3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação
(Audiência Pública Extraordinária (virtual))
Em 21 de Junho de 2021 (Segunda-Feira)
às 14 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, convocada com o objetivo de discutir o combate à desinformação, com foco no papel da educação, da checagem de fatos dos pesquisadores e da grande mídia. O debate é motivado pela tramitação nesta Casa do Projeto de Lei nº 2.630, de 2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecido como projeto de combate às fake news.
Esta audiência pública atende aos Requerimentos nº 51, de 2021, dos Deputados Luiza Erundina e Rui Falcão; nº 53, de 2021, do Deputado Vitor Lippi; nº 57, de 2021, do Deputado Coronel Chrisóstomo; e nº 59, de 2021, de minha autoria. Todos foram subscritos pelos Deputados Aliel Machado, Bira do Pindaré, Nilto Tatto e Ted Conti. O Requerimento nº 57 foi subscrito ainda pelo Deputado Bibo Nunes.
Esclareço os procedimentos a serem adotados na condução dos trabalhos. Cada palestrante terá até 7 minutos para fazer a sua exposição, não sendo permitidos apartes. Encerradas as apresentações, será concedida a palavra aos Parlamentares inscritos, por até 3 minutos. Os palestrantes disporão do mesmo tempo para a resposta. Ao final do debate, cada convidado terá até 3 minutos para as suas considerações finais.
Informo que esta reunião está sendo transmitida ao vivo, pela Internet, em formato interativo, e pode ser acessada pela página da Comissão no portal da Câmara ou pelo Youtube, no canal oficial da Casa. Também na página da Comissão está disponível o link para o portal e-Democracia, por onde é possível enviar perguntas aos palestrantes. Após a audiência, as apresentações e multimídia enviadas serão disponibilizadas para consulta na página da Comissão.
Os convidados que participarão desta audiência pública — aos quais faço um especial agradecimento pela presença — são: a Sra. Patricia Blanco, Presidente do Instituto Palavra Aberta; o Sr. Francisco Rolfsen Belda, Presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo — PROJOR; o Sr. Marcelo Rech — desculpem-me se errei a pronúncia de algum nome —, Presidente da Associação Nacional de Jornais — ANJ; o Sr. Marcelo Träsel, Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo — ABRAJI; o Sr. Sérgio Lüdtke, Coordenador do Projeto Comprova; o Sr. Thiago Tavares, Presidente da SaferNet Brasil; o Sr. Caio Machado, Diretor-Executivo do Instituto Vero; o Sr. Rodrigo Murtinho de Martinez, Diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz — FIOCRUZ; e o Sr. João Henrique Rafael, representante da União Pró-Vacina — UPVacina. O Instituto Butantan comunicou a impossibilidade de participar desta audiência.
Passo a palavra para a nossa primeira expositora, a Sra. Patricia Blanco, por 7 minutos.
Deixo claro que há um grande número de participantes. Mais uma vez, agradeço tanto aos participantes e palestrantes que aqui falarão, como também aos Parlamentares presentes. Já vejo na tela a Deputada Luiza Erundina e a Deputada Angela Amin, ambas muito presentes e participantes deste debate. Serei o mais rigoroso possível com o tempo de cada orador. Peço à assessoria também para me ajudar nisso, porque há muita gente para falar. Também tenho certeza de que os Parlamentares querem participar do debate.
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Passo a palavra para a primeira participante, a Sra. Patricia Blanco, que inclusive já pediu à assessoria autorização para o compartilhamento de tela. Então, peço para a equipe ajudar aqui. Passo a palavra à Sra. Patricia Blanco, por 7 minutos.
A SRA. PATRICIA BLANCO - Olá, Deputado. Boa tarde. Muito obrigada pelo convite.
Deputadas Luiza Erundina e Angela Amin, é um prazer ter V.Exas. aqui.
Agradeço esta oportunidade de falar sobre um tema tão importante.
Eu queria só projetar a minha apresentação. Vamos ver se já me liberaram. Peço só um minutinho. (Pausa.)
Não estou conseguindo a autorização. Eu já mandei a apresentação. Será que é possível compartilhar por aí, por favor? Vou tentar por esse aqui. Agora entrou.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Vou pedir à assessoria para retomar o tempo da Sra. Patricia. Quero ser rigoroso com o tempo, mas...
A SRA. PATRICIA BLANCO - Serei breve, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Está bem.
A SRA. PATRICIA BLANCO - Queria cumprimentar todos os meus colegas aqui que estão juntos nesse desafio do combate à desinformação.
Quero dizer que nós, do Palavra Aberta, como entidade sem fins lucrativos e que defende a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a livre iniciativa e o livre fluxo de informação, temos a defesa do bom jornalismo e da informação de qualidade como um dos nossos princípios. Combater a desinformação a partir da ótica da educação é algo que acreditamos que seja necessário e também algo de longo prazo. Então, eu queria já passar para o próximo eslaide.
(Segue-se exibição de imagens.)
Vou falar rapidamente sobre o Palavra Aberta, que, como expliquei, é uma entidade sem fins lucrativos que trabalha na defesa da liberdade de expressão, imprensa e livre circulação de informação como pilares fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade forte e democrática.
Nos últimos anos, vimos uma superabundância de informação. Gosto muito dessa imagem porque mostra o que é o ambiente informacional hoje. De uma hora para outra, também esse ambiente de informação trouxe muita poluição informacional, com informações vindas de todos os lados, a todo o momento. Muitas delas, muitas vezes, são acessadas pela palma das nossas mãos, via dispositivo móvel.
Nesse ambiente informacional, vimos tudo junto e misturado dentro dos nossos dispositivos móveis. Então, temos notícia, informação, desinformação, opinião, sátira, humor, propaganda, publicidade, entretenimento, discurso de ódio e golpes — muitos golpes — digitais. Isso acontece de uma forma que está confundindo demais até os cidadãos e leitores mais informados desse processo.
Esse ambiente superpovoado de informações foi propiciado principalmente por conta de quatro questões, que eu queria trazer. Inicialmente, houve a pulverização de autoria. Hoje todos nós somos produtores e autores de conteúdo e disseminadores desses conteúdos. E essa pulverização foi possível graças à democratização de ferramentas de produção cada vez mais sofisticadas e acessíveis a todos que podem utilizar esse ambiente virtual. Também houve uma mudança radical no modelo de negócios do jornalismo e da imprensa em geral, com a possibilidade de baixo custo de entrada para novos veículos e novas vozes, o que é muito importante e interessante. Temos aqui exemplos de diversos veículos nativos digitais, que nasceram já nesse ambiente de possibilidades que a Internet e as ferramentas digitais nos trouxeram.
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Todo esse ambiente de proliferação acaba sendo recebido por uma sociedade com baixo letramento informacional, que ainda tem crenças e ideologias superando os fatos, com viés de confirmação. A economia da atenção muitas vezes é representada pelos algoritmos como porteiros da informação, que geram um ambiente completo de desinformação.
A forma desse cenário precisa ser mudada, porque ele é extremamente desafiador, com enormes desigualdades na educação pública, como acesso à tecnologia, inclusão digital, falta de infraestrutura e deficiência na formação de professores. Nesse ambiente, temos uma nova forma de ensinar e aprender. Há também um desafio que chega ao motivo desta audiência pública. Recentemente, a OCDE divulgou um estudo, que mostrou que 7 em cada 10 estudantes de 15 anos têm dificuldade em diferenciar fatos de opinião. Esse cenário nos faz mudar a forma como construímos relacionamentos, mesmo no século XXI.
Essa fala é do diretor da área de educação da OCDE, responsável pelo estudo que mostra a necessidade de avançarmos na discussão sobre o que é alfabetizar no século XXI.
Nessa linha, observamos o que prega o conceito de educação midiática, que é o conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático.
No Palavra Aberta, por meio do Programa de Educação Midiática do Instituto Educa Mídia, criamos um currículo baseado em três pilares: o da leitura crítica da informação, o da produção ativa de conteúdo responsável com fluência digital, incentivando a autoexpressão, e o da participação cívica da sociedade.
Esse é o nosso currículo de competências gerais. Acreditamos que a educação midiática ajuda muito no combate à desinformação, na medida em que o aluno passa a ler a informação de forma crítica, a ter acesso a fontes diversas, a questionar de onde vem, por que e qual o propósito da informação. Ela ajuda também no combate ao discurso de ódio, à intolerância. Além disso, ela ajuda o cidadão a não ser um disseminador de desinformação, ensinando a sua responsabilidade e o seu papel nessa sociedade conectada.
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Acreditamos que a educação midiática leva à inclusão e à cidadania. Ela transforma a presença digital em fluência digital e faz com que esse cidadão se torne um agente mais responsável e apto a exercer a liberdade de expressão. Não existe uma bala de prata no combate à desinformação, mas a educação midiática e informacional é um caminho seguro e de longo prazo para conseguirmos enfrentar esse grande mal que afeta a todos e a nossa democracia.
Muito obrigada, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Agradeço mais uma vez à Sra. Patricia Blanco a participação e o respeito ao tempo.
Passo a palavra ao Sr. Francisco Rolfsen Elda. Desculpe-me, de antemão, se tiver pronunciado seu nome de forma incorreta. Estou muito acostumado a isso acontecer com o meu nome.
O tempo disponível é de 7 minutos. (Pausa.)
Em virtude de um problema no áudio, se não for um problema para o próximo palestrante, vou pular o Sr. Francisco e passar a palavra ao Sr. Marcelo Rech pelo tempo 7 minutos. Sr. Marcelo, está pronto?
O SR. MARCELO RECH - Está tudo certo.
Deputado Paulo Ganime, é um prazer estar aqui. Agradeço o convite à ANJ. É um prazer também ver os amigos e colegas neste painel. Registro meu abraço à Patricia e a todos os colegas.
Peço à assessoria que coloque a minha apresentação na tela para darmos início a minha fala e eu usar o menor tempo possível.
(Segue-se exibição de imagens.)
Ressalto que falar de fake news exigiria, obviamente, semanas ou dias de debates. Então, até como forma de complementar as demais apresentações, eu vou tentar me concentrar na pandemia de coronavírus e desinformação, sempre fazendo uma ressalva da minha visão.
Na visão da ANJ, o melhor antídoto para as fake news não é o controle de grupos de mensagens ou a tentativa de controle de informação, de forma alguma, mas, sim, o reforço da atividade profissional do jornalismo. Esse é o grande antídoto. Com a erosão econômica do jornalismo, nos últimos anos, houve o crescimento da desinformação ocupando esses espaços abertos pelo jornalismo. Então, o melhor antídoto, como disse, é reforçar a atividade jornalística.
Os jornais, diante do enorme desafio que é levar uma informação correta, precisa e equilibrada à população brasileira, tomaram uma série de iniciativas ao longo dos últimos meses.
Por exemplo, nessa ação, publicada no mesmo dia em mais de 70 capas de jornais, em mensagem conjunta, mostrou-se a unidade dos veículos de comunicação diante do maior desafio que temos na nossa geração. Na próxima tela, temos o exemplo dessas capas de jornais.
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Esta é uma campanha feita pela ANJ: Combater a desinformação para combater o coronavírus. Isso, de fato, é com o jornalismo profissional.
Esta é outra campanha, cujo mote é Jornalismo faz bem, no qual temos nos centrado nos últimos anos. Esse é um caso específico, que trata da consciência em relação ao voto.
Já na campanha da vacina, houve nosso apoio institucional ao movimento Unidos pela Vacina. Um grande desafio que estamos enfrentando agora é levar as pessoas à vacinação, é vencer os mitos e absurdos em relação à vacinação.
Há ainda as iniciativas individuais ou coletivas de grupos de veículos de comunicação. É o caso do consórcio de imprensa que se formou à luz da necessidade de restabelecer a verdade sobre os números de hospitalizados, mortos e vítimas do coronavírus. Já havia a tentativa do Governo de distorcer esses números, o que levou, então, à iniciativa inédita de fundação de um consórcio para informar a realidade. Ele está vigente até hoje. Essa também é a demonstração de que se a imprensa não se organizar, quando o jornalismo é profissional, é possível que governos mal-intencionados distorçam a realidade, como quase aconteceu no Brasil nos últimos meses.
São muitos exemplos, e alguns colegas vão apresentar vários deles.
Há também iniciativas particulares. É o caso do Grupo Globo, com o Fato ou fake. Muitos veículos de comunicação no Brasil, além de participarem de iniciativas coletivas, têm iniciativas individuais, no sentido de restabelecer a verdade diante da onda de desinformação e de fake news, o que, no caso da pandemia, transformou-se em outra pandemia.
Vou falar muito rapidamente sobre os grandes desafios que temos para a atuação profissional da imprensa no combate à desinformação. Depois poderemos aprofundar esse assunto.
