3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Ordinária (virtual))
Em 16 de Julho de 2021 (Sexta-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
10:03
RF
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias destinada a tratar das recomendações recebidas pelo Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal sobre direitos das pessoas com deficiência.
O evento é consequência da aprovação do Requerimento nº 14, de autoria do Presidente desta Comissão, o Deputado Carlos Veras, subscrito por mim e pelos Deputados Bira do Pindaré, Frei Anastacio Ribeiro, Joenia Wapichana, Padre João, Sâmia Bomfim e Sóstenes Cavalcante.
Trata-se da 10ª Audiência Pública do Observatório da Revisão Periódica Universal, sediado nesta Comissão, fruto de parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Alegra-me muito ver esse observatório funcionando a pleno vapor, uma conquista histórica e importante para a Câmara dos Deputados, especialmente para esta Comissão, numa parceria inédita com a ONU.
Vocês, com certeza, estão contribuindo com o debate.
A RPU é uma avaliação mútua entre os países que compõem as Nações Unidas quanto à situação dos direitos humanos. A metodologia detalhada da RPU e mais informações podem ser encontradas no portal da Câmara dos Deputados, no endereço www.camara.leg.br — Observatório RPU.
As recomendações que abordaremos nesta audiência abrangem temas como esforços para prover a assistência necessária a grupos vulneráveis, particularmente pessoas com deficiências, esforços para consolidar seus direitos, combate a discriminações, apoio à participação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, entre outros.
Agradeço à consultora Symone Bonfim, que elaborou o relatório preliminar que será debatido aqui hoje.
Aliás, é importante ressaltar que a Consultoria Legislativa tem nos dado uma contribuição muito importante, desde que nós iniciamos este debate. Lembro-me, Marina, de quando estávamos discutindo a metodologia de funcionamento das ações do observatório no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Então, registro os nossos agradecimentos à Symone, que elaborou este relatório, mas também a todos os outros consultores que se envolveram e que colaboraram muito para que chegássemos até aqui, especialmente o consultor David Carneiro.
Esta audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm, pelo perfil da CDHM no Facebook — @cdhmcamara — e pelo Youtube da Câmara dos Deputados. Você também pode acompanhar as nossas notícias pelo Instagram, no perfil @cdhm.cd. Os cidadãos podem apresentar contribuições através do portal e-Democracia.
Os expositores falarão por 5 minutos. Os Parlamentares inscritos poderão usar a palavra por 3 minutos.
Informamos que a Deputada Rejane Dias, Presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, convidada para participar desta audiência pública, infelizmente, não poderá comparecer devido a compromisso previamente assumido. Saudamos a Deputada pelo seu empenho nessa causa à frente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
10:07
RF
Informamos ainda que o CONADE — Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência não participará da audiência, porque, segundo o que nos foi comunicado, encontra-se sem colegiado, sem representação legal e aguarda composição do novo colegiado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Vale aqui ressaltar que, na quarta-feira, nós fizemos uma audiência pública no âmbito desta Comissão, na qual nós discutimos os problemas relativos aos conselhos. O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência não é, infelizmente, o único conselho que se encontra com problema. Desde que este Governo assumiu, há, sim, ações deliberadas para dificultar o funcionamento dos conselhos, e, inclusive, vários foram extintos. Então, registro aqui o nosso repúdio.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos está aqui representado por dois representantes, que começarão as exposições. Mas, antes da primeira exposição, já apresento uma contribuição feita pelo cidadão Sérgio Rego, no portal e-Democracia. A contribuição do cidadão Sérgio Rego no portal e-Democracia é a seguinte:
Temos políticas que se esquecem das pessoas com múltiplas deficiências. Tenho um filho com paralisia cerebral, insuficiência renal crônica e surdez profunda. Não há estabelecimentos públicos e quase não há privados que ofereçam cuidado a pessoas como ele. Quando teremos políticas que as incluam? O que farão?
Então, fica aí essa pergunta para dar início a nossa audiência. Portanto, os senhores e as senhoras poderão ficar à vontade para responder essa pergunta apresentada no portal e-Democracia pelo cidadão Sérgio Rego.
Para dar início às exposições, passo a palavra a Priscilla Gaspar, Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Obrigado pela presença.
A SRA. PRISCILLA GASPAR - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Bom dia a todos.
Sou a Priscilla Gaspar, Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. À minha frente, está comigo a Dânnia Vasconcellos, minha assessora bilíngue, que fará a minha versão voz, pois sou uma pessoa surda e uso a Língua Brasileira de Sinais para me comunicar. É importante que todos entendam que eu estou sinalizando, e a Dânnia faz a versão voz.
Neste momento, farei a minha autodescrição: sou uma mulher de pele branca, tenho os cabelos curtos, loiros, estou usando uma blusa verde de manga três quartos e estou no meu gabinete na Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
10:11
RF
Gostaria de passar alguns eslaides. Peço um momento, por favor. (Pausa.)
Eu preciso de autorização para compartilhar os eslaides, por favor.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - A autorização já foi dada. Pode compartilhar os eslaides.
A SRA. PRISCILLA GASPAR - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Obrigada.
Todos estão vendo? Está tudo o.k.?
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Sim, estamos vendo.
A SRA. PRISCILLA GASPAR - (Manifestação em LIBRAS.)
(Segue-se exibição de imagens.)
A SRA. INTÉRPRETE - Estamos aqui hoje para falar sobre as políticas púbicas de assistência social e previdência relativas ao Grupo 1 — 209 e 210.
A proteção social às pessoas com deficiência mais vulneráveis segue avançando. Neste ano, houve a modificação da lei para ampliar o acesso de pessoas com rendimentos de até meio salário mínimo sob determinadas condições de vulnerabilidade. O impacto da mudança será avaliado nos próximos meses, mas a medida é positiva.
O auxílio-inclusão foi regulamentado e, embora esteja delimitado aos beneficiários do BPC, a perspectiva é de que seja um instrumento de estímulo ao ingresso no mercado de trabalho, e, a depender dos resultados, poderá ser ampliado no futuro.
Esse eslaide traz as políticas públicas de assistência social e previdência ainda no Grupo 1 — 209 e 210.
Falo agora das medidas para seguir avançando. Temos as seguintes políticas públicas, no primeiro quadro, à esquerda: fortalecer as políticas de empregabilidade para pessoas com deficiência e suas famílias, para que tenham condições de prover o seu sustento e não dependam do benefício. No segundo quadro, abaixo, à esquerda, temos: articular políticas de cotas de pessoas com deficiência em empresas com a política do auxílio-inclusão para preencher as reservas de vagas ociosas e, ao mesmo tempo, promover a inclusão social no mundo do trabalho. No terceiro quadro, acima, à direita, temos: definir critérios de vulnerabilidade que possibilitem o acesso ao benefício na faixa de um quarto até meio salário mínimo, de forma justa, àqueles que dele precisam. E, no quarto quadro, à direita, temos: implantação do Cadastro Inclusão para realizar o cruzamento de informações sobre pessoas com deficiência das diversas bases de dados governamentais.
10:15
RF
O próximo eslaide mostra a foto de uma cadeira de rodas em que uma pessoa segura uma roda.
Neste momento, falarei sobre as edições de normas legais ou infralegais que contribuam para a implementação de direitos, e isso se refere ao Grupo 2 — 211 e 213.
Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência — Cadastro Inclusão.
Atualmente, a caracterização da deficiência para acesso a políticas públicas em todo o País é heterogênea, o que gera registros distintos para a mesma pessoa sobre sua condição ou não de deficiência. Essa heterogeneidade dificulta acompanhar o desempenho das políticas públicas atuais sobre as pessoas com deficiência.
O objetivo geral do projeto é prover a unificação da avaliação e certificação da deficiência, e os dados dos cidadãos avaliados serão reunidos em uma única base de dados, definida como Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência — Cadastro Inclusão. Com isso, haverá uma centralização das informações sobre as pessoas com deficiência, que poderão utilizar a identificação para múltiplos fins.
No próximo eslaide temos a imagem de um organograma. No primeiro quadro acima, está escrito: "Cadastro Inclusão". Logo abaixo desse quadro, temos mais quatro quadros. No primeiro quadro à esquerda está escrito: "Gestão". E, abaixo dele, há um o texto explicativo que diz: "Plataforma para acesso ao servidor administrativo para gerir equipe multidisciplinar e extrair indicadores".
Volto acima para o segundo quadro, no qual está escrito: "Avaliação". O texto abaixo dele diz: "Plataforma para acesso de equipe multidisciplinar para preenchimento da avaliação biopsicossocial".
Volto para o terceiro quadro, no qual está escrito: "CI - Banco de dados". E, abaixo dele, o texto diz: "Base nacional consolidada das pessoas com deficiência. Interoperabilidade com outras bases".
E no quarto quadro está escrito: "CI - Serviços". Abaixo dele, o texto diz: "Serviço gratuito de exportação e consumo de dados por outros órgãos do Governo".
10:19
RF
Agora, temos as edições de atos normativos que possam caracterizar discriminação em razão da deficiência — Grupo 3, número 212. (Pausa.)
Peço um minutinho, por favor. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Eu pergunto se já foi concluída a apresentação.
A SRA. PRISCILLA GASPAR - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Não, não foi concluída. Peço um minutinho.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Está bem. (Pausa.)
A SRA. PRISCILLA GASPAR - (Manifestação em LIBRAS.)
A SRA. INTÉRPRETE - Falo agora de medidas para seguir avançando.
Implementação da Avaliação Biopsicossocial e do Cadastro Inclusão por meio do Sistema Unificado de Avaliação e Certificação da Deficiência — regulamentação dos arts. 2º e 92 da LBI. O GTI está em andamento para propor aos Ministros as medidas para efetiva implantação.
Realização de estudos para revisão e atualização dos normativos relacionados à Política de Inclusão da Pessoa com Deficiência que tornem a política mais efetiva.
Este eslaide tem a mesma imagem da cadeira de rodas em que uma pessoa segura uma roda.
Edições de atos normativos que possam caracterizar discriminação em razão da deficiência — Grupo 3, número 212.
Em relação às recomendações apresentadas relativas à discriminação em razão da deficiência, informamos que a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência irá analisar as recomendações para tomar providências adequadas em relação aos decretos citados.
Decreto nº 9.546, de 2018: adaptação razoável de provas físicas.
Decretos nºs 10.014, de 2019, e 5.296, de 2004: acessibilidade às áreas destinadas ao altar e ao batistério das edificações de uso coletivo utilizadas como templos de qualquer culto e novo prazo — 24 meses — para a fabricação de veículos de transporte coletivo rodoviário para uso por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Excluem-se do cumprimento dessa norma infralegal veículos destinados exclusivamente às empresas de transporte de fretamento e de turismo.
10:23
RF
Decreto nº 10.502, de 2020: Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida.
O próximo eslaide mostra a mesma figura citada anteriormente: uma cadeira de rodas com uma pessoa, que coloca a mão na roda.
Edições de normas ou adoção de programas que tenham como objetivo o fortalecimento dos direitos de mulheres e crianças com deficiência. Grupo 4, nº 214.
Medidas para seguir avançando: inclusão do recorte "crianças e mulheres com deficiência" nas políticas setoriais, esforço da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência junto aos outros Ministérios; GT da Política de Cuidados em andamento, para proposta de medidas voltadas ao cuidado e aos cuidadores, especialmente no caso de mulheres; cooperação técnica internacional com o Programa EUROSOCIAL+ para estudos e propostas voltadas a cuidadores familiares; fortalecimento de parcerias e articulações nas políticas para a infância para priorizar crianças com deficiência — Programa Criança Feliz e outros.
O próximo eslaide segue com mesma apresentação da cadeira de rodas com uma pessoa, que está segurando a roda. O tema deste eslaide é: dados relativos à participação desse segmento no mercado laboral; cumprimento de cotas para empregabilidade da pessoa com deficiência; e inovações, inclusive legislativas, com vista à maior inclusão laboral da pessoa com deficiência. Grupo 5, nºs 215 e 216.
Medidas para seguir avançando: cooperação técnica internacional com o Programa EUROSOCIAL+, projeto para apoiar o fortalecimento de uma política de inclusão laboral das pessoas com deficiência, por meio de estudos, oficinas, seminário e articulação com parceiros de entidades representativas, empresas e governos; articulação de políticas de cotas de pessoas com deficiência em empresas com a política do auxílio-inclusão, para preencher as reservas de vagas ociosas e, ao mesmo tempo, promover a inclusão social no mundo do trabalho; regulamentação do trabalho com apoio — os estudos estão em andamento.
10:27
RF
Peço desculpas por alguma falha que possa ter havido na apresentação e agradeço a todos pela atenção neste momento.
Bom dia.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço muito pela sua participação. Quero registrar a importância desta audiência pública. Obrigado, Priscilla Gaspar, que está aqui representando a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Agora vamos passar a palavra ao Sr. Milton Nunes Toledo Junior, Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Com a palavra o Sr. Milton Nunes Toledo Junior, por 5 minutos.
O SR. MILTON NUNES TOLEDO JUNIOR - Muito obrigado, Deputado Helder Salomão.
Meu nome é Milton Toledo Junior. Visto um terno cinza, com camisa rosa e gravata listrada em tons de lilás e roxo.
Deputados, peço perdão por conta das minhas reiteradas participações nestas audiências públicas relacionadas à implementação das recomendações da Revisão Periódica Universal. Peço perdão àqueles que têm nos acompanhado recorrentemente. Mas, na condição de Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, compete-me conduzir os trabalhos da minha equipe no sentido de promover internamente a implementação das recomendações internacionais prolatadas em todos os foros internacionais de direitos humanos. Isso abrange o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, o Sistema ONU e, em particular, esse exercício tão importante que é o da Revisão Periódica Universal.
Como o Deputado mencionou no início da nossa audiência pública, esse é um exercício realizado entre pares: o Brasil avalia os demais países e é avaliado por todos eles também. Nós estamos encerrando o nosso ciclo de avaliação. Recebemos essas recomendações no ano de 2017. Era para apresentarmos o nosso relatório em 2021, mas, em função dos impactos globais da pandemia da COVID-19, esse prazo foi postergado para julho de 2022.
Por que isso é importante, senhoras e senhores? Porque aquelas recomendações que eventualmente não estejam ainda num nível adequado de implementação merecem uma atenção, claro, redobrada de todas as instâncias do Estado brasileiro. E essa é uma consideração bastante relevante que eu tenho feito também em minhas participações neste exercício muito importante que são estas audiências públicas convocadas pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
As recomendações da RPU são dirigidas ao Estado brasileiro, leia-se: à República Federativa do Brasil. Não são recomendações a serem implementadas pelo Poder Executivo, muito menos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. São recomendações dirigidas a todo o Estado brasileiro, incluindo, portanto, os três Poderes — Executivo, Judiciário e Legislativo — e todos os entes da Federação: União, Estados, Municípios e Distrito Federal.
