2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar o Enfrentamento à Pandemia da Covid-19 no Brasil
(O Estágio das Vacinas em Desenvolvimento no Mundo)
Em 26 de Outubro de 2020 (Segunda-Feira)
às 14 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
14:45
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro, declaro aberta a 87ª Reunião da Comissão Externa de Enfrentamento à COVID-19.
Estão na Ordem do Dia de hoje as seguintes questões: a estratégia nacional de vacinação, a fase de desenvolvimento das principais vacinas no mundo e a obrigatoriedade da vacinação.
São nossos convidados hoje a Dra. Nise Hitomi Yamaguchi, o Dr. Marco Krieger, o Dr. Jorge Kalil, o Dr. Anthony Wong, o Dr. Francisco Cardoso e a Dra. Francieli Fontana. Também estão conosco os Deputados membros desta Comissão.
Eu quero registrar que causou preocupação à nossa Comissão um conjunto de assuntos discutidos, na semana passada, sobre a incorporação ou não de diversos tipos de vacinas, tema que está em andamento no Ministério da Saúde. Há várias vacinas que estão sendo desenvolvidas no mundo, mas nos chamou a atenção, em especial, o fato de que até hoje nenhuma vacina no mundo concluiu a fase 3 de pesquisa clínica. Causou-nos surpresa a defesa veemente, com uma ação inclusive impetrada no Supremo Tribunal Federal, da obrigatoriedade de uma possível vacina contra a COVID-19. O que nos causou surpresa foi a obrigatoriedade de algo que nós ainda não conhecemos. As vacinas são instrumentos extremamente eficazes e importantes para a saúde pública em âmbito mundial, mas nos causaram surpresa algumas ações judiciais, algumas ações político-partidárias querendo colocar obrigatoriedade sobre a vacina nesse momento.
Preocupou-me em particular, porque eu sei o que significa uma vacinação estratégica, dadas as peculiaridades de cada vacina. Quando Secretário Estadual do Rio de Janeiro, enfrentei um grande surto de febre amarela na Região Sudeste. Tivemos que vacinar, em cerca de 3 meses, mais de 12 milhões de pessoas no nosso Estado. Causou e causa preocupação porque a vacina contra a febre amarela tem uma série de contraindicações, por exemplo, para quem tem alergia a ovo, para quem tem algum tipo de imunodeficiência, até por ser uma vacina de vírus atenuado.
A questão da vacinação, se será obrigatória ou não, principalmente que vacina será aplicada no mundo e no nosso País, vai depender de quais vacinas serão aprovadas, qual vacina será implementada e qual será a população-alvo.
Eu acho que estão politizando a discussão. Considerando esse posicionamento, o Líder do Governo, o ex-Ministro e Deputado Ricardo Barros, fez um encaminhamento no sentido de que realizássemos esta reunião, até pela nossa preocupação de esse assunto ser judicializado, sem ter passado por nenhuma discussão na nossa Comissão Externa, que é o principal fórum de discussão dentro do Poder Legislativo sobre o assunto.
Inicio a discussão passando a palavra à nossa Relatora, a Deputada Carmen Zanotto, e, na sequência, à Dra. Nise Yamaguchi.
Concedo a palavra à Deputada Carmen Zanotto.
A SRA. CARMEN ZANOTTO (CIDADANIA - SC) - Nobre Deputado Dr. Luizinho e senhores convidados, muito obrigada. Eu faço esse agradecimento, em especial, à Dra. Nise e ao Dr. Kalil e a minha saudação em nome de todos os colegas Deputados e Deputadas que estão nos acompanhando.
14:49
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O Deputado Dr. Luizinho já colocou, na condição de Presidente, esta pauta da obrigatoriedade, nesse debate politizado sobre a necessidade de vacinas ou de quais vacinas estarão disponíveis. Isso me leva sempre a uma pergunta anterior: quantas vacinas teremos, com testes clínicos aprovados, com segurança e eficácia, e qual o quantitativo? Antes de termos essas respostas — e sabemos de todas as iniciativas da FIOCRUZ com relação à possibilidade de termos a vacina já agora, a partir de dezembro, pela Universidade de Oxford, assim como a do Butantan —, na condição de Parlamentares que somos e de integrantes de uma Comissão que vem atuando desde fevereiro, eu gostaria de dizer que o nosso papel é ouvir os especialistas e poder subsidiar inclusive os nossos colegas Deputados e também os demais órgãos. Trazermos para a obrigatoriedade um tema, sem sabermos o quantitativo de doses que teremos, quando o teremos e qual será o público-alvo, é antecipar processos. E o primeiro processo para tudo isso é saber quando serão concluídos os testes clínicos, quais serão as vacinas que nós vamos ter com eficácia e segurança e qual será o público-alvo.
Quero também agradecer à Francieli e ao Ministro Pazuello, que está sempre presente, por intermédio da sua equipe, em todas as nossas audiências.
Tenho certeza de que serão algumas horas muito produtivas, porque, a partir da fala dos senhores e das senhoras, nós vamos poder fazer o debate e também esclarecer um pouco a nossa população, através da TV Câmara, que vai divulgar a nossa reunião na tarde de hoje.