Um dos desafios são os grupos de mensagem. Não conseguimos enxergar com nitidez a dimensão e o conteúdo do que está circulando. Outro desafio é a desinformação e as dúvidas disseminadas por lideranças, no caso da pandemia, sobretudo pelo Presidente da República e pessoas próximas a ele, que fazem questão de difundir a desinformação, confundindo a população. Outro aspecto é o fanatismo político opondo-se à ciência. Um desafio da imprensa é saber como argumentar e fazer com que as pessoas se desarmem, para aceitarem os fatos científicos. No mesmo campo do fanatismo político está o estímulo a aglomerações, o estímulo a pressões sociais para que as pessoas se contraponham às medidas de distanciamento e isolamento social. É preciso reconhecer também algumas informações erráticas. Não nos surpreende que, no início da pandemia, elas tenham surgido, mas continuam sendo utilizadas até hoje fora de contexto. Um exemplo é o número de contágios. Outro exemplo, no início da pandemia, é a preocupação da própria OMS em não haver o desabastecimento de máscaras utilizadas pelos médicos, não recomendando o uso delas. Depois, a agência reviu essa posição. E há uma série de outras situações, como prevenção versus novas variantes.
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Por todas as informações dinâmicas que surjam no decorrer de uma circunstância totalmente nova, a imprensa tem que navegar sem ceder, digamos, a fontes de baixa credibilidade. Então, é preciso buscar as fontes de maior credibilidade e tentar estar um pouco à frente nesse processo.
Na tela seguinte vemos as saídas. Aqui há o seguinte aspecto: respeito a crenças e a pessoas que acreditam em crendices. O que significa isso? Como temos visto, as redes sociais atacam as pessoas que têm suas crenças, mesmo que sejam charlatães, muitas vezes até com ofensas, chamando essas pessoas de otárias, trouxas, idiotas etc. Isso não ajuda essas pessoas a aceitarem as informações científicas. Pelo contrário, faz com que elas se fechem em grupos que rejeitam ainda mais as informações confiáveis e de credibilidade. Então, é preciso, primeiro, entender essa dinâmica, desarmar a agressividade em relação a pessoas que têm outras visões, de modo que possamos tornar possível elas transformarem essa sua crença, muitas vezes baseada em informações totalmente falsas. Podemos usar exemplos da realidade, casos concretos, em vez de estatísticas pura e simplesmente. As estatísticas não movem as pessoas, mas os casos concretos, particulares, movem. Obviamente...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Marcelo, desculpe-me interrompê-lo, mas os 7 minutos já acabaram.
O SR. MARCELO RECH - Já estou na última frase. Isso tem que vir acompanhado por campanhas em massa e, obviamente, informação, informação e informação, ou seja, jornalismo profissional na veia, essa é a solução.
Deputado, depois poderei me aprofundar em algumas dessas questões.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Eu que agradeço. Desculpe-me por ser o chato do cronômetro.
O SR. MARCELO RECH - Muito corretamente, tem que ser chato mesmo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Obrigado.
Volto agora para o Sr. Francisco. Espero que tenha conseguido resolver o problema de áudio.
Com a palavra o Sr. Francisco Rolfsen Belda, por até 7 minutos.
O SR. FRANCISCO ROLFSEN BELDA - Muito obrigado, Deputado.
Eu gostaria de saudar V.Exa. e todos os membros da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. Cumprimento ainda o público participante e meus colegas aqui presentes.
Aqui represento o PROJOR — Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, entidade criada há cerca de 20 anos pelo jornalista Alberto Dines, que mantém até hoje o portal Observatório da Imprensa, o mais antigo veículo de crítica de mídia e de jornalismo na Internet brasileira.
Nosso instituto também tem realizado diversas iniciativas para a qualificação do jornalismo no País, como o Atlas da Notícia, um grande censo de veículos jornalísticos em todo o País; o Projeto Credibilidade, que se dedica a implantar e estabelecer padrões editoriais, mantendo um protocolo rigoroso de indicadores de credibilidade; e o Projeto Grande Pequena Imprensa, voltado à qualificação de jornais, sobretudo no interior do Brasil, onde há muitos desertos de notícias, como revelou o Projeto Atlas da Notícia. Há localidades que não são abastecidas por nenhum veículo dedicado à produção rotineira de conteúdo noticioso.
Em relação às iniciativas legislativas de criminalização de notícias falsas, as chamadas fake news, nós observamos e entendemos, no âmbito do nosso instituto, que esse tipo de legislação impõe riscos importantes à liberdade de expressão e, por extensão, à liberdade de imprensa no País. Primeiro, não se sabe exatamente o que se está criminalizando. Não há uma boa definição do que seja fake news: é um erro, um engano, um conteúdo nocivo, uma opinião extremada, uma crença delirante, uma propaganda política, uma informação incompleta ou enviesada? Ninguém sabe ao certo como distinguir esses fenômenos de desinformação.
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É muito complicado introduzir um termo assim tão impressivo, genérico, incompreensível até no ordenamento jurídico brasileiro de modo efetivo. No mínimo, isso pode gerar muitos enganos; no máximo, gerar censura. Isso não tem lado, não tem cor política, e pode coibir a liberdade de expressão de qualquer um que tenha o discurso confundido com o que venha a ser fake news ou notícia falsa.
Também acreditamos que, no Judiciário, um dispositivo como esse tende a ser caracterizado como inconstitucional. Se vier a ser regulamentado, nós acreditamos que seria inefetivo, porque criminalizar um conteúdo falso não vai de fato impedir a sua circulação, dada a lógica finalizante das mídias sociais e, sobretudo, dos aplicativos de mensagem.
Nós acreditamos que pode ser muito mais interessante o investimento na qualificação da informação e do jornalismo profissional, na educação midiática, na checagem dos fatos, assim como criar regras operacionais no âmbito das próprias plataformas para limitar o alcance de conteúdos que são nitidamente suspeitos. Mas não é necessário criminalizá-los, porque a fronteira é muito porosa.
Nessa ótica de fortalecimento das iniciativas de educação, checagem de fatos e qualificação do jornalismo, inclusive com o desenvolvimento de instrumentos tecnológicos interessantes para coibir e combater esse tipo de mau uso da informação, nós podemos citar algumas atividades como essas que desenvolvemos de crítica de mídia, através do Observatório da Imprensa, com vigilância diuturna sobre os valores éticos e os padrões editoriais do jornalismo brasileiro.
Também acreditamos que, no âmbito da crítica de mídia, a propriedade dos veículos jornalísticos também representa muitas vezes um desafio para a democracia. Quando atores políticos, por exemplo, controlam um veículo ou se alinham ao poder econômico para controlar a linha editorial dos veículos, esse também é um problema que precisa ser debatido.
O PROJOR, através do Projeto Credibilidade, leva esses padrões editoriais, essas melhores práticas, que distinguem uma informação bem apurada, verificada e checada, para escolas e faculdades, disseminando essa atuação por meio de iniciativas capilarizadas na sociedade brasileira, de modo que qualquer cidadão possa exercer o direito de estar bem informado sobre os assuntos críticos da realidade.
Nós acreditamos que educação para as mídias — ou educação midiática — não é uma atividade de relações públicas ou de marketing institucional das empresas de comunicação. Ela deve ser encarada como um direito de cidadania. Afinal de contas, o cidadão que não estiver bem informado e não souber transitar nesse ambiente midiático pouco poderá participar do debate democrático brasileiro.
Então, nós acreditamos que isso é estruturante dentro da sociedade contemporânea e transcende os veículos de mídia ou as escolas. Isso deve fazer parte de uma forma transversal das políticas públicas e das atividades dos atores envolvidos no tema. E aqui vale uma menção especial ao papel dos pesquisadores. Nós, por exemplo, fazemos pesquisa, através do projeto Atlas da Notícia, envolvendo grupos que estão espalhados por todo o Brasil nas localidades onde se produz ou onde não se produz jornalismo para entender a realidade. É muito importante também que os pesquisadores venham a público ocupar os espaços do jornalismo científico, do jornalismo especializado, do jornalismo investigativo e, enfim, do jornalismo sem adjetivos, porque o bom jornalismo se define por si só a partir das suas boas práticas, dos seus protocolos, da apuração rigorosa e criteriosa da informação de interesse público de atualidade. Eu acho que esse é um papel desenvolvido por muitas pessoas que estão aqui presentes hoje e eu saúdo a iniciativa de realização desse debate em nome do nosso Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo — PROJOR.
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Muito obrigado, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Muito obrigado e obrigado também pelo respeito ao tempo.
Aproveito para dar uma dica a aqueles que estiverem fazendo a exposição: o cronômetro do Plenário 13 fica sempre disponível, o que facilita o acompanhamento do horário.
Passo a palavra ao Sr. Marcelo Träsel, por 7 minutos.
O SR. MARCELO TRÄSEL - Muito obrigado.
Muito boa tarde às Sras. e Srs. Deputados e aos demais participantes da audiência, em especial ao Presidente desta sessão, o Deputado Paulo Ganime. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo agradece pelo convite para tomar parte na discussão do PL 2.630/20 e apresentar o ponto de vista da comunidade que representa. Nós somos uma organização sem fins lucrativos, criada em 2002, voltada à defesa do jornalismo, da liberdade de expressão e do acesso à informação pública. Eu também agradeço pela oportunidade, na condição de professor e pesquisador da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde ministro uma disciplina sobre desinformação no Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
A desinformação é um mal que aflige toda a sociedade. Mas eu gostaria de chamar atenção nesta minha fala para uma questão que poucas vezes é ressaltada: o jornalismo também é uma vítima da desinformação. Muito embora a pandemia da desinformação não tenha sido criada pelos jornalistas, de alguma maneira se tornou responsabilidade dos jornalistas lidar com os seus efeitos imediatos, por exemplo, através de iniciativas de checagem de fatos e verificação de informação.
No momento em que as empresas jornalísticas passam por uma crise econômica sem precedentes, que é causada em grande parte pela concentração das verbas publicitárias em plataformas como Google, Facebook e Twitter, os recursos humanos e financeiros, que são cada vez menores, precisam ser usados para desbancar boatos, às vezes, ridículos, como, por exemplo, o de que os cadáveres de pessoas vacinadas emitem sinal de wi-fi, em lugar de serem investidos na produção de notícias e reportagens sobre questões de interesse público.
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Além disso, os jornalistas e as empresas para as quais eles trabalham são, cada vez mais, alvos da desinformação, que é produzida por alcateias de ariranhas cibernéticas organizadas para a defesa de uma agenda, de um partido ou de um político muitas vezes.
O principal método usado por esses grupos para responder ao noticiário negativo é desacreditar o jornalismo e os jornalistas como um todo, seja inventando teorias da conspiração sobre ligações com todo tipo de organização, real ou ficcional, seja atacando diretamente a honra dos repórteres, sobretudo as repórteres mulheres são vítimas desse tipo de ataque misógino e covarde. As plataformas pouco fazem quanto a essas externalidades negativas da sua atividade.
Há mais de 1 ano, depois do início da pandemia, os informadores notórios seguem espalhando o negacionismo científico, no Twitter, no Facebook, no Youtube, no Instagram, apesar de seus conteúdos serem frequentemente denunciados pelos usuários e alguns deles até já terem tido os seus canais cancelados e investigados pela CPI da Pandemia.
Ainda mais grave, as denúncias de assédio virtual contra jornalistas muitas vezes são ignoradas pelas plataformas, principalmente quando o assédio é liderado por pessoas poderosas, como o Presidente da República, seus filhos e seus Ministros, ou, às vezes, até mesmo por membros desta Casa Legislativa, que organizou esta reunião hoje.
O resultado dessa situação é que, desde 2018, nós da ABRAJI registramos 69 ataques a jornalistas nas redes sociais. Só em 2020, foram 26 agressões físicas. A organização Repórteres Sem Fronteiras, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas e a Corte Interamericana de Direitos Humanos vêm manifestando preocupação quanto ao futuro da liberdade de imprensa no Brasil.
Portanto, eu não trago para esta audiência só as perspectivas de um pesquisador ou de um profissional com preocupações corporativas, mas eu também represento um grupo de vítimas da desinformação. Dessa perspectiva, iniciativas de responsabilização das plataformas são bem-vindas. O espírito de ampliação da transparência nas ações dessas empresas, que está presente nessa discussão, é positivo. Mas é necessário examinar e discutir o texto com o maior aprofundamento possível.
Infelizmente, é muito difícil combater a desinformação sem colocar em risco valores democráticos e direitos humanos, como a liberdade de expressão e de imprensa. O principal motivo para isso é que o ser humano jamais tem acesso à verdade última sobre a maioria dos acontecimentos, mas precisa se basear nas evidências disponíveis para tentar a maior aproximação possível com a realidade dos fatos.
Isso significa que a veracidade de qualquer informação é sempre provisória. Assim como no caso da ciência, também no jornalismo evidências novas podem surgir a qualquer momento e demonstrar que a versão conhecida de um fato ou de um acontecimento era equivocada, seja porque faltavam dados para compor o quadro completo, seja porque alguma das fontes nas quais o repórter se baseou ofereceu um testemunho falso.
Além disso, há temas sobre os quais não existe uma verdade definitiva, como avaliações sobre qual política pública aplicar a um determinado problema. Nesses casos, apenas os resultados futuros vão determinar qual versão era a mais próxima da realidade. É claro que os grupos organizados de produtores de desinformação se aproveitam dessas dificuldades naturais do processo de produção da notícia para desacreditar o jornalismo. Eles descontextualizam, manipulam e distorcem, com o objetivo de incutir a dúvida entre os leitores e as audiências.
