3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Legislação Participativa
(Audiência Pública Ordinária (virtual))
Em 23 de Abril de 2021 (Sexta-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Bom dia a todos, todas e todes.
Eu sou o Deputado Federal Waldenor Pereira, eleito pelo Partido dos Trabalhadores do Estado da Bahia, atual Presidente da Comissão de Legislação Participativa.
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública destinada a debater a revogação da Lei de Segurança Nacional e os crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Ressalto que a presente audiência decorre da aprovação do Requerimento nº 13, de 2021, de autoria da Deputada Talíria Petrone, do PSOL do Rio de Janeiro.
Gostaria de cumprimentar a todos os colegas Parlamentares, em especial a nossa colega, a destemida, competente e combativa Deputada Talíria Petrone. Quero saudar os nossos convidados palestrantes e agradecer-lhes a presença, assim como cumprimento e saúdo todos que nos acompanham pelas redes sociais.
Informo que este evento está sendo transmitido via Internet e o vídeo pode ser acessado pela página da Comissão de Legislação Participativa, no site da Câmara dos Deputados, pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube e também pelo e-Democracia.
Meus senhores e minhas senhoras, a Comissão de Legislação Participativa é uma Comissão diferente das demais Comissões Permanentes do Congresso Nacional. Ela foi criada há 20 anos — tendo como primeira Presidente a extraordinária Parlamentar Deputada Luiza Erundina — com o intuito de fortalecer a democracia representativa em crise em todo o mundo. Hoje, no Brasil, em razão da forte influência do poder econômico nas eleições, nós convivemos com a super-representação das classes mais abastadas, mais ricas, e a sub-representação das classes populares. Portanto, a CLP tem como objetivo constituir-se como uma porta, como uma janela para acolher sugestões e demandas da sociedade organizada, especialmente dos movimentos sociais. A CLT é como uma ponte entre o Parlamento brasileiro e a sociedade organizada. Ela também é palco de importantes debates e discussões sobre os principais problemas que afligem o País.
Portanto, eu parabenizo a colega Deputada Talíria Petrone pela iniciativa de realizar esta audiência para tratar da revogação da Lei de Segurança Nacional, um entulho da ditadura militar. Na verdade, essa lei está presente na vida nacional desde a década de 30, ainda no Estado Novo. Ela persistiu em todas as Constituições. E nós estamos subordinados à Lei nº 7.170, de 1983, a última que trata da segurança nacional.
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Encontram-se em tramitação na Câmara dos Deputados várias proposições legislativas, mas o Presidente da Câmara decidiu pautar o Projeto de Lei nº 6.764, de 2002, que retoma a discussão sobre a revogação dessa lei, que foi criada com a clara intenção de perseguir os opositores dos regimes vigentes em diferentes épocas da nossa história política. O requerimento de urgência foi aprovado no último dia 20. É mais do que pertinente a realização desta audiência pública para tratarmos dessa questão tão cara ao Estado Democrático de Direito no País.
Portanto, é com satisfação que vou passar a direção dos trabalhos para a autora do requerimento, a Deputada Talíria Petrone. Antes, porém, peço permissão à Deputada Talíria para destacar que hoje, dia 23 de abril, se comemora o Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor. Eu sou Vice-Presidente de Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, da Leitura e da Escrita, que tem como Presidente a nossa colega e também extraordinária Parlamentar, Deputada Fernanda Melchionna. Homenageio este dia destacando meu conterrâneo, o extraordinário poeta Castro Alves, que disse, em uma de suas mais belas poesias: "Bendito o que semeia livros à mão cheia e manda o povo pensar".
É com muita satisfação que eu passo agora a direção dos trabalhos para a autora do requerimento, minha colega Deputada Talíria Petrone.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Obrigada, Deputado Waldenor Pereira, que é muito combativo à frente desta Comissão, um dos principais elos desta Casa com a sociedade civil, com o povo. É um importante espaço de escuta do povo brasileiro.
Deputado Waldenor, entidades presentes, Deputados e Deputadas, considero esta audiência pública muito importante no cenário que estamos vivendo. Eu não vou demorar, pois há muitas entidades para ouvir, mas queria fazer algumas considerações rapidamente.
Sabemos que a Lei de Segurança Nacional, mais recentemente, tem sido usada de forma sistemática para perseguir e criminalizar movimentos sociais, para incidir sobre a liberdade de expressão. Aliás, foi para isso que ela foi criada na sua última versão, em 1983. Um entulho da ditadura como esse precisa ser revogado. Esse é um consenso entre nós. É uma lei baseada na lógica do inimigo interno fruto da Guerra Fria, feita na sua essência para silenciar os críticos. Ela fere, portanto, preceitos fundamentais da Constituição de 1988, seja o pluralismo político, seja a liberdade de expressão.
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Sabemos que o Supremo discutirá, nas próximas semanas, a revogação de alguns dispositivos dessa lei. Nós entendemos que é papel do Congresso Nacional fazer essa justiça histórica e fortalecer a democracia brasileira, tão frágil e recentemente tão fraturada.
Mas o que vem no lugar da Lei de Segurança Nacional? Como bem disse o Deputado Waldenor, o entulho da ditadura. Sabemos que qualquer matéria pode afetar diretamente as liberdades fundamentais, pode incidir sobre a criminalização de condutas e trazer o debate da democracia em si. Ela demanda um debate amplo, plural e prévio. Trata-se de prévia consulta à sociedade civil, porque ela vai afetar diretamente direitos civis, políticos, liberdade de associação e de protesto.
Portanto, quero saudar este nosso espaço coletivo.
Tivemos uma primeira reunião com a Relatora, a Deputada Margarete Coelho — acho que já entrou na audiência —, na qual foram ouvidas algumas entidades. Mas esta audiência pública é o primeiro espaço institucional para a escuta da sociedade civil. Se não me engano, é a décima versão da matéria. Houve alguns avanços, foram retirados os dispositivos que tratam de incitação à guerra civil e de terrorismo. Então, chegou-se a algum avanço, mas ainda é preciso avançar mais nesse texto. Os representantes da sociedade civil, Deputado Waldenor, têm denunciado e trazido algumas questões, tais como alguns tipos penais abertos e como o tipo de espionagem pode levar à criminalização de movimentos sociais. O próprio dispositivo que trata de insurreição, embora já tenha sido feita ali alguma alteração nesse aspecto, também tem penas muito altas. Ainda se trabalha com a lógica da permanência de um inimigo interno, que é essência da Lei de Segurança Nacional.
Enfim, que hoje seja um espaço para a discussão disso.
Agradecemos demais a cada entidade, a cada representante da sociedade civil. Que consigamos hoje, no diálogo com a Relatora, no diálogo com a Casa, incidir sobre esse texto. Entendemos que não é possível votarmos como temos votado. A Relatora, Deputada Margarete, tem sido muito aberta à escuta dos movimentos, mas, infelizmente, nesta Casa, temos votado muitas matérias de forma "tratorada", muito apressadamente. São matérias que, muitas vezes, demandam uma escuta atenta e profunda, a fim de que, ao revogarmos uma lei, não construamos outra no lugar dela que vai seguir sendo um instrumento de perseguição política ou de criminalização dos movimentos sociais. Não é isso o que queremos.
Termino com essas palavras. Sabemos que a democracia brasileira é frágil e incompleta. Nunca se chegou plenamente a territórios de favela, de periferia, das quebradas brasileiras, mas nosso desejo é aperfeiçoar, aprofundar, radicalizar, no melhor dos sentidos, a democracia brasileira.
Espero que tenhamos um bom encontro hoje.
Eu não sei se a Deputada Margarete já chegou.
A SRA. MARGARETE COELHO (Bloco/PP - PI) - Estou aqui, sim, desde o princípio.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Então, passo a palavra à Deputada Margarete Coelho, agradecendo a S.Exa. a presença, e, em especial, a cada representante da sociedade civil.
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A SRA. MARGARETE COELHO (Bloco/PP - PI) - Eu gostaria de agradecer muitíssimo este espaço de discussão. Para mim, é sempre um privilégio debater com a sociedade civil organizada, com os movimentos sociais, com a academia. Vejo essas oportunidades como um grande acréscimo para o nosso mandato e para a nossa produção legislativa. Por isso, sempre começo as reuniões agradecendo o espaço de escuta e também os aportes, que, tenho certeza, virão e serão muito bem-vindos.
Permitam-me cumprimentar a todos por meio da Deputada Luiza Erundina, essa grande Deputada, que honra as mulheres. A luta dela é uma grande inspiração para nós, e a quem a nossa geração deve enormemente. Os mandatos e a militância da Deputada Luiza Erundina são um legado enorme para nós. Sejamos todas muito gratas por isso.
Quero cumprimentar a Deputada Talíria Petrone, que intermediou este encontro, a quem agradeço também a proximidade ao nosso mandato. Somos de espectros diferentes, mas, embora as nossas lutas tenham campos diferentes, elas são igualmente árduas. A vida para a mulher não é fácil, seja em que campo for que ela esteja. Aqui não tem moleza, é dureza sempre.
Primeiro, quero dizer que, ao trazer esse projeto de lei ao plenário, não há outra intenção que não seja a de revogar essa lei, que incomoda a todos, que envergonha o nosso sistema jurídico. O nosso espectro não permite mais esse tipo de legislação, que é extremamente antidemocrática, que coloca civis sob a jurisdição militar, que vê cidadãos como inimigos da Pátria, que tenta amordaçar os movimentos sociais, que criminaliza os movimentos sociais, que não dialoga absolutamente com a Constituição, que nos deixou como dever a votação de uma lei de defesa do Estado Democrático de Direito. É uma obrigação que temos relegado, que tem sido negligenciada e que fez parte do projeto de campanha do Presidente Arthur Lira. Portanto, não é matéria que foi içada de última hora para o debate.
O segundo ponto que eu gostaria de relevar é a questão da minha relatoria. O Presidente Arthur Lira e o Colégio de Líderes colocaram-me na relatoria desse projeto exatamente com o objetivo de promovermos esse debate com a sociedade civil organizada, com os movimentos, com os doutrinadores e com todos aqueles que, de uma forma ou de outra, possam ser impactados pelas regras e pelos mandamentos dessa lei. E assim tem sido feito. Temos trabalhado com a máxima abertura possível. Nenhuma vez saímos de uma reunião sem levar aportes dela. E eu gostaria de dizer que sempre saímos muito satisfeitos, porque nenhuma das sugestões acatadas, de alguma forma, desviaram-se do propósito inicial da lei. As sugestões são feitas sempre no sentido de fechar os tipos, de buscar uma dosimetria de pena, de conseguir contemplar, de não deixar nenhum vazio legislativo na matéria. Até o presente momento — e cito os partidos do espectro da Direita, os partidos do espectro da Esquerda, professores, acadêmicos —, os aportes sempre têm sido no sentido de melhorar a lei.
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Há uma questão que eu sei que incomoda os movimentos, incomoda os pesquisadores, principalmente os que estão hoje nesta sala: a questão da urgência. A urgência fez-se necessária não no sentido de se votar apressada e açodadamente a lei, mas porque realmente temos quatro ADPFs de vários partidos políticos. A quarta delas são de autoria de seis ou sete partidos políticos, todos pedindo a revogação dessa lei.
Se o Supremo declara a lei totalmente não recepcionada pela Constituição, nós vamos ter um vazio legislativo e correr um risco enorme, porque há regras que são necessárias. Há ali um entulho autoritário, mas há também regras que necessariamente devem permanecer no ordenamento jurídico pela importância que elas têm para a defesa da nossa soberania e do Estado Democrático de Direito, embora venham da doutrina da segurança nacional da época da Guerra Fria. Se, do contrário, o Supremo revoga alguns tipos e deixa outros, dando-lhes interpretação conforme a Constituição, nós vamos ter uma enorme insegurança jurídica com determinados tipos penais, podendo ser utilizados conforme o aplicador da vez, o que gera também grande insegurança jurídica.
O cenário que nós temos é o da Lei de Segurança Nacional, um entulho autoritário sendo aplicado. Essa pesquisa não é nossa, mas eu vi alguns noticiosos anunciarem quase 300% a mais de utilização dela. Temos visto isso, sendo usada por um lado e por outro, e o risco de termos tipos penais recebendo interpretação conforme. Então, não é um cenário tranquilo, não é um cenário fácil. Como também não é um cenário tranquilo, não é um cenário fácil votarmos essa lei sem cumprir o acordo que nós fizemos com o Supremo de não votá-la enquanto a Casa estiver deliberando. Portanto, há um acordo de cavalheiros, um acordo institucional nesse sentido.
De outro lado, nós temos o caso em que uma Senadora copiou completamente o nosso substitutivo de número sete, tendo em vista que, a cada reunião, a cada audiência, nós trazemos pequenos aportes e apresentamos novas versões. E essas versões, eu gostaria de dizer isso para os senhores e para senhoras, são sempre publicizadas. Nós não estamos com o texto embaixo do braço, alterando aqui, alterando ali, para, de repente, aparecer com ele aqui como em um passe de mágica. Cada texto que se altera é publicizado, porque, às vezes, pode vir uma alteração para pior, com efeito colateral ruim. Estamos fazendo questão de deixar tudo muito claro.
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Com relação ao tempo, cronologicamente falando, eu gostaria de dizer que nós não estamos começando esse debate do zero. Esse debate está sendo posto para a sociedade desde 2002. O projeto de lei que encabeça esta discussão — o projeto do Deputado Hélio Bicudo é o mais antigo e, por isso, os demais estão apensados a ele — e foi escolhido pela relatoria é exatamente o Projeto de Lei nº 6.764, de 2002, de autoria do Poder Legislativo. Na época, havia um Ministro altamente ligado aos movimentos sociais.
O debate está posto, o debate está maduro. O texto é fruto desse debate, porque tem sido construído com os atores desse debate. Entretanto, claro que sempre podem vir mais aportes.
Eu gostaria de dizer que esta já é a vigésima reunião que nós fazemos, desde mensagerias, plataformas, vários setores da academia, professores renomados, institutos que trabalham só com direito criminal, como o IBCCRIM, que, inclusive, fez um seminário, se não me engano, de 3 dias, debatendo essa lei, do qual participei em 2 dias. Enfim, o diálogo tem sido muito franco, muito aberto, muito sincero e muito proveitoso.
Da minha parte, o debate continua aberto. Eu depositei ontem a última versão, a décima, Deputada Talíria Petrone. Nós tínhamos ido até à décima primeira e voltamos para a nona, depois de uma conversa com o ex-Ministro da Justiça da época, que realmente trouxe muitos aportes. Dialogamos muito com o Ministro Barroso, que foi um dos autores desse projeto de 2002. Enfim, continuamos abertos. Nós depositamos esse texto no sentido de lhe dar estabilidade e, a partir daqui, já podermos trabalhar outro aspecto. Não quer dizer que ele chegue ao plenário dessa forma. Pode ser que hoje nós tiremos outros aportes e nos encontros próximos que ainda teremos, até o dia 4, que foi o dia acordado, principalmente com os partidos da Esquerda — votaríamos, na terça-feira, a urgência e, no dia 4, o mérito. Enquanto isso, o texto está em construção. Não tenho apego a ele. O que tenho apego é à ideia de uma boa lei em defesa do Estado Democrático de Direito.
Preciso dizer aos senhores que vou embarcar às 10h25min e preciso me deslocar, mas toda a nossa consultoria está presente à reunião. Eu gostaria de elogiá-la pela qualidade. É a consultoria da Câmara, extremamente experiente em todos os aspectos dessa legislação. Ela está atenta e tem o intuito, nos momentos em que eu estiver fora, de fazer as anotações e me passar o relatório.
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Deputada Talíria, não sei se está havendo gravação, mas, se estivermos fazendo a transmissão a partir de algum dos plenários da Casa, pensei na possibilidade de esta nossa audiência ser gravada. Meu voo dura 1 hora e 50 minutos, e eu já me certifiquei de que a aeronave em que vou tem wi-fi. Eu não conseguirei participar por meio do vídeo, mas eu vou tentar pelo menos acompanhar o debate.
Eu agradeço muitíssimo, mais uma vez, a oportunidade de dialogar com pessoas como as que eu estou vendo em minha tela do celular. Cito a Carol Proner, do Coletivo Prerrogativas, por quem tenho enorme carinho e por cujo trabalho tenho grande admiração. Tenho também um carinho enorme pelo Prerrogativas. Vejo também aqui o Desembargador Marcelo Semer; o Gabriel Sampaio, um parceiraço, sempre presente em todas as nossas dificuldades com essas leis mais conflituosas, a quem agradeço muitíssimo; o queridíssimo amigo Everaldo Patriota, que foi meu colega de Conselho Federal da OAB; e o Juarez Cirino dos Santos, jurista renomado, que tem aportes interessantíssimos para todos nós que seguimos a matéria. Para mim é muito gratificante esse diálogo com os senhores. Eu vou ouvi-los atentamente.
Deputada Talíria, V.Exa. consegue pedir à Secretaria da Comissão que grave esta audiência?
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Com certeza, Deputada Margarete.
Pelo que eu fui informada pela nossa assessoria, as audiências ficam sempre gravadas, mas eu reforço o pedido, para que este momento de escuta fique registrado e a Relatora possa, depois, utilizá-lo para as novas versões dos textos.
A SRA. MARGARETE COELHO (Bloco/PP - PI) - Eu vejo também na minha tela a Subprocuradora Ela Wiecko. Eu estou aqui no meio dos meus heróis e heroínas. Eu vou parar de falar para ouvi-los. Eu vou aproveitar o tempo que tenho aqui para ouvir cada um. Deputada Talíria, parabéns pelo time que organizou. Vejo também a Bruna. Estamos sempre nos encontrando, não é Bruna? É um prazer revê-la.
Muito obrigada a todos.
Desculpem-me por ter me alongado, mas foi no sentido de demonstrar essa boa vontade. Não há aqui ninguém com ideia fixa em texto, em absolutamente nada. O que nós queremos é uma boa lei. Só peço ajuda para que nós façamos essa boa lei e não percamos a oportunidade em que o Parlamento está disposto a votar. Nós vivemos tempos muito tumultuados. O que é hoje amanhã já não é. Então, eu só faço esse alerta para este momento em que há grande boa vontade de votar. Vamos fazer um texto bom, que não seja o da preferência de nenhum de nós, mas que seja o melhor que consigamos fazer.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Deputada Margarete, pela sua constante disposição de escutar e incorporar sugestões apresentadas nas reuniões.
Eu vou passar a palavra agora para os representantes das entidades e da sociedade civil. São muitas pessoas para escutar. Vamos conceder um tempo de 7 minutos para cada exposição, a fim de que consigamos escutar o conjunto de pessoas que estão aqui.
Tenhamos um bom encontro!
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Passo agora a palavra ao Sr. Rafael Borges, Presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB do Rio de Janeiro e Diretor do Instituto Carioca de Criminologia. (Pausa.)