Parabéns, Deputado Dr. Luizinho. Eu sei que segunda-feira não é dia de reunião da nossa Comissão Externa, mas o tema exigiu esta reunião nesta data, até para que possamos, enquanto membros desta Comissão, inteirar-nos um pouco mais desse debate, que está muito na imprensa. Repito: a vacina tem que ser um bem da humanidade. Esta pandemia está levando milhares de vidas, mundo afora, além de estar causando prejuízos na área econômica, com perdas de postos de trabalho e fechamento de empresas. Então, este é um tema mundial, e nós no Parlamento brasileiro precisamos continuar acompanhando-o, independente das nossas demais tarefas. Estamos aqui acompanhando, durante este debate, essa troca de informações que, tenho certeza, será riquíssima, na tarde de hoje, na nossa Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Deputada Carmen Zanotto.
Vou passar a palavra para a Dra. Nise Yamaguchi e, na sequência, quero ouvir a opinião do médico renomado e Deputado Dr. Zacharias Calil.
Concedo a palavra à Dra. Nise Hitomi Yamaguchi, imunologista e oncologista Diretora da Sociedade Brasileira de Cancerologia e da Associação Brasileira de Mulheres Médicas.
A SRA. NISE HITOMI YAMAGUCHI - Eu que agradeço.
Entendo que esta reunião acabou sendo marcada muito rapidamente, tendo em vista a urgência com que o tema está sendo trazido e a veemência com que tem sido colocado em vários aspectos.
Para mim, é uma oportunidade ímpar poder trazer à comunidade nacional, a todos os pacientes e a todas as pessoas alguns esclarecimentos. Eu faço minhas as palavras da Deputada Carmen Zanotto, exatamente com relação ao que seriam a segurança e a eficácia como itens fundamentais para que se possa começar a discutir se vai haver algum programa de vacinação, em que nível vai ser feito e para qual população vai ser feito.
14:53
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O que nós temos neste momento são pesquisas em andamento, em que a questão da segurança é feita a partir da medida de efeitos colaterais nos pacientes que estão em tratamento terapêutico com a vacina versus aqueles que não estão. Essas questões são feitas a curto, a médio e a longo prazo. Os efeitos colaterais de uma vacina, qualquer que seja ela, passam por uma série de itens bastante importantes que vão dar a segurança da entrada de antígenos estranhos, que são as partículas virais, sejam elas de vírus inativados, de vírus atenuados ou de outros subtipos de vírus com proteínas, que são as spikes proteínas, e que podem trazer inflamações em diversos órgãos. Então, a questão da segurança não é algo que possa ser trabalhada em pouco tempo. Ela precisa de mais tempo para a sua avaliação.
Aí nós vamos para a questão que V.Exa. já apontou, Deputado, que é a questão da segurança e da eficácia. A eficácia é o que vai determinar se uma vacina vai ser ou não adotada. Essa eficácia depende de haver número de infecções na população para que possamos avaliar se as pessoas ficaram protegidas, se ficaram protegidas a partir de que tipo de anticorpos, se são anticorpos neutralizantes, se induzem a uma resposta celular, se várias doses foram necessárias e quando é que isso ocorreu. Mas tudo isso também vai depender de quantos pacientes vão ser verdadeiramente vulneráveis com relação a infecções.
Então, se neste momento nós estamos atingindo um percentual de pacientes que já tiveram a doença e que, teoricamente, já têm uma imunidade maior, quantos por cento desses pacientes que já tiveram a doença não vão tê-la novamente. Essa é uma dúvida para a qual nós não temos ainda a resposta, porque o tempo não transcorreu o suficiente. Várias situações que estão agora em andamento dizem respeito a que testes estão sendo utilizados para saber quem tem anticorpos, quem tem resposta celular e tudo isso. Eu até pedi para o Dr. Kalil também colocar alguns itens com relação a esses aspectos.
Nós sabemos que hoje a mortalidade dos pacientes é menor do que 0,5% no escopo geral. Se nós já sabemos como tratar precocemente os pacientes para que eles não evoluam dentro do quadro, se nós já sabemos tratar a fase intermediária com corticoides, com anticoagulantes, se nós já temos hoje mais estrutura, inclusive de UTIs e de tratamentos para pacientes mais graves, a questão que vai ficar depois é se nós realmente precisamos vacinar, quem nós precisamos vacinar e se podemos vacinar. Podemos vacinar pessoas que já tiveram COVID, já que em todos os estudos a população que está sendo testada não teve COVID ou pelo menos a sorologia negativa? E o que acontece se nós vacinarmos pessoas que já tiveram um quadro inflamatório? Será que elas podem ter o quadro inflamatório de novo ou outros quadros autoimunes? Essas questões são bastante delicadas.
14:57
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Outra questão é com relação à população que vai ser tratada, se nós exigirmos que haja, por exemplo, a vacinação para ir e vir ou que, de repente, nós levemos para os Estados e Municípios a decisão de quais vacinas vão ser utilizadas. Aí um Estado vai falar: "Não, mas eu só deixo entrar se tiver sido usada a vacina tal". Aí a pessoa terá que se vacinar mais uma vez? Como é que isso seria feito? Qual é a grande dificuldade? Você pode, ao aplicar a vacina novamente, ter outros efeitos colaterais, porque são partes diferentes do vírus que vão ser estimuladas, em cada momento, no sistema imunológico.
Então, eu acho que essa é uma questão de segurança nacional que não pode ser decidida isoladamente nem por Estados nem por Municípios. Eu chamo todos para uma união de forças, a fim de que possamos, neste momento, pensar de uma forma macro, pensar tanto no desenvolvimento científico da Nação como na nossa relação em termos de segurança, porque tudo aquilo que nós testarmos aqui vai ser depois levado também em âmbito internacional.
