Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Bom dia a todas e a todos que estão assistindo a esta reunião.
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, atendendo ao Requerimento nº 14, de 2021, de minha autoria, para debater o tema Os impactos da pandemia na vida e na saúde das pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista — TEA e suas famílias.
Eu farei uma breve autodescrição para as pessoas cegas ou com baixa visão que estejam nos acompanhando. Peço que os demais integrantes da Mesa façam o mesmo antes de iniciarem suas falas.
Sou uma mulher branca, de 60 anos, com cabelos e olhos castanhos. Uso um casaco vermelho, uma roupa xadrez e um colar. Estou de óculos. Uso um chapéu — estou em tratamento de câncer e o meu cabelo está voltando a crescer — na cor preta. Estou sentada à mesa do Plenário nº 8 da Câmara dos Deputados, onde há, ao fundo, uma parede branca e um mastro com a bandeira do Brasil.
Tendo em vista as alterações promovidas pela Resolução nº 19, de 2021, e pelos Atos da Mesa nºs 161 e 179, de 2021, que tratam do trabalho das Comissões em Sistema de Deliberação Remota, solicitamos a atenção às seguintes orientações.
Além dos palestrantes, apenas os Parlamentares poderão ingressar na reunião do Zoom. Os demais interessados poderão acompanhar o debate pela página da Comissão na Internet, pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube ou pela sala virtual do e-Democracia, com janela de tradução em LIBRAS.
O uso de máscaras no plenário é obrigatório durante toda a reunião, bem como a manutenção do distanciamento de 1,5 metro entre as pessoas.
Apresento as nossas palestrantes: Camilla Varella, membro da Comissão de Defesa dos Direitos dos Autistas da OAB São Paulo, Subseção de Santo Amaro, e elaboradora da Cartilha dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista; Margareth Kalil Sphair, membro do Conselho Administrativo da Pestalozzi de Brasília e mãe de três filhos autistas; Dra. Fátima Dourado, médica pediatra e psiquiatra, fundadora e Diretora Clínica da Casa da Esperança; Liduína Carneiro, ex-Presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB Ceará e Coordenadora do IDAI — Instituto de Direito Acessibilidade e Inclusão; e Adriana Godoy, Vice-Presidente da Associação Paulista de Autismo e mãe de um filho autista.
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A Sra. Tatiana Takeda, membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB Nacional e da OAB Goiás, e autora de livros, e-books e cartilhas na temática de inclusão, não pôde participar do evento por questões de compromissos profissionais.
Como regra geral, peço a todos que mantenham os microfones desligados e os abram apenas quando forem usar da palavra.
Para melhor ordenamento dos trabalhos, adotaremos os seguinte critérios: será concedida a palavra aos expositores convidados por 10 minutos, prorrogáveis a juízo desta Presidência; em seguida, será concedida a palavra por 10 minutos à autora do requerimento; logo após, os Parlamentares inscritos poderão falar por até 3 minutos; oportunamente, será concedida novamente a palavra aos expositores, para suas considerações finais.
Durante a audiência, os Deputados e as Deputadas que quiserem usar da palavra poderão utilizar o recurso de "levantar a mão" no Zoom. A Secretaria da Comissão organizará a lista dos inscritos.
Para facilitar a captação da imagem do Parlamentar que for usar da palavra, peço que sempre anunciem o nome parlamentar antes de iniciarem a palavra.
Por fim, informo que esta audiência está sendo transmitida ao vivo pela Internet. Além disso, foi aberto um chat para a participação dos internautas, que poderão enviar suas perguntas aos palestrantes através da sala virtual do portal e-Democracia. O link foi previamente divulgado e poderá ser acessado pela página da Comissão. As perguntas mais votadas, a depender do tempo disponível, serão respondidos pelos palestrantes.
Antes de passar a palavra aos expositores e às expositoras, solicito a gentileza de todas as pessoas, principalmente daquelas que estão usando máscara, que, durante a fala, falem próximo ao microfone e, se possível, um pouco mais alto, para que os intérpretes de LIBRAS possam captar claramente o som e assim realizar o trabalho da melhor forma possível.
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Cumprimento todos os participantes da Mesa virtual e parabenizo a Câmara dos Deputados por essa iniciativa importantíssima de chamar pessoas que estão realmente relacionadas à vida dos autistas para tratar das experiências que vivemos durante esta pandemia.
Além de autora da Cartilha dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, da OAB, eu também sou mãe de um autista de 12 anos. Espero trazer elementos importantes que possam nos ajudar a entender melhor como está sendo este momento para as pessoas com autismo e suas famílias, bem como compartilhar um pouco do meu conhecimento e experiência.
Inicialmente, eu destaco que, obviamente, a pandemia foi e ainda é um desafio para todos nós. Ela nos trouxe para dentro das nossas residências. Com isso, todas as questões dos autistas parecem ter ficado aumentadas. As necessidades de rotina, as necessidades de previsibilidade e todas as questões inerentes ao transtorno do espectro autista foram exacerbadas com esta pandemia.
Felizmente, muitos dos autistas são escolarizados, têm a oportunidade de frequentar escolas regulares, mas nem sempre com a adaptação que nós gostaríamos. Eu imagino que isso seja uma unanimidade entre todas as pessoas que têm autistas na família e precisam lutar dia a dia por essa inclusão efetiva. Sinto que a minha contribuição, na abertura deste debate, focalizará sobretudo a questão da inclusão escolar, que, neste momento de pandemia, mais do que nunca, sentimos que ainda é muito precária.
Não tenho só a experiência com o meu filho, porque eu participo de diversos grupos, tanto na OAB como em grupos de pais e mães. E esta foi a temática recorrente: a dificuldade das crianças autistas de serem realmente incluídas em momento de pandemia. Sabemos que esse foi um desafio para todas as escolas. Professores muito dedicados, temos que pontuar isso, tentaram, na medida do possível, transitar do ambiente presencial para o ambiente virtual. Estamos falando, inclusive, no ambiente virtual, daquelas pessoas que tiveram a oportunidade de ter computador em casa e uma Internet que suportasse uma aula on-line em casa. Então, esse já é um diferencial, porque muitas pessoas nem tiveram a oportunidade de transitar do ambiente presencial para o virtual.
A dificuldade foi tremenda, na verdade. Houve um sofrimento profundo das crianças que deixaram de conviver com seus pares, um aspecto importantíssimo para os autistas, que precisam ter esse contato, justamente porque já existe uma questão social que é prejudicada no transtorno do espectro autista. E eles não puderam, como eu disse, conviver com seus pares.
Nessa medida, o que observamos é que, diante da dificuldade das escolas em fazer a transição do presencial para o virtual, os autistas foram praticamente abandonados. A preocupação foi com o performar das crianças típicas, e não houve — isso é generalizado — uma disposição específica para os autistas, uma adaptação especial para eles. Isso porque, diante das dificuldades cognitivas, não observamos essencialmente nas escolas a adaptação necessária. Isso eu ouvi isso de todos os pais com quem eu tive a oportunidade de conversar antes de vir para esta audiência.
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09:14
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O que aconteceu? Se aconteceu, foram aulas esparsas uma ou duas vezes por semana, com conteúdo adaptado para, geralmente, 1 hora de aula para esse autista, e individual. Não foi proporcionado o convívio, ainda que virtual, com os demais alunos. Foi realmente uma situação em que todas as famílias e os autistas se sentiram especialmente alijados dessa oportunidade de inclusão escolar. Então, na pandemia, esse é um aspecto que chama muito a atenção dos autistas escolarizados que não tiveram a oportunidade de serem estimulados em questões pedagógicas; socialmente, então, eles foram absolutamente negligenciados.
E isso, obviamente, refletiu no comportamento e nas disposições dentro de casa. As crianças ficaram muito mais ociosas e, por conta disso, muito mais estressadas. Foi e ainda é observado, realmente, que, embora algumas escolas tenham voltado ao presencial, com, é claro, esquema de rodízio etc., essas crianças sofrem profundamente com o afastamento dos seus pares nas escolas. Pedagogicamente, há casos de regressão do desenvolvimento da criança tanto no aspecto social quanto no pedagógico. Então, é uma pandemia que realmente fez sofrerem as crianças autistas escolarizadas.
Esse efeito, no futuro, não sabemos qual vai ser, o atraso que isso significará. Por isso, preocupa-nos tanto — vou ter que avançar um pouco mais na exposição — a vacinação, sobretudo a dos cuidadores. A preocupação dos pais exacerbou-se ainda mais, porque verificamos que somos, na verdade, o único e verdadeiro apoio das pessoas com autismo — a família é que realmente assume a questão dos cuidados, a questão pedagógica —, com o temor de que um dia possamos vir a faltar quando ainda estão se desenvolvendo. Este é um grande medo que nos aflige, como cuidadores e responsáveis pelas pessoas com autismo: o de que essas pessoas um dia não nos tenham como cuidadores e, em uma pandemia, não nos tenham por questões de uma doença contra a qual hoje em dia já existe vacina.
Então, a preocupação escolar é profunda, e a preocupação com a nossa vida, como cuidadores e responsáveis por essas pessoas, exacerba-se. Realmente, é uma espada de Dâmocles o que nos acompanha todos os dias. Todos os dias acordamos e ficamos felizes por estarmos vivos para podermos cuidar das pessoas com autismo que estão sob nossos cuidados, porque as amamos. Sabemos que, infelizmente, ainda falta muito para que elas sejam realmente incluídas socialmente e tenhamos a tranquilidade de que, na nossa ausência, elas vão ser amparadas e estimuladas para poderem desenvolver todo o seu potencial. Esse é um ponto que eu quero registrar no meu último minuto. As pessoas com autismo têm muito potencial, têm muita capacidade de se desenvolver e poder cuidar da própria vida na medida em que tiverem os apoios necessários.
Agradeço a todos o apoio que recebo da OAB, que, realmente, abraçou a causa do autismo e divulgou a cartilha com os direitos deles. É uma legislação nova, como eu sempre destaco, de pouco tempo, mas que precisa ser divulgada, porque os autistas têm capacidade, têm potencial. Na medida em que forem corretamente estimulados, devidamente incluídos, a sociedade só tem a ganhar, porque eles são realmente diferenciados, no sentido de que são pessoas com potencial, doçura, humanidade, e podem trazer isso para o convívio inclusivo.
Então, a sociedade só tem a ganhar com a inclusão efetiva dos autistas, e nós, como cuidadores, temos essa responsabilidade de trazer as questões pertinentes e importantes a serem discutidas.
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A minha conclusão fica em destacar a falta de inclusão efetiva na pandemia, o sofrimento pedagógico e social que isso trouxe e a necessidade de vacinação dos cuidadores, porque tememos não estar aqui no dia seguinte para cuidar dos nossos filhos e daqueles que estão sob nossos cuidados.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Obrigada, Camilla.
Não sou mãe de autista, mas eu trabalho na área, sendo muito comprometida e solidária. As situações estão muito difíceis de controlar, principalmente na minha terra, em Alagoas. Depois que os senhores falarem, eu vou passar o vídeo de um adolescente de 19 anos que apareceu em um programa de televisão de Arapiraca, em situação que me preocupa bastante.
Esta nossa audiência era para ter ocorrido em abril, no Abril Azul. Era essa a nossa expectativa, mas há uma busca muito grande de vários temas importantes na Câmara para os quais queremos dar visibilidade, pelos quais queremos trabalhar. Hoje é o nosso dia, e nós vamos aproveitá-lo para que tenhamos a melhor resolutividade.
Informo que, devido a um problema técnico no portal da Câmara, o e-Democracia está fora do ar. O setor responsável já está trabalhando para solucionar esse problema.
É com muita gratidão que participo desta audiência. Deputada Tereza Nelma, eu lhe agradeço profundamente a oportunidade de estar aqui com os senhores e de dividir a minha experiência de mãe e de pessoa participante dos trabalhos da Pestalozzi de Brasília.
Eu moro em Brasília e vou fazer a minha autodescrição, que foi solicitada. Eu tenho quase 60 anos, cabelos grisalhos e longos por conta da pandemia — eu evito o máximo possível saídas por conta do momento. Estou com um blazer rosa, um colarzinho de coração e batom rosa também.
Eu vou compartilhar com os senhores a minha vivência durante a pandemia com os meus três filhos. Durante quase a minha vida inteira em Brasília eu morei em apartamento. Antes da pandemia, tivemos a oportunidade de adquirir uma chácara. E a chácara foi o nosso refúgio, não só pela pandemia, mas também para poder estar com os nossos filhos, cuidando dos três.