A SRA. MARGARETE COELHO (Bloco/PP - PI) - Deputada Talíria Petrone, desculpe-me por interromper mais uma vez.
É só para dizer o seguinte: enquanto eu não estiver presente, em virtude do meu voo, os consultores estarão aí. Nós preparamos um quadro comparativo bem detalhado. Os questionamentos podem ser feitos, porque nós nos organizamos para esta audiência pública, colocando cada ideia, de onde veio, quem sugeriu, por que sugeriu, qual a finalidade.
No momento do voo, eu também posso responder pela caixa de mensagens, só não posso falar. Mas os consultores, repito, estão aí. Por favor, fiquem à vontade para inquiri-los, para pedir explicações, porque eles estão bem preparados para isso.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Está ótimo! Se necessário, abriremos a palavra para eles. E iremos trocando ideias ao longo da manhã.
Obrigada, Deputada Margarete.
Tem a palavra o Sr. Rafael Borges.
O SR. RAFAEL BORGES - Quero dar bom dia a todos.
Faço um cumprimento à Deputada Margarete Coelho pela condução tão democrática e participativa do processo de construção dessa lei.
Queria cumprimentar também o grande amigo Gabriel Sampaio, saudoso, assim como todos os presentes aqui, professores, pessoas queridas e companheiros de caminhada.
Registro que estou aqui na condição de representante do Instituto Carioca de Criminologia e da Comissão de Segurança Pública da OAB. Curiosamente, também integro o Grupo Prerrogativas, como a Carol Proner, a Estela Aranha e tantos outros que estão aqui presentes. Isso é motivo de bastante orgulho para mim.
Em tempos de debates tão maniqueístas, do bem contra o mal, é muito claro que uma lei pouco rígida e com tipos penais abertos seja um caminho mais curto para a utilização do direito como um instrumento de enfrentamento às divergências políticas. Aliás, é esse o uso histórico que a Lei de Segurança Nacional tem no Brasil, seguramente, desde a década de 70, mas, talvez, desde muito antes disso, leis com esse jaez venham sendo usadas com a finalidade de enfrentar divergências políticas.
Agora, eu queria fazer uma fala bastante pragmática, porque já há um substitutivo construído pela Deputada, construído pelo Parlamento, que vai ser submetido. E eu queria fazer, sim, intervenções muito pontuais aos tipos que estão colocados ali na perspectiva de contribuir, porque, como a Deputada Margarete Coelho colocou muito bem, o processo já está um tanto quanto avançado. Não adianta também rediscutirmos as bases da lei, se o debate está sendo açodado, se não está, se era hora, se não é. Já há um texto apresentado.
Minha ideia aqui é contribuir pontualmente com algumas questões que eu identifiquei no substitutivo e que podem ser objeto de aperfeiçoamento.
Em primeiro lugar, eu senti falta no substitutivo de um dispositivo geral, tal e qual, inclusive, existe na lei de 1983, que preveja como requisito um elemento subjetivo do tipo. Exigir que o crime da Lei de Segurança Nacional, o crime de defesa do Estado de Direito, só possa ser praticado se há ali uma finalidade política específica de destruir aquele Estado de Direito é um requisito importante para fins de reduzir a incidência da norma.
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Eu sei que há em alguns tipos específicos a previsão da finalidade, a previsão do tipo subjetivo, mas em outros não há. Se criássemos uma norma geral, digamos assim, interpretativa, tal e qual existia inclusive na lei de Getulio, de 1953, no art. 37, talvez esse problema estivesse resolvido. Seria um dispositivo geral que previsse motivação, objetivo e exigência de lesão real ou potencial a bem jurídico. Aliás, ter na lei também, de forma explícita, o conjunto de bens jurídicos que ela pretende proteger, seria uma forma interessante de reduzir o seu campo de incidência. Uma lei de defesa do Estado Democrático de Direito há de existir para defender, para proteger valores da Nação, da humanidade, a soberania, a integridade territorial do Estado, a forma de governo representativo, liberdades políticas e cidadania, e acesso a direito nacional. Talvez, também, uma norma que especificasse os bens jurídicos que estão sendo mirados pela lei seria uma forma de reduzir o seu campo de incidência e impedir que agentes da militância e movimentos sociais sejam criminalizados por dispositivos presentes ali.
Há uma questão que me preocupa muito nessa lei, que são algumas escalas penais. Algumas delas, com todo o respeito, estão flertando com a inconstitucionalidade, sobretudo em razão do desrespeito ao princípio da individualização judicial da pena. Está aqui o queridíssimo Desembargador Marcelo Semer que não me deixaria mentir. O princípio da individualização judicial da pena tem base constitucional. O juiz tem que ter uma escala penal de tal forma que ele consiga, com base no art. 59 e em outras circunstâncias, fixar a reprimenda penal mais adequada para aquele caso concreto. Existem aqui escalas penais que vão de um número apenas até o seu dobro. Por exemplo, uma escala penal de 4 a 8 anos, como é (falha na transmissão), é uma escala penal de 1 ano a 2 anos, não é uma escala penal igual a 2 anos ou a 4 anos. O espaço de incidência para a atividade da individualização da pena pelo juiz que julgar aquele caso é muito curto. Isso lembra um pouco a Lei Serra, que tinha alguns dispositivos com espaços de 10 anos a 15 anos, por exemplo, mais curtos ainda. Nessa lei, há outras escalas penais com espaço para aplicação da individualização da pena muito curto também. Isso é motivo de bastante preocupação.
Penso também que no tipo penal de golpe de Estado, que é importante estar aqui, é preciso incluir que a violência utilizada como meio ao crime de golpe de Estado há de ser mediante uso de arma. Violência é um termo que comporta uma definição muito abrangente no direito penal brasileiro. Portanto, exigir ali a presença de violência armada também seria uma forma bastante interessante de reduzir o campo de incidência dessa norma.
Há aqui outra questão que me preocupou um pouco também. Ela está no art. 359-R. Eu tenho certeza de que sobre isso a Estela Aranha falará muito melhor do que eu, porque ela é expert na matéria. Mas há duas coisas que me preocupam aqui: primeiro, houve uma equiparação entre qualquer dos Poderes legitimamente constituídos e o Ministério Público. Ministério Público é parte integrante do Poder Executivo. Essa equiparação de Ministério Público e outros Poderes legitimamente constituídos é ruim por vários motivos. O primeiro deles é porque desrespeita o princípio da simetria constitucional. Se há de se colocar o Ministério Público aqui, também tem que colocar a magistratura, também tem que colocar a Defensoria Pública, também tem que colocar a advocacia. Isso aqui é pouco técnico e cria uma equivalência que não é bem-vinda para este momento. Inclusive, o Ministério Público tem dado demonstrações de que ele, talvez, hiperempoderado, seja um elemento de desequilíbrio do Estado Democrático. Isso aqui me preocupa.
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Preocupa-me também a criminalização de divulgação de fatos inverídicos. E aqui eu vou ser muito rápido, já concluindo mesmo. Em uma democracia não existe uma verdade de Estado. Ao juiz, ao Poder Judiciário não é dado o direito de dizer se determinada narrativa histórica sobre um fato é rigorosamente verdadeira ou é rigorosamente falsa. Quem é dono da verdade são os seus intérpretes. Se essa mentira for uma mentira ofensiva, já há no Código Penal espaço para a criminalização dessa mentira. Se queremos criminalizar isso aqui por conta do disparo em massa, da força, do potencial que essa informação tem de influenciar, por exemplo, um processo eleitoral, nós precisamos pensar em um tipo que respeite o espaço da liberdade.
É claro que, quando pensamos aqui no crime de fake news ou algo semelhante, o que vem à nossa cabeça são exemplos muito pitorescos, como vimos, inclusive, na eleição de 2018. Mas há de se pensar que na vida prática os exemplos podem ser mais tênues. Nem sempre a diferença entre a verdade e a mentira é tão clara assim. Então, preocupa-me muito que essa locução de fatos que se sabe inverídicos induza o juiz à posição de alguém que está ali colocado para dizer o que é verdade e o que é mentira relativamente a um fato.
É isso. Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Obrigada, Rafael.
Passo a palavra para a Sra. Bruna Martins, da Coalizão de Direitos na Rede.
A SRA. BRUNA MARTINS DOS SANTOS - Bom dia a todos e todas. Eu gostaria de cumprimentar também os Parlamentares, por meio da Deputada Talíria Petrone, autora do requerimento para a realização desta audiência no dia de hoje, e da Deputada Margarete Coelho, Relatora desse projeto de lei. Faço coro com a Deputada Margarete quando diz que está junto com colegas, heróis, pessoas que são bastante representativas na nossa luta e carreira. Então, sinto-me muito honrada de participar desta audiência hoje.
Eu represento a Coalizão de Direitos na Rede, um coletivo de 45 entidades da sociedade civil e da academia que tem trabalhado na defesa dos direitos digitais. O coletivo atualmente é composto por 45 entidades, e todas têm trabalhado em pautas como acesso à Internet, liberdade de expressão, privacidade e proteção de dados pessoais.
Partindo já para a minha intervenção, quero começar dizendo que nos últimos anos nós temos presenciado, de fato, esse uso desenfreado da Lei de Segurança Nacional como ferramenta de intimidação e silenciamento. Casos recentes como o do influenciador Felipe Neto ou do ex-candidato à Presidência da República Guilherme Boulos demonstram que a legislação em vigor é de fato antiquada e problemática, trazendo a tipificação de crimes que podem ser facilmente apropriados por autoridades que buscam controlar críticas legítimas a seu respeito. Uma vez que o fortalecimento da democracia e das instituições democráticas inclui também o reconhecimento de críticas e vozes dissonantes, a tendência de criminalização da liberdade de expressão presente na Lei de Segurança Nacional não deveria ter lugar em uma legislação que se dedica a proteger o Estado Democrático de Direito.
Da mesma maneira, em se discutindo essa dita proteção do Estado Democrático de Direito, a Coalizão de Direitos na Rede acredita que ela poderia estar baseada não somente na doutrina de segurança nacional e do direito penal. Esse texto poderia trazer também diretrizes que fortaleçam e detalhem os princípios da Constituição que fundamentam a democracia brasileira, e evitem, eventualmente, também, incidir na criminalização de movimentos sociais e da sociedade civil organizada. Para nós, o fato de o substitutivo ainda precisar resguardar questões como o direito de manifestação crítica aos Poderes constituídos ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas é um fator que denota que o texto merece uma abordagem diferente ou pode ter uma abordagem aprofundada nessa parte dos princípios e guias, das orientações para a defesa.
Iniciando nossos comentários sobre o texto do substitutivo, eu gostaria de cumprimentar a Deputada pela abertura para o diálogo com diferentes setores da sociedade civil. Outro ponto que merece destaque aqui é a não internalização da discussão de artigos como o art. 26 da LSN, que trata da possibilidade de prática de calúnia ou difamação contra o Presidente da República. Aqui nós entendemos que também é uma tentativa de se evitar que o direito penal continue sendo utilizado com a nítida finalidade de controlar o pensamento crítico ou a simples realização de juízo de valor contra agentes públicos.
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Na visão da Coalizão, questões tecnológicas não podem ser utilizadas como brecha para extrapolar o escopo da lei para casos banais, que atinjam condutas que não tenham gravidade suficiente para colocar em risco a estabilidade da nossa ordem constitucional. Alguns dos tipos penais sobre temas de tecnologias presentes nesse substitutivo criam brechas para criminalizar essas atividades no campo de segurança da informação, whistle-blowers, o exercício da atividade jornalística ou até o ativismo digital de maneira geral. Nesse sentido, nós entendemos que as penas propostas para condutas como tipo de espionagem, comunicação enganosa em massa ou sabotagem possuem um impacto problemático, ao passo que lidam com questões como cibersegurança também, que poderiam ser mais facilmente resolvidas com a facilitação de um sistema robusto de proteção de usuários da Internet e resiliência do sistema de informação.
Também vale pontuar que, ante esse efeito irreversível na vida dos atingidos pelo sistema de justiça criminal e as assimetrias presentes no funcionamento desse sistema, a expansão dessas criminalizações deveria ser utilizada de fato como última medida possível, sempre de maneira minimalista e restrita a casos de gravidade que já não estejam cobertos pelos enquadramentos penais existentes. Aqui vale destacar a recomendação de relatórios da ONU e da OEA sobre liberdade de expressão que determinam que qualquer restrição a esse direito deve respeitar uma espécie de teste tripartite, ou seja, deve estar prevista em lei, buscar uma finalidade legítima reconhecida pelo direito internacional, ser necessária e proporcional para alcançar a finalidade desejada. Só assim entendemos que poderemos evitar que as restrições colocadas no texto não vão acabar por gerar mais danos do que benefícios para o funcionamento da nossa dita sociedade democrática.
Partindo também para comentários sobre alguns dos tipos penais, eu queria começar destacando o tipo de espionagem. Ao tornar crime a divulgação de documentos secretos ou ultrassecretos, o entendimento é de que o documento acaba cerceando atividades como a dos chamados whistle-blowers ou a atuação de informantes que possam denunciar irregularidades ou práticas ilegais de agentes públicos contra a administração pública ou o meio ambiente. Nomes como Daniel Ellsberg, Chelsea Manning, Edward Snowden e Julian Assange ficaram conhecidos nos últimos anos por tornarem públicas informações classificadas ou de acesso restrito que denotavam práticas de violação de direitos humanos ou práticas ilegais do Governo norte-americano, em função de um interesse público vislumbrado nessa divulgação.
A respeito do tipo penal de espionagem, entendemos que deveríamos evitar a criminalização desse tipo de divulgação e dessa conduta, que é a revelação de segredos que causem dano ao Estado de Direito, ou evitar punir a divulgação democrática de informações de interesse público. Especialmente em um Estado como o nosso, que abusa de recursos como a classificação de documentos, o tipo penal pode ser um incentivo direto para a subversão dos princípios presentes na Lei de Acesso à Informação e na Constituição Federal, e acabar restringindo e criminalizando também a atividade jornalística ou de movimentos sociais que realizem denúncias de irregularidades para parceiros governamentais.
Por fim, eu diria também que exemplos recentes, como listas de detratores e dossiês de policiais antifascistas, são também mapeamentos que não estariam diretamente ligados a violações de direitos humanos, mas que, a partir da sua divulgação, revelam práticas de vigilância estatal desproporcional por parte do Poder Executivo. Esse também é um tipo de divulgação que pode ser necessária.
Passando para o tipo de comunicação enganosa em massa, vale pontuar que o texto em análise também oferece a criminalização desproporcional de uma conduta que pode ser relativamente banal de compartilhamento de mensagens.
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A falta de acurácia no tipo penal proposto gera dúvidas e acaba tratando de práticas que podem não representar ameaças diretas ao Estado Democrático de Direito, uma vez que o texto trata de disparos de maneira generalizada; não delimita o que pode ser um fato sabidamente inverídico ou o agente responsável por defini-lo como tal; ou ainda o que podem ser esses fatos inverídicos que colocam em risco o livre exercício de qualquer dos Poderes legitimamente constituídos e do Ministério Público.
Também vale pontuar que redações semelhantes à que nós estamos discutindo hoje foram previamente rechaçadas no texto do Projeto de Lei das Fake News, o PLS 2.630/20, em função da desproporcionalidade, da ausência de parâmetros claros para delimitar a conduta de atores e também por conta dos riscos de cerceamento da liberdade de expressão.
Nesse cenário, vale também pontuar que o Brasil, um País que ainda enfrenta desafios na garantia de acesso à Internet e onde 59% das pessoas têm acesso à Internet somente pelo celular, nós enfrentamos limitações como falta de renda para contratação de planos e impossibilidade de acesso, o que reduz a possibilidade de as pessoas consumirem notícias e saberem de fatos por Whatsapp, por aplicativos de mensageria.
Ante a esse cenário e também assim como apontado no debate das fake news, destacamos o risco de real criminalização de usuários da Internet, que, em sua maioria, detêm menos conhecimento acerca das ferramentas digitais e acabam compartilhando conteúdos cuja veracidade é desconhecida.
Eu prometo que eu vou concluir, mas eu só queria fazer dois outros apontamentos.
Há também um temor que a Coalizão compartilha sobre a possibilidade de os tipos penais incentivarem o crescimento de aparatos de vigilância de Estado. E aqui vale destacar que a vigilância exerce esse impacto de forma desproporcional na liberdade de expressão de grupos vulneráveis, inclusive raciais, de minorias religiosas, étnicas, de gêneros e sexuais, membros de partidos políticos e outros também. Além disso, o emprego de tecnologia e práticas de coleta massiva de dados pessoais no Brasil são práticas de um Estado que assumiu, nos últimos anos, características autoritárias e permitem a consolidação de práticas de vigilância e criminalização do discurso, a ponto de comprometer a segurança das nossas atividades.
Algumas das criminalizações que nós estamos discutindo neste texto vão na contramão de recomendações internacionais e de declarações de Relatores da ONU e da OEA que reforçam o papel dos Estados de garantir a liberdade de expressão de maneira irrestrita, evitar qualquer tipo de influência, repudiar manobras de governos para tentar suprimir dissidência e controlar comunicações públicas ou impor restrições das tecnologias que facilitam o exercício da liberdade de expressão.
Assim eu encerro.
Muito obrigada a todos pela oportunidade de trazer um pouco da visão da Coalizão Direitos na Rede desse tema.
Ficamos à disposição.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Bruna.
Passo agora a palavra ao Prof. Juarez Cirino, que é Professor Doutor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná.
O SR. JUAREZ CIRINO - Quero começar agradecendo o convite da Deputada Talíria Petrone, do PSOL do Rio de Janeiro.
Cumprimento a Relatora Margarete Coelho pela iniciativa e pelo comando desta mudança de uma legislação que precisa ser mudada.
A grande questão é por que revogar a Lei de Segurança Nacional ou por que o Supremo Tribunal Federal declarar a não recepção da Lei de Segurança Nacional, porque isso é, como disse a Deputada Talíria, um entulho autoritário. Aliás, é muito mais: eu já a defini como uma lei encharcada de sangue da juventude generosa do Brasil. Assassinatos, torturas, prisões ilegais foram cometidos em nome dessa lei. Essa lei deveria ter sido rejeitada há muito tempo e continua aqui, como uma excrescência, na legislação Brasileira.
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Na minha opinião, é uma lei que não foi recepcionada pela nova Constituição, mas o Supremo precisa fazer essa declaração. Existem no Supremo quatro ADPFs: uma do PTB, uma do Partido Socialista Brasileiro, uma do PSDB e outra conjunta do PSOL, do PT e do PCdoB. Algumas pedem que o Supremo declare a não recepção integral da lei e outras se limitam a alguns artigos. Eu acho que não há possibilidade de não recepção de alguns artigos, pois nem uma vírgula desse diploma deve persistir. Faz tempo que isso está lá, e o Supremo já deveria ter se manifestado sobre isso.