Espero que nós tenhamos o bom senso de não optar, neste momento, pela exigência de obrigatoriedade de algo que nem sequer está provado que funciona. Seria um absurdo nós termos, neste momento, uma autorização para algo que nós não sabemos se funciona. E mesmo que haja uma autorização para a questão da vacina, ainda depende do Ministério da Saúde, de um conselho, de vários órgãos nacionais e internacionais para que seja aplicado. Existem vários medicamentos que demoram anos para ser incorporados dentro da CONITEC — Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde. Existem várias vacinas que também estão em fase de incorporação e que precisam passar por mais escrutínio. Não é a mera aprovação pelo nosso órgão regulador que vai dar a autorização para que nós possamos fazer, no âmbito de saúde pública, a vacinação em massa.
Outra coisa é que, quando vamos para o público, pegamos mulheres que estão grávidas e não sabem, pessoas que estão com câncer e não sabem, pessoas imunodeficientes, com problemas autoimunes, com problemas de diabetes, de pressão alta, de rim, de fígado que não sabem que têm esses problemas e vão ser vacinadas nesse amálgama, nesse afã de vacinarmos todo mundo, e ainda crianças que não foram testadas e os idosos que estão doentes e, portanto, estão escondidos em suas casas. Esses vão ser mais vulneráveis ainda a qualquer tipo de vacina. Nós não deveríamos vacinar populações que não foram testadas de uma forma ampla, mesmo que haja adultos ou idosos testados, mas que não sejam idosos doentes, que é a maioria da nossa população que está precisando, são os mais vulneráveis e estão aguardando.
Então, o que pesa neste momento é uma decisão jurídica. A comunidade científica não debateu o suficiente nem no Brasil nem no mundo. Mesmo que a coloquemos — se for autorizada e aprovada —, a obrigatoriedade deveria ser um passo muito distante. Pode ser que a maioria das pessoas não estejam, naquela etapa em que as vacinas forem aprovadas, necessitando delas. Então, nós precisamos ter bom senso com relação a toda essa corrida mundial. Nunca foram feitas tantas vacinas em tão pouco tempo. Vacinas demoram anos para serem testadas e consideradas seguras.
15:01
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Eu invoco aqui o princípio da precaução, para que nós protejamos a nossa população, para que não introduzamos situações de risco. E mais: foram levantadas várias questões lá fora para liberar as indústrias que estão produzindo as vacinas das consequências, muitas vezes até graves, que possam advir das vacinações.
Se essas questões forem levantadas em outros lugares, quem seria o responsável? Seria quem está aplicando a vacina? O Governo seria responsável, caso houvesse alguma consequência das vacinas?
Tudo isso tem que ser muito discutido, antes que nós possamos ter qualquer programa de vacinação.
Mais uma vez, cito o princípio da precaução, a segurança, a eficácia e também a questão da biossegurança no nosso País. Essa é uma questão de segurança nacional e jamais poderá ser pulverizada.
Durante esta pandemia, infelizmente, nós tivemos dificuldade em mapear os benefícios nessa dissociação de forças. Acabamos tendo uma dificuldade real no início da pandemia, e, neste momento, seria extremamente problemático que uma coisa tão séria, profunda e complexa fosse resolvida em âmbito estadual e municipal.
Agradeço mais uma vez e faço questão de salientar que existirão muitos pontos de vista. Não haverá uma homogeneidade de conclusões. O debate é absolutamente necessário e está somente começando.
Então, não é hora, em absoluto, de tomar decisões que tornem indeléveis as suas consequências.
Senhores e senhoras, agradecemos a todos. Pedimos ao Supremo Tribunal Federal que solicite audiências públicas e que dê a oportunidade a muitos cientistas de se manifestarem na comunidade dos pacientes e dos consumidores, para que nós tenhamos uma evidência maior, comunitária, científica, social, jurídica e uma segurança no processo de estabelecimento de novas estratégias de enfrentamento da COVID-19.
Muito obrigada. Aguardo as instruções.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado à Dra. Nise Yamaguchi pela participação.
Vou passar a palavra ao nosso Deputado Dr. Zacharias Calil. (Pausa.)
O Deputado Dr. Zacharias Calil está conosco? (Pausa.)
Então, na sequência, eu vou passar a palavra para o Dr. Marco Krieger, que está representando a FIOCRUZ.
O SR. MARCO KRIEGER - Boa tarde a todos.
É um grande prazer estar aqui de novo.
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Deputado Luizinho, Presidente da Comissão, e Deputada Carmen Zanotto, eu queria agradecer a oportunidade de estar aqui trazendo algumas questões relacionadas às iniciativas da Fundação Oswaldo Cruz no processo de acompanhamento, de desenvolvimento, de produção e de distribuição das vacinas.
Notadamente, vou falar mais fortemente da iniciativa que foi protagonizada pela Universidade de Oxford, em parceria com a AstraZeneca. A FIOCRUZ está assinando um termo para participar desse esforço global para produzir essa vacina em tempo inédito.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu acho muito importante salientar algumas questões. Estamos falando de uma doença que teve emergência sanitária decretada há menos de 8 meses. Ela surgiu no finalzinho do ano passado, mas só foi identificada no início deste ano. Temos que salientar alguns aspectos. Nós temos uma nova doença e temos, sim, lacunas de conhecimento que precisam ser preenchidas, como, por exemplo, o funcionamento da resposta imunológica, entre outras coisas.
