de educação e de formação de professores em LIBRAS, eu sinto na pele diariamente a inviabilidade de que tenhamos espaços para a produção desse conhecimento da LIBRAS como primeira língua, pela contradição de uma política que impede a formação de escolas bilíngues para surdos. E nós temos convicção de que, a partir da aprovação do PL 4.909, passará a mudar a paisagem linguística do Brasil, dando o direito de liberdade de escolha aos surdos sinalizantes pela escola bilíngue, as escolas de referência cultural, que poderão ser espaços de apropriação do conhecimento e de comunidades linguísticas para o aprendizado da sua língua, o que lhes é de direito.
Então, eu agradeço muito a oportunidade de estar aqui e saúdo a todos os pesquisadores e pesquisadoras. Estamos aqui para dizer ''sim'' à inclusão, ''sim'' à inclusão pela via da possibilidade da educação bilíngue para surdos como uma modalidade linguística na LDB.
Eu agradeço a participação de todos.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Profa. Sueli.
Vou passar a palavra para a Profa. Eliane Ramos, que nos trouxe sua experiência da Secretaria Municipal de Educação de Amparo.
Profa. Eliane, a senhora dispõe de 3 minutos a 5 minutos também.
A SRA. ELIANE RAMOS - Obrigada.
Eu retomo minha fala colocando uma questão que é bem importante: as políticas de educação inclusiva no nosso País são recentes. Nós ainda não temos crianças e adolescentes que possam participar de debates como este porque elas ainda não se tornaram adultas. Mas eu espero que esse projeto de lei não as impeça de, num futuro bem próximo, estarem aqui debatendo e compartilhando as suas experiências que estão sendo construídas hoje conosco na nossa rede municipal de educação.
Para algumas perguntas que surgiram aqui eu tenho muitas respostas, mas o tempo não nos permite respondê-las. Então, eu coloco à disposição todo o conhecimento que temos construído nesses 15 anos. Está tudo registrado em teses de doutorados, em artigos científicos que tratam da questão do currículo, de como ele pode ser pensado na educação bilíngue, de maneira a contemplar, sem preconceitos linguísticos e com equidade linguística, as particularidades tanto da língua brasileira de sinais quanto da língua portuguesa. Nós temos diretrizes muito bem definidas e consistentes para tratar e para trabalhar com as questões da alfabetização e do letramento na língua portuguesa, na educação bilíngue, que não passa pelo ensino da língua portuguesa como segunda língua.
O Deputado Alexandre Padilha nos pediu que falássemos de alguns pontos deficitários desse projeto de lei. Um deles é que ele não se abre à discussão sobre diferentes tipos de bilinguismo. Nós estamos tratando apenas de um tipo de bilinguismo, como se só ele existisse. Mas, para quem estuda bilinguismos, nós sabemos que hoje se discute que a língua um ou uma primeira língua pode ser ''a'', ''b'', ''c'', ou seja, uma pessoa pode ter várias primeiras línguas.
12:08
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Então, eu acho interessante esse debate, porque ele fica muito frágil. Existe esta discussão: "Ah, mas as línguas orais..." Mas, na hora de defender o bilinguismo, esse projeto de lei defende um tipo de bilinguismo que se pauta nas línguas orais auditivas, e não um tipo de bilinguismo que considera uma língua oral auditiva e uma língua espaço-visual tátil. Então, existe uma fragilidade muito grande na discussão e na fundamentação que se dá do tipo de bilinguismo que se está defendendo.
E não há justificativa para esse tipo de bilinguismo que está contemplado nesse projeto de lei, para a retirada de uma das modalidades, de uma das línguas que compõem esse bilinguismo, que é a modalidade da linguagem oral da língua portuguesa. Trabalhar com a linguagem oral não significa oralizar nem forçar a oralização. Isso não pode ser distorcido, não pode ser tratado nesses termos. Não há justificativa para isso. Então, que bilinguismo é esse que fica capenga?
Quer dizer, eu tenho a LIBRAS, e tenho que ter. Sou uma defensora disso. Tem que haver equidade entre LIBRAS e língua portuguesa. Mas onde está a modalidade oral da língua portuguesa? E aí nós vamos identificando, nossos estudos têm demonstrado isso, que essa é uma das fragilidades que vai se compondo ao longo da formação desses alunos e que vai colocando esses alunos considerados com surdez em desvantagem no seu processo de alfabetização e de letramento. Isso porque lhes é retirada a oportunidade de produzir conhecimentos relacionados à linguagem oral. Então, essa é um das fragilidades.
Isso é muito importante. Digo isso porque como é que você tem consistência no conceito e numa concepção de bilinguismo, num projeto que pretende difundir pelo País todo uma política de educação bilíngue?
Outro (falha na transmissão).
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Eliane, você está sem som.
A SRA. ELIANE RAMOS - Que estranho! Desculpa!
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Você tem mais 2 minutinhos, porque ficou sem som.
A SRA. ELIANE RAMOS - Está bem.
Outro aspecto frágil desse projeto de lei é que o objeto dele é a educação bilíngue, mas o que ele propõe é a escola bilíngue.
Então, nós precisamos aprofundar o debate: qual é a diferença entre escola bilíngue e educação bilíngue? Isso é tema para um seminário. Nós poderíamos passar aqui um seminário todo discutindo tipos de bilinguismo e qual é a diferença entre escola bilíngue e educação bilíngue. Aí há outra fragilidade que não pode ser desconsiderada nesse projeto de lei.
Nós avançamos muito nos estudos e no conhecimento que nós temos a respeito da Língua Brasileira de Sinais, que é uma língua brasileira. Mas a língua portuguesa também é. Nós avançamos pouco nos estudos sobre bilinguismo. E não se pode aprovar um projeto de lei como este sem antes aprofundar conhecimentos relacionados aos tipos de bilinguismo, como fizemos no Município de Amparo.