Aliás, nesse período, desde 1 ano após a promulgação da nova Constituição, o Supremo se manifestou vinte vezes sobre isso. E em todas as vezes ele poderia ter declarado essa lei como não recepcionada, mas limitou-se a citar a Lei de Segurança Nacional, a aplicar a Lei de Segurança Nacional ou a rejeitar a Lei de Segurança Nacional. Mas não disse se a Constituição de 1988 recepciona ou não essa lei. É preciso que, enfim, o Supremo também se decida sobre isso.
A Deputada Talíria disse que existe um acordo entre o Poder Legislativo e o Supremo quanto ao encaminhamento da questão. Evidentemente, essa é uma questão que precisa ser resolvida, porque existem problemas sociais reais trazidos por essa lei. Só nos anos de 2019 e 2020, 77 inquéritos policiais foram instaurados com base na Lei de Segurança Nacional. Em 2018, foram 19 inquéritos. A maioria desses inquéritos foi instaurada por críticas contra o Bolsonaro, o homem que está na Presidência da República. Temos casos conhecidos. O próprio MST já teve problemas com essa lei, e há ainda outros casos, como o do Adélio Bispo, o do Deputado Daniel Silveira.
Mas a questão é a seguinte: pode-se até achar que, por exemplo, no caso do Deputado, nada mais justo, porque, enfim, a atitude ele é absolutamente reprovável. Mas nós corremos o risco de legitimação judicial até pelo Supremo, porque a iniciativa de se legitimar essa lei, no caso do Deputado Silveira, foi do Supremo. Esse é o problema!
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Então, efetivamente, é urgente, mas não pode ser precipitada, a iniciativa da Câmara dos Deputados de aprovar uma lei que, no seu dispositivo, determine: “Fica revogada a Lei nº 7.170...”, a Lei de Segurança Nacional antiga. É uma iniciativa política da maior significação. É preciso tomar essa atitude — portanto, é urgente —, mas também isso não pode ser feito a toque de caixa. É preciso consultar a sociedade civil? É preciso sim consultar a sociedade civil, mas não pode ser uma consulta assim tão apressada, porque o grande problema aqui é que nós temos uma lei que define os crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Nós achamos que está tudo resolvido porque estamos falando no Estado Democrático de Direito, mas vivemos num País capitalista que está numa posição dependente e subdesenvolvida no plano internacional, subordinado ao grande capital financeiro, que nos escraviza e que nos extorque. Tudo que nós produzimos é para pagar a dívida externa. Então, eles nos impõem condições muito restritivas aqui no Brasil. Estamos falando de crimes contra o Estado Democrático de Direito. Nós corremos o risco de aprovar uma lei que defina crimes contra o direito do capital precisamente neste período do neoliberalismo globalizado em que vivemos.
Isso abrange uma questão democrática, quer dizer, a dimensão democrática desse conceito de Estado Democrático de Direito, a dimensão democrática desse direito. Nós poderemos criar um diploma legal que incida sobre as classes sociais subalternas, sejam as pessoas que estão inseridas no mercado de trabalho, sejam, especialmente, as que estão marginalizadas, fora do mercado de trabalho.
Eu vi algumas observações sobre essa questão dos tipos penais que temos aqui, e, realmente, há muitas coisas a dizer. O Rafael Borges falou de acrescentar um elemento de tipo especial, a exigência de uma lesão potencial ou real a bem jurídico e a questão do golpe de Estado. Há muitas questões. Como o sujeito pode dar um golpe de Estado, com violência ou grave ameaça, sem armas? É preciso colocar isso aqui.
Eu também concordo com o fato de que o Ministério Público não pode ser comparado aos Poderes da República. Ele é uma instituição extremamente importante. Mas, então, por que não incluir também a OAB? Por que não incluir outras associações, outras entidades, outros órgãos, como a ABI? Por quê? Não se explica esse destaque para o Ministério Público, embora seja uma grande instituição. Eu fico pensando o seguinte: a grande maioria do Ministério Público tem uma postura absolutamente legal, mas, se nós pensarmos o Ministério Público na Lava-Jato, ficamos um pouco preocupados. Então, não tem por que isso aqui.
Eu vi que aqui há outro delito, que é a violência política, no art. 359-S. Há aqui aspectos como "usar de violência física, sexual, psicológica, moral" — aqui o dispositivo já começa a ficar indefinido, indeterminado. O que é violência psicológica? O que é violência moral "ou econômica, de forma direta ou indireta, com o propósito de restringir, impedir ou dificultar o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo ou orientação sexual?" Eu compreendo a motivação política disso aqui, mas acho que essa indefinição não pode ficar, porque é um tipo que está excessivamente indeterminado.
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Por outro lado, como eu sei que o meu tempo é pouco e há mais pessoas para falar, quero dizer que nós, quando temos problemas sociais, pensamos logo no Direito Penal; queremos resolver o problema pela raiz. Mas o Direito Penal é o mais inadequado instrumento jurídico para a solução de problemas sociais. Esperamos, então, que, utilizando o Direito Penal e criminalizando os comportamentos, nós resolvamos os problemas sociais. Não vamos resolver os problemas sociais.
Eu fico um pouco constrangido de participar de um debate em que se começa a pensar na criação de tipos penais. A minha posição é radicalmente antidireito penal. Eu sou um antipenalista e sou também um abolicionista. Eu acho que não vamos resolver os problemas sociais com o Direito Penal. Mas eu decidi participar deste encontro por causa daquele último artigo, que vem depois da aprovação de uma lei, que diz: "Revogam-se as disposições em contrário". E aqui temos: "Fica revogada a Lei de Segurança Nacional". Isso já é uma grande coisa.
O objetivo dessa lei, que está informada pela doutrina da segurança nacional, de construção ideológica de inimigos políticos, não é a defesa do Estado Democrático de Direito. Eu já falei dessa questão do Estado Democrático de Direito. É democrático, sim, para o capital, mas, para as massas miserabilizadas da periferia, é profundamente ditatorial. Quer dizer, nós aqui podemos até falar de uma ditadura democrática. É profundamente ditatorial. O objetivo da Lei de Segurança Nacional nunca foi a defesa do Estado Democrático de Direito, mas a defesa do Estado autoritário, da ditadura militar.
Por isso, essa iniciativa merece todos os elogios, Deputadas Margarete Coelho e Talíria Petrone, por ser uma iniciativa que precisamos tomar, mas eu a vejo muito mais na direção de revogar essa lei que está aqui já produzindo e ameaçando produzir mais prejuízos ao País, à Nação.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Peço que conclua, professor, por favor. Desculpe-me a indelicadeza.
O SR. JUAREZ CIRINO - V.Exa. não foi indelicada. Eu vou concluir.
Há uma preocupação em criar novos tipos penais, pensando que os tipos penais vão resolver os nossos problemas sociais, mas não vão.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Nós que agradecemos.
Infelizmente, esta Casa tem sido palco da criação de novos tipos penais, de aumento de pena, de um alargamento absurdo do Estado penal, jurídico e policial.
Eu vou passar a palavra diretamente para o Sr. Marcelo Semer, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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Enquanto o Desembargador abre o seu microfone, informo que já estão presentes nesta audiência a Deputada Erika Kokay, do Partido dos Trabalhadores, e a nossa mestra e Vice-Presidenta desta Comissão, a Deputada Luiza Erundina.
Peço às Deputadas que, quando quiserem fazer uso da palavra, se inscrevam na Secretaria da Comissão.
Tem a palavra o Sr. Marcelo Semer, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O SR. MARCELO SEMER - Sras. Deputadas, Srs. Deputados, bom dia.
Bom dia a todas e todos que nos escutam.
Eu quero agradecer o gentil convite que me foi encaminhado pela Presidência desta Comissão, na pessoa do Deputado Waldenor Pereira e da proponente desta audiência pública, a Deputada Talíria Petrone.
A revogação da Lei de Segurança Nacional seria um tema urgente, se já não estivesse atrasado há várias décadas. A ideia que moveu a Lei de Segurança Nacional é absolutamente incompatível com a proposta de democracia; é a doutrina da segurança nacional. No seu primeiro dispositivo, o Decreto-Lei nº 314, de 1967, ela era descrita assim:
Art. 2º A segurança nacional é a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto internos como externos.
Art. 3º A segurança nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva.
Ou seja, há uma ideia perigosa de que segurança se vincula à guerra e um paralelismo entre segurança externa e segurança interna. Isso também se encontra em outros resquícios, como a própria ideia de o policiamento interno ser de responsabilidade da Polícia Militar, inclusive como Força Auxiliar do Exército.
Esse primeiro dispositivo foi revogado por um mais amplo, que foi o Decreto-Lei nº 898, de 1969, que retrata o momento mais sombrio dos anos de chumbo, inclusive com diversas previsões de prisão perpétua e pena de morte; e, depois pela Lei nº 6.620, de 1978, do período Geisel. Vejam, nós estávamos na véspera da anistia, com proposta de abertura no ar, e a Lei da Segurança Nacional ainda pregava:
Art.3º.................................................................................................................
§ 3º A guerra revolucionária é o conflito interno, geralmente inspirado em uma ideologia, ou auxiliado do exterior, que visa à conquista subversiva do poder pelo controle progressivo da Nação.
Enfim, a Lei nº 7.170, de 1983, nos estertores da ditadura, ainda previa a permanência da competência da Justiça Militar, que só foi excluída com a Constituição de 1988. Ela permaneceu sendo um mecanismo de controle político usado sobretudo para sufocar críticas ao poder, inclusive, como lembrou o Prof. Juarez Cirino, contra movimentos sociais. O seu instinto autoritário nunca foi esquecido, e ela continua até hoje.
No Governo Bolsonaro, por exemplo, ela foi empregada por todos os Ministros da Justiça, de Sergio Moro ao atual, e pela Polícia Federal, quando de críticas ao Presidente. Dezenas de pessoas estão intimidadas: de opositores políticos a críticos e até jornalistas. Ela tem servido como instrumento de depreciação da democracia.
Em 1988, a Constituição estabeleceu um mandado de criminalização, no art. 5º, inciso XLIV. O que ele dizia?
Art. 5º................................................................................................................
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
Ou seja, ela indicava um viés a seguir: não mais a segurança nacional, e sim a defesa do Estado Democrático, principalmente contra essa ação violenta de grupos armados. Em resumo, está superada a doutrina da segurança nacional, que unificava inimigos externos e inimigos internos, tratava a segurança como guerra. A Lei de Segurança Nacional perdeu seu lastro histórico — legitimidade ela nunca teve.
A Lei de Segurança Nacional tem sido empregada como forma de repressão política e, portanto, como obstáculo à democracia. Vejam que a primeira proposta de revogação dela veio em 1986, no ano seguinte ao final da ditadura, porque havia um consenso de que a redemocratização dependia da remoção do entulho autoritário — ainda incompleta, diga-se.
10:17
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Vamos lembrar que a Lei de Imprensa, por exemplo, foi removida pelo Supremo, por causa da inação do Congresso. A Lei de Segurança Nacional não só não foi removida, como também tem sido amplamente utilizada. Por isso, o momento de revogação, apesar de atrasado, é bem propício. Nós estamos no momento de uma profunda insistência em se trazer de volta essa gramática militar na política. Não ter completado a transição com a remoção do entulho autoritário é o calcanhar de Aquiles da nossa democracia. Vira e mexe, isso volta para nos apavorar, como acontece agora.
A novidade, neste quadro, foi o emprego da lógica da Lei de Segurança Nacional pelo próprio Supremo no chamado inquérito policial das fake news. Isso mostra que instrumentos autoritários à disposição podem ser usados por qualquer pessoa, qualquer partido, qualquer Poder. Por isso, eu entendo que a revogação deve ser imediata. Ela não deveria nem sequer depender da criação de uma nova lei, porque isso acaba sempre atrasando, e a história nos mostra que a existência da Lei de Segurança Nacional é muito mais grave do que a sua ausência.
Se a decisão for, o que de fato parece ser, a de criar uma nova lei, penso que essa lei deve ter como parâmetros: não poder funcionar como uma forma de sufocar a democracia; não poder coibir a crítica nem a ação dos movimentos sociais; não poder colocar em risco o pluralismo, que é uma premissa constitucional; e tem que ter o arcabouço principiológico do Direito Penal, que compreende o princípio da legalidade, conforme o qual não se podem construir tipos abertos, que deixem punição a critério do juiz; o princípio da culpabilidade, que reza que se tem que impedir a responsabilidade objetiva; e o princípio da proporcionalidade, conforme o qual não devem haver penas absurdas ou desconexas. Na democracia, até os instrumentos para defender a democracia devem ser democráticos.
Eu confesso que minha preocupação é com a rapidez para se construir uma nova lei. Parece que nós, de novo, como sempre, estamos legislando de afogadilho. Desde que me contataram para esta audiência, eu já recebi três versões do substitutivo. Isso mostra que a Relatora, a Deputada Margarete Coelho, está disposta a ouvir, o que é muito bom, porque a cada versão o substitutivo vem melhorando. Mas eu tenho medo de que nós não tenhamos tempo suficiente de estudar e fazer propostas a ela. Seria interessante pensarmos um pouco mais, porque, às vezes, nós formulamos um tipo pensando numa hipótese, e ele vai servir para hipóteses nas quais não pensamos. Quem tem experiência em julgamento percebe isso claramente.
Em relação às observações ao substitutivo, eu não tive muito tempo para fazê-las, mas sugeriria o seguinte.
Eu não criaria um novo tipo de incitação, delito que sempre foi usado para repressão política ou moral. Fala-se: "incitar animosidade entre as Forças Armadas, entre Forças e Poderes constituídos..." Eu não sei exatamente os limites em que isso pode ser inserido. Daqui a pouco, alguém gritando na rua contra a Polícia Militar acaba sendo enquadrada nisso.
Com relação à comunicação enganosa em massa, eu entendo a importância de se prestar atenção na atuação de robôs que propagam fake news para intervir no processo eleitoral, mas o fato é que o relevante nessa questão é justamente a consequência eleitoral, a cassação da chapa, muito mais que o resultado penal. E existe legislação suficiente para providências no campo eleitoral, ainda que elas não tenham sido tomadas.
Acho que o texto está pouco claro. Não entendi bem essa dependência de expediente não fornecido pelo provedor. Isso me dá a impressão de que a caracterização do crime está na dependência do provedor.
E está um pouco vaga também a higidez do processo eleitoral — não sei se na forma ou no conteúdo.
Quanto ao delito de insurreição, eu vi duas hipóteses desse delito. Uma é no caso de se impedir ou registrar, com emprego de violência ou grave ameaça, o exercício dos Poderes. Eu acho muito ampla a ideia de se restringir exercício de Poderes, porque tudo pode ser restrição. Uma ocupação pacífica da Assembleia Legislativa, por exemplo — o que já aconteceu —, sem nenhum dano à segurança nacional, poderia ser colocada aqui.
A segunda hipótese é no caso de se tentar alterar a ordem constitucional democrática. Eu a achei um pouco vaga, porque não diz nem se é para destruir a ordem democrática. E ficou faltando a ideia do que seja uma ação violenta ou intimidatória. Vamos lembrar o que disse a Constituição: "ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional".
10:21
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Com relação à espionagem, eu concordo com as restrições que a Bruna sugeriu. Eu excluiria a ideia de comunicar a Governo estrangeiro documentos que possuam natureza secreta, nos termos da lei. Há um enorme abuso da classificação de sigilo. Vamos lembrar que até a carteira de vacinação do Bolsonaro foi colocada como documento ultrassecreto. Deveria constar na lei "Documento que possa colocar em risco a ordem democrática", se não se for acolher a ideia do Rafael Borges, que é muito boa, de reintroduzir o elemento subjetivo do tipo para a lei inteira.
Para terminar, quero só registrar que se lembrou muito pouco da violência contra direitos humanos cometida pelo próprio poder, tirando o tênue "Atentado a direito de manifestação". Acho que é preciso entender que o maior perigo ao Estado Democrático, hoje, é o abuso do poder pelos seus governantes, seus candidatos a ditadores. Isso parece que ficou um pouco fora.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada.
Quero anunciar a presença também do Deputado Federal Glauber Braga, do nosso partido, o PSOL.
Já passo a palavra para a Margareth Ferreira, que está representando o Movimento Negro Unificado.
A SRA. MARGARETH FERREIRA - Bom dia a todas e todos que estão presentes.
Em nome do Movimento Negro Unificado — sou membra da seção Rio de Janeiro —, que é uma organização negra revolucionária de esquerda antirracista, saudamos a Deputada Talíria Petrone, a quem agradecemos o empenho na realização desta audiência importante.
Na pessoa da Deputada Talíria Petrone, que é também do meu Estado, saudamos todas as Deputadas e Deputados presentes e não presentes a esta audiência que hoje dialogam e se esforçam na construção de um maior e melhor texto para este projeto de lei.
Dito isso, saudamos também a nós mulheres de luta, por força da omissão do Estado brasileiro, e de luto por milhares de brasileiras e brasileiros mortos até o dia de hoje. Nós não podemos esquecer este momento que estamos vivendo, que é muito pesaroso para todos nós.
O Movimento Negro Unificado, da qual sou Coordenadora Jurídica e de Comunicação, é uma organização que luta desde o ano de 1978, o auge da ditadura militar, com representação em todos os Estados brasileiros. Nós lutamos contra o racismo, contra todas as formas de opressão.
É com essa perspectiva que estamos aqui contribuindo com o nosso olhar e a nossa escuta, com a nossa militância, assim como os renomados juristas, que em diálogo permanente apontam para mais esta terrível ameaça legislativa às nossas liberdades constitucionais.
Bem sabemos que, muito além de ser um entulho da ditadura militar, a Lei de Segurança Nacional, em sua nova roupagem, representa a expressão límpida e cristalina da caminhada destrutiva e poderosa do projeto idealizado nas entranhas dos organismos mais conservadores e autoritários deste País. Essa lei representa, de maneira inegável, a persecução dos objetivos daqueles que vêm dilapidando e revogando direitos para substituí-los por medidas autoritárias, legitimadas a partir de novas leis elaboradas meticulosamente para a revogação dos nossos direitos fundamentais elencados em nossa Constituição e defendidos mundialmente por organizações de direitos humanos.
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Sabemos muito bem que as massas, tão manipuladas pelos diversos canais de mídias, nem sequer se dão conta daquilo que as ameaça, tampouco muitas pessoas que hoje estão em gestão e se mostram pela Esquerda popular, socialista, pela Esquerda sempre, que é o nosso projeto para ver um Brasil melhor, um Brasil para negras e negros. Quer seja nesta lei que se avizinha ou em outras que já foram aprovadas, sabemos que nos ameaça um projeto político muito bem idealizado, perverso. E nós, negras e negros, estamos ainda mais vulnerabilizados, pelo racismo estrutural e por toda a ausência de políticas públicas ao longo de nossa história, sendo ainda mais penalizados na nossa militância, na construção da nossa liberdade de expressão, na persecução dos nossos direitos fundamentais.