Também temos a obrigação de acelerar a fase da pesquisa, acelerar o desenvolvimento tecnológico, acelerar os estudos clínicos, sem abrir mão da segurança. Mesmo sabendo que o processo vai ter que ser mais rápido, isso não significa abrir mão dos critérios técnico-científicos nem do número estatisticamente necessário para que possamos chegar às conclusões.
Além desses desafios de pesquisa, de desenvolvimento tecnológico, de estudos clínicos e de segurança no registro, nós temos desafios adicionais. Nós temos o desafio tecnológico do escalonamento e da antecipação da produção. Todo o mundo sabe que não vai ser possível, se conseguirmos provar nos próximos meses que temos uma vacina segura e eficaz, garantir que tenhamos acesso a essa vacina. Não se produzem bilhões de doses de um biológico com essa velocidade. Além disso, temos a visão de que deve ser assegurado o acesso equitativo, em escala global e mais significativamente aqui no Brasil, a essa vacina para a nossa população.
A FIOCRUZ vem acompanhando esse processo desde o início de março, em parceria com o Ministério da Saúde. Nós fizemos uma matriz de análise de potenciais projetos que poderiam ser de nosso interesse. É claro que nós estamos apoiando todos os projetos internos da FIOCRUZ, estamos apoiando potencialmente todos os projetos que estão sendo desenvolvidos no Brasil, mas também temos responsabilidade de oferecer à sociedade, da maneira mais rápida possível, os projetos mais avançados. Fizemos uma matriz de análise e, nesse nosso processo de avaliação, entrou a nossa plataforma tecnológica. Temos vacinas de primeira geração, como as vacinas inativadas, as vacinas atenuadas; temos vacinas de segunda geração, como as de proteínas sintéticas; e temos vacinas de terceira geração, que são as de ácidos nucleicos e as de vetores virais, cujas tecnologias estão ainda em fase final de desenvolvimento, mas que se mostram muito promissoras. Dentro dessa matriz de análise, também levamos em consideração a fase de desenvolvimento desse processo, para sabermos quais estavam em fase mais avançada.
Outra questão muito importante é o papel da FIOCRUZ no desenvolvimento desse projeto. Na verdade, não temos, por exemplo, um papel de comprador do Ministério da Saúde. Temos o papel de produzir insumos para oferecê-los ao Ministério da Saúde. Então, os projetos são para auxiliar, da forma mais rápida, esse esforço global de produção, que é um dos gargalos, como também foi pontuado.
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Esse processo foi iniciado em abril. Em junho, já tínhamos claramente uma matriz de pontuação que apontou que a iniciativa liderada pela Universidade de Oxford era a que mais adesão tinha a esse nosso processo, seja pelo nosso interesse nessa nova plataforma tecnológica; seja porque foi a primeira vacina a entrar em fase 3, com resultados preliminares muito promissores; seja porque poderíamos, já neste ano, agregar um potencial de produção muito grande na FIOCRUZ e, no ano que vem, fazer o processamento total.
Quero rapidamente contar um pouco da história dessa plataforma.
Este é um vetor viral, um adenovírus. É um adenovírus de chimpanzé. Por isso, tem o nome ChAdOx1, que representa Chimpanzé Adenovírus Oxford 1. Essa plataforma havia sido desenvolvida nos últimos anos frente a outras emergências sanitárias. Acho importante salientar que, nos últimos 20 anos, essa é a terceira emergência de coronavírus. Houve a SARS em 2002, a MERS em 2015, e estamos agora na SARS-COV-2. Nesse intervalo, também houve zika e ebola. Vários atores da saúde global resolveram fazer investimentos significativos no desenvolvimento de plataformas de resposta rápida que pudessem ter estudos preliminares de segurança, principalmente, e de eficácia, para que essa resposta que se pretende fazer em cerca de 1 ano pudesse ser realizada.
Essa plataforma foi financiada por um desses esforços. Foi feita uma vacina para o coronavírus causador da MERS. Com esse resultado, viu-se que, primeiro, ela era capaz de induzir em modelos animais tanto anticorpos neutralizantes quanto resposta celular, que é uma questão muito importante. Lembrem que temos uma lacuna de conhecimento, como eu disse no início. Até hoje, ainda estamos discutindo o papel dos diferentes tipos de resposta imune no controle da infecção. Mostrou-se que a vacina era capaz de proteger os macacos rhesus de formas graves da doença, e já tinham sido feitos estudos de fase 1 e 2 em humanos. Então, já existia um conjunto de informações bastante significativo, que permitiu que em 104 dias já houvesse uma nova vacina, que teria passado por toda essa fase pré-clínica e que já seria capaz de entrar nos estudos clínicos.
Esses estudos clínicos foram iniciados em maio, com mais de mil voluntários passando pelas fases 1 e 2. Normalmente, é um número que já temos em fase 2, mas, por causa desse conhecimento prévio, isso já estava mais adiantado. Esses estudos publicados em junho mostraram que, com uma dose da vacina, 100% dos voluntários tinham uma resposta celular ativada e 91% desses voluntários tinham anticorpos séricos, que eram neutralizantes em pelo menos uma das provas. O regime com duas doses era um pouco melhor, pois tinha 100% dos voluntários com anticorpos séricos neutralizantes em todas as provas de neutralização. Então, os resultados de segurança que já existiam eram muito sólidos e foram complementados com resultados de eficácia.