No Município de Amparo, as crianças consideradas com surdez brincam, convivem, trocam suas experiências de vida com seus coleguinhas considerados ouvintes, considerados surdos, com seus professores, sinalizando, nas suas ruas, no seu bairro, na sua comunidade, no seu território. Elas não ficam jogadas num canto. Elas não apresentam defasagem na construção dos conhecimentos que estão previstos nos currículos das nossas escolas. Elas têm relações afetivas de amizade. E espero que elas possam crescer nesse ambiente inclusivo e efetivamente bilíngue, no qual elas se apropriam de fato das suas vidas.
12:12
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E nós temos diretrizes. Nós temos instrumentos que nos ajudam a acompanhar o processo de aquisição tanto da LIBRAS quanto da língua portuguesa por essas crianças. Nós temos mecanismos e diretrizes que utilizamos para acompanhar os processos de alfabetização e letramento dessas crianças na língua portuguesa. Elas não frequentam o AEE para fazer atividade de conteúdo curricular. Elas frequentam o AEE para construir junto com seus professores meios acessíveis de viver a experiência bilíngue efetivamente, de viver a experiência de saber entender que o mundo tem sons, que o pássaro canta, que o carro está nas ruas.
E é preciso que rompamos com essa ideia de que algumas pessoas vivem no silêncio. O que acontece é que muitas pessoas não têm a oportunidade de compreender os sons que elas escutam, e aí elas dizem que não escutam. E não é porque elas não escutam, é porque elas não aprenderam a compreender esses sons.
Então, esse projeto de lei para mim não tem conserto. É um projeto equivocado do começo ao fim. Ele tem inconsistências teóricas importantíssimas no campo do bilinguismo, no campo da alfabetização e do letramento, no campo da diferença entre escola e educação bilíngue. Ele fere princípios fundamentais inclusivos do nosso sistema educacional brasileiro. E, para a nossa rede e para muitas redes do Brasil, ele não acrescenta nada, mas pode atrapalhar muito. Ele pode atrapalhar não a nós, mas pode atrapalhar muito o desenvolvimento, a formação cidadã, acadêmica e de qualidade das nossas crianças. E é por elas que eu estou aqui, até que elas cresçam e não seja mais necessário eu estar aqui. E é por nossos professores e professoras que também estou aqui
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Eliane.
Eu queria reforçar mais uma vez a questão do tempo. Eu peço desculpas pelo tempo, que é curto. Nossos servidores da Comissão estão trabalhando a mais, e nós temos que liberar o plenário daqui a pouco para outra Comissão.
E eu queria reforçar tanto à Eliane quanto a todas e todos que nos encaminhem suas contribuições, seja por áudio, seja por apresentações, seja por textos. Fico à disposição. Vou colocar nosso contato no Zoom, para poder receber as contribuições que eventualmente queiram enviar. Será muito importante para a construção do nosso relatório todo o debate que está sendo feito. Certamente, acredito que também vai contribuir muito para o relatório da Deputada Soraya Santos, que é a Relatora no Plenário.
Vou passar a palavra agora para a Profa. Meire Cavalcante, que também é do LEPED da UNICAMP.
A SRA. MEIRE CAVALCANTE - Obrigada. Nessa minha fala final agradeço a oportunidade ao Deputado e também à Deputada Soraya.
Eu achei importantíssimo que o Dr. Bruno trouxe o seguinte aspecto para a pergunta do Deputado Alexandre, de como se resolve essa questão de cidades pequenas, que têm às vezes uma, duas crianças surdas, de idades distintas, num Município pequenininho, como é o caso da maioria dos Municípios deste País. E o Dr. Bruno disse: "O PL é flexível porque permite o trabalho na escola comum".
Mas o curioso, e repito, é que aqui os defensores do PL não tratam a escola comum com o mínimo de respeito, tampouco entendem a escola comum como um espaço de diálogo e de trabalho do bilinguismo. Eu só ouço o tempo todo: "A escola comum não serve. A escola comum não oferta nada adequado. A criança fica no canto. A escola comum é só intérprete. A escola comum é só erro, é contra tudo." Isso é um grande equívoco do que é a educação inclusiva.
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Da mesma forma que vocês dizem "Parem de dizer que o PL é segregacionista", eu digo: "Parem de achincalhar a escola comum e trabalhem para que ela de fato funcione, para que ela de fato ofereça uma educação digna e bilíngue". Se a escola comum, como o Dr. Bruno disse, é um espaço legítimo, de acordo com o PL, acho que está na hora de parar de falar tão mal da escola e trabalhar por ela.
Quando eu vejo as demandas que se apresentaram aqui sobre o que tem que ser feito, o que tem que ser ofertado no bilinguismo, eu não consigo ver discordância entre o que a Eliane disse e o que a Érika e nós, que somos contra o PL, estamos defendendo. Estamos defendendo os direitos linguísticos das pessoas surdas que sinalizam dentro da escola comum. A discussão não é ser contra ou a favor do bilinguismo. Então, parem de dizer que somos contra a educação bilíngue. Eu acho que isso precisa começar a ser esclarecido para quem nos ouve também.
Não se despreza o que os surdos viveram, mas os tempos são outros e é tempo da construção da escola para todos. Não existe mais espaço para retrocesso. O que nós precisamos fazer é pegar toda essa expertise, todo esse saber que está aqui dos outros debatedores, de outras oportunidades, para discutir a escola comum. Se ela é o espaço em que vai ser ofertada a educação bilíngue para a maioria das crianças da maior parte dos Municípios, por que não estamos discutindo escola para todos? Por que não estamos falando da escola inclusiva? Isso significa não perder mais tempo com guerras criadas por quem quer apartar.