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09:22
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Rapidamente, só para os senhores entenderem, eu tenho três filhos: o mais velho hoje está com 32 anos, quase 33 anos; o do meio acabou de fazer 30 anos; e o mais novo está com 28 anos, faz 29 anos em agosto. Então, eu estou longe do universo infantil, já estou na fase adulta há algum tempo. Os dois mais velhos são formados no ensino superior e falam inglês fluentemente. O mais velho seria Asperger pela classificação anterior e ele fica computado na classificação atual. O do meio é aquele sem outras especificidades. Ou seja, os dois têm níveis mais leves. O meu caçula é o autista clássico, com todo o pacote severo que o acompanha.
Então, por conta do meu filho mais novo, a opção de ficar na chácara foi a nossa salvação. Por quê? Porque em um apartamento fechado, 24 horas por dia, ele não suportaria ficar. As poucas experiências que fizemos com ele dentro do apartamento foram muito complicadas, ele ficou muito agitado, porque fica contido. Ele adora passear de carro, ele adora sair, ele adora o ambiente escolar. Então, a escola faz muita falta para ele. Isso foi suprido parcialmente, em doses homeopáticas, eu diria, pelas videoaulas, que, graças a Deus, a Pestalozzi tem oferecido desde o início de julho do ano passado.
Eu acompanhei todo esse processo de implantação dessa mudança do ambiente escolar presencial para o virtual. Esse ambiente foi transformado. Foi um aprendizado que eu e todos os profissionais da Pestalozzi trilhamos juntos. Eu fui convidada para participar do comitê que fez a implantação desse sistema lá. Então, foi um trabalho muito bonito, de muita dedicação, de muito amor e carinho desses profissionais, e ele vem se aprimorando nesse tempo. À medida que o tempo está passando, eles estão inventando e reinventando formas de chegar a esses alunos. Isso tem sido muito positivo. No início, nós — não só eu, mas os profissionais também — ficamos temerosos: "Será que isso vai dar certo? Será que eles vão conseguir fazer uma interação, mesmo sendo numa telinha e distante da presença física?"
No início, foi mais complicado, mas, por incrível que pareça, com o tempo, ele passou a gostar de olhar. Era algo que ele nem tinha interesse. Ele não olhava celular, ele não olhava tela de computador, só se fosse um filme ou alguma coisa de interesse natural dele. E hoje ele busca esse olhar, ele atende aos comandos que são feitos. Claro, a minha presença é 100% ao lado dele em todas as videoaulas. Ele não as faz sozinho, até porque ele é um autista severo. E assim temos ocupado o tempo dele.
Como a Camilla falou, é a dedicação da família, junto com a escola. A escola participa, sim, mas, se não for a família, as coisas não acontecem. Eu concordo com a Camilla em tudo o que ela disse. Realmente, é uma vivência. Independentemente da idade do autista, estamos no ambiente familiar hoje. E é a família que tem essa — entre aspas — "obrigação" de estar ali ocupando esse menino.
Então, é preciso reinventar cada dia, buscar atividades prazerosas para eles. Eu entendo que o autista precisa ter prazeres. Assim como nós precisamos, eles também precisam ter prazeres. Os prazeres é que trazem a alegria do viver.
E essa alegria é proporcionada no momento, não é conquistada para o futuro. Em cada momento você pode proporcionar isso. E é isso o que temos buscado com a nossa família.
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Então, nós nos unimos. Isso trouxe uma união muito forte para nós. Cada um assumiu uma parte, porque, com a pandemia, ficamos sem o apoio de secretária. Ficamos só nós, vivendo num ambiente mais contido, mas ao mesmo tempo aberto, porque a chácara nos proporciona um ambiente dentro da casa e ao redor de todo o terreno. Então, isso para nós foi — entre aspas — "a salvação" neste momento, e é o que tem nos dado força e saúde para suportar tudo isso e nos afastar desse mal.
A mudança nos ajudou muito, porque, por ser uma área rural, conseguimos fazer caminhadas. No início da pandemia, até havia um cavalo emprestado de um vizinho, que nos cedeu. Meu filho gostou muito, e ficamos 3 meses com esse cavalo aqui. Ele adorava montar e passear. Então, em cada momento estamos fazendo alguma coisa para ocupar esse tempo, dando prazeres para cada um deles — cada um a seu modo, porque são autistas diferentes. Os autistas adultos são mais ligados a mídias sociais, a filmes etc. Mas, mesmo dentro da chácara, temos buscado tarefas externas para que eles também ocupem o tempo e fiquem minimamente saudáveis. E isso tem dado um suporte bem significativo para todos nós.
A partir disso, decidimos morar na chácara. Estamos em construção. Se houver algum ruído, é porque nós estamos em construção. Decidimos morar aqui definitivamente, e o apartamento passou a ter uma importância menor, apesar de a localização ser muito boa na cidade. Acabou sendo muito importante para nós morar aqui. Entendo que para os que têm filhos menores esse também deve ser um complicador muito grande, principalmente para quem mora em áreas contidas, como apartamentos.
O que me faz muita falta é a vacina. A vacina seria uma solução muito importante para nós. Eles são pessoas que não usam máscaras. Já tentei de todas as formas colocar máscara no meu filho, treiná-lo, mas ele não a aceita. Então, corremos riscos cada vez que vamos à cidade com ele, porque ele não usa máscara.
Então, o retorno às aulas também seria mais rápido, a parte presencial, se tivéssemos vacina. Os autistas ainda não foram colocados no grupo de prioridades. Muitos outros grupos foram elencados como prioritários, mas os autistas ainda não estão dentro desse grupo de prioridades. Portanto, nós não temos vacina ainda. Isso está fazendo muita falta para nós. Por isso, se conseguíssemos vacinar esses meninos, teríamos uma tranquilidade maior.
O momento já traz o medo, como a Camilla mencionou, da nossa falta, já traz o medo de várias situações. Temos fé, sabemos que Deus protege, mas também temos que fazer a nossa parte. Eu sinto muita falta da vacina para esse universo de pessoas. Eles são um universo bem significativo hoje. Se fosse possível a vacinação dos autistas, seria muito importante, não só para a proteção da saúde deles, mas dos familiares que estão com eles.
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Obrigada, Margareth. Em sua vida, em sua missão, você teve condições de encontrar uma alternativa, que é morar numa chácara, onde há espaço, para se ter uma convivência mais saudável.
Vou fazer também minha audiodescrição. Sou uma mulher branca, estou também com blazer rosa — parece que a maioria das mulheres combinou isso hoje —, blusa preta, tenho cabelos castanhos e estou com batom também cor de rosa.
Eu sou médica, exerci pediatria durante boa parte da minha vida, mas, nos últimos 30 anos, eu tenho me dedicado com absoluta prioridade ao atendimento. Eu sou psiquiatra agora, com atuação na infância e na adolescência, então, eu tenho me dedicado com absoluta prioridade ao estudo, à produção de conhecimento, à formação de profissionais e ao atendimento de crianças, jovens e adultos com autismo e suas famílias.
Sou também escritora. O meu último livro é Autismo e Cérebro Social - Compreensão e Ação. Enfim, tenho outros livros também sobre autismo.
Nós atendemos hoje, na Casa da Esperança, em regime intensivo, 640 pessoas com autismo e suas famílias. A Casa existe há 27 anos. Além de psiquiatra, eu sou Diretora Clínica e Presidente. Fundei também a ABRAÇA. Eu fui a primeira Presidente da ABRAÇA, que é a Associação Brasileira de Ação por Direitos da Pessoa Autista; depois de mim, ela passou a ser dirigida apenas por pessoas autistas.
Aqui na Casa da Esperança, nós atendemos todo (falha na transmissão). Nós temos, por exemplo, os serviços de intervenção (falha na transmissão), intervenção neurossensorial, atendimento para jovens e adultos para inclusão no mercado de trabalho, desde 1 ano de idade até senhoras e senhores de meia idade.
Nós atendemos também todo o espectro. Nesse sentido, nós temos desde pessoas com autismo não verbais, pessoas que se comunicam apenas por palavras soltas, pessoas que falam de forma bem telegráfica a escritoras e palestrantes autistas.
Na Casa da Esperança, por exemplo, nós temos um grupo neurodivergente. Esse grupo é composto por médicos, engenheiros, estudantes universitários que são autistas e ativistas também do autismo. Por sinal, eles ontem estavam reclamando por que nenhum deles havia sido convidado. Dizem que ficam só as mães e os profissionais. Eles chiam bastante por causa disso.
E aqui nós tentamos incentivar muito o protagonismo das pessoas autistas, porque nós sabemos que, na história da luta pelo autismo, primeiro foram os profissionais e depois nós mães que arregaçamos as mangas e criamos instituições e entidades em defesa dos direitos dos nossos filhos. Finalmente, nós estamos ouvindo agora outra voz, que é o autismo falado em primeira pessoa, pelo próprios autistas, e nós ficamos felizes em ter chegado a este momento histórico.
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Dito isso, eu quero dizer que sou mãe de seis filhos. Desses seis, quatro são autistas. Dois deles precisam de maior suporte, são o que as pessoas chamam de portadores de autismo severo. Um deles é autista em grau bem leve, o Alexandre Mapurunga, meu primogênito, que já esteve na ONU, já foi Presidente da ABRAÇA, que teve uma luta importante aqui no Brasil pelos direitos da pessoa autista. E tenho a minha filha caçula, de 15 anos. Eu tenho autistas de 43 anos a 15 anos, que é a idade da minha única filha, que tem autismo leve. O Giordano e o Pablo são autistas que necessitam de maior suporte, inclusive para a fala.
Eu vou falar como mãe, médica e dirigente de uma instituição que atende um contingente muito grande. Nós realizamos mil procedimentos ambulatoriais por dia, apenas pelo Sistema Único de Saúde. Confesso que nos meus mais de 60 anos de vida, dos quais 30 anos foram dedicados ao autismo, eu nunca tinha vivido um momento tão difícil na minha vida pessoal como mãe, profissional e gestora de uma instituição.
Do ponto de vista técnico, médico, vamos dizer assim, como eu disse, nós atendemos intervenção precoce. Intervenção precoce é feita em bebês. Antigamente se pensava em mãe geladeira; hoje sabemos que a criança nasce com autismo. Desde o momento do nascimento, a criança neurotípica primeiro olha para o ambiente; depois, para a pessoa; depois, para o rosto; depois, para os olhos. As pessoas neurotípicas já nascem sabendo que não há nada mais acolhedor no meio ambiente do que uma pessoa, mas também não há nada mais perigoso no meio ambiente do que um ser humano. Então, elas prestam atenção aos olhos e tentam adivinhar o que há na alma das pessoas. As pessoas autistas nascem desequipadas para observar a intenção das pessoas, têm o que chamamos de dificuldade da teoria da mente.
Então, bebês com autismo precisam de uma intervenção o mais precoce possível, intensiva, para que possam — graças a Deus, nessa fase da vida há enorme neuroplasticidade e neurogênese — fazer com que novos neurônios surjam e façam novas conexões, e eles possam, então, dotar-se dos equipamentos necessários para compreender as intenções das pessoas e as regras do relacionamento social. Sabemos que as intervenções precoces fazem diferença na vida das pessoas. Antigamente, 50% das pessoas autistas não falavam. Hoje, apenas 20% das pessoas que passam por intervenção precoce não conseguem ter a comunicação verbal. E o tempo é crucial, porque temos janela de oportunidades neurológicas. Essas intervenções têm que ser feitas nesse período. Aqui temos intervenção precoce em pessoas de 1 ano a 6 anos de idade.
Com a pandemia, a primeira coisa que tem acontecido é a suspensão (falha na transmissão) escola. Os atendimentos que nós fazíamos, por exemplo, em grupo e em outras organizações... Nós fazemos o atendimento individual, com fonoaudiólogo, (falha na transmissão) e psicólogo, e também o atendimento em grupo. O atendimento em grupo está suspenso. Esse período não volta mais, esse período está irremediavelmente perdido na vida de bebês autistas que estavam recebendo intervenção precoce. Mantivemos o atendimento individual, mas não é a mesma coisa.
Quanto aos adultos, o que sabemos? Pessoas com autismo têm um padrão repetitivo de atividade, elas precisam ter antecipadas as suas ações, elas precisam de rotinas, elas precisam de organização. E tudo isso foi por água abaixo. Então, entre os adultos que precisam de maior nível de suporte, portadores do que as pessoas chamam de autismo mais severo, tem sido muito maior o número de crises e episódios de desregulação emocional, inclusive temos visto muitos episódios de adultos que têm necessidade de internação hospitalar. Isso tem sido também muito grave.
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09:38
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Há outra coisa fundamental que já falaram aqui, mas eu vou colocar novamente: a necessidade de vacina é urgente para essa população. Autistas têm problemas sensoriais. Hoje, inclusive, isso está contido nos manuais nosológicos. Muitos autistas não usam máscara, porque eles têm problemas sensoriais com isso. Eles têm problema também na própria percepção, muitos sentidos são alterados. Então, muitos deles chegam muito perto. Quando eu estou atendendo aqui, os bebês pulam no meu colo, os adultos chegam muito mais próximo. É difícil para eles manter o distanciamento social que se pede, porque eles têm dificuldade na percepção. Então, eles costumam invadir o espaço peripessoal da outra pessoa. É uma população que, realmente, mesmo que não adquira o vírus, pode transmiti-lo, pode levá-lo para casa. É urgente que essa população se vacine. Eu concordo plenamente com isso.