15:13
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Nesta semana, nós recebemos duas notícias que vão ser publicações científicas. Uma, pela Universidade de Bristol, mostra como funciona essa plataforma do vetor viral não replicante, que é capaz de entrar nas células e apresentar os antígenos. Fizeram uma série de análises utilizando várias metodologias para provar que realmente esse vetor é capaz de apresentar a proteína spike na conformação correta, que processa corretamente a informação genética. E hoje uma outra notícia também muito boa sobre os resultados das fases 2 e 3 com grupos de pessoas acima de 60 anos mostrou que eles têm uma resposta muito parecida ao primeiro grupo que foi vacinado, o grupo de 18 a 55 anos. Então, isso traz uma grande esperança de que essa vacina funcione nas populações que mais necessitam, que são mais vulneráveis a essa vacina.
O nosso cronograma começou em maio, com esses estudos de prospecção das vacinas candidatas, feitos em parceria com a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Em junho, ocorreu uma manifestação de intenção do Ministério da Saúde, e aqui assinamos um memorando de entendimento para efetuar um novo processo — não um processo de aquisição, porque não havia um produto ainda, mas um processo de encomenda tecnológica para a plataforma que se mostrava mais promissora e para uma tecnologia que se mostrava promissora. Nós avaliamos o risco de não iniciar esse esforço de antecipação da produção, frente ao risco de expor a sociedade brasileira a, existindo uma vacina aprovada no mundo, não conseguir acesso por não termos feito esse investimento de antecipação e preparo.
Uma medida provisória foi apoiada por essa Comissão, apoiada pelo Governo, mas também apoiada por diferentes membros de outros Ministérios, pelo Ministério Público Federal, pelo Tribunal de Contas. Fizemos, em setembro, a assinatura do contrato de encomenda tecnológica. Fizemos também, no último dia de setembro, o início da submissão dos pacotes que vão ser utilizados para que seja feito o registro desse produto.
Eu gostaria de salientar que, por mais que estejamos buscando esse paralelismo nos estudos e essa aceleração, não estamos abrindo mão dos conceitos de segurança. Teremos a fase 1, a fase 2 e a fase 3 registradas nos bancos de dados de ensaios clínicos, e esses estudos terão um número de pacientes suficiente, até maior do que o da maioria dos estudos clínicos que foram efetuados até o momento com outras vacinas.
Esperamos os resultados dos testes clínicos de fase 3, que vão agregar esses dados de segurança que eu mostrei para vocês e também os dados de produção de anticorpos. Vamos mostrar quantos por cento das pessoas que tomaram a vacina ficaram protegidas em relação às pessoas que não tomaram. Esperamos que esses resultados aconteçam já no próximo mês. Em novembro, é muito provável que tenhamos o primeiro conjunto de resultados que permita um registro emergencial.
É claro que esses estudos clínicos vão continuar. Nós vamos acompanhar os estudos em fase clínica por mais 1 ano, depois que o último voluntário tomar a vacina, mas existe um acordo patrocinado não só pela ANVISA, mas também pelas principais autoridades sanitárias do mundo, como é o caso da própria FDA, da autoridade sanitária inglesa, da autoridade sanitária da Europa, da OMS, que preconiza que, frente à emergência sanitária, possamos ter esse resultado desse registro emergencial, desde que tenhamos condições de provar essa segurança e essa eficácia.
15:17
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Do ponto de vista operacional, nós vamos iniciar a produção dessa vacina em janeiro, quando será feita a submissão final do registro da ANVISA já no produto fabricado no Brasil.
Esperamos, pela avaliação que está sendo feita nesse processo contínuo com a ANVISA, que esse processo possa permitir o registro em menos de 1 mês. Então, em fevereiro já teremos condições de fazer a primeira entrega de 30 milhões de doses. Durante o ano chegaremos a 210 milhões de doses, o que coloca o Brasil numa posição muito privilegiada de ser um dos poucos países do mundo que vão ter a capacidade de ofertar uma dose para cada um dos habitantes.
É importante salientar outras vantagens desse projeto. É uma vacina muito barata, a vacina mais barata o mercado. Custa 3,16 dólares. Nós teremos condições de, através da transferência de tecnologia total para o Brasil, fazer a produção de mais de 210 milhões de doses. Este é o conjunto de estudos clínicos formalmente registrados de maior amplitude que nós temos no globo, com mais de 757 mil pessoas em sete países. Como eu já mencionei, a questão da transferência total de tecnologia é muito importante.
Nós temos também uma vantagem de receber por esse preço, que é o mais barato do mundo, uma tecnologia que é uma nova plataforma que se mostra bastante promissora e que pode ser utilizada para o desenvolvimento de vacinas para outras doenças. Estamos também participando desse projeto que tem o maior esforço global de produção de vacinas. Hoje esse esforço é coordenado pela AstraZeneca com a tecnologia de Oxford. É importante salientar que essas duas instituições abriram mão de qualquer pagamento de royalties e de remuneração financeira durante o enfrentamento da pandemia. Esse esforço está sendo coordenado. Nós temos já a aquisição de quase 2,5 bilhões de doses pelos países mais ricos, mas também para os países em desenvolvimento. Quase 1 bilhão de doses é destinado a países de baixo rendimento.