Aqui eu me reservo o meu direito constitucional de dizer o que eu penso. Eu não vou parar de dizer que essa proposta é segregacionista, que todos esses saberes dos especialistas que estudam LIBRAS e o bilinguismo estejam na escola comum. Somemos esforços para termos na escola a LIBRAS como língua de instrução, o direito linguístico da pessoa garantido na escola comum, a língua portuguesa como segunda língua, a pedagogia visual, a acessibilidade sonora, o acesso ao currículo sem adaptações, o AEE em LIBRAS, o Sistema FM na escola, a interlocução com a área da saúde, a acessibilidade a surdos oralizados, os usuários de implante coclear e aparelhos auditivos, um ambiente linguístico bilíngue de fato, a LIBRAS como um patrimônio do povo brasileiro.
Não adianta excluir desde a mais tenra idade e depois querer que a inclusão, na vida adulta, aconteça sem percalços, sem nenhum problema. Isso não faz sentido.
Eu concordo com a última palestrante. Chega de privação linguística! Chega de ter direitos linguísticos oprimidos! Não estamos mais falando disso. Eu acho que está na hora de nós colocarmos os pingos nos is. Nós estamos falando de educação bilíngue como um direito humano, de se ter a identidade e a cultura garantidas no ambiente educacional, só que na escola para todos. Isso é absolutamente possível. Não entendo por que não estamos debatendo isso profundamente.
Repito: se esse PL diz que a escola comum pode ofertar ensino bilíngue, por que quem defende esse PL só fala mal da escola comum? Não vi aqui a apresentação, por parte dos que defendem o PL, de experiências exitosas na escola comum. Isso porque ela não é objeto de estudo nem de preocupação. Mas estão dizendo que pode ser, sim, pelo PL, ofertado pela escola comum. Então, como fica? Não responde, portanto, a pergunta do nobre Deputado de como vai fazer quando existir uma criança surda no Município. Se a escola comum pode fazer o ensino bilíngue, pode ofertar esse ensino com qualidade. Por que pensar em outros ambientes, em outros espaços nas grandes Capitais, nas cidades mais adensadas?
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Nós defendemos que são, sim, necessárias mudanças nesse projeto de lei. No Senado, eu gostaria de deixar bem claro que só houve debate por pressão. Quando nós soubemos que haveria uma votação, o projeto já estava para ser encaminhado. Nós conseguimos pressionar os Senadores para que não o votassem de uma hora para outra. Não entendo por que entrou na pauta em tramitação de urgência nesta Casa, se ainda precisamos debater muito, discutir muito vários aspectos: o aspecto legal, o aspecto linguístico, o aspecto teórico e filosófico também da escola. É preciso pensar principalmente se nós estamos aqui para desenvolver o sistema educacional inclusivo ou para simplesmente dizer que parte dele não funciona. Então, eu digo que não funciona e aí vou criando novos arranjos.
Eu reitero: este projeto de lei altera a LDB. Apesar de se dizer que ele não vai abrir uma porteira para que outras propostas sejam feitas, não adianta, pois o movimento político é esse e é assim que a banda vai tocar. Nós vamos ter, sim, projetos outros em relação a outros grupos, que vão dizer: "A nossa especificidade não é linguística, é comunicacional. Precisamos disso, precisamos daquilo". E assim, nós vamos ter a corrosão, sim, da educação inclusiva como um marco civilizatório e constitucional do nosso País.
Por fim, eu gostaria de dizer que a entrevista à qual a Profa. Regina se referiu foi dada há 16 anos, professora –– 16 anos! E aí eu queria de dizer o seguinte: a Profa. Maria Teresa não está presente. Não estou aqui para falar por ela, mas estou aqui como uma pessoa que pesquisa no LEPED junto com a Profa. Eliane. Ao longo desse tempo, estamos aqui, nós do LEPED, em defesa do ensino bilíngue de qualidade, garantindo-se as especificidades linguísticas das pessoas. Se, em 16 anos, nós não tivéssemos produzido nada, tudo bem, até faria sentido sua colocação. Entretanto, eu só deixo aqui um desagravo, porque não faz o menor sentido citar algo que a própria professora não defende e não fala mais, está bem?
Muito obrigada a todas e a todos que nos acompanharam até aqui. Se houver algum problema com o fato de a entrevista estar no ar, nós temos, então, que mudar a legislação e voltar à censura. Trata-se de uma entrevista de um meio de comunicação.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado, Profa. Meire.
Vou passar a palavra agora para a Dra. Érika.
A SRA. ÉRIKA PISANESCHI - Deputado Alexandre, obrigada pelo "doutora", mas não precisa usar este atributo. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Só temos doutores e doutoras aqui.
A SRA. ÉRIKA PISANESCHI - O.k., Dr. Alexandre.
Primeiro, eu quero, mais uma vez, dizer da minha felicidade de ouvir tanto do Deputado Alexandre Padilha como da Deputada Rejane Dias o quanto tem sido produtivo esse diálogo com os especialistas e com os movimentos que vimos tendo nestes seminários, nestas oportunidades de as pessoas colocarem suas posições diversas, seus pontos de vista diferentes.
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Se vocês estão aprendendo, devo dizer que eu também estou. Imagino que os meus colegas que estão aqui também são contra o PL. E por que aprendemos? Porque ouvimos o argumento do lado de lá. Não é que seja uma novidade; às vezes, é conhecido. Mas isso nos faz de novo refletir. Eu paro e penso: "Opa! Vamos lá: aquilo que você está colocando é isso mesmo?" Cada vez mais eu me convenço de que este PL de fato não colabora para aquilo que definimos há 15 anos ou para a direção que as pessoas com deficiência no País queriam quando trabalharam o texto da convenção, aprovaram o texto dela internamente, defenderam isso na ONU, defenderam que ela fosse internalizada pelo nosso Legislativo como emenda à Constituição. Esse PL não ajuda nessa direção inclusiva.