10:31
RF
Nós temos recomendações que são, por exemplo, relacionadas a medidas legislativas. Então, nós aproveitamos esta oportunidade, este espaço de fala para convidarmos os Srs. Parlamentares a nos ajudarem nessa implementação.
Mais uma vez, a assessoria internacional do MMFDH tem essa competência de promover o cumprimento das recomendações internacionais, especialmente da RPU. Então, eu não posso perder essa oportunidade de instar os atores aqui representados, as instituições envolvidas nesse exercício de implementação dos direitos das pessoas com deficiência a se darem as mãos, a ombrearem umas com as outras nesse propósito de cumprimento integral das recomendações.
Nós temos prazo para isso, de modo que as sugestões e as críticas são, todas elas, muito bem-vindas. É importante, no entanto, reafirmarmos o compromisso inequívoco do Estado brasileiro, do Governo Federal e, em particular, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos com a plena implementação dessas recomendações.
Eu agradeço esta oportunidade e fico à disposição para fazer eventuais comentários, tirar algumas dúvidas, responder às indagações dos Srs. Deputados e dos demais participantes.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Milton Nunes Toledo Junior, Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Sr. Milton, eu quero concordar com o senhor quando diz que as recomendações emitidas são para todo o Estado brasileiro. Então, cabe a todos os Poderes, a todo o Estado brasileiro responder e assumir o compromisso internacional de dar conta dessas recomendações que ao Brasil foram feitas. Mas é inegável que recai sobre o Poder Executivo, de maneira geral, não só sobre o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, uma responsabilidade maior, porque, quando olhamos, uma por uma, as recomendações, vemos que grande parte delas depende de ações do Executivo, embora muitas também dependam de ações do Legislativo, do Judiciário, de todos os órgãos que compõem o Estado brasileiro.
De qualquer forma, é importante que o Brasil assuma esse compromisso de responder às recomendações com ações efetivas para sanar os graves problemas de violação de direitos humanos que nós temos no País.
Agradeço a sua contribuição.
Quero agora convidar a Senadora Mara Gabrilli, membro do Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que gravou um vídeo, que nós agora iremos transmitir.
A SRA. MARA GABRILLI (PSDB - SP) - (Participação por vídeo.) Olá a todos.
Eu queria dizer que estou muito honrada de ter sido convidada para participar desta audiência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, promovida em parceria com o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
10:35
RF
Bom, em primeiro lugar, eu quero fazer uma descrição da minha pessoa, para as pessoas cegas ou com baixa visão poderem saber como sou. Eu estou na cadeira de rodas, sentada, com um vestido branco, vermelho e preto — essas são as cores do meu Estado de São Paulo. Tenho cabelos médios, lisos, castanho-claros. E estou aqui com carinha de satisfeita para falar com vocês.
Eu quero parabenizar o Presidente da Comissão, o Deputado Carlos Veras, e todas e todos os envolvidos com o Observatório Parlamentar, assim como a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, que eu tenho no meu coração, porque sempre foi muito competente e muito atenciosa para com as demandas para garantir direitos.
Agora, falando do monitoramento e da análise das recomendações recebidas pelo Brasil, isso é um material de extrema validade e muito valioso para a concretização de direitos, especialmente de minorias.
Apesar de termos uma legislação nacional ampla e os compromissos internacionais já assumidos pelo Estado brasileiro, as pessoas com deficiência continuam a enfrentar múltiplas barreiras para exercer cidadania. São barreiras de toda sorte, diversas formas de discriminação, que acabam impedindo a efetiva participação dessas pessoas na sociedade.
Eu fui eleita para integrar o Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem a função de monitorar esses desafios e a implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Acho sempre muito importante ressaltar que eu atuo na ONU na qualidade de perita independente. Eu não me manifesto aqui em nome desse comitê, porque o comitê é um órgão de decisões colegiadas. Mas eu posso dizer que são os relatórios das organizações da sociedade civil, como o produzido por vocês, que ajudam os membros do comitê a embasar, a terem mais subsídios para o monitoramento internacional das políticas inclusivas, tanto em outros países como aqui no Brasil.
Somente por meio dessa participação ativa do Parlamento e da sociedade é que vamos poder garantir que todas as pessoas com deficiência exerçam os seus direitos plenamente, sem discriminação, sobretudo porque, de acordo com a Convenção da ONU e a nossa Lei Brasileira de Inclusão, que é praticamente a Convenção da ONU regulamentada:
(...) deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
A mesma definição que está na LBI está na Convenção da ONU.
Por isso é que precisamos monitorar se as ações e as medidas adotadas estão derrubando as barreiras para a inclusão plena que tanto almejamos.
Então, boa sorte.
Muito obrigada por eu poder participar deste momento.
Um beijo no coração de vocês.
10:39
RF
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradecemos à Senadora Mara Gabrilli pela sua colaboração, mesmo que de maneira virtual. Ela, que é membro do Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, gravou esse vídeo, dando a sua colaboração nesta audiência pública.
Convido para fazer uso da palavra, por 5 minutos, o Procurador da República Raphael Otávio Bueno Santos, representante da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.
O SR. RAPHAEL OTÁVIO BUENO SANTOS - Bom dia a todos e a todas.
Quero cumprimentar todos os presentes e ouvintes por intermédio do Deputado Helder Salomão, que preside a audiência.
Vou ser breve, tendo em vista o tempo oportunizado.
Quero também parabenizar a Consultoria da Câmara dos Deputados pelo relatório realmente muito abrangente, muito bem formulado. Nós tivemos oportunidade de ler o relatório previamente e vimos que ele abordou principalmente as questões legislativas e de regulamentação dos direitos das pessoas com deficiência.
Eu vou partir para os pontos que me parecem realmente importantes, tentando passar por eles rapidamente.
Em relação ao grupo 1 que consta do relatório, uma preocupação nossa, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do GT Pessoas com Deficiência, é a dificuldade de acesso, que permanece, das pessoas com deficiência ao direito à saúde e o desrespeito à prioridade garantida por lei. Neste momento de pandemia é que a situação se agrava ainda mais.
Especificamente em relação à vacinação contra a COVID-19, na formulação da lista, digamos assim, de prioridades, inicialmente pelo Ministério da Saúde e depois pelos Estados e Municípios, houve um desrespeito à prioridade das pessoas com deficiência. Então, queremos frisar isso, que inclusive foi motivo de ações civis públicas por parte do Ministério Público Federal, que infelizmente foram inexitosas.
Aí, considerando que cabe a todo o Estado brasileiro o cumprimento dessas recomendações, nós também registramos a falta de sensibilidade, muitas vezes, do Poder Judiciário na compreensão e na garantia desse direito às pessoas com deficiência. Criou-se uma lista muito grande de prioridades, e as pessoas com deficiência realmente não tiveram seu direito, que consta da lei, assegurado.
Outra situação em relação à vacinação refere-se às pessoas com deficiência intelectual. Também não foram previstos meios adequados e humanizados no que diz respeito às especificidades desses cidadãos na hora da vacinação. Acaba que cada serviço age como bem entende, e muitas vezes se utiliza da força bruta mesmo para vacinar as pessoas com deficiência intelectual, que, por várias razões, têm dificuldade com agulhas e outros tipos de utensílios ali na área de vacinação.
Nós também ponderamos algumas decisões judiciais que asseguram o direito das pessoas com deficiência. Apesar de muitas vezes existir uma falta de acessibilidade, em outros momentos sentimos que essa acessibilidade acaba sendo aceita. Por exemplo, decisões judiciais em relação às pessoas com autismo que vinham assegurando o atendimento, por planos de saúde, sem qualquer tipo de limitação culminaram na recente decisão da própria Agência Nacional de Saúde Suplementar de excluir essas limitações dos planos de saúde: sessões de fisioterapia, fonoaudiologia. Isso já vinha sendo assegurado em casos pontuais pelo Poder Judiciário, e agora a ANS toma uma decisão mais ampla, o que, para o Ministério Público Federal e a PFDC, é um avanço.
10:43
RF
Um ponto que também nos causa preocupação, até pela falta de estatística, é a moradia para as pessoas com deficiência no setor privado. A lei assegurou que um percentual seria fixado por decreto. Mas o decreto regulamentar de 2018 acabou não assegurando um percentual. Ele diz que, em todas as obras, as unidades devem ser 100% adaptáveis. E, de certa forma, se não é possível a adaptação, aí sim, é assegurando o percentual de 3%. Caberia até uma análise mais detida desse decreto, mas o que o Ministério Público pondera mais, o que é uma preocupação nossa é os poderes públicos municipais, porque cabe ao poder público municipal a aprovação de obras privadas e mesmo públicas. Nós não temos dados estatísticos de como isso está sendo cumprido no âmbito municipal.
Em relação ao direito à educação, o Ministério Público Federal entende que foi um retrocesso — isso até foi motivo de emissão, pela PFDC, da Nota Técnica nº 3, de 2021 — a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, de 2020, que foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade e cujo decreto está suspenso por liminar. Realmente essa previsão de um novo modelo, voltando ao passado da integração, que permitia a existência de modelos paralelos de ensino, com classes e escolas especializadas e classes e escolas bilíngues para surdos, o Ministério Público Federal acredita que foi um retrocesso.
Há um ponto que nós gostaríamos de frisar em casos que temos trabalhado juntamente com institutos federais de educação. Nós chegamos a constatar a existência de um vácuo legislativo em relação à contratação de professores para a educação especial, porque a legislação que permite a contratação de professores temporários, a Lei nº 8.745, de 1993, é muito restrita quanto a essa possibilidade, refere-se mais a professores substitutos, a professores estrangeiros, a pesquisadores. Existe uma especificidade na educação especial: eventualmente tem que haver um grupo de professores para, digamos assim, ser do núcleo de educação especial da instituição, mas, ao longo dos anos, conforme muda o perfil dos estudantes com deficiência, são demandados professores com habilidades diferenciadas. E o modelo atual do concurso público, que é permanente, e, eventualmente, mesmo o modelo das contratações temporárias não permite esse perfil de contratação. Não se trata de uma contratação temporária, porque não se trata de professores substitutos nem de estrangeiros. Então, existe uma dificuldade, e os órgãos de auditoria interna das instituições, de certa forma, não permitem contratações temporárias conforme a mudança do perfil dos estudantes. Portanto, esse é um ponto que merece uma adequação.
10:47
RF
Outra situação é a educação das pessoas com deficiência intelectual, na qual há bastante dificuldade. Existe uma dificuldade muito grande na adaptação de currículos e de métodos avaliativos para as pessoas com deficiência intelectual. Imaginamos que haja barreiras culturais com relação a essas pessoas na rede de ensino. Isso, muitas vezes, deve-se à própria formação dos professores, que não abrange as especificidades dessas pessoas com deficiência. Os professores são reticentes em fazer adaptações curriculares para atender às especificidades das pessoas com deficiência intelectual, também são reticentes em mudar os métodos avaliativos. Então, essa é uma barreira que continua atualmente e que precisa ser superada.
Também há a criação de núcleos de educação especial nas instituições de ensino. Algumas já os criaram, mas ainda está muito lento esse processo. Nós entendemos que isso ainda é um problema. E os problemas de formação educacional de pessoas com deficiência irão acabar se refletindo, depois, lá no mercado de trabalho, que é uma outra problemática, de que vamos tratar mais à frente.
Outra situação que já começa a chegar ao Ministério Público é a questão da acessibilidade em aplicativos de transporte. A lei do Estatuto da Pessoa com Deficiência trata de táxis, de transportes coletivos, mas sabemos que a realidade atual está muito voltada para os aplicativos de transporte individual. Cada aplicativo tem a própria política, a própria forma de contratação dos motoristas e de contratação pelos usuários, e acaba não sendo assegurado o direito das pessoas com deficiência no uso desses aplicativos; quando ele é assegurado, não o é totalmente.
Uma preocupação que o Ministério Público Federal quer registrar aqui é a situação atual do CONADE, que já foi trazida aqui. Ela é motivo de preocupação por parte do MPF dada a importância do conselho para as políticas das pessoas com deficiência.
A questão da discriminação já foi colocada. Inclusive, conforme o relatório, a própria legislação acaba, de certa forma, gerando discriminação. O Ministério Público também acha que a falta de campanhas nos meios de comunicação e a falta de aplicação adequada do conceito de discriminação trazido no art. 4º, § 1º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência têm gerado uma dificuldade de implementação dos direitos das pessoas com deficiência.
Eu gostaria de abordar as políticas para inserção no mercado de trabalho das pessoas com deficiência.
Um avanço que podemos pontuar é a recente decisão do Ministro Roberto Barroso na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.476, que afastou alguns requisitos do Decreto nº 9.546, de 2018. Evidentemente, o decreto não mostra compatibilidade com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e com a legislação do Estatuto da Pessoa com Deficiência. No entendimento da PFDC, mesmo com essa decisão liminar do Ministro Roberto Barroso, o decreto ainda mostra uma grande inadequação.
10:51
RF
O que nós temos visto é que se asseguram os direitos das pessoas com deficiência através de convenção e da legislação, mas, depois, seja através de decretos, seja através de editais de concurso público, acabam se implementando restrições a esses direitos, sem qualquer amparo legal ou convencional. Esse decreto é uma dessas situações.
Outra situação recente, que foi citada, é o edital de concurso público do Banco do Brasil, que é um concurso de que grande parte da população tem interesse em participar, no qual as pessoas com deficiência têm especial interesse. Foram ali colocadas restrições que chegam a inviabilizar, muitas vezes, a participação das pessoas com deficiência.
Cito isso como exemplo porque se trata de um concurso recente, que chama atenção, até pelo caráter nacional e pela grandeza do Banco do Brasil, mas vimos acompanhando e estamos vendo casos assim acontecerem seguidamente em vários concursos. Isso, conforme o próprio relatório preliminar aponta, gera um percentual muito pequeno de pessoas com deficiência ingressando no poder público ou na iniciativa privada.
Um avanço, já citado aqui também, foi o auxílio-inclusão, criado recentemente. Mas ele, em nosso entendimento, poderia ter uma força um pouco maior em alguns pontos, principalmente no retorno imediato ao BPC, caso a pessoa com deficiência volte a ficar desempregada. Isso não fica claro, poderia, talvez, mediante regulamento, ser mais bem explicado, para assegurar efetivamente os direitos da pessoa com deficiência.
Acontecia muito o seguinte problema: a pessoa com deficiência não querer ingressar no mercado de trabalho por ter receio de perder o Benefício de Prestação Continuada. Muitas vezes, os empregos para as pessoas com deficiência são de baixa remuneração. Então, às vezes, não se mostrava vantajoso para essas pessoas ingressarem no mercado de trabalho. O auxílio-inclusão vem combater essa situação, mas ainda poderia ter havido um avanço maior.