Sabemos que o diálogo que se abre é urgente, é premente, é um diálogo que tentamos estabelecer neste momento. Sabemos que é muito difícil verificar algumas mudanças que efetivamente nos beneficiem.
Talíria, nós do Rio de Janeiro temos muito orgulho da sua presença aí. Nós sabemos da sua luta como mulher preta, que fortalece ainda mais a luta de todas nós. É por esse motivo que o Movimento Negro Unificado está aqui para dizer que também não aceitamos essa urgência à matéria. Ela já foi legitimada pelo Congresso, mas, ainda assim, estaremos lutando pelos nossos direitos, pelas nossas liberdades fundamentais.
O Movimento Negro Unificado agradece a oportunidade de se expressar. Sempre faremos uso das tribunas que forem abertas para nós.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Margareth. Eu me sinto muito representada por esse movimento, que também construo. Vamos juntas! No Brasil, todo autoritarismo também é carregado de racismo, com as nossas marcas.
Vamos passar agora para o Sr. Gabriel Sampaio, que representa o Pacto pela Democracia.
O SR. GABRIEL SAMPAIO - Muito bom dia a todas e a todos.
Gostaria de cumprimentar a Deputada Talíria Petrone e agradecê-la pelo convite feito ao Pacto pela Democracia.
Também cumprimento a Deputada Margarete Coelho, que tem conduzido os trabalhos de discussão desta proposta legislativa.
Quero retribuir aqui o abraço carinhoso ao meu amigo Rafael Borges.
Quero dizer, pelo Pacto, que nós trazemos aqui contribuições a esse processo legislativo. Também temos a posição de defesa da necessidade de que esse processo no Legislativo seja mais maturado com o tempo. E aqui não há uma crítica à postura da Relatora, que tem sido, de fato, muito aberta nos debates legislativos, que deve sempre ser cumprimentada pela sua atuação parlamentar, mas, efetivamente, estamos lidando com uma questão de alta complexidade.
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Essa complexidade é dada também pela realidade que nós vivemos e pela história que nós temos, pauta-se tanto pela história do autoritarismo no Brasil — e me sinto honrado por falar depois do Movimento Negro Unificado, que tantos exemplos nos oferece para a luta contra o autoritarismo e contra o racismo —, como pela realidade do nosso Estado Democrático de Direito, abordado aqui. Estamos, há de se convir, num momento muito peculiar da história, pois sabemos bem o papel que certas figuras na condução do Poder Executivo têm desempenhado, gerando ameaças ao nosso Estado Democrático de Direito.
A história do nosso País demonstra que possui particularidades. Então, mesmo quando conseguimos juntar, num momento tão especial, mentes jurídicas e o nosso pensamento jurídico de vanguarda, mesmo quando nos socorremos na análise do direito comparado, nós temos que levar as ideias à maturação, diante da realidade muito efervescente do nosso País.
Feita essa introdução, levando em consideração essas preocupações que endereço pelo Pacto pela Democracia, vou procurar contribuir com alguns temas mais sensíveis em relação à proposta que nos gera preocupação, partindo desta premissa, deste ponto essencial, que já foi tratado e que vale reforçar: quando há a construção desse tipo da legislação de natureza penal, é muito importante que, ao longo do processo legislativo, Deputada Talíria Petrone, Deputada Margarete Coelho, Deputados que nos acompanham, nós tenhamos em vista que a história da aplicação da lei penal é marcada também pelo arbítrio.
A lei penal deve, ao máximo, fechar os espaços em que o arbítrio pode ser aplicado. Isso é da natureza da lei penal. É muito importante que no processo legislativo as senhoras e os senhores levem isso em consideração, porque, além de essa característica ser da história e da natureza da lei penal, a realidade brasileira nos impõe esse exercício. E, em proteção e em tutela ao pluralismo político que a Constituição nos traz, é muito importante que tenhamos essa atenção especial.
O primeiro ponto que trago é o crime de espionagem. Na parte que trata desse crime, tentando fazer um exercício que leve em consideração o texto aqui colocado, se me permitirem fazer uma breve alusão a esse texto, é utilizada a referência que diz respeito à natureza secreta ou ultrassecreta dos documentos que vão ser eventualmente entregues. A referência e o conteúdo normativo da natureza do documento não existem. Se nós fizermos referência à Lei de Acesso à Informação, por exemplo, há oito critérios que orientam a restrição do acesso a documentos, mas, em relação à natureza secreta ou ultrassecreta, de fato, não existe referência normativa. Portanto, é muito importante alterar esse texto e trazer para dentro dele o conteúdo, a dimensão de que haja efetivamente o risco concreto à ordem constitucional e democrática.
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O mesmo ocorre com a classificação do documento, que é determinada em lei ou em regulamento. O ato de classificação do documento cabe sempre ao agente público, e a sociedade não tem um controle apriorístico ou contato direto com ele. Portanto, o crime de espionagem precisa de uma alteração no seu conteúdo, levando em consideração esses elementos fundamentais.
Quanto ao crime de insurreição — e peço licença para fazer referência à sua redação —, na construção do seu tipo penal, há certa assimetria em duas partes do texto: na primeira parte, fala-se em "impedir ou restringir, com o emprego de grave ameaça ou violência, o exercício de qualquer dos poderes legitimamente constituídos"; e, na segunda parte, fala-se "ou tentar alterar a ordem constitucional e democrática". Essa segunda parte é estritamente aberta e assimétrica em relação à primeira. Enquanto na primeira se exige a violência ou grave ameaça, numa interpretação tendente ao arbítrio, pode-se abrir muito a utilização dessa fórmula geral.
Nesse caso, a lei, em alguns momentos, trata com a finalidade, de alterar a ordem constitucional, não como um elemento direto, mas sim como finalidade. Nesse ponto faço referência à fala do meu amigo Rafael Borges, que bem disse da necessidade de colocar em cada um dos tipos a finalidade específica. Nesse caso, precisa ser bem destacada a importância de alteração desse tipo.
Finalizo fazendo referência ao tipo de sabotagem, em que há uma preocupação especial com a criminalização dos atos preparatórios. Ainda que no caput do artigo haja uma referência àquela finalidade, àquele elemento subjetivo, tratado em falas anteriores, nós temos que alertar para o perigo que gera na nossa legislação a criminalização dos atos preparatórios. Mesmo com uma finalidade específica no tipo, a análise dos atos preparatórios pelos agentes de polícia ou por qualquer agente da persecução penal leva à possibilidade de uma extensão enorme da aplicação da malha penal.
Há outros pontos ainda a destacar em relação a esta proposta legislativa. Procuramos algumas que possam contribuir com o texto. Há outras ainda que merecem discussão, levando em consideração a necessidade de tipos penais mais fechados e que podem limitar o uso arbitrário dessa legislação.
Saudamos aqueles que nos antecederam e nos colocamos à disposição para a continuidade deste debate.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Gabriel.
Passo a palavra ao Sr. Everaldo Patriota, que preside a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.
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O SR. EVERALDO PATRIOTA - Bom dia a todas e a todos.
Quero saudar a Câmara dos Deputados, na pessoa da Presidente da Comissão, a Deputada Talíria Petrone, que teve esta feliz iniciativa; a Deputada Luiza Erundina, esse patrimônio do Parlamento; e a Deputada Margarete Coelho, que foi nossa colega no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB vê a Lei nº 7.170, de 1983, como resultado da pior transição da ditadura para a democracia que já se fez na América Latina. Nós fomos o país — se é que fizemos uma transição — com a pior transição na América Latina. A comissão vê também essa lei como um produto do clima da Guerra Fria, ainda reinante em 1983. Por essa razão, essa lei não pôde ser recepcionada, não foi recepcionada pela Carta Política de 88. Há quem diga que um pouquinho dela foi recepcionado por força do que a Constituição determina no art. 5º, inciso XLIV, ao estipular que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Então, o Constituinte deixou essa previsão lá como cláusula pétrea e garantia fundamental.
Atualmente, tramitam no Supremo quatro ações: três pedem a revogação total, e uma pede a revogação parcial da Lei de Segurança Nacional. É preciso — ninguém tem dúvida do que está previsto na Constituição — que tenhamos uma lei voltada para a salvaguarda do Estado Democrático. É preciso contar com alguma disciplina penal que proteja essa ordem democrática. O direito não pode estar indiferente aos fatos da vida. E não há como recusar que o Brasil vive hoje um processo tendente à erosão de sua recente democracia: ataque ao Parlamento, ataque ao Supremo, ataque a Governador de Estado, ameaças veladas de golpe, ameaças veladas de decretação de estado de sítio e outras medidas limitadoras do exercício dos direitos fundamentais.
Qualquer edição de uma lei de segurança nacional tem que ter como parâmetro o Pacto de 88, o Pacto Político de 88. E aqui — a Relatora Margarete não está no momento — vivemos um impasse. A eminente Relatora disse que há um acordo de cavalheiros para que o Supremo não aprecie a matéria, enquanto o Congresso não a aprovar. Ora, se o Supremo apreciar a inconstitucionalidade, revogar toda lei que foi recepcionada, vai dar luzes e limitação a isso. O que vai acontecer? O Supremo não julga, o Congresso aprova uma lei, e nós de novo vamos bater à porta do Supremo, porque essa lei vai afrontar a Constituição de 88, o que é muito ruim para o momento e não resolve essa tendência atual, essa carreira política que nós fazemos.
Então, se nós não temos um Supremo para essa baliza — como disse o Prof. Juarez, ele algumas vezes topicamente fala, mas não declara inconstitucional a lei —, seria bom que o Parlamento tivesse como paradigma, como limite, o que diz o direito internacional dos direitos humanos sobre isso.
Nós vamos encontrar que o Relator Especial, em 22 de dezembro de 2010, na estratégia global contra o terrorismo, reafirma que os Estados membros reconheçam que os atos terroristas têm como objetivo a destruição dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da democracia. Aponta ainda que, para o combate ao terrorismo, não é preciso qualquer flexibilização das normas de direitos humanos, uma vez que essas, em si, já são expressão do equilíbrio entre segurança e direitos humanos.
10:41
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Então, qualquer tipo penal impreciso, como os que estão aí previstos — o que já foi colocado pelo colega lá do Rio, o que já foi colocado pelo Gabriel, o que já foi colocado pelo Desembargador Semer —, mesmo que indireta ou obliquamente fira os direitos humanos, não é compatível, de maneira nenhuma, com a ordem constitucional e com o ordenamento internacional.
O parâmetro para se definir a compatibilidade de uma lei desse tipo, com o regime de direito, é a observância ao princípio da legalidade. Esse princípio nullum crimen sine lege está previsto nos incisos XXXIX e LV do art. 5º da Constituição de 88, também no art. 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos — Pacto de San José da Costa Rica —, também no art. 15 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, também no art. 5º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, e por aí vai.
Então, se se fixar na Constituição de 88 e olhar para esses tratados de que somos signatários, o Congresso vai produzir uma lei que reafirme o pluralismo político e que consolide todas as normas e princípios de direitos humanos. Do contrário, nós vamos ter uma lei que vai violar a Carta Constitucional e os tratados de que somos signatários.
Basta lembrarmos também que a nossa Constituição foi muito econômica em termos de direito penal. O que a Constituição diz sobre direito penal? Muito en passant, ela diz o quê? Ela diz que nós só podemos usar esse direito penal se for para proteger, tutelar a democracia. Não se pode usar essa legislação para atingir classes, para atingir a liberdade de expressão, para atingir movimento social, para atingir qualquer tipo de reivindicação. Não é possível esse tipo de atuação do Congresso.
O Congresso não pode, em hipótese alguma, em hipótese alguma, tentar definir esses tipos, como já foi colocado aqui por todos os que me antecederam. Nós temos que ter uma lei que proteja o Estado Democrático de Direito, suas instituições, e que assegure toda a atividade plural política, todo tipo de manifestação. O sistema internacional inclusive tem vários casos concretos em que ele não aceitou sanções desse tipo.
Então, nesse sentido, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por sua Comissão Nacional de Direitos Humanos, louva a iniciativa desta audiência pública e pugna para que o Congresso não tenha a pressa que se demonstra agora. Não interessa se isso foi um compromisso de campanha do atual Presidente. Se esse projeto está tramitando desde 2002, qual é a urgência? Vamos discutir com mais vagar. Vamos ter mais calma.
É boa a iniciativa. É boa a postura da Relatora, a Deputada Margarete Coelho.
É preciso, Dra. Margarete, que nós coloquemos quatro ouvidos no lugar de dois. Ouça, ouça, ouça, e o Congresso brinde a sociedade brasileira com um diploma que não se choque com a Carta de 88, não agrida a civilidade e não agrida a luta dos direitos humanos.
10:45
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Era isso, Deputada.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Eu que agradeço, Everaldo.
Antes de passar a palavra para a Sra. Ela Wiecko, que é a próxima, há alguns comentários que estão chegando ao e-Democracia, e acho importante comentar sobre eles aqui.
Átila perguntou: "A quem interessa amordaçar a população brasileira? Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes. O poder é do povo, e não dos representantes. Tentar calar a insatisfação popular é um ato de anarquia, é tentar minar a fonte de todo poder, o povo". Ele também reforçou: "Toda lei da época da ditadura que impede que possamos fazer críticas a quem quer que seja deve, sim, ser revogada. O povo está insatisfeito, infeliz, passando fome, comendo lixo, enquanto isso o plano de saúde alfa dos congressistas fica ainda mais alfa. Pobre povo brasileiro, fadado a ser enganado!"
Depois eu vou ler os comentários, porque acho importante que ampliemos para além de nós as falas desta audiência.
Então, passo a palavra imediatamente para a Sra. Ela Wiecko, professora da Faculdade de Direito da UNB e Coordenadora do Grupo Candango de Criminologia.
A SRA. ELA WIECKO - Bom dia, obrigada.
Eu saúdo a Comissão, todos os Deputados e as Deputadas da Comissão de Legislação Participativa, na pessoa da Deputada Talíria, a quem agradeço o convite feito. Também quero fazer uma menção especial à Deputada Margarete Coelho, pelo trabalho que vem realizando.
Tenho poucos minutos, como todos. Quero dizer que eu até gostaria de dialogar mais com determinadas manifestações, mas, enfim, vou ser bem pragmática e vou colocar que, em primeiro lugar, revogada a Lei de Segurança Nacional, o que eu esperaria é que uma nova lei viesse esclarecer dois pontos da Constituição Federal, que são os crimes políticos, porque hoje a Lei de Segurança Nacional é considerada como sendo aquela que regula os crimes políticos, e, em segundo lugar, é necessário outro mandado na Constituição de criminalização de atos contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito.
Então, eu penso que há um déficit de colocar esse projeto dentro dessa perspectiva constitucional, mas eu passo adiante e vou fazer algumas colocações sobre o substitutivo, a décima versão, tendo assim como orientações uma perspectiva minimalista de direito penal, atenta para os princípios de legalidade e especialmente o de proporcionalidade, que me parece que tem alguns problemas, e de coerência lógica.
Eu fiz vários apontamentos, que vou encaminhar para a Comissão. Agora nestes poucos minutos, vou fazer algumas sugestões, comentários sobre os arts. 359-L, 359-M, 359-P, 359-Q, 359-S e o art. 3º.
10:49
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Então, com referência à espionagem, art. 359-L, há um problema de redação, mas eu quero só mencionar agora uma coisa importante que foi levantada pelo Gabriel. Ele trouxe o registro da Lei de Acesso à Informação. Quando fiz a leitura desse tipo penal e fui atrás do que são esses documentos de natureza secreta ou ultrassecreta, localizei a Lei nº 8.159, de 1991, e o Decreto nº 7.845, de 2012, que dizem quais são os critérios. Esses critérios do secreto e do ultrassecreto sempre vão ser, assim, vamos dizer, inatingíveis para o cidadão ou a cidadã comum. Não tenho nenhuma sugestão sobre isso, mas penso que deve ser mais bem examinado pela Relatora.
O art. 359-M, que já foi muito falado, tem como base e se inspira no art. 365 do PL 6.764/02, só que ficou mal formulado e cria um problema enorme, porque deixa solta a última parte: "(...) ou alterar a ordem constitucional democrática". Isso significa uma abertura que coloca tudo a perder.
Então, eu sugiro a seguinte redação: "(...) impedir ou restringir o emprego de grave ameaça ou violência ao exercício de qualquer dos poderes legitimamente constituídos ou do Ministério Público". Aqui não vou me manifestar sobre isso. Vi várias críticas à inclusão do Ministério Público. Deve-se tentar alterar novamente: "(...) com emprego de grave ameaça ou violência", repetir esse meio para não deixar com essa amplitude a parte final, a terceira conduta prevista no art. 359-M.
Também me parece interessante a sugestão feita pelo Rafael de colocar como violência física. Essa é a minha sugestão, porque a violência armada está como uma causa de aumento de pena.
No art. 359-P, eu penso que a proposta torna equivalente o atentado doloso contra a vida, isto é, com a intenção de matar, o atentado doloso contra a integridade física ou a liberdade de ir e vir. Dessa forma, o homicídio desejado, querido pelo agente do Presidente da República e de outras autoridades será punido de uma forma mais benéfica do que aquele praticado contra cidadãos em geral. Então, eu sugiro uma redação que distinga as três condutas: atentado contra a vida, atentado contra a integridade física e atentado contra a liberdade de ir e vir. E sugiro também figuras qualificadas pelo resultado para lesão corporal e para sequestro ou cárcere privado.
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No art. 359-Q — aqui eu vou me referir aos três artigos, o Q o R e o S —, parece-me que há uma desproporcionalidade com correlação às penas. Por exemplo, o Q fala de reclusão de 4 anos a 6 anos. É uma pena mais elevada do que outros tipos penais que têm sido considerados de gravidade, aqueles, lá no início, de atentado à soberania, à integridade do território nacional, etc. E também é o único que não tem a pena de multa, os outros têm pena de multa. Neste ponto, eu estou me referindo à necessidade de fazer uma revisão de todo o sistema de penas desse título que foi criado, que ele tenha uma proporcionalidade.
Eu vou me referir especificamente agora à violência política do art. 359-S, que fala da violência moral. A violência moral tem sido interpretada como correspondente aos crimes contra a honra, em geral, de iniciativa da pessoa ofendida, ou, quando pública, dependente de representação. Nesse caso, parece-me que há uma incongruência com o disposto no art. 359-T, a seguir, que é da ação penal privada subsidiária, no qual sugiro que a assessoria da Deputada Margarete dê uma olhada mais atenta.