Deputada Rejane, Deputado Alexandre Padilha, eu sei que essa proposição não basta. Eu acho que é ao longo destes seminários que nós podemos nos aprofundar e deixar cada vez mais claro que o PL se fundamenta em algo que é contra a inclusão. Como disse a Profa. Mônica Santos, ali é apagada a perspectiva inclusiva. Como isso existe de base, sinceramente, Deputado, acho que é difícil de sanar. Eu acho que podemos analisar o PL, tentar propor algo que possa mitigar algum dano, mas, se não mudarmos a base dele, para que haja a garantia da perspectiva inclusiva, ele não terá conserto, como disse a Eliane. Eu fecho com ela.
Quero dizer para o Arlindo que eu já o ouvi em três momentos e que me preocupa um pouco essa ideia de que, apenas mudando algum parágrafo, incluindo ali os surdos oralizados, nós vamos atender as necessidades também daqueles surdos que são oralizados ou que querem ser bilíngues ou que são bilíngues, porque, de fato, nós estaremos, de novo, trabalhando na lógica de que esses espaços são exclusivos para surdos. Os surdos oralizados, mesmo que estejam nesses ambientes educacionais, estão em ambientes separados.
Deputado Alexandre Padilha, eu perdi a segunda pergunta. Infelizmente ela sumiu aqui do ar. Mas eu vi que você falou um pouco sobre os recursos necessários, o diálogo com a educação e a saúde, a forma como podemos avançar nisso, principalmente pensando nesses surdos oralizados. Em tão pouco tempo, o Brasil assume uma política pública, dá a essas pessoas acesso a implante coclear, aparelhos auditivos. Eu acho que temos muito por fazer, sim, mas nesse diálogo com a educação.
Acho que foi por sugestão do Ministério da Saúde que, em 2012, nós trabalhamos um projeto, numa parceria entre a universidade, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, para disponibilizarmos o recurso FM pelo SUS, para que isso fosse usado nas escolas. Isso foi um ganho enorme. Isso aconteceu em 2012. E como está hoje? Quais são os recursos necessários? O que podemos incorporar na tabela do SUS? O que nós podemos, em diálogo com a educação, promover de formação dos profissionais da saúde e da educação para que, de fato, as necessidades educacionais e de acessibilidade ao conhecimento e aos conteúdos que são dados na escola atendam também a esses surdos? Não se trata só de LIBRAS. LIBRAS tem que ser utilizada, sim, mas há também a questão dos surdos oralizados. Eu acho que há muito por fazer, começando por ouvir e debater mais, porque eu não acredito que devemos escutar só os especialistas. Junto com ANASO e com a FENEIS, nós podemos trabalhar, por meio desse encontro do conhecimento técnico, da demanda social e da legislação, aquilo em que podemos avançar na política pública.
12:28
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Eu quero agradecer muito à Eliane. Eu tenho vontade de ir para Amparo. Eu acho fundamental que os Deputados visitem escolas que querem melhorar, Municípios e gestores municipais...
(Desligamento automático do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Ficou sem o som. Conclua sua fala, Érika.
A SRA. ÉRIKA PISANESCHI - Eu acho que, com 15 anos de experiência de implementação de uma política, é prematuro que o Legislativo, no momento que nós estamos vivendo, com o País um tanto conturbado... Se formos tratar das necessidades da educação, inclusive da educação das pessoas com deficiência, quantas urgências nós teremos para além dessa alteração? Eu acho absolutamente prematuro, acho absolutamente inadequado propormos uma mudança dessa magnitude sem que nós nos debrucemos sobre aquilo que aconteceu ao longo desses 15 anos e, como a Eliane disse, sobre a questão daqueles que querem também defender o bilinguismo na escola comum.
Eu acho que estes seminários foram uma pitadinha do que existe no País e da potência que temos para novos debates, para novas formulações, para novas proposições, inclusive de outros PLs.
Ninguém está dizendo que está resolvida a questão do bilinguismo na escola comum. Precisamos desses pesquisadores que se debruçam sobre o bilinguismo da LIBRAS. E nós pedimos a eles que também se abram para essas novas experiências que aconteceram no Brasil, porque é só no Brasil que temos a Língua Brasileira de Sinais em encontro com a língua portuguesa. Então, existe uma especificidade também que é do nosso País.
E nós precisamos nos debruçar sobre o que está acontecendo há 15 anos nos sistemas educacionais inclusivos, porque, para mim, não há retorno a isso. Eu espero que o STF siga nessa linha e nessa direção. Nós não podemos dar passos para trás; temos que melhorar.
Então, o que eu teria a dizer seria isso, Deputado. Eu acho que o tempo é curto. Nós temos vontade de debater muito mais.
Eu agradeço muito ao Deputado Alexandre Padilha e à Deputada Rejane Dias e faço um apelo à Deputada Soraya e a vocês para que continuemos no movimento de debate, de aprofundamento. Eu imagino vocês, como Deputados, tendo que entender de tantos temas e de tantas matérias. Eu acho que pode ser muito rico irmos afinando, depurando e chegando, sim, a proposições, não sei se para alterar este PL, mas talvez proposições que possam atender e conciliar todas essas demandas e essas posições.
Obrigada, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Sra. Érika.
Passo a palavra agora para o Dr. Arlindo Nobre.
