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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Bom dia a todos os companheiros e a todas as companheiras. Vamos iniciar a nossa audiência pública.
Comissão de Direitos Humanos e Minorias, reunião de audiência pública, sexta-feira, dia 11 de junho de 2021, às 9h09min.
Declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, destinada a tratar das recomendações recebidas pelo Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal — RPU sobre os Direitos à água e ao saneamento básico.
O evento é consequência da aprovação do Requerimento nº 14, de autoria deste Presidente, subscrito pelos Deputados Bira do Pindaré, Erika Kokay, Frei Anastacio Ribeiro, Joenia Wapichana, Padre João, Sâmia Bomfim e Sóstenes Cavalcante. Trata-se da sexta audiência pública do Observatório da RPU, sendo nesta Comissão fruto de parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A RPU é uma avaliação mútua entre os países que compõem as Nações Unidas quanto à situação de direitos humanos.
A metodologia detalhada e mais informações podem ser encontradas no portal www.camara.leg.br/observatoriorpu.
Os expositores falarão pelo tempo de 5 minutos. Os Parlamentares inscritos poderão fazer uso da palavra pelo tempo de 3 minutos.
A audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm, pelo perfil da Comissão de Direitos Humanos e Minorias no Facebook @cdhm e pelo Youtube da Câmara dos Deputados. Pode-se também acompanhar as nossas notícias no Instagram: @cdhm.cd, e os cidadãos podem apresentar contribuições através do portal e-Democracia.
O SR. PEDRO MARANHÃO - Bom dia a todos! Muito obrigado, Deputado Carlos Veras, pelo convite. Agradeço também aos Deputados que subscreveram o requerimento. Bom dia, meus colegas palestrantes, o Francisco, da ASSEMAE, o Marcus Vinícius, da AESBE, e não sei se tem alguém mais, pois não estou vendo.
Entre as atividades de infraestrutura, o saneamento brasileiro é o que ficou mais atrasado, por falta de obras e de investimento. Hoje nós temos um déficit muito grande no saneamento brasileiro. E esse atraso ocorreu porque o Estado perdeu a capacidade de investimento. Então, não tendo capacidade de investimento, foi sendo gerado esse déficit, que a cada ano foi aumentando. Como é que se resolve isso?
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Eu sou do interior do Maranhão e ouvia muito isto: "Obra enterrada não dá voto". Logo, não havia muito apetite da parte dos gestores por investir em saneamento naquela época. Estou falando de 30, 40 anos atrás. Então, como obra enterrada não dá voto, preferiam fazer estradas, fazer praças, o que também é importante, e fazer outras atividades que dessem mais visualização. Essa era uma máxima que havia lá no Nordeste, e quem for do Nordeste aí ouviu muito essa frase de que obra enterrada não dá voto. Outra questão é a falta de regulação, a falta de segurança jurídica que não havia no setor. Isso não atraía capital para desenvolver a questão do saneamento. Há várias discussões, e não vou entrar no mérito. Mas essa é a questão.
Como o Estado perdeu a capacidade de investimento e não atraiu o capital de outro setor, nós ficamos com esse déficit vergonhoso e vexaminoso de 100 milhões de pessoas sem esgoto, 35 milhões sem água tratada e 3.100 lixões a céu aberto, fora os lixões clandestinos que se multiplicam pelo País.
Então, o Poder Executivo junto com o Poder Legislativo fizeram o marco regulatório do saneamento básico, aprovado nesta Casa, que dá a possibilidade de atrair investimentos, de regionalizar e de criar blocos para que o saneamento realmente possa se desenvolver. E ele tem-se demonstrado um verdadeiro sucesso. Eu costumo dizer que a lei pegou, haja vista os últimos leilões que tivemos e as modelagens que foram feitas, atendendo a todas as exigências, como o próprio Deputado citou, dos direitos humanos e do direito ao saneamento, garantindo tudo isso.
Na CEDAE, no Rio de Janeiro, estão previstos investimentos para as favelas. Se não me engano, o requerimento aqui é em função dessas unidades de comunidades. Ali, na modelagem, foram reservados quase 2 bilhões para a ampliação do saneamento na favela — onde não existe, são 2 bilhões. E, nas favelas urbanizadas, onde ele já existe, ocorre todo um monitoramento para que se alcance a universalização. Então, todas as modelagens que estão sendo feitas preveem isso e também a tarifa social para aqueles que realmente não podem pagar. Então, tem que estar previsto em todas as modelagens um percentual para a tarifa social.
Portanto, estamos muito otimistas com o avanço do saneamento brasileiro. Isso é realmente qualidade de vida, é salvar vidas. E há a questão do ganho ambiental, que é inestimável. Não temos como quantificar o ganho ambiental que isso representa. Eu costumo dizer que o marco regulatório do saneamento é o maior programa ambiental do mundo, porque, em um espaço curto de tempo, vai tratar o esgoto para 100 milhões de pessoas. E, ao tratarmos o esgoto, estamos tratando os rios. Nós temos 115 mil quilômetros de rio com água comprometida. E é comprometida com o quê? Com o esgoto. Então, a partir do momento em que aplicarmos no tratamento de esgoto, estaremos realmente ajudando o meio ambiente não só do País, mas também do mundo, quando também estaremos zerando os lixões a céu aberto, que é o que mais causa o efeito estufa.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Sr. Pedro Maranhão, pela participação.
Bom dia a todos e a todas! Queria primeiramente parabenizá-los pela realização da audiência e agradecer o convite feito à ANADEP a todas as Deputadas e Deputados integrantes desta Comissão na pessoa do Exmo. Deputado Carlos Veras.
Como membro da Coordenação da Comissão de Moradias da ANADEP, gostaria de contribuir um pouco com a perspectiva da atuação da Defensoria Pública na defesa e promoção dos direitos na área do saneamento, enquanto componente do direito social à moradia adequada. Ressalto, como já disseram, a importância das recomendações, que são objeto desta audiência, na medida em que dão visibilidade ao problema da negação do acesso a tais direitos no território de moradias populares. Estamos falando de assentamentos informais, que são marcados pela ocupação irregular do solo e caracterizados essencialmente também pela ausência ou deficiência da infraestrutura e dos serviços públicos essenciais. Então, essa é uma realidade presente em praticamente todas as cidades brasileiras.
O resultado dessa lógica de exposição urbana é essa segregação social em nosso País, que precisa, a nosso ver, ser enfrentada e incorporada à elaboração e à discussão da política de saneamento básico de forma idealmente articulada com as políticas de urbanização de favelas e de regularização fundiária de interesse social. Logicamente, essa questão ganhou uma relevância e uma urgência ainda maiores com a pandemia.
E, nesse sentido, gostaria de ressaltar uma pesquisa importante, realizada no ano passado pela Universidade Federal do ABC, aqui em São Paulo, intitulada Falta de Água e Moradia Popular na Pandemia da COVID-19. Essa pesquisa, coordenada pela Professora Luciana Ferrari, busca apontar os principais problemas enfrentados pela população residente em assentamentos precários na região metropolitana de São Paulo. O interessante é que ela elenca os tipos de problemas que foram relatados. Há problemas relacionados tanto às áreas que não contam com urbanização, em que as famílias têm que acessar a água por meio de alternativas, como por ligações clandestinas e pelo armazenamento de água em galões, quanto às áreas que já são dotadas de alguma urbanização, em que já existem redes, mas onde as famílias que não possuem caixa d'água, por exemplo, ficam muitas horas do dia sem água em razão da intermitência da rede ou da redução da pressão. Ela também abarcou problemas relacionados às dificuldades financeiras de essas famílias arcarem com os custos e as tarifas. Então, o problema do corte, da suspensão do serviço, leva as famílias a terem que usar água emprestada de vizinhos ou, em último caso, terem que comprar água potável minimamente para beber e cozinhar.
Esses problemas, com certeza, representam uma diversidade enorme de situações, que são constatadas também nos atendimentos realizados pelas Defensorias Públicas em todo o País, lógico que se observando também as peculiaridades e especificidades de cada região.
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Mas elas mostram uma projeção que eu gostaria de ressaltar: mesmo quando existem defensorias instaladas no local, isso não garante efetivamente o acesso adequado à água e ao saneamento às famílias de baixa renda. Então, considerando-se a universalização dos serviços de saneamento básico, ele não significa apenas a presença da rede de abastecimento.
Essa pesquisa traz uma conclusão importante: olhar simplesmente para os dados gerais de atendimento não consegue, por si só, refletir a realidade dessa diversidade de problemas e situações enfrentadas pela população de baixa renda no que diz respeito ao acesso a esses serviços.
Eu gostaria de encerrar a minha fala por ora dizendo que enfrentar os desafios da garantia do acesso à água e ao saneamento nas favelas e nos assentamentos informais em geral, a nosso ver, passa por olhar para outros marcadores, além da presença da rede de abastecimento no local, e pela integração dessa política a outras fases, especialmente a da regularização fundiária.
O meu tempo já está acabando, mas eu gostaria de falar também um pouco, se houver oportunidade, sobre a atuação da Defensoria Pública no enfrentamento desses problemas, principalmente quando demandamos do poder público a solução, tanto com a instalação de rede e regularização dos serviços nesses locais, como também com adaptações e com a criação de soluções adequadas a essas realidades e aos entraves que encontramos nessas atuações. Ressalto principalmente o condicionamento, por exemplo, da regularização dos serviços a obras de urbanização, que são necessárias a partir da atuação do poder público, ou a exigência de regularização fundiária prévia e também a questão da não abrangência dessas áreas nos contratos de concessão realizados por cada Município entre o poder público e as concessionárias. Isso costuma ser um grande entrave que impede a garantia do acesso a esses serviços nos assentamentos informais.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Sra. Vanessa.