Então, quero só salientar algumas questões importantes. O preço é importante. O quantitativo de doses é muito importante. Isso tem que ser fortalecido. O Brasil tem algumas fortalezas. A nossa autoridade sanitária é uma fortaleza. Qualquer vacina que seja aprovada pela ANVISA será uma vacina segura. Nós temos um Programa Nacional de Imunizações, que a Francieli vai apresentar aqui, que é uma fortaleza. Poucos países no mundo estão preparados para fazer esse esforço tão grande de imunizar a nossa população. Essa nossa vacina será totalmente direcionada para o Sistema Único de Saúde.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Marco Krieger.
Passo a palavra para o Dr. Jorge Kalil.
O SR. JORGE KALIL - Boa tarde a todos.
Muito obrigado pela oportunidade de estar aqui com vocês.
15:21
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Eu vou falar um pouquinho sobre o cenário mundial. Eu acho que o Dr. Krieger e a Dra. Nise já falaram um pouco. Na verdade, o Dr. Krieger falou bastante sobre a vacina de Oxford, mas eu queria colocar um pouquinho qual é o pensamento científico. Eu vou entrar um pouquinho na técnica (falha na transmissão).
Eu gostaria de fazer uma explanação sobre como está o esforço mundial para que se faça uma vacina. Vamos colocar um pouquinho como o Brasil está nisso. Além disso, vamos falar das vacinas que estamos trazendo do exterior.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu vou falar um pouco sobre o panorama mundial e mostrar como nós estamos em termos de desenvolvimento nacional, além de falar das que estão sendo importadas.
Conforme o Dr. Krieger já disse, o grande problema para a obtenção de uma vacina é que as pessoas acham que existe uma receita para se fazer uma vacina, mas não há. Contra essa doença, nós ainda não tínhamos vacina, diferentemente da Influenza. Se essa pandemia fosse um tipo diferente de Influenza, já teríamos uma solução. Eu dirigi o Butantan e, quando eu saí de lá, nós já produzíamos 60 milhões de doses de trivalente, ou seja, 180 milhões de doses de uma vacina de um vírus só, em 4 ou 5 meses.
Existem questões científicas importantes. Nós começamos a fazer isso sem conhecer a resposta imune de defesa. Nós simplesmente fomos baseados em alguns dados de outros coronavírus que ocorreram no passado. Existe sempre o problema de uma vacina induzir a uma doença mais grave. Por isso, é preciso uma observação um pouco mais lenta. Não pode ser uma observação muito curta. Nós temos que induzir uma memória imunológica longa, senão teremos que vacinar a cada 3 meses ou 6 meses, o que ficaria inviável. A vacina tem que estar disponível para os brasileiros com custo acessível. De preferência, se dominarmos completamente a tecnologia e se houver alguma mutação no vírus, se tivermos a tecnologia, vamos poder adaptá-la à necessidade nacional.
Vou falar um pouco sobre a ideia da vacina. Para infectar uma pessoa, o vírus tem que, necessariamente, entrar numa célula. Se o vírus não está numa célula, ele não se multiplica. Para entrar, ele usa a proteína chamada spike ou espícula, que gruda num receptor chamado ECA2, uma molécula que está na célula. Ao entrar, ele libera o ácido nucleico dele, que é o RNA, e produz múltiplas cópias. Então, entra um vírus e saem milhares de cópias. O vírus destrói a célula por piroptose e vai à procura de outras células.
A resposta imune específica, que é o que queremos fazer com uma vacina, tem alguns braços. Um braço é a produção de anticorpo, sobretudo os chamados anticorpos neutralizantes. Por outro lado, produzimos também células citotóxicas, que matam as células infectadas e, com isso, não deixam o vírus proliferar. Para que funcionem bem, elas precisam de um auxílio das chamadas células LT helper auxiliadoras ou LTCD4+. O anticorpo neutralizante tem que impedir essa interação do receptor com a proteína spike. Partimos do pressuposto de que, para fazermos uma vacina, a única coisa com que tínhamos de nos preocupar era com o anticorpo neutralizante. Depois vimos que há pessoas que se infectam e ficam boas nas quais a quantidade de anticorpos neutralizantes é muito baixa.
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Eu vou lhes mostrar um estudo em que analisamos mais de 200 indivíduos que se recuperaram da doença. Quarenta dias depois da recuperação da doença, eles tinham altíssimos índices de anticorpos neutralizantes, mas 5 meses depois esses números caíram muito. Isso é um problema, porque não sabemos se os anticorpos neutralizantes são suficientes, já que caem muito. Então se começou cada vez mais a estudar a resposta celular — o Krieger mencionou alguma coisa nesse sentido. Quando fazemos uma vacina, temos uma seleção do antígeno, que é colocado ou no vetor, ou no adjuvante. Queremos duas coisas: produzir anticorpos que bloqueiem a entrada do vírus, mas também células que matem outras células infectadas, para evitar proliferação viral.
Nós não sabíamos nada disso quando começamos. Por isso mesmo as pessoas que começaram a trabalhar em vacina fizeram uma de duas apostas científicas. Uma delas é de fazer vacinas inativadas, que é uma maneira muito antiga de fazer vacina: simplesmente pegam o vírus, no caso, o SARS-COV2, e o multiplicam em grande quantidade em célula e o inativam com produto químico. Dizemos que é o vírus morto, só que vírus não tem vida. Em todo caso, é o vírus inativado.