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Com isso, eles não esperam convencer ninguém de nenhum fato específico em geral, mas somente incutir a dúvida sobre tudo e sobre todos para que o cidadão se veja sem uma base sobre a qual possa se apoiar para avaliar a sociedade na qual ele vive. Se a informação e a desinformação acabam se confundindo, a esfera pública se torna um solo mais fértil para propaganda de políticos que não têm nenhuma realização ou projeto relevante para mostrar.
O mesmo processo se dá com a ciência. Infelizmente, todos os brasileiros puderam testemunhar, nos últimos meses, como essa tática de confusão foi usada para incutir dúvida a respeito das orientações de autoridades sanitárias sobre como evitar o contágio pelo SARS-COV-2. Na falta de um norte, assolado pela dúvida, cada brasileiro foi para um lado. E, no último sábado, nós atingimos a marca de meio milhão de mortos pela COVID-19. Essa tática de semear confusão não nasceu com a Internet. Há vários casos inscritos...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Marcelo...
O SR. MARCELO TRÄSEL - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Peço-lhe desculpas também, mas quero informar que o seu tempo já acabou. Se puder, para também mantermos o mesmo rigor com os demais, encaminhe-se para suas considerações finais, não considerações finais da audiência, mas, sim, desta fala introdutória.
O SR. MARCELO TRÄSEL - Certo. Então, para finalizar, eu só queria dizer, em síntese, que é preciso, sim, regular a transparência das plataformas. Mas é preciso evitar na tramitação do projeto de lei a definição do conceito de desinformação, porque esse é um conceito ainda precário. Assim, evitamos riscos para a liberdade de expressão e de imprensa.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Muito obrigado. Agradeço ao Sr. Marcelo Träsel, por sua apresentação.
Passo a palavra agora para o Sr. Sérgio Lüdtke para a sua apresentação, por 7 minutos.
Muito obrigado.
O SR. SÉRGIO LÜDTKE - Obrigado, Deputado. Acertou a pronúncia do meu nome direitinho. Isso é uma coisa rara.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Que bom!
O SR. SÉRGIO LÜDTKE - Boa tarde a todos. Muito obrigado pelo convite.
Eu sou responsável pelo Projeto Comprova, que é uma coalizão formada hoje por 33 veículos de comunicação, liderada pela ABRAJI, que trabalha colaborativamente investigando conteúdos suspeitos sobre eleições e políticas públicas que tenham alcançado grande repercussão na Internet ou nas redes sociais. Nós, desde as eleições de 2018, já verificamos mais de 530 conteúdos com essas características, que é um volume impressionante de desinformação que circula desde então.
Eu achei que talvez fosse importante ajudar a caracterizar um pouco, a partir do aprendizado do Comprova, como vemos as peças de desinformação circulando. Talvez isso dê um pouco a ideia da complexidade que é lidar ou tentar lutar contra a desinformação.
Uma das coisas que mais se tem visto é que a desinformação busca verossimilhança para se conectar às pessoas. Então, a narrativa enganosa é sempre construída a partir de pedaços de verdade, de coisas que são verdadeiras para, de alguma forma, se conectar às pessoas. Outra é que essas peças de desinformação usam sempre ingredientes emocionais que gerem algum tipo de medo, de raiva, de urgência e até de esperança, como vemos muito no caso da pandemia.
A desinformação também se transmite em ondas. Ela vem em ondas, impulsionada muito pela agenda pública. Então, ela começa numa determinada plataforma e vai passando para as outras também em ondas.
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Outra coisa é que a mentira normalmente é mais atrativa que a verdade. Com isso, ela também ganha mais velocidade de dispersão. Quando produzimos algo que é verdadeiro, que contesta uma mentira, nós temos dificuldade de emparelhar com isso, porque a dispersão da mentira sempre é muito mais rápida.
Eu acho que é importante entendermos que a desinformação é um processo que vai provocando uma erosão no ambiente informativo. E vemos isso muito claramente na discussão sobre o sistema eleitoral, sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, por exemplo. Desde 2018 se vê isso claramente. Devemos ter problemas sérios, no ano que vem, em relação a isso.
Outra coisa é que o ambiente é absolutamente participativo. Então, a desinformação é impulsionada por pessoas que acreditam na veracidade de uma informação enganosa. Isso vai passando de pessoa para pessoa. Nós não temos uma única fonte transmitindo desinformação, ela é absolutamente participativa.
A Internet é fluida. Então, toda vez que se fecha, faz-se uma contenção num determinado lugar, a desinformação evolui, busca outras brechas para que ela possa chegar às pessoas. Com isso tudo, as táticas também evoluem, porque, na Internet, tudo se mede, é possível se medir tudo, então, é possível fazer testes com determinadas narrativas, identificar quais as que funcionam melhor, quais as que não funcionam tão bem.
Isso deu claramente para se ver nas eleições em 2018. Tínhamos peças de desinformação muito sofisticadas e que depois foram simplificando, e o que parece é que as pessoas se deram conta de que não precisavam gastar muito, não precisavam se sofisticar, porque a simplicidade, às vezes, de um determinado conteúdo era suficiente para chegar às pessoas.
Com isso, o que vemos é que o conteúdo fabricado, aquela mentira clássica, o boato clássico é cada vez menos frequente. No seu lugar, o que surgem são conteúdos enganosos que usam informações verdadeiras, só que retiradas de contexto. Então, eu posso dizer que uma pessoa morreu após ter tomado a vacina. Isso é verdade, mas não foi necessariamente em função da vacina, mas isso ajuda a se criar uma narrativa enganosa.
Muito da desinformação que circula normalmente são interpretações, são coisas que sugerem mais do que afirmam. Então, não temos nem a condição de ser conclusivo numa avaliação, porque a pessoa está simplesmente sugerindo aquilo.
Outra coisa muito recente são as postagens em formato de pergunta. As pessoas perguntam coisas para as quais, às vezes, não há respostas ou não há respostas simples. Com isso vão semeando a dúvida na cabeça das pessoas.
Há também as postagens que ignoram parte do contexto, para enfatizar uma determinada narrativa. Então, eu pego simplesmente uma parte de uma história e, com isso, eu ignoro a outra que pode, de alguma forma, trazer alguma luz sobre aquela discussão e aposto simplesmente numa vertente dessa história.
Vemos muito claramente agora o aumento do direcionamento de links para sites hiperpartidários que publicam conteúdo enviesado, enganoso, e que são remunerados pela publicidade e, parece-me, estão fora do escopo do projeto de lei.
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Nós estamos falando de redes sociais, mas há todo esse aparato de sites que simulam sites de informação e se valem das redes sociais para trazer audiência e são muito perigosos.
Outra coisa que vemos agora é a criação de muitos canais de streaming por entidades, por pessoas que tentam semear alguma desinformação e utilizam lives que são longas, cuja verificação é muito mais onerosa. Elas se valem muito disso. Não é mais uma postagem simplesmente, mas um streaming em que se traz ali uma série de conteúdos que são de desinformação.
Deputado, já estamos terminando a fala.
O que me parece é que vamos ter finalizada a pandemia ou não, um processo de desinformação, principalmente sobre o processo eleitoral de 2022, bastante forte, do qual as pessoas vão fazer parte do processo de desinformação dando seus relatos sobre o processo eleitoral, incentivando o discurso sobre a fraude, etc.
Terminou o meu tempo, Presidente. Acho que eu voltarei depois para fazer a conclusão.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Se o senhor quiser concluir, fique à vontade.
O SR. SÉRGIO LÜDTKE - Não. Acho que ficamos assim.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - O.k. Todos terão também outras oportunidades de falar e complementar a sua frase. Agradeço, mais uma vez, aqui ao Sérgio. Não vou nem falar o sobrenome dele de novo porque acho que eu não vou conseguir acertá-lo duas vezes.
Passo a palavra ao Sr. Thiago Tavares também por 7 minutos.
O SR. THIAGO TAVARES - Muito obrigado, Deputado Paulo Ganime, a quem agradeço pelo honroso convite. Estendo o agradecimento a todos os Deputados que também subscreveram o requerimento. Eu fico muito feliz de participar deste debate tão qualificado e com pessoas que eu admiro bastante.
Para quem não sabe, a SaferNet atua há mais de 15 anos no Brasil e é uma instituição de referência em segurança e cidadania digital. Dentre as nossas atividades, operamos, em parceria com o Ministério Público Federal e com diversas MPs estatuais, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos e também um canal nacional de orientação a vítimas de crimes e violações aos direitos humanos pela Internet.
Esses dois serviços nos fornecem evidências e também um olhar privilegiado sobre as tendências de abuso a direitos no Brasil. Por exemplo, nos últimos 15 anos, já recebemos mais de 4 milhões de denúncias, envolvendo quase 900 mil páginas. Mais de 600 mil páginas foram removidas a partir da colaboração com plataformas e provedores e outros canais de denúncia em outros países.
Essas evidências também apontam um aumento muito significativo, no ano de 2020, que foi o primeiro ano da pandemia no Brasil, de casos envolvendo conteúdo de apologia à incitação ao suicídio, questões de saúde, abuso infantil, questões ligadas a racismo, crimes de ódio, preconceito e discriminação.
Eu queria chamar atenção para esses números e também destacar o momento deste nosso debate, não este debate, em si, mas o debate hoje no Parlamento, que, a meu ver, está um pouco polarizado, entre respostas normativas distintas. De um lado, temos o PL 2.630/20, que resgata a motivação que o originou, que era o combate à desinformação; do outro, temos uma minuta de decreto que altera o Marco Civil da Internet, que está sendo proposto pelo Poder Executivo, mas também por doze outros PLs que estão tramitando no Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado, e que buscam assegurar as condições para a disseminação de propaganda política e também operações coordenadas de desinformação nos meios digitais, principalmente considerando que este é um ano pré-eleitoral e que essas normas editadas agora podem ter e certamente terão influência no pleito do ano que vem, de 2022.
15:29
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Isso me faz lembrar inclusive da terceira lei de Newton, que diz que a toda ação corresponde uma reação de igual intensidade, mas que atua no sentido oposto. Quer dizer, enquanto o Parlamento se organizou para tentar prover algumas respostas normativas para o combate à desinformação e às fake news, os disseminadores de desinformação e de propaganda política computacional se organizaram do outro lado para propor uma alteração via decreto do Marco Civil da Internet, engessando com isso as políticas de moderação de conteúdo das plataformas e engessando o próprio desenvolvimento dessas políticas, que são absolutamente necessárias para a garantia de um ambiente digital minimamente civilizado.
Eu acho que recuperar algumas premissas é importante nesse debate. A primeira premissa que eu destacaria é que a Internet não é uma TV, nem é rádio, nem é jornal, onde existe um controle editorial prévio de conteúdo a ser veiculado. Na Internet, o controle é sempre feito a posteriori, na forma de moderação de conteúdo, que pode ser automatizado, semiautomatizado ou manual, feito por seres humanos.
Então, a Internet não chegaria aonde ela chegou se houvesse controle editorial prévio de conteúdo; não existiria uma Wikipedia, por exemplo, como a maior enciclopédia já criada pela humanidade, toda digital e sem controle editorial prévio, ou seja, o controle é feito a posteriori.
A segunda premissa que eu acho importante é que a moderação do conteúdo deve ser aplicada sempre que houver abuso por parte do usuário, e abuso em sentido amplo, desde spam. Por exemplo, aquele spam que recebemos por e-mail, com propaganda de varejo, esse não é um conteúdo ilegal, mas é um conteúdo abusivo, porque ninguém quer receber spam, ninguém pediu para receber spam. E o spam contamina o meio que o contém. Ou seja, se você usa uma plataforma de e-mail ou uma rede social que é dominada por spammers, você rapidamente muda de produto, muda de plataforma, porque você não quer perder tempo filtrando aquilo que é spam e o que não é spam. E o spam também silencia vozes, afinal de contas, ele impede o exercício legítimo da liberdade de expressão e de opinião, uma vez que você silencia, com uma quantidade absurda de propaganda e de conteúdo abusivo, vozes e manifestações legítimas, que acabam não se tornando visíveis, ou que acabam se perdendo no meio daquele conteúdo de propaganda.
Golpes, fraudes, racismo, incitação ao suicídio, bullying, aliciamento de crianças, abuso sexual de crianças são apenas alguns exemplos de abusos que devem ser coibidos e que devem sofrer ações de moderação.
Acontece que a desordem informacional ampliou essas possibilidades de abuso.
15:33
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Nós temos desde ataques à infraestrutura a ataques cognitivos — e aí há uma tendência de convergência clara entre desinformação e crimes cibernéticos. Os ataques ao TSE durante a eleição do ano passado deixaram isso muito claro, inclusive a forma como os ataques foram usados para amplificar narrativas conspiracionistas que procuravam desacreditar o processo eleitoral, o processo de apuração e totalização de votos, etc. Eu acho que o terraplanismo é o melhor exemplo de como se consegue promover um ataque cognitivo e convencer uma parcela da população, no caso brasileiro, 27 milhões de pessoas, segundo o Datafolha, que acreditam que a Terra é plana.
Então, se você consegue convencer alguém de que a Terra é plana, supostamente, você consegue convencê-la de qualquer outra coisa, inclusive de que a vacina implanta chips, de que medicamentos contra a malária ou medicamentos que não têm qualquer indicação para a COVID servem como tratamento precoce de COVID, e consegue impulsionar movimentos antivacina, anticiência, etc.