O SR. ALAIN GRIMARD - Bom dia a todas e a todos! Muito obrigado. Para mim, é um grande prazer participar hoje desta audiência pública extraordinária da Comissão de Direitos Humanos sobre o tema Direitos à água e ao saneamento básico. Obrigado à Comissão por dar também à ONU Habitat a oportunidade de se expressar sobre esse tema, que é da maior importância, sobretudo, para os mais pobres.
Acima de tudo, deixem-me dar-lhes uma visão global do estado de água e saneamento. Até agora, mais de 60% da população urbana mundial vive em cidades de pequeno e médio porte, com menos de 1 milhão de habitantes. O desafio principal do acesso à água e ao saneamento fica nas cidades menores. É bem importante saber isso.
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Temos também outro desafio mundial: agora podemos ver que há uma rápida expansão espacial das cidades, e essa expansão espacial é mais alta que a expansão demográfica. Isso significa que os custos unitários para oferecer água e saneamento aumentam. Então, é preciso facilitar a melhor concentração ou densificação da população.
Outro ponto importante: a informalidade é uma característica dominante de expansão espacial urbana nos países, sobretudo, o crescimento dos assentamentos informais ou favelas.
Podemos ver também que a população urbana sem saneamento está relacionada diretamente com o crescimento de assentamentos precários. Isso é um fenômeno mundial, não só no Brasil.
O que é que podemos ver com isso? Obviamente, a ONU tem objetivos de desenvolvimento sustentável. O objetivo 6, que está relacionado diretamente com esse assunto, é o de assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos. Dentro desse objetivo, temos seis metas bem claras para alcançar o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos.
À parte disso, na ONU, todos os países adotaram, há quase 5 anos, a nova agenda urbana. O Brasil também faz parte dessa nova agenda urbana. E, dentro dessa nova agenda urbana, também falamos que as cidades e os assentamentos humanos exercem sua função social, visando progressivamente alcançar uma concretização integrada ao direito à moradia adequada, mas também, sem discriminação, ao acesso universal à água e ao saneamento seguros e — bem importante — economicamente accessíveis. Então, no âmbito da nova agenda urbana, também estamos falando do direito de acesso à água.
Quero falar um pouco de estratégia. Segundo a ONU Habitat, para melhorar o acesso à água e saneamento, é preciso mudar a forma de pensar o saneamento. Temos múltiplos usos de espaço urbano e integração de sistema de saneamento e de reutilização no desenho urbano. É preciso mudar a percepção do saneamento como lixo para recurso. Também é preciso facilitar, como advocacy, a conscientização, visando os formuladores de políticas e os tomadores de decisão.
Segundo componente: fortalecer o quadro institucional para o saneamento, integrar o saneamento ao planejamento e à legislação urbana — o Brasil já está fazendo bem isso, mas tem que melhorar também —, aumentar e tornar mais claras as responsabilidades institucionais separando o setor regulatório dos operadores
e reforçar o componente de saneamento em políticas urbanas nacionais e estaduais e também os marcos regulatórios.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Sr. Alain, pela sua participação.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Vamos agora passar a palavra ao Sr. Alexandre Pires, da Coordenação da Articulação do Semiárido Brasileiro — ASA Brasil, pelo tempo de 5 minutos.
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Queria cumprimentar todos os presentes em nome da Articulação do Semiárido e agradecer o convite para que possamos participar desta audiência pública que trata deste tema tão importante para todos nós, dado o contexto em que vivemos, de perdas de direitos, de perdas de políticas públicas que têm contribuído para fortalecer a vida dos povos mais pobres e mais necessitados do nosso País.
Eu gostaria de começar fazendo uma referência. Gostaria que o relatório desta audiência pública levasse em consideração um documento chamado ODS à Luz dos Direitos Humanos, produzido pelas organizações da sociedade civil que fazem parte do Processo de Articulação e Diálogo — PAD. Eu vou encaminhar para a Assessoria da Comissão este relatório. Esse relatório foi elaborado no final de 2020 com o objetivo de apresentar à sociedade brasileira, ao Governo brasileiro e à comunidade internacional a visão da sociedade civil brasileira sobre o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — ODS pelo Estado brasileiro, obviamente à luz do que diz respeito ao que nós defendemos, que são os direitos humanos de um modo geral, mas, sobretudo, das populações mais vulneráveis.
Todos e todas que estão aqui certamente sabem da realidade que vivemos no Nordeste, no Semiárido brasileiro, com a ausência de investimentos por parte do Estado, do ponto de vista histórico, para o abastecimento de água da população rural difusa. É nesse foco que eu gostaria de fazer uma provocação, para todos nós refletirmos: como o Relatório de Atualização, o qual estamos discutindo aqui, contempla uma leitura dos investimentos do Governo Federal, do Estado brasileiro, no acesso à água das populações difusas da região semiárida brasileira?
Neste sentido, quero aproveitar a oportunidade para trazer a experiência do Programa Cisternas, que tem se mostrado extremamente eficiente, inclusive reconhecido pela Organização das Nações Unidas como uma política eficiente e uma política para o futuro, em 2017, durante a Conferência das Nações Unidas para o Combate à Desertificação. Lamentavelmente, o Governo brasileiro tem desconstruído essa política, tanto do ponto de vista da não contemplação de recursos destinados ao programa, como também da estrutura de gestão do Programa Cisternas, quando ainda há uma população de aproximadamente 350 mil famílias no Semiárido brasileiro que não têm acesso a água de qualidade para o consumo.
A ausência de dados e informações no relatório que contemplem essa dimensão é algo para o qual eu gostaria de chamar atenção. Precisaríamos dedicar um capítulo ou uma ação, sobretudo no que diz respeito à Meta 146, de efetuar esforços para melhorar o acesso à água e ao saneamento básico, especialmente no Norte e no Nordeste do Brasil,
considerando, sobretudo, que a população rural da Região Nordeste e da Região Norte do Brasil soma aproximadamente 60% da população rural do Brasil.
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Então, nós estamos falando de um grupo populacional bastante significativo que cumpre uma função social no Estado brasileiro e na sociedade brasileira: a produção de alimentos e o cuidado com os nossos solos, com a nossa biodiversidade, com as nossas florestas e com as nossas fontes de água. E essa população não pode ficar à margem de um processo de reflexão sobre água e sobre saneamento, olhando, sobretudo, para o contexto climático que vivemos planetariamente e que impacta, naturalmente, a maior parte da população que está nas regiões semiáridas e nas regiões áridas do planeta.
No que diz respeito ao marco legal do saneamento, da água, eu gostaria de fazer uma provocação, que é exatamente a de pensarmos o seguinte: em que medida os contratos de concessão para o abastecimento e para o acesso à água e ao saneamento contemplam de forma equitativa as periferias e favelas e os bairros nobres dos grandes centros urbanos? Estou dizendo isso porque a Procuradora Vanessa Chalegre colocou aqui há pouco uma informação que nos faz refletir em que medida podemos pensar e considerar as populações periféricas, que, embora tenham o sistema de abastecimento, não têm regularidade no abastecimento de água. Eu acho que isso é algo a se levar em consideração, não só os números frios de percentuais dos que têm ligação de água para o abastecimento, mas também a regularidade desse abastecimento e a qualidade da água que chega a essas populações.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Alexandre, por sua contribuição.
Realmente não é possível falarmos do direito humano de acesso à água e ao saneamento sem incluir a população rural, sem incluir a população do Semiárido.
Você me conhece. Eu sou agricultor familiar, sou do Semiárido, sou do Sertão pernambucano. Infelizmente, nem todos os nossos Parlamentares, nos diversos partidos, nos diversos campos de esquerda e de direita, conhecem a tecnologia da construção da cisterna de placa ou da barragem subterrânea. Não sabem o que significa uma cisterna de placa, essa tecnologia construída pelas organizações do campo, em especial a ASA Brasil. Quem conhece essa tecnologia, não tenho dúvida, abraça a causa, apoia, porque a cisterna de placa salva vidas, garante o mínimo de dignidade ao ser humano, que é ter direito a água potável.
Eu não me canso de repetir que a cisterna de placa nos possibilitou ter o direito, senhores e senhoras, a tomar banho uma vez por dia e a tirar a lata d´água da cabeça das minhas irmãs, que são 7, de uma família de 10. Andávamos a pé por 3 quilômetros com um galão de água, com duas latas amarradas num pau nas costas ou uma lata de zinco na cabeça ou um botijão que se transformava em uma lata de água na cabeça.
E não éramos adolescentes, não. Éramos crianças de 7, 8, 9, 10 anos de idade.
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Fazíamos isso para poder ter água para o consumo humano, para nos alimentar, para cozinhar, para beber. Não podíamos tomar mais de um banho na semana porque não havia água suficiente. Era na cacimba ainda, não sei se os senhores sabem o que é. Tínhamos de chegar a um lugar que pudesse ter um mínimo de água e cavar ali. Os animais tomavam daquela mesma água. Tínhamos que tirar toda a água de manhã e esperar minar novamente para podermos encher a lata de água e trazer para casa. Essa realidade não acabou no Brasil. Diminuiu consideravelmente com o Programa Um Milhão de Cisternas de placas.
Mas, infelizmente, hoje essa é a realidade. Não há recursos mais. Não é mais prioridade do Governo. Por isso o Parlamento precisa conhecer essa tecnologia, para fazer com que o Governo Federal coloque na linha de prioridades, no Orçamento, recursos para a construção das cisternas que faltam.
Mais que isso, nós temos tecnologia para as cisternas ajudarem também a produção da agricultura familiar, para ajudarem na produção. A cisterna-calçadão é uma tecnologia que quem conhece não despreza. Por isso, aproveito esta audiência e essa fala do nosso companheiro Alexandre para convocar todos a conhecerem essa grande experiência.
Você traz, Alexandre, a questão do marco legal do saneamento. Em relação a São Pedro, no Maranhão, eu tenho muita preocupação, porque não sei se a iniciativa privada vai querer fazer saneamento na agricultura, na zona rural, nos distritos, porque não dá lucro. E nós sabemos que a iniciativa privada só pensa em uma coisa: lucro.