Entendemos também que a avaliação da condição de deficiência daqueles que ingressam em cargos mediante concurso público ou mesmo nas relações privadas de emprego deveria se dar durante o estágio probatório ou no período de experiência e desde que no trabalho efetivamente exista provisão de suporte individualizado para a pessoa com deficiência. O que nós vemos no mercado de trabalho é, ainda, a prevalência do conceito de integração: quando é aceito o ingresso da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, através de concurso público ou por seleção das empresas, ela tem que se integrar ao ambiente de trabalho, sob pena de ser demitida. Então, nós não vemos realmente uma situação de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Nesse ponto, um grande problema também é a falta de um instrumento de avaliação biopsicossocial. Nós ainda estamos em fase de discussão, isso está sendo elaborado por um grupo de trabalho. Então, nós vemos que, passados quase 6 anos da aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, nós estamos avançando muito lentamente para a conclusão desse instrumento.
10:55
RF
Para finalizar, nós gostaríamos de pontuar que entendemos que ainda existe uma falta de compromisso do poder público e da iniciativa privada com a efetiva aplicação da legislação que temos. Não vemos movimentos incisivos nesse sentido. O próprio poder público, nos serviços que presta através das suas empresas públicas e de seus órgãos, muitas vezes é omisso na aplicação dessa legislação ou muito restritivo, como nós dissemos, criando restrições sem embasamento legal, sem embasamento convencional.
Nós sabemos que muitos direitos demandam recurso financeiro para a sua implementação. Então, nós também pontuamos que falta financiamento público e privado para a implementação dos direitos das pessoas com deficiência.
Falta fiscalização e punição. Por exemplo, nós vemos que a lei de cotas no serviço privado tem mais de 30 anos, como foi explicitado no relatório preliminar, e as estatísticas demonstram que estamos muito longe de chegar perto do cumprimento dessa lei. Por que nós chegamos a esses números, passados 30 anos? O entendimento nosso é que falta fiscalização e punição das empresas.
Também pontuamos a criação artificial de impedimentos e empecilhos para o exercício dos direitos das pessoas com deficiências. Embora a legislação e a convenção sejam irrefutáveis ao adotarem o conceito de inclusão, na prática nós vemos que prevalece a questão da integração, tanto na seara pública, dos concursos públicos, como na área privada.
E eu acho que também existe uma timidez muito grande em relação às campanhas publicitárias. A população em geral não é devidamente esclarecida dos direitos das pessoas com deficiência, e as pessoas com deficiência também não são esclarecidas quanto aos seus direitos.
Eu agradeço ao Presidente pelo tempo excedente que me foi dado e me coloco à disposição para, mais à frente, no momento adequado, eventuais questionamentos, se for o caso.
Obrigado a todos e a todas.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Procurador da República Raphael Otávio Bueno Santos, que está representando a PFDC.
Quero aqui ressaltar a importância da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que tem uma atuação muito relevante nesta Comissão, e não só nela, na defesa dos direitos humanos.
Eu também quero ressaltar que, de fato, por parte do poder público e da iniciativa privada, falta compromisso, falta orçamento mesmo, recursos para implementação dessas políticas, fiscalização e punição.
10:59
RF
Eu recebi, esta semana, Dr. Otávio, uma demanda, sobre a qual eu já conversei com a Presidenta da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência, a Deputada Rejane Dias, que não pôde estar conosco hoje, de um grupo de pessoas com deficiência que se inscreveu no concurso da Polícia Federal, na cota para pessoa com deficiência. As pessoas desse grupo foram aprovadas, fizeram todos os exames, mas agora estão impedidas de assumir a vaga no concurso, conquistada legitimamente, de acordo com a legislação, simplesmente porque são pessoas com deficiência.
Esse é apenas um aspecto do que foi bem apresentado pelo senhor, mas ele mostra que há, sim, não só falta de compromisso, mas também preconceito; há todo tipo de obstáculo para que a pessoa com deficiência efetivamente exerça, na plenitude, a sua cidadania e os seus direitos. Por isso, é muito importante o que nós estamos fazendo aqui nesta audiência pública e o que o observatório, no âmbito desta Comissão, possibilita-nos, para acompanharmos as recomendações da RPU.
Muito obrigado.
Chamo agora, para fazer uso da palavra, o Sr. Moisés Bauer Luiz, que é Presidente-Executivo do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência.
Moisés Bauer Luiz, você dispõe de 5 minutos, com uma pequena tolerância.
O SR. MOISÉS BAUER LUIZ - Bom dia, Deputado Helder Salomão. Meus cumprimentos a V.Exa.
Quero agradecer o honroso convite a mim dirigido pelo Presidente desta Comissão, o Deputado Carlos Veras, e, na pessoa da Dra. Izabel Maior, quero cumprimentar todos os demais painelistas que me acompanham nesta importante audiência pública.
Deputado, inicialmente, é importante fazer um registro aqui de muito contentamento, muita satisfação pela qualidade excepcional do relatório elaborado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Na pessoa da Consultora Symone Bonfim, quero agradecer a todos que colaboraram nesse relatório. Ele está realmente muito bom. Ele aborda diversos aspectos fundamentais referentes a essas recomendações aqui analisadas.
Eu gostaria de trazer também as minhas contribuições, na ideia de, quem sabe, oferecer algum aperfeiçoamento a esse relatório e ao trabalho desta importante Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Eu destaquei aqui, Deputado Helder, a Recomendação nº 212, que faz referência a combater discriminação de qualquer tipo contra as pessoas com deficiência. Na interpretação que fiz do relatório, esta Comissão aponta como possível violador desse princípio, porque não estaria atendendo o combate à discriminação, o Decreto nº 10.502, de 2020, que trata da Política Nacional de Educação Especial, já referida. Esse é um tema, evidentemente, bastante controverso. Algumas pessoas que me antecederam, em especial o Dr. Raphael, já mencionaram a posição do Ministério Público Federal sobre esse tema. Sei também da posição de outras organizações aqui representadas que são divergentes da posição do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência — CRPD, que tenho a honra de presidir.
11:03
RF
Só para fazer uma breve apresentação, o CRPD hoje, Deputado, reúne dez organizações nacionais, todas de âmbito nacional, com atuação em todas as áreas de deficiência. Absolutamente todas as áreas de deficiência estão representadas por suas organizações representativas em nosso Comitê. E as nossas organizações se posicionaram e pediram inclusive a habilitação na qualidade de Amigos da Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade que está tramitando no STF e que preliminarmente já deixou suspensos os efeitos do Decreto nº 10.502. E sabemos, sim, que esse tema apresenta bastante divergência, bastante controvérsia entre o segmento das pessoas com deficiência e o dos militantes, dos profissionais, inclusive dos Parlamentares. E temos muita clareza de que esse é um assunto bastante complexo, delicado. Não é por acaso que está sub judice neste momento, com uma audiência pública convocada para o Supremo Tribunal Federal no dia 24 de agosto deste ano.
Eu penso — e aqui vai a minha contribuição — que talvez não seja muito adequado o relatório desta Comissão afirmar que esse decreto fere o princípio da não discriminação, porque na essência, com essa afirmação, estamos já de forma liminar concluindo, enquanto Casa Legislativa que representa a vontade do povo brasileiro, que não cabe no ordenamento jurídico pátrio a possibilidade de um modelo educacional em que coexistam as duas modalidades de ensino, que seriam o ensino regular inclusivo e o ensino especial num ambiente próprio, que seria uma escola especial, quando a própria Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no seu art. 24, ao tratar da educação das pessoas com deficiência, faz menção à necessidade de ambientes apropriados para o melhor desenvolvimento das pessoas com deficiência. Isso sugere, na minha interpretação — e eu sei que não temos consenso sobre esse tema —, que cabe, sim, no ordenamento jurídico a possibilidade de uma escola especial, de um ambiente apropriado.
Ainda esta semana, esta Casa Legislativa, a Câmara dos Deputados, aprovou, depois de já ter sido aprovado pelo Senado, o PL 4.009, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, prevendo a modalidade de educação bilíngue para surdos, que é mais um reconhecimento desse ambiente próprio de uma escola especial. Por essas razões, tanto por estar sub judice o tema, quanto por esta Casa Legislativa ter aprovado recentemente, ainda esta semana, o entendimento contrário a essa afirmação, proponho que não se faça no relatório desta Comissão a afirmação de que a política de educação especial, que preveja a coexistência de uma escola especial com uma escola regular inclusiva, seja discriminatória.
11:07
RF
O decreto, por certo, tem outras necessidades de aperfeiçoamento. E não estou aqui defendendo o Decreto nº 10.502 na sua íntegra, em todos os seus dispositivos. Eu estou, sim, aqui defendendo o entendimento de que, no ordenamento jurídico brasileiro, em conformidade com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Constituição Federal, é possível, sim, termos ambientes apropriados para o melhor desenvolvimento educacional das pessoas com deficiência. E isso não significa discriminação.
Então, penso que é importante essa referência ser melhor formulada no relatório desta Comissão. É a minha sugestão sobre esse ponto, e aqui estou tratando da Recomendação nº 212.
Gostaria também de trazer uma reflexão sobre a Recomendação nº 216, que fala dos esforços para aumentar o índice de emprego das pessoas com deficiência. Nesse ponto, o relatório, que merece mais uma vez todo o nosso reconhecimento da sua qualidade, resgata um tema importantíssimo — e precisamos da atenção desta Comissão também —, que é a tramitação do PL 6.159, apresentado pelo Poder Executivo no final de 2019, que, no momento inicial, pediu tramitação em regime de urgência. E nós conseguimos, com uma grande mobilização da sociedade civil e com o apoio de muitos Parlamentares desta Casa, barrar essa tramitação em regime de urgência. Mas a Presidência da Câmara dos Deputados mudou, temos outra Mesa Diretora, e a informação que recebemos é que ele volta a tramitar não necessariamente em regime urgência, mas em ordem prioritária, ou algo similar. Desculpem-me, pois me falta a expressão correta no momento. Ou seja, esse tema está em vias de ser analisado novamente por esta Casa. O PL 6.159 tenta reformular a política de cotas no mercado de trabalho no Brasil.
E aí, por certo, trago outro tema um tanto divergente. E preciso começar essa divergência afirmando que não concordo com os termos postos no PL 6.159, que mexe na lei de cotas. Acho que há alguns pontos que demandam muita atenção e muita preocupação que podem tornar a lei de cotas ainda menos efetiva do que já é. O Dr. Raphael trouxe aqui a reflexão dele sobre esse tema, mais de 30 anos da lei de cotas e a dificuldade de efetivarmos realmente a empregabilidade das pessoas com deficiência — e o senhor, Deputado Helder, também trouxe as suas reflexões sobre essa temática. E eu queria aprofundar um pouquinho mais ainda com outras reflexões da seguinte natureza: seja pelos problemas que V.Exas. aqui já expuseram no que diz respeito à punição e à fiscalização, seja pela dificuldade inclusive no acesso à educação adequada e à formação profissional, penso que, além disso, haja realmente ausência de uma vontade política desta Casa Legislativa e do Poder Executivo como um todo, evidentemente também da sociedade e do mercado empresarial, e talvez a falta ainda de maior mobilização nossa enquanto sociedade civil representativa das pessoas com deficiência — eu não tiro a nossa parcela de responsabilidade nesse tema. Mas nós não podemos admitir, por exemplo, que — 30 anos depois da comprovação de que os dispositivos não são suficientes ou de que o ordenamento jurídico aí posto até então não é suficiente para implementar uma política de empregabilidade efetiva paras pessoas com deficiência — o próprio poder público, na política de cotas do serviço público, receba um tratamento muito desigual em relação às empresas privadas. Deputado, o senhor sabe muito bem que uma empresa privada com mais de mil empregados é obrigada a contratar, pelo menos, 5% de pessoas com deficiência para comporem o seu quadro de pessoal.
11:11
RF
Quantos mil servidores públicos temos no Brasil, Deputado? Quantos mil servidores públicos temos na Câmara dos Deputados? Qual é o percentual que o serviço público em geral hoje emprega? As consultoras legislativas trouxeram essa informação no relatório: menos de 1% dos cargos é ocupado por pessoas com deficiência — menos de 1%! Quando se abre um edital — porque a lei equivocadamente, na minha opinião, assim tratou o tema, e aqui está também a responsabilidade desta Casa Legislativa —, fala-se em percentual de vagas no edital, não em percentual de cargos criados por lei disponíveis no quadro. Vejam que tratamento diferenciado equivocado.
Por que uma empresa privada olha para o quadro de trabalhadores e por que o serviço público olha para o número de vagas disponíveis? Se esse mesmo tratamento fosse dado pelas empresas privadas, aí sim, nós não teríamos as pouco mais de 400 mil pessoas com deficiência no emprego formal. Nós precisamos mudar isso também, partindo de um exemplo efetivo do próprio serviço público. Fica a sugestão, Deputado, a esta Casa e ao Poder Executivo, aqui também representado, para pensarem iniciativas dessa natureza. Penso que eu trouxe algumas contribuições no que diz respeito à Recomendação nº 216.
Para encaminhar a parte final da minha fala, eu quero trazer à reflexão o que diz respeito às Recomendações nºs 211 e 213. A Recomendação nº 211 fala em consolidação de direitos, e a Recomendação nº 213 fala em implementação das políticas. Eu uni esses dois pontos para dizer que lamentavelmente no nosso País, embora a construção de documentos legislativos e normativos seja bastante rica, é uma das melhores legislações do mundo certamente, quando pensamos na implementação, isso deixa muitíssimo a desejar. Aí fazem ecoar Brasil afora — para alguém do Direito, como eu — a terrível frase: "A lei não pega". Eu penso que realmente a lei não tem que pegar ninguém. São as pessoas que têm que pegar a lei e aplicá-la. E como é que nós vamos fazer essa implementação? Como é que nós vamos consolidar — e eu até vou modificar esse verbo para "efetivar" — os direitos que nós já conquistamos em lei?
11:15
RF
Nós precisamos, na minha avaliação, pensar, primeiro, em observar o art. 4º, item 3, da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que fala na participação efetiva das pessoas com deficiência em todas as tomadas de decisão. Nós estamos aqui, num grupo seleto, falando em direitos das pessoas com deficiência, mas certamente muitas outras pessoas com deficiência e muitas outras organizações representativas também devessem estar aqui.
Existe no Brasil, há mais de 20 anos, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que é um órgão de controle social com importância histórica indiscutível e que, há mais de 1 mês e meio, está inoperante, por uma omissão, por uma falha, por um equívoco do Poder Executivo Federal. E as providências estão por ser tomadas há mais de 1 mês, e nem sequer um edital chamando nova eleição foi publicado. Mesmo assim, eu penso que esse controle social exercido pelo CONADE está longe de atender, por exemplo, o princípio de participação das pessoas com deficiência do art. 4º, item 3. O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência hoje é composto — segundo a nova composição — por 36 representantes. Desses, 11 ou 12, com boa vontade, são de organizações representativas das pessoas com deficiência. Nós estamos falando de um terço dos membros do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que seria o espaço de participação social dessas pessoas no atual contexto jurídico, no nosso ordenamento jurídico, e somos minoria com voz e voto nesse conselho.