Estamos diante de métodos documentados pela academia e que usam propaganda computacional para manipular percepções de parcela da sociedade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Gostaria de pedir que encerre, Thiago. O seu tempo já se encerrou.
O SR. THIAGO TAVARES - Perfeito.
Então, apenas para fechar, eu queria destacar que temos essas duas visões hoje. Esse momento do debate encontra um Parlamento polarizado entre essas duas visões. E eu acredito que resgatar essas premissas é algo importante, assim como pensar que a solução passa, como já foi dito por vários que me antecederam, pelo foco em educação, mas também pela capacidade de detecção e resposta a abusos e a operações coordenadas de desinformação, como passa também pelo fortalecimento de transparência e accountability das plataformas. A cooperação multissetorial é chave para o sucesso de qualquer iniciativa nessa área. E eu acredito que o PL poderia fortalecer essas bases e trabalhar numa visão um pouco mais principiológica daquilo que venha a ser proposto como modelo institucionalizado de enfrentamento à desinformação no Brasil.
Obrigado, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Obrigado, Thiago.
Antes de passar ao próximo palestrante, já peço aqui aos Parlamentares que desejarem falar após a fala de todos os palestrantes que se inscrevam, preferencialmente no Infoleg Parlamentar. Se não conseguirem, se tiverem algum problema, inscrevam-se aqui, levantando a mão no próprio sistema do Zoom. Darei preferência ao Infoleg, mas usarei também o sistema do Zoom em seguida.
Passo agora a palavra ao Sr. Caio Machado, também por 7 minutos, para sua apresentação.
Muito obrigado, Caio.
O SR. CAIO MACHADO - Muito obrigado.
Boa tarde a todos. Por meio do Deputado Paulo Ganime, agradeço o convite dos Parlamentares e cumprimento todos os aqui presentes.
Meu nome é Caio Machado, sou pesquisador e doutorando na Universidade de Oxford, sou especializado em desinformação, há anos produzo na área. Eu venho aqui hoje como Diretor do Instituto Vero, que é uma organização fundada por pesquisadores, como eu, e comunicadores digitais, como Felipe Neto, Nilce Moretto Estêvão Slow e tantos outros que se uniram com o objetivo de combater a desinformação e promover uma educação crítica sobre a Internet.
15:37
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Antes de mais antes nada, cabe dizer que nós do Vero entendemos que a educação de mídia é um caminho estrutural. Não só é um meio para se combater a desinformação, por ser uma solução capaz de promover mudanças profundas no comportamento social, como também é o meio de as pessoas entenderem o papel da tecnologia na sociedade. Só através de uma educação crítica é que podemos aprimorar o debate, inclusive desse projeto de lei, que já na sua concepção apresentava importantes equívocos do ponto de vista técnico.
A sociedade brasileira só poderá discutir e se posicionar sobre essa matéria complexa se tiver acesso à informação completa, se entender de fato o funcionamento da Internet, funcionamento esse que passa por diversas camadas de infraestrutura técnica e lógica, como telecomunicação, até todo o design que determina como nós usamos esses serviços. Precisamos ter um nivelamento mínimo sobre o debate, assim como tentamos fazer em outras áreas, como meio ambiente, por exemplo, ou saneamento.
Queremos falar de fake news, redes sociais e algoritmos. Pois bem, o que é algoritmo? O que é fake news, esse termo coloquial, trivial, ambíguo? O texto aqui presente não dialoga com a pesquisa no campo, reflete mais concepções das cenas comuns. E também convenhamos que não é um projeto sobre pesquisa...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Caio, eu peço desculpas por interrompê-lo, mas parece que a assessoria se esqueceu de acionar o cronômetro. Peço à assessoria que marque o tempo, por favor.
O SR. CAIO MACHADO - Claro!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Pode continuar. Desculpe-me a interrupção.
O SR. CAIO MACHADO - Imagina! Sem problema.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Você foi beneficiado pelo descuido. Se for possível, não use o tempo todo; senão, siga com o tempo, porque não foi culpa sua.
Peço desculpas aos demais.
O SR. CAIO MACHADO - Não se preocupe, eu estou controlando aqui. Tinha usado uns 2 minutos.
Esse texto não dialoga muito com a pesquisa no campo, e também convenhamos que não é um texto sobre pesquisa e educação, mas um texto sobre punições, restrições, ingerências que a meu ver não foram plenamente criteriosas com o funcionamento da Internet.
Não adianta querermos martelar uma solução incompleta, surfando num descontentamento que é justificado de todas as partes, aproveitando-nos de uma pesquisa escassa e, registro aqui, subfinanciada. Nós pagamos diariamente o preço do subfinanciamento de pesquisa, sobretudo na área de ciências sociais e jurídicas neste País, que agora virou sucateamento absoluto.
Voltando ao cerne da discussão, é claro que a desinformação é um problema. Isso é muito claro, é inconteste, mas temos que ter em mente que criticar esse projeto não significa ser a favor das fake news, e não podemos confundir a necessidade de uma solução com as soluções que estão propostas aqui.
Serei explícito e breve sobre os problemas do texto. Vou resumir pontos que eu já levantei anteriormente, inclusive falando nesta Casa, e vou acrescentar algumas preocupações recentes, que deveriam estar no topo das nossas listas de prioridades.
Comecemos. As próprias definições do texto são inconsistentes. O conceito oferecido de desinformação seria, por exemplo, ineficaz em combater a maioria das campanhas que encontramos hoje, sobretudo aquelas promovidas por ocupantes de cargos públicos, que são vestidas muitas vezes de roupagem de opinião. Além disso, as definições de rede social, aplicativo de mensagem, redes de disseminação, refletem uma noção, de novo, coloquial.
15:41
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O texto foca em plataformas que já existem. Ele tenta mirar no WhatsApp, no Facebook, no Twitter, e ignora os princípios que nós queremos proteger, mas não mira as plataformas que não existem ou que não são grandes ainda. Essa lei seria, por exemplo, muito pouco eficaz para regular Discord, TikTok, Twitch e outras plataformas colossais que podem, daqui a 2 anos, tornar-se hegemônicas.
Vale lembrar que há 10 anos o Orkut sumiu, e o Facebook decolou num prazo de 1 ano. Então, o resultado é que a aplicação do projeto não vai ser clara, permitirá arbitrariedades no seu escopo, em cada artigo. As funções de um aplicativo de mensagens e de uma rede social não são tão claras assim. Nós percebemos que todo o ecossistema, na verdade, mistura essas funções, até coisas que não pretendemos regular com esse projeto, a exemplo do Google Docs.
Eu expresso também uma preocupação específica sobre os mecanismos de retirada de desinformação e sobretudo a solução apresentada no art. 9º, que visa ao WhatsApp. Sejamos francos, ele visa ao WhatsApp. É um artigo altamente perigoso, porque cria um sistema de vigilância e contorna esses mecanismos de criptografia. Isso num País onde o Governo produz dossiês sobre funcionários públicos, cidadãos, e onde familiares dos governantes buscam apropriar-se de tecnologias de inteligência.
Eu apoio no PL instrumentos de transparência, inclusive sobre conteúdo patrocinado. Acho que haveria um grande avanço se eles se debruçassem sobre a forma como o poder público e ocupantes de cargo público usam as redes sociais.
Por fim, a preocupação é que nossa equipe mapeou 13 projetos de lei que pretendem alterar esse PL.
Eu aproveito para agradecer ao Victor Durigan, da nossa equipe, que se debruçou longamente sobre isso. Esses projetos apensados ao PL 2.330 visam exatamente ao oposto do que se pretende com o texto atual. Visam impedir a checagem de fatos e a remoção de conteúdo e de contas. É um verdadeiro cavalo de Troia. Almejam blindar a fala das pessoas que desinformam, que mentem, fingindo tratar da liberdade de expressão.
O pior é que ferem profundamente diversas liberdades, inclusive a de expressão, transformando a rede social em um lugar onde as pessoas não se informam, mas são obrigadas a ver o conteúdo de ódio e falsidade emitido por poucas figuras grandes. Ferem também a liberdade de iniciativa das empresas, que criam seus espaços e serviços visando conteúdos específicos.
Eu reitero a minha admiração pelas pessoas que produziram o texto, que defendem e batalham por soluções nesse campo. Agora, o que temos aqui não está à altura e corre um sério risco de ser capturado por projetos de lei que vão fazer um grande desserviço ao País.
Eu agradeço mais uma vez o convite, coloco toda a equipe do Vero e a nossa expertise à disposição para construirmos uma solução de verdade para um problema muito sério e estrutural.
Obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Obrigado, Caio.
Passo a palavra ao Sr. Rodrigo Murtinho de Martinez, que disporá de 7 minutos para sua apresentação, sem a prorrogação a que o Caio teve direito.
O SR. RODRIGO MURTINHO DE MARTINEZ - Não esqueça de disparar o cronômetro.
Boa tarde. Quero cumprimentar o Deputado Paulo Ganime e os demais Parlamentares aqui presentes. Cumprimento as pessoas que estão aqui participando desta audiência, em que há falas muito importantes e um debate necessário para a sociedade atual.
15:45
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Eu venho aqui, com muita honra, representar a Fundação Oswaldo Cruz. Vou fazer uma rápida apresentação, para não me perder, e ser muito direto em relação ao assunto de como a FIOCRUZ tem lidado com o tema da desinformação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Bom, eu não preciso falar muito da Fundação Oswaldo Cruz. É uma instituição extremamente complexa. Ela não é só produtora de vacina. Tem 16 unidades técnico-científicas voltadas para ensino, pesquisa, inovação, assistência, desenvolvimento tecnológico e extensão no âmbito da saúde,
Ela tem uma missão ampla: produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento do Sistema Único de Saúde e que contribuam para a promoção da qualidade de vida e para a redução das desigualdades sociais, tendo a defesa do direito à saúde e da cidadania como valores centrais.
A FIOCRUZ possui, por exemplo, 32 programas de pós-graduação reconhecidos pela CAPES; uma escola politécnica; e dezenas de cursos de diferentes modalidades.
Na FIOCRUZ, comunicação é área finalística e estratégica. Comunicação e informação, para nós, são considerados bens públicos, essenciais para a efetivação do direito à saúde e da cidadania.
O instituto do qual eu sou Diretor é o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, que foi criado 35 anos atrás. A FIOCRUZ completou, recentemente, 121 anos. O instituto foi criado há 35 anos, numa ação visionária do então Presidente Sergio Arouca, que percebeu a importância da informação e da comunicação, que começava a ocupar um lugar especial num mundo globalizado.
O nosso instituto trabalha em três áreas centrais: Comunicação e Saúde, Informação Científica e Informação em Saúde. É responsável pelo único programa de pós-graduação nessa área no Brasil, além de promover outros cursos de atualização e especialização.
O tema da desinformação, como eu disse, é fundamental, nós tratamos dele diariamente. E não tratamos dele somente agora na pandemia. A FIOCRUZ tem um grande investimento na área de comunicação e informação, como eu disse antes. Em todas as unidades da FIOCRUZ, hoje, há estruturas ligadas à comunicação.
Então eu vou mostrar um pouco do que nós temos feito durante a pandemia.
Temos tido um amplo diálogo e colaboração com a sociedade: com instituições de pesquisa e pesquisadores; com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em diferentes esferas; com mídias em geral; com a sociedade civil; com a população em geral e populações de territórios vulneráveis, faço questão de sublinhar. Há muita colaboração com as mídias comunitárias e, principalmente, grupos de solidariedade que se formaram nesses territórios.
A FIOCRUZ tem uma série de mídias e instrumentos que vêm trabalhando fortemente no combate à desinformação. O principal deles é a nossa porta de entrada na Internet, o portal FIOCRUZ. Nele foi construído, desde o início da pandemia, o Observatório COVID -19, através do qual os nossos pesquisadores se comunicam com outras instituições, publicam notas técnicas. Por meio do Observatório, aparecem as análises e as opiniões da FIOCRUZ neste momento. Nós também publicamos um boletim com informações centrais e com análises fundamentais para o enfrentamento da pandemia por meio do Observatório.
15:49
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Por trás desse Observatório, nós trabalhamos basicamente com dois monitores hoje, dois sistemas de informação, o InfoGripe e o MonitoraCovid-19, que têm produzido informações fundamentais para entendermos diversos problemas, diversas questões relacionadas à pandemia de COVID-19. Essas plataformas trabalham em sistema de Big Data.
Nós temos também uma agência de notícias que produz informações e notícias voltadas para a mídia e temos uma ampla participação e atuação nas redes sociais, nas quais inclusive temos o maior termômetro em relação à desinformação.
Temos a campanha Se Liga no Corona, que é organizada com associações, grupos de comunicadores populares e grupos de solidariedade nessas comunidades. Temos produções de materiais gráficos que circulam pela rede, vídeos, podcasts, enfim, uma série de materiais pensados com linguagem apropriada para criar um diálogo específico com diferentes populações.