Nós só vamos ter saneamento básico na zona rural, nos distritos, nos pequenos Municípios, se o poder público puder e tiver como prioridade colocar recursos, porque a iniciativa privada quer lucro. Se o Governo não fizer, eu não acredito que a iniciativa privada fará.
Gostaria, em nome do MAB, de saudar o Deputado Carlos Veras e, na pessoa do Deputado, saudar a todos e todas aqui presentes nesta audiência.
É muito importante a realização desta audiência para discutir o tema que talvez seja o mais importante para o povo brasileiro hoje, também pensando no futuro, pensando a água, o direito à água e ao saneamento. Sem dúvida, é um dos temas mais importantes para o nosso povo.
Para nós do MAB, a água, sobretudo o direito humano à água, é um bem público e um patrimônio de toda a humanidade. Quando dizemos isso, estamos dizendo que a água não deveria ser transformada em mercadoria nem em commodity, muito menos passar a ser controlada por empresas privadas,
mas, sim, ter um controle público e social popular.
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No entanto, a tendência que nós estamos vendo, olhando para a história do Brasil, os exemplos que nós temos aqui, os exemplos que nós temos fora, em outros países, e também o modelo, a proposta que está inserida na Lei nº 14.026, a forma como vai ser explorado e conduzido o setor de saneamento em nosso País, nós olhamos tudo isso com muita preocupação, porque vemos que a tendência é que a negação do direito à água e ao saneamento vai se acentuar no Brasil. As famílias brasileiras vão passar, em pouco tempo, a conviver com uma sobrecarga de tarifas no serviço de saneamento. A tarifa de água vai ser aumentada, a tarifa de esgoto, de limpeza urbana e de outros serviços, num país que paga uma das maiores tarifas de energia elétrica e que, com a privatização da ELETROBRAS, se isso acontecer, poderá pagar a tarifa de energia elétrica mais cara do mundo. Além disso, vai passar a conviver com tarifas, tarifaços, também no setor de saneamento, que está protegido pela legislação na recente Lei do Marco Legal do Saneamento. Essa é uma das principais mudanças dessa lei.
Isso tudo ocorre num país que é rico em água, que tem todo um potencial. Nenhum outro país tem as reservas de água potável que nós temos no Brasil, as bacias hidrográficas e toda uma estrutura de saneamento construída.
Associada a essa modelagem que está sendo proposta na nova lei, está a reestruturação do setor de saneamento, o desmantelamento do setor público de saneamento, quando se fala proibir os contratos de programa e em mudar a metodologia de tarifa, que vem sendo a de subsídio cruzado, para uma tarifa autofinanciada, uma tarifa que remunera o investimento, uma tarifa baseada na tarifa preço-teto, que é o que está posto na lei. Os formuladores dessa lei defendiam, junto com as empresas privadas, a remissa de que o setor de saneamento precisaria ser mudado e funcionar baseado na metodologia do setor elétrico.
Tudo isso é muito grave e muito preocupante para nós, porque há uma estratégia no Brasil, desde 2016, que agora vem se intensificando, de privatizar os rios, privatizar o setor de saneamento e entregar todo esse patrimônio que está instalado no setor elétrico e todo esse potencial de mercado, que são os 57 milhões de residências brasileiras e todos aqueles que ainda não têm acesso, para o controle de empresas privadas, dos bancos privados, das empresas de energia.
O banco Credit Suisse, o Itaú, os fundos canadenses, a Vale, o Banco Mundial, a Veolia, o BTG Pactual, o grupo sul-coreano, o Grupo Soberano de Singapura, a AEGEA, a Equatorial, a Suez, a Neoenergia, todas essas empresas estão muito interessadas em abocanhar também o setor de saneamento e transformá-lo, fragmentando-o em vários negócios, aplicando uma tarifa baseada no preço-teto,
que vai elevar muito o preço que é cobrado hoje pela água, pelo saneamento, e transformar isso num grande negócio.
Meu tempo acabou. Eu gostaria de agradecer e dizer que nós vemos com muita preocupação este cenário, que só vai empobrecer ainda mais a vida do povo brasileiro.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Dalila, pela sua participação.
Deputado Carlos Veras, obrigado agradeço a V.Exa. pelo convite, bem como aos demais Deputados que subscreveram o requerimento. Quero cumprimentar todos os que falaram até agora e os que vão falar também e destacar a importância de a Comissão discutir este tema.
Primeiro, quero deixar claro que a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento — ASSEMAE é uma instituição que, há mais de 4 décadas, atua no setor de saneamento com três premissas claras, de modo geral: a defesa da titularidade municipal, a defesa intransigente da gestão pública e a defesa também da garantia de que todos tenham acesso ao saneamento, um direito fundamental de todos nós, brasileiros.
Eu li o relatório. Faço só um apontamento: ele não deixa claro, mas, em alguns momentos, diz que a diversidade, ou os vários prestadores de serviço existentes, pode ser uma fragilidade. Eu acho que não é, até porque nós temos que partir da premissa de que a titularidade é municipal. Num país como o nosso, continental, precisamos ter vários players no setor. Um caminho só não vai ser suficiente para garantirmos água e saneamento a todos.
No tocante à nova Lei do Saneamento, já temos deixado clara nossa posição desde as medidas provisórias. Também agora a nossa concordância está expressa com a nossa posição clara na ADI protocolada e em andamento no STF.
Mas quero destacar alguns pontos importantes. É claro, nós queremos a universalização para amanhã, para hoje. Por que colocar na lei a meta de alcançar a universalização até 2033 não vai funcionar? Não vai funcionar porque o relatório, na página 8, deixa bem claro que o princípio norteador é o contrato de concessão. Esse é grande objetivo do marco. Qual é a dificuldade disso? A dificuldade, primeiro, é que o marco não considera a expertise existente. Ele faz uma panfletagem dizendo que há 100 milhões de brasileiros sem saneamento, sem esgoto, e é verdade, e 35 milhões sem água e que o problema é do setor público. Não, não é isso. O problema é da conjuntura do País, o que eu vou falar mais ao final.
É preciso considerar que nós temos muitos serviços públicos eficientes, seja municipais, seja estaduais. Isso não foi considerado nesta proposta. O que vai acontecer? Quando se faz uma mudança drástica deste jeito, esperávamos, com a expertise de 40 anos que temos, que isso acontecesse. Mas tememos que não aconteça. Por quê? Por que vemos dificuldade em verificar como sucesso os leilões já ocorridos? É simples. Em Alagoas, a outorga é de 2 bilhões de reais. Isso está servindo para quê? No Rio, a outorga é maior ainda. Nós estamos tirando recurso do saneamento
para sanear o déficit fiscal dos Estados e Municípios. Isso não vai funcionar. Eu não vejo como isso vai garantir água e saneamento a todos. O correto seria não haver outorga e, aí, sim, investirmos todo esse montante ou haver uma tarifa mais adequada, principalmente para as pessoas de baixa renda.
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O que nós entendemos? Que o Estado tem que ter um papel importante. Não é que a iniciativa privada não possa participar. Ela pode, mas o Estado tem que ter um papel primordial. Quando você olha os países do mundo que chegaram à universalização, percebe que, mesmo naqueles mais liberais, se quisermos falar de ideologia, há um papel preponderante de investimento estatal para se chegar à universalização.
O relatório mostra com clareza que, de 2011 a 2019, o Governo Federal só investiu 9% e que isso tende a cair. Nós recebemos relatos todos os dias de recursos já contratados e de dificuldade de reembolso.
Como vamos conseguir chegar à universalização? Quando nós tivermos moradias dignas, acesso ao emprego, um país mais desenvolvido. Não podemos ter a ilusão de achar que, num país desigual como o nosso, só o saneamento vai chegar na frente, vai se universalizar, e os outros aspectos da vida social vão ficar para trás. Isso não será possível. Nós temos que enfrentar isso.
Quando você olha o relatório, pergunta-se: "Por que isso ocorre no Norte e no Nordeste e no Sudeste avança mais?" É devido à desigualdade regional que nós vivemos. Primeiro, nós temos que superar essa desigualdade. Temos que entender que o saneamento está dentro da cidade. Daí entendemos que a questão local é mais acertada para resolver essa situação e que precisamos realmente ter um papel preponderante.
Quero concordar de público com o Relator Especial da ONU quando diz que precisamos ter fundos públicos para investimento. O Governo Federal precisaria entender isso.
Qual é o nosso reclame contra os prestadores públicos municipais? É que a Lei nº 14.026, aprovada, só olha para um lado, só olha para o setor privado. Ela deixou de olhar para o setor público, deixou de apoiar bons exemplos de setor público.
O que pode acontecer? O serviço de saneamento em Manaus é privatizado há 16 anos e ainda não se universalizou. Em Tocantins foi privatizado, e o setor privado ficou só com a parte que dá lucro e devolveu os Serviços Autônomos de Água e Esgoto — SAAEs para o Estado. Em Itu, em São Paulo, o serviço foi privatizado durante 7 anos, a empresa entrou em falência e o Município teve que retomá-lo.
Então, o que nos preocupa é que estamos vendendo uma promessa e, quando chegar 2033, quando não cumprirmos a meta, quem vai responder? Vai ser o Governo Federal? Ele vai dizer nessa hora: "Não, eu não sou o titular". Serão os Governos Estaduais? "Não, eu também não sou o titular". Vai sobrar novamente para os Municípios, para os Prefeitos, que, não sendo ouvidos no processo, estão, de alguma forma, sem capacidade de decisão, mas ficando com a responsabilidade.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Sr. Francisco.