Eu soube que agora só estão vacinando as pessoas que têm BPC. O.k.(falha na transmissão) têm direito à própria vida, também têm direito à vacina.
Outra coisa que eu queria falar, do ponto de vista médico, é sobre o acesso. Nós sabemos que, nas fases em que houve lockdown — e em Fortaleza ocorreu —, fica difícil o acesso aos locais de saúde. Os transportes coletivos estão numa situação muito grave. A questão social, gente, é dramática. Eu nunca tinha vivido isso na minha vida. Eu passei 1 mês atendendo apenas por telemedicina. Isso dificulta o atendimento das pessoas autistas e suas famílias, mas também, para mim, foi uma oportunidade de conhecer de perto essas famílias.
Eu ouvi a colega falando que mora numa chácara. Eu também tenho o privilégio de morar numa casa grande, com esse monte de autistas, mas é um espaço grande, tem jardim, tem piscina. Eu entrei em casas, através da câmera, em que cinco, seis, sete pessoas moram em pequenos cubículos. Há uma mãe, por exemplo, que nasceu com um problema genético, ela não tem as pernas. Ela mora num quartinho, no segundo andar. E essa pessoa tem que rolar com o filho autista. Deixa a cadeira de rodas embaixo, rola para deixar o filho autista em cima, depois vai buscar a cadeira de rodas. Então, há pessoas que estão numa situação de miséria.
Outro dia, eu estava atendendo uma mãe, e ela disse: "Dra. Fátima, eu estou aqui mostrando para a senhora. Eu estou no fogão. Olha a minha panela, vazia. Eu só tenho água. Tenho cinco filhos, eu só tenho água para poder colocar no fogo".
Então, a grande maioria das mães da Casa da Esperança — eu tenho aqui filhos de pessoas de alta renda —, como a maioria do povo brasileiro, não tem dinheiro. Então, 63% estão em busca do BPC.
Agora, para se adquirir o BPC, está uma dificuldade enorme, porque tudo é on-line. Essas pessoas têm telefones de baixa resolução. Todos (falha na transmissão) presenciais e aí desmarcam novamente.
Para se ter uma ideia, 63% estão aguardando. E estão absolutamente sem renda ou, no máximo, agora, recebendo 150 reais, que é uma vergonha para famílias brasileiras com autismo. Eu vejo aqui que muitos desses meninos têm problemas (falha na transmissão), têm desregulação emocional, (falha na transmissão).
Então, a situação é gravíssima dado o agravamento do quadro clínico, o tempo importante nas janelas do desenvolvimento que a pessoa está perdendo, quebra de rotina, crises comportamentais graves, aumento de internações e fome — muita fome! Além da falta da escola, como já foi aqui colocado, muitas pessoas não se adaptam. Por exemplo, minha filha, uma menina superinteligente, tem 15 anos de idade, mas ela não consegue se concentrar para ficar assistindo conteúdo on-line. Ela estuda depois, porque não consegue se concentrar.
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Em muitas famílias, o pai ou a mãe não tem condição de dar suporte. Eu digo pai ou mãe, mas a imensa maioria dessas famílias são constituídas de mães e filhos. Para se ter uma ideia, eu tenho uma mãe que tem cinco filhos, três autistas, e ela ganha a vida. A grande maioria — 63% dessas mães — perderam as suas rendas, porque eram manicures, diaristas, babás ou cuidadoras. Todas perderam a sua renda, com a pandemia. Há uma aqui que vende bombons e balas, no ônibus, e sai com cinco filhos. Ela diz apurar 35 reais por dia. Com isso, ela faz o apurado para poder fazer o caixa do outro dia e comprar mais balas. Então, a situação da maioria das mães de autistas no Brasil — eu digo mães, porque muitos dos pais foram embora mesmo — é de absoluta miséria, de fome, e elas são verdadeiras heroínas.
Eu recebi uma grande homenagem, numa reportagem que fizeram comigo no dia 30 de abril, meu aniversário. E eu disse que não sou heroína coisa nenhuma. Sou uma médica. Tenho renda. Sou funcionária pública. Tenho condições de fazer frente aos desafios dos meus filhos de uma forma melhor. Guerreiras são essas mulheres que, sem ter nada para colocar no fogo, saem todos os dias e não estão vacinadas, nem eles, passando às vezes humilhação (falha na transmissão), no nosso sistema, para conseguir um vidro de remédio, o risperidona para a crise, mas lutando bravamente para manter a dignidade e a saúde dos seus filhos autistas e das suas famílias.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Muito obrigada, Dra. Fátima. Eu já a conhecia de outros eventos e outros encontros, junto com Deusina.
Deusina, que é do Ministério da Assistência Social, hoje Ministério do Desenvolvimento Social, sempre me fala da disposição da Fátima, do compromisso de não ficar quieta, de estar sempre buscando meios para melhorar a vida dos autistas e de tantos outros.
A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Bom dia, minha querida Deputada Tereza Nelma; bom dia a todas as nossas convidadas. Quero dizer que é um prazer enorme estar aqui com vocês e quero ressaltar a importância desse tema que realmente nos preocupa muito.
Inclusive, eu sou mãe também de uma mocinha, a Dani, que é autista. E vendo aqui a Dra. Fátima falar da situação dela e de muitas mães que hoje estão vivendo esse problema dramático com relação à pandemia e seus filhos com autismo, eu posso dizer que sei que não é fácil, porque eu também tenho vivenciado isso em casa. A minha filha Daniela chegou a pegar COVID na primeira onda, e foi um momento de um medo muito grande, porque ela não fala, ela tem dificuldade, realmente, de se expressar. Ela tem uma deficiência que comprometeu a parte cognitiva.
Então, imaginem a situação. Mas, graças a Deus, graças ao nosso maravilhoso Deus, ela praticamente ficou assintomática.
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Eu ouvi algumas falas aqui e a preocupação, principalmente — eu entrei agora —, da Dra. Fátima com relação a escolarização. Esse é um problema realmente dramático. Se para eles já não é fácil a compreensão de forma presencial, imaginem no mundo virtual, tendo de se adaptar ao computador, às aulas virtuais. Então, é uma quebra de rotina muito grande para os autistas, e eles têm dificuldade com o novo, sabemos disso. É um desafio, realmente, tremendo para eles em meio a essa grave pandemia, em que muitas vezes é imposta a eles uma situação como essa.
A socialização também faz uma falta enorme para eles, porque a escola é um ambiente de socialização, é um ambiente em que eles realmente se sentem bem. A minha filha, eu cito aqui porque é o exemplo que tenho em casa, gosta demais de ir para a escola, gosta demais de estar com os coleguinhas, de estar com os professores. Então, ela fica muito impaciente com essa quebra de rotina. Agora mesmo, por exemplo, eu já pedi aqui para dar uma volta com ela, porque, na hora em que toma banho e se arruma — ela já estava acostumada a ir para a escola, já tinha aquela rotina —, ela fica apreensiva e, realmente, muito nervosa, vamos assim dizer, enquanto não sair para passear, porque essa era a rotina dela, com a escola.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Deputada Rejane querida, veja só, nós temos duas mães ainda que vão falar, e eu quero que V.Exa. continue, porque tem uma contribuição muito importante para nos dar.
A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Sim. Já vou responder sua mensagem.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Estamos trabalhando assim direto. Já falei com o Deputado Eduardo Barbosa, que disse que vai vir.
Deixe-me socializar com as convidadas que nós da Frente Parlamentar do Congresso Nacional em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual eu estou Presidente, e da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, de que a Deputada Rejane está como Presidente, solicitamos uma audiência com o Ministro da Saúde há mais de 1 mês, mas agora eu recebi a notícia de que amanhã, às 18 horas, ele nos receberá. Aí eu estou avisando às minhas colegas e aos meus colegas para que façamos a nossa pauta. O primeiro ponto de pauta é a vacinação das pessoas com espectro autista.
A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Inclusive, já vou entrar nessa questão da vacinação e dos cuidadores. Realmente, é muito importante, Deputada Tereza, essa audiência com o Ministro, para fazermos essa cobrança.
Eu ouvi o relato da Dra. Fátima, e ela tem razão. Para os cuidadores é fundamental a vacinação. Eu sei que nós tivemos uma mudança no Plano Nacional de Imunizações. Incluíram agora as pessoas com transtorno do autismo, mas que estão aptas a receber o BPC. Então, não foi para todo mundo, e não entraram também os cuidadores.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Esse corte não é válido.
A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Acho que é uma pauta crucial e central para discutirmos com o Ministro.
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Eu quero aqui, por fim, dizer que nós estamos à disposição. Graças a Deus, nós temos uma Comissão em que há uma unidade muito grande dos Parlamentares e, acima de tudo, um comprometimento com a causa da pessoa com deficiência. Estão aí a Deputada Tereza Nelma, o Deputado Eduardo Barbosa e tantos outros que estão realmente muito engajados para que possamos realmente dar a resposta que a sociedade espera na proteção daqueles que mais precisam, que são as pessoas com deficiência.
Colocamo-nos aqui à disposição, Deputada Tereza. Parabéns pela inciativa desta audiência pública. Eu falei um pouco também da minha rotina, falei um pouco da minha vida, do que é ter uma filha com autismo, porque eu vivo isso 24 horas por dia e entendo perfeitamente a angústia dos pais, das mães, dos profissionais que atuam nessa área. Nós estamos aqui realmente para ajudar a todos, trabalhar no coletivo.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Obrigada, Deputada, e eu quero V.Exa. amanhã aqui, viu? Vamos organizar. Sei que V.Exa. está no Piauí, mas venha embora, para irmos juntas conversar com o Ministro da Saúde.
A SRA. LIDUÍNA CARNEIRO - Bom dia. Quero agradecer o convite à Deputada e agradecer também a oportunidade de estar aqui com essas mães, como a Fátima, que já conheço há alguns anos — ela não gosta que eu diga que fui estagiária dela, mas eu sempre brinco com isso.
Eu sou advogada há pouco mais de 30 anos, e meu filho autista tem 25 anos. Eu digo sempre que todos os dias nascem mães autistas, e o que mais nos entristece é que nós nascemos todos os dias de novo, para aprender tudo de novo. A Fátima, que tem mais experiência e mais contato com isso, deve saber bem melhor do que eu que é impressionante como todo começo pede, por mais que orientemos, que seja a sua experiência, quer dizer, a experiência daquela maternidade. E isso dificulta muito falarmos que se precisa esquecer, de certo modo, o autismo que tem a criança e puxar daquela criança a pessoa que ela é, estimulá-la de acordo com as dificuldades que ela tem.
Então, o que é para nós a pandemia? Estávamos ouvindo falar, no final do ano, que havia contaminação, que havia um vírus da gripe modificado, que as pessoas estavam morrendo, que o vírus era mais voraz, e de repente, em janeiro, ouvimos dizer que havia casos no Brasil e, em março, veio o lockdown para a maioria das cidades, com a suspensão dos contatos, quer dizer, com a obrigação do distanciamento social, para o resguardo da própria vida.
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Então, eu provei todas essas realidades maravilhosas, a realidade de saber que há autistas ou pais de autistas internados e que não há leitos; a realidade da mãe que está em casa, mas não tem recursos, por sua condição, porque também não foi provida para aquilo, e não falo só das mães que têm dificuldades, que são semialfabetizadas, que são pobres, não! Eu falo também de mães letradas, mães profissionais, que tiveram que dividir em sua residência, em seu ambiente doméstico, a terapia com o filho ou o suporte para a terapia e o seu trabalho.
Aqui acho que são todas mães. E eu me esqueci de agradecer à Deputada Tereza Nelma e de agradecer também à amiga Deusina, resistente, maravilhosa com seus filhos, e sempre nos brindando com mais políticas públicas e mais soluções para essas desgraças todas que a contradição do nosso Estado traz — nosso Estado de Direito. E ficamos, nós mães, sempre espremidas entre as cobranças externas sociais. Você tem que ter profissão, você tem que produzir; se for uma produção intelectual, fica mais difícil ainda, porque as pessoas não veem, só veem quando aparece, e aí é sempre mais delicado. E você, nascendo mãe autista, tem que ser também conhecedora daquela condição, para poder suprir as necessidades do filho, porque você vai ter suporte profissional se tiver acesso a ele, se tiver como bancá-lo, porque é caríssimo, também. Graças a Deus, nós tivemos isso, mas também nós tivemos muitas dificuldades em relação a essa assistência.