Temos também revistas jornalísticas, como a Radis e a Revista Poli. Temos um amplo trabalho na área de comunicação científica também. Nós temos sete periódicos de diversas áreas, todos eles em acesso aberto, publicando artigos totalmente abertos para os pesquisadores do Brasil e do mundo.
Temos o Repositório Institucional, no qual são publicados todos os artigos escritos por pesquisadores da FIOCRUZ, teses e dissertações também. Criamos essa ferramenta chamada scanCOVID-19, que busca artigos científicos no mundo inteiro relacionados à COVID-19. Temos um campus virtual, uma plataforma de livros de acesso aberto, também para apoio à atividade de ensino. Temos o Canal Saúde, a Editora Fiocruz, o Selo Fiocruz Vídeo trabalhando também para fomentar uma informação de qualidade. Há o banco de imagens Fiocruz Imagens, o Museu da Vida, que tem um trabalho voltado para as escolas, e a Olimpíada Brasileira de Saúde e Meio Ambiente, também com trabalho focado nas escolas.
Sobre o debate legislativo, só para finalizar, eu queria dizer da importância de o Poder Legislativo se preocupar em buscar medidas que reforcem o combate à desinformação. Esse é um tema importante. Cabe a todos os Poderes participar desse tema.
Acho fundamental, ao debater esse projeto, que se considerem duas importantes construções legislativas produzidas por esta Casa: o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, duas leis fundamentais que, na área da saúde, têm enorme repercussão.
É importante também que o combate à desinformação não entre em choque com princípios e valores democráticos, como a liberdade de expressão, garantindo a pluralidade, a diversidade de vozes que se manifestam nas redes, o direito à privacidade e o direito à proteção de dados pessoais. É fundamental que se pense no Brasil e se fortaleçam iniciativas educativas de promoção da saúde e de divulgação científica.
15:53
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Por fim, eu queria dizer que acho fundamental que esta Casa se debruce também sobre este tema, que foi inclusive abordado recentemente pelo ex-Ministro Temporão. Refiro-me à falta de uma política nacional de comunicação para o combate à pandemia. Existe hoje um grande conflito de Poderes e de autoridades entre a mídia, entre o Poder Legislativo, entre o Poder Central do Brasil. Isso tem criado, de fato, uma grande confusão e uma grande dificuldade de se combater a desinformação.
Então, eu acho que o Congresso, como um pilar da democracia brasileira, deveria abrir este grande debate sobre a necessidade, mesmo que tardiamente, de discutirmos uma política nacional de comunicação de combate à pandemia, unificando os diversos atores da sociedade nesse combate tão fundamental ao qual nós hoje assistimos.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Obrigado. Muito obrigado, Rodrigo.
Passo a palavra ao Sr. João Henrique Rafael, para sua apresentação, por 7 minutos.
É o último palestrante. Logo em seguida, abriremos a palavra aos Srs. Deputados.
O SR. JOÃO HENRIQUE RAFAEL - Boa tarde a todos.
Agradeço o convite da Câmara. Agradeço aos Deputados. Também foi um prazer assistir às apresentações que tivemos até o momento.
Eu vou compartilhar a minha tela.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu sou o João Henrique Rafael. Sou Analista de Comunicação do Instituto de Estudos Avançados da USP em Ribeirão Preto e também participo da União Pró-Vacina, um projeto multidisciplinar que reúne pesquisadores de várias áreas para tentar entender como funciona esse ecossistema de desinformação contra as vacinas no Brasil.
Esse grupo foi motivado a partir de uma série de constatações de que os índices vacinais no Brasil vinham caindo. O último ano realmente bom no País para as vacinas foi 2015. Dali em diante, nós vimos um decréscimo muito acentuado, principalmente em 2019 e 2020.
A ideia é tentar entender, dentro dos vários fatores que afetam essa queda na vacinação, qual é o papel da desinformação nesse cenário.
Nós temos uma pesquisa internacional que monitora a confiança de vários países na vacina. Eles trazem três atributos para fazer esse mix do que seria a confiança em vacinas. Nós percebemos que, em 2015, os índices brasileiros eram muito interessantes: 92% da população consideravam importantes as vacinas; 75% consideravam-nas eficazes e cerca de 73% consideravam-nas seguras. No intervalo de 2015 para 2019, todos os índices caíram, mas chama a atenção que índice "eficácia" caiu quase 20 pontos e o índice "segurança" caiu 10 pontos. E, nesse período, nós não tivemos mudanças significativas no sistema de vacinação. Então, esse era mais um indício de que, talvez, a confiança da população nas vacinas estaria sendo corroída também em razão da desinformação.
Em 2019, a Sociedade Brasileira de Imunizações lançou uma pesquisa intitulada As fake news estão nos deixando doentes? Ela mostra um pouco do impacto das informações falsas na confiança do brasileiro. Quando perguntados sobre aquilo que eles acreditavam ser verdadeiro ou não sobre vacinas, 67% acreditavam em alguma informação falsa sobre vacina. Isso também deixa claro que esse fluxo abundante de desinformação estava ecoando, de alguma forma, na população e, com isso, ajudando a diminuir a confiança e os índices vacinais no País.
15:57
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Então, a ideia do projeto União Pró-Vacina era conseguir entender esses grupos e identificar como esse conteúdo e essas campanhas informativas eram construídos, para fazer justamente o oposto, ou seja, produzir materiais baseados em evidências científicas sobre a importância das vacinas e distribuir esses materiais justamente no local onde as informações estavam circulando. A União Pró-Vacina, então, quis preencher esse hiato nas plataformas digitais de conteúdo baseado em evidências científicas sobre as vacinas.
Esse cenário de desinformação que afetou as vacinas como um todo, claramente, também pode ser observado nas vacinas da COVID, que é um fenômeno extremamente interessante. Em agosto de 2020, quando começou a se discutir a questão das vacinas, quando elas se tornaram mais palpáveis, 89% da população indicavam que queriam tomar as vacinas da COVID. Vemos que, em 4 meses — foi um período de desinformação muito agressiva —, esse índice perdeu 16 pontos. Praticamente 100% desses 16 pontos foram convertidos em pessoas contrárias. Então, elas não estavam nem em dúvida; elas deixaram de querer a vacina e adotaram o comportamento de que não iriam se vacinar. Foram necessários, depois, mais diversos meses para conseguirmos recuperar essa confiança.
Para ajudar a identificar que essa queda estava também associada à desinformação, há uma pesquisa da organização internacional Avaaz feita em setembro — então, é justamente naquele período de queda da confiança da população nas vacinas da COVID —, perguntando para aqueles que não iriam tomar por que não iriam tomar. Nós vemos que a grande maioria não acreditava que eram seguras, tinha receio de se contaminar com o vírus, achava que as vacinas poderiam causar outras doenças. Entretanto, também vemos aqui coisas extremamente aterradoras, que estão diretamente relacionadas a questões específicas da desinformação: 20% dos que não iam tomar respondiam que não fariam isso porque Bill Gates afirmara que a vacina poderia matar; 19% acreditavam que a vacina teria um chip de controle; 14% acreditavam até mesmo que a vacina poderia alterar o DNA; e 12% acreditavam que as vacinas eram produzidas com feto abortado. Isso é muito preocupante. Esses dados tornam muito assertiva a questão de que realmente a desinformação, quando articulada em grandes campanhas, nesse volume que nós vimos durante o desenvolvimento das vacinas, consegue, sim, afetar de uma maneira muito prejudicial uma política pública de saúde fundamental para o nosso País, assim como era a questão das vacinas contra a COVID.
Justamente nessa linha, a União Pró-Vacina começou a produzir conteúdos específicos para as plataformas digitais. Nós temos mais de cem conteúdos de áudios, vídeos e artes, que são distribuídos via Facebook, Twitter, Instagram e também WhatsApp. Nós notamos que, do fim do ano para o início de 2021, muito conteúdo falso começou a circular, principalmente via áudio do Whatsapp. A nossa ideia foi produzir áudios contrários, baseados em evidências científicas, para tentar fazer esse combate.
A União Pró-Vacina também produz o Vacina Talks, em parceria com os nossos parceiros. São lives quinzenais mostrando a importância das vacinas e discorrendo sobre vários temas relacionados à vacina.
A União Pró-Vacina também produz séries temáticas, para mostrar como dialogar e conseguir conversar com negacionistas, o papel das mulheres na vacinação, etc. A União Pró-Vacina também é um signatário do Todos pelas Vacinas, um grande projeto que reúne diversas associações e que foi também uma das frentes que ajudaram a segurar esse grande volume de desinformação.
Nós percebemos que essa retomada da confiança, que chegou àqueles patamares preocupantes de 76%, mas voltou a 89%, só foi possível graças a esse movimento coeso da sociedade (falha na transmissão) instituições checadoras de fatos, etc., mas também passou por uma mudança na política das plataformas. Nesse período de 2020 para 2021, as plataformas sofreram uma série de atualizações sociopolíticas de conteúdo, principalmente em relação à vacina. Então, grupos antivacina que funcionavam livremente nas plataformas foram cerceados e, em alguns casos, até fechados. Isso ajudou muito a restringir esses grandes outlets de desinformação sobre as vacinas.
16:01
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A nossa opinião é que essas políticas, principalmente, de conteúdo das plataformas sobre temas sensíveis para as políticas públicas do País precisam, sim, ser monitoradas e cobradas, para que atuem de maneira condizente, para evitar os abusos que já foram citados em outras apresentações. Precisamos também do apoio e dessa coalizão, porque esse tema da desinformação não tem uma bala de prata. Nós precisamos de uma série de medidas, como a maioria falou, principalmente, de educação midiática e alfabetização digital.
Eu gostaria de terminar a apresentação agradecendo a todos os parceiros, a todas as instituições que compõem a União Pró-Vacina e a todos os membros que, de uma maneira voluntária, ajudam nessa causa. Fica aqui registrado o meu agradecimento.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Obrigado, mais uma vez, João Henrique Rafael.
Agradeço a todos os palestrantes.
Antes de abrir a palavra ao primeiro ou à primeira Parlamentar, na condição de autor de um dos requerimentos e também por estar presidindo esta sessão, o que muito me honra, eu gostaria de tecer alguns comentários sobre esse projeto e sobre o debate.
Eu acho que todas as pessoas sérias, comprometidas com a verdade e com vontade de combater mentira — hoje chamada também de fake news — querem, sim, que tenhamos soluções para esse tema. Acho que não é à toa que estamos aqui neste debate, investindo algumas horas dos nossos dias, não só neste debate, nesta audiência pública, mas também em outras que teremos. Esse é o intuito, inclusive, de alguns dos requerimentos, para que tenhamos um debate ainda mais amplo.
Deixo claro para quem está assistindo à reunião que esta não é a última audiência sobre esse tema. O projeto de lei que aqui tratamos foi incluído em mais uma Comissão. Com isso, ele passa agora para uma Comissão Especial. É claro que a Comissão de Ciência e Tecnologia continuará debatendo esse tema, mas agora teremos uma Comissão Especial, que poderá, inclusive, ampliar o debate. É um debate que já estava muito bem iniciado não só pelo meu requerimento, como então Relator dessa matéria, mas também pelos requerimentos dos outros Deputados autores anteriormente citados, como a Deputada Luiza Erundina, por exemplo, que é muito atuante nesse tema nesta Comissão.
Dito isso, quem ainda não se sente representado, quem gostaria de participar ou quem gostaria que fossem ouvidas outras entidades, empresas ou pessoas relevantes nesse debate pode entrar em contato conosco. Outros debates acontecerão. Alguns, inclusive, já estão com requerimento aprovado.
Então, esta é só a primeira de algumas audiências sobre o tema. Talvez o debate aconteça em concomitância entre esta Comissão, que é uma Comissão Permanente, e a Comissão Temporária que vai tratar desse PL. Como esta Comissão trata de ciência, tecnologia e comunicação, é muito importante que os Deputados que participam desta Comissão tenham o devido espaço para o debate.
16:05
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Acho que o mais importante aqui, independentemente de quem concorda com o teor do PL ou dele discorda, é que possamos debater isso de forma bastante cautelosa, com cuidado, porque eu acho que ninguém aqui quer elaborar um projeto de lei, imagino eu, que possa ir no sentido de criar problemas, criar censura, criar restrição à comunicação. Não ouvi isso na fala de ninguém. Não imagino que restringir a comunicação ou o acesso à informação seja interesse nem dos autores do projeto nem de quem o defende.
O problema é que, muitas vezes, mesmo com uma boa intenção, mesmo com o intuito de restringir informação falsa, fake news, disseminação de conteúdo de ódio ou qualquer outro tipo de conteúdo que possa prejudicar tanto a população do País quanto um único indivíduo ou uma única empresa, a dose pode ser errada, e o que seria remédio pode acabar virando veneno. Então, é muito importante que esse debate seja feito com muita cautela.
Esse PL passou muito rapidamente pelo Senado Federal. Eu acho que nós não precisamos ter a mesma velocidade na Câmara dos Deputados — não por uma questão protelatória, mas para fazer o devido debate, a fim de que consigamos nos aprofundar. Inclusive, algo que acho muito importante é trazer também aquilo que há de boas práticas em outros lugares, porque esse problema não existe unicamente no Brasil, não é um problema exclusivo do Brasil. Temos características similares às de outros países, características diferentes também, tanto em relação à nossa cultura como em relação ao uso das redes de comunicação. Então, é preciso que nós entendamos o que acontece em outros países que talvez tenham um diálogo, um debate mais avançado sobre essa pauta. Mais uma vez, eu digo: é claro que não somos iguais, que temos diferenças, e essas diferenças também têm que ser levadas em consideração.