Por outro lado, nós também não percebemos um sistema efetivo de garantia e de promoção dos direitos das pessoas com deficiência. A política temática das pessoas com deficiência está anos-luz atrás da organização e da estruturação das políticas temáticas da criança, do adolescente e do idoso, por exemplo — para falar de políticas temáticas também. A política do idoso e a política da criança e do adolescente estão todas estruturadas em conselhos, assim como a nossa, porém, com a possibilidade de gestão de fundos, fundos nacionais, estaduais e municipais de direitos da criança e do adolescente ou de direitos da pessoa idosa, com a possibilidade de captação de recursos mediante estímulo ou incentivo de doação de pessoas físicas e jurídicas. Muito mais por iniciativa e disponibilidade da iniciativa privada, nós conseguimos recursos públicos para fomentar minimamente políticas públicas efetivas paras as pessoas idosas e para as crianças e adolescentes. Já as pessoas com deficiência, embora esse seja um pleito de muito tempo levantado por nosso segmento, até hoje não tivemos o êxito, a conquista de garantir um fundo nacional dos direitos da pessoa com deficiência nos mesmos moldes do Fundo da Criança e do Adolescente.
Isso demonstra o quanto é frágil a nossa consolidação. E eu aqui vou dar uma interpretação intencional de efetivação dos direitos das pessoas com deficiência. É muito frágil e limitada a possibilidade de implementação das políticas públicas em favor das pessoas com deficiência, e não percebemos vontade política real, há muito tempo, por parte do Poder Executivo, seja do atual Governo, seja de governos anteriores, em mudar esse cenário. Afinal de contas, propostas legislativas para a criação de um fundo dessa natureza tramita e tramitou neste Congresso Nacional há muitos anos, antes mesmo de o Estatuto da Pessoa com Deficiência ser aprovado. E isso não se torna realidade.
11:19
RF
Por fim, acho fundamental também, nessa linha de consolidação de direitos e implementação das políticas públicas, que o art. 33 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que fala sobre o monitoramento dessas políticas, que é o papel que esta Comissão hoje de forma elogiável se propõe a fazer, seja também promovido por um mecanismo de monitoramento, autônomo e independente, composto por organizações da sociedade civil representativas das pessoas com deficiência. O CRPD se propõe a ser esse mecanismo de monitoramento, mas encontramos limitações jurídicas, inclusive, para que isso ocorra efetivamente. Mas esta Casa, este Congresso Nacional precisa nos ajudar — e o Executivo também evidentemente — a pensar um mecanismo de monitoramento que atenda aos requisitos do art. 33 da Convenção e, em especial, os princípios de Paris, que é um mecanismo que tem uma natureza pública de Estado, mas, ao mesmo tempo, composto por organizações da sociedade civil representativas das pessoas com deficiência, com condições de exercer esse monitoramento, fazer realmente, de forma autônoma e independente, a avaliação de todas essas políticas públicas que estamos tratando aqui e outras tantas que não conseguimos por diversas razões trazer à tona neste momento.
Então, essas são as reflexões e as contribuições que eu trago em nome do CRPD.
Agradeço muito o convite e a tolerância com o tempo que, assim como alguns que me antecederam, tivemos que usar a mais.
Muito obrigado pela paciência e pela oportunidade de falar nesta Comissão, Deputado Helder Salomão.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Moisés, agradeço a sua contribuição.
Nós temos, ainda, três convidados, mas a tolerância é devido à necessidade de aprofundarmos este debate. Considero que todas as reflexões aqui estão sendo muito profundas e muito importantes não só para aperfeiçoar o nosso relatório, mas também para o monitoramento que o nosso País deve fazer com relação às recomendações feitas ao Estado brasileiro.
Eu quero só lembrar, Moisés — e isso é importante —, que, quando esse decreto foi publicado em setembro de 2020, houve muitos questionamentos, até porque esse decreto não foi discutido com quem deveria ter contribuído com essa reflexão. À época, eu apresentei um projeto de decreto legislativo para suspender os efeitos do Decreto nº 10.502 porque ele tem vários problemas. Inclusive, acho importante considerar no nosso relatório a resposta dada pelo Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos a uma provocação feita por esta Comissão sobre o meu projeto de decreto legislativo, que tem o objetivo de suspender os efeitos daquele decreto, e também sobre o decreto publicado pelo Governo.
Eu vou ler aqui um trecho do documento que foi encaminhado a esta Comissão pelo Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas. Dentre outras coisas, a resposta da ONU é a seguinte: "Lembro, ainda, que o decreto do Governo Federal exorbita suas funções constitucionais ao instituir regulação que vai de encontro à Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência". A convenção destaca, segundo a ONU, o seguinte: "Os Estados-partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados-partes" — inclusive o Brasil — "assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida (...)".
11:23
RF
Eu li aqui apenas um trecho, mas eu só quero ressaltar que, nesse mesmo documento emitido pela ONU, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos defende a educação inclusiva e a participação ativa das pessoas com deficiência no debate da matéria.
Você tem razão.
O SR. MOISÉS BAUER LUIZ - V.Exa. me permite?
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Permito, mas deixe-me só terminar aqui a minha conclusão sobre isso.
Você tem razão. Esse é um tema muito polêmico. Nós não poderíamos ter votado aqui na Câmara um projeto dessa natureza nessa semana sem um debate profundo, porque há, como você disse, diferenças entre as posições que são defendidas. Isso não pode ser transformado num debate meramente ideológico ou, como vimos, sorrateiro, superficial. Nós precisamos ouvir todos, especialmente as entidades e as pessoas com deficiência.
A Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência conseguiu fazer dois seminários, mas estava previsto um terceiro. No entanto, a Câmara Federal, apressadamente, sem um debate profundo, votou esse projeto. Então, eu acho que nós precisamos ponderar isso, pois não existe ninguém que seja dono da verdade. Mas é aquela história: como nós vamos discutir um projeto sem um debate profundo? E existe a máxima: "Nada sobre, nós sem nós". No entanto, houve aqui um debate açodado, apressado, de forma urgente, sem ouvir as pessoas que deveriam ter sido ouvidas.
Então, eu queria dizer que nós precisamos nos debruçar sobre esse tema, até porque nós tivemos muitos avanços em relação à educação inclusiva no Brasil. E, de fato, uma coisa não exclui a outra, mas precisamos tratar isso ouvindo, especialmente, aqueles que são os grandes protagonistas desse debate, que são as pessoas com deficiência e todas as entidades que atuam nessa área. Eu só acho que esse tema não pode se esgotar com a votação desse projeto. Eu ouço várias pessoas que atuam na educação inclusiva. Eu sou professor também, não conheço muito, mas conheço um pouco dessa área e digo a vocês que o Decreto nº 10.502 está cheio de problemas. Esse decreto não deveria ter sido publicado, como foi em 2020.
11:27
RF
Existem coisas interessantes no decreto? Sim, mas foi um decreto elaborado, publicado e muito questionado por vários fóruns de que eu participei ao longo desse período. Por isso, nós inclusive apresentamos um projeto que visava suspender os efeitos desse decreto. Agora, é claro, eu também estou aberto, e nós devemos nos aprofundar nesse debate.
Moisés, eu pergunto a você...
O SR. MOISÉS BAUER LUIZ - Peço 1 minuto.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Bom, você pode falar agora. Você poderia falar no final, porque você vai ter direito às considerações finais. Mas tudo bem. Vamos lá. Você dispõe de 1 minuto.
O SR. MOISÉS BAUER LUIZ - Serei muito breve. Primeiro, temos total acordo em que o decreto tem falhas, total acordo em que o modelo, que a regra é educação inclusiva para todos. Todas as escolas têm a obrigação de receber todas as pessoas com deficiência. Não podem negar. Isso é crime aqui no Brasil. Mas nós não podemos fechar os olhos para uma realidade de pessoas com deficiência que têm o melhor desenvolvimento educacional em ambiente próprio, nos termos da própria convenção. E a nossa defesa aqui é que não pode ser rotulado superficialmente que a mera existência ou coexistência de escolas especiais viole o princípio de não discriminação da convenção. É esse o ponto.
E a nossa defesa é a possibilidade de coexistirem os modelos, que uma equipe técnica, uma equipe multidisciplinar, uma equipe multiprofissional interdisciplinar possa avaliar realmente qual é o melhor ambiente para o melhor desenvolvimento do aluno com deficiência, porque, afinal de contas, nós estamos falando de educação, Deputado.
Era só essa a contribuição. Temos total acordo. Fico muito feliz principalmente com a parte em que o senhor se refere à necessidade de aprofundarmos o debate e de ouvirmos as próprias pessoas com deficiência, porque é isso que nós queremos. E concordo literalmente que nós não fomos ouvidos adequadamente na construção e na publicação do Decreto nº 10.502. Fica o nosso protesto também.
Obrigado, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - É isso, Moisés. Temos pleno acordo com isso. Eu fiz vários questionamentos. Por que a pressa em votar um projeto como esse em regime de urgência?
Quando eu vejo uma matéria dessa natureza, dessa importância, sendo votada em regime de urgência, e inclusive eu votei contra... Quero registrar aqui que, quando o Plenário votou o pedido de regime de urgência, eu me opus a isso, porque acho inadmissível votarmos uma matéria dessa natureza em regime de urgência. Inclusive a Mesa Diretora da Casa atropelou a Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que tinha ainda um seminário marcado para o mês de agosto, e sequer a Comissão foi respeitada.
Aí eu me pergunto, Moisés, por que tanta pressa. O que está por trás desta pressa? É isso que me espanta e é isso que me causa muita preocupação, mas nós precisamos ter humildade para debater profundamente, porque as pessoas com deficiência precisam ser as protagonistas desse debate, senão nós teremos distorções, e aprovar os interesses que às vezes ficam nos porões escondidos. Então eu acho que nós estamos diante de um grande desafio.
11:31
RF
Eu quero inclusive citar aqui agora, antes de passar para o próximo orador, a participação da Cinthya Campos de Oliveira Mascena. Ela mandou o seguinte comentário:
Bom dia. Primeiramente parabenizo a todos e a todas pelo evento. Gostaria que falassem sobre a notificação que o Governo Federal recebeu da ONU — eu acabei de falar aqui, eu nem sabia que ela tinha essa informação — que considerou o Decreto nº 10.502 como um decreto que fere os documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário e promove a segregação e discriminação.
Então, está aqui o comentário da Cinthya Campos de Oliveira Mascena nas considerações finais. Se alguém quiser fazer também algum comentário, pode fazer. Agradecemos à Cinthya pela sua participação.
Vamos então agora ao Caio Silva de Sousa, membro do comitê jurídico da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, por 5 minutos, com uma pequena tolerância.
O SR. CAIO SILVA DE SOUSA - Deputado Helder Salomão, bom dia. Bom dia a todos os que estão aqui nessa mesa de debate. Eu queria fazer a minha autodescrição. Eu sou um homem branco, uso barba, tenho bigode, tenho cabelo preto liso, uso óculos, estou com um blazer azul marinho e com uma camisa social branca. Atrás de mim, ao meu lado direito, há uma estante de livros. E, ao meu lado esquerdo, há uma parede branca.
Eu concordo muito, Deputado Helder Salomão, com a sua fala com relação a esse decreto da educação, o Decreto nº 10.502. Concordo no seguinte sentido. Eu vou me ater aqui às recomendações nºs 210, 211, 212 e 213, tratando de três pontos específicos. Muitos pontos já foram tratados, mas é muito importante que nós tratemos e aprofundemos esses temas.
O primeiro deles é a educação. Como é que nós vamos tratar no Brasil da educação inclusiva? Como é que nós vamos assegurar o respeito integral aos direitos humanos da pessoa com deficiência? Como é que nós vamos reforçar a implementação de políticas públicas, inclusive em tratados internacionais, como a Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, a partir do momento em que se faz um decreto da educação — desculpem-me os que defendem o decreto — que de certa forma segrega, um decreto que de certa forma vai retirar as pessoas com deficiência da escola e vai permitir — e esse é o ponto — que uma equipe defina se aquele educando pode ou não estar naquela escola?
Isso é lamentável. Não é assim que a coisa deve acontecer. Para que nós possamos efetivamente promover os direitos da pessoa com deficiência, consolidar os direitos da pessoa com deficiência, esse tipo de decreto, esse tipo de política pública não pode existir da forma como está posto, tanto é que hoje no Brasil nós temos uma coalizão para educação inclusiva que reúne 35 entidades. Então, 35 entidades discutem no Brasil sobre educação inclusiva, e algumas dessas entidades são amicus curiae no Supremo Tribunal Federal da ação direta de inconstitucionalidade. É muito importante que nós discutamos. É muito importante que haja a participação da pessoa com deficiência, que não houve nesse debate. Tenho certeza de que, como o Deputado Helder Salomão disse aqui; como o Dr. Raphael, que me antecedeu, deixou muito claro na sua contribuição, se tivesse havido a participação efetiva da pessoa com deficiência, provavelmente esse decreto não teria saído como saiu. E esse é o ponto. Esse é o grande ponto de debate para essas recomendações. Como é que vamos assegurar o respeito do direito da pessoa com deficiência? Como é que nós vamos dar continuidade aos esforços, se no meio do caminho se cria a possibilidade de uma segregação do que já existe? Esse é um ponto sobre a educação.
11:35
RF
Também existem dois pontos importantes com relação à educação que vêm acontecendo e que vêm sendo debatidos. Há a questão da escola bilíngue, trazida aqui no PL que alterou. E o Deputado Helder Salomão falou aqui, quando me anunciou, sobre esse PL que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, mas não só isso. O debate do homeschooling está sendo feito sem a participação das pessoas com deficiência, sem uma fala, sem uma representatividade, sem que elas possam informar que é uma forma de segregação.
Não só isso, o Dr. Raphael também trouxe uma ideia. Aí mudo da educação para o mercado de trabalho. Uma coisa está ligada à outra. Quando pensamos na falta de campanhas para a empregabilidade da pessoa com deficiência, quando pensamos no número de vagas existentes pela Lei de Cotas, que é uma ação afirmativa ainda hoje necessária — e estamos falando de 30 anos de Lei de Cotas, não são 2 anos, 5 anos ou 6 anos, como a Lei Brasileira de Inclusão, são 30 anos —, vemos que ainda hoje nós temos uma lacuna na contratação das pessoas com deficiência no nosso País.