E agora na pandemia uma coisa boa aconteceu. Essa coisa boa foi meu filho voltar a ler. Ele fazia sessões com um terapeuta, uma interna e duas externas. E é ele que dita a rotina. Ulisses é muito severo. Ainda bem que ele é meu filho, não é meu pai. Então, ele voltou a ler. O terapeuta ficou assim: "E agora, como a gente vai fazer?" Eu disse: "Vamos fazer on-line, não tem como deixar de fazer, pelo amor de Deus!" A desgraça grande é que eu tinha que ficar do lado, até com medo de que ele depois danificasse meu notebook. Ele faz as sessões no meu, porque os dele ela já quebrou todos, e eu desisti de comprar outro; então, tenho que ficar do lado.
Mas ele voltou a ler. E ele não gosta quando se fala errado — falar errado que eu digo é falar com a voz agressiva; não estou me referindo à gramática, ao português, etc. —, ele não lia, ele exigia que eu lesse. Ele bota pilhas e mais pilhas de livros. É uma rotina que eu faço com ele à noite, o que aumentou, com a pandemia. Antes fazíamos um livro de rotina e, agora, fazemos quatro livros de rotina. Dos quatro, dois são os mesmos todos os dias; quando ele abre a capa, eu já sei a história do começo ao fim, com vírgulas, parágrafos e pontos e vírgulas. Mas ele voltou a ter segurança da leitura dele. Esse foi o ponto positivo.
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O outro ponto positivo é nós sairmos juntos. Nós saímos todos os dias, nem que seja para darmos uma volta de carro, e esse foi o recurso de muitas mães que ficaram fechadas, agora, em apartamentos de 50 metros quadrados, por exemplo. Nós moramos numa casa, mesmo ele não indo no quintal porque não gosta de calango, não gosta de uma cachorra, não gosta de passarinho, enfim, mas nós temos espaço em casa, ele tem um quarto grande para ficar, ele tem recursos, ele tem os estímulos para poder passar o dia. Mas a maioria das mães não tem. E não tem o pai, que foge no começo — é a regra de mais de 90% dos casos, infelizmente.
Hoje, eu vejo novos pais e eu fico muito feliz em saber que estão ajudando, que estão assumindo o filho, que estão identificando-se com o filho. A primeira coisa que nós precisamos fazer é nos identificarmos. Nós não podemos dizer: "Meu filho é autista, e ele está ali, mas não tem nada dele parecido comigo porque ele é autista". É óbvio que tem!
Então, você tem que procurar essa identidade para não rejeitar, porque o primeiro ponto é a rejeição. E, quando eu digo que é preocupante, eu pergunto: como é que está a nossa voz? Todos os dias nasce uma mãe autista, sem saber o que vai fazer.
Há 15 dias, eu atendi uma colega com dúvidas de outra colega que queria processar um médico, um neurologista que eu conheço. Eu fui perguntar o motivo, e ela disse que ele tinha olhado o filho dela e tinha dito que ele era autista. O menino tem 3 anos, e a mãe está arrasada. Aí eu digo: "Ah, está certo". Mas, será que, se eu tivesse olhado o filho dela, eu também não iria dizer o mesmo?
Então, hoje, quando nós paramos e observamos, a pessoa pode ter um comportamento que denuncie mais, como um flapping, ou pode ter algo que denuncie menos, como uma sensibilidade qualquer. Mas você reconhece, você aprende a reconhecer. Você aprende até a se reconhecer diante de várias coisas: "Ah, tá! Então, era por isso que eu não gostava..." O flash de uma câmera fotográfica — e isso, graças a Deus, não existe mais — me desorientava completamente numa audiência. Mas me desorientava completamente mesmo, não era pouquinho, não! Era de esquecer tudo! Dava um branco na cabeça, uma coisa maravilhosa! Quando eu percebi que isso acontecia comigo, a primeira coisa que eu fazia quando chegava a um ambiente eu dizia: "Pelo amor de Deus, não façam foto minha com flash".
Isso me faz lembrar de outra coisa em relação à pessoa autista, e é algo que vale para o resto também. Nem toda pessoa com deficiência vai ser uma pessoa deficiente, quer dizer, a pessoa não vai ser deficiente porque é pessoa com deficiência. Então, a pessoa que é autista não vai ser, necessariamente, uma pessoa que goste de se isolar, mas as pessoas isolam, o preconceito isola. É o preconceito que faz com que nós mães não tenhamos suporte, mesmo na Constituição Federal. Eu faço questão de abri-la o tempo inteiro para dizer que, no primeiro artigo, ela diz que vai dar o suporte à cidadania, que vai colocar a cidadania acima de tudo e que vai colocar a pessoa humana também, como seu ponto. E o que nós mais vemos é a desconstituição disso, é a desconstituição da nossa humanidade, é a desconstituição, é a desconstrução, é o desrespeito à nossa cidadania.
Então, uma pessoa com deficiência, para que ela seja ouvida, ela tem que gritar, ela tem de se esganar, ela tem de aparecer. Poucas pessoas sabem que houve o movimento das pessoas com deficiência pró-anistia, e que ele aconteceu muito antes da Convenção da ONU. Muitas articulações são silenciadas na nossa prática diária
Essa pandemia expôs as nossas vísceras. O que é a nossa víscera?
É a pessoa que, do ponto de vista estatístico, está empregada, porque tem uma banca de vender tapioca na esquina do salão, mas não tem uma renda. E ela não sabe como será aposentada ou do que se valerá numa situação de invalidez temporária ou permanente. Por quê? Porque o Estado brasileiro não tem essa preocupação. O nosso cuidado normativo se perde. Nossa lei é linda, maravilhosa, mas nós nos perdemos na prática, nós nos perdemos nas contradições de ter o valor material acima do valor humano. E essa conta nunca vai fechar. Essa conta nunca vai fechar nem para a pessoa com deficiência, nem para quem nasce em situação de miséria.
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A farinha é pouca, o meu pirão primeiro. Colocar o BPC como critério para imunização, pelo amor de Deus, isso é um absurdo! Eu acho isso uma ofensa tão grande e é uma ofensa maior ainda que pessoas nessa mesma condição tenham aceitado isso. Eu teria dito: "Nem coloquem, porque eu não quero que a miséria seja a minha identidade". Eu quero vacina para todos. E nós sabemos hoje, com uma CPI que tem aí, quantas vezes isso foi negado pelo Executivo. Isso não é para o processo internacional que existe ser esquecido não. Isso é crime contra a humanidade. Não é crime só contra brasileiros e brasileiras, porque não há fronteiras para o vírus. Nós não conseguimos mais viver isolados. O mundo não consegue mais se isolar e fechar fronteiras. As fronteiras existem, mas elas são quase fictícias.
Essa é a dificuldade. Nossa dificuldade é não ter vacina, nossa dificuldade é não ter adaptação dos conteúdos. Por que não há adaptação para o conteúdo on-line? Porque essa adaptação já era truncada no conteúdo presencial. Se não havia adaptação nem consciência para dar conteúdo de educação e de aprendizado para um aluno ou uma aluna autista em sala de aula, também não haverá como fazer isso on-line. É simples assim.
Então, as dificuldades todas estão na perda da identidade do que se tem para fazer. Eu sou educadora? Sou. Então, acima de tudo, eu amo a educação. Não interessa: quanto mais difícil for para eu alcançar o método com o aluno, quanto mais desafiante, melhor vai ser para mim, para a minha construção profissional. É a mesma coisa: se há um processo que eu tenho de fazer, desde o início de toda a construção, e eu brilhar com ele, gostar do que estou fazendo, melhor vai ser para mim. Fazer um "Ctrl+c" não tem graça nenhuma. A graça é entendermos o que é aquilo que está nascendo. Essa graça vale para a educação, ela vale para a saúde, ela vale para projetos novos de distribuição e de manutenção de renda, ela vale para ver como estão essas mães. São estatísticas que não temos. Foi colocado e foi suspenso; foi colocado e foi suspenso.
Há uma lei que conseguiram articular no Estado do Rio de Janeiro, e o MP vem com a sua razão, ou seja, não pode ser esse o critério. O MP poderia ter agido também quando não se teve critério para comprar as doses de vacina, quando se roubou tanto na saúde do Estado do Rio de Janeiro e deixaram a população morrendo na rua. O MP é um excelente parceiro, mas precisamos dizer que ele tem que agir de todas as formas. Quando se aponta um erro, não interessa de onde é, tem que ser apontado mesmo. Então, é isso. Nossas dificuldades já existiam, no que já estava truncado, e foram expostas com a pandemia.
Então, nosso País já estava caminhando para a miséria. Tivemos um período de estabilidade, mas nós nos afundamos numa velocidade muito grande. Quantas pessoas estão adoecidas com essa situação atual?
Muito obrigada.
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Liduína, nós já passamos do tempo. Ouvimos a sua fala, que é muito boa. Todas essas angústias que você nos passa muitas vezes nos dá a sensação de impotência: o que nós podemos fazer? Como nós vamos encontrar um encaminhamento?
A SRA. ADRIANA GODOY - Bom dia. Muito obrigada, Deputada, por este convite tão importante para falarmos na Câmara de um tema fundamental das nossas vidas.
Primeiro, vou fazer a minha audiodescrição. Sou uma mulher de pele clara, tenho 44 anos, tenho cabelos curtos e encaracolados. Eles estão grisalhos e estão rosados também, porque a minha diversão agora, nesta pandemia, é me olhar através das câmeras, com cabelo rosa, para me divertir um pouco diante de tantos desafios.
Eu penso que é uma oportunidade ouvir essas falas tão importantes, tão maravilhosas. Eu fico pensando que, de tudo o que foi dito aqui, fica muito clara e exatamente exposta aqui, como foi colocado pelas outras mães e colegas ativistas e profissionais também da área, a dúvida sobre de que forma chega este compromisso do poder público com a inclusão, com a saúde da pessoa autista e, consequentemente, de suas famílias. E coloco aqui a pessoa autista como a primeira detentora dos direitos que lhes são de direito à frente dos direitos da família; a nossa preocupação aqui é fazer com que os seus direitos sejam garantidos, é o nosso dever como familiares e cuidadores. Quanto dessa política intersetorial, que é uma conquista importante, desde que a pessoa autista foi equiparada à pessoa com deficiência, realmente chega na ponta, em matéria de ações efetivas e do que o poder público, no âmbito das gestões estaduais e municipais, que são as responsáveis por estabelecer as verbas, por estabelecer os direcionamentos, as políticas que vão acontecer, tem funcionado?
A Associação Paulista de Autismo é uma entidade nova, tem 4 anos de existência. Das discussões das quais temos participado, o que fica muito claro, sempre ouvindo as reclamações, as solicitações de ajuda, das lutas, é que essa política intersetorial não existe, ela simplesmente é algo que acontece no âmbito do que foi colocado como legislação. Ela foi corroborada pela política de saúde, em 2015, uma política feita para a população autista, para garantir uma saúde que ela nunca teve. Temos que ter muita consciência de que a família da pessoa autista e a pessoa autista se constituíram em organizações paralelas à sociedade como um todo.
Então, além de todos os impactos que nós já vivemos, por conta dessa displicência verdadeira do Estado, no decorrer das décadas, com a nossa população autista, ela está exposta de todas as formas. A ONU tem uma preocupação muito grande, reconhecida na própria convenção, com relação à pobreza da pessoa com deficiência.
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Quando começamos a refletir sobre o que é pessoa com deficiência, precisamos acima de tudo refletir sobre o quanto nós geramos deficiência. Todas essas consequências apontadas aqui são consequências reais. Observemos o quanto nós estamos gerando cada vez mais deficiência nas pessoas, por conta de não atender às necessidades de saúde, de reabilitação e de inclusão em todos os âmbitos da vida social dessas pessoas. Nós falamos da inclusão, mas a inclusão não pode ser vista como primeira década ou segunda década de vida de um ser humano — jamais, em hipótese alguma! Essas pessoas vão se constituindo em pessoas adultas no decorrer do seu desenvolvimento infantil, tendo oportunidade de ter o seu desenvolvimento infantil. A interação e a participação social são fundamentais para o desenvolvimento de qualquer ser humano, em qualquer época da sua vida.
Então, numa situação pandêmica como esta, em que nós precisamos tomar os cuidados protetivos para conter a disseminação de um vírus, não podemos nos valer de não atender as necessidades dessa população. Precisamos saber quais são as necessidades e de que forma nós vamos fazer isso para continuar a garantir aquilo que é de direito dessa população.
Falamos aqui de todos nós que, com os nossos arranjos pessoais, conseguimos suprir as necessidades dos nossos filhos. Aí nós temos uma fila imensa, se é que eu poderia dizer assim, e sequer sabemos a quantidade de pessoas que necessitam disso e que sequer têm acesso a isso. A atenção básica à saúde, por exemplo, tem uma importância fundamental. Quantas e quantas crianças, jovens e adultos não tiveram os seus diagnósticos atendidos nesse período? Quantos dos que tiveram diagnóstico nesse período, não tiveram seus encaminhamentos? E quantos não o tiveram porque também já não teriam mesmo? É muito importante dizer isso. Nós precisamos de um compromisso, precisamos aproveitar a Câmara, para que as ações de políticas públicas intersetoriais sejam de comprometimento dos Estados e dos Municípios, porque não são! Elas não são, não têm fluxo.