Dito isso, reforço que a grande preocupação é tentar trazer... É claro que as redes sociais — WhatsApp, Facebook, Twitter, Instagram, TikTok, enfim, todas as redes — são, de certa forma, dentro da nossa história, tanto da história da humanidade quanto da história da comunicação, muito recentes. Inclusive, ainda estão em constante renovação e evolução. Alguém mesmo citou aqui, ao longo do debate, que essas evoluções vão continuar acontecendo.
Esta é uma preocupação que eu tenho também: não elaborarmos uma lei baseada naquilo que existe hoje, baseada nas redes que conhecemos e nas preocupações que existem com o atual cenário. Isso pode inibir a evolução tecnológica, pode inibir a inovação, pode inibir tanto a evolução tecnológica benéfica para a comunicação quanto a evolução tecnológica que nada tem a ver com a comunicação, mas que restringe a evolução de outras inovações em razão do que colocamos numa lei que pode afetar muito a evolução.
Eu acho que nós temos que considerar também as questões históricas, a própria comunicação existente, a comunicação tradicional. A respeito disso, eu faço uma provocação: fake news e informações sobre o uso da cloroquina como remédio ou medicamento preventivo contra a COVID não foram exclusividade, ao longo desse último ano, das redes sociais. Tivemos propagandas pagas em grandes meios de comunicação, como jornais de grande circulação. Hoje não é parte do debate essa questão das fake news. Essa preocupação só deveria existir para as redes sociais? Então, aqui fica o debate.
16:09
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Mentira, fake news e distorção da realidade não são algo novo, uma novidade, ou algo exclusivo das redes sociais, elas vêm desde sempre, são algo que sempre impactou negativamente a população, a sociedade. Agora, é claro que, com o advento das redes sociais e da comunicação em massa, a diversidade e a democratização da comunicação se tornam ainda mais relevantes. Mas não podemos também tratar de forma totalmente desproporcional uma coisa e outra por isso, eu acho que é muito importante termos esse tipo de reflexão, fazendo uma comparação com outras mídias de comunicação, não só a comunicação via Internet.
Por último, dentro da minha fala, ressalto a questão da privação da liberdade de expressão. Eu fico muito preocupado quando nós avançamos em qualquer medida restritiva, e aí devolvo isso aos palestrantes. Como conseguimos controlar a mentira para que esse controle não seja usado — pelo Governo A ou B, pelo organismo A ou B ou por aqueles que tiverem, em algum momento, má intenção — como censura e até como um ato antidemocrático ou ditatorial, como já vimos na nossa história recente? Lembro que o teórico apelo pela não propagação de mentiras ou qualquer outra coisa já foi usado na nossa história recente como forma de censura.
Encerro aqui a minha fala trazendo uma pergunta feita por uma internauta através do e-Democracia. Inclusive, também já coloco para aqueles que nos acompanham que eles podem fazer perguntas pelo e-Democracia, que a Secretaria da Comissão as trará aqui para mim.
Eu vou colocar aqui para os palestrantes a seguinte pergunta: "(...) como a Câmara acredita que irá combater a desinformação, tendo em vista que o projeto de lei visa a criação de um banco de dados para guardar as mensagens privadas do usuário que é a sociedade civil?" Deixo aqui a pergunta em aberto.
Antes de devolver a palavra aos palestrantes, para comentarem tanto a minha fala quanto a fala da internauta, abro aqui a palavra para a Deputada Luiza Erundina, também autora de um dos requerimentos. (Pausa.)
Na verdade, não vejo se ela está disponível agora. Acho que ela saiu da sessão. Caso S.Exa. ou sua assessoria estiverem aí, peço que retornem, do contrário, vou devolver a fala aos palestrantes, para se manifestarem muito brevemente.
Vou conceder a palavra primeiro, seguindo a mesma ordem do debate, à Sra. Patricia Blanco. Assim que a Deputada Luiza Erundina ou algum outro Deputado levantar a mão ou se inscrever, eu lhes concedo a palavra. Vejo, aqui na sala, a presença do Deputado Nereu Crispim. Se S.Exa. quiser falar, o microfone está à disposição, basta levantar a mão para vermos que está acompanhando.
Passo a palavra à Patricia Blanco.
A SRA. PATRICIA BLANCO - Obrigada, Deputado. É sempre uma alegria ouvir os meus colegas aqui falando de um tema tão pertinente e importante, que tem tantos prismas de combate.
16:13
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O senhor colocou alguns pontos que, para nós, são muito relevantes. O primeiro deles, começando de trás para frente, é como combater a desinformação sem privar e restringir a liberdade de expressão. Talvez este seja o maior desafio que nós temos hoje: construir uma lei que foque especificamente nesse ponto da desinformação e não na liberdade de expressão e de opinião de todos nós e até na falta de entendimento do que são as fake news ou esse ambiente desinformativo.
Trata-se de um desafio muito grande. E eu só acredito que construiremos uma lei que seja interessante e realmente efetiva se ouvirmos a sociedade e se também tivermos um amadurecimento sobre o entendimento do papel da legislação para o combate à desinformação.
Enquanto a lei não vem — acho que é um processo que vai precisar de mais tempo mesmo —, eu acredito muito nas políticas públicas já existentes para combater a desinformação. Hoje nós temos, aí pegando na ótica da educação midiática, dentro da Base Nacional Comum Curricular, um caminho e uma oportunidade imensa para que adotemos outros currículos e façamos com que a educação midiática informacional chegue efetivamente nas escolas e ajude no desenvolvimento do pensamento crítico, da análise e da informação que não seja só da rede social.
A educação midiática vai além, ela ajuda no entendimento da informação como um todo, esteja ela num ambiente digital, num ambiente off-line, num veículo de comunicação tradicional ou até mesmo num outdoor, numa embalagem de um produto. A educação midiática faz com que o cidadão — refiro-me principalmente a crianças e adolescentes, no caso da Base Nacional Comum Curricular — tenha discernimento e saiba interpretar a informação que recebe. Com isso, nós acreditamos que haverá evolução, pois, mediante o empoderamento desse cidadão, ele será um agente que vai brecar a desinformação.
É evidente que o desafio é muito grande quando falamos de uma população que, segundo dados, tem mais de 30% de analfabetos funcionais. Estamos atacando, por um lado, a educação nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e do ensino médio, mas, por outro lado, temos uma população que está recebendo, sim, uma carga de desinformação e uma informação que não consegue interpretar. Quando a OCDE mostra que 67% dos jovens não conseguem interpretar as informações, se jogarmos isso para a sociedade como um todo, o índice de não entendimento dos gêneros textuais ou até do que é uma notícia, uma sátira ou um humor aumenta muito mais.
Como solução, eu vejo que precisamos, sim, investir em programas de educação midiática informacional e também educar para o uso da tecnologia, para que o cidadão possa aproveitar todas as oportunidades que o ambiente digital e informacional traz e minimizar os riscos tão presentes. Precisamos melhorar esse ambiente informacional para a prática da cidadania e também para a manutenção da democracia e o reforço da saúde pública. E o Dr. Rodrigo falou aqui sobre essa função da FIOCRUZ, tão pertinente neste momento grave de pandemia que vivemos.
16:17
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Portanto, queria deixar esses pontos e lembrar que já existe uma política pública pronta, a Base Nacional Comum Curricular, e que, se nós avançarmos formando professores e ajudando a sociedade e o poder público a implantarem a educação midiática, vamos ter, sim, em curto e médio prazo, um ganho nesse ambiente informacional.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Obrigado, Sra. Patricia.
Até para reforçar, aproveito para dizer que a informação e a educação são, na minha opinião, indiscutíveis e, inclusive, a melhor arma não só contra as fake news, mas até pela necessidade nossa de legislarmos sobre isso. Se tivéssemos algo bastante aplicado e muito benfeito, nem precisaríamos estar discutindo esse tema no Congresso Nacional, porque iria servir para qualquer lei. Então, reforço isso.
Vou passar a palavra para o Sr. Francisco Rolfsen, se ele quiser comentar algo. Aproveito que há mais uma pergunta de internauta no e-Democracia e vou adicioná-la. Aí os senhores vão respondendo conforme forem falando, porque acho que isso enriquece o debate. Farei isso antes de passar a palavra para o Sr. Francisco.
Peço para a equipe colocar aqui o tempo. A Sra. Patricia foi bem respeitosa com o tempo, mas peço que mantenhamos o tempo de 3 minutos também nas respostas, para conseguirmos ouvir todos os palestrantes mais de uma vez.
A pergunta feita é: "Outro ponto controverso sobre o armazenamento dos metadados se dá pela privacidade de dados do usuário, pois questiona-se se é possível reter esses metadados sem ler o conteúdo das mensagens. Sendo assim, acaba o próprio sistema de criptografia dos aplicativos. Qual o posicionamento dos deputados?"
A pergunta vai para os Deputados, mas eu a direciono também aos especialistas que estão aqui conosco.
O Sr. Francisco está com a palavra, se quiser comentar tanto as perguntas feitas pelos internautas como também aquelas que eu coloquei na fala introdutória.
O SR. FRANCISCO ROLFSEN BELDA - Deputado, eu vou fazer um comentário muito rápido.
Apenas reafirmo a importância de se aprofundar o estudo, o debate, a incorporação do conhecimento produzido não só no País, mas também no exterior, sobre o fenômeno da desinformação. Um cuidado extremo é necessário ao se avançar sobre a própria estrutura, a lógica de transmissão de mensagens na Internet, porque se corre o risco de, com a melhor das intenções, produzir efeitos colaterais tão nocivos quanto o problema que se buscou combater.
Ressalto a valorização do que já temos enquanto ordenamento jurídico, enquanto instrumento para coibir o abuso da liberdade de expressão, obviamente a posteriori, sem implicar nenhum tipo de veto ou censura à disseminação de informação por meio da Internet, e principalmente de valorização dos princípios do bom jornalismo e da educação emancipadora em relação ao uso das mídias.
É importante que reafirmemos o direito do cidadão de conhecer os veículos que são usados para a informação. Então, quando publicamos, por exemplo, de modo identificado, quem são as equipes que constroem um noticiário, quando somos transparentes em relação às estruturas de financiamento, à propriedade dos meios de comunicação, quando aclaramos aos nossos leitores os procedimentos que são seguidos na investigação de uma reportagem, nós educamos o nosso leitor e contribuímos para que ele possa distinguir por meios próprios o lastro, a credibilidade, a confiança numa informação.
16:21
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Não é a reputação ou uma instância reguladora que vai dizer o que é verdade ou o que é mentira, o que é certo ou o que é errado. O discernimento deve ser construído de forma estruturante numa sociedade complexa como a nossa. E eu sublinho que o bom jornalismo e a educação para as mídias são o caminho para se construir isso de uma forma que seja permanente e que traga ganhos em médio e longo prazo para a nossa sociedade, que não seja apenas uma corrida desenfreada para criminalizar aquilo que nem sequer entendemos bem o que seja.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Muito obrigado, Sr. Francisco.
Passo aqui a palavra ao Sr. Marcelo Rech, se quiser responder às perguntas.
O SR. MARCELO RECH - Deputado, a legislação brasileira já tem uma lei contra as fake news e que não é aplicada: ela se chama Constituição Federal.
A Constituição, no art. 5º, inciso IV, diz o seguinte: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Infelizmente, esse artigo só é colocado em prática parcialmente, com a liberdade da manifestação do pensamento, pois o anonimato não só é tolerado como, muitas vezes, é até incentivado nas redes sociais. A difusão de desinformação e os ataques grosseiros, esse esgoto digital que nós vemos hoje na Internet, são basicamente fruto desse anonimato com que convivemos. Todo jornalista, toda pessoa que tem CPF é responsável pelo que manifesta, e aqueles que vivem no anonimato são os grandes difusores da desinformação.
Portanto, bastaria cumprir a Constituição.
Do ponto de vista internacional — e aqui eu falo também como Vice-Presidente do Fórum Mundial de Editores —, nós vemos duas grandes correntes que atacam o problema da desinformação. Uma delas, que é uma péssima corrente, obviamente, porque é de natureza autocrática e autoritária, é a da intervenção direta na produção de conteúdos e nas plataformas das big techs. Cito o caso da Índia, onde, recentemente, o Governo de Narendra Modi editou um decreto que o instrumentaliza, digamos assim, para uma intervenção no que ele considera desinformação. E ele considerou desinformação, por exemplo, a convocação para protestos de fazendeiros contra o Governo. Então, esse é o risco da autocracia.
A outra corrente é a democrática. Esse é o caso da Austrália, que recentemente aprovou uma legislação que prevê a negociação da remuneração da atividade jornalística pelas plataformas com os veículos de comunicação. Na Europa, a Alemanha, a França, a Espanha e outros países também estão aprovando legislações baseados numa diretriz para a União Europeia, para os 27 países membros aprovarem legislações nesse sentido, com um conceito básico.