E qual é a solução do problema? Vamos fazer uma campanha para a empregabilidade? Não, vamos criar o Projeto de Lei nº 6.159, de 2019, para que a empresa que não cumprir a Lei de Cotas pague uma multa e fique safa, pague dois salários mínimos, um salário mínimo, e não precisa cumprir a cota, não precisa contratar a pessoa com deficiência, sob o argumento de que não encontrou uma pessoa com deficiência qualificada! Qualifique a pessoa com deficiência! Dê essa qualificação para ela! É possível fazer. Não é impossível. E sabemos disso. Estamos numa mesa com diversas pessoas que trabalham com essa temática há muitos anos.
Mas não só isso. Não alterar a renda do BPC para a pessoa com deficiência, como foi feito com essa alteração em casos extremos, tendo o Supremo Tribunal Federal uma decisão, há quase 10 anos, alterando e vinculando o critério da renda do art. 20 da Lei nº 8.742 com o Bolsa Família, que é meio salário mínimo, fazer uma alteração legal e não se atentar para essa decisão judicial, também é algo muito complicado, quando pensamos nessa política macro para a pessoa com deficiência no nosso Brasil.
Não quero me alongar muito no tempo, porque ainda há mais dois debatedores, e vamos ter ainda uma mesa, uma parte final em que todos vão poder tratar sobre isso.
11:39
RF
Um ponto muito importante também é a questão da vacinação da pessoa com deficiência, a prioridade de vacinação da pessoa com deficiência. E por quê? Quando olhamos as recomendações que foram feitas ao Brasil, vemos a assistência necessária a grupos vulneráveis; o respeito integral aos direitos humanos; os esforços para consolidar os direitos, combater a discriminação de qualquer tipo, reforçar a implementação de políticas públicas, continuar o fortalecimento das políticas das pessoas com deficiência. Se nós pararmos para pensar em tudo isso, se temos uma convenção internacional que informa que, em casos de calamidade pública, a pessoa com deficiência tem, obrigatoriamente, de ter atendimento prioritário, e, no primeiro Plano Nacional de Imunização contra a COVID-19, não está incluída a pessoa com deficiência em nenhuma das três fases prioritárias, nós temos um problema.
E aí não dá para dizer que o relatório com relação à Revisão Periódica Universal está equivocado quando diz que não foi cumprida, está em estagnação, porque não foi cumprida. Para que essa vacinação prioritária acontecesse, foi necessária uma mobilização popular e foi necessário que o Supremo Tribunal Federal, através das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental — ADPFs nºs 754, 756 e 785, indicasse ao Ministério da Saúde a inclusão desse grupo na vacinação prioritária. E não houve uma campanha para a prioridade de vacinação das pessoas com deficiência em todo o Brasil pelo Governo Federal.
Então, sim, algumas dessas recomendações foram cumpridas muito pouco ou em parte e algumas não foram cumpridas integralmente. E pautando nessas três grandes áreas, saúde, educação e trabalho, nós percebemos que ainda falta muito para que a convenção seja efetivamente cumprida, para que a Lei Brasileira de Inclusão seja efetivamente cumprida e, mais, para que a nossa Constituição, no que tange a cidadania, dignidade e promoção do bem de todos, ainda seja efetivamente cumprida.
É muito importante que estejamos aqui nesta audiência pública, porque é muito importante que o movimento da pessoa com deficiência, a sociedade civil e as instituições saiam da zona de conforto e busquem a efetivação desses direitos na prática. E é isso que nós vimos fazendo e é isso que tem que ser feito para que nós possamos, efetivamente, garantir direitos na prática.
Muito obrigado, em nome da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, pelo convite para estar aqui com vocês. E agradeço, em meu nome, pela possibilidade.
Muito obrigado.
Um bom dia a todos e bom trabalho!
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Eu que agradeço a sua participação, Caio Silva de Sousa, membro do Comitê Jurídico da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down. De fato, Caio, ainda faltam muitas coisas para nós cumprirmos o que diz a convenção e a nossa legislação brasileira. Temos muitos desafios.
Você citou aqui o homeschooling, que é outro problema seriíssimo. Se nós não fizermos uma pressão forte, vai haver também votação de forma açodada aqui nesta Casa. E pode haver mais segregação, como você disse.
11:43
RF
As pessoas com deficiência serão as principais prejudicadas com a aprovação desse projeto de homeschooling, que, desculpe-me quem o defende, eu acho um absurdo, literalmente um absurdo e um desrespeito a todas as construções históricas que nós fizemos no campo da educação brasileira nas últimas décadas. É preciso que nós fiquemos atentos, porque retrocessos estão ocorrendo.
Chegou uma pergunta da Vilmara Mendes Gonring pelo e-Democracia, que também pode ser respondida por quem se sentir à vontade para responder. Qual é a relação do Decreto nº 10.502 com o PL 4.909, aprovado no dia 13 de julho na Câmara? Então, está aqui uma pergunta vinda da Vilmara Mendes Gonring pelo e-Democracia. Qual é a relação entre o Decreto nº 10.502 e o PL 4.909, aprovado esta semana aqui na Câmara?
Na verdade, eu só quero fazer um breve comentário sobre isso. O que estabelece o decreto tem muita afinidade com o projeto aprovado. Se vocês lerem o decreto e depois lerem o Projeto de Lei nº 4.909, verão que há muita semelhança entre o que propõe o decreto e o que propõe o PL 4.909. Claro que não é a mesma coisa, mas é na mesma linha.
É bom considerar também que, no âmbito do STF, esse decreto está suspenso por ser considerado — segundo o STF — discriminatório e inconstitucional. E a ONU diz que o decreto exorbita as suas atribuições, as atribuições do Poder Executivo.
Por fim, eu recebi ofícios de várias entidades, como, por exemplo, do Fórum Permanente de Educação Inclusiva do meu Estado, sediado na Universidade Federal do Espírito Santo, que também questionam o decreto e, além disso, questionam a forma rápida como foi feito esse debate.
Recebi também um estudo do GT 15, da Associação Nacional de Pesquisadores em Educação, que aponta a inviabilidade desse modelo, indicando estudos e pesquisas. Esse grupo GT 15, que é da Associação Nacional de Pesquisadores, alega que é inviável aplicar o que foi aprovado esta semana no Brasil.
São posições que estão sendo trazidas pela Associação Nacional e pelas pessoas que participam da nossa audiência pública. E nós precisamos nos debruçar sobre esse tema.
Agradeço à Vilmara. Se alguém quiser responder, também fique à vontade. (Pausa.)
Passo agora a palavra para a Sra. Izabel de Loureiro Maior, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, primeira Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, por 5 minutos.
A SRA. IZABEL DE LOUREIRO MAIOR - Muito obrigada, Deputado Helder Salomão. É um prazer poder participar desta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Queria ressaltar de imediato a qualidade não só do relatório, mas também do debate que está aqui sendo posto por cada um dos participantes, dentro do limite de tempo um pouquinho, às vezes, ampliado.
11:47
RF
Eu queria cumprimentar, portanto, todos os amigos aqui presentes. Em nome do Moisés, que representa a Comissão das ONGs brasileiras, e em nome de Maria Aparecida Gugel, que está aqui também representando, além da AMPID, a Rede Inclusão, eu cumprimento todas as pessoas com deficiência e suas associações.
Ressalto, mais uma vez, a importância de uma audiência pública dar conhecimento a todos nós. E eu me incluo entre as pessoas que costumam acompanhar todas as nossas novidades, todas as alterações, todos os sustos que muitas vezes tomamos com a legislação. Mas foi extremamente positivo tomar conhecimento da qualidade do trabalho do Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal.
Tratar de direitos humanos no Brasil sempre foi algo difícil. Mas houve momentos em que nós conseguimos tratar direitos humanos sempre numa condição suprapartidária. E é assim que eu continuo entendendo a noção dos direitos humanos para todas as pessoas. Tive a oportunidade, na ocasião em que estive no cargo de Coordenadora Nacional e, posteriormente, em 2009, quando foi criada a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência — primeiro, foi criada a Subsecretaria; depois, a Secretaria —, de acompanhar a elaboração da Convenção da ONU. A mim coube o papel de representar os desejos e as orientações das organizações do Governo e das organizações da sociedade civil na ONU, junto com outros colegas. Mas eu representava diretamente o Governo brasileiro.
Para nós do Brasil, não foi complicado sustentar posições de vanguarda da Convenção da ONU, porque foi a primeira convenção em que — feita de uma maneira muito rápida, de 2002 a 2006, 4 anos para a elaboração de uma convenção de direitos humanos é um tempo recorde — houve, pela primeira vez, a presença das pessoas com deficiência no plenário da ONU, podendo opinar, tendo voz.
A decisão é dos países, mas a influência e o que fez com que a nossa Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência tivesse arejamento, tivesse novidade e trouxesse a implementação dos direitos de uma forma muito mais avançada do que naquela ocasião, foi o fato de o mundo conhecer a legislação.
Um terço somente dos países, à época, que compunham a ONU, dos 192 países que participaram, tinham leis sobre pessoas com deficiência. E nós estávamos entre aqueles que apresentavam a melhor qualidade da legislação, em especial a legislação da educação inclusiva e a legislação de acessibilidade. Eram pontos de honra para o Brasil. Eram pontos de destaque da nossa participação, além de podermos colaborar com toda a questão da saúde da pessoa com deficiência dentro do Sistema Único de Saúde do nosso País, que era algo também que já vinha, desde a década de 1990, acontecendo.
11:51
RF
Portanto, o Brasil pôde defender pontos de ressaltos, de novidades, de avanços para a qualidade do atendimento das pessoas com deficiência. O próprio modelo social da deficiência adotado pela convenção, que tem por base a Classificação Internacional de Funcionalidade, também nos deu essa possibilidade de trazer outros pontos para aqui serem debatidos.
Então, ao ver esse relatório, eu queria destacar a qualidade da metodologia da Consultoria Legislativa, como já foi lembrado aqui, que tem uma série de pessoas capacitadas, e eu nomino a Symone Bonfim, porque sempre trabalhou em favor dos movimentos das pessoas com deficiência. E aqui, com essa metodologia, acredito que nós inauguramos a possibilidade de a própria Casa Parlamentar, a Câmara dos Deputados, e também o Senado Federal utilizarem essa metodologia de cotejamento com relação ao que nós temos na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência, porque, diferentemente das outras convenções de direitos humanos, sobre outros segmentos populacionais, no caso da pessoa com deficiência, a convenção tem equivalência constitucional.
Aqui não se trata, por exemplo, de verificar se uma legislação nova que está sendo trabalhada ou que virá a ser votada se confronta com uma convenção com o caráter supralegal. Aqui não, o caráter é constitucional da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Como a promulgação para o uso interno no País se deu em 2009, na verdade, nós tivemos um período bastante alongado, de 2009 até 2015, quando a Lei Brasileira de Inclusão, a Lei º 13.146, de 2015, foi analisada também nas duas Casas, com detalhamento, com um trabalho muito benfeito de consultas às pessoas com deficiência e a todas as organizações.
Portanto, nós temos, na Lei Brasileira de Inclusão, mais uma vez, um reforço dos direitos das pessoas com deficiência. Então, por que nós encontramos, neste momento da avaliação da revisão, no período que aqui compete, de 2017 a 2021, nessa Revisão Periódica Universal, tanto a estagnação como o não cumprimento de uma série de direitos das pessoas com deficiência? Por que estaria isso acontecendo agora? Temos que verificar.
Eu acredito, por ter trabalhado exatamente na gestão das políticas públicas, que o que nos falta é isto: o impulso para a efetivação, o impulso para a implementação. A implementação não pode se dar apenas por desejo; ela precisa de uma estrutura e precisa fundamentalmente de orçamento adequado. Por isso os direitos humanos de natureza social, econômica e cultural vêm num progresso. Isso já é previsto na implantação dos direitos humanos e das leis que dizem respeito.
11:55
RF
E aqui o que nós propusemos, na época, de 2007 a 2010, foi uma agenda nacional de implementação de políticas de inclusão de pessoas com deficiência e, depois, o conhecido Plano Viver sem Limite, de 2011 a 2014, para que pudesse também ser implementada uma política de caráter transversal, porque os grupos populacionais, tais como as pessoas com deficiência e outros, na verdade, precisam estar embutidos em todas as políticas setoriais, quer seja da cultura, quer seja do turismo, da saúde, da educação, do transporte, da habitação e do trabalho, para citar apenas alguns, além da assistência social e da previdência social, naturalmente.
O que nós vemos é que não houve essa colocação das questões como prioritárias. Por exemplo, o art. 8º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência trata especificamente da conscientização e da mudança de posição de discriminação e preconceito para o reconhecimento de direitos. Significa que nós precisamos de campanhas educativas para fazer uma grande divulgação desses direitos das pessoas com deficiência. Senão, nós não teremos a possibilidade de fazer com que os mais de 5.570 Municípios brasileiros, onde estão as pessoas com deficiência em todo o território nacional... É preciso também, sendo essa uma colocação que não vale apenas para a União, mas sim para Estados e Municípios, que esses direitos sejam garantidos.
Aliás, a própria Constituição brasileira já diz que as três esferas de Governo e os três Poderes, com a supervisão do Ministério Público e do controle social, podem efetivamente contribuir para a legislação das pessoas com deficiência.
Como médica, eu não posso deixar de ressaltar do que senti falta nesse documento. Aqui não se fala por que seguiram as oito recomendações. É possível que a recomendação sobre saúde esteja em outro ponto, ao qual nós não tivemos acesso nesse relatório. Entretanto, nós estamos vivendo um estado de pandemia. Pandemia é algo que só os meus avós tinham vivido, por ocasião da gripe espanhola, no início do século passado. Agora, infelizmente, estamos convivendo com a pandemia do novo coronavírus.
Como já disse o Dr. Caio, que me antecedeu, e outros também, as pessoas com deficiência não tiveram o seu direito de prioridade nas calamidades públicas atendido. Esse é um ponto que precisa constar desse relatório, ainda que nas recomendações que são mencionadas não seja falado. Mas, indiretamente, ou até mesmo diretamente, as pessoas não tiveram direito de vacinação. O que se esperava era que tão logo começou a vacinação, com atraso, em nosso País, e com um número reduzido de doses de vacina, até hoje, pelo menos as pessoas com deficiência, sabidamente através dos estudos internacionais e nacionais — refiro-me mais diretamente ao grupo das pessoas com síndrome de Down —, tivessem entrado na primeira prioridade. Se não pudéssemos ter todas as pessoas com deficiência, porque nos faltam documentos, falta conhecimento de onde estão e quem são as pessoas com deficiência, por falta da avaliação biopsicossocial e por falta do cadastro de inclusão, pelo menos que as pessoas com síndrome de Down tivessem sido vacinadas imediatamente. Mas podem continuar sendo vacinadas. Cabe ainda uma campanha de chamamento. Isso que eu quero dizer. Nós estamos aqui não apenas olhando para o passado, estamos também podendo corrigir situações no presente. E neste momento cabe à Nação brasileira, ao País, aos Estados e Municípios fazerem campanha de chamamento de vacinação contra a COVID-19 de todas as pessoas com deficiência que não tenham, porventura, nenhum tipo de impedimento de natureza de sua saúde. Esse é um ponto que eu gostaria de deixar ressaltado.