Queria saudar o Deputado Carlos Veras, nosso irmão nordestino, vizinho da Paraíba; o Alexandre, da ASA — Articulação Semiárido Brasileiro —; o nosso Secretário Pedro Maranhão; o nosso amigo Francisco; a Dalila, do MAB, que tem feito um trabalho muito bacana com o companheiro Osvaldo; a Vanessa; o Alain, da ONU; enfim, todos os demais colegas que estão nesta Mesa virtual.
Eu queria tratar diretamente dos três pontos que nós elencamos aqui fazendo um overview, em virtude do tempo exíguo.
Vamos tratar de forma mais ampla, por exemplo, da Recomendação nº 145, sobre a urbanização de assentamentos precários. Não adianta pensarmos em saneamento se não conseguirmos atuar na urbanização, na regularização, no ajuste e na inclusão dessa população à cidade. Eu acho que esse é um ponto interessante que nós temos de tratar.
Nós temos vários exemplos, dentre eles, eu poderia listar os Programas Agro Legal e Se Liga na Rede. Aí mesmo, Deputado Carlos Veras, a COMPESA — Companhia Pernambucana de Saneamento — tem feito um trabalho muito bacana em Olinda e em Recife. Aqui na Paraíba, nós também temos atuado em comunidades buscando regularizar várias comunidades, como a São José, a São Rafael, eu poderia listar ene comunidades. E a SABESP — Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo — tem feito isso com o Agro Legal e o Se Liga na Rede.
Como operadores, parece que estamos enxugando gelo o tempo todo. Se nós não conseguirmos gerar um espaço legal para essa população mais vulnerável, nós vamos continuar enxugando gelo nessas situações.
Existe um outro papel no qual queremos atuar, e vamos atuar — nesse sentido, gostaria de parabenizar o resumo deste relatório que nós estamos discutindo —, quando se trata, por exemplo, de ação contra os operadores. Quando chegamos lá, às vezes, o próprio Ministério Público ou a Justiça insta os operadores a não fazê-lo em virtude de uma ilegalidade fundiária ou ambiental, apesar de esses assentamentos estarem há 10 anos, 15 anos, 20 anos implantados. Esse é um ponto que eu reputo extremamente importante.
Sobre outro ponto que nós colocamos, o Alexandre foi muito feliz. Eu também sou de cidade do interior, Deputado Carlos, sou de Caiçara, portanto vivenciei e sei da importância das cisternas e do poder público nesse processo. O Governo da Paraíba, por exemplo, retirou um recurso do Banco Mundial para fazer cisternas, colocar dessalinizadores e implantar um sistema de abastecimento rural simplificado para atender essas comunidades, inclusive dentro do próprio MAB, onde houve o deslocamento de determinadas populações, assim como aconteceu em determinados assentamentos e comunidades, com o companheiro Osvaldo, que muito tem lutado e nós temos debatido junto com ele.
É importante dizermos que há uma falha no saneamento rural. Só para citarmos um exemplo, quase 36 milhões de pessoas estão sem água; desses, 10 milhões de pessoas estão no Nordeste e no interior, fora as da zona urbana. Como nós vamos atendê-las?
E muitas vezes sem sistema, porque aquelas comunidades, como nós temos as de Santa Lúcia e Tainha, na Paraíba, e posso citar uma em Pernambuco também, nós as atendemos com uma adutora nossa de Natuba. São comunidades aglomeradas, com 100, com 200 casas, que nós conseguimos atender. E aquela população que está lá na zona rural? Cadê a política constante de carros-pipa e de apoio aos Municípios? Então, Deputado Carlos, não só a construção, mas também a estrutura para poder dotar de água potável essa população é extremamente importante, principalmente quando se trata de dessalinizador.
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Por fim, há a questão do acesso à rede de água. Eu quero dizer que é fundamental e imprescindível que nós tratemos desse assunto. Em que pese nós termos uma situação específica, e aí eu discordo um pouco de determinadas observações, muitas vezes temos que deslocar aquilo que é meu, aquilo que é seu, aquela ideia de discutir só o que é minha propriedade, que "Eu resolvo dentro do Município", porque não se resolve só dentro do Município, não se resolve só dentro do Estado. Está aí a transposição para dizer que não se resolve dentro do Estado, nem se resolve dentro do Município, mas num pacto nacional, público e privado, se resolvem os problemas. Há situações em que nós vamos precisar do setor privado, sim, e há situações que só o público vai resolver. Então, não é a exclusão que vai atender.
Quatro quintos do território da Paraíba estão encravados no Semiárido nordestino, Dr. Alexandre, Deputado Carlos. Os senhores sabem muito bem do que eu estou falando, porque Pernambuco vive a mesma situação. Nós temos 2,5 mil quilômetros de adutoras. Municípios como Frei Martinho, se for para resolver o problema dentro do Município, não vão ter água pelo resto da vida, porque não existe água no Município. Nós estamos levando uma adutora por 188 quilômetros ao custo de 200 milhões de reais, com empréstimo do Governo do Estado. É dinheiro do Governo do Estado, dinheiro do povo paraibano, da sua companhia de água, do Tesouro estadual: é a TransParaíba/Curimataú. E há outro empréstimo do Banco Mundial, de mais 80 milhões de dólares, para nós levarmos água ao Cariri, que tem o menor índice pluviométrico. Podem pesquisar, o índice pluviométrico dessa região é o menor que existe.
Então, somente com uma política pública adequada. E aí eu concordo com todos que disseram que precisamos, sim, trazer o setor privado. Muitas vezes temos que fazer as PPPs para trazer o setor privado, essa é uma discussão que nós precisamos ter. Não é excluindo que nós conseguimos resolver o problema do País, temos que somar, neste momento nós precisamos somar. Esse é um ponto e é esta a mensagem que eu gostaria de deixar para os senhores, trazendo alguns exemplos das empresas estaduais.
Temos que melhorar? Temos, Deputado Carlos; temos, Alexandre; temos, Dalila; temos, Pedro. E digo isso a todos os que estão nesta Mesa. Quem disser que sozinho resolve um problema está redondamente enganado. Nós precisamos, sim, somar esforços. Se há uma coisa com que todos nós concordamos eu acho que é o marco que colocou o saneamento na pauta do País, tanto é que nós estamos discutindo isso, neste momento, nesta Mesa tão aberta, plural, e eu acho que é esse o processo que nós temos que construir.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Marcus, pela sua participação e contribuição.
Realmente, nós somos bem vizinhos mesmo, Tabira fica na divisa com a Paraíba, distante apenas 18 quilômetros. Então, em um pulo estamos na cidade de Água Branca, na Paraíba.
E você nos trouxe uma discussão que nos alerta para um debate que nós estamos travando agora na Câmara dos Deputados e no Senado, no Congresso Nacional, que é o debate sobre as adutoras, inclusive sobre as adutoras do Rio São Francisco, sobre a transposição do Rio São Francisco, o que aumenta a nossa preocupação com a privatização da ELETROBRAS, com a privatização da CHESF, porque é uma privatização também do Rio São Francisco.
Será que a iniciativa privada dará a mesma prioridade para as adutoras, para o abastecimento de água para o consumo humano, para levar água para os distritos, para os pequenos Municípios, como é a transposição do Rio São Francisco, que são as adutoras? Temos uma adutora inclusive no Pajeú. O nosso companheiro Alexandre, que é da capital, de Jabitacá, a capital do Pajeú, sabe bem o que significa isso para todos nós.
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O SR. EDSON APARECIDO DA SILVA - Bom dia a todos e a todas. Quero agradecer, em nome da Federação Nacional dos Urbanitários, FNU, o convite para participar desta importante audiência pública. E na pessoa do Deputado Carlos Veras, cumprimento todos os Deputados e todas as Deputadas que integram a Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Nós consideramos muito importante a criação do Observatório Parlamentar, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Em nossa opinião, o saneamento básico no Brasil passa por um grande retrocesso a partir da aprovação da Lei nº 14.026, de 2020, e isso acontece porque é uma lei elaborada com base em uma série de falsas premissas. Uma das falsas premissas é que a Lei nº 11.445, de 2007, era responsável pela dificuldade da universalização do acesso ao serviço, o que em nossa opinião não é absolutamente verdade. Essa é uma lei em que, no processo da sua implementação, nós vamos assistir a um aumento da exclusão das pessoas mais vulneráveis, dos Municípios mais pobres, das comunidades rurais em relação ao acesso aos serviços.
Se hoje nós precisamos reconhecer que temos desafios importantes para garantir que todo o povo brasileiro tenha acesso pleno à água, ao esgotamento sanitário, por outro lado é preciso reconhecer que não é através dos mecanismos e da lei aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado que nós vamos dar conta de superar esses desafios. O caminho está errado. Nós vamos garantir água e esgoto para a população pobre, rural, periférica, que ocupa as periferias dos grandes centros, a partir de uma presença forte do Estado, na medida em que se coloque o saneamento básico como política estratégica relacionada à saúde pública do povo brasileiro, relacionada ao desenvolvimento. Enfim, nós estamos na contramão do que deveríamos fazer para superar as deficiências que nós temos nessa política pública tão importante.
Como um dos objetivos desta audiência é nós apontarmos possibilidades de atingir o direito humano à água, eu acho que nós precisamos tomar medidas emergenciais que têm a ver com a suspensão do corte do fornecimento de água por inadimplência no Brasil. Nós precisamos suspender a cobrança de tarifa de água, enquanto perdurar a pandemia, para as populações que vivem em processo de vulnerabilidade. Nós precisamos garantir água e equipamentos de higiene para a população que vive em situação de rua.
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10:17
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Eu queria, Deputado Carlos Veras, aproveitar esta oportunidade e fazer um apelo muito contundente para V.Exas., Deputados e Deputadas Federais. O Senado Federal aprovou, recentemente, a PEC nº 4, de 2018, que coloca no art. 5º da Constituição brasileira uma emenda que diz o seguinte:
Art. 5º (...) é garantido a todos o acesso à água potável em quantidade adequada para possibilitar meios de vida, bem-estar e desenvolvimento socioeconômico .