Quem combate a poluição social, quem faz a limpeza da poluição social disseminada pelas plataformas é o jornalismo profissional, e a atividade de limpeza dessa poluição, desse efeito colateral das big techs deve ser remunerada e reconhecida. Isso deve ser repassado, de forma remunerada, aos jornalistas e ao jornalismo profissional.
16:25
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Obrigado, Marcelo.
Eu passo agora a palavra ao próximo palestrante, o Sr. Marcelo Träsel.
O SR. MARCELO TRÄSEL - Obrigado, Deputado.
A meu ver, as manifestações anteriores sobre a necessidade da educação midiática e do respeito ao ordenamento legal já existente são fundamentais. Além disso, considerando o que eu mencionei na minha fala inicial, sobre as dificuldades de se ter acesso à veracidade dos acontecimentos, parece-me que qualquer projeto que preveja punições com base em fórmulas — como "sabidamente inverídico", "conteúdo falso ou enganoso", "notícias falsas" e termos afins — arrisca a criminalizar o jornalismo em algum momento, porque, mesmo observando os procedimentos corretos de apuração e ética profissional, sempre é possível sermos levados ao engano, a publicar fatos inverídicos ou que venham a ser demonstrados como inverídicos no futuro. Nesse sentido, é louvável a retirada da definição de desinformação no relatório final que foi apresentado pelo Senador Angelo Coronel.
Também me parece que o foco do combate deve ser a produção organizada de desinformação por três grupos principais: os picaretas e charlatões, que desejam vender seus produtos e serviços e são muito presentes no Youtube, por exemplo; os grandes interesses econômicos, que pretendem esconder as externalidades negativas das suas atividades, como as indústrias do petróleo e do tabaco fizeram ao longo do século XX, patrocinando pesquisas encomendadas e enviesadas; e os políticos e grupos políticos, para obter vantagens eleitorais.
Acho que esses três grupos deveriam o alvo principal de qualquer esforço para debelar a pandemia de desinformação. Quanto a combater a desinformação no varejo, o cidadão que compartilha até por realmente acreditar e por querer alertar a sua família e seus amigos sobre algum problema, que compartilha a desinformação no WhatsApp, é mais uma vítima do que um perpetrador da desinformação.
Então, é fundamental que, ao longo da tramitação desse projeto de lei, se rejeite a premissa de que é possível combater a desordem informacional outorgando a delegados, promotores, magistrados e outras autoridades a competência para determinar a veracidade do conteúdo que circula na Internet, porque, de maneira geral, essas pessoas não são preparadas para fazer esse tipo de avaliação.
Meu tempo está acabando e eu vou encerrar por aqui. Depois posso contribuir com outras ideias.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Muito obrigado, Marcelo.
Passo agora a palavra ao Sr. Sérgio Lüdtke.
O SR. SÉRGIO LÜDTKE - Deputado, eu acho que concordo com o que já foi dito aqui.
Gostaria de enfatizar que, a meu ver, a questão da desinformação é um problema da sociedade como um todo, não é um problema do jornalismo, que talvez seja uma parte importante da solução. Então, o fortalecimento do jornalismo nesse momento é importante porque ele passa por uma fase de precariedade, de baixa credibilidade até, e precisa retomar seu papel e talvez não consiga fazer isso sozinho.
16:29
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Acho que existe espaço para alguma regulação principalmente da atuação de milícias digitais e discursos de ódio nas redes sociais. Isso passa por transparência das plataformas, passa por transparência até do jornalismo, passa por mais transparência dos órgãos públicos, dos órgãos de governo e passa, obviamente, por educação midiática, cujo trabalho é importante.
Agora, como a Patricia já falou, aí estão postas as condições para que isso possa ser levado adiante. Talvez haja alguns públicos que não estejam bem atendidos nisso, como as pessoas que já não estão mais na escola e não vão mais poder usufruir desse aprendizado atualizado sobre a decodificação das informações, o que eu acho importante. Eu vejo que a minha filha, que tem 9 anos, já está estudando desinformação na escola, mas os avós dela não e são atores importantes nesse meio.
Então, eu gostaria de ouvir um pouco mais sobre a questão de dados. Não é essa a minha especialidade, mas eu acho que isso é importante. Como o público já encaminhou as informações, eu não sei se o Caio tem mais informações sobre isso.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Muito obrigado, Sérgio.
Eu acho que o Thiago está com problema de reconexão. Não sei se ele já conseguiu se reconectar, então, passo a palavra primeiro para o Caio Machado. Caso o Thiago consiga se reconectar, eu retorno a ele.
O SR. CAIO MACHADO - Obrigado.
Vou fazer um contraponto a algumas coisas que foram ditas anteriormente, também endereçando algumas perguntas.
Inicialmente, eu discordo sobre o ponto do anonimato. Na verdade, nós temos uma previsão no Marco Civil da Internet que visa justamente mecanismos de quebra do pseudoanonimato, porque as pessoas são identificáveis. Tenho uma pesquisa saindo inclusive sobre isso, em que eu analisei mais de 200 decisões judiciais com professores de Direito da Universidade de São Paulo. E nós percebemos que, na verdade, a tendência do Judiciário é quebrar o pseudoanonimato até quando não há motivos. E existem problemas muito sérios de situações em que a liberdade de expressão foi ferida por causa disso. Por exemplo, há o caso do Sleeping Giants, que foi um que veio à tona, mas existem centenas de casos como esses espalhados pelo Brasil.
Então, nós temos formas de identificar as pessoas, sim. Não faz sentido sair identificando todo mundo, isso não é necessário.
É muito interessante notar que, na verdade, a origem das principais campanhas de desinformação que vemos hoje, no Brasil, é muito conhecida. Para mim, esse é o ponto central, e aqui faço um paralelo com um estudo publicado pela Universidade de Harvard, chamado Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics, que é um livro e está aberto, que mostra que os principais emissores de desinformação nos Estados Unidos foram atores altamente centralizados, entre eles a Fox New. Houve alguns casos de sucesso de sites marginais que, inclusive, conseguiram ludibriar fontes desconfiáveis, como The New York Times, mas isso não foi o principal.
E aqui eu insisto para que nós reflitamos sobre o papel não só da Internet, mas das emissoras de rádio e TV, que têm um papel importantíssimo nesse processo e uma penetração muito maior do que a Internet.
Por falar da origem da desinformação, por mais que meu tio ou minha tia compartilhem ativamente muito desse conteúdo, nós temos Presidente, Ministro, Deputado, ocupantes do alto escalão do Governo que não hesitam em compartilhar teorias malucas, fazer acusações infundadas. Não preciso nem me alongar sobre isso.
16:33
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Aqui nós temos um problema muito sério que o Brasil até agora não encarou e que outros países, no mínimo, esboçaram: não há uma separação entre público e privado quando se trata do uso de redes sociais. Se eu entro na rede social do Presidente, que é privada, lá está a imagem institucional de Presidente do Brasil: ele presta contas sobre uma obra, mas também emite opinião, coloca vídeo escatológico. Vamos ser muito francos. Eu sei que estamos na Câmara dos Deputados, mas acho que isso está fora de uma questão partidária. Tem cabimento isso? Trata-se de uma instituição ou de um indivíduo? Se é uma instituição, ela deve ter opinião? Se é um indivíduo, ele deve prestar contas à população, demitir pessoas, exercer a atividade pública? Para mim, isso é um problema muito sério.
Se entrarmos em casos específicos, veremos situações muito claras de apropriação do bem público. Houve um escândalo recente de Deputados que financiavam a página de Youtube pessoal com dinheiro da Câmara e recebiam, monetizavam na conta privada. Isso é muito sério!
Mas vamos voltar ao caso do Presidente. Ele faz política pública através de opinião, através de tuítes. Se aquilo é um espaço para debate público, por que ele está fazendo moderação privada de jornalistas e de cidadãos? Isso é muito sério. Há um sem-número de recomendações e exemplos lá fora, inclusive recomendações da OCDE, que poderíamos usar para esboçarmos uma solução. Esse é um problema muito sério que se alastra por todas as instâncias da administração pública. Há delegado que filma toda a operação, faz um programa estilo Datena, policialesco, consegue 1 milhão, 2 milhões de seguidores no Youtube e recebe dinheiro com isso. Ele faz aquele escândalo policialesco, dá tapa, dá esculacho e tal e, depois, ainda vende cursinho para concurso. Tudo isso é feito com o aparato público.
Esse é um problema muito sério, e, pessoalmente, eu começaria por aí. Qual é o papel da rede social no poder público? Quais são os mecanismos de controle que temos?
Também vamos olhar para as emissoras, porque sabemos que há culto sendo exibido que pede voto para candidatos específicos. São emissoras com posicionamento muito claro.
Desculpem-me por ser explícito. É que eu também sou cidadão brasileiro e não consigo ver o ponto a que chegamos sem que as instituições façam algo.
Obrigado e desculpas pelo desabafo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Imagina! Obrigado.
Passo a palavra agora ao Thiago Tavares, que acho que já conseguiu entrar.
O SR. THIAGO TAVARES - Muito obrigado, Deputado Paulo Ganime.
De fato, peço desculpas porque, como a conexão caiu, eu perdi os últimos 10 minutos. Mas consegui retornar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Não há nenhuma censura, não é?
O SR. THIAGO TAVARES - De maneira alguma. A minha conexão por ser via satélite está um pouco instável. Mas, graças à Internet e a sua ajuda e da sua assessoria, consegui retornar.
Eu gostaria de reagir a uma consideração sua e compartilhar da sua visão em relação à necessidade de se garantirem as condições necessárias para a inovação. A legislação, a depender da sua abrangência, pode criar entraves à inovação. Já vimos isso em vários outros ambientes, em vários outros mercados.
16:37
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Outro aspecto importante de sua fala é em relação com a censura. Ninguém está buscando a censura, ninguém está querendo promover a censura. Moderação de conteúdo não é algo intrinsecamente ruim, não é algo que seja desnecessário ou opcional. Pelo contrário, a moderação de conteúdo é a principal forma de se manter a Internet livre, segura e aberta. E, mais, eu diria que a moderação de conteúdo é o que diferencia o capitalismo civilizado da selvageria.
Existem hoje plataformas, start-ups fora do Brasil que funcionam como hubs de conteúdo ilegal e conteúdo de abuso infantil, como repositórios de ataques racistas e neonazistas, ou seja, que pregam contra os avanços civilizatórios que nós conquistamos nos últimos séculos, a começar pela própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que estabelece parâmetros mínimos civilizatórios que são negados e subvertidos por conteúdos dessa natureza, que são ilegais no Brasil e em vários outros países.
A moderação é necessária. O problema é que nem todas as plataformas possuem capacidade e disposição para fazer os investimentos necessários para uma moderação de conteúdo. A moderação custa caro e tem muitas nuances porque depende de contexto muitas vezes. Ela também é granular e está suscetível a erros em virtude da própria escala de operação das plataformas. Por isso, é necessário que haja políticas claras e um enforcement adequado, é necessário que haja relatórios de transparência e de accountability.
Hoje existem plataformas que não publicam relatórios de transparência nem de accountability. Eu vou citar uma delas, o Telegram, que passou a ter um marketing significativo no Brasil e, apesar de anunciar na sua página que publica os relatórios, até agora eles não estão disponíveis. Nós estamos falando da segunda plataforma de mensageria privada e de broadcast também no Brasil. Afinal de contas, o Telegram, assim como o WhatsApp, não é um mero comunicador interpessoal, ele também é uma plataforma de broadcast.
O Telegram tem grupos de até 200 mil participantes, com features extremamente amplas e que não têm, por exemplo, as mesmas limitações do WhatsApp, que restringiu a viralização de mensagens frequentemente encaminhadas e adotou uma série de medidas de detecção de spammers, de comportamento inautêntico e coordenado, etc. O Telegram não tem nada disso, é um espaço em que praticamente vale tudo. A empresa não dialoga com ninguém, não coopera com as autoridades. O próprio TSE está buscando contato com essa empresa há meses, e não consegue. Nós da SaferNet também já buscamos contato com a empresa, para encaminhar casos graves de crimes praticados no Brasil, com vítimas brasileiras, crimes inafiançáveis praticados no território brasileiro. A empresa simplesmente diz que tem um centro operacional em Dubai e tem um escritório em Londres e que não é obrigada a cumprir a lei brasileira.
16:41
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Então, vejam que nós temos um espectro amplo de situações, nuances e desafios que precisam ser considerados. E a legislação pode escorregar numa casca de banana como essa e criar assimetrias ou reforçar as que já existem no próprio mercado. Por isso, precisamos de algo mais principiológico, com foco em transparência, com foco em accountability, com foco em educação, que foi uma palavra exaustivamente repetida nesta audiência, inclusive por V.Exa. Eu acredito que essas são as estratégias com maior potencial de serem bem sucedidas.
Volto a dizer que intervenções nessa área devem ser cirúrgicas e bem pensadas, para se evitarem externalidades negativas ou medidas que sejam contraproducentes àquilo que se deseja e àquilo que o legislador busca enquanto normativa equilibrada para o enfrentamento de um fenômeno complexo, que é não só a desinformação, mas a desordem informacional, entendida como um conceito mais amplo e que nos traz a esta discussão.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Obrigado, Thiago.