O SR. ARLINDO NOBRE - Obrigado, Exmo. Deputado — e doutor — Alexandre Padilha.
12:32
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Nas minhas considerações finais, primeiramente, gostaria de pedir desculpas por não ter feito a minha descrição para os nossos colegas deficientes visuais. Eu sou um homem negro, estou vestindo um terno azul-marinho, camisa branca, gravata azul e possuo cabelos brancos.
Sobre a fala do Dr. Bruno, advogado da FENEIS, eu gostaria de esclarecer que a FENEIS não representa os surdos oralizados. A FENEIS representa apenas — apenas! — seus associados ou as associações a ela ligadas, e representa os surdos sinalizantes. Então, não se pode dizer que a ANASO concordou com este projeto que veio do Senado e que pediu uma modificação e que essa modificação foi feita da forma como a ANASO pediu, porque não foi isso o que aconteceu.
Esse projeto veio do Senado de forma relâmpago. Ele não foi devidamente debatido, não houve audiência pública. A ANASO não foi convidada a participar de nenhuma audiência pública no Senado, na qual pudesse expor a sua visão sobre o direito dos seus associados, que são os surdos oralizados. A ANASO não recebeu esse convite.
Quando nós descobrimos esse projeto, ele estava na iminência de ser aprovado da forma como estava. Graças a Deus, conseguimos que a Deputada Dra. Soraya Manato enviasse uma proposição para que, pelo menos, o termo "sinalizante" fosse colocado no projeto, para que o homem médio pudesse entender que a modalidade de escola bilíngue para surdos, no plural, do jeito como estão falando, não é para todos os tipos de surdos. Ela é uma escola bilíngue numa modalidade apenas para surdos sinalizantes que escolham que é isso o que eles querem aprender. E isso é direito deles.
Nós da ANASO não lutamos contra esse direito. É isso o que a ANASO deixa claro neste momento. A ANASO luta para que, nesse PL, se ele for aprovado, a diferença entre os surdos seja esclarecida de forma expressa, não de uma forma mais ou menos, porque o homem médio não vai conseguir entender. E o homem médio precisa entender que a modalidade de escola bilíngue de surdos não é para todos os tipos de surdos, é apenas para os surdos sinalizantes que decidam, por si mesmos ou por seus representantes legais, que é isso o que eles querem.
Pelos nossos bebês que nasceram surdos, após as orientações, após o Teste do Pezinho, os pais, que são seus responsáveis, deverão decidir qual o caminho que querem para esse bebê, que pode ser o caminho da oralização na escola regular — não que ele aprenda a falar, mas que ele aprenda a língua portuguesa em primeiro lugar. E, depois, se tiver necessidade, se ele quiser, se ele escolher, que ele aprenda a língua de sinais, se essa for a escolha dele ou dos seus representantes legais. É isso o que ANASO defende.
A ANASO não é contra o direito dos surdos sinalizantes e nunca foi! A ANASO entende que o surdo sinalizante tem o direto a ter LIBRAS como forma de acessibilidade na escola. E isso já é garantido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Já existe previsão de acessibilidade em LIBRAS e professores em LIBRAS, mas dentro da escola regular — dentro da escola regular! A escola inclusiva está dentro da escola regular, da escola comum. Não pode haver segregação em uma escola especial, apartada, porque, dessa forma, não será a escola inclusiva de que trata a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
12:36
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A Convenção fala sobre escola inclusiva, em que todos possam ter acessibilidade, de acordo com as suas necessidades específicas. Então é nesse ponto que o projeto precisa mudar. O projeto precisa ter expresso que a modalidade de ensino bilíngue de surdos é para os surdos sinalizantes que escolham essa modalidade de ensino. E que o surdo oralizado, aquele que, por seus pais ou por si mesmo escolha o caminho da oralização em língua portuguesa, tenha esse direito também respeitado, a fim de que chegue à escola regular e ali o pessoal (falha na transmissão).
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Arlindo, espere um pouquinho, porque o seu microfone se fechou.
Peço que reabram o microfone do Arlindo. (Pausa.)
Arlindo, não ouvimos o finalzinho da sua fala.
Muito obrigado, Arlindo.
Passo a palavra agora para a Profa. Mônica Pereira.
O SR. ARLINDO NOBRE - Obrigado, doutor. O microfone estava desativado.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Ele se desligou apenas no finalzinho da sua fala, Arlindo. Muito obrigado.
Passo a palavra para a Profa. Mônica Pereira.
A SRA. MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS - Bem, pessoal, como disse uma de nós aqui, realmente, essa é uma luta aguerrida, com falas aguerridas de espíritos guerreiros em ação. Eu só lamento muito pela fala desqualificadora de alguns colegas em relação a outros. Eu acho que podemos ter um espírito aguerrido sem guerra, um espírito aguerrido no sentido do diálogo, do debate, mas não do embate nem do combate. O que precisamos combater juntos é a exclusão. Então, eu peço que acalmemos um pouco os ânimos, porque isso é importante para o diálogo.
Volto a lembrar que nós estamos falando aqui, acima de tudo, de inclusão. E é isso que está ficando esquecido, mais uma vez.
Eu quero resgatar um pouquinho a fala do Bruno, quando ele trouxe a questão do lugar de fala, citando o “nada sobre nós sem nós“. É verdade, Bruno. Mas eu também aprendi com o movimento social das pessoas com deficiência na Inglaterra, onde eu morei por alguns anos, e é um dos movimentos pioneiros em termos de mundo, que há outros personagens importantíssimos nessa luta das pessoas com deficiência: os aliados.