O atendimento educacional especializado, por exemplo, aqui, no Estado de São Paulo, no Município de São Paulo, acontece na escola pública, dentro da escola. Todos os estudos caminham dizendo que a efetivação e a qualidade do atendimento educacional especializado acontecem na escola, e não fora da escola. Aqui, no Estado de São Paulo, as escolas privadas, por exemplo, não praticam atendimento educacional especializado, nenhuma delas, nos moldes do que nossa política educacional determina, que é sobre o viés de mediação, de implementação, de intersetorialidade, de fluxos.
A Secretaria Estadual de Educação, que deve olhar, que deve fiscalizar, que deve ter a certeza de que esse atendimento educacional especializado está acontecendo, não faz esse trabalho. Então, acontecem coisas como colocou a minha colega e amiga querida Camilla.
O meu filho está desescolarizado, porque nós chegamos a um profundo nível de stress. Os 3 primeiros meses de acompanhamento da aula on-line dele foram muito maravilhosos, ele adorou, nós estávamos imbuídos de toda a nossa força de vontade, mas em dado momento isso entrou em um nível de stress tão profundo, tanto para mim quanto para ele, que ele teve a sua saúde mental prejudicada e eu idem.
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Eu quis trazer assuntos importantes. Nós temos o protagonismo, que eu gostaria também de defender. E queria fazer um convite a uma reflexão para que, num próximo encontro importantíssimo, nos lembremos de trazer a pessoa autista para falar por ela. Nós as representamos, como pessoas que temos responsabilidades legais sobre elas — e a nossa sociedade está muito imbuída nesse movimento e acostumada com as mães sempre estarem à frente —, mas é uma conquista importante o Nada sobre nós sem nós.
Eu gostaria de deixar também uma reflexão a respeito do compromisso com a vida adulta, sobre a empregabilidade da pessoa autista nível 2 e nível 3 de suporte. Não existe implementação na área de fomento, incentivo, investimento do poder público em capacitação nos cursos técnicos. A educação de jovens e adultos é seriíssima. A população analfabeta de pessoas com deficiência é imensa. A ONU e a OMS têm ciência de que a pessoa autista e a pessoa deficiente intelectual são as mais excluídas. Elas não participam. O nível de analfabetismo é imenso. Nós precisamos ter um comprometimento com a educação de jovens e adultos para a implementação no mercado de trabalho e ações efetivas que façam esse processo de transição.
Eu vou finalizando com a mensagem do Victor a respeito do coronavírus em 2021. Eu pedi para ele escrever. Eu fiz uma pergunta para ele: "No que o coronavírus afetou o meu dia a dia?" Nós conversamos sobre isso, e ele disse que em 2022 vai ter 19 anos, e também disse: "É ruim ficar fora da escola. Eu quero ficar dentro da escola".
Então, eu finalizo a minha participação agradecendo pela escuta, mas solicitando o compromisso em ações intersetoriais, em fluxos de implementação dos projetos de vida que são necessários, no acompanhamento e na mediação, para quebrarmos os estigmas de que a pessoa autista nível 2 e nível 3 de suporte são pessoas apenas a serem cuidadas. Elas são pessoas a serem cuidadas e elas necessitam participar da sociedade efetivamente. Para garantir os direitos dessas pessoas, garantimos os direitos dessas famílias. Garantindo o direito da pessoa autista, melhoramos a vida dessas famílias que estão em situação de descaso há décadas seguidas.
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O último dado dos Estados Unidos sobre autista, entre crianças de zero a 8 anos de idade, era de 1 para cada 58 diagnósticos. Ou seja, a população autista é imensa no nosso Brasil: é imensa sem diagnóstico, é imensa entre os que vão receber diagnóstico e, como toda a nossa população brasileira, é imensamente empobrecida e vai ter impactos seriíssimos nas políticas de assistência social na próxima década.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Obrigada, Adriana. Eu me solidarizo e me comprometo, com você e com todas as outras mães e profissionais, a tentar encontrar e fazer valer as leis existentes. Já existem as leis. Nós precisamos fazer com que os gestores assumam o seu papel, porque, no momento em que eles assumem uma prefeitura, um organismo, um governo, eles têm responsabilidade perante a Constituição.
(Exibição de vídeo.)
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Essa realidade não é única, há inúmeras no nosso Brasil. Esse é o retrato do nosso País.
Como Deputada e alagoana, trabalho na área da pessoa com deficiência há 38 anos. Sou uma pessoa muito apaixonada pelo que faço e tento sempre trabalhar para implementar políticas. Mas não tive sucesso quanto à questão da pessoa autista no meu Estado. Contudo, eu tenho lutado muito para que haja atendimento com dignidade, que é o mínimo — o mínimo! E temos dificuldade.
Na sexta-feira, inclusive, eu fui até ao Tribunal de Justiça. Qual o impasse que está acontecendo? Há duas varas: a 30ª, que trata da saúde, e a 28ª, da Infância e da Adolescência. Há 17 mil processos de saúde e aproximadamente 1.700 processos sem definição para as pessoas com espectro autista. Com isso, o atendimento mensal gira em torno de 20 mil reais. Se realmente os 1.500 processos forem deferidos, não há profissionais no Estado para atender a todo esse grupo. Essas são as mães que deram entrada no processo, porque há outras mães que nem condições tiveram.
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Então, vocês vejam. Eu estou aqui com a Adriana e a Fátima, que me falaram da questão do protagonismo. E eu já estou aqui conversando com a Raquel, a nossa Secretária da CDPD, para fazermos uma audiência com o protagonismo das pessoas com espectro autista. Nós entraremos em contato com vocês para que façam uma indicação, porque isso para nós também é uma evolução. E é isto o que tanta gente quer: que ele se represente, que eles falem da sua dor, da sua alegria. Mas esse primeiro momento coincidiu com a nossa audiência com o Ministro, que será amanhã, para fazermos o apelo quanto à necessidade da vacinação. Nós tínhamos entendido de trazer vocês, mães, para conversarmos, não a especialista, mas a mãe, para que ela expresse a dor de como fazer.
Eu trouxe, neste momento, o vídeo para vocês verem a situação dessa mãe, como é a de tantas outras, a exemplo daquela outra mãe, da qual a Dra. Fátima falou, que tem cinco filhos e vai para o ônibus vender balas, com os seus filhos. Que situação é essa do nosso País?! Se formos falar da questão da assistência social, da educação, da saúde, onde é que eles se encontram?
Então, eu tomei uma iniciativa, Dra. Fátima, de colocar um curso lá em Alagoas. Depois de tantas angústias, eu tenho pensado muito em fazer um curso, e estou colocando-o em prática. Acho que nós poderíamos ir fortalecendo esse curso, para que ele seja implementado no Brasil inteiro, em cada Estado. Nesse curso estamos colocando as três políticas públicas: a educação, a saúde e a assistência social. Eu não posso pensar no atendimento, no trabalho com pessoas com deficiências, sem esse tripé.
Então, nós estamos em fase de conclusão desse curso lá em Alagoas, que tem à frente, como coordenadora, a Dra. Viviane de Leon. Mas a nossa ideia é dar continuidade à supervisão. A nossa ideia é levar vocês, é levar a Dra. Fátima para conversar com esse profissional da rede municipal, da Prefeitura, dessas três políticas, como eles podem conversar. Eles não conversam, eles se desconhecem. Como podemos traçar política pública, se para cada atendimento há um tratamento diferente? Aquele mesmo menino que é do CRAS, é do CAPS, é da educação, tem diagnósticos diferentes, tem tratamento diferente. Quem é esse menino? Essa é uma tentativa que estamos fazendo, mas com a expectativa de continuarmos com uma supervisão. Há uma expectativa. A Deusina já me disse: "Tereza, conversa com a Dra. Fátima, com a experiência que ela tem, e por causa dos atrasos dos recursos, que não existem, para ver se ela faz acontecer esse curso". Eu coloquei uma emenda de 100 mil reais dentro da Secretaria Municipal de Saúde para implementar esse curso que está acontecendo.
Ontem, domingo, eu tive um café com a Secretária Municipal de Saúde, para pedir a ela que nos receba, na semana que vem, junto com a Dra. Viviane de Leon, para montarmos um plano municipal, uma ação emergencial, uma ação efetiva quanto a essa política pública, porque nós temos a política municipal, a política estadual, enfim. E cadê?
Quem assume esse papel? São só as famílias, mulheres e homens? E o poder público municipal, estadual e federal? Então, essa é uma grande luta que estamos travando. Trago todo esse sentimento e o nosso compromisso de mudar essa realidade.
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Quando vemos os dados, quando lemos as pesquisas dos Estados Unidos, parece até que é uma epidemia de tantas crianças com autismo. E cadê os tratamentos, cadê os atendimentos, cadê o respeito a cada uma delas e a cada família?
Há uma pergunta no e-Democracia do Sr. Julio Basta: "Minha filha tem sofrido muito com o isolamento social. A falta da escola e das terapias tem efeito de regressões muito rápidas nos avanços conseguidos. A repetição de fala e crises voltaram com força. Tem algum estudo para incluir as pessoas do espectro na fila de vacinação prioritária?" Um pai angustiado está nos fazendo essa pergunta. Qual de vocês gostaria de responder a esse pai?
A SRA. REJANE DIAS (PT - PI) - Eu queria pedir permissão às nossas convidadas para rapidamente fazer uma intervenção sobre essa fala do pai.
Deputada Tereza, acho que devemos levar para o Ministro a urgente necessidade da vacinação das pessoas com autismo. Aqui no Estado do Piauí há uma lei estadual, que foi aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo Governador Wellington Dias. Então, aqui não há o critério do BPC. Se isso foi possível aqui no Estado do Piauí, é possível em todo o Brasil. Outros Estados também já iniciaram a vacinação sem o critério do BPC.
Eu fiquei comovida com o vídeo dessa mãe. Fiquei com o coração partido ao ver esse rapazinho sem as terapias e a mãe dele pedindo socorro.
Dra. Fátima e Adriana, nós temos um centro de reabilitação. Na hora em que as assistentes sociais me viram elas disseram que há mãe surtando, porque é muito difícil ficar com os filhos, com essa quebra da rotina para quem é autista, e elas têm que dar conta deles sozinhas. É uma situação triste demais.
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Obrigada, Deputada Rejane.
A SRA. FÁTIMA DOURADO - Primeiramente, antes de responder à pergunta feita por um pai, já que você falou nesse treinamento que está havendo, quero dizer que a informação vai nos ajudando a criar políticas públicas. Além de os recursos serem escassos, eu vejo muita desinformação, muita gente dizendo que o método tal é o único que tem embasamento científico para tratar autista.
É importante sabermos que o autismo tem um espectro enorme. São condições humanas muito diferentes umas das outras, com diferentes casos, com diferentes manifestações. Então, é importante desmistificar isso, porque não existe um método que trate o autismo, não existe um método que faça a pessoa sair desse espectro. A pessoa nasce autista e morre autista.
A despeito disso, autistas podem dar contribuições importantíssimas para a humanidade. Há um pessoal que está no Vale do Silício — eu recomendo para todo o mundo um livro chamado NeuroTribes —, e essas pessoas que estão mudando a comunicação e inventando esses aparelhinhos no mundo são autistas, na sua imensa maioria.
Claro, se uma pessoa não fala, se tem problema sensorial, se ela se bate não sei quantas vezes por dia, e se outra pessoa autista é palestrante e fala dez idiomas, não há um método, não vou botar os dois virados para a parede, da esquerda para a direita. Não existe isso. Temos que estudar tudo que a ciência produz e colocar todo esse conhecimento à disposição de cada pessoa em particular para, aí, fazer um plano terapêutico individualizado para cada um. Não pode haver essa história de colocar tudo no mesmo bolo.
A Casa da Esperança é uma unidade de saúde em que realizamos procedimentos de média complexidade, diagnóstico, avaliação e acompanhamento. Oferecemos também a parte psicopedagógica, que é no contraturno da escola regular. Mas a clínica não é uma escola. As crianças autistas têm o direito de conviver com seus pares cronológicos.
Eu tenho a experiência de ser mãe de autistas que nasceram num tempo em que as crianças eram imediatamente retiradas da escola regular. A Lei de Diretrizes e Bases permitia que essas crianças fossem para a escola especial. Tenho a experiência com a minha filha Maria Tereza, que adotei aos 2 anos e 6 meses, que não dizia nenhuma palavra. Graças a essas lutadoras, como a Deusina e tantas outras que estão aqui na Mesa, essas crianças têm hoje direito de conviver com seus pais.