11:59
RF
Outro ponto que nós aqui vimos foram as legislações que foram votadas de forma repentina e com o risco de errarmos mais, porque, se há situações polêmicas, e aqui foi colocada, eu entendo que a polêmica que se instala sobre a educação inclusiva não é pelo fato de a educação inclusiva não ser melhor, é pelo fato de faltar investimento para uma educação inclusiva da melhor qualidade possível. Tivéssemos todos os recursos previstos na convenção e previstos na Lei Brasileira de Inclusão, como, por exemplo, o profissional de apoio escolar; tivéssemos todos os recursos que estão nos artigos que se referem à educação bilíngue, desde a convenção até a Lei Brasileira de Inclusão, sequer haveria necessidade de ter sido votada essa matéria ou feito um decreto sem a participação do controle social.
Nós devemos entender que nós precisamos de qualidade, nós precisamos de orçamento, nós precisamos de capacitação de professores, nós precisamos incentivar as universidades a prepararem os profissionais para lidar com a educação inclusiva. Aí, sim, nós saberemos que a educação inclusiva é, de fato, superior. Foi por isso que nós lutamos a vida toda, desde a Profa. Dorina Nowill, que propôs que as pessoas cegas estivessem nas escolas comuns e não em escolas especiais. Depois percebemos que isso também era de qualidade para as pessoas com deficiência intelectual e para as pessoas com deficiência física. Parece-me que já não existe mais nenhum tipo de alegação de preocupação em relação à qualidade da educação inclusiva, salvo que a acessibilidade não seja garantida. Então é de uma questão de investimento que nós precisamos.
Deputado Helder Salomão, chamo a atenção para o fato de até hoje precisarmos, primeiro, saber da matrícula de pessoas com deficiência, para depois, então, os recursos chegarem à escola, seja para sala de recurso multifuncional, seja para obras de acessibilidade. Isso é o revés. Ao contrário, as pessoas com deficiências estarão em todas as escolas. Nós não precisamos da matrícula de uma pessoa para que ela seja colocada quase que numa situação de ineditismo. Ela é que vai fomentar a preparação de um ambiente escolar. Não, as escolas todas já devem estar preparadas. E isso significa, mais uma vez, investimento. Perdoem-me, mas eu vou falar as palavras investimento e orçamento inúmeras vezes, porque os direitos sociais só conseguem ser implantados à medida que nós tivermos essa capacidade. E é preciso que haja também uma responsabilização, um termo que, no inglês, se chama accountability. Significa que os gestores estaduais e municipais, assim como o federal, precisam ser responsabilizados caso não haja prioridade no atendimento dos direitos das pessoas com deficiência. Aqui há estagnação. Houve até, de certa maneira, uma boa vontade quando algum dos aspectos foi considerado em progresso. Ora, aquilo que ainda mal começou nós temos que dizer que ainda não está cumprido, não está, de fato, levado a efeito.
12:03
RF
Então, eu entendo que não é possível que se permita que volte o PL 6.159/19, se não estou engada em relação à numeração do projeto de lei, que é aquele que pode dar fim à lei brasileira que define reserva de cargos para empresas. Ora, se 30 anos de trabalho não nos permitiram ainda terminar com o preconceito, com a percepção, com o capacitismo das empresas ao acharem que pessoas com deficiência não estão preparadas para o mercado de trabalho, não será fazendo com que elas possam evitar a colocação através do pagamento de multas ou de outras questões que isso vai acontecer. Então, aqui chamo a atenção, por favor, para que verifiquem que cada uma das leis precisa passar por este crivo, o crivo do confronto com o texto constitucional, que representa a Convenção da ONU e o crivo do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Eu acho que nesse relatório deve constar também que o "Nada sobre nós, sem nós", no Brasil, no momento, está tecnicamente prejudicado. Se o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência não está em ação, não está podendo atuar, porque não foi chamada a eleição da sociedade civil, isso significa que — se já não temos o art. 33, que trata da atuação do monitoramento independente — também acabamos não tendo sequer o Conselho Nacional. E, ao não termos o Conselho Nacional, não temos o progresso da preparação da conferência nacional. Com isso, também não temos o incentivo para os conselhos estaduais e municipais, que são muito poucos. Isso talvez pudesse ser uma grande contribuição para o futuro, para que — a exemplo da obrigatoriedade de Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, de Conselhos da Criança e de Conselhos do Idoso em todos os âmbitos, estadual e municipal — também o Conselho das Pessoas com Deficiência merecesse uma proposta legislativa para que existisse em todos os entes federados. Essa seria a maneira de contribuirmos para a implementação das políticas públicas para as pessoas com deficiência. Eu quero evitar ultrapassar demasiadamente o tempo, por essa grande deferência, já, da Mesa Diretora da audiência pública. Quero terminar colocando que nós não podemos, de forma alguma, deixar passar que no País não tenhamos garantidas questões relacionadas à mulher com deficiência e à criança com deficiência. Há ainda uma grande diferença salarial entre homens e mulheres no nosso País. E esse abismo, essa diferença é ainda maior quando olhamos para a empregabilidade e para o salário da mulher com deficiência. Quando essa pessoa consegue estar no mercado de trabalho, ela ainda tem uma diferença salarial muito maior em relação a homens com deficiência — aqui não me refiro somente à comparação entre pessoas sem e com deficiência; refiro-me também à comparação entre homens e mulheres com deficiência.
12:07
RF
Então, nós precisamos implementar políticas que deem maior suporte às pessoas. Isso significa dizer que a acessibilidade e as adaptações razoáveis no ambiente de trabalho são absolutamente essenciais para que, de fato, as pessoas com deficiência comprovem a sua capacidade de trabalhadores e de empreendedores no nosso País.
Agradeço a oportunidade de trazer essas pequenas colaborações. Faço, mais uma vez, menção à qualidade do documento. Que esse documento sirva de exemplo.
Quero também chamar a atenção da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Câmara, sob a regência da Deputada Rejane Dias, pessoa que tem um cuidado muito grande com os trabalhos relacionados à pessoa com deficiência, que conhece de perto o problema, para o que está sendo votado e analisado no momento, que é o Cadastro Inclusão. Considero que é um equívoco o projeto de lei que está sendo analisado neste momento, porque é um projeto que acaba falando sobre o CPF das pessoas com deficiência e outras questões, muito mais parecendo um mailing para merchandise do que um cadastro para as políticas públicas. É isto que, de certa maneira, a Secretária Priscilla Gaspar mostrou: ainda um modelo tímido do Cadastro Inclusão, mas apontando para a importância deste cadastro para a implementação de todas as políticas, e não o fato de nós precisarmos de uma listagem de pessoas com deficiência através de seus CPFs e outras informações de natureza pessoal, que não devem constar nesse cadastro como sendo o sucesso ali previsto. Então, peço que essa revisão seja feita na Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, porque isso tem uma relação direta com os direitos humanos.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço à Sra. Izabel de Loureiro Maior.
Izabel, não só você, como também todos e todas aqui estão dando não pequenas contribuições — são grandes contribuições, importantes contribuições. Agradeço a você, que é professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Primeira Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
12:11
RF
De fato, neste debate não podemos nos esquecer das palavras "orçamento" e "investimento" porque sem isso não qualificamos as políticas públicas. O nosso grande desafio é aperfeiçoá-las porque, se nós tivéssemos mais investimentos e mais orçamentos, certamente nós estaríamos num patamar diferente de educação inclusiva no nosso País. Não se trata, de fato, de olharmos só para o passado. Trata-se de olharmos também para o presente e para o futuro. Não se trata só de olharmos e analisarmos os erros que cometemos, mas de buscarmos acertar no presente e no futuro para que tenhamos efetivamente uma educação pública inclusiva que garanta os direitos das pessoas com deficiência.
Quero só deixar mais uma vez registrado, Izabel: você falou e outros também falaram aqui sobre a qualidade desse relatório e da metodologia. A ideia do Observatório Parlamentar — que nós temos aqui e estamos aqui inclusive por causa dele — já vem de muito tempo. Em 2019, eu e a Deputada Erika Kokay participamos, em Genebra, da revisão de meio período, a Revisão Periódica Universal — RPU. Lá nós tivemos contatos com vários representantes do Alto Comissariado, inclusive, tivemos uma reunião com Michelle Bachelet. Foi nesse processo e nessas reuniões que fizemos um desafio e propusemos à ONU estabelecer essa cooperação.
Ela é uma experiência única. Não existe essa experiência em nenhum outro país do mundo — a experiência de termos uma colaboração, uma cooperação entre o Alto Comissariado e o Parlamento de um país. Certamente, o êxito do trabalho que estamos desenvolvendo deverá inspirar a ONU para que outras cooperações, com outros países, sejam feitas nessa linha de monitoramento da Revisão Periódica Universal e também dos direitos humanos.
Mas é preciso registrar que a metodologia foi construída coletivamente. Nós tivemos a participação de um conjunto de consultores aqui da Câmara Federal e da ONU. Então, foi uma metodologia construída a várias mãos. É por isso que temos um trabalho de qualidade sendo apresentado. E são muito importantes as audiências públicas, porque, como disse o Moisés lá no início, nós podemos e devemos aperfeiçoar este relatório, que, neste caso, foi apresentado pela Symone Bonfim. Eu agradeço a ela imensamente.
Vejam que este debate de hoje está provocando muitas perguntas e participações. Temos mais participações aqui no e-Democracia, como a do Cahuê Talarico: "Na escola de hoje se constrói a sociedade do amanhã. Como pretender uma sociedade de fato inclusiva se a escola não respeita e não convive com a diversidade? Como se pretende o convívio harmônico entre as pessoas se estas não conviverem?"
Outra pergunta é a da Maraisa Helena: "Onde está o protagonismo das pessoas com Síndrome de Down e Transtorno do Espectro Autista nesta audiência? Elas conseguem falar por si. Temos grandes exemplos da participação delas em vários espaços da nossa sociedade, inclusive na defesa dos seus próprios direitos". Então, está aqui um questionamento sobre o protagonismo das pessoas com Síndrome de Down e Transtorno do Espectro Autista nesta audiência. Não conseguimos na audiência trazer todas as contribuições, mas fica aqui registrado, Maraisa, o seu questionamento.
12:15
RF
A Cinthya Campos de Oliveira diz assim: "Queremos mudar a escola, e não mudar de escola".
Por fim, passamos a palavra para a última convidada. Depois, para aqueles que desejarem, vai haver um tempo bem menor para fazer as considerações finais. Contudo, vamos ouvir antes a Maria Aparecida Gugel, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência — AMPID e também da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência — Rede-In.
Acho que a Maria Aparecida já está ficando enjoada de mim, porque presidi uma audiência pública esses dias na Comissão de Desenvolvimento Econômico, em que ela deu uma belíssima contribuição.
Tirando essa parte, Maria Aparecida, obrigado pela sua presença e participação aqui.
A SRA. MARIA APARECIDA GUGEL - É um prazer encontrá-lo novamente. Em homenagem a V.Exa., hoje coloquei, de novo, o meu lenço vermelho com branco. (Risos.)
Bom dia a todos e a todas. É quase boa tarde. Agradeço muitíssimo o convite que foi direcionado à AMPID e à Rede-In.
Deputado Helder Salomão, eu queria pedir licença para cumprimentar todos os Deputados e todas as Deputadas desta tão importante Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Eu queria cumprimentar V.Exas. em nome da Deputada Erika Kokay, porque, afinal de contas, estou aqui no DF, e S.Exa. representa, para mim, com muita galhardia, o Distrito Federal nesta Comissão. E, claro, quero cumprimentar também o Deputado Carlos Veras, que é o Presidente desta Comissão.
Não sei se é bom ou se é ruim falar por último. Eu sou Maria Aparecida Gugel. Estou aqui representando a AMPID, que é uma associação de membros e membras do Ministério Público de defesa da pessoa com deficiência e de pessoas idosas. Também represento a Rede-In, que é uma organização que reúne 16 organizações da sociedade civil de direitos humanos e de pessoas com deficiência. Essa organização tem por objetivo principal acompanhar as políticas públicas no Brasil e a implementação dos direitos previstos na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e na Lei Brasileira de Inclusão.
Sou uma mulher branca, de 61 anos de idade. Tenho cabelos curtos muito brancos. Uso óculos de grau. Estou vestindo uma blusa vermelha com um lenço vermelho e branco. Estou no meu ambiente doméstico de trabalho. Atrás de mim, há uma estante com livros e alguns quadros.
12:19
RF
Inicialmente, eu gostaria de fazer um elogio também — e não poderia deixar de fazê-lo — à Symone Bonfim pelo relatório feito. A Symone é uma excelente consultora deste Parlamento e uma querida amiga do Movimento de Pessoas com Deficiência.
Deputado Salomão, eu gostaria de perguntar se seria possível apresentarmos a este Observatório a nossa visão, a nossa perspectiva em relação a todos esses grupos e recomendações. Digo "nossa" porque é o olhar deste Movimento de Pessoas com Deficiência e, no nosso caso, da Rede-In e da AMPID. Se for possível, claro, e se for atender ao protocolo, eu gostaria que isso também fosse juntado a esse relatório.
O fundamento que eu uso para isso, Deputado Salomão, é justamente...
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Maria Aparecida, desculpe-me interrompê-la, mas eu já lhe respondo: é possível, sim.
A SRA. MARIA APARECIDA GUGEL - Ah, que ótimo! Eu ia fundamentar, Deputado Salomão, lembrando que justamente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência diz que, na tomada de decisão ou em qualquer iniciativa em relação às pessoas com deficiência, elas têm primazia. Elas precisam ser ouvidas. Então, o pedido que faço é neste sentido: que possamos trazer para este Observatório a nossa ótica em relação a todos esses temas.
Como sou a última a falar e sei que a maioria dos temas aqui já foram abordados, eu gostaria de já tratar da Recomendação do Grupo 1, de início, porque ela se relaciona diretamente ao art. 28 da Convenção, repetido na Lei Brasileira de Inclusão, que trata dos direitos das pessoas com deficiência com um padrão de vida adequado para si e para a sua família.
Essas recomendações vêm junto com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável — ODS 1, da ONU, que trata da erradicação da pobreza, especialmente a Meta 1.3, que visa implementar, em âmbito nacional, medidas e sistemas de proteção social adequadas.