O meu lugar de fala é o lugar de uma aliada. E sou uma aliada nessa luta desde que me entendo por gente. Então, eu tenho um lugar de fala, sim. Embora eu não seja parte do todo que compreende os surdos, eu sou parte de um todo maior, no qual os surdos se encontra também. Por isso, eu defendo sim o bilinguismo, mas não dentro de uma escola bilíngue só para surdos. Acho que a distinção é uma falha desse projeto de lei. De fato, ele fala sobre educação bilíngue, mas defende uma escola separada para surdos. Assim, nós estaremos criando nichos de gente, e isso é frontalmente contrário ao princípio da inclusão! É contrário!
12:40
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Para vocês terem uma ideia, na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, não há sequer a palavra ou expressão “escola bilíngue“. Procurem lá. Já fiz várias buscas aqui. Então, se é para ter, ótimo. Mas por que só para surdo, se pode acontecer, como a Eliane provou, em uma escola para todos? Como é que eu vou aprender LIBRAS em uma escola de surdos se não sou surda?
A Regina também mencionou uma definição da WFD sobre inclusão que eu desconheço. Está no site, aqui, e agora eu vou ler para você de novo: “Sociedade inclusiva e acessível é um dos princípios norteadores da WFD“. E ela diz que considera que a nenhum surdo deva ser negada a educação de qualidade em língua de sinais e que os pais e provedores de educação devem ser informados sobre a importância da educação bilíngue. A WFD trabalha por uma sociedade acessível e sem barreiras de comunicação, na qual serviços e informações estejam disponíveis em língua de sinais. Isso é inclusão, gente! É para todos, em lugares de todos.
Quanto à questão do financiamento, é verdade que isso esbarra no financiamento, sim. Nós já pagamos, sim, e já pagamos muito. E esse é mais um motivo para que se pegue esse dinheiro e se aprimore a escola de todos, e não para que se amplie a quantidade de escolas de poucos. Essa é a grande questão.
Esse projeto vai contra o princípio maior de inclusão, que é, como eu expliquei, um dos princípios que fundamenta a paz no mundo, a convivência entre vidas dignas de várias espécies e, principalmente, intraespécie, na espécie humana. Para isso, gente, é preciso diálogo, é preciso, de fato, que todos nós baixemos as nossas armas e, em vez de tomarmos as coisas num plano pessoal, entendamos que estamos aqui como aliados. Uma coisa em comum nos une, que é a luta contra as exclusões e pela inclusão. Para isso, uma coisa está muito clara. Se algo ficou claríssimo hoje, é o seguinte: nós precisamos discutir mais, dialogar mais, com guardas baixadas, de corações abertos, para partirmos para mais...
Olha, Deputado, sinceramente, uma rodada só de discussões não será suficiente. Eu imploro aos senhores que abram espaço para o debate. V.Exas. estão fazendo um papel lindo. É isto que queremos: abram espaço para mais debates, por favor. Não aprovem esse projeto agora, nem depois. Deixem-nos provar que ele não é necessário.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Mônica.
Quero só reforçar a todas e a todos quais são os contatos com a Secretaria da Comissão. Eu também coloquei o meu contato direto na sala do Zoom. E posso dizer qual é o contato aqui também publicamente. O número do WhatsApp é 011-97581-4398. Eu o coloquei na sala do Zoom também, para ficar à disposição para envio de mensagens, documentos, resoluções e pareceres.
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Passo a palavra agora para a Marisa Dias.
O SR. ARLINDO NOBRE - Excelência, poderia repetir o telefone, por favor? Eu não consegui ouvir.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - O número é 011-97581-4398. Esse é o número do WhatsApp do nosso mandato. Eu digitei também no bate-papo da sala do Zoom. E podem enviar mensagens também para o mesmo contato que enviou o link desta reunião. Esse é o contato da Secretaria da Comissão, que, ao receber as mensagens, certamente, vai fazer chegar até nós.
Passo a palavra agora para Marisa Dias Lima.
A SRA. MARISA DIAS LIMA - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Vou voltar a sintetizar minha fala, neste tempo que eu tenho, e quero começar dizendo que é inadmissível a colonização, por parte de alguns, dos nossos pensamentos, das nossas escolhas, dos nossos discursos, desrespeitando o lema da Convenção.
Eu não me canso de repetir: nada sobre nós, sem nós, surdos. Isso está na Convenção da ONU. São os atores surdos que defendem esse posicionamento em seu lugar de fala. Parem de querer colonizar os surdos.
Concluo dizendo que a luta da comunidade surda não é uma ilusão, um idealismo, com propostas inimagináveis, não. É a realidade que nós vivenciamos no cotidiano, todos os dias, como pesquisadora acadêmica, com pesquisas comprovadas, com experiência no exercício docente na sala de aula com alunos surdos, na sala de aula da educação básica. É o posicionamento que mostra a realidade das pessoas surdas que estão juntamente com os surdos. Há pessoas que querem falar sem nunca terem estado juntamente com os surdos. Eu vejo isso. Há crianças que pedem, chorando, tristes, para sair daquele espaço. Não podemos deixar isso continuar acontecendo. Essa é uma súplica das crianças surdas, que, muitas vezes, são tristes, apagadas, porque lhes é tirado o direito a uma educação bilíngue que promova a valorização, a interação, a comunicação. Eu não quero que essas crianças surdas continuem assim.
Eu peço desculpas a vocês que pensam de forma diferente e que estão contra o PL. Eu discordo determinantemente de vocês, porque esse ponto de vista de vocês, para mim, é um retrocesso. Esse ponto de vista (ininteligível) é um retrocesso porque não aceita a mudança que é preciso acontecer na educação. A maioria de vocês não tem pesquisas nessa área. Eu pesquisei o currículo de vocês. Eu vi que vocês têm muitas pesquisas, mas não são pesquisas na área dos surdos. O posicionamento de vocês não pode ser valorizado como o nosso ou estar acima do nosso, uma vez que nós vivenciamos o problema e temos pesquisas com diferentes opiniões.