Então, não é porque você é autista que você é coitadinho, que você precisa da caridade. Eu ainda sou de um tempo... A minha amiga Liduína disse que foi estagiária. Eu era Presidente do Conselho dos Direitos da Mulher, e ela era estagiária da OAB Mulher. É verdade, eu já sou bem antiga, já sou avó de autista. Acho que é carma mesmo. Além dos meus filhos serem autistas, trabalho com casos de mulheres que têm filhos autistas.
Eu tenho um netinho de 2 anos autista. Até uma neta, que não é biológica, se casou, e agora estou com um bebê de 1 ano também autista.
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Por isso é importante nós, mães de autistas, estudarmos. O autismo está não só no nosso coração, mas também nas nossas veias. Os meninos não vieram de um pé de manga — vieram da nossa carne, do nosso sangue, do nosso DNA. Então nós também temos muita coisa. Hoje eu entendo perfeitamente por que só consigo estudar quando não há nenhum pio, por que o barulho tira a minha atenção, por que pequenos barulhos me dão mal-estar. Vamos identificando isso em nós mesmos.
É importante desmitificar o autismo, precisamos de políticas de saúde que garantam o diagnóstico desde a idade mais precoce até o autismo em adultos. Não há epidemia de autismo. O que houve foi uma evolução do conceito de autismo. Antes eu dizia que tinha dois filhos autistas. O meu filho Alexandre não o seria. Naquele conceito de Leo Kanner, que constava nos manuais nosológicos antigos, eles não seriam considerados autistas. Ali eram meninos não verbais, que tinham deficiência intelectual. O que você tem como síndrome de Asperger não seria considerado autismo até 1994, quando entrou para os manuais nosológicos. Hoje está tudo no mesmo diagnóstico, no mesmo guarda-chuva chamado Transtorno do Espectro do Autismo.
Então houve uma evolução do conceito de autismo. Cada autismo é diferente do outro. Não existe um método que dê conta, e nós não podemos ter uma clínica escola que vá resolver todos os problemas. Isso também é discriminação, é colocar que os normais têm direito às políticas públicas normais, a uma terminalidade, e os autistas têm que ter o cantinho deles, para não se misturarem.
Não. Nós queremos autistas incluídos na escola regular, queremos ter hospitais comuns, postos de saúde. Que profissionais, desde a rede básica, até a mais complexa, sejam capacitados para atender autistas. Autistas são pessoas, são cidadãos plenos de direitos e que precisam de suporte como de resto nós todos precisamos em algum momento de nossa vida, de mais ou de menos. Hoje em dia, se não fossem estes óculos, eu seria uma pessoa analfabeta, e eu sou uma devoradora de livros.
Então, é isto: assim como algumas pessoas precisam de óculos e outras pessoas precisam de cadeiras de rodas, pessoas com autismo precisam também de suportes — às vezes no ambiente, às vezes na iluminação, às vezes na questão sonora e principalmente nas mudanças atitudinais, no sentido de que eles sejam acolhidos em todos os lugares como pessoas inteiras e plenas de direitos.
Dito isso, eu me solidarizo com esse pai. Eu sou absolutamente contra essa história de dizer que só as pessoas que têm direito ao BPC têm direito à vacina, até porque, como eu mostrei, 63% da minha população — a atendida aqui na Casa da Esperança — estão aguardando, numa lentidão sem fim, para terem atendido o seu direito ao BPC.
Na Casa da Esperança, nós fazemos muitos diagnósticos. Nós temos 680 pacientes e fazemos mil procedimentos por dia, mas não damos conta da cidade de Fortaleza. E eu sei que aqui mesmo tem gente que tem que internar o filho no hospital e esperar 5 dias. Então, o diagnóstico é uma coisa pela qual temos que lutar, para que as pessoas tenham acesso. Diagnóstico não é para rotular. Diagnóstico é para que as pessoas possam acessar plenamente os seus direitos. E sabemos que principalmente as crianças pequenas precisam dessa intervenção precoce, precisam da creche, precisam da escola. É preciso vacinar todos os autistas, seus cuidadores, os profissionais que lidam com eles também.
Na Casa da Esperança nós perdemos uma professora muito querida por COVID. Infelizmente os professores estão na quarta fase aqui.
Temos todos os cuidados, mas sabemos que é preciso avançar o máximo possível nessa vacinação. É preciso que haja vacina para todos — para os autistas e suas famílias, também, para que eles voltem a frequentar as suas creches, para que eles voltem a frequentar as suas escolas, para que enfim possamos começar a respeitar os seus direitos.
Esse vídeo que foi aqui exibido é comovente, é nosso feijão com arroz aqui todos os dias. Ainda ontem a psicóloga foi a uma casa onde o menino está preso dentro de grades. Seu pai colocou grades no carro, porque o menino está quebrando tudo. Então, quando há autistas que precisam de mais suporte, que precisam de previsibilidade, que precisam de respeito, que têm diferenças sensoriais e que estão agredindo mães, estão quebrando a casa, é preciso que realmente a sociedade como um todo cuide dessa parcela da população, que não é pequena, que são os autistas e seus familiares.
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Nada, Fátima. Falou muito bem. Muito obrigada.
Eu quero aqui dar uma resposta porque o Presidente do CONADE, o Sr. Marco Castilho, me respondeu aqui no grupo da CPD, da Comissão, dizendo que nós podemos responder que "pessoas com autismo estão incluídas no grupo prioritário como pessoas com deficiência permanente".
Mas o problema, Marco, é que agora eles colocaram uma vírgula e disseram que tem que estar com o BPC — Benefício de Prestação Continuada. E nós temos que tirar essa exigência. Vacina não tem regra. Vacina é para todos. É assim que nós acreditamos. A falta da vacina é outra situação.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Deputada Tereza Nelma, Deputada Rejane Dias e os demais que estão conosco nesta audiência, eu digo que é muito importante fazer este recorte.
Estamos num processo e num quadro de crise sanitária que é trançada — é uma crise também econômica, é uma crise social. A crise se apresenta na frente de cada brasileiro e cada brasileira de forma muito intensa e muito cruel. Nesse quadro é muito importante que nós possamos fazer os recortes, porque uma crise atinge todo mundo, mas ela vai atingir mais corpos específicos. E aqui estamos fazendo uma discussão extremamente importante, que é como vamos fazer os recortes do impacto da pandemia para as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista. Nesta Comissão, acumulam-se muitas discussões, inclusive sobre a necessidade de se implementar a própria legislação.
Eu escutava a Dra. Fátima fazer uso da palavra, e eu concordo plenamente com ela. A avaliação biopsicossocial pressupõe inclusive a feitura dos recortes das individualidades, porque nós temos um espectro, um Transtorno do Espectro Autista. Então uma concepção ou uma forma de autismo não pode ser generalizada, porque você tem as singularidades, e o SUS avançou muito nisso. O SUS avançou em assegurar a universalidade, mas ele avança na perspectiva de assegurar as especificidades. Que elas sejam consideradas e que não sejam invisibilizadas.
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Nesse sentido, é preciso que nós tenhamos as subjetividades, as individualidades e a concepção de que não é o diagnóstico ou não é a questão apenas biomédica que vai estabelecer o que é necessário que seja feito para que nós tenhamos uma sociedade onde as pessoas possam desenvolver as suas potencialidades. E aí vamos entrar na lógica da LBI — Lei Brasileira de Inclusão de que a deficiência não está na pessoa, posto que somos singulares e cada um de nós carrega uma diversidade que reafirma a humanidade, mas como o meio ambiente ou como as relações e a sociedade podem romper as suas deficiências para incluir as potencialidades de todas e de todos.
E aqui nós temos uma discussão sobre a vacinação que eu acho fundamental. Não é preciso fazer um recorte do BPC porque o recorte do BPC é como se ele invisibilizasse a necessidade de as pessoas, particularmente daquelas com Transtorno do Espectro Autista, terem prioridade na vacinação. Acho que essa é uma pauta que deve ser encaminhada e que nós devemos tirar desta audiência para que seja levada ao próprio Ministro.
Mas há outras discussões já acumuladas nesta Comissão. Uma delas, por exemplo, é a questão do cuidador, a questão do SUS incorporar o cuidador ou a cuidadora. Nós temos cuidadores e cuidadoras, via de regra, que são familiares. E essa cuidadora e esse cuidador — e eu falo cuidadora porque, em grande parte, são as mulheres que desenvolvem mais cuidado — precisam ter condições diferenciadas no local de trabalho porque, se trabalham, têm que ter condições diferenciadas para que possam exercer essa função. Mas o SUS precisa disponibilizar cuidadores e cuidadoras também.
E nós vamos vivenciar a necessidade do diagnóstico precoce. O diagnóstico precoce é absolutamente fundamental para que se possa ter um tratamento imediato, o mais rápido possível. É preciso ter uma série de políticas públicas na saúde, na educação, enfim, em todas as políticas, porque as políticas não podem ser descoladas uma das outras, posto que elas são grudadas, tendo em vista que os direitos são indivisíveis.
Nesse sentido, precisamos trabalhar com a aprimoração de diagnósticos e, ao mesmo tempo, com a possibilidade de haver políticas públicas que possam ser incorporadas e fazer com que as pessoas em todas as dimensões possam desenvolver as suas potencialidades.
Então, eu penso que essas discussões acumuladas na Comissão, como, por exemplo, a questão dos cuidadores, nós temos que encaminhá-las. Há premência da questão da vacina porque temos um aumento no número de desempregados no Brasil, que atinge mais as mulheres, mais as mulheres negras. Eles sempre têm os recortes. Todos os fenômenos sociais carregam um recorte: recorte de gênero e recorte de etnia/raça. Todos eles carregam isso. Houve um aumento do desemprego nesse período.
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Portanto, Deputada Tereza Nelma, queria parabenizar V.Exa., não só apenas por essa audiência, mas pela sua militância, pelo seu mandato, pelo seu compromisso com o povo deste País e dizer que, mais uma vez, nós só temos a agradecer ao povo de Alagoas por nos ter possibilitado este mandato que tanto nos honra nesta Casa.
Quero dizer que, para esta pauta com o Ministro, acho que devemos levar algumas questões que já estão acumuladas, algumas que dizem respeito diretamente à política de saúde e ao SUS e outras que o Ministério da Saúde pode ajudar a articular de forma muito exitosa.
Gostaria de agradecer bastante a possibilidade de estar aqui, tendo essa conversa, e, ao mesmo tempo, desculpar-me porque tenho que voltar para outra reunião. Mas eu tinha que vir aqui para poder demonstrar a nossa preocupação e a necessidade de avançarmos na concepção das políticas. Grande parte delas já estão postas, já são leis, mas ainda não se traduziram em uma mudança nos cotidianos.
Aqui, por exemplo, nós temos muita dificuldade de atendimento às pessoas com Transtorno do Espectro Autista, quando rompem a condição da infância ou quando são adultos. Ao mesmo tempo, em determinados casos, há muito medo de pais e mães com relação ao futuro, o que irá acontecer com esses meninos. Obviamente, é o espectro que nós estamos falando e ele tem que ser considerado na sua singularidade.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - É sempre bom ouvir V.Exa., Deputada Erika Kokay, porque tem uma consciência, uma militância, um compromisso muito grande com todas essas questões.
Eu quero também dizer que na nossa pauta está incluída a avaliação biopsicossocial, que é uma urgência, para discutirmos também com o Ministro. Precisamos dessa definição. E há ainda a questão das órteses e próteses, do colapso que está havendo em âmbito nacional devido ao valor. Os fornecedores não querem mais fornecer as cadeiras, próteses, órteses. Esse é também um drama muito grande que estamos vivendo.
Agora eu gostaria de passar a palavra para cada expositora. Eu estou vendo o seu querido, Liduína, aparecendo junto conosco. Deixe ele aparecer também, porque isso faz parte, está certo?
A SRA. CAMILLA VARELLA - Novamente reitero aqui os meus agradecimentos à oportunidade de aprender com essas mulheres maravilhosas que deram seus depoimentos de vida e profissionais.
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É uma pena que a Deputada Erika Kokay tenha saído, porque eu gostaria de informar que fizemos um grande movimento, inclusive a Adriana Godoy participou, pela Associação Paulista de Autismo, contra essa visão equivocada — me perdoem — de colocar todas as necessidades do autista dentro de um único ambiente. Falamos em intersetorialidade, etc. Realmente, intersetorialidade é muito importante. Isso não quer dizer que vamos colocar todo mundo em clínica escola, porque isso não é preparar o autista para a vida e para inclusão verdadeira; isso é novamente segregar.
Entendo muitos pais que têm já mágoas, que ficaram machucados por terem sido seus filhos recusados em escolas regulares. Entendo as dores que isso tudo traz e qual seria a sensação de colocarem seus filhos numa escola, na suposição de que teriam proteção e de que seus filhos seriam melhor acolhidos.