A outra aposta é: todos os grupos do mundo estão pegando a espícula, a proteína que se liga à célula, e fazendo a imunização contra ela, porque já se sabia, desde o tempo do SARS-COV2, que é por essa proteína que o vírus se liga na célula, como eu mostrei para vocês. Existem várias formas de apresentação: pode-se pegar um pedaço da proteína e colocar num DNA, num RNA, pode-se pegar partículas semelhantes ao vírus ou pode-se pegar o vetor viral recombinante, como é o caso da vacina de Oxford, que tem um gene que expressa a proteína da espícula, que fica na superfície, e isso é a vacina. Há várias formas de se fazer.
Hoje em dia, há 200 vacinas registradas que estão em teste pela Organização Mundial da Saúde. Na verdade, há mais de 400. Entre essas 200, há duas registradas com o desenvolvimento todo brasileiro: a vacina que eu dirijo, na faculdade de Medicina, e a vacina que está sendo desenvolvida pelo Prof. Gazzinelli, na FIOCRUZ de Belo Horizonte.
Então, como eu dizia, existem duas apostas científicas: ou em vírus inativado, ou em alguma forma que expresse a proteína da espícula. Na verdade, na verdade, existem dois tipos de vacina sendo testados agora, as outras ainda não chegaram. Em se tratando de vacinas com vírus inativado, que eu expliquei o que é, há 13 empresas chinesas que as estão desenvolvendo junto com institutos chineses e com uma empresa da Índia. Os outros lugares não desenvolveram esse tipo de vacina, que é antigo. Todos estão testando novos tipos de vacinas, que são muito promissores, mas eu devo dizer que nenhum deles foi aprovado para uso clínico antes.
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Como disse muito bem o Dr. Krieger, a vacina de Oxford é um gene não replicativo, ou seja, um adenovírus de chimpanzé, que não se multiplica em gente, que tem a informação genética da spike, que se expressa na membrana desse vírus, e aí está a vacina. Muito parecida com essa vacina de Oxford e da AstraZeneca, é a vacina da empresa chinesa CanSinoBIO, também usa um adenovírus, só que humano, do tipo 5. A vacina da Janssen-Cilag, desenvolvida na Universidade de Harvard, usa o adenovírus humano 26. E a vacina russa, de que falaram tão mal? O estudo de lá é muito sério, independentemente do que o Putin diz ou deixa de dizer. Eles fizeram uma vacina também baseada no adenovírus, que combina o adenovírus 5 e o 26, usando primeiro um, depois o outro.
Essas vacinas estão em fases diferentes de testes. Já existem três testes financiados pela Universidade de Oxford: um na Inglaterra, um na África do Sul e outro aqui no Brasil. A AstraZeneca está financiando estudos nos Estados Unidos e no Japão. O estudo nos Estados Unidos foi interrompido por causa de um problema que houve na vacinação na Inglaterra, mas foi retomado ontem. As outras vacinas estão em teste. A Janssen também interrompeu os testes por causa de um problema. O fato é que as vacinas de vírus não replicativos às vezes causam problemas neurológicos, e nós temos que de ficar muito atentos a isso.
Existem outras vacinas que também são uma grande promessa, que são as vacinas de RNA. O RNA leva a informação do núcleo da célula, que é o DNA, para formar a proteína, que, nesse caso de novo, é a proteína spike. Essas vacinas são promissoras há muito tempo, mas nunca tivemos uma que funcionasse. Entretanto, o pessoal do Vaccine Research Center, do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos, estava estudando outro tipo de vacina, quando chegou a sequência da proteína spike. Logo a sintetizaram e, pouco mais de 40 dias depois, a vacina já estava em estudo clínico. Ela tem o RNA mensageiro, que é muito lábil, e tem uma nano partícula lipídica que envolve esse RNA. Ele entra na célula, produz a proteína e, depois, o anticorpo.
Um dos problemas existentes é a estabilização. Essa vacina é bem mais cara que as outras e ela tem que ser conservada em baixíssima temperatura, o que a torna difícil de ser utilizada no Brasil, sobretudo no Programa Nacional de Imunizações — PNI. Temos toda uma estrutura, mais de 35 mil salas de imunização, mas elas não estão capacitadas para armazenar produtos em baixíssima temperatura. A vacina da Pfizer, que trabalha com a startup alemã BioNTech, também se baseia em RNA mensageiro. Essas duas vacinas estão muito adiantadas.
A Moderna já tem mais de 30 mil pessoas que já terminaram o estudo clínico. Nos Estados Unidos, eles estão tomando muitas precauções nos testes: pelo menos 25% de indivíduos têm mais de 65 anos, há pacientes com comorbidades e pacientes dos grupos étnicos os mais diversos — negros, latinos, índios, etc. —, como também dos grupos socioeconômicos mais baixos, que sabemos serem deles as pessoas que ficam mais doentes.
A vacina da Inovio é semelhante — nela o RNA é colocado para produzir a proteína —, e também já está avançando bastante.
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Existe outra vacina em que se acredita bastante: a da Novavax com a GSK. Eles usaram a proteína spike com um adjuvante. Pode-se fazer isso também, ou seja, usar VLPs, ou partículas semelhantes ao vírus. Há gente trabalhando nisso, inclusive no meu grupo.
Se nós formos ao site da WHO, nós vamos ver listadas 200 vacinas registradas. Dessas, 42 já estão em estudos clínicos, mas só nove ou dez estão na fase clínica 3, ou seja, na última fase clínica para a aprovação. Essas nove vacinas, por diferença de 1 ou 2 meses, estão todas no mesmo estágio, e é difícil dizer qual está mais adiantada que a outra.