Esse projeto está tramitando na Câmara dos Deputados, agora como PEC nº 6, de 2021, e nós assinamos um manifesto, que ajudamos a elaborar, solicitando à Câmara que se faça a tramitação com serenidade e que se vote a favor dessa PEC. Incluir na Constituição brasileira o direito à água e ao esgotamento sanitário significaria um avanço importante, do ponto de vista jurídico, nesse caminho do acesso à água e ao esgotamento sanitário como um direito humano fundamental.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, companheiro Edson.
O SR. RAFAEL KOPSCHITZ XAVIER BASTOS - Bom dia, Sr. Deputado Carlos Veras, muito bom dia a todos e a todas presentes a esta audiência.
Eu queria, de início, agradecer em nome do ONDAS. Sou professor da Universidade Federal de Viçosa e respondo, como o Deputado enunciou, pela coordenação institucional do órgão Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento. Para quem não conhece o ONDAS, nós somos uma entidade do terceiro setor, jovem, em termos de presença no cenário nacional, porém já com uma presença bastante nítida e firme na sua missão, ou seja, na voz e na defesa dos direitos à água e ao saneamento, na ótica dos direitos humanos, e na defesa do saneamento, enquanto prestação de serviços públicos.
O ONDAS nasce na esteira da declaração da ONU sobre o acesso à água e ao saneamento como um direito humano. Este é, portanto, o pano de fundo da nossa existência, da nossa ação. E nasce de uma convergência de leituras da academia, de intelectuais, do movimento sindical, do movimento social, de forma a produzir pensamento crítico e subsidiar ações, pelos diversos atores do País, nessa ótica da defesa dos direitos humanos e do saneamento enquanto serviço público.
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Eu quero reforçar a palavra de alguns que me antecederam em relação à nossa preocupação com o rumo que o País passa a assumir a partir da aprovação do novo marco regulatório. Absolutamente não acreditamos que isso venha no sentido, como disse o Relator Especial da ONU, Pedro Arrojo, da realização progressiva dos direitos humanos em relação ao acesso à água e ao saneamento. O próprio relatório da ONU, do Relator Prof. Léo Heller, que antecedeu Pedro Arrojo, apontava a questão da realização horizontal e da realização vertical dos direitos humanos. Realização vertical no sentido de ampliação da cobertura, de saltos quantitativos, mas sem esquecer a realização horizontal dos direitos humanos, na ótica do que já foi dito aqui, de que ninguém fique para trás. Ou seja, o olhar qualitativo, o olhar aos mais desassistidos, que, em um País como o nosso, não são absolutamente minorias, são a maioria absoluta da população brasileira em um País campeão de iniquidades e desigualdades.
Nesse sentido, nós gostaríamos de alertar para o caminho inverso que parece que o País assume nessa nova orientação da política nacional de saneamento. O Secretário Nacional de Saneamento, na sua fala aqui hoje, afirmou que o Estado teria perdido a sua capacidade de investimento em saneamento. Talvez o Estado brasileiro tenha perdido a sua vontade de investimento em saneamento. E é isto que nós queremos recuperar, queremos que o Estado brasileiro recupere o seu papel fundamental. O próprio Relator da ONU Pedro Arrojo, nesta audiência, na sua fala final, disse duas recomendações: nós precisamos fazer as pazes com nossos rios e nós precisamos de investimentos públicos, no sentido de superar as grandes iniquidades que nós temos ainda em termos de direitos humanos, de direito à água e ao saneamento.
Nós tínhamos no País — temos, na verdade — o marco regulatório, que ao nosso ver foi deformado, a Lei nº 11.445/2007. Nós temos no País um plano nacional de saneamento que apontava, já há algum tempo, exatamente quais eram os recursos, os vultos de recursos que nós necessitávamos para a universalização. Ou seja, nós temos um diagnóstico da nossa realidade, nós conhecemos a nossa realidade, nós sabemos o que é necessário fazer para recuperar a nossa capacidade de atendimento à população sem que ninguém fique para trás. Mas eu acho que nós não demos nem tempo de existência, nem de confirmação, nem de validação, tanto da nossa lei, quanto do nosso marco regulatório, quanto do nosso plano nacional de saneamento.
Enfim, terminando, eu acho que nós precisamos voltar. E a crise da pandemia, esta triste realidade, escancarou as mazelas do nosso País, escancarou a necessidade da presença forte do poder público, assim como também disse o nosso Relator da ONU. Então, o que nós precisamos é que o Estado brasileiro recupere não só a sua capacidade de investimento, mas também a sua vontade de investimento. Que olhemos para a realização dos direitos humanos sob o olhar da realização horizontal, ou seja, que ninguém fique para trás.
E que nós voltemos o nosso olhar para o atendimento das necessidades básicas da população mais vulnerável.
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10:25
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Sr. Rafael, por esta grande contribuição.
Como se trata de uma audiência pública em parceria com o observatório da ONU e de uma das recomendações feitas aqui pela Organização das Nações Unidas, eu vou retornar a palavra a todos vocês, porque eu senti que o tempo de 5 minutos não foi suficiente. Vamos retornar a palavra por mais 3 minutos para cada um fazer algum complemento.
Quero dizer que desta audiência pública será gerado um relatório e, ao final, em dezembro, quando concluirmos todas as recomendações, teremos também um relatório final. E todas as considerações, todas as propostas, todas as observações feitas nas audiências públicas serão encaminhadas à Organização das Nações Unidas — ONU, que também acompanha de perto todo esse processo. Por isso, é sempre importante esgotar todas as opiniões, todas as observações colocadas pelos convidados no conjunto das audiências públicas.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Retorno a palavra ao senhor, pelo tempo de 3 minutos, para mais alguma contribuição ou alguma consideração que deseje fazer.
É muito importante este debate. Como disse o Marcus Vinícius, o saneamento não estava na pauta, mas hoje é discutido na mesa de bar, no almoço de domingo, e isso é muito importante para sensibilizar os gestores sobre a importância do saneamento. Há muitas opiniões e fica até difícil nos posicionarmos sobre elas. Mas a minha função aqui é organizar o saneamento. Eu sou responsável pela política de saneamento no Brasil. Eu tenho que correr para implantar a lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional. Uns concordam, outros não, no entanto, o Congresso é que vai decidir se quer reformular ou não a lei. A lei que está aí é a lei que nós vamos trabalhar, e nós estamos muito otimistas.
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10:29
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Há uma preocupação grande que foi colocada por vários aqui: a questão rural. Realmente é uma preocupação nossa e estamos discutindo o que fazer quanto a isso.
Devo dizer também que eu não vejo alternativa a não ser atrair o capital privado. E o capital privado, Deputado, só vai aonde há retorno. Se não houver retorno, não há capitalismo, não é? Eu sou economista, já estudei todas as formas, e não tem jeito. Nós temos que estudar outras formas de financiar o saneamento brasileiro e estamos atrás disso.
Hoje estamos colando muito a questão do saneamento na questão ambiental, na ASG — Ambiental, Social e Governança —, o que é muito importante para atrair capital externo, para incrementar, para ter dinheiro mais barato, até dinheiro a fundo perdido, para investir no saneamento, principalmente em resíduo sólido, que é uma complicação muito grande com esses 3 mil e pouco lixões a céu aberto. Nós estamos regionalizando, organizando os consórcios para ver o que fazer em relação a isso. A lei é muito clara: a partir de 15 de julho não se pode mais subsidiar o resíduo sólido. O Prefeito que não der sustentabilidade ao resíduo sólido incorre em crime de renúncia de receita. Infelizmente a lei está aí. Enfim, nós estamos trabalhando nesse sentido e estamos muito otimistas.
A questão do Semiárido é outro desafio. A questão emergencial dos carros-pipa está com 20 anos. Nós estamos trabalhando para diminuir, para aos poucos ir substituindo os carros-pipa por redes, por poços, por tratamento com salinização. Há todo um programa no Ministério que está trabalhando isso. Essa questão realmente foi emergencial e já dura 20 e poucos anos; eu não sei quantos anos tem. Nós temos uma despesa anual com carro-pipa, em média, de 700 milhões; às vezes, de 800 milhões, de 600 milhões, um número realmente muito significativo. E só vamos mudar isso se conseguirmos colocar rede de água nessas comunidades. Nós temos um programa para isso, estamos indo lentamente — a questão orçamentária é muito complicada —, mas estamos avançando. Com esse programa, vamos substituir as cisternas por uma rede de água e esgoto nas comunidades.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Nós é que agradecemos, Pedro Maranhão, pela participação do senhor. Realmente é um sonho antigo nosso, de todos os sertanejos, ver o fim do ronco do carro-pipa e da indústria da seca.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Da mesma forma que conseguimos universalizar a energia elétrica, fazendo-a chegar a todas as residências rurais, com o Luz para Todos, esperamos um dia ver o nosso povo nordestino, brasileiro, com água e com saneamento, com água não só para o consumo humano, mas também para a produção, para garantirmos a soberania alimentar neste País.
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10:33
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Rapidamente, além da capacidade ou vontade, como o orador anterior mencionou, de investir no fornecimento de infraestrutura, acredito que um dos maiores desafios que não foi mencionado hoje para melhorar o acesso à água e ao saneamento seja o sistema de governança em vigor. Como garantir que entre três níveis de governo e a população haja diálogo, sinergia e transferência eficiente de recursos de um nível de governo e outro? Como assegurarmos isso? É um desafio que não se mencionou hoje.
Também acho, com a experiência que tive em vários países, que os fundos existem talvez não diretamente com o nível municipal, talvez não diretamente com o Governo Federal, mas com programas de bancos de desenvolvimento por meio dos quais os Municípios têm possibilidade de conseguir recursos, mas a capacidade dos pequenos governos municipais...