Passo a palavra ao Sr. Rodrigo Murtinho.
O SR. RODRIGO MURTINHO DE MARTINEZ - Eu vou ser breve, Deputado.
Na minha apresentação, eu me baseei praticamente na ideia do reforço das atividades de comunicação científica e educação, que são frentes em que a FIOCRUZ já investe há muito tempo.
A Patricia falou muito bem, e eu concordo com ela, pois acho que o problema é estrutural. Nós precisamos entender que ele não é um problema que se resolve de um dia para o outro e que está relacionado à questão da educação. Nós precisamos entender a educação no mundo moderno que estamos vivendo hoje, onde há grande ascensão dessas ferramentas, dessas tecnologias. E fiquei bastante feliz em ouvir — acho que foi o Sérgio que falou — que a filha ou o filho está tendo educação pré-mídia já com 9 anos.
Vivemos uma realidade que precisa ser mudada. Por isso, nós também investimos nisso através do Museu da Vida e de outras atividades que a FIOCRUZ desenvolve na sua relação com as escolas.
A ciência precisa ser discutida nas escolas desde quando o aluno é pequeno, é criança. Essa é a única forma que temos para combater de verdade tanta desinformação relacionada, por exemplo, à saúde, tantas fake news. Criar mecanismos que possam ferir a democracia não me parece que seja o melhor caminho, eu acho que temos que buscar medidas que fortaleçam a cidadania e a educação. Precisamos trabalhar nisso a longo prazo e, evidentemente, precisamos de respostas rápidas.
Certamente, como já vimos discutindo há muito tempo, inclusive nos debates em torno do Marco Civil, existe legislação para punir crimes, mas os crimes que são cometidos na Internet não são específicos. Muitos desses crimes cometidos na Internet têm como base uma prática ilegal, mas estão apenas utilizando o terreno da Internet, por assim dizer.
16:45
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Então, precisamos tomar cuidado com essa necessidade de encontrar uma medida rápida quando adiamos a cada momento o enfrentamento de problemas estruturais no nosso País que estão relacionados à educação. Parece que nós corremos, corremos atrás do próprio rabo e sempre paramos no mesmo ponto: sem ampliação da cidadania, sem ampliação do acesso à educação, sem uma educação moderna que dispute essas tecnologias, que faça com que as crianças saibam lidar com isso no seu dia a dia, e com os efeitos sociais, psicológicos, todos os efeitos que essa nova realidade traz.
Teremos, sim, uma sociedade mais informada, uma sociedade em outro patamar. Mas apenas pensar que mecanismos de punição vão resolver o problema da desinformação me parece uma simplificação que pode colocar em risco a democracia e a liberdade de expressão num país onde tradicionalmente não foram poucos os momentos de fechamento e de usos de mecanismos de cerceamento.
Acredito que temos que pensar no sentido do fortalecimento da cidadania, em mecanismos e em investimentos. Nós temos muito pouco investimento no País em educação. Temos muito pouco investimento no País em atividades de comunicação científica, em projetos importantes que levem a ciência para as escolas, que levem a ciência para as comunidades. Existem diversas realidades das quais não estamos tratando quando falamos aqui. Não estamos falando somente de classe média, estamos falando de diversas regiões e realidades do País. Essa situação dialoga com conceitos, com crenças, num país múltiplo, com uma cultura múltipla, com crenças religiosas múltiplas, e precisamos dialogar com essa realidade.
Não é com mecanismos simplificados que, acredito, vamos resolver essa situação. É necessário fortalecer, acima de tudo, a cidadania sem abrir mão um milímetro da democracia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Muito obrigado, Rodrigo.
Passo a palavra ao Sr. João Henrique Rafael.
O SR. JOÃO HENRIQUE RAFAEL - Obrigado, Deputado.
Eu acredito (falha na transmissão) ajuda a entender a complexidade do tema. Realmente é difícil pensar que, atacando apenas um ponto, nós conseguiremos ter um resultado que contemple toda a magnitude desse problema.
Eu acho que, pelo contrário, todos os prismas precisam ser analisados. Há também esses riscos que foram levantados principalmente pelo Caio, de talvez até o objetivo da lei ser desvirtuado por outros projetos complementares, e, com isso, nós não atingirmos nenhum resultado e até piorarmos esse cenário.
16:49
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A questão do anonimato, principalmente considerando um cenário de autoritarismo crescente, torna-se fundamental para o livre exercício da cidadania. Então, como lidar com todos esses problemas sem cruzar essa fronteira, acho eu, é o grande desafio. Eu acho que é justamente este o objetivo do evento: debater e conseguir levantar todos esses pontos para que a lei não incorra em erro ou, talvez, em pontos que vão poder ser utilizados até em prejuízo da cidadania, da população brasileira.
Em relação especificamente à desinformação sobre vacinas, apesar de no Brasil não ser possível identificar uma rede coordenada, com atores, com empresas que buscam até o lucro em cima disso, naquele momento, nos últimos meses, em dezembro principalmente, quando a questão da vacina foi muito politizada, nós percebemos que redes — aí, sim, profissionais e a desinformação política — acabaram abarcando também a discussão e produzindo conteúdos desinformativos sobre as vacinas. E o resultado foi aquilo que eu mostrei na apresentação: a perda de 16% no interesse da população em se vacinar.
Acho que temos grandes desafios, e eles passam pela questão de como lidar com essas redes organizadas. E, como o Caio colocou, a maioria dos disseminadores não são anônimos. Nós sabemos quem são, e eles não fazem questão nenhuma de ser anônimos. Mas existem, sim, redes que tentam utilizar subterfúgios, inclusive já foram derrubados pelo Facebook. E depois ele apontou quem organizava.
Então, é preciso, sim, acreditar que existe um mecanismo profissional de desinformação circulando no Brasil, e nós precisamos de recursos para lidar com esse tipo de mecanismo e com esses criminosos da era digital.
A outra questão que também foi colocada e já foi debatida várias vezes é a de planos de longo prazo, de educação midiática, de alfabetização digital, etc. Também acho que é preciso discutir isso. Sem dúvidas, existe uma zona cinza gigantesca entre o que é desinformação, o que é informação falsa, qual é o limite, quem julga, mas existem pontos também que são pacificados. Há 1 ano, a ciência já entendia a importância da vacina. O entendimento da ciência sobre a vacina não mudou de 1 ano para cá. Então, por que foi preciso 1 ano para as plataformas agirem e começarem a barrar esse tipo de conteúdo declaradamente falso?
Portanto, são questões que nós temos que pensar também, porque existem pontos que ficam bem abaixo ou bem acima dessa zona cinza. Essas são as questões que eu trago para o debate. Eu acho que nós temos mais perguntas e dúvidas do que respostas absolutas, mas a etapa é justamente essa, conseguir trazer todos esses questionamentos para auxiliar no desenvolvimento desse projeto.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Senhores, eu vou quebrar um pouquinho o protocolo, porque nós teríamos aqui a fala de alguns Deputados, mas está havendo uma sessão no Plenário agora, inclusive com uma pauta muito importante, que é a medida provisória da ELETROBRAS. A maioria dos Deputados não estão aqui por causa desse debate, que é muito importante. Não que este aqui não seja, mas aquele é mais urgente.
Isso dito, eu vou fazer a minha consideração final. Eu ia abrir para uma nova rodada, mas, como não houve novas falas, acho não é preciso que todos façamos novas falas. Porém, em respeito aos senhores, aquele que desejar fazer alguma consideração final, falar brevemente, é só levantar a mão aqui no Zoom que eu concedo para quem quiser a palavra. Eu acredito que alguns já fizeram a sua consideração final ao longo da resposta dessa última pergunta.
Fiquem todos à vontade. Mas, quem quiser falar não tem nenhum problema, eu abro aqui espaço para mais uma rodada. Só não vou pedir a cada um individualmente que fale, porque acredito que muitos já fizeram suas considerações nessa última rodada.
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Para dar tempo aos senhores ou às senhoras que desejarem falar, eu queria agradecer mais uma vez. Acho que o debate está só iniciando, pelo menos, nesta Comissão. Como eu falei anteriormente, a Comissão Especial vai ser criada ainda para tratar do tema, mas o debate na Comissão de Ciência e Tecnologia não vai ser encerrado. Queremos continuar debatendo, porque que é um tema muito importante que fala aqui das comunicações, o que é alvo desta Comissão. E, com certeza, tudo aquilo que foi debatido aqui também será aproveitado por aqueles que estiverem na Comissão Especial que vai tratar desse PL, que inclusive tem muitos apensados.
Independentemente do avanço desse projeto, de como ele vai avançar, com a Comissão Especial vai acabar demorando um pouco mais do que se fosse na Comissão. De qualquer forma, ele vai continuar avançando — espero eu — com a devida parcimônia e com o devido respeito não só ao processo legislativo, mas também à participação de todos que podem influenciar positivamente nesse debate sobre um tema tão complexo e tão complicado para o Brasil e para o mundo.
Então, eu digo aqui, mais uma vez, que sempre me preocupo muito com o bom debate, com uma resposta técnica e não apenas política para soluções complexas como essa. E espero que consigamos chegar a essa resposta para um problema que é técnico — é claro! — e que também envolve opinião, envolve questões complexas, para as quais nem sempre temos as respostas.
Isso dito, agradeço mais uma vez.
Há uma pessoa aqui que já pediu a palavra.
Eu passo a palavra ao Caio Machado, que, por enquanto, é o único que pediu a palavra.
Caio, está com você a palavra, para a sua consideração final, por 3 minutos.
O SR. CAIO MACHADO - Ótimo! Eu agradeço enormemente o convite. É uma honra estar na presença dos demais participantes aqui. Eu aprendi muito, anotei muito e estou muito honrado mesmo, sem exceção. Aqui aprendi muito com a fala de todo mundo.
Eu queria pontuar algumas coisas, inclusive algumas perguntas que percebi que deixei de responder, mas serei muito breve.
Primeiro, sobre a questão de proteção de dados, em 2018, houve um abuso muito grande em relação aos dados pessoais. A LGPD já havia sido proposta antes. Inclusive houve o caso famoso dos disparos em massa com a compra de base de dados, que foi usada em ampla escala para promover disparos em massa no WhatsApp.
Se tivéssemos em conjunto endereçado essa questão estrutural, que é também uma questão de inovação econômica, talvez tivéssemos mitigado um problema de natureza eleitoral. Lembro que a proteção de dados é uma proteção civil para todos nós, é um direito fundamental o da privacidade, é realmente como nós exercemos as nossas liberdades on-line e é também uma exigência, por exemplo, da União Europeia para haver transferência de dados.
Então, é uma questão não só de proteger os cidadãos e as cidadãs, mas também de abrir espaço para inovação, fomentar essa economia. Realmente é um problema que nós, como Brasil, empurramos com a barriga, a meu ver, e que poderíamos ter resolvido questões.
O segundo ponto que deixa essa questão da privacidade ainda mais em relevância é que hoje os temas de inteligência, espionagem e vigilância em geral estão avançando muito rápido, mas muito, muito rápido. Há decreto que passa sexta-feira à noite e outros inúmeros casos. Até vale falar com especialistas dessa área, com os da Conectas e de outras organizações, para tratar disso, mas estamos numa situação muito preocupante de invasão das liberdades civis, de atribuição à sociedade civil de uma competência de investigação e inteligência. Então, essa é uma pauta a que todos nós devemos ficar atentos.
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Por último, já concluindo a minha fala, sobre esse nosso projeto de lei é muito importante que prestemos atenção aos outros PLs que a ele foram apensados, que visam justamente o oposto: criar uma figura distorcida de liberdade de expressão em que a remoção de conteúdo não seria possível. Então, dizer que a vacina não funciona ou induzir as pessoas a se aglomerarem seriam falas permitidas e de difícil remoção.
Temos esses projetos, o decreto que está por vir, e até medida provisória que almeja isso. Então, é muito importante que todos nós estejamos atentos a isto: se queremos proteger a esfera pública on-line.
Agradeço, mais uma vez, e fico à disposição dos Parlamentares e também de todos os colegas aqui, muitos que eu já conheço e admiro, para continuarmos a pensar em soluções.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Muito obrigado, Caio.
Como a assessoria não me passou mais nenhum nome de alguém que queira fazer um último comentário, vou encerrar a audiência.
Gostaria de agradecer...
O Marcelo abriu o microfone.
O SR. MARCELO RECH - Só queria me despedir, Deputado. Obrigado pela participação e pela oportunidade de poder conviver um pouco com os senhores.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Ganime. NOVO - RJ) - Muito obrigado, Marcelo.
Gostaria de agradecer aos assessores, aos profissionais da imprensa, ao público em geral e, mais uma vez, aos senhores palestrantes pelas importantes contribuições trazidas a esse debate.
Antes de finalizar os trabalhos, lembro que está convocada Reunião Deliberativa Extraordinária desta Comissão para a próxima quarta-feira, dia 23 de junho, às 9 horas da manhã.
Foi muito rico o debate. Estou à disposição. Aqueles que quiserem enriquecer ainda mais o debate podem entrar em contato comigo ou com a minha assessoria.
Muito obrigado a todos. Tenham todos uma boa tarde e uma boa semana.
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