Eu achei muito interessante esse artigo, porque ele me remete à violência que tem sido praticada, que foi praticada, por exemplo, contra Marielle Franco e contra várias Vereadoras, Deputadas, que foram eleitas e representam a população LGBTQIA+. Então, parece-me que, para atender essa população, não basta dizer em razão de seu sexo ou orientação sexual, mas tem que falar também em identidade de gênero, para poder justamente abarcar as pessoas trans.
E aqui também eu vejo uma mistura que acaba beneficiando o agente que praticar, por exemplo, uma violência física, que pode ir da lesão corporal até o homicídio, ou, então, a violência sexual do estupro com pena que é muito menos elevada do que aquela que já está prevista no Código Penal, onde há algumas que me parecem também muito exageradas. Mas, enfim, ficou uma coisa muito mais benéfica para quem pratica a violência política.
10:57
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Terminando, porque acho que o meu tempo aqui já acabou, ninguém falou no art. 3º. Aliás, falaram, sim, no art. 3º, que altera o art. 286 do Código Penal sobre incitação ao crime, em inserir aqui a prática de animosidade entre as Forças Armadas, ou entre estas e os Poderes legitimamente constituídos, o Ministério Público, as instituições civis ou a sociedade.
Aqui está um perigo enorme, porque aquilo que nós estamos querendo resolver, que é a aplicação hoje do art. 26, a Lei de Segurança Nacional, vai ser usada aqui no art. 286, porque a animosidade o que é? A animosidade pode ser exatamente um exercício da crítica.
Meu tempo acabou. Com isso, eu termino por aqui e mando então os meus demais apontamentos para contribuir no aperfeiçoamento do debate, tendo consciência de todas as limitações e também dizendo que o melhor seria uma coisa menos açodada, mais pensada. Mas, enfim, vamos fazendo o que podemos.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Ela Wiecko.
Passo a palavra agora para a Cláudia Ávila, representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto — MTST.
A SRA. CLÁUDIA ÁVILA - Bom dia.
Eu queria me somar a todas as manifestações na defesa das partes constituintes, saudar todas e todos na pessoa da Deputada Talíria.
Nós do MTST vemos com grande preocupação a votação em regime de urgência deste projeto, que requer uma análise profunda de todas as Comissões da Câmara e do Senado, a ampla participação da sociedade, audiências públicas como esta e também seminários e debates públicos amplos.
Neste momento de tantas violações da liberdade de expressão, a Lei de Segurança Nacional ser substituída partindo dos mesmos conceitos que a estabeleceram durante a ditadura, de que as questões de soberania nacional pressupõem um controle do debate público e que esse controle se dê pela criminalização, é motivo de grande apreensão. A liberdade de expressão no Brasil vem sendo drasticamente reduzida, em especial nesses últimos 2 anos, por atos do Presidente da República, seus Ministros e até seus familiares, que diariamente atentam contra a imprensa, contra todos os que não sejam alinhados ao seu campo político. Muitos desses ataques se valem da Lei de Segurança Nacional, desse entulho autoritário que vem sendo usado para criminalizar a atuação dos movimentos sociais, a atuação das defensoras e defensores de direitos humanos neste País.
11:01
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A exemplo disso, o companheiro Guilherme Boulos está intimado para depor no próximo dia 29, indiciado com base na Lei de Segurança Nacional, por ter feito uma manifestação no Twitter quando o Presidente disse que a Constituição era ele, lembrando a fala de Luiz XIV e o final da dinastia.
A Lei de Segurança Nacional precisa ser revogada, mas nós vivemos há quase 40 sob esse entulho autoritário e entendemos que, neste momento em que nos aproximamos de 400 mil mortes pela COVID-19, a única urgência é a vida, o combate à fome, a renda básica, o teto para as famílias enfrentarem a pandemia.
Eu queria — não há como não lembrar disso — trazer aqui, já finalizando, e como advogada, que há 10, 11, 12 anos, tive a oportunidade de, junto com outros colegas, estar na defesa de companheiros do MST, naquela ocasião, processados com base na Lei de Segurança Nacional perante a Justiça Federal de Carazinho, no interior do Rio Grande do Sul.
É um exemplo que demonstra muito bem quando... exemplo que também tivemos recentemente neste País do que pode acontecer quando a vontade política de Ministério Público e de juízes se junta com base numa legislação criminalizante como a Lei de Segurança Nacional, e como poderia acontecer com essa nova legislação penal.
Nós também entendemos, já naquela ocasião sustentávamos, que a Lei de Segurança Nacional não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. E recordo que, naquela ocasião, a principal testemunha do Ministério Público de que nos acampamentos do MST aconteciam treinamentos de guerrilha, quando depôs em uma das audiências que também eram um espaço de refração inclusive, para nós advogados, audiências de mais de 12 horas sem intervalo, a principal testemunha do Ministério Público de que aconteciam treinamentos de guerrilha nos acampamentos do MST relatou que o que ela havia visto eram as crianças brincando com paus como se fossem espadas. Isso resultou num processo de anos de tramitação e muitos recursos até se chegar à absolvição daqueles oito companheiros.
11:05
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Nós entendemos que a Lei de Segurança Nacional precisa ser revogada, mas que a urgência na apreciação dessa lei pode nos trazer dispositivos penais que sirvam para manter a criminalização daqueles que sempre são alvo da legislação penal. Era isso.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Cláudia.
Vou passar a palavra agora para a Carol Proner, que representa a Prerrogativas.
A Relatora, a Deputada Margarete Coelho, me mandou uma mensagem dizendo que o voo atrasou e que ela segue na escuta atenta de todos e todas.
A Carol está aí?
A SRA. CAROL PRONER - Muito obrigada. Eu quero agradecer muito à Deputada Talíria por este convite para estar aqui, em nome do grupo Prerrogativas, que eu integro, e também da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. Também tenho estado em diálogo junto com outros colegas, com grupos que lutam pelo direito à terra, como o Movimento dos Sem Terra, Terra por Direitos e outros grupos preocupados com o momento em que estamos e a condução do andamento desse processo. Não a condução do processo, pela qual novamente quero parabenizar a Deputada Margarete. Já fiz isso na última reunião que tivemos. De fato, ela tem se destacado pela forma de dialogar, ouvindo as ansiedades de todos os envolvidos, como ela mesma disse, compondo as sugestões de amplo espectro para conseguir contemplar uma proposta que seja a melhor.
Então, esse processo de condução precisa ser valorizado, o que não significa que o processo final possa ser livre de preocupações, porque, de fato, os movimentos do campo e da Via Campesina, que estão ligados, principalmente, a uma questão vinculada, a questão do capitalismo mesmo, como disse o Prof. Juarez Cirino, estão efetivamente muito preocupados.
O que nós estamos fazendo aqui é muito importante, exige extrema seriedade, porque estamos preparando algo que, no lugar de resolver um problema consensual, que é a revogação da lei (falha na transmissão) se está construindo, infelizmente, uma armadilha democrática. Então, minha fala vem nesse tom de preocupação.
Quero cumprimentar várias pessoas que me antecederam com suas falas. Tenho admiração profunda por muitas das pessoas que estão aqui. Menciono o Gabriel, também a Subprocuradora Ela Wiecko e tantas pessoas que aqui estão, como a Deputada Luiza Erundina. Se eu fosse mencionar meus colegas, como a Estela Aranha, não daria tempo de concluir a minha fala.
Eu reconheço, então, esse consenso que é atualizado pelo uso irrestrito da Lei de Segurança Nacional. Esse debate, efetivamente, vem de longe. A Lei de Segurança Nacional hibernou após a redemocratização, apesar de permanecer. Com a Constituição de 1988, ela permaneceu numa espécie de hibernação por muito tempo, não foi utilizada. De certa forma, ela foi um pouco reprimida até pelo processo de democratização, que, obviamente, não valorizaria nada que viesse como herança da ditadura militar.
11:09
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Nos anos de 2002 e 2003, ela foi utilizada contra o MST e suscitou nesse momento uma quantidade de propostas. A base do debate do substitutivo está numa proposta de 2012, entre outros, do jurista Miguel Reale. Uma delas, portanto, vem de lá, há muito tempo — está na base de substitutivo, na versão 10, que é a que eu conheci no dia de ontem.
Há consenso para a revogação. Mas, entre isso e outro projeto, uma lei autônoma ou acréscimos à lei penal, há uma distância oceânica. Tudo pode ser debatido aqui, inclusive retrocessos.
Quanto ao açodamento, se a votação da lei foi ou não açodada, na minha percepção, poderíamos dizer que sim. Eu acho que não se deveria ter observado a questão da urgência. No entender dos movimentos sociais e dos direitos humanos, bastante representativos, como foi colocado naquele manifesto, sim, a votação foi açodada. A lei não deveria ter sido julgada como urgência dessa forma e com tão ampla aprovação. Se é verdade que precisamos ouvir especialistas, não só jurídicos e técnicos, nós deveríamos ouvir os especialistas em sofrer os efeitos da criminalização no dia a dia.
Eu quero mencionar uma reflexão um pouco dramática que eu ouvi nos movimentos de luta pela terra, em reunião que tivemos ontem. A fala era mais ou menos neste sentido: "Quando criminalizados pela Lei de Segurança Nacional, ao menos temos — ou tínhamos, no caso de haver a revogação — a nosso favor o argumento de que era um entulho, um resquício da ditadura. Mas agora estamos aprovando uma lei em democracia. Como poderemos dizer, em suposta democracia, que tais leis são abusivas aos direitos humanos, aos ativistas, à luta pela terra? Uma vez aprovada, estabelece-se o problema".
Essa é a própria fala da Margareth, a luta do movimento negro.
Então é urgente que se debata forte e profundamente o tema. Dentro da urgência, é urgente o debate o mais amplo possível. Tenho certeza de que a intenção dos envolvidos, principalmente na condução, não foi essa de forma alguma. Podemos legitimar outra coisa.
Ao substituir uma lei como essa, cuja necessidade de revogação está há tempo sendo debatida, no contexto de hoje, tem-se que considerar o ar que se respira, o espírito do tempo, como: a máxima concentração de terra; a paralisia da reforma agrária; o debate perigoso do marco temporal em terras indígenas; o uso desenfreado dos venenos mortais autorizados pelo Governo; o recorde de desmatamento; a grilagem de terra; a mineração; as queimadas; e outras formas de avanço em terras e riquezas, que afetam diretamente a vida dos coletivos vulneráveis normalmente enquadrados na criminalização.
A fala da Margareth Ferreira também, do Movimento Negro Unificado, traz essa percepção no contexto do extremo racismo estrutural.
Tem razão, a meu ver, o Prof. Cirino, quando menciona crimes contra o capitalismo, contra o capital, contra o ultracapitalismo, aqueles que não fazem pacto com a democracia. Já foram mencionadas por alguns de nós aqui, inclusive pelo Rafael, pelo Gabriel e pela Dra. Ela, as questões dos tipos penais abertos e sua redação. Há muita coisa que tem que ser batida.
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No entanto há à questão da insurreição, especialmente, e da conspiração. Da forma como estão postas, obviamente, eu concordo com a questão do problema, no caso de crime de insurreição, a parte solta, ao fim, com relação, por exemplo, a tentar alterar a ordem constitucional, impedir ou restringir com emprego de grave ameaça ou violência o exercício de qualquer dos Poderes legitimamente constituídos ou do Ministério Público, ou tentar alterar a ordem constitucional democrática. Nesse caso, quero só destacar isto: conspiração também é a associação de quatro ou mais pessoas para a prática de insurreição ou de golpe de Estado. Então, a questão da abertura dos crimes sem finalidade específica, como já mencionado pelos que me antecederam, beira à inconstitucionalidade, à convencionalidade, como mencionou a Bruna.
Como disse, nós estamos agora celebrando a Declaração Universal dos Direitos da Terra, a dos camponeses e das camponesas. Quer dizer, há toda uma lógica contrária à valorização da luta pela terra. A chance de que isso pudesse inibir a luta por direitos é muito grande, dependendo da abertura.
Eu considero o Juarez Cirino, que aqui foi convidado, um dos maiores penalistas do País. No lugar de resolvermos um problema consensual, que é a revogação da Lei de Segurança Nacional, nós poderemos criar uma imensa armadilha. E, ao vermos o que está acontecendo no Equador, na Bolívia e no Chile, nós não podemos nos desconectar da América Latina e da região.
Sobre isso, alguém poderia dizer: "Não, mas são sociedades totalmente diferentes entre si". E elas são submetidas a um modelo meio único de capitalismo extremo, financeiro e que trabalha também com os conceitos de extremos contra a ecologia e contra os povos e a organização das sociedades em luta por direitos humanos.
Então, há esse capitalismo financeiro extremo, que toma o direito penal, em particular, como instrumento de opressão, inclusive de novos golpes à participação democrática. Não é descabido se falar, inclusive, a depender da pressão e da urgência da lei, em interesses que avançam sorrateiramente nesta pressa de se aprovar, inclusive com vista às eleições de 2022.
Eu agradeço o convite, Deputada Talíria, e renovo as felicitações pela percepção de urgência do debate. Acho que temos que ampliá-lo mais e ouvir os sujeitos que são comumente afetados pela situação da criminalização. E reafirmo, portanto, uma preocupação com os rumos do processo, e não com a condução.
Aqui, novamente, felicito a Deputada Margarete.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Carol.
Vou passar, então, a palavra à Sra. Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira, da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos — ANADEP.
A SRA. LÚCIA HELENA SILVA BARROS DE OLIVEIRA - Bom dia a todas e a todos.
Eu gostaria de cumprimentar a Deputada Talíria Petrone e felicitar a Deputada Margarete Coelho pela oportunidade de um diálogo tão aberto com todos nós nesta audiência pública.
Fica aqui o registro das felicitações feitas pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos.
Eu falo em nome desta associação, que representa cerca de 6 mil defensoras e defensores públicos distribuídos ao longo de todo o Brasil. E nós queríamos fazer alguns importantes registros a respeito do projeto de lei.
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É certo que a Lei de Segurança Nacional, Lei nº 7.170, de 1983, foi editada em um momento — isto é reconhecido por todos nós — de muitas restrições da nossa sociedade. Com toda certeza, não podemos dizer que a Lei de Segurança Nacional tenha sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que é palco de tantas garantias, de tantos direitos fundamentais reconhecidos a todas as cidadãs e a todos os cidadãos brasileiros. Não desconhecemos que a Lei de Segurança Nacional precisa ser revogada, precisa ser extirpada do nosso ordenamento jurídico, porque, de fato, ela é fruto de um momento complicado e ostenta as angústias, as inglórias, as desgraças do povo brasileiro naquela época.
Muito embora exista a necessidade de suprimir a Lei de Segurança Nacional do nosso ordenamento jurídico, é fato que o projeto não pode ser editado de forma apressada. A sociedade brasileira necessita refletir sobre o assunto, e as audiências públicas são salutares para isso, mas precisamos também de uma boa discussão para que não caiamos no equívoco de que haja violações a direitos e garantias constitucionais tão arduamente conquistados ao longo de tantos anos.
Estamos num momento de pandemia, com um número exacerbado de mortes por conta da COVID-19 — 400 mil mortos. As reflexões da sociedade ficam abaladas diante de uma tragédia que não é só brasileira, mas também mundial. Daí, pedimos que não seja dada tanta urgência à avaliação de uma substituição à Lei de Segurança Nacional.
O projeto que está em discussão na audiência pública trata de crimes contra o Estado Democrático de Direito, e isso merece muita reflexão da sociedade. Como a lei criminaliza atos contra o Estado Democrático de Direito, é importante que se tenha em mente que os tipos penais necessitam estar em perfeita consonância com princípios que estão garantidos na Constituição Federal, como os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade. Entretanto, se fizermos um passeio pelos tipos penais que se encontram descritos no PL, vamos encontrar, conforme ressaltado por quase todos que me antecederam, ofensas frontais aos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade.
11:21
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Entrando na análise de alguns tipos penais, eu queria ressaltar alguns exemplos de ofensa ao princípio da legalidade. Cito o caso da espionagem, em que existe uma preocupação muito grande com o conceito de documentos secretos e ultrassecretos. Cito ainda a violência política, também já falada aqui hoje, cujo tipo é amplo demais. E, ao se ter um tipo amplo demais — usar de violência física, sexual, psicológica, moral —, estamos contrariando o princípio da legalidade, em última análise. Cito ainda o crime de incitação ao crime ou animosidade. O que é animosidade? Qual é o conceito jurídico que podemos encaixar nesse tipo penal? Isso nos causa bastante preocupação, porque, ao condenar uma pessoa por tipos como esses, nós estaremos fomentando o sistema carcerário de forma indevida, diante da ofensa ao princípio da legalidade.
É importante ressaltar ainda outras ofensas. Ao longo desses tipos penais, nós temos crimes consumados e tentados no mesmo tipo penal. O Código Penal já prevê diminuição de pena para a figura da tentativa. Por que fazer essa equiparação? Cito como exemplo, permitam-me fazer a leitura, o tipo de insurreição: "impedir ou restringir, com emprego de ameaça ou violência, o exercício de qualquer dos poderes legitimamente constituídos, ou do Ministério Público, ou tentar alterar a ordem constitucional democrática". Percebam que estamos no mesmo dispositivo equiparando a hipótese consumada e a tentada com a mesma pena.
Aproveito que estou falando do delito de insurreição, também já falado aqui, para ressaltar que alguns tipos descritos colocam o Ministério Público, que é parte, já que nós temos uma ação penal pública incondicionada, dentro do tipo penal. Percebam: "o exercício de qualquer dos poderes legitimamente constituídos, ou do Ministério Público". Com todo respeito à instituição do Ministério Público, não nos parece ser o mais ajustado a inclusão do Ministério Público ao longo de alguns dispositivos penais, na forma como está descrito.
Quero registrar ainda um comentário sobre a ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade — já estou caminhando para o fim, acredito que o meu tempo já esteja se encerrando —, tendo em vista algumas penas comparadas a dispositivos elencados no Código Penal. Mais uma vez insisto: se fizermos um passeio pelo Código Penal, vamos entender que algumas respostas penais colocadas no PL que fará parte integrante do Código Penal atuam na contramão dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no que diz respeito à pena. Eu já vou caminhando para o fim. Eu quero registrar, em última análise, que é bastante salutar que nós tenhamos a audiência pública nesta data, é bastante salutar a oportunidade de tantas instituições, de tantos segmentos da sociedade estarem aqui podendo fazer as suas manifestações, mas nós temos que continuar com a discussão na sociedade, temos que continuar com a discussão, sob pena de avançarmos com um projeto que pode futuramente nos trazer prejuízos constitucionais, prejuízos a garantias e a direitos tão arduamente conquistados ao longo de tantos anos.
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Muito obrigada. A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos agradece a oportunidade e se coloca à disposição de V.Exas.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Lúcia Helena. Agradeço demais sua contribuição.