Isso é um equívoco. E temos realmente que continuar falando, explicando e citando, porque é um equívoco em termos principiológicos. Quer dizer, o princípio não é essa, o princípio é o de que a pessoa possa ser incluída em todas os aspectos da vida social. E isso não é só para ela. Estamos falando aqui na Câmara de Deputados e para a sociedade brasileira como um todo: a sociedade tem a ganhar com a diversidade, a sociedade tem a ganhar com a inclusão dos autistas.
Eu vejo isso pela reação das pessoas que convivem e têm a oportunidade de conviver com meu filho, que é um autista considerado moderado, pouco oralizado. E vejo o quanto as crianças que convivem com ele na escola aprendem.
Acho que essa é uma questão que eu gostaria de reiterar e enfatizar, questão que a Dra. Fátima trouxe sobre equívoco das clínicas escolas. Nós temos que, realmente, continuar firmes nesse propósito de esclarecer para a sociedade que é preciso que existam escolas inclusivas, serviços sociais acolhedores e um serviço de saúde eficiente. Não é simplificando e colocando tudo em um mesmo espaço nós vamos resolver.
E reitero aqui minha admiração pela Deputada Tereza Nelma e desejar os melhores auspícios amanhã nessa reunião. Que possamos realmente tirar o BPC como essa vírgula que tanto limitou o direito e o acesso à vacina, porque vai ser importantíssimo para os autistas e suas famílias terem acesso a ela. O fato de não ter vacina não quer dizer que o direito não tem que ser garantido.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Obrigada, Dra. Camilla.
A SRA. MARGARETH KALIL SPHAIR - Primeiramente, quero agradecer a oportunidade de estar novamente aqui, porque cada fala revela uma importância muito particular. Foi muito importante escutar cada experiência e todas as falas em prol do autismo.
Eu sou militante há alguns anos. Meu filho mais velho tem 33 anos. Apesar de o diagnóstico ter acontecido na fase adulta, ele conseguiu o diagnóstico com 19 anos, quando estava na faculdade.
Então, a importância do diagnóstico precoce é muito importante. Hoje é muito mais fácil do que já foi para mim. Essa foi a minha experiência, assim como foi a experiência de muitas outras mães.
Mas, dos meus três filhos, o único para quem consegui o diagnóstico na infância foi o meu autista clássico, que foi diagnosticado com 4 anos e meio. Não foi tão cedo assim, mas já foi precoce. O meu filho do meio foi diagnosticado com 16 anos porque, quando foi diagnosticado o meu segundo filho — que é o mais velho —, eu disse que poderiam examinar também o meu filho do meio, para poder fechar o pacote completo, porque provavelmente havia alguma coisa. E eu já percebia alguns detalhes nele.
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Realmente, o diagnóstico precoce é importante, porque o desenvolvimento é outro, e as possibilidades de oferecer tratamento são maiores. Cada um tem sua individualidade, cada um tem sua peculiaridade, e é isso que tem ser trabalhado, é isso que tem que ser visto.
Camilla, você disse uma coisa fantástica: não é inserindo essas pessoas em centros dedicados a eles que nós vamos resolver o problema. Não é isso. O meu filho ama ir para a escola. Ele vai para a escola com grande prazer. Houve poucos momentos da vida dele em que ele não quis ir para a escola, e isso ocorreu quando havia um problema na escola; decorreu daquela situação. Então, é assim: eles têm prazer de sair de casa, pegar um carro e chegar a algum lugar onde vão ser atendidos. E eles precisam ter reconhecida sua individualidade, porque fora do ambiente familiar eles também mostram a individualidade que têm, eles também mostram as capacidades que têm. Isso é necessário. Eles precisam disso.
Voltando a falar sobre os meus filhos mais velhos, eles são formados. Os dois têm mérito. Um é turismólogo, o outro é biomédico. Mas a dificuldade deles de se inserirem no mercado de trabalho é enorme. A minha luta no momento é pela inserção deles no mercado de trabalho. Só que a mãe é limitada, e, como a individualidade deles tem que ser preservada, eu lhes estou dando o incentivo de colocá-los no mercado de trabalho, mas não vou resolver os problemas deles, porque eles acabam ficando na dependência de nós resolvermos tudo para eles.
Eu estou nesse desmame. Ajudei-os muito durante toda a vida escolar deles. Eu ajudei; fui professora, psicóloga, fui tudo do que eles precisaram — é claro que também contratei profissionais para suprir essas necessidades —, mas eles sempre ficaram muito dependentes, e eu estou nesse desmame, para que cada um busque o seu verdadeiro eu e busque as coisas que realmente quer e para as quais foi preparado. Esse é o desafio que estou vivendo neste momento.
Eu quero agradecer, e agradecer muito, por essa luta toda que sei que não é só minha, mas de muita gente. Estou à disposição para qualquer necessidade.
Aguardo essa reunião de amanhã com o Ministro da Saúde com muita ansiedade e com muita esperança de que ele se comova com esse grupo de pessoas, que não é tão pequeno. Nós sabemos que o número de autistas no Brasil é grande. Apesar de não termos ainda um censo que defina a quantidade deles, sabemos que esse universo é grande. Espero que o Ministro realmente disponibilize as vacinas para esse grupo que quer, que precisa e que tem direito.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Obrigada, Margareth.
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Quando nós descobrimos é porque tomamos a frente, tentamos ser terapeutas junto etc. Aí vemos a diferença que faz uma intervenção.
Esse é um mercado que rende muito. Todos os profissionais cobram um absurdo. Quem não pode pagar fica tentando dar um jeito etc. A rejeição faz com que se reforce o modelo médico. Uma mãe cansada é mãe de toda a miséria para o filho, porque ela está cansada de brigar contra o Estado para que ele assuma o modelo em que ele está posto.
Quando o nosso Estado nega essa atenção, retira-se do papel para o qual foi criado. O Estado brasileiro tem um formato: é um Estado Democrático de Direito, de respeito à cidadania. Então, quando o Estado quebra essa atenção básica para tudo — para o social, que inclui a distribuição de renda, o combate à miséria, o acesso à educação, o acesso à saúde, o acesso à salubridade, etc. —, ele se desfaz enquanto Estado e vai cumprir outro papel, que não é o que a lei define. Tudo isso é muito difícil.
Vocês estão ouvindo o Ulisses, que está aqui, com o Pato Donald no último volume. Infelizmente, eu não tenho um abafador para me concentrar ao máximo.
Deputada, eu quero agradecer-lhe muito. Sábado eu participarei com a Deputada Erika Kokay de um evento do partido dela. Eu não sou filiada ao PT, mas estarei lá. Pediram-me socorro para dar suporte às pessoas com deficiência e definir a pauta do partido para as pessoas elas. Esta pauta será conduzida pelo Rubinho Linhares, Coordenador Nacional do Setorial Pessoa com Deficiência do PT. Todos os partidos deveriam ter esse setorial, e nós podemos começar esse trabalho, essa discussão no PT, porque tem o setorial, que centraliza o tema e faz a transversalidade.
Então, é essencial que as mães que nascem para o autismo tenham suporte para continuar seus trabalhos, sua vida individual e não tenham que se perder nem em busca da cura nem para cobrir o papel de assistente do filho ou da filha. Toda a política passa por isso. As mães autistas não podem ser invisibilizadas, porque são elas que vão servir, que vão pinçar o filho dentro da família. Nós brigamos em família também. A família é onde o Estado começa e, para nós, também é barreira, porque a família acha lindo e tudo.
Essa cena do vídeo, da reportagem, mostra uma fase difícil por que eu passei entre os 12 e os 22 anos do meu filho — a Fátima é testemunha, e eu acho que ela também passou por isso. Nessa fase, eu fazia petições dentro do banheiro, que o meu marido o apelidou de escritório. Eu dormia debaixo da cama e, no outro dia, ia trabalhar. Essa é a nossa realidade.
Graças a Deus e a todo o suporte, houve uma involução dessas manifestações, mas a maioria das mães não tem o mesmo suporte e coloca os filhos nas casas psiquiátricas, onde há muito mais regressão, muito mais destrato, muito mais desrespeito, e a pessoa se perde por completo, embota e torna-se, assim, um adulto e, depois, uma pessoa idosa completamente incapaz de dizer o mínimo que deseja.
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Eu agradeço a disponibilidade de todos. Agradeço a todas as pessoas que eu conheci agora: a Camilla Varella; a Margareth Kalil, que tem muita calma, coisa que me falta; a Adriana Godoy e, mais uma vez, à Deputada Tereza Nelma. Agradeço também o suporte do pessoal que entrou em contato conosco e me ajudou a entrar Zoom.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Liduína, tenha certeza de que todas nós sofremos com esse novo normal, que exige que lidemos com a tecnologia.
Liduína, a sua fala me fez pensar no nosso compromisso de fazer funcionar as leis já existentes. Que isso não seja uma exceção, mas seja a regra! Elas existem, e a sociedade está aí. Por que adiar a sua implantação? As crianças de hoje amanhã já serão adolescentes e depois já serão adultos. Continuamos nos perguntando o que fazer com os adultos. Eles vão para um hospital psiquiátrico? Lá eles serão amarrados? Não sei todas assistiram ao programa Profissão Repórter da semana passada, que noticiou um jovem que passou 15 anos amarrado. Houve uma ação de voluntários que conseguiram terapias, mas veio a pandemia, e ele está regredindo.
É muito rica a nossa participação, como cidadã, numa Casa que tem a escuta pronta para trabalhar as ações efetivas.
Deputada, alegra-me muito ouvir V.Exa. falar desta ação de capacitação, em que se usa uma emenda Parlamentar para fazer um trabalho que vai gerar uma ação real na vida da pessoa autista.
Quando eu assisti a essa reportagem citada aqui, veio-me a pergunta: para as famílias de pessoas autistas estarem nessa situação — e são muitas que estão assim —, durante quanto tempo esse jovem teve seus direitos cerceados? Durante quantos anos seguidos isso aconteceu?
Já começa na questão na escola, com o atendimento educacional especializado que deveria estar sendo ofertado. A nossa política de inclusão diz que não há necessidade de um diagnóstico, e eu suponho que nem diagnóstico ele tivesse. Teria que haver um assistente social que olhasse essa família; deveria ter a saúde, que, no momento em que esse diagnóstico foi feito, não implementou um fluxo de tratamento, de acompanhamento para terapias de reabilitação e habilitação. É preciso que esses fluxos aconteçam.
Exatamente como colocou V.Exa., Deputada, não é possível pensarmos que uma política pública que já existe deixe de se transformar em ação. E, se ela se transforma em ação, continua tendo as mesmas soluções do passado, que são soluções de espaços específicos.
Os espaços especializados têm o compromisso social de oferecer pertencimento para muitas famílias, mas eles têm um compromisso muito além do que o espaço em si.
Esse é o espaço para o qual deve-se levar o conhecimento que um dia foi um saber específico de um local, para que seja disseminado para todos os lugares.
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Nós bem sabemos que não adianta existir um centro especializado em autismo, se esse centro especializado não capacitar profissionais das Unidades Básicas de Saúde, se ele não trabalhar em projetos terapêuticos singulares em todos os sistemas de habilitação e reabilitação que estão nos equipamentos públicos de saúde da cidade. Ele precisa atender às comunidades.
Esses espaços especializados não servem, não atendem à necessidade da população geral, se continuam a contemplar 200 ou 300 famílias, unicamente. Não é que eles não atendam, mas eles atendem a essas necessidades. Eles precisam ter uma política prioritária de capacitação, de disseminação, e nós precisamos pensar num ajuste contínuo, numa capacitação contínua. Quantas mães não estão o tempo todo refazendo, relendo os seus estudos, quebrando estigmas internos dentro dos lares para compreender o que é tecnologia assistiva? A tecnologia assistiva é um amplo conhecimento de várias áreas condensado em ações específicas também. Então, os equipamentos precisam ter esses conhecimentos especializados para que isso chegue à população.
Nós temos tido muitas histórias, aqui em São Paulo, de solicitações para internação psiquiátrica de jovens autistas de 12, 13, 14, 15 anos, porque estão na situação que vimos na reportagem. Agora, por que chegam a esse ponto? É uma família que está desamparada, é uma mãe que é cuidadora e está sobrecarregada. Como bem colocou a Érica, uma ação importantíssima é o cuidar da família e garantir o direito a um cuidador que não seja especificamente dessa família. Precisamos também ter esse olhar.
Muito me alegra saber de uma ação como essa. Que essa capacitação venha como um contínuo nos projetos e que outros colegas da Câmara pensem em ações dessa forma! Não podemos de forma alguma permitir a precarização de espaços especializados, mas eles têm que ter as funções que lhes cabem, que são funções de saúde, de reabilitação, e trabalhar de forma transversal. Nós não podemos pensar na perspectiva de hierarquização de saberes.