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Nós acreditamos realmente que, nestas audiências, nós temos que ter muitas visões, visões diferenciadas sobre o assunto, mas de pessoas que estão na área da surdez, fazendo pesquisas na área da surdez, e não de pessoas que estão fazendo pesquisas sobre outras pessoas deficientes, cuja deficiência não diz respeito à nossa perspectiva. Eu respeito essa participação, mas discordo dela.
Eu quero explicar o seguinte: alguns diferentes conceitos são importantes para nós entendermos, por exemplo, o que foi falado aqui sobre escola bilíngue, classe bilíngue, polo bilíngue. Esse é o espaço da educação bilíngue, e nós temos que discutir além desse espaço, porque nós precisamos garantir o posicionamento de uma educação bilíngue no sistema, com currículo específico, conteúdo específico e formação de profissionais, esses três pontos principais de que eu já falei.
A educação bilíngue não significa só ofertar espaços como escola bilíngue, classe bilíngue, educação bilíngue. Há também outras questões sobre o que eu já citei aqui. A escola bilíngue vai ser algo discutido nas diretrizes, mas em outro momento. Nós estamos tratando agora no PL é de educação bilíngue.
Outro conceito que precisa ser discutido é o de educação inclusiva. A Declaração de Salamanca diz que é preciso ensino de qualidade, acesso ao conhecimento, permanência do surdo na escola, e questão linguística e cultural precisa estar dentro dessa escola inclusiva. Na PNEE — Política Nacional de Educação Especial, a perspectiva da educação inclusiva tem outro conceito, e não é o conceito que nós defendemos. Então, nós estamos falando de educação bilíngue dos surdos como uma educação inclusiva, sim. Então nós precisamos mudar, nós temos o desejo de mudar, nós vamos ser resilientes nessa mudança, temos de ser resistentes nessa luta por uma educação de qualidade para as crianças surdas. A educação bilíngue que nós defendemos é parte de uma inclusão escolar efetiva, como determina a Constituição Federal. E só não enxerga isso quem não quer.
(Desligamento automático do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Sra. Marisa, aqui o tempo é de 5 minutos. Solicito ao pessoal da Comissão que reabra o microfone, para a Sra. Marisa concluir a sua fala.
A SRA. MARISA DIAS LIMA - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Obrigada. Usarei só mais um minutinho, está bem?
Nós, da comunidade surda nos propomos a, junto com a FENEIS, quebrar resistência por parte de alguns no que tange à educação dos surdos e para os surdos, seguindo essa jornada com sensatez, tendo o respaldo da ciência, de modo firme, sem ilusão. Mesmo porque não existe só uma ideia proposta. Existem propostas diferenciadas, com diferentes chegadas. Mas há novas saídas, e há saídas para a política da educação dos surdos. É preciso política linguística na educação dos surdos e para os surdos.
Para finalizar, eu peço a todos os Deputados que votem a favor do PL 4.909 como modalidade de ensino que está em linha com a Federação Mundial de Surdos, a WFD.
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Recentemente, no dia 29 de junho, a WFD lançou uma carta aberta, que pode ser lida no site da FENEIS. Lá há uma carta da WFD que mostra o apoio ao movimento. E ela explica claramente que a inclusão tem conceitos diferenciados para a WFD. Isso significa ter o conforto linguístico para a educação de surdos, com ensino de qualidade, principalmente. Essas são coisas que vocês não querem enxergar. Então, peço por favor que pensem nisso. Essa é outra visão de inclusão, é outra perspectiva da inclusão escolar. Há várias perspectivas. Então, vejam que a nossa perspectiva também é uma perspectiva inclusiva. A educação bilíngue de surdos é inclusiva, sim. Refiro-me a uma educação escolar inclusiva, equitativa, com ensino de qualidade para os surdos.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Marisa.
Passo agora a palavra à Profa. Mariana Campos.
A SRA. MARIANA DE LIMA ISAAC LEANDRO CAMPOS - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Ouvimos o debate, que foi muito interessante, maravilhoso. E eu queria complementar minha participação, neste fechamento do debate.
A Profa. Marisa explicou a diferença da inclusão escolar, do modelo inclusivo. O objetivo do PL é garantir os direitos linguísticos dos surdos. E esses direitos linguísticos se concretizam em espaços em que a língua de sinais, que é a língua de conforto das pessoas surdas, possa ser aprendida para ser sejam utilizada com fluência na interação com seus pares, e não necessariamente com intérpretes o tempo inteiro. A criança não pode ficar sozinha. Ela precisa ter a convergência do jeito do professor de ensinar com o seu jeito de aprender. Isso precisa ser fluido e precisa acontecer naturalmente. Por isso, eu concordo com o que a Profa. Marisa diz e com o posicionamento que tem, mostrando o lugar de fala das pessoas surdas para as crianças surdas, que estão tendo limitações.
Imaginem se vocês fossem surdos, estivessem numa sala de aula e não ouvissem. Coloquem-se no nosso lugar, por favor. Eu cresci numa sala de aula sozinha. Tive muita dificuldade para interagir com os outros. Eu não conseguia interagir. Eu tive a sorte de meus pais conseguirem pagar atendimento fora e educação bilíngue para mim. Eu consegui adquirir a língua de sinais. Sou proficiente em língua de sinais, senão eu não estaria aqui hoje. Eu tenho que agradecer muito a eles. Por isso defendo uma educação pública, gratuita e de qualidade para os surdos, só isso.