Passo a palavra para o Mauricio Dieter, que é professor do Departamento de Direito Penal e Criminologia da USP.
O SR. MAURICIO STEGEMANN DIETER - Bom dia a todos.
Cumprimento a Deputada Talíria, a quem agradeço o convite.
Vejo tantos amigos e referências intelectuais, afetivas, o Gabriel, o Marcelo Semer, a Lúcia Helena, que acabou de falar, e sinto-me contemplado pela maioria das falas. Por isso, vou diminuir a quantidade de análise criminológica e me concentrar na última versão, que eu encontrei no substitutivo, e já com uma recomendação expressa à Deputada Talíria, à Deputada Margarete Coelho no sentido de que a revogação da Lei de Segurança Nacional politicamente parece exigir essa contrapartida de uma criminalização que é comum a todos os códigos, a toda a legislação penal do mundo ocidental, que utiliza o sistema de repressão como forma de resposta à violação dos pressupostos do Estado Democrático de Direito, etc. Então, faz sentido uma criminalização nesse horizonte, mas o projeto de lei tem problemas que são além das questões que afetam o exercício do direito de resistência democrática no País, questões técnicas bastante graves.
Portanto, entrando na dimensão dogmática, eu vou mencionar alguns dos maiores problemas que consegui verificar, nos últimos 2 dias, em relação à redação. E aí a Deputada Talíria tem que saber mensurar isto. Embora eu entenda que seria mais prudente constituir uma Comissão e pensar isso a fundo com uma ampla participação coletiva, etc., se a coisa realmente está se encaminhando para ser aprovada em urgência, existem coisas que são urgentes, e eu preciso mencioná-las.
De partida, eu quero mencionar que seria importante na constituição do tipo dos crimes contra o Estado de Direito que se esclarecesse o reconhecimento do direito à desobediência civil, do direito de resistência, autodeterminação dos povos, inclusive no sentido de Estados plurinacionais, algo que o Brasil pode vir a enfrentar em breve como demanda de comunidades autóctones, e de liberdade de imprensa, explicitamente no art. 359-L.
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Ali é preciso esclarecer que toda atividade da imprensa para ter acesso a documentos secretos, ultrassecretos, o que for, está amparada pela Constituição e que a imprensa tem o direito e o dever de comunicar mesmo aquilo que possa não imediatamente ser reconhecido como um interesse social. Então, assim, se não incluirmos a liberdade de imprensa na espionagem, nós correremos o risco de criminalizá-la no Brasil.
Depois, no art. 359-M, há um erro técnico grave, recém-mencionado pela Dra. Lúcia Helena. Você não criminaliza a tentativa de maneira autônoma. A tentativa é uma hipótese de criminalização que implica o início da execução da ação típica, mas a não realização do seu resultado por erro na execução, por circunstâncias prevenientes... Seja como for, você não coloca "tentar" no início da descrição de um crime. Isso não existe. Isso é simplesmente errado. Então, você deixa o crime de resultado definido, e a tentativa disciplinada pela parte geral do Código Penal.
Depois, no art. 359-O, está errada a definição. Ou se esclarece o conteúdo ou se mantém o que já está previsto no art. 359-O, ao qual vou me remeter agora para esclarecer o conteúdo: "Associarem-se quatro ou mais pessoas para a prática de insurreição ou de golpe de estado". Isso não faz o menor sentido, porque o Brasil já criminaliza organizações criminosas com uma pena bem maior. O art. 2º da Lei nº 12.850, de 2013, prevê uma pena que é quase o dobro dessa. Então, assim, não faz sentido você dizer que, para subverter a ordem democrática, vai ter uma pena menor do que a pena para praticar crimes comuns em associação. No momento, há um grave problema de incompatibilidade. No limite, eu ia dizer que se cria uma obrigação de diminuir a pena da Lei de Organizações Criminosas. Isso não faz sentido.
O art. 359-P, que vem logo a seguir, tem uma redação defeituosa, que cria um problema, porque atentar contra a vida é crime doloso contra a vida. Crime doloso contra a vida se processa no júri. Você cria um problema: você está dizendo que a tentativa de homicídio contra o Presidente vai se deslocar da competência do júri, porque ele tem um tipo próprio? Isso está mal feito. Isso não tem nada a ver. Isso está mal redigido. Isso vai criar um problema de competência, vai criar um problema de definição. O que é atentar contra a vida? É tentativa de homicídio. A tentativa de homicídio se disciplina no art. 121. Então, vamos ter que discutir se se muda a redação do art. 121, como hipótese qualificadora, não sei... Mas, definido do jeito como está, isso não faz sentido. Isso vai ser um problema.
Eu estou dizendo tudo isso, com toda a franqueza, porque, se passa a lei do jeito como está, a primeira coisa que vai haver é disputa constitucional no STF para revogá-la, revogar a nova lei que entra para substituir a Lei de Segurança Nacional. Há um erro grave de redação no art. 359-P.
No art. 359-R, é preciso excluir esse tipo completamente, por redação vaga ou imprecisa. No art. 359-R, você menciona: "promover, ofertar, constituir, financiar, ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, ação para disseminar conteúdo passível de criminal". Como é que você vai definir a suscetibilidade de sanção criminal na apuração de um crime próprio ou fatos que sabe inverídicos? Aí você inclui no elemento do tipo subjetivo conhecimento de um fato inverídico? Mas como é que você vai demonstrar isso em juízo? Essa é uma hipótese incriminatória, para não dizer inútil, inaplicável, por indefinição técnica. Se for levado a sério isso... Nenhum tribunal consegue levar adiante essa hipótese incriminatória.
11:33
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No art. 359-S, que vem depois, eu acho que é preciso mudar a redação, porque não vejo lógica em restringir isso a uma questão de gênero. Se você está usando violência física, sexual, psicológica, moral ou econômica para evitar que alguém exerça os seus direitos políticos, isso pode ser determinado por uma questão racial, por uma questão de gênero, por uma questão de classe. Então, você cria um crime, uma forma ampla de evitar constrangimento no exercício de direitos políticos e restringe isso para a dimensão de sexo ou orientação sexual? Não faz sentido. Esse crime de violência política está mal escrito. Não pode continuar assim, senão vai permitir que isso aqui seja aplicado por analogia a outras formas de discriminação. Novamente, não faz sentido.
No art. 359-U, o seu parágrafo único é simplesmente inconstitucional. Por quê? Porque você não pode punir as preparatórias de maneira autônoma. Isso porque o início da punibilidade no Brasil, definido pela parte geral do mesmo Código Penal em que querem colocar essas modificações, é definido pelo início da execução da ação típica. Então, não dá.
O art. 359-V, com todo o respeito, não faz o menor sentido. Ele cria uma criminalização non sequitur, uma criminalização que não tem relação lógica com o bem jurídico que o próprio dispositivo diz afirmar. E mais: tem o mesmo gradiente punitivo em relação ao atentado local contra a autoridade pública local do art. 359-P. Então, por que não simplesmente incluir as autoridades estrangeiras no mesmo crime?
E o segundo ponto é o elemento subjetivo necessário, a fim de destruir a ordem constitucional do Estado Democrático de Direito. E qual é a relação lógica que existe entre atentar contra a integridade física do Chefe do Estado ou Governo estrangeiro, para atentar contra a ordem democrática local? Isso implicaria um plano que utilizasse a morte, por exemplo, do Embaixador dos Estados Unidos para mobilizar uma ação dos Estados Unidos contra o Brasil. E isso já está incluído na criminalização lá de cima, com uma pena muito menor. Então, seria vantajoso, pelo princípio da especialidade, tirar esse para poder remetê-lo lá para cima. Sem falar, de novo, de atentar contra a integridade física, que é uma pena que equivale a atentar contra a vida, como está no crime anterior. Bom, eu tiraria, porque a redação, simplesmente, não faz sentido.
Gosto do art. 359-W. Eu o acho importante, mas é preciso saber que isso já não está, em boa medida, contemplado pela Lei de Abuso de Autoridade.
Enfim, para concluir, porque meu tempo esgotou — desculpa, Deputada Talíria e Deputada Margarete Coelho —, mas está errado, está malfeito esse substitutivo. Eu entendo a intenção, mas é urgente que isso aqui passe por uma análise dogmática penal, além das questões sociológicas e criminológicas sobre as quais meus companheiros já comentaram.
Do ponto de vista de um professor de Direito Penal está ruim, está errado, é lei penal malfeita. Isso tem que ser revisto, ainda que numa comissão urgente de juristas, para que não passe do jeito que está. Isso aqui vai sofrer evidentes contestações do Supremo Tribunal Federal, com razão, por inaptidão técnica, e não apenas por inadequação sociológica para isso.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada.
A SRA. MARGARETE COELHO (Bloco/PP - PI) - Deputada Talíria, eu gostaria de prestar alguns esclarecimentos.
Eu estou embarcando, está muito ruim para participar, mas eu gostaria de dizer que, ao contrário do que o Prof. Dieter sugere, esse projeto passou, sim, pela análise de vários professores de Direito Penal e de Direito Processual Penal. Ele passou por uma comissão organizada por vários juristas, dentre eles o próprio autor da lei, o Prof. Barroso.
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Eu realmente não concordo com essa opinião de que a análise foi descuidada, de que o texto não tem qualidade. Acho que isso é uma injustiça com todos os que analisaram anteriormente essa lei, esse substitutivo, mas eu respeito a posição do Prof. Dieter. Gostaria de informar, inclusive, que no substitutivo nós depositamos o rol de doutrinadores, de professores. Eu não tenho essa opinião que ele externa a respeito dessas pessoas, realmente eu não tenho. Essa última versão passou pela análise de vários juristas renomados, entre eles o Prof. Alaor Leite. Eu não vou nomear os demais para não cometer injustiças, mas no substitutivo, no relatório constam todos. Esse é o décimo substitutivo. Isso mostra que o texto passou por várias mãos. Eu agradeço a opinião do Prof. Dieter, respeito a opinião dele, entretanto repudio a análise que ele faz beirando o desrespeito com relação a todos os que analisaram anteriormente o texto, como o Prof. Barroso, entre vários outros, Ministros do Supremo, enfim. Respeito a opinião dele, mas eu repudio a forma extremamente desrespeitosa como ele se referiu aos demais juristas que analisaram esse texto.
A porta do Supremo vai estar sempre aberta, é claro. O direito de acesso à Justiça é amplo, nós temos esse direito, mas deixo aqui a minha nota. Estão anotadas todas as críticas, elas serão analisadas, mas eu gostaria de dizer que o texto não foi fruto só da minha pena. Esse texto passou por várias penas.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Obrigada, Mauricio. Obrigada, Deputada Margarete.
Este é um espaço de escuta privilegiado das instituições, das entidades. Antes de passar a palavra para a Estela, eu quero dizer que entendo que há dois conjuntos de críticas e ponderações trazidas aqui. Várias questões já foram incorporadas pela Relatora, mas entendo que, no mérito, há ainda um caminho longo a ser percorrido e precisamos chegar ao melhor texto possível. Há disposição da Relatora para isso. Outro conjunto de ponderações, sobre o qual eu já havia conversado também com a Relatora, é em relação ao tempo possível, disponível para essas alterações.
A SRA. MARGARETE COELHO (Bloco/PP - PI) - É claro, Deputada Talíria, concordo plenamente. Esse texto também passou pelo Prof. Miguel Reale Júnior, por vários membros do Prerrogativas, por vários membros do IPC Crime, por vários membros de universidades respeitadas, por vários doutrinadores. Então, acho que esse texto não é descuidado, malfeito, mal-acabado. Podemos discordar de alguns conceitos? Sim. Nós temos que ver é o título em que esses dispositivos estão albergados. Acho que essa análise não faz justiça ao texto nem ao trabalho de todos os que se dedicaram a ele até aqui.
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Mas eu respeito o Prof. Dieter. Inclusive tivemos vários encontros durante a apreciação do pacote anticrime e ele trouxe aportes excelentes. Realmente eu gostaria de fazer a defesa de nomes como o do Prof. Miguel Reale Júnior, do Ministro Barroso, do Ministro Alexandre de Moraes, e de dizer que não se trata do argumento da autoridade, não — não se trata do argumento da autoridade, não. Estamos falando da autoridade do argumento mesmo.
Enfim, eu agradeço, mas não posso deixar de manifestar o meu inconformismo com a forma desrespeitosa como ele se dirigiu a um grupo de juristas que dedicou seu tempo e sua generosidade ao texto. O texto não é meu, o texto foi feito por inúmeras mãos.
Eu gostaria de sugerir a leitura da justificativa, em que se faz justiça a todos os que contribuíram para o texto. Além disso, podemos disponibilizar um quadro comparativo em que cada dispositivo, cada contribuição está reconhecida com o devido respeito à sua autoria. Eu posso disponibilizar isso também. Assim, talvez o Prof. Dieter afaste essa impressão de que alguém incompetente, apressado, açodado, redigiu esse texto.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Obrigada, Deputada Margarete. Bom voo para V.Exa.!
Passo a palavra para Estela Aranha, representante da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RJ.
Seguimos aqui na escuta.
A SRA. ESTELA ARANHA - Bom dia a todos e todas.
Eu vou falar especificamente do que me diz respeito, que é a questão das fake news. Temos um artigo sobre comunicação enganosa em massa.
Primeiro, agradeço o convite à Deputada Talíria, ao Deputado Waldenor, que instituiu esse debate, e à Deputada Margarete por esse processo de escuta bastante generoso. Ela está possibilitando e também considerando a participação de todos.
Eu queria agradecer também às criminalistas Heloisa Estellita, Maria Jamile José e Flora Sartorelli, que debateram comigo o que vou conversar agora com vocês e fizeram essa nota, juntamente, aqui nas discussões, em relação a esse tipo penal. Vou falar de comunicação enganosa em massa — art. 359-R.
A primeira coisa a dizer em relação a esse artigo é que há uma dificuldade de compreensão inclusive do que ele significa para quem está fora do debate sobre fake news. Ele é complexo, o tema é complexo. Já tivemos uma grande discussão aí na Câmara sobre PLs, tanto sobre definição de fake news como também sobre tentativas de criminalizar condutas, e realmente isso é algo muito difícil, muito complexo. Entendo que se levaram meses tentando chegar a essa redação e não se conseguiu, e agora há também isso. Temos que tomar muito cuidado, porque aqui estamos usando termos muito diferentes dos usuais da lei penal, para quem faz a aplicação, desde a delegacia de polícia até o Judiciário, o que pode trazer problemas de interpretação e aplicação da lei. Eu falo isso, por exemplo, porque trabalho com produção de dados na área cível, com a LGPD — Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que é superárdua, supertécnica, e estamos tendo um monte de questões em relação à interpretação justamente por essa tecnicidade. Então, deixar mais claros os termos, de acordo com a lei penal e com quem aplica a lei penal, é essencial.
Há problemas nesse artigo. Por isso, a nossa sugestão é a supressão desse artigo, porque, primeiro, há um risco imenso, enorme, de ele abranger condutas insignificantes. Condutas que não possuem nenhum potencial danoso seriam abarcadas por uma pena gravíssima, justamente por essa dificuldade de se descrever o tipo penal. Também há um risco enorme de se alcançar condutas que recaem no âmbito da liberdade de manifestação de pensamento e na liberdade de expressão e de comunicação, que são direitos também protegidos. Nós temos que fazer um equilíbrio muito importante da proporcionalidade dessas medidas.
11:45
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Começo fazendo a crítica sobre o verbo do núcleo da conduta delitiva, que não tem muita precisão. Seria muito importante conseguir precisar isso. Do jeito que está, também traz formas de tipos penais tentadas. Temos que ter atenção a isso. Então, ele fala em "promover, ofertar, constituir e financiar ação para disseminar fatos que se sabem inverídicos". Isso é muito amplo. De repente, em outras condutas, o simples fato de "ofertar" não seja um termo amplo, "promover" não seja um termo amplo, caso a ação seja outra. Mas como estamos falando de distribuição de mensagens, isso pode ser um termo amplo para a comunicação. O que é exatamente? Quem promove? A equipe que escreveu o texto? De repente é um texto feito por um grupo. Alguém que escreveu? Quem mandou? Quem patrocinou? Quem é o autor intelectual? E todo mundo está abarcado da mesma forma.
Sobre exatidão. Qual é a conduta que você fez para você cometer um crime? Ela é muito ampla, sendo que, de modo geral, as estruturas obviamente de quem faz e dissemina notícias ou campanhas políticas, etc., são de modo coletivo.
Há também o fato de integrar. Sabemos que quando se fala em integrar, é porque a conduta individual não está punida, é apenas a coletiva, apenas um conjunto de indivíduos. Então, fica essa dúvida, se esse tipo penal também serve para uma conduta individual ou como tem integrado nessa ação desse núcleo, se é somente quando é feita em conjunto com os outros indivíduos.
Falando ainda de "promover, ofertar, constituir, financiar ou integrar a ação", a "ação" que, para este tipo de descrição, também acaba sendo um verbo um pouco complicado. O que é a ação? O legislador não pode fazer metáfora nem tradução que não signifique exatamente aquilo.
Eu aprendi isto com a Dra. Heloisa Estellita, que trouxe isso ao nosso debate, que o termo action, que há na legislação alemã, significa campanha ou iniciativa, e não o termo "ação", que nós temos, inclusive pelo nosso direito penal, como até um movimento corpóreo. Então, o termo "ação" acaba não deixando se compreender. Com o que se quer dizer na legislação estrangeira como ação, nesse sentido de disseminação de notícias falsas, a tradução correta seria campanha ou iniciativa. Então, promover, ofertar, constituir não uma ação, porque senão fica mais difícil.
Também continua o tipo pessoalmente ou interposta a pessoa. Interposta a pessoa é um conceito do direito tributário que foi trazido para o tipo penal. Há um problema, já que não deixa claro quem é o sujeito desse tipo, porque é um conceito doutrinário. Interposta a pessoa, para quem não está acompanhando, é a pessoa que age em nome de outra pessoa, utilizando o nome próprio, conhecida também como testa de ferro. Essa é a definição que temos no STF. Não fica claro aí quem seria o sujeito ativo, o autor. Seria o testa de ferro? Ou também quem o está usando?
11:49
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Portanto, usar os termos que nós usamos no direito penal para definir o sujeito ativo é muito importante. Não adianta importarmos esses conceitos que não são usados no direito penal porque isso vai confundir o aplicador da lei. Temos que lembrar que a lei também será aplicada nas delegacias de polícia do País inteiro, no Judiciário, etc. Então, temos que ser muito específicos.