Quando abrimos os documentos de informações brasileiros e vamos aos dados, por exemplo, do IPEA ao tratar desse ODS, dessa Meta 1.3 e de todas as metas correspondentes à erradicação da pobreza, vemos que há, digamos, um apagamento da pessoa com deficiência. Esses dados se referem a todas as pessoas com deficiência, mas precisamos tratar da pessoa com deficiência especificamente, não universalmente. Essa cobertura da assistência social é um direito constitucional, não é um favor deste ou daquele Governo; é uma medida, um direito constitucional previsto para todas as pessoas com deficiência e para as pessoas idosas que não conseguem gerir ou subsistir na vida por seus próprios meios ou por sua família.
12:23
RF
Ao lermos o relatório, na parte de tabelas, observamos que a assistência social, de 2016 a 2021, evoluiu nada, quase zero, porque só se somaram nesse período 113.997 beneficiários. A leitura que fazemos é que houve uma restrição fundamental, consolidada de acesso ao Benefício de Prestação Continuada. Infelizmente temos que dizer que essa restrição decorre do mando, do comando institucional do Estado brasileiro e suas respectivas Pastas, como o Ministério da Economia, o Ministério da assistência social e a agência pagadora, o Instituto Nacional do Serviço Social.
Esse aspecto é muito importante ressaltar. Para isso, trago aqui a nota pública — posso encaminhá-la a esta Comissão — editada pela Rede-In sobre a recente Lei nº 14.176, de 2021, que desconstrói esse guarda-chuva constitucional dirigido para a assistência social daqueles que mais precisam. Ao criar mecanismos redutores, restritivos ao acesso do Benefício de Prestação Continuada, essa lei afronta diretamente o art. 203, V, da Constituição da República, que estabelece esse direito ao benefício, à assistência social para a pessoa com deficiência sem nenhuma restrição. Para poupar tempo, depois, vou lhes encaminhar a nota.
Quero deixar aqui um pedido. Os Poderes Executivo e Legislativo deveriam ampliar o critério de renda para meio salário mínimo, independentemente de qualquer requisito, como já disse o Supremo Tribunal Federal, especialmente naquelas questões de difícil comprovação por parte da pessoa com deficiência, como o acesso a um determinado instrumento de tecnologia assistiva ou mesmo a um medicamento ou a instrumentos que deem atenção, por exemplo, à higienização dessa pessoa com deficiência.
12:27
RF
Essa nova lei, que foi encaminhada pelo Executivo e aprovada neste Congresso, não teve essa percepção do significado real do atendimento às pessoas com deficiência e às pessoas idosas no que diz respeito à assistência social. Então, mais uma vez, as pessoas de baixíssima renda ficam de fora desse direito constitucionalmente erigido pelo Estado brasileiro, pela sociedade brasileira, em 1988.
Essa mesma lei traz a previsão do auxílio-inclusão, que está previsto na LBI para as pessoas com deficiência moderada ou grave. E o que faz a Lei nº 14.176? Esquece esse comando da convenção sobre a necessidade de elevar o padrão de vida, de extrair essas pessoas da condição de pobreza. E, ao erigir o auxílio-inclusão, estabelece ali, claro, mecanismos — que é o que nós queremos — para retirar as pessoas com deficiência, na medida do possível, da assistência social e vir aqui para o sistema da Consolidação das Leis do Trabalho, que vai garantir a essas pessoas segurança, independência e autonomia financeira.
Mas o auxílio-inclusão, institucionalmente, pratica uma discriminação fatal em relação às pessoas com deficiência. Ele mantém todas as pessoas com deficiência no patamar de dois salários mínimos. Então, a pessoa com deficiência que sai do Benefício de Prestação Continuada — ou a que tenha recebido, nos últimos 5 anos, o Benefício de Prestação Continuada — e parte para o mundo do trabalho só pode receber até dois salários mínimos. É como se dissesse: "Olhe, daqui você não pode passar. Daqui você não passa porque, se você passar, eu retiro de você essa condição de beneficiária da assistência social e, ao mesmo tempo, o auxílio-inclusão". Na verdade, nós temos aqui uma discriminação institucional, uma estagnação dessa pessoa com deficiência no patamar de dois salários mínimos.
Essa nota da Rede-In, à qual me referi, diz que não pensaram sequer num escalonamento. Então, nós poderemos pensar num escalonamento à medida que o tempo avançar. Por exemplo, se a pessoa receber a participação nos lucros e ultrapassar os dois salários mínimos, vamos decrescer aqui um percentual do auxílio-inclusão para que, paulatinamente, essa pessoa passe para a condição de empregado ou empregada dentro desse sistema da Consolidação das Leis do Trabalho.
Mas eu tenho certeza também de que o espírito — e ouvi a Senadora Mara Gabrilli, que foi a Relatora da Lei Brasileira de Inclusão — do auxílio-inclusão não é esse. O espírito do auxílio-inclusão é dar condições a todas as pessoas com deficiência de receber um auxílio para a remuneração do custo que a deficiência tem sobre cada uma dessas pessoas com deficiência. Esse deveria ser o espírito do auxílio-inclusão para atender, volto a dizer, a convenção e a própria Lei Brasileira de Inclusão.
12:31
RF
Em relação às recomendações do Grupo 2 — e eu vou correr agora, Deputado —, que trata dessa continuidade de esforços para consolidar os direitos das pessoas com deficiência e reforçar a implementação de políticas públicas relacionadas às pessoas com deficiência, eu sinto dizer que um dos desafios principais que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência traz para nós é fazer com que as pessoas com deficiência conheçam os seus direitos e participem ativamente da tomada de decisões dos programas e das políticas públicas. Sinto dizer, como já referiu Izabel, que isso não está ocorrendo. Nós não temos campanhas permanentes de conscientização sobre esses direitos. As consultas do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, que deverão envolver pessoas com deficiência, inclusive as crianças com deficiência, e suas organizações representativas, estão quase esquecidas.
Também esquecem de lembrar que nós temos que identificar as múltiplas formas de discriminação, em particular, com relação às mulheres e às crianças com deficiência. Esses dois grupos, mulheres e crianças, são os que estão sob maior risco. Nós nem sequer temos mecanismos de levantamento de dados. Então, isso precisa constar desse observatório. Nós precisamos, urgentemente, ter mecanismos de consultas habituais para tudo o que for gerar uma lei, uma portaria, um decreto, em todos os Poderes, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, e nos Ministérios Públicos, porque nós também fazemos a gestão de pessoas. E também temos que colocar na nossa ordem do dia ouvir as pessoas com deficiência para poder melhor decidir e melhor administrar a gestão de pessoas.
No que se refere a esse grupo — e sinto muito fazer esta alusão —, também sinto a falta de algo no relatório. É um desafio fundamental no Brasil reconhecer a acessibilidade como direito fundamental e tornar a acessibilidade transversal em tudo o que se pensar, eu já digo assim, em todos os direitos. Se não estiver à disposição o recurso adequado de acessibilidade, um direito que diz respeito à vida diária da pessoa com deficiência dificilmente será correspondido, dificilmente terá o acesso necessário. Então, nesse relatório precisa constar a falta de incremento para acessibilidade. E não me refiro somente à acessibilidade física, urbanística, nos transportes, na comunicação e na informação, mas também às atitudes de todos esses poderes constituídos aos quais é dada a tomada de decisão. Portanto, para além dessas recomendações que foram trazidas pela Organização das Nações Unidas e que nos fazem refletir dentro deste observatório, está também a necessidade de aferirmos a acessibilidade. Não basta olhar para a legislação de acessibilidade, Leis nºs 10.098 e 10.048, Decreto nº 5.296, normas técnicas. É preciso saber exatamente se elas estão sendo aplicadas.
12:35
RF
O SR. HELDER SALOMÃO (PT - ES) - Peço que conclua sua apresentação, Aparecida.
A SRA. MARIA APARECIDA GUGEL - E, como ressaltou Izabel, agora, neste momento de pandemia, faltou enxergar a pessoa com deficiência na prioridade do plano nacional de imunização. E, mais do que isso, faltou informar sobre o plano de forma acessível, porque as pessoas surdas não o ouviam, as pessoas cegas não o liam, as pessoas com síndrome de Down ou com deficiência intelectual não o entendiam e, igualmente, as pessoas com deficiência mental não se apropriavam dessa informação, ou seja, até na informação faltou pensar na pessoa com deficiência.
Voltando ao Grupo 2, além dessas observações, eu encaminho, peço, solicito ao Estado brasileiro e a todos os poderes constituídos que procurem não restringir... E eu coloco entre parêntese: não discriminem institucionalmente a participação da sociedade civil organizada nas tomadas de decisão, especialmente a participação em conselhos de direitos que tenham a atribuição constitucional do controle social.
Nós precisamos — estamos aqui na Casa Legislativa — de conselhos de direitos previstos em lei, criados por lei, que tenham sua composição definida, suas atribuições definidas, seus fundos específicos criados com autonomia orçamentária, financeira própria, para que possam decidir e fazer esse controle de forma independente, e não segundo a vontade desse ou daquele Governo de plantão.
12:39
RF
Nós precisamos dar um passo à frente, nós precisamos de autonomia nos nossos conselhos de direitos. A ONU já disse que em qualquer organização de direitos humanos, em qualquer foro onde se discutam direitos humanos — e aqui agregamos pessoas com deficiência — é preciso existir autonomia, desprendimento dos órgãos constituídos do Poder Executivo. Os chamados Princípios de Paris, estabelecidos em uma resolução de 1992, o Brasil ainda não implementou.
Outra sugestão é não restringir institucionalmente. Volto a dizer: não à discriminação institucional para a criação, a concepção da avaliação biopsicossocial, tal como a Izabel colocou em sua fala, quando necessária, das pessoas com deficiência.
Quanto ao grupo que diz respeito ao combate à discriminação de qualquer tipo contra pessoas com deficiência, eu vou fazer aqui uma miscelânea para ganhar tempo e sugerir que conste desse relatório que o Estado brasileiro não pode restringir o acesso das pessoas com deficiência ao concurso público. E eu me refiro ao Decreto nº 9.546, de 2018, que veio logo em seguida ao Decreto nº 9.508, que tentava solapar, impedir, restringir o tratamento diferenciado de candidatos e candidatas com deficiência aos concursos públicos nas provas físicas, por exemplo.
Ora, concurso público é para todos e não basta reserva de cargos. Nós temos que ter esse complemento eficiente e eficaz, que é a acessibilidade. Todos os recursos de acessibilidade, colocados juntos com a reserva de cargos, dão a eficiência de que nós precisamos para que candidatos e candidatas com deficiência possam, então, acessar esse direito constitucional — o concurso público já é um direito constitucional, garantido no art. 37 da Constituição da República —, acessar esses postos reservados.
E eu não lembro quem foi que falou — acho que foi o colega Raphael, do MPF — do concurso público do Banco do Brasil. O Banco do Brasil é uma sociedade de economia mista. Portanto, tem que atender à Lei nº 8.213, de 1991, que trata da reserva de postos de trabalho. Estou falando de 5% de mais de 9 mil empregos públicos que tem o Banco do Brasil. Então, o Banco do Brasil não tem que reservar vaga no concurso público. O Banco do Brasil tem que fazer concurso público e admitir todos aqueles candidatos e candidatas com deficiência que se classificaram para compor a cota, a reserva de cargos, que é 5%, porque o Banco do Brasil tem mais de mil empregados no seu quadro de carreira.
12:43
RF
Tenho que me referir aqui a uma proposição não só da AMPID, como também da Rede-In: não restringir o acesso e não praticar discriminação institucional quando se coloca à baila um decreto que corta todo o progresso e toda essa conquista de direitos à educação inclusiva. Esse decreto, o Decreto nº 10.502, de 2020, ao qual o Deputado outros colegas aqui da Mesa já se referiram, agora está sob o pálio do Supremo Tribunal Federal para a sua análise e o seu julgamento.
Mais do que isso, eu chamo a atenção dos senhores para o Projeto de Lei nº 3.179, de 2012, porque ele é também discriminador. Este PL trata da educação domiciliar ou homeschooling, como está colocado no PL. Não se sabe o porquê de se trazer este modelo de educação domiciliar discriminatório para o Brasil, porque ele certamente só vai atender as classes abastadas. Se ele for colocado à nossa disposição, certamente as pessoas com deficiência serão as mais prejudicadas. Nós queremos convívio de pessoas com deficiência e sem deficiência desde a mais tenra idade.
E aí eu já respondo a uma pergunta: "Por que existe a diferença entre o Decreto nº 10.502 e o PL 4.909/20, em curso lá no Senado Federal?" Trata-se de escola bilíngue exclusiva para surdos. Sabe o que nós queremos? Que a escola brasileira, a escola inclusiva tenha a diversidade de pessoas com deficiência que existe aqui no Brasil. Nós queremos sentadas juntas várias naturezas diferentes de deficiência: física e sensorial, surdos e cegos, deficiência intelectual e deficiência mental, desde a mais tenra idade. Por quê? Porque é na convivência com a diferença — com atendimento educacional especializado para atender alunos cegos, surdos, com deficiência intelectual — que nós vamos educar este País para o futuro e para o trabalho inclusivo lá na frente.
Tenho mais algumas colocações. Gostaria de fazer, Deputado, se me permite, uma última intervenção, que diz respeito ao trabalho. Esta é a Recomendação nº 2015: continuar os esforços de apoio à participação de pessoas com deficiência na força de trabalho. Eu sinto dizer isto, mas não concordo com o relatório porque, desde sempre, este avanço não ocorre. A todo momento — nesta Casa Legislativa, inclusive — nós temos tentativas sistemáticas de abrandamento da ação afirmativa à reserva de cargos.
E trago um exemplo atualíssimo, que eu vi na semana passada: trata-se do Projeto de Lei nº 626, de 2021, que ainda não tem relatoria. Ele absolve o empregador que demitir uma pessoa com deficiência. Diz assim: ''Olhe, até 40 dias, a contar do cumprimento do aviso prévio, eu perdoo a empresa, que não precisará recompor sua reserva com um empregado ou uma empregada com deficiência''. A substituição de pessoas com deficiência e beneficiários reabilitados da Previdência Social nada mais é do que manter íntegra a cota, a reserva de vagas. E agora, para a nossa surpresa, temos a Medida Provisória nº 1.045, de 2021, que traz mecanismos de verdadeira situação de abandono do sistema jurídico voltado para a proteção do trabalhador. Há um programa de primeiro emprego, inclusive com a possibilidade de acordo extrajudicial para acompanhar a quitação das parcelas, e se prevê a contratação civil, sob os domínios do Código Civil, fugindo de uma relação de emprego, para que a pessoa possa trabalhar, no mínimo, 22 horas.
12:47
RF
Ora, essas alterações atingem em cheio o trabalhador e a trabalhadora com deficiência, que com muita conseguem se manter nesse sistema de reserva de cargos, que, volto a dizer, se não tiver acessibilidade e ambientes inclusivos, não vai vingar.