No início, eu falei que o desafio principal é em nível rural, mas é também nas pequenas cidades. A capacidade dos pequenos governos municipais de fazer pedidos de financiamento, obter fundos, administrar orçamento e tomar decisão é limitada. Por isso, também seria uma prioridade capacitar pequenos governos municipais, a administração municipal, para obterem mais recursos e mais apoio de todos os níveis de governos e outros atores.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Sr. Alain, pela sua excelente participação nesta audiência pública.
Eu queria agradecer novamente e dizer que foi muito bom ouvir as colocações feitas por todos os representantes da sociedade civil e do poder púbico e pelas demais entidades presentes na audiência.
Eu gostaria também de me somar aos que falaram anteriormente sobre as preocupações quanto ao novo marco regulatório, tendo em vista a ideia da construção de uma modelagem que visa garantir o lucro no patamar almejado pelo setor privado.
Mas a pergunta que eu faço é: como garantir que uma política com base nesse marco consiga ser uma política inclusiva, que seja capaz de reduzir as desigualdades e de atender à população mais pobre, a população que está em contextos e situações de maior vulnerabilidade?
Eu concordo que para isso é necessária a participação direta do poder público.
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10:37
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Então, nesse sentido, eu queria ressaltar, um pouco na linha do que você tinha falado anteriormente sobre a questão da regularização fundiária urbana, que o marco regulatório da regularização fundiária, a Lei nº 13.465, de 2017, trouxe uma série de preocupações, uma delas relacionada à visão da regularização fundiária dissociada da urbanização, priorizando a circulação dos imóveis em detrimento da implantação da infraestrutura fiscal, mas prevê que, no caso da Regularização Fundiária de Interesse Social — REURB-S, a implantação da infraestrutura é de competência do poder público.
Como viabilizar a implantação de uma infraestrutura que atenda a populações extremamente vulneráveis, porque em muitos casos esse é o perfil da população atendida por meio dessa política, por meio de uma lógica privada que demanda muitas vezes que parte dos custos da implantação seja arcado pelos próprios moradores? Essa é uma tendência que vem se mostrando e nos alerta justamente para a necessidade de que a participação direta do poder público é imprescindível para garantir a implantação e o acesso de fato dessas comunidades aos serviços.
Eu queria também falar sobre algo que um participante trouxe: a necessidade de se tratar agora da urgência em relação à suspensão dos cortes do serviço de fornecimento de água durante a pandemia. Essa tem sido também uma matéria tratada pela Defensoria em todos os Estados.
Eu queria ressaltar — na linha do que foi decidido pelo STF na semana passada, constante da ADPF 828, o que também já foi analisado por esta Câmara — que a garantia do direito à vida e à saúde neste momento demanda a suspensão dos despejos e dos deslocamentos forçados para garantir que as pessoas tenham moradia para realizar o isolamento social e adotar as medidas de higiene necessárias. Isso abarca com certeza o acesso à água.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Sra. Vanessa, pela contribuição.
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Eu queria começar de pronto reforçando a sugestão da FNU, que foi apresentada aqui pelo Edson Aparecido, de que se discuta a partir do Congresso Nacional com o Governo Federal a suspensão das contas de água e da cobrança das tarifas da população mais pobre, da população que está em situação de vulnerabilidade social dentro do contexto da pandemia.
Eu acho que conseguimos dar alguns pequenos avanços, nesse contexto da pandemia, de proteção social à população mais vulnerável, quando temos conseguido alguns recursos jurídicos que impedem, por exemplo, a desocupação de espaços ocupados em defesa do direito à moradia, do direito ou acesso à terra.
De toda forma, voltando para nossa agenda também com relação à questão do Semiárido, eu queria voltar a insistir que é importante que esse relatório que nós estamos produzindo aqui reafirme a importância do Programa de Convivência com o Semiárido e do Programa Cisternas como uma política já testada, já referendada nacional e internacionalmente como uma política eficiente de abastecimento público para a população difusa das regiões semiáridas, da região semiárida brasileira. Lamentavelmente, temos uma desconstrução de orçamento destinado por parte do Governo Federal para essa política.
Nós temos uma demanda de aproximadamente 350 mil famílias no Semiárido que não têm acesso à água. E, no contexto da pandemia, isso se agrava quando o Governo Federal não investe recursos para o atendimento e para a chegada a essa tecnologia social de baixo custo — diga-se de passagem — para o Estado. Uma cisterna de 16 mil litros para uma família de 5 pessoas no Semiárido, hoje, custa 4,7 mil reais de um único investimento por parte do Governo; e a família cuida dessa tecnologia ao longo do tempo.
Então, eu acho que é importante reconhecermos aquilo que já foi testado, que já foi comprovado, tanto do ponto de vista científico, quanto do ponto de vista prático e concreto na vida das pessoas, de impacto de qualidade de vida na vida das pessoas, o que não precisa mais estar sendo refletido pelo Estado. É preciso agir, da parte do Estado, e fazer com que essa iniciativa seja universalizada para a população rural do Semiárido.
E quero reafirmar: é importante que esse relatório contemple essa dimensão do acesso à água para as populações da periferia das grandes cidades. Hoje, existe um colapso de acesso à água. Por mais que as pessoas tenham o encanamento nas suas residências, há comunidades, por exemplo, na Região Metropolitana do Recife que passam 30 dias sem acesso à água.
Então, no contexto de pandemia como o que vivemos, com as pessoas precisando ficar em casa, em função da necessidade do distanciamento social, para evitar a contaminação do coronavírus, as pessoas dentro de casa sem água, essa realidade não pode estar mascarada com um projeto, como é o que o novo marco coloca, que vai resolver os problemas, porque não é uma questão que tem interesse da iniciativa privada de resolver essa necessidade de abastecimento, tanto das periferias, quanto das populações rurais.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Alexandre.
Não tenha dúvida de que nós vamos considerar o relatório a que o senhor se refere. Inclusive nesta audiência pública será gerado um novo relatório pelos consultores da Casa que o acompanham.
Quero reforçar inclusive essa sua fala, esse pleito pela universalização da cisterna de placa para o consumo humano no Brasil. Fala-se em torno de 350 mil cisternas. Isso numa conta rápida de cabeça, com 2,8 bilhões de reais, nós conseguiríamos construir cisternas de placa para o consumo humano em todas as residências que faltam. Isso é menos do que o investimento no voto impresso — fala-se em 2 bilhões de reais. Aliás, o custo para se implementar a universalização da cisterna de placa, em uma conta rápida, ficaria em 1,8 bilhão de reais. Custaria 1,8 bilhão de reais para se construírem todas as cisternas de placa e universalizá-las para o consumo humano. O voto impresso, que nós estamos debatendo na Comissão Especial, estima-se que custe 2,5 bilhões de reais, muito mais. Então, é sempre uma questão de prioridade.
Quando se fala em imprimir o voto dos brasileiros e das brasileiras nas eleições, falam de 2 bilhões de reais, falam que é troco, que é muito pouco. Mas, para as cisternas de placa, para garantirmos água para o consumo humano da população brasileira, para matar a sede da população brasileira, aí, 1,8 bilhão de reais às vezes parece muito dinheiro.
Então, é uma questão, como você disse, de prioridade. Na hora em que matar a sede da população brasileira for prioridade, esses recursos aparecerão no orçamento dos Municípios, dos Estados e da União, para que se possam universalizar e garantir cisternas de placa, água potável para toda a população brasileira, a população do campo.
Companheiros, eu acho nós compreendemos que há duas questões, quando se trata do debate do saneamento. Olhando para tudo que já foi discutido aqui nas falas, há duas questões a considerarmos.
A primeira é a questão da universalização do saneamento pelo setor privado. Isso é uma falácia, porque já foi provado, na prática, que o setor privado, as empresas privadas não cumprem essa meta de universalização. Então, isso muitas vezes é utilizado muito mais como um discurso ideológico para criar um consenso na sociedade sobre a aprovação da Lei nº 14.026, de 2020, assim como toda vez que é apresentada uma proposta de privatização no saneamento ou em outro setor.
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10:49
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A segunda coisa é sobre o retorno. As empresas privadas nós sabemos que visam o lucro. Elas visam esse retorno financeiro. Só que as empresas privadas não retiram as obras, os investimentos do seu capital próprio. Elas não investem com seu capital próprio. Pelo contrário. Fazem dívidas. Muitas vezes, é o próprio BNDES, o Estado brasileiro que vai lá financiar a atividade das empresas privadas. No setor de saneamento, é assim que vai acontecer. Tanto é que eles estimam, nas projeções que se fazem, que vai ser preciso uma dívida de 700 bilhões de reais. E isso representará transformar o setor de saneamento em um ambiente de negócios até sete vezes maior do que é hoje o setor elétrico, se olharmos a dívida que foi assumida, na época, nos anos 90, com esse mesmo discurso. E todos os custos — essa é a proposta — que vão ser realizados, que as empresas privadas vão ter vão ser transferidos automaticamente para a tarifa. Então, quem vai financiar vai ser o povo trabalhador, porque essa é a lógica que as empresas adotam quando assumem o controle dos serviços.
Outra questão é que, no setor do saneamento, quando se olha para o País, metade da população não tem acesso ao esgotamento sanitário. Então, são 100 milhões de pessoas que ainda não têm cobertura da rede de esgotamento sanitário. E o que pode acontecer? Com a padronização da tarifa de saneamento como está previsto já na lei — já está protegida pela lei toda essa nova metodologia tarifária —, possivelmente poderá acontecer de as empresas passarem a cobrar o adiantamento na tarifa. Então, muitas famílias que não têm ainda o serviço de coleta de tratamento de esgoto poderão passar a pagar antes de ter o serviço completo do saneamento, começar a pagar na tarifa o valor sem ter o serviço do saneamento, seja de coleta, seja o serviço completo de saneamento básico.