Outra questão é que se diz "mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada". Algumas perguntas trazem isso. E qual é o risco disso? Se os serviços que fornecem ferramentas que permitam essa disseminação de notícias em massa não é crime, simplesmente porque o WhatsApp permite que se faça... Estamos falando do WhatsApp, que é o mais comum, mas falta uma neutralidade. Existem outros serviços de mensageria que não são WhatsApp e podem permitir a disseminação de notícias em massa e não ter esse controle. E aí eles não são punidos? São punidos se for no Facebook, Instagram, Twitter ou qualquer outro meio? Então não há uma neutralidade tecnológica, como chamamos. Usar ou não usar o expediente permitido pelo conteúdo de aplicação não faz diferença para a lesão do bem jurídico. Não faz muito sentido aí.
Por isso é preciso que se retire a especificação desse meio porque, na verdade, o que se está dizendo é: "Você só pode trabalhar do jeito que o Facebook coloca". Se um dia o Facebook, no caso, o WhatsApp, deixar você fazer disseminação em massa se você pagar um patrocínio, mesmo que a conduta seja muito parecida com o que se quer, o tipo penal não vale porque o serviço de mensageria é que vai decidir qual é o meio em que se pode fazer a conduta? Se ele diz que é um meio próprio, então o tipo penal não vale essa pessoa?
Então, temos muitos problemas em relação a isso. Primeiro porque não se abarcam todos os outros serviços de redes sociais que disseminam fake news e, depois, porque não faz sentido a rede social decidir o que é legítimo e o que é legal dentro do nosso País, e não a própria lei penal decidir o que é legítimo e o que é legal. Nós estamos passando esse papel justamente para essas redes sociais, cuja arquitetura e modelo de negócios trouxeram, em forte medida, esses problemas de disseminação de fake news pelo filtro bolha, pela possibilidade de radicalização, pela falta de moderação de conteúdo, etc. Isso é muito complicado.
Sei que o tempo está pouco, mas só para passar pelas ações "para disseminar fatos que sabe inverídicos capazes de colocar em risco a higidez do processo eleitoral, ou o livre exercício dos poderes constitucionais". Na lei penal, a verdade está colocada em outros dispositivos penais, mas eles são muito específicos, estão em contextos muito específicos. Na denunciação caluniosa, por exemplo, falamos de imputar crimes de que o sabe inocente. Então, tem que haver um tipo penal. Trata-se de uma pessoa que é inocente ou então um falso testemunho, há um contexto específico em um processo em que se fala deliberadamente.
Agora, quanto à afirmação "fatos que sabe inverídicos", o que é verdade dentro de um processo de disputa eleitoral, de uma disputa política? Isso é muito complexo porque estamos falando de disputas de narrativas. E aí precisamos saber quem vai definir o que é verdade dentro dessas disputas de narrativas.
Além de tudo, o fenômeno das fake news não é uma questão somente de verdade ou não verdade, porque tem-se a falsa conexão, o falso contexto, outros tipos de manipulação de um fato que têm os mesmos efeitos de uma notícia falsa. Na verdade, de repente, aquele conteúdo em si pode até ser verídico, mas com a forma com que ele é colocado, com falta de conexão, com manipulação de contexto, acaba-se tendo o mesmo resultado.
Então, é muito difícil sabermos o que é verídico e o que não é verídico dentro da disputa política, que é onde esse artigo está colocado.
11:53
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Concluindo, se estamos falando de um crime de perigo abstrato, de colocar em risco a higidez do processo, colocar em risco o exercício dos poderes legitimamente constituídos, então temos que ter muito cuidado com isso, porque é muito importante pensar nesses tipos de crimes e como eles vão ser trabalhados.
Eu queria muito reforçar também a fala da Bruna no sentido de que a criação desses tipos penais podem trazer mecanismos de controle de comunicação a pretexto de se possibilitar a aplicação da lei. Isso é um fator que coloca ainda mais a necessidade de se retirar esse artigo para que se possa discutir eventualmente depois, quando formos debater sobre alguma criminalização de fake news. A partir do momento em se permite a criminalização dessa conduta, para apurá-la, tem-se a necessidade de se ter o controle dessas comunicações. É preciso saber como se vai apurar esse tipo de crime novamente. Com isso, a liberdade de expressão, a liberdade de comunicação, etc. ficarão muito em risco.
Outra questão diz respeito à pena muito alta. Como eu disse, isso abrange, pela descrição do tipo, condutas insignificantes ou sem potencial danoso e com uma pena absolutamente desproporcional. Então, é muito complicado.
Faço só um parênteses: não tem sentido a MP merecer uma proteção especial que se equipare aos Três Poderes. Eu acho que também é um fator de desestabilização empoderar-se diferentemente esse Poder. Isso não faz muito sentido. Então, é necessário retirar.
Eu queria agradecer a oportunidade de falar e agradecer também a todos os meus colegas que brilhantemente aqui falaram: a Bruna, a Carol, o Rafael, o Marcelo Semer, o Prof. Juarez Cirino e todos que brilhantemente aqui fizeram a defesa do projeto de forma completa. Eu só foquei aqui no que diz respeito à minha área de especialização, mas estou de acordo com a fala dos colegas.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Estela.
Antes de passar para o último orador...
O SR. JUAREZ CIRINO - Deputada Talíria...
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Pois não...
O SR. JUAREZ CIRINO - Eu posso fazer uma rápida intervenção? A senhora me permite?
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Permito, claro.
O SR. JUAREZ CIRINO - É só 1 minuto, talvez nem isso.
Eu ouvi a exposição do Mauricio Dieter e ouvi também a intervenção da Deputada Margarete Coelho, que é Relatora do projeto. Eu só quero dizer o seguinte: do ponto de vista técnico, a fala do MauricioMauricio Dieter foi absolutamente pertinente. Eu não enxerguei nenhuma descortesia em relação aos autores do projeto e aos professores que falaram. Ele fez uma crítica científica, que pode ser dura às vezes, mas é uma crítica científica, como se faz na Academia. Não houve, em nenhum momento, desrespeito da parte dele porque, na verdade, ele levantou questões que eu gostaria de ter levantado. Não o fiz porque recebi esse substitutivo apenas hoje de manhã. Hoje de manhã foi que eu o vi no meu computador. Mas o que ele levantou é absolutamente pertinente. Esse projeto tem problemas muito sérios de tipicidade e, realmente, na crítica que ele fez eu não vi nenhum desrespeito. Acho que deveria ser dada a palavra para ele apenas para dizer algumas coisas porque foi feita uma crítica sem réplica.
Era apenas isso.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Claro, Prof. Juarez.
Eu vou passar a palavra antes para o último orador, que é o Dr. Florisvaldo Antonio Fiorentino Júnior, representante do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais — CONDEGE e Defensor Público-Geral de São Paulo. Depois eu posso passar a palavra para o Mauricio de novo, sem problema, e seguimos aqui com a nossa audiência.
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Antes, eu só queria rapidamente ler aqui também — como, no início, eu disse que faria — mais uma contribuição de quem está assistindo à audiência pela Internet, da Gabrielle Alves, pesquisadora da Plataforma Cipó. Ela diz que a revogação é urgente para o fim da criminalização de ativistas e sugere que pautemos a entrada em vigor do Acordo de Escazú, que ainda não ratificamos.
Passo imediatamente para o Dr. Florisvaldo. Depois, caso deseje, falará o Mauricio.
O SR. FLORISVALDO FIORENTINO JÚNIOR - Obrigado. Nosso bom dia também a todos e todas, já no final do dia.
Quero, inicialmente, aqui saudar a Deputada Margarete Coelho, na pessoa de quem estendo os cumprimentos e as saudações aos Deputados e Deputadas aqui presentes, às autoridades, aos integrantes da sociedade civil, enfim, a todos e todas que nos acompanham.
Desde já, também quero agradecer, de forma especial, à Exma. Deputada Talíria Petrone o convite mais uma vez, autora do requerimento para realização da audiência, bem como agradecer a participação aqui do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais — CONDEGE.
Eu estou hoje como Defensor-Geral do Estado de São Paulo, mas também integro a Diretoria do CONDEGE. Nessa condição, aqui estou para poder compartilhar também um pouco da visão institucional a respeito desse projeto de lei, que visa, entre outros temas, revogar a Lei de Segurança Nacional. Rapidamente, então, eu trouxe algumas contribuições, já pedindo desculpas porque estava programando a minha fala para o início, mas tive que participar de outro evento, por isso, certamente posso incorrer no erro de repisar temas que já foram objeto de algum tipo de enfrentamento, algum tipo de debate.
Só queria externar que, obviamente, o projeto de lei aqui em análise tem inegável contexto político e social muito sensível. Não se nega que é válido o intuito de harmonizar a antiga legislação de segurança nacional, a fim de justamente balizar um diploma mais assegurador da manutenção e da defesa do Estado Democrático de Direito, tal como é o seu objetivo propagado lá desde a propositura. Obviamente, ele também revoga a antiga Lei de Segurança Nacional, ainda vigente, diploma esse que contempla diversos dispositivos quase que na sua plenitude, cuja recepção pela nossa Constituição Federal de 1988 é controvertida e rechaçada inclusive em algumas ações no Supremo Tribunal Federal, algumas arguições de descumprimento de preceito fundamental nesse tema.
É claro que o PL vem nesse contexto em que vivemos também uma evidente polarização política, em que a defesa principalmente dos direitos sociais e dos direitos humanos assim como seus respectivos atores, personagens e defensores acabam também vivenciando os efeitos nocivos decorrentes dessa polarização, dessa intensificação. E tudo isso fica evidente e somado a um desafio ainda maior para a nossa geração, que é o enfrentamento da pandemia.
Então, o momento pede equilíbrio, pede uma profundidade no diálogo — acho isso importante —, em ambientes em que esse equilíbrio e essa profundidade sejam amplificados e possam oportunizar esse diálogo. Por isso, acredito que os debates em torno da tramitação bem como do conteúdo desse PL devem ser feitos com a máxima ampliação mesmo dos espaços de debate, como estamos vendo no dia de hoje. Essa visão plural da sociedade é fundamental nesses espaços, como pude acompanhar um pouco aqui hoje. E, de fato, isso se mostra muito propositivo para que esse passo, caso seja dado, ocorra de forma segura, num ambiente dissociado da turbulência pela qual estamos passando.
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Dessa forma, é fundamental que a tramitação desse projeto observe as instituições políticas, os sistemas de Justiça pública, a sociedade civil e todos e todas que têm, em suas bandeiras de atuação, os temas tratados na novel legislação, no novo projeto de lei, que está sendo discutido de maneira mais aprofundada no dia de hoje. E é claro, principalmente, que, neste processo, sejamos permeáveis aos aprimoramentos de texto que contemplem os fundamentos e as garantias fundamentais, cujas bandeiras de atuação têm aqui guarida nas representações e nos convidados que hoje já fizeram uso da palavra.
Obviamente, a Defensoria Pública preza, até pelo seu papel constitucional, pela defesa dos direitos humanos, sendo uma forte vertente justamente a defesa de que a criminalização de novas condutas seja de fato a última ratio dentro do Estado Democrático de Direito. Principalmente, caso essas condutas venham a ser positivadas, caso novas condutas inovem o ordenamento jurídico penal, é preciso que elas venham de modo a não canalizar uma força punitiva estatal diretamente direcionada à camada social mais vulnerável socioeconomicamente, para além também dos movimentos sociais que, muitas vezes, pelas suas posições nos mais variados espaços, se colocam de maneira contramajoritária. É importante que esses elementos, de fato, norteiem de maneira propositiva o debate.
No mais, Deputada Talíria, tenho certeza de que os convidados trouxeram, na realidade, diversos outros elementos para esse debate, que o enriqueceram e, eventualmente, também contribuirão para o aprimoramento do texto.
Então, quero, mais uma vez, aqui agradecer o espaço, que terá o papel das defensorias públicas pelo País como expressão e instrumento do regime democrático, sempre, é claro, na firmeza da defesa dos direitos e garantias fundamentais da nossa população. Despeço-me aqui agradecendo e desejando uma excelente e profícua continuidade dos debates neste e nos demais espaços, sobre esse projeto, Deputada Talíria.
Um abraço a todos e todas.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Agradeço.
A SRA. CAROL PRONER - Deputada, peço 1 minuto apenas, para reagir à fala do Dr. Juarez Cirino rapidamente, pois já sei que vai ser concedida a fala ao Dr. Mauricio.
Essa fala do Prof. Cirino é muito importante porque aqui nós estamos numa audiência pública, num debate que precisa ser amplo, e as contribuições dogmáticas têm o condão de nos ajudar, apesar da liderança e da condução impecável, gentil e muito atenciosa, como sempre menciono. Não fosse isso, nós não teríamos a condição de palavra como está acontecendo aqui e em outras reuniões em que já estivemos.
Fato é que a matéria é de tal forma controversa e dói! O sentir aqui não é do jurista e não é meu, o sentir é do sujeito da ponta, que vai sofrer as agruras da criminalização. Portanto, eu queria diferenciar um pouco isso, porque tenho certeza, conhecendo o Prof. Dieter, que, obviamente, não foi nada com relação à condução do processo, mas, sim, à dogmática penal, que nos falta efetivamente nesse momento.
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E, olhando, para que não é da área do direito penal como eu, lendo os dispositivos a respeito de insurreição, a respeito, por exemplo, de todos aqueles que foram mencionados e que dizem respeito, quase que têm o nome dos movimentos embaixo: conspiração, insurreições, etc. Então, de fato, nós estamos em uma situação muito tensa. E, por mais que este seja um esforço de composição, não poderá compor nesse caso interesses tão contrapostos.
Desculpem-me e obrigada pela palavra.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Por nada, Carol.
Passo agora a palavra ao Dr. Dieter.
O SR. MAURICIO STEGEMANN DIETER - Eu agradeço.
Eu não vou deixar de exercer o direito de réplica, porque o meu Prof. Juarez Cirino dos Santos, que é meu mestre, provocou. Então, eu sou obrigado a fazer.
Eu não sei se a Deputada Margarete ainda nos ouve, eu imagino que não.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Acho que o avião em que ela estava acabou de decolar.
O SR. MAURICIO STEGEMANN DIETER - Exato. Ela deve estar em pleno voo.
Eu também não quero ser injusto, porque acho que estabelecer, digamos, uma réplica sem poder me dirigir a ela não é interessante. Ela já trabalhou em outras Comissões. Eu já tive oportunidade de interface com ela. Eu acho que ela errou no sentido de supor que eu quis ser ofensivo em relação às pessoas que elaboraram o projeto.
Eu fiz parte da Comissão para reforma da lei de drogas e sou o primeiro a apontar nela, na Comissão de que fiz parte, na qual estabeleci um debate franco com os meus colegas, uma série de críticas, até porque de partida essa é uma lei que prorroga o proibicionismo no Brasil em relação ao que eu me oponho. O que acho importante dizer é que as críticas que fiz são dirigidas a não todos os artigos, mas à maioria deles, porque eles têm erros, os quais sou obrigado a apontar por escrito em sala de aula, por dever de coerência.
Vou apenas enunciá-los, Deputada Talíria, para não ocupar o tempo dos demais: o art. 359-M incrimina a forma atentada, mas a tentativa e o início da execução da ação típica. Logo, este é um erro técnico. Deixa lá para definir o crime doloso em resultado e fica a imputação da tentativa para a parte em geral. Isso é algo elementar, algo básico. O art. 359-O tem uma definição incompatível com a ordem jurídica. O art. 2º da Lei nº 12.850, de 2013, tem uma pena maior e define com mais rigor organização criminosa para delitos muito menos graves que tentarem subverter a ordem democrática. Isso está errado.
O art. 359-P tem redação defeituosa, porque inclui a tentativa de homicídio como crime independente, a partir de um verbo de conteúdo indeterminado que é atentar. Isso também cria problemas de competência. Por acaso isso exclui a competência do tribunal do júri? Isso é um problema que tem que ser visto. O art. 359-R tem redação vaga ou imprecisa. Acabamos de ouvir um especialista indicando que seria melhor ocorrer a sua supressão. Quanto ao art. 359-S, não faz sentido diferenciar formas de constrangimento para evitar o exercício de direitos políticos exclusivamente por questões sexuais sobre orientação sexual.
O art. 359-U, parágrafo único, incrimina atos preparatórios de maneira autônoma, o que, além de inconstitucional, vai causar uma perplexidade sobre a forma tentada. O art. 359-B é outra forma de criminalização, porque tem a mesma pena do 359-P, mas sem incluir a vida, que está lá numa relação que pressupõe a prática de outro crime definido.
Então, eu quero dizer: eu tenho o maior respeito pelos representantes eleitos pelo democrático poder popular. E, por acaso, eu gostaria de protegê-los, inclusive, prezando o mecanismo penal, mas é preciso observar a lição de Alessandro Barata: "Nós respeitamos as pessoas, mas criticamos profundamente as suas ideias". Não é porque membros, juristas, algum critério de qualidade que se define entre nós...
Aliás, pelo contrário, que fique claro: na academia brasileira, o respeito pelas pessoas vem primeiro, mas o debate das ideias não pode fazer concessões. Na defesa daquilo que é correto, por isso, constitucional e dogmático, tem que prevalecer a honestidade científica.
Por isso, não tomo ofensa. Acho que faz parte. Volto a agradecer tanto à Deputada Talíria quanto à Deputada Margarete e ao Deputado Waldenor a oportunidade de, por meio de uma universidade pública, participar de debates que interessam toda a sociedade.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada.
Quero apenas registrar algumas organizações e pessoas que, por motivos técnicos, não conseguiram entrar: o Douglas Belchior, representante da Coalizão Negra por Direitos; a Jurema Werneck, representante da Anistia Internacional; Laura, da Comissão Arns; a Ana, representante do MST; o Marcio Sotelo, ex-Procurador-Geral do Estado de São Paulo e a Dra. Kenarik, jurista e magistrada brasileira.
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Quero agradecer a quem esteve aqui, a quem também conseguiu por algum motivo estar conosco. Passaram por aqui o Deputado Glauber, a Deputada Erika Kokay, a Deputada Luiza Erundina, o Deputado Orlando, que parece que ainda está na sala. Nenhum deles pediu a palavra. Eu pergunto se querem fazer alguma colocação agora no fim da audiência.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Posso, Talíria?
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Claro que sim.
A palavra é sua, Orlando, antes de nós finalizarmos.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Querida, pedi a palavra apenas para te dar um beijo e te cumprimentar pela iniciativa. É muito importante V.Exa. estar atenta a um tema superdelicado. É muito difícil a situação do sistema remoto de funcionamento da Câmara dos Deputados. Ele precariza demasiadamente o nosso funcionamento, rebaixa o debate político.
Então, foi muito importante V.Exa. estar atenta e estimular, ainda que num prazo curto, ainda que com tantas barreiras técnicas para a participação, que nós tivéssemos a inteligência ou parte da inteligência brasileira que estuda as questões penais; estimular a sociedade civil — que monitora esses temas — a nos trazer uma contribuição.