Enquanto não tivermos um fluxo de parceria, de acompanhamento entre essas áreas, vamos continuar replicando esses discursos que, na verdade, impactam em estigmas e na falta de acesso para a pessoa autista. E precisamos garantir a eles esses acessos, porque é uma população sumariamente excluída e que adoece. Elas se tornam pessoas com deficiências maiores do que as necessidades do seu próprio organismo, porque são impactadas por não terem saúde, por não terem qualidade de habilitação, de reabilitação e, inclusive, por não terem perspectivas futuras.
Os autistas adultos já estão em casa. Os autistas com mais de 20 anos de idade, como é o meu filho, que tem 18 anos, mas completará 19 anos, 20 anos, estão em suas casas. Você os prepara para uma vida de inclusão, mas não há continuidade nesse processo. As únicas expectativas sobre as quais ainda conseguimos falar são as reabilitações e habilitações, às quais nem temos acesso. Então, nós precisamos falar disso.
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Obrigada, Adriana.
Eu fico pensando que o Ministério do Desenvolvimento Social tem uns princípios e uns programas maravilhosos, como o Centro Dia para as pessoas com deficiência, mas não tem recursos para implementá-los. Não tem recursos para ampliar essa política. Esses centros são voltados para o atendimento de pessoas a partir de 18 anos. Eles foram pensados para que aquela mãe que precisa respirar um pouco, que precisa ir ao médico, que precisa fazer uma compra, que precisa arejar um pouco possa deixar seu filho ali. Mas não existem recursos para a sua implementação. O Ministério do Desenvolvimento não tem recursos para implementar o centro e fica dependendo dos Deputados — houve uma inversão de valores na política nacional. Não existem mais recursos nos ministérios para investir nessas políticas públicas. Existem os projetos, existem os programas, mas não há como nós os desenvolvermos.
Então, eu que digo que estou na política muito mais como missão, porque política para mim é transformar a sociedade, transformar a vida das pessoas. E eu digo também que já existem políticos demais para pensar em estradas e rodagem; nós temos que pensar é nas pessoas, é em humanizar. E humanizar é trazer essa política pública para frente, dar-lhe visibilidade. E, olhe, quando você faz isso, passa a incomodar o sistema. Nós precisamos muito das mães, das famílias. Sei que não é o papel de vocês, mas é necessário vocês estarem ao nosso lado, porque nós nos sentimos solitárias. Nós vamos discutir e ouvimos: "Deixe isso para lá. Você está sofrendo por isso, você está brigando pelos deficientes, e eles não estão nem aí", porque eles também desconhecem essa realidade.
Nós que a vivenciamos, que a conhecemos sabemos. Eu digo: "Gente, nós não precisamos mais de tantas leis; precisamos fazê-las funcionar". Eu tenho discutido com uma pessoa muito sensível do Ministério da Saúde, a Dra. Maíra, Diretora do Departamento de Atenção Especializada e Temática: "Olha, Maíra, para se pensar no autismo, tem que se pensar nas faixas etárias. Não está certo o mesmo ambiente atender uma criança que ainda não tem as estereotipias, que não tem as manias, ao lado de um adolescente ou de um jovem que já desenvolveu suas estereotipias". Nós temos que mudar essa realidade, nós temos que dar qualidade de vida a essas pessoas. Precisamos implantar serviços por faixa etária — primeira infância, segunda infância —, porque nós temos que respeitar a idade cronológica também. Dizem que para deficiente não existe idade cronológica. Existe, sim. Existem os interesses, existe o desenvolvimento natural da sexualidade, e nós precisamos saber como orientar. E existe também o adulto. Então, nós temos que pensar numa estratégia dessa forma, precisamos montar os serviços levando em conta as faixas etárias.
Fazendo uma pesquisa esses dias, eu descobri que o Pará já tem o Conselho Estadual de Políticas para as Pessoas com Espectro Autista. Não sei se todos já sabiam.
Eu disse: "Meu Deus do céu, mais um conselho! Você tira, está ali". O Pará tem, vocês podem pesquisar, uma superintendência específica para a pessoa com espectro autista. Eu soube que a Paraíba também tem. Eu estou pesquisando onde existe uma ação de governo, uma ação municipal ou estadual. As iniciativas de famílias, as iniciativas de associações nós conhecemos bem. É o caso da iniciativa da Dra. Fátima Dourado, da Casa da Esperança; lá em São Paulo, da Associação de Amigos do Autista — AMA, com a Marise, que procurava um lugar seu filho pudesse ficar.
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Então, eu acho que este nosso primeiro momento é muito importante. Nós precisamos, todos os Deputados, sempre, de mais informação, de mais subsídios. E precisamos que, cada vez mais, conversem, porque hoje, para desenvolver as políticas públicas, o Congresso Nacional é que tem o recurso. Por isso, nós temos que mudar o olhar para essa realidade do nosso País.
A SRA. FÁTIMA DOURADO - Eu queria falar da minha alegria de estar no meio de tantas mulheres guerreiras, que estão aqui, com sua fala, com seu poder feminino, e agradecer a V.Exa. o convite para esta aqui. Realmente, agora nós podemos ver todas mesmo, porque estamos entre mulheres ajudando a construir um Brasil mais inclusivo a partir da nossa vivência de mães de autistas.
Eu queria dizer que concordo com todas as pessoas que me antecederam e colocar apenas um senão, Deputada. Nós já construímos a nossa sede principal da Casa da Esperança e já tivemos uma sede no Pará — existiu uma Casa da Esperança no Pará durante alguns anos. Infelizmente, faltaram-nos recursos do SUS.
Realmente, o meu compromisso de vida, desde o primeiro momento, foi não criar uma clínica apenas para pessoas que pudessem pagar pelo serviço. Então, na Casa da Esperança, mais de 95% da nossa clientela é constituída de pessoas que são atendidas pelo SUS. Não é fácil fazer isso, porque, do mesmo jeito que nós criamos políticas e elas demoram a sair do papel, quando saem do papel, também faltam recursos. Então, nós recebemos com 3 meses de atraso, e há mais de 15 anos não há aumento do valor do procedimento. A Casa sempre está com problemas financeiros por conta disso. Há pouco tempo, nós nem pudemos renovar o contrato, porque estávamos sem as certidões negativas de débito — tínhamos entrado no PROSUS, e depois ele acabou.
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11:22
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É importante também dizer, Deputada, que crianças não aprendem a estereotipia. As crianças autistas nascem com os circuitos responsáveis pelo nosso relacionamento social diferentes. Inclusive, esse meu livro trata disso: do cérebro social, do arcabouço neural que é responsável pela percepção da mente das outras pessoas, pela nossa interação social. As crianças têm stimming ou estereotipias porque elas acalmam as suas dificuldades sociais; não é porque elas aprendem umas com as outras. Eu tive muitos filhos autistas, um tem estereotipia, e outros, não. Muitas vezes, as pessoas ficavam com medo de colocar a criança com deficiência na escola regular, e crianças "normais" aprenderem as esquisitices autistas. Não é assim. As pessoas têm que conviver umas com as outras para que nós possamos formar cidadãos mais solidários, para que nós possamos formar cidadãos que respeitem as diferenças entre as pessoas.
É importante nós trazermos os autistas para falar. Eu, particularmente, nos meus últimos anos, Deputadas e minhas companheiras, tenho aprendido demais com eles. Primeiro, nós achávamos que as pessoas com autismo eram todas meninos. Quando o autismo foi descoberto, no início, tanto com Kanner como com Asperger, todos eram meninos. Eu acabei de ler um livro sobre crianças autistas em Viena e vi como, desde o começo, houve o recorte de gênero. O Asperger mandou muitas crianças para a morte. Por isso, agora síndrome de Asperger está deixando de ser usado. Ninguém quer mais dizer que tem Síndrome de Asperger. O que ele achava uma excentricidade, uma coisa interessante num garoto, numa menina ele achava uma deformidade, uma coisa inaceitável e mandava para a morte as meninas em que via o que considerava deformidades.
Então, eu fui aprendendo com o tempo. Primeiro, apareciam os meninos com casos graves; depois, os autistas falantes. Por fim, muitas meninas foram chegando aos meus consultórios do SUS e particular. E fomos vendo que autistas têm sexualidade; não são anjos, não são azuis. Existem muitas meninas autistas que não são diagnosticadas ou que são diagnosticadas como tendo borderline ou transtorno de ansiedade social. Elas se acham diferentes, acham-se ETs e desenvolvem, de fato, ansiedade e borderline por conta do tratamento que recebem, por não terem uma identidade.
Por fim, nos últimos anos, eu tenho recebido muitas pessoas autistas trans. Hoje as pesquisas provam que o número de variações da sexualidade e das identidades entre os autistas é muito maior do que na população não autista. Então, os autistas, literalmente, parecem que vieram para botar esse mundo de cabeça para baixo.
Outra coisa que nós vemos dizerem é: "Autismo não é doença. Não tem cura. Não tem remédio para autismo". Eles precisam é de suporte, de respeito aos seus direitos, de terapias adequadas às necessidades de cada um. É claro que, em uma intervenção precoce, todos vão precisar de fonoaudiologia, porque é importante ajudarmos essas pessoas a poderem comunicar os seus desejos, as suas vontades e também os seus potenciais, dizerem a que vieram a este mundo.
Então, precisamos realmente implementar as políticas públicas, garantir o diagnóstico precoce, oferecer estimulação precoce adequada, com plano de ensino individualizado, desmistificar essa história de que autista não tem sexo. Autistas não são azuis; são de todas as cores do arco-íris também, têm sexualidade, têm que conviver com todas as pessoas.
Como eles mesmos dizem, autistas fazem parte da diversidade humana. Por isso, são tão comuns hoje. Não há uma epidemia de autismo. A mesma coisa acontece com as pessoas trans. Um dia desses eu disse para o meu marido: "Por que existem tantas pessoas trans hoje em dia e, quando eu era pequena, elas não existiam? Só existia a Roberta Close. Aí apareceram hoje". Ele disse: "Porque quando você era pequena, só existia televisão e quem não aparecia na televisão não existia".
E hoje nós temos a Internet. Então, as pessoas que são diferentes das outras em algo, por mais radical que seja a diferença, interagem umas com as outras, criam os seus grupos, querem políticas públicas, exigem respeito, autodenominam-se e têm os seus grupos de autodefesa.
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Vamos ouvir os autistas! Eu tenho muito orgulho de não ser mais a Presidente da ABRAÇA — Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo. Eu fui Presidente da instituição e, hoje, só os autistas estão na direção. Eu sou membro, mas só os autistas estão na direção. O meu grupo neurodivergente, como eu disse, tem médicos, engenheiros, advogados, artistas plásticos, músicos. Então, vamos ouvir essas pessoas que têm muito para nos dizer, porque elas sentem o autismo dentro do próprio corpo, na própria pele. Vamos juntar à delas a nossa voz de mães.
Eu acho que o Brasil está precisando de mães. Se isso estivesse sob a responsabilidade de uma mãe, já estaria todo mundo vacinado, porque não cuidamos de um filho e deixamos o outro com fome; não damos caviar para um e deixamos o outro na miséria.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Fechou com chave de ouro, Fátima.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Neurodiversidade.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Você chamou de neurodivergente.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Certíssima. Eu estou aprendendo.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. Bloco/PSDB - AL) - Como eles se veem. Acho que devemos ver de dentro para fora, para aprendermos mais juntos.
Liduína, eu gostaria também que, depois, você me passasse informações sobre esse grupo com que você vai trabalhar no sábado, o da setorialidade do partido. É importantíssimo que os partidos também abram espaços para discussão e considerem o protagonismo da pessoa com deficiência dentro do seu estatuto — não só o portador de deficiência física, como o cadeirante, mas os portadores de todas as outras deficiências.
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Então, agradeço a você, Camilla, Dra. Fátima, Adriana, Liduína, Margareth, à nossa querida Presidente da Comissão, Deputada Rejane Dias, e à nossa Deputada Erika Kokay. Quero agradecer a todas vocês e dizer que a fala de hoje nos fortalece mais ainda e nos entusiasma para que nós acreditemos que é possível um mundo em que caibamos todos nós. Precisamos, sim, nos solidarizar mais, nos humanizar mais, estar mais juntas, e eu me coloco sempre à disposição.
Agradeço, também, a contribuição da nossa querida Deusina Lopes. Eu conversava muito com ela sobre esses momentos. Eu disse: "Eu vou ter uma audiência com o Ministro. Dê-me mais subsídios", e ela me mandou as características de uma pessoa com autismo. E assim eu estou colocando no documento: a dificuldade de não aceitar a máscara, de tomar remédio e nas relações e de interação. Tudo isso, para nós justificarmos, cada vez mais, a necessidade da priorização da vacina para o TEA.
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