Isso já acontece aqui em Teresina, por exemplo. Teresina privatizou os serviços de saneamento em 2017. Na época, apenas 19% da população de Teresina tinha rede de esgotamento sanitário. A tarifa, a taxa de esgoto representava 65% do valor da taxa de água. Em menos de 4 anos, a tarifa de esgoto de Teresina saiu de 65% para 100%. Então, os teresinenses pagam hoje um adiantamento às empresas de saneamento. Na verdade, é um grande roubo passar a pagar pelo serviço sem se saber quando, nem se um dia se vai ter acesso a esses serviços. É essa a lógica que as empresas privadas querem instalar no nosso País diante de toda essa realidade. Então, é uma situação muito preocupante.
Quando olhamos para o exemplo de Alagoas, para outros projetos de privatização de saneamento em curso... No Ceará, eles querem privatizar o esgotamento sanitário.
Em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Amapá, o interesse deles é principalmente na distribuição da água, no saneamento e no esgoto. Então, retira-se o controle do Estado sobre esses serviços. As empresas públicas, na verdade, passarão a ficar com o serviço de maior custo, que é fazer o tratamento da água, e as empresas privadas ficarão com a distribuição e a comercialização, adotando essa lógica que nós estamos colocando da tarifa, do preço/teto, que vai garantir muito lucro para as empresas e penalidades para os trabalhadores do nosso País. Ressalto que as empresas privadas se interessam pelas áreas urbanas, pelas Capitais. O Piauí é um exemplo: começou pela Capital Teresina, e agora está se expandindo para as médias cidades. Essas são as áreas pelas quais as empresas privadas se interessam. Então, é essa a lógica que temos diante de nós.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Dalila Calisto, pela sua participação. Um forte abraço a todos que compõem o MAB.
A nossa sugestão, no tocante ao relatório, seriam alguns pontos que eu acho que poderíamos implementar. Vemos ali que ele cita bastante o PLANSAB. O primeiro ponto é que seria importante que ele checasse — já que se verifica ali que, de 2011 a 2019, com recursos próprios, as empresas de economia mista e autarquias investiram 68%, recursos onerosos, como FGTS, 23%, e recursos não onerosos, 9% — se aquela meta do PLANSAB de investimento está sendo cumprida. Salvo engano, a versão original do PLANSAB previa que a União teria o comprometimento de 60% do total dos recursos a serem investidos. Na primeira revisão, essa meta caiu para 40%. Foi lançada ontem a segunda revisão. Não sei se vai zerar ou não. De qualquer forma, seria importante apontar se a União está se comprometendo, de fato, a garantir os investimentos a que ela se propôs no PLANSAB.
Segundo, é importante também observar que, para conseguirmos o acesso à água, temos um desafio do ponto de vista do setor público. O primeiro é a desburocratização do setor. Nós havíamos começado a discussão há uns 3 anos sobre isso, mas paramos. Esse é um ponto importante para garantirmos o acesso à água.
Terceiro ponto importante refere-se a modelos de gestão pública. Nós não estamos trabalhando isso, e é importante. Não é só o recurso. Se houver recurso, mas não houver uma boa gestão, não vai funcionar.
Quarto ponto. Acho que se deve considerar que, assim como hoje há um fundo federal, com recursos disponíveis para apoiar PPPs e concessões, deveria haver um fundo para apoiar a melhoria da gestão pública. Nós não temos. Então, é importante que isso seja considerado.
O quinto ponto diz respeito à regionalização que está no novo marco. É claro que nós entendemos que a regionalização é importante. Mas qual é o detalhe agora? É que a regionalização, com a Lei nº 11.107, de 2005, previa a cooperação dos Municípios e dos entes federados. Eles entendiam a necessidade e, voluntariamente, cooperavam. Agora, não.
Há uma obrigação. Você só terá acesso a recursos não só do Governo Federal, mas também dos operados por ele, aos recursos dos trabalhadores se você aderir ao modelo de regionalização.
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10:57
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O que nós temos questionado à Secretaria, ao Governo Federal de um modo geral? Assim como no PLANASA, os 25% dos serviços municipais que hoje compõem a ASSEMAE não aderiram àquele modelo centralizador da ditadura. Possivelmente muitos desses não vão aderir agora a esse modelo de regionalização. Eles vão ficar sem acesso a recursos federais — inclusive aqueles que não são da União ou são operados por ela. Então essa uma reflexão que precisamos fazer. Qual é o objetivo realmente? Não é a universalização? Então, por que não deixar esses serviços operarem?
Por fim, Deputado, gostaria de registrar aqui que os serviços municipais de saneamento Brasil afora têm adotado várias medidas de não corte de água e de parcelamentos nesta pandemia, têm feito realmente o dever de casa no sentido de acolher o máximo possível, de entender a realidade que estamos vivendo.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Francisco, novamente pela contribuição.
O SR. MARCUS VINÍCIUS FERNANDES NEVES - Deputado, primeiramente, mais uma vez, agradeço a oportunidade destes mais 3 minutos para dialogarmos sobre esse processo.
Eu acho que foi um ponto muito bem observado pelo Alexandre aquele com relação ao acesso de determinadas comunidades à água. Acho que é um ponto que atinge todas as empresas estaduais Brasil afora, principalmente quando algumas questões envolvem as próprias ligações clandestinas. As ações que temos feito para regularizar essas áreas demonstram que, de fato, quando se regulariza, e o Estado — não o Estado como Estado, mas como entidade — participa no sentido de organizar aquela sociedade e a provê de serviços fundamentais e de infraestrutura, efetivamente conseguimos atuar. Temos vários exemplos de situações de substituições de redes, que chamamos aqui na Paraíba de pés de galinha. O que se verifica é que comunidades onde não chegava água passaram a ter água com a regularidade devida. Mas esse processo muitas vezes é extremamente desgastante, porque depende do próprio operador. É ele que vai à frente fazer esse processo. Muitas vezes, a entidade pública mesmo não se envolve muito para regularizar, ou porque ali há um processo de regularização fundiária ou porque ali há uma ocupação em área ambiental, etc. Temos aqui vários exemplos desse processo.
Quanto ao outro processo, sobre os cortes da água, aqui na Paraíba há um processo instituído, não de forma discricionária, já que a discricionariedade pode também, quando não se organiza e se direciona para quem realmente precisa, criar um problema de inadimplência e quebrar as empresas. Isso eu faço questão de dizer. Então, por exemplo, aqui na Paraíba o programa Tarifa Social é arcado pelo Governo do Estado, isto é, o Governo do Estado paga a tarifa para aquelas pessoas que estão incluídas no Tarifa Social.
E, para aquelas que consomem até 10 metros cúbicos — 65% da população atendida pela nossa companhia —, estão suspensos os cortes durante esse período da pandemia. Não estão suspensas tarifas, nem outras questões. Temos feito um trabalho muito forte aqui e em outras companhias, só estou citando um exemplo, extremamente importante para que se consiga prover de água essas unidades.
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Também é importante ter o devido cuidado. Costumo dizer isso porque sou gestor público. Gestão pública não se faz com o chapéu alheio, há que ter responsabilidade, inclusive fiscal, para ter condições de investimento, e não ser tachado, como estamos sendo hoje, de empresa pública ineficiente e com má gestão. Muitas vezes, são más decisões tomadas, inclusive fora da gestão das empresas.
Então, hoje, temos uma política muito séria de combate a perdas, uma política séria de expansão, uma política séria de cobrança, uma política séria de combate à inadimplência. Para quê? Para sobrarem recursos a fim de que possamos investir onde mais se precisa.
Agora, por exemplo, estamos tirando... Como o Deputado Carlos Veras sabe, em uma cidade chamada Santa Cecília, vizinha ao nosso querido Estado de Pernambuco, não tem um metro de rede. Nós estamos gastando agora, com recurso da companhia, 2,9 milhões de reais para implantar toda a rede de abastecimento. Levamos a adutora e agora estamos implantando.
A cidade Umbuzeiro, do nosso saudoso Presidente Epitácio Pessoa e do nosso saudoso João Pessoa, que dá nome a nossa capital, foi uma das cidades politicamente mais importantes do Estado da Paraíba. Porém, metade daquela cidade não tem rede! Nós estamos investindo, com recurso do tesouro do Estado e da companhia, mais 3 milhões para regularizar esta cidade e três comunidades nesse entorno.
Alertamos que precisamos de empresas saudáveis economicamente e efetivamente bem geridas para que façamos a verdadeira política pública. Precisamos de tarifas adequadas, precisamos ter recursos e capacidade de investimento, porque é importante dizer que não podemos só depender do recurso público. Nós precisamos ter também o nosso recurso enquanto empresa pública para poder colocar esse recurso, somado com OGU, com FGTS e com outros recursos internacionais.
Eu acho que essa junção do processo como um todo — e eu posso falar de carteirinha, como Presidente de uma empresa — nos dá segurança, pois ninguém sustenta empresa deficitária. Digo isso porque precisamos de segurança, de educação e de recurso público em outro canto. Então, as empresas precisam ser bem geridas para poderem atender. Como Presidente da AESBE, como Presidente de uma companhia, adoto essa máxima que temos feito com os outros Presidentes. Essa é a toada de todos os Presidentes de companheiras estaduais hoje. Então, era essa fala.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Marcus, pela sua contribuição.
O SR. EDSON APARECIDO DA SILVA - Deputado Carlos Veras, quero novamente agradecer e dizer para quem nos ouve que o senhor foi um dos nossos grandes parceiros na resistência contra a aprovação do que viria a ser a Lei n° 14.026. E eu agradeço em nome dos trabalhadores urbanitários e das trabalhadoras urbanitárias do nosso País.
Quero dizer que é muito importante reforçarmos a qualificação do déficit de saneamento no Brasil, que atinge principalmente as pessoas que vivem nas áreas mais vulneráveis,
nos assentamentos informais, nas favelas, nos morros, nas palafitas, nas franjas das periferias das grandes cidades, as populações que vivem em ocupações nos grandes centros. E é por isso que nós acreditamos que a saída pelo setor privado não vai resolver os problemas desse déficit de saneamento no nosso País. Não vai!