Deputada Talíria, o gesto de V.Exa. foi inspirador. E, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, faremos na semana que vem outra rodada, outra audiência pública, no sentido de colocar luz no texto, agora, já com a versão protocolada, final, apresentada pela Deputada Margarete. Eu tenho o máximo respeito pela Deputada Margarete, pela capacidade política e jurídica que S.Exa. tem.
Faz tempo que eu estou muito preocupado com esta matéria. Já incomodei muitos colegas, porque eu considero que essa é uma matéria de sensibilidade muito grande. Eu sou daqueles que batem o olho no texto. E parece que tudo está dirigido para alcançar alguns de nós.
Deputada Talíria, V.Exa. sabe que eu sou filho do movimento social. Quando li os textos, inúmeras vezes eu me vi ali tomando um enquadro, igual ao que ocorria quando, na periferia de Salvador, eu tomava enquadro quando estava num ônibus voltando para casa. Eu estou me vendo como uma liderança política enquadrável num daqueles tipos, daquele jeito ali, dependendo da interpretação. Por isso, eu considero que a crítica a tipos penais, nos termos que estão colocados tipos penais abertos, é uma crítica procedente que merece de fato nossa atenção. Não há o que disputar.
Eu tenho dito — inclusive, já conversei com V.Exa. sobre isso — que a lógica do inimigo interno continua sendo uma lógica presente na normativa que foi colocada. Eu tenho dito que, por mais que alguns falem que essa é uma proposta de 2002, eu sempre reajo assim: debater direito penal em 2002 era uma realidade, em 2021 é outra realidade, e as leis não são conceitos abstratos, você tem que olhar o contexto histórico no qual nós fazemos o debate. Inclusive, eu digo isso com uma visão crítica e autocrítica. Na minha impressão, a edificação do direito penal feita pelo meu Governo, digamos assim, pelo campo de que eu participo, não foi virtuosa, na minha impressão. Aliás, isso não é um fenômeno brasileiro. No mundo inteiro também acontece, com experiências de campo progressistas que colaboram muitas vezes para a piora.
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Então, Deputada Talíria, é muito importante estarmos vigilantes, estarmos atentos. Eu pessoalmente — o Gabriel sabe disso — acho que é errado este ser o título do Código Penal. Eu considero que a ideia de defesa do Estado Democrático de Direito ser o título do Código Penal, no simbólico, sinaliza mal. Por mais que falem: "Ah, mas é uma codificação, harmonização do código", eu acho errado. Acho que tinha que haver uma parte principiológica. Se a lei é para fazer a defesa da democracia, tinha que haver uma parte principiológica, afirmando valores, conceitos, porque essa é a necessidade do Brasil de hoje. Não adianta queremos ter a melhor ordem na lógica jurídica num país em que Bolsonaro é o Presidente! Essa é a realidade que nós vivemos. Nós temos que ter uma afirmação conceitual dos valores democráticos.
Deputada Talíria, sou muito cético com relação aos passos que nós daremos até a semana de maio, quando deve estar prevista a votação. Os que não são Parlamentares aqui sabem que o Deputado Arthur Lira, o Presidente desta Casa, está vivendo o auge do poder político dele. Isso é normal. Isso sempre é assim. Ele acabou de ser eleito. Ele tem capacidade de botar 200, 300 Deputados no plenário e votar. Essa é a realidade. Se nós olharmos, Deputada Talíria, o que tem sido o plenário...
É por isso que, ao mesmo tempo em que eu tenho muitas preocupações, sou obrigado a sentar à mesa e pressionar para que o texto avance no limite, porque a chance de ele ser aprovado é gigantesca. Nós precisamos estar atentos a isso, medindo até onde vamos, tentando negociar no limite.
Então, esta reunião, com os aportes que foram oferecidos, tenho certeza de que vão servir para que V.Exa., Deputada Talíria, qualifique a intervenção dela na negociação, empoderada por vozes da sociedade, que são mais do que a voz de um mandato. Isso é muito importante também para legitimar as posições políticas que nós adotaremos, nos enfrentamentos na semana que vem e na próxima.
Espero que os senhores e senhoras continuem colaborando nesse esforço.
Deputada Talíria, desculpe-me por falar muito, mas V.Exa. sabe que eu sou baiano. O baiano tem muitas virtudes, mas tem um defeito. Pense num povo que gosta de falar, pense! (Riso.)
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Eu também gosto, Deputado Orlando. Estamos juntos nessa. Isso é bom e ruim, não é? Às vezes, isso é bom; às vezes, é ruim. Agora, foi bom. Agora, foi bom.
Pergunto se mais alguém quer fazer uso da palavra antes de encerrarmos.
A SRA. LUIZA ERUNDINA (PSOL - SP) - Eu quero, Deputada Talíria.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Tem a palavra a nossa mestra, a Deputada Luiza Erundina.
A SRA. LUIZA ERUNDINA (PSOL - SP) - Não, eu não sou mestra coisa nenhuma.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Depois da Deputada Luiza Erundina, eu também gostaria de falar.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Está bem, Deputada Erika Kokay.
A SRA. LUIZA ERUNDINA (PSOL - SP) - Eu quero agradecer, V.Exa., Deputada Talíria, e saudá-la por essa iniciativa.
Foi fantástica a contribuição que esses especialistas e essas especialistas nos trouxeram nesta audiência pública. Foi uma verdadeira aula para quem é leiga — este é o meu caso — mas também uma militante que combateu a ditadura militar. Depois dela, no processo de redemocratização, um dos focos do nosso combate, da nossa resistência, era exatamente o entulho autoritário da Lei de Segurança Nacional.
E me dá muita tristeza, muita aflição, depois de tanto tempo de luta — estou me referindo a mim mesma, ao meu tempo de vida e militância —, ver hoje este Governo usando na luta político-ideológica esse entulho autoritário. E não dá para conviver com um processo de revisão e de substituição dessa lei num Governo que está usando e abusando dela contra seus adversários, seus opositores. Não são poucos os opositores a um regime autoritário, repressor e tudo o que se possa qualificar de maldade, de perda e de retrocesso na democracia brasileira — isso está ocorrendo na vigência deste Governo.
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Quero agradecer a V.Exa., Deputada Talíria Petrone, a oportunidade. Quero agradecer a cada uma e a cada um desses expositores, que nos trouxeram conhecimentos importantíssimos e necessários no momento em que estivemos assumindo a responsabilidade de encaminhar e de discutir essa matéria no plenário da Casa, numa correlação de forças desfavoráveis, como o Deputado Orlando Silva já citou. Não é fácil enfrentar esse debate numa desigualdade de forças tão grande como a que enfrentamos nesta Casa.
Por isso, a presença dos senhores, o crédito que suas falas conferem a este debate, além dos outros que já o fizeram, é algo preciosíssimo e que vai ser importante para os passos seguintes que teremos que dar, a meu ver também, numa pressa desnecessária, inoportuna. Contudo, em todo o caso, estamos neste espaço do Poder Legislativo. Temos que responder e ocupar o melhor que pudermos este espaço.
Além de agradecer à Deputada Talíria Petrone a iniciativa e a presença dos que vieram nos brindar com essas falas tão autorizadas e tão esclarecedoras, também destaco a importância deste espaço da Comissão de Legislação Participativa. Não há outro espaço na Casa tão adequado para se fazer um debate dessa qualidade e com esse tema do que a Comissão de Legislação Participativa. Aqui é uma extensão do Legislativo junto à sociedade civil organizada e vice-versa. A presença da sociedade civil organizada neste espaço vem dando significado e potencializando a democracia direta, a democracia participativa, que é a razão de ser desta Comissão, a Comissão de Legislação Participativa.
Obrigada a todos e a todas.
Estaremos atentos a todas as observações que os senhores e as senhoras nos trouxeram, no sentido de evitar o pior no momento em que essa matéria estiver sendo pautada e discutida.
Obrigada a todos. Obrigada, Deputada Talíria Petrone, pela iniciativa.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Nós que agradecemos V.Exa. por toda a luta e todo o caminho que V.Exa. construiu e abriu até agora para nós.
Passo a palavra para a Deputada Erika Kokay.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Deputada Talíria Petrone, eu queria saudar o Deputado Waldenor Pereira, saudar a Comissão e saudar a Deputada "Erundiva" — não é Erundina, é "Erundiva" —, que, na verdade, foi uma construtora desta Comissão. Esta Comissão reflete a participação, a vida política e o entendimento da democracia participativa como alavancagem, inclusive, para qualificar a democracia representativa da Deputada Luiza Erundina. Então, eu acho esta discussão extremamente oportuna.
Penso que haja um consenso entre nós de que a Lei de Segurança Nacional é um pedaço da ditadura de que não fizemos o luto. Não fizemos o luto nem da ditadura, nem do colonialismo, nem da escravidão, e um pedaço muito pulsante da ditadura é a Lei de Segurança Nacional, que tem sido fartamente utilizada neste momento para calar qualquer discussão democrática.
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Estamos vivenciando um negacionismo estrutural, um negacionismo da realidade. A realidade está sendo negada, e uma narrativa está sendo constituída para substituir os fatos. Nesse sentido, vamos ter uma relação intrínseca.
O arbítrio tem um comportamento compulsivo — e não pode se desvencilhar dele — de construir inimigos internos. Não é possível ao arbítrio não construir inimigos internos. Ele vai sempre construindo inimigos internos, inimigos imaginários, porque ele tem uma lógica beligerante, uma lógica de calar e silenciar.
Ainda não analisei o substitutivo da Deputada Margarete, mas a proposta é extremamente perigosa. Está-se buscando refutar um instrumento, e a Constituição de 1988 tentou fechar o ciclo desse processo. A Constituição fala em proteção social, que tem como princípio fundante a dignidade humana, ainda que faça extremas concessões para o poder que foi eternizado na história deste País, que é um poder não popular. Depois da Constituição, que está sendo ferida, machucada, arrancada aos pedaços do povo brasileiro, a construção desse instrumento deveria substituir o arbítrio que representa a Lei de Segurança Nacional, mas ele traz presente em seu cerne a própria Lei de Segurança Nacional.
Então, penso que não podemos fazer essa discussão como ela está proposta, não podemos ter essa discussão para o começo de maio. É uma responsabilidade imensa, pós-Constituição de 1988, construir um instrumento que resgata tantos aspectos que queremos refutar na Lei de Segurança Nacional.
Há uma possibilidade de criminalização dos movimentos muito intensa, e essa criminalização salta aos olhos na proposta feita. Ao mesmo tempo, há problemas na interpretação, porque os tipos estão abertos. Estamos vivenciando a falta de modéstia absoluta — lembrando um termo de Nelson Rodrigues — do absurdo. O absurdo está perdendo a modéstia. Ele está perdendo a modéstia e está se naturalizando. Está se transformando em narrativa governamental o ataque às instituições, que todos os dias são testadas por esse Governo.
Nesse quadro, com esse Parlamento, que marcha de cabeça baixa aos ditames emanados de um capitalismo improdutivo que domina o Brasil, vai-se fazer uma discussão açodada da defesa de um Estado Democrático, que em verdade carrega no seu bojo tantos elementos que são adequados à utilização da narrativa e à utilização do próprio arbítrio para transformar em atos concretos.
Considero que a Deputada Margarete é extremamente sensível, que é muito afeita ao próprio diálogo. Acho que podemos trabalhar na perspectiva de conversar com ela, de dialogar ao máximo que for possível. Mas essa proposta não pode ser apreciada no Parlamento. Todas as vezes que o mercado ruge, o Parlamento urge, estabelece as urgências que não são as urgências da população. São urgências emanadas do próprio mercado e dos seus áulicos, que estão no Palácio do Planalto. Acho que deveríamos fazer um movimento para adiar essa discussão. Precisamos realizar uma Comissão Geral na Câmara, onde todo o Plenário possa discutir a necessidade de revogar a Lei de Segurança Nacional e a proposta que está posta, porque, da forma como ela está, ela é aberta o suficiente para ser um instrumento do arbítrio que se quer eliminar. Como já foi dito, parece-me que pela Carol, há uma constatação de que esses que estão dominando o País, esse capitalismo improdutivo, capitalismo financeiro e rentista, querem se apropriar do direito penal como instrumento de opressão. Nós não podemos permitir que isso aconteça, não depois de tudo que este País já sofreu, não depois de tantos desaparecidos, não depois da generosidade da juventude, como aqui foi falado, que foi penalizada com as marcas da tortura que ficam na pele e na alma não só de quem foi torturado, mas do próprio País. Da forma como está, essa proposta não pode prosperar. Precisamos de tempo para que ela possa ser refeita.
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Concordo com quem disse que extinguir a Lei de Segurança Nacional não nos impõe a necessidade de criar um instrumento que substitua aquela lei, mas que carregue elementos concretos e pulsantes da própria lei na sua estrutura.
A nossa grande tarefa, neste momento, é fazer um movimento para adiar a deliberação, aprofundar a discussão, fazer uma Comissão Geral, envolver o conjunto da Câmara e a sociedade civil nessa discussão, para que possamos impedir os elementos da ditadura de permanecer numa legislação que se diz ser de defesa do Estado Democrático.
Parabéns, Deputada Talíria, pelo mandato! Parabéns pela iniciativa!
Parabéns a esta Comissão que, como disse a Deputada "Erundiva", parte dela é perenizada!
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Muito obrigada, Deputada Erika.
Agradeço a cada um e a cada uma que trouxe contribuições importantíssimas para seguirmos caminhando para um texto final que, esperamos, possibilite enterrar o entulho da ditadura que significa a Lei de Segurança Nacional. É urgente revogar essa lei, mas também é preciso reconhecer em que contexto se propõe a revogação dessa matéria.
Em que Brasil se propõe a revogação da Lei de Segurança Nacional? O autoritarismo é parte da fundação do Estado brasileiro, e por isso é impossível pensar nas instituições brasileiras sem compreender que o autoritarismo faz parte delas. Como alguém disse aqui, o direito penal no Brasil é marcado por arbítrio. Infelizmente, vivemos um momento de desmonte do já frágil Estado de Direito e de alargamento do Estado penal jurídico-policial, que atinge o mesmo corpo, que criminaliza o mesmo corpo. É o corpo entendido como inimigo interno até hoje. Não dá, ainda mais neste momento.
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Essa história de autoritarismo no Brasil se agudiza com o Governo Bolsonaro, que insiste numa lógica de fechamento de regime, que insiste num autoritarismo que, infelizmente, é parte da nossa história. Eu não tenho dúvida de que essa história, potencializada neste presente, mostra a complexidade que está explícita nesta matéria.
Por isso mesmo, quero reforçar a ideia desta audiência, que era mesmo a de ouvir o máximo possível de entidades, de representantes da sociedade civil, de especialistas, de movimentos sociais que conseguíssemos. Não é possível fazermos tramitar uma matéria como esta sem uma escuta profunda, tamanha a complexidade da matéria para o Brasil e neste tempo de Governo Bolsonaro. Nossa posição é contrária. A urgência não tem relação com a gentileza e a sempre aberta escuta que percebemos — não é, Deputada Margarete? —, mas nós entendemos que o processo de tramitação desta matéria, embora o mérito seja urgente, exige calma, exige escuta, para que possamos de fato enterrar a Lei de Segurança Nacional, e não reeditá-la.
Queria terminar com isto: embora reconhecendo o esforço de escuta e de mudanças e incorporações no texto da Deputada Margarete, o texto como está, mesmo esta última versão que já está publicizada, se eu não me engano, ainda está longe do que entendemos como importante para a substituição do que é esse entulho da ditadura. Por isso, queria registrar que vamos seguir, Deputado Orlando Silva, como bem disse, trabalhando, sentando para conversar e chegar ao melhor texto possível. Não é possível nos comprometermos com o mérito do texto como está. Entendemos que ele ainda não é o suficiente para fortalecer a democracia já fraturada brasileira, mas isso não nos impede de seguir no esforço, uma vez que já está indo à votação nas próximas semanas, para fazer com que seja votado o melhor texto possível.
Então, quero agradecer demais cada contribuição. Vamos seguir na batalha, para que cada palavra aqui dita seja incorporada ao texto final. São tempos difíceis, e esperamos entregar para o povo brasileiro algo que refute o que é o nosso passado autoritário e que contribua de fato para o aprofundamento da democracia brasileira.
Nada mais havendo a tratar...
V.Exa. quer falar, Deputada Luiza Erundina? Apareceu o seu rosto aqui.
A SRA. LUIZA ERUNDINA (PSOL - SP) - Veja: é costume na Comissão de Legislação Participativa, quando se faz uma audiência deste nível, com esta qualidade, com pessoas tão especiais e creditadas, sobre um tema que esteja em debate, às vésperas de se enfrentar a votação ou não dessa matéria, organizar o material em um texto. Eu proponho à nossa Líder que, juntas, possamos sugerir ao Presidente da Comissão que esse material seja organizado num texto, para nos subsidiar e aos que não estiveram neste ato.
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Pode ser uma publicação da Comissão de Legislação Participativa, uma organização, uma sistematização dos dados, das contribuições maravilhosas todas que foram trazidas a esta audiência. Essa é a proposta que eu gostaria de fazer.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Acho que é uma excelente proposta, Deputada Luiza Erundina, muito importante. Eu aprendi muito aqui. Vamos seguir na batalha para, depois desse texto, sistematizar tudo o que foi dito e inclusive incorporar o que for possível ao texto final.
Alguém mais quer fazer uso da palavra? Acabei não fazendo a gentileza de perguntar antes. (Pausa.)
Concedo a palavra à Sra. Lúcia.
A SRA. LÚCIA HELENA SILVA BARROS DE OLIVEIRA - Obrigada.
Só queria agradecer mesmo.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Concedo a palavra ao Prof. Juarez.
O SR. JUAREZ CIRINO - Eu gostaria de lhe agradecer pela iniciativa de fazer a interrupção no debate e devolver a palavra para o Mauricio.
Gostaria de agradecer também à Carol, cuja fala veio na mesma direção da minha fala. Isso é o que enriquece esse tipo de discussão.
Então, eu só tenho a lhe agradecer, não pela gentileza, mas pela sabedoria de abrir este parêntese no debate e permitir que o Mauricio voltasse, que fizesse a defesa de uma posição, o que precisava fazer, porque efetivamente a Deputada Margarete teve uma opinião equivocada a respeito da postura ou da atitude do Mauricio.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. PSOL - RJ) - Nosso mandato só existe para ampliar as vozes populares. Senão não serve ter mandato.
Mais alguém quer falar novamente? (Pausa.)
Bem, então, mais uma vez agradeço. Tenho que fazer o encerramento mais protocolar agora.
Encerro esta reunião e convoco cada um e cada uma dos membros desta Comissão para a reunião de audiência pública virtual sobre o impacto da pandemia da COVID em crianças e adolescentes no Brasil, que vai ser realizada na próxima segunda-feira, dia 26 de abril, às 14 horas, também nesta plataforma.
Muito obrigada. Agradeço a presença de todos.
Seguimos na luta.
Está encerrada a audiência.
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