Não podem nos privar do nosso direito linguístico. Já esperamos muito. Agora é o momento de resolver isso. Quero agradecer a todos vocês que respeitam o nosso posicionamento. Já existem várias lei que garantem a educação bilíngue. Não é só a escola bilíngue, mas o sistema linguístico que precisa ser garantido para que seja incluído como está no PL, como está na Convenção da ONU, como está na declaração dos direitos linguísticos das pessoas. Isso não tem nada a ver com essa discussão de deficiência, de segregação, uma discussão que quer tratar do que está certo ou do que está errado. Não é isso.
Essa é uma questão pesquisada há anos, com provas da importância da educação bilíngue de surdos, da escola bilíngue como espaço bilíngue, das salas de aulas bilíngues também como espaços da educação.
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Nós temos de ter, em todos os Estados e Municípios, essa garantia da escola pública para todas as crianças. As secretarias de educação precisam escolher e garantir esses espaços. Em São Paulo, nós temos três professoras pesquisadoras que trabalham com a educação bilíngue de surdos em projetos maravilhosos. E não é só em São Paulo. Nós temos isso também em Campinas, São Carlos, Americana. Nós sabemos que nessas cidades nós temos. Mas em várias regiões do País não há esse acesso linguístico garantido como está na lei ou como precisa melhorar na lei. É a mesma coisa. Vai para a escola, aprende só com o intérprete. Ponham-se em nosso lugar. Você fica olhando o intérprete o dia inteiro. Não é confortável esse contexto.
Para complementar, em outro momento de aprendizado, é muito pouco o que nós adquirimos no contraturno. Às vezes, 20 horas se passam para depois a pessoa voltar para aprender português, e ainda não saber português. O surdo é visual. É por isso que é importante um atendimento linguístico adequado e precoce que vá dar realmente o conhecimento e a fluência para as crianças, para os estudantes. Vamos parar de mexer com os corpos surdos. Nós não somos objetos de pesquisa de vocês. Nós somos sujeitos históricos. Estamos lutando para enraizar essa garantia da educação com a língua de sinais.
Vocês querem permitir que nós continuemos com prejuízos nos nossos espaços, na educação, na área da saúde, na área jurídica, no trabalho. Nós não temos base linguística. Isso é serio! Por favor! É hora de mudar isso! A educação bilíngue no Brasil precisa ser alterada. Ficam experimentando, experimentando, experimentando. Como eu disse, não podemos permitir que sejamos cobaias. Por favor, tenham empatia por nós. Nós sabemos do nosso lugar de fala. Nós sabemos dos nossos problemas de comunicação.
Nós precisamos de equidade. Já cansamos de estar atrasados, de termos sempre menos, de perdermos. Nós tivemos muito prejuízo. Esse é um direito humano nosso. Nós não somos objeto das pessoas. Avaliem isso...
(Desligamento automático do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Aguarde apenas um pouco, Mariana. Como se encerrou o tempo, o microfone foi desligado.
A SRA. MARIANA DE LIMA ISAAC LEANDRO CAMPOS - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - O.k. Vou finalizar.
A minha mãe é médica. Ela é otorrinolaringologista. Ela fez doutorado, comparando escolas de surdos oralizados que não tinham implante e que não tinham língua de sinais com escolas de surdos oralizados implantados que tinham língua de sinais. E o que ela encontrou como resultado é que as crianças oralizadas fluentes em LIBRAS se saíam melhor no ensino.
E o que o PL está pedindo é essa oportunidade. Na área da saúde também já há pesquisas nessa área. Nós não podemos deixar que esse prejuízo aconteça. O outro grupo, o de surdos oralizados, já tem suas garantias. Vocês mostraram os diferentes tons de azul que acontecem. Nós somos um desses tons, o tom de azul que usa LIBRAS. Então, pais e mães precisam ter consciência desse espaço.
13:00
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Tenham empatia com os nossos espaços. Parem de oprimir a nossa língua, o nosso direito. Estamos no século XXI. É hora de mudar. Escutem a comunidade surda para saber o que nós queremos.
As crianças surdas agradecem pelo incentivo e pela língua de sinais, que é visual e é tudo de que precisamos.
Votem a favor do PL 4.909/20, sim!
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Profa. Mariana Campos.
Quero agradecer a todas e a todos os que participaram desta reunião junto conosco e aos Parlamentares presentes. Mais uma vez, esta foi uma reunião de muito aprendizado para todos nós e de um debate intenso entre nós. Certamente, na condição de Relator na Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, para mim foi muito importante mais esta reunião. E, para a Deputada Soraya Santos, que é a Relatora no Plenário, certamente o debate e as contribuições também serão de grande valia.
Queria agradecer a todos a presença. Quero reforçar mais uma vez que deixamos o contato tanto da Comissão quanto do meu gabinete, para que possam enviar qualquer manifestação por escrito, por áudio, caso queiram conversar ainda mais sobre este tema. Estamos à disposição para receber as contribuições, que serão muito importantes para a elaboração do nosso relatório.
Vou, então, encaminhar o encerramento.
Agradeço às senhoras e aos senhores palestrantes, a todos, a todas e a todes, bem como aos intérpretes e às intérpretes de LIBRAS, aos técnicos da COAUD, da DITEC, da TV Câmara e da Coordenação de Acessibilidade desta Câmara dos Deputados. Deixo um agradecimento especial aos servidores públicos que compõem a Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Agradeço a todos os envolvidos nesta audiência. Agradeço também a presença a todos os que acompanharam o evento e aos que enviaram perguntas.
Antes de encerrar, convido todos para reunião deliberativa da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência a ser realizada amanhã, terça-feira, dia 13 de julho, às 13 horas, conforme pauta publicada.
Grande abraço.
Declaro encerrada esta reunião.
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