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O próprio Secretário Nacional de Saneamento, Dr. Pedro Maranhão, falou isso. E é óbvio: o que interessa para o setor privado — como a companheira Dalila, do MAB, também disse — são as áreas onde é possível ter retorno. Quem está por trás das grandes empresas privadas de saneamento no Brasil hoje são fundos de investimentos, fundos de pensão, do Canadá, de Singapura. Os aplicadores nos fundos de pensão não estão interessados onde botam o dinheiro deles, se as empresas vão atender ou não à população pobre. Eles querem retorno, e o retorno não está nessas áreas. Por isso que nós temos que reforçar o papel do Estado, se quisermos garantir água e esgoto para todo mundo.
Nesse sentido, eu quero reforçar e fazer algumas propostas que deveriam estar contidas em um relatório. Primeiro, eu acho que nós precisamos retomar os instrumentos de controle e participação social sobre a prestação de serviços públicos. O Conselho das Cidades foi desarticulado por este Governo, era um espaço importante de participação da sociedade.
Eu acho que nós precisamos retomar os investimentos públicos. Dizer que não tem dinheiro público para o setor público é uma falácia, na medida em que, se você faz uma breve busca no Google, vai ver o tanto de declarações dos representantes do BNDES, dizendo para o setor privado ficar tranquilo, porque não faltarão recursos do BNDES para a privatização. Ora, tem dinheiro do BNDES para a privatização e não tem dinheiro público para apoiar as ações de saneamento, por parte dos operadores públicos? Nós precisamos fazer esse debate com a sociedade.
Outra coisa, precisamos criar um programa de recuperação e revitalização dos operadores públicos de saneamento no nosso País, inclusive, condicionando que o aporte de recursos para esses operadores seja vinculado, Deputado, à melhora da performance dos operadores públicos. Eu não estou falando para fazer festa com dinheiro público. Vou repetir o que o Francisco disse, meu companheiro da ASSEMAE: nós precisamos criar um fundo...
Eu fiquei bravo, porque achei que tinha caído a Internet, que, aliás, é um serviço privado e vive nos dando problemas.
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Eu acho que nós temos que insistir nessa necessidade de suspender o corte por inadimplência. Nós precisamos suspender a cobrança de tarifa das populações em processo de vulnerabilidade.
Outra questão importante para dialogar com o que o Alexandre Pires trouxe é que nós precisamos suspender, Deputado Carlos Veras, os procedimentos operacionais que agravam a intermitência no abastecimento de água, como a redução de pressão na rede, por exemplo, que faz com que as periferias das grandes cidades também fiquem sem água, mesmo essas que estão conectadas às redes. Tem-se que rever esses procedimentos, e o companheiro da AESBE sabe o que eu estou dizendo aqui.
Por fim, eu acho que nós precisamos ter uma política, Deputado, de estender o acesso à tarifa social às famílias inscritas no CadÚnico.
Eu não sei se V.Exa. sabe, mas o setor elétrico já tem isso, e o setor de saneamento, não. Então, cada empresa estabelece uma política de acesso à tarifa social, que, muitas vezes, deixa de fora muitas pessoas que realmente precisam.
Nós estamos defendendo que as pessoas inscritas no CadÚnico sejam automaticamente inscritas nos programas de tarifa social.
E eu queria perguntar para o senhor, fazer uma consulta se seria possível algumas entidades, como das várias que estão nesta audiência pública, enviarem por escrito sugestões que pudessem corroborar com a elaboração de um futuro relatório por parte da Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Sr. Edson. O senhor pode, sim, enviar, inclusive no e-mail da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, todas as contribuições, que teremos a satisfação de imbuir as contribuições enviadas pelos senhores.
Então, como considerações finais — eu espero não ser repetitivo em relação a alguém que já tenha me antecedido —, eu queria enfatizar, voltando à questão da nossa referência, que é o relatório da ONU, para os direitos ao acesso à água e ao saneamento, que há outro elemento que nos é bastante caro dentro da abordagem da ONU.
Já me referi à questão da realização progressiva vertical e horizontal, mas é preciso lembrar também da aplicação dos máximos recursos disponíveis. A ONU recomenda que os Estados signatários dos direitos humanos respeitem, no que diz respeito ao acesso à água e saneamento, a questão da aplicação do máximo de recursos disponíveis.
(Risos.)
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Eu acho que nós, sociedade civil, agentes públicos, políticos, Estado brasileiro, precisamos refletir se temos mesmo atendido essa premissa, se temos prestado atenção nessa premissa de aplicação dos máximos recursos disponíveis. Eu acho que alguns desses números que aparecem nesse relatório que recebemos dizem que não. Os números mostram inclusive em que período da história recente brasileira o Estado brasileiro tem investido mais ou menos em saneamento.
Então, é preciso recuperar, como eu disse na primeira intervenção, a vontade do Estado brasileiro investir em saneamento. Mais do que isso: como salientou aqui o nosso representante da ONU Habitat, é preciso que estruturemos sistemas de governança mais bem estabelecidos. Nós temos, por exemplo, o SUS. Nós temos o sistema da assistência social muito bem estabelecido, com capilaridade, com mecanismos de financiamento de controle social, com capilaridade até a ponta, até o Município. O setor saneamento carece disso.
Nós não avançamos, infelizmente, desde o PLANASA até o PLANSAB, no aspecto de controle social, no aspecto de mecanismos de financiamento, de estabelecimento de fundos, e isso já foi dito aqui várias vezes. Nós não temos o fundo de saneamento estabelecido no País, nem em nível federal, nem em nível estadual, nem em níveis municipais. O setor saneamento, infelizmente, é tradicionalmente um pouco mais refratário aos mecanismos de controle social que precisamos também aprofundar. Esta questão já está mais bem resolvida em outros setores, como nos que eu citei, o setor saúde e o setor da assistência social. Então, nós precisamos avançar também nos mecanismos de governança.
Se é bem verdade o que o nosso Secretário Nacional de Saneamento pontuou, que essa é a lei hoje vigente e que esse é o marco regulatório que nós atuaremos, é preciso também estabelecer mecanismos de proteção social, já que, na nossa leitura, esse novo marco regulatório não vem no sentido da proteção social. Então, é preciso que estabeleçamos contrapontos. Um deles já foi apontado pelo Edson, e eu queria reforçá-lo. Além desse que eu falei do fundo, de ampliar mecanismos de controle social, é preciso que nos atentemos para o fato da tarifa social.
Nós no ONDAS temos nos debruçado bastante sobre isso. É preciso que estabeleçamos diretrizes nacionais para o estabelecimento de tarifação social que tenha realmente alcance social e que cumpra realmente o pressuposto da proteção social. Eu acho que, mais do que isso, precisamos aprofundar o debate da estrutura tarifária com a qual nós vamos conviver nessa nova realidade imposta pelo novo marco regulatório. É preciso que estabeleçamos mecanismos de tarifação com justiça distributiva embutida nos mecanismos de cobrança e mecanismos de proteção social mais abrangente por meio da tarifa social.
Então, eu concluiria apontando esses três eixos também que nós precisamos prestar bastante atenção: os mecanismos de governança, de controle social, de justiça distributiva embutida na tarifação, e de tarifa social, talvez com diretrizes nacionais que garantam efetivamente alcance e proteção social num ambiente que, a nosso ver, tende a aprofundar as mazelas, as iniquidades no acesso ao direito à água e ao saneamento.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Obrigado, Rafael.
O SR. ALEXANDRE PIRES - Peço desculpa ao Deputado e aos demais, mas eu queria fazer uma referência neste debate, porque eu trouxe para essa nossa construção toda uma reflexão em torno da importância do programa de cisternas, da questão do saneamento e do abastecimento das populações rurais difusas, sobretudo da região semiárida, considerando que nós estamos falando da agricultura familiar e camponesa, mas, dentro dessa perspectiva, eu quero fazer um recorte que eu acho muito importante que o relatório leve em consideração, que é o atendimento às populações quilombolas e às comunidades indígenas.
Esses segmentos da nossa sociedade que compõem a nossa realidade camponesa são constituídos por milhares de famílias espalhadas pelo Brasil. No território do Semiárido brasileiro, nós temos pelo menos 45 etnias indígenas e mais de 3 mil comunidades quilombolas.
É importante, quando discutimos o acesso à água como um bem comum, como um direito da população e da sociedade brasileira, que, num primeiro momento, reconheçamos a necessidade de reparação, garantindo o acesso à água a esses povos tradicionais, os quilombolas e os indígenas, sobretudo como uma ação, como uma política de reparação do Estado brasileiro à ausência de políticas afirmativas de cuidado e de proteção a esses povos tão importantes na formação da sociedade deste País.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. PT - PE) - Muito obrigado, Alexandre. É uma contribuição importantíssima essa que você traz agora no final. Realmente, não poderíamos sair daqui sem deixar essa questão bem clara e com essa ponderação importante, porque essa questão de reparação inclusive aos povos tradicionais é essencial, é importante, e tem que ser balizadora inclusive de todas as nossas lutas.
Eu quero, em nome da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, agradecer pela parceria ao Observatório da ONU; agradecer profundamente a participação de todos vocês, a valiosa contribuição a esta Comissão nesta audiência pública. Agradeço muito a cada um e a cada uma dos senhores.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente audiência pública, antes convocando para as seguintes reuniões: audiência publica sobre violência contra Vereadores e Vereadoras, na próxima quarta-feira, dia 16 de junho, às 13 horas; audiência pública para tratar das recomendações sobre direito das pessoas LGBTQIA+, que ocorrerá por teleconferência na próxima sexta-feira, dia 18 de junho, às 9 horas.
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