Portanto, nesse aspecto, eu acho que esse relatório precisaria ser encorpado, precisaria ser complementado com todas essas informações.
São essas as colocações, Presidente Helder Salomão, e peço desculpas por ter ultrapassado o meu tempo.
Muito obrigada! Obrigada pela paciência, colegas e ouvintes.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço à Sra. Maria Aparecida Gurgel, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência — AMPID e da Rede-In — Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Quero registrar que já está entre nós a Deputada Erika Kokay, Vice-Presidente desta Comissão e Deputada muito atuante na defesa dos direitos humanos. Eu já tinha feito uma referência à Deputada porque ela é uma das responsáveis por este observatório. Já contei a história de como isso se tornou realidade. Agradeço à Deputada Erika Kokay, que tinha sido citada inclusive pela Sra. Maria Aparecida Gurgel no início da sua fala.
É impressionante o número de questões apresentadas nesta audiência pública! Eu até digo a vocês que eu estou com um problema, porque eu tenho um voo daqui a pouco e não vou poder ouvir as considerações finais de todos. Mas a Deputada Érica estará aqui para ouvi-los.
Há várias questões apresentadas, várias, no e-Democracia. Vamos lá.
12:51
RF
"Seria possível a AMBID ou outra associação de âmbito nacional fazer uma ACP igual à Ação Civil Pública nº 05300027139-2, da 6ª Vara da Fazenda Pública, proposta, à época, pelo Grupo de Atendimento Especial de Saúde Pública do Ministério Público de São Paulo, cujo trânsito em julgado ocorreu em 2005 e condenou o Estado de São Paulo a oferecer atendimento educacional, médico e terapêutico especializado a pessoas com autismo?" Essa pergunta é do Marcelo Rodrigues Brito Oliveira.
Há uma outra questão aqui, da Meire Cavalcante. Tudo foi enviado pelo e-Democracia. "O Ministério da Educação está inoperante. Não fez nada de relevante na pandemia. Deixou os sistemas de ensino à deriva! Na inclusão, só fez o Decreto nº 1.052, de 2020, e apoiou o Projeto de Lei nº 4.909, de 2020, que são inconstitucionais. Quais ações judiciais cabem diante de tanto retrocesso?"
A Cinthya Campos de Oliveira Mascena diz: "O que apresento agora não é uma pergunta, mas um alerta. Tivemos ontem, dia 15, o andamento do PL 3.393/19, de autoria da Deputada Soraya Manato, que visa criar creches para alunos com autismo e síndrome de Down. Contamos com a Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência e com a Relatora Rejane Dias no sentido de não aprovarem esse PL discriminatório e segregatório".
Na verdade, esses grupos estão alertando que, como se criou uma escola bilíngue, agora as iniciativas serão criar outras escolas para atender pessoas com deficiência.
E aqui já há uma outra proposta apresentada, segundo a Cinthya Campos de Oliveira Mascena.
A Vilmara Mendes Gonring também disse o seguinte: "Gostaria de saber por qual motivo as atividades do CONADE estão suspensas".
A Cinthya diz de novo: "Poderiam esclarecer o que motivou a saída da AMPID do CONADE?"
E o José Augusto Galdino da Costa: "Sem educação eficiente e inclusiva, haverá salvação para a democracia?" Essa é a pergunta do José Augusto. Sem educação eficiente e inclusiva, haverá saída para a democracia?
Olha, senhores, nós temos aqui perguntas que dão pelo menos mais umas três audiências.
Eu quero agradecer a participação de todos e parabenizá-los. De fato, nós tivemos uma audiência riquíssima que superou todas as expectativas.
Eu vou passar agora para a Deputada Erika Kokay, que está aqui e é membro desta Comissão, para que também faça as suas considerações. Ela está aqui nos acompanhando desde o início da fala da Maria Aparecida, pois estava em outro compromisso.
Tem a palavra a Deputada Erika Kokay.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Primeiro, quero fazer uma saudação muito especial e carinhosa à Maria Aparecida, que tem sido absolutamente fundamental na construção dos direitos da pessoa com deficiência e na tradução dos fatos.
Nós estamos vivenciando no Brasil um momento de negacionismo muito estrutural, um negacionismo dos próprios fatos, da realidade. É como se os fatos se impusessem e se dissesse: "Não, oras bolas! São só fatos. Vamos menosprezá-los". Por isso, a importância de nós estarmos traçando os diagnósticos necessários, mutuando a realidade como limite objetivo para as diversas interpretações desta própria realidade. Quando se negam os fatos, constrói-se uma narrativa que não corresponde à própria realidade. Dentro dela, dessa narrativa, só cabem os que pensam da mesma forma. E, de certa forma, eles são cúmplices da negação da própria realidade.
12:55
RF
Eu digo isso para pontuar aqui a importância do observatório, a importância dessa construção que foi feita. E eu digo que o Deputado Helder, na Presidência desta Comissão, construiu um instrumento que nos parece absolutamente fundamental e que pode ter inúmeros desdobramentos.
Nós estamos aqui fazendo uma discussão sobre as recomendações e vamos verificar que grande parte dessas recomendações foram ignoradas. Algumas estão em progresso, mas não temos recomendações que tenham sido efetiva e peremptoriamente cumpridas.
É importante também que, a partir desses fatos, dessa constatação — e o observatório serve para isto: para desnudar, para apontar, para diagnosticar —, tendo como base as próprias recomendações dos direitos das pessoas com deficiência, que nós possamos fazer desdobramentos. Por exemplo: nós vamos perceber aqui, pelo relatório preliminar, que há um decréscimo de recursos para as pessoas com deficiência que são beneficiárias do BPC. Então, há um decréscimo.
Nós precisamos fazer uma discussão. E aqui falo, Deputado Helder, também representando a Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência. A nossa Presidenta, a Deputada Rejane Dias, tem presidido de forma tão profunda e tão bela aquela Comissão. Nós precisamos fazer uma discussão para tentarmos traduzir os fatos e, a partir daí, entendermos como eles se pontuaram.
Por que houve uma redução no número de beneficiários do BPC das pessoas com deficiência? E há um apontamento do TCU de que 25% desses benefícios foram feitos pela via judicial.
Recentemente, esta Casa aprovou uma proposição com poder conclusivo nas Comissões. Portanto, a Câmara aprovou um processo que dificulta que você tenha acesso a perícias para a conquista de benefícios, no Direito Previdenciário. Ela estabelece inclusive a limitação, ou seja, estabelece uma dificuldade imensa para a conquista dos benefícios. Constrói-se uma série de prerrogativas e se diminui o número de perícias. E nós sabemos que, segundo o TCU, 25% dos benefícios concedidos de 2014 a 2017...
Via de regra, tem-se negado o benefício. Você tem que recorrer para que possa conquistá-lo no Poder Judiciário. Limita-se o processo de entrada na Justiça, para que você possa conquistar o direito. Limita-se o direito de buscar o direito, o direito de acesso à Justiça, que é um direito absolutamente incontestável. Se, entre outras coisas, limita-se o número de perícias, você está dificultando e cerceando o recurso ou o acesso ao Poder Judiciário para a conquista do próprio direito.
Então, é preciso que nós possamos traduzir e analisar esses dados. Temos que analisar os dados, por exemplo, que pontuam uma série de proposições que vêm na perspectiva de retrocesso de direitos.
Nós temos um projeto aqui nesta Casa que praticamente acaba com as cotas, as cotas no mercado de trabalho. Nós temos aqui proposições — isso veio do próprio Governo e foi cerceado ou sustado por uma ação judicial — para acabar com a educação inclusiva, com tudo o que se conquistou do ponto de vista de assegurar direitos e construir uma sociedade inclusiva, porque todos têm direito à cidade. O direito à cidade é um dos direitos, penso eu, mais contemporâneos, aliado ao direito de ser, ao direito à existência plena, como se é. Mas esse direito à cidade tem sido negado, porque você não tem um desenho universal da cidade.
12:59
RF
Tem razão a Dra. Maria Aparecida Gurgel quando pontua que, para além das cotas, tem que se assegurar, primeiro, a acessibilidade e as cotas nos concursos, nos concursos, e tem que se assegurar a acessibilidade, para entendermos aquilo que nós já aprovamos nesta Casa, que é marco legal.
O marco legal da LBI pontua que a deficiência não está com a pessoa, porque todos nós somos únicos, singulares e temos as nossas especificidades, mas na construção de um ambiente, de uma sociedade, de uma cidade que possibilite que você se sinta incluído nela — os desenhos universais arquitetônicos —, mas também que possibilite vencer as barreiras atitudinais, vencer as barreiras de comunicação. Tudo isso exige o reconhecimento da necessidade de se sair do modelo médico e se construir uma avaliação biopsicossocial — porque nós não conseguimos avançar nisso —, para que entendamos que a deficiência se concentra no ambiente ou na própria sociedade e para que ela seja superada. E ela vai ser superada rompendo todas as barreiras.
Portanto, eu diria que nós precisamos assegurar, primeiro, que não haja retrocessos, porque há vários retrocessos. Nós não temos mais, praticamente, o Viver sem Limite. Ainda que o Viver sem Limite pudesse ser aprimorado aqui ou ali, pudesse ser ampliado nas novas concepções e pudesse ter outras concepções, o Viver sem Limite não existe mais. O Viver sem Limite tem colocado em risco uma série de programas que são fundamentais para assegurar a acessibilidade e os direitos.
Nós temos uma série de legislações que são propostas para apartar, para segregar, para excluir e para impedir que avancemos. Então é um processo de resistência. Isso passa também pelos conselhos, Presidente Helder Salomão. Os conselhos não podem ser feridos como estão sendo. O Governo, no primeiro momento, queria extinguir todos os conselhos. E os conselhos que têm que ser mantidos por decisão judicial, porque são frutos de uma legislação, não podem ser asfixiados, não podem ser vítimas de um processo de cerceamento, enfim, de uma série de mecanismos, para que não existam enquanto construtores de políticas públicas que possam também fiscalizar o exercício dessas políticas públicas.
Eu concluo dizendo, primeiro, da importância, mais uma vez, desse relatório. Aqui há vários dados que nós precisamos desenvolver e entender, para que nós possamos, enfim, superá-los. Um deles é a discussão do BPC. Várias vezes, esta Casa apontou para a elevação da renda para que se tenha acesso ao BPC, ou seja, que tenhamos uma renda per capita de meio salário mínimo como um direito ao BPC das pessoas com deficiência e das pessoas idosas. E nós temos muita resistência, porque o orçamento está gafado. Ele está gafado por interesses rentistas. Ele também tem sido utilizado como uma peça de sustentação num Governo que não se sustenta por mérito próprio. Nós temos um orçamento secreto aqui. Então, nós precisamos fazer uma discussão das mais profundas para colocar todas essas políticas no orçamento para que elas possam se transformar em realidade. E essa é uma discussão que nós vamos ter que fazer nas duas Comissões. Então, eu sugiro apenas, a partir deste relatório — e aí mais uma vez mostrando a minha alegria de termos esse instrumento e agradecendo, inclusive, à Consultoria da Câmara, que tem sido fundamental na construção desses relatórios, desse convênio com o Alto Comissariado da ONU, e que tem elaborado peças que são fundamentais para que possamos traçar um diagnóstico, ter acesso aos fatos e à realidade, não às narrativas mentirosas que buscam substituir os próprios fatos —, que nós possamos nos desdobrar sobre elas e, a partir daí, possamos ter as condições necessárias de superação de todos os óbices e de construção de muitas resistências.
13:03
RF
Eu sei que, de tudo isso, há uma coisa que realmente pontuo como um grande avanço, que talvez não possamos medir, mas podemos sentir, que é o nível de protagonismo. Então, isso de "nada de nós, sem nós" é absolutamente estruturante, porque significa possibilitar o exercício de uma condição humana que pressupõe a condição de sermos sujeitos.
Sugiro que esta Comissão, junto com a Comissão dos Direitos das Pessoa com Deficiência, possa fazer uma discussão no segundo semestre, ou seja, no retorno aos trabalhos desta Casa, para escutarmos a sociedade civil e elaborarmos proposições para incluir direitos no orçamento. O orçamento é uma expressão de um desprezo com os direitos das pessoas com deficiência. E o direito das pessoas com deficiência é o direito de vivenciarmos uma sociedade onde caiba todo mundo e, portanto, uma sociedade realmente justa e democrática.
Um abraço grande.
Aqui registro as saudações muito especiais da Deputada Rejane Dias, que é Presidenta da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência e que tem feito um trabalho extremamente importante nesta Casa.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigada, Deputada Erika Kokay.
V.Exa. é sempre uma inspiração para nós, pelo seu compromisso sempre muito firme, muito decisivo em defesa dos direitos humanos e de todas as bandeiras por que o nosso povo tanto clama.
Então, muito obrigado pela sua contribuição.
Aqui hoje nesta audiência nós falamos de retrocessos, mas também falamos de resistência, de direitos, de cidadania, de educação inclusiva, de orçamento, de investimento, de auxílio inclusão, de acessibilidade, de pandemia, de pessoa com deficiência e de imunização. Nós falamos também sobre os conselhos de direitos, sobre cotas e sobre tantos outros temas importantes.
13:07
RF
Quero agradecer imensamente a todos e a todas vocês.
Eu queria poder, neste momento, possibilitar que cada um dos convidados pudesse fazer suas considerações finais, mas, como eu fui muito tolerante com as falas, o que ocorreu? Já são 13h18min. Nós estamos há 3 horas em audiência pública aqui. A previsão era de 2 horas, e nós estamos há 3 horas, mas, felizmente, tivemos uma audiência muito rica. Ocorre que agora também eu já estou com um problema de horário. Eu preciso me dirigir imediatamente para o aeroporto, porque senão eu perco o voo de retorno para o meu Estado.
Então, eu peço desculpas aos nossos convidados por não poder conceder, pelo menos, mais 1 ou 2 minutos agora no final para as considerações, mas eu quero dizer que este debate não se encerra aqui. Este debate continua, e nós teremos, certamente, outras oportunidades nesta Comissão e em outras Comissões para fazer este debate fundamental em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, em defesa dos direitos sagrados da nossa população.
Eu peço desculpas a você também que nos acompanha pelas redes sociais. E eu agradeço a todos, porque também colaboraram muito. Várias perguntas e questões foram colocadas.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente audiência pública, convocando para as seguintes reuniões: reunião deliberativa que ocorrerá na quarta-feira, dia 4 de agosto, às 13 horas, e audiência pública destinada a discutir a regularização migratória e o fechamento de fronteiras no contexto da pandemia da COVID-19, que ocorrerá por teleconferência na quarta-feira, dia 4 de agosto, às 15h30min.
Declaro encerrada a sessão.
Muito obrigado a todos e todas, inclusive à Deputada Erika Kokay.
Voltar ao topo