Então, nós temos as três vacinas chinesas baseadas em vírus inativados, de que eu falei a vocês e que são muito semelhantes; temos as quatro vacinas baseadas em adenovírus, que eu também acho que são muito semelhantes e de que eu já falei a vocês também; temos a da Novavax, com a proteína inteira; temos as duas vacinas baseadas em RNA mensageiro. Todas essas estão em fase 3 — vemos aqui os registros mundiais de estudo de fase 3. As outras estão em fase 2, em fase 1 ou, como todas as em desenvolvimento no Brasil, ainda em estudos pré-clínicos.
No meu grupo, resolvemos pensar diferente — há uma outra aposta científica aqui. Acreditávamos que a resposta de células T seria muito importante. Eu não vou ter tempo de dizer a vocês tudo o que nós estamos fazendo. Queríamos uma vacina não injetável, que pudesse ficar em temperatura ambiente, que desse uma resposta celular importante e que cobrisse toda a diversidade que existe de indivíduo para indivíduo, que talvez não venha a ser coberta com as vacinas da spike, motivo pelo qual se espera que a cobertura seja de 60% a 70%. Mas tudo isso quem vai dizer é o estudo clínico.
Nós colhemos o sangue de muitas pessoas e estudamos as respostas celulares e as respostas de anticorpos. Eu não vou dizer a vocês como é que nós fazemos isso, mas temos todo um sistema de informática, sintetizamos peptídeos em laboratório para testar.
Nós temos dois tipos de vetores. São nanopartículas ou partículas semelhantes ao vírus, que nós damos por via nasal. Estamos afinando o protótipo em camundongos, para depois fazer o teste que chamamos de teste conceitual, em que imunizamos um animal que tem o gene receptor do vírus, que é o ECA2, e depois fazemos o desafio. Estamos fazendo todas as partes pré-clínicas, para chegar a estudos clínicos, que pretendemos ocorra no ano que vem. Nós, tanto o Dr. Gazzinelli como eu, tivemos o apoio, que foi fundamental, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, através da RedeVírus, para que tivéssemos os recursos para tocar isso. Nós já testamos indivíduos, validamos os peptídeos que achamos importantes, estamos afinando o protótipo, para entrar em prova de conceito, aumentar a produção e chegar a testes em humanos. É aí que nós estamos.
O que nós queremos com essa nossa vacina? Como eu disse, induzir anticorpos neutralizantes; induzir memória longa sem efeitos adversos graves — os efeitos adversos graves podemos ver imediatamente, mas há muitos que temos que esperar pelo menos 4 ou 5 meses para poder ver. Queremos também que ela tenha ampla cobertura na população; que ela seja administrada por mucosa, e não injetada — todas essas vacinas que agora estão sendo testadas são intramusculares, e precisamos de uma resposta muito forte nas mucosas. Queremos ainda que ela seja preferencialmente monodose — todas até agora são múltiplas doses, de duas doses, pelo menos; que ela tenha baixo custo de produção; que ela tenha estabilidade térmica; e que nós tenhamos o domínio completo da produção aqui no Brasil.
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Eu fico contente de ouvir o Dr. Krieger nos dizer que eles vão ter domínio completo, porque às vezes as empresas só mandam para o Brasil a vacina a granel, para depois ser só envasada aqui no Brasil.
Existem muitas reflexões que eu queria trazer para vocês, algumas são questões científicas, algumas também são questões sociais. Primeiro, nós vamos liberar essa vacina em termos emergenciais, mas o número de eventos com que se vai fazer o cálculo estatístico tem que ser o mínimo. Eu acho muito pouco fazer cálculo estatístico com 50 ou 60 eventos, ou seja, pessoas que ficam doentes, para comparar quem recebeu placebo e quem recebeu vacina, assim como eu acho muito grave um tempo de observação muito curto. Assim, nós não vamos, digamos, precaver riscos maiores. Isso é uma discussão mundial. Nós sabemos que é emergencial, mas um tempo de observação mínimo é importante. Quanto tempo vamos esperar?
Depois, no desenho desses estudos, muitas vezes vemos a eficácia geral da vacina, mas não conseguimos saber a eficácia dela em diferentes idades, a não ser que se espere um pouco mais de tempo ou que se tenha um número suficiente de casos. Sabemos que pessoas mais velhas não respondem bem às vacinas. Só testar anticorpo neutralizante não é suficiente, porque não sabemos se o anticorpo neutralizante, como eu já disse a vocês, é um bom marcador de defesa. Nós não sabemos. Nós inferimos que seja, mas isso ainda tem que ser provado. Também são questões como as minorias vão responder à vacina e como os grupos de risco, formados por pessoas com comorbidades, vão responder a ela.
Como vai ser a cobertura, em geral, da população? Essa vacina vai esterilizar completamente, ou seja, o indivíduo toma a vacina e nem pega o vírus? Mesmo que não tenha a doença, ele não fica com o vírus no trato respiratório, passando-o para os outros? Será que vai ser assim? Isso seria o ideal, mas pode ser que a vacina só evite a doença, o que também é bom, mas não tão bom quanto a esterilização. E pode ser que ele simplesmente evite a forma grave da doença. Temos que estudar todos esses parâmetros para saber qual a vacina que queremos para o Brasil.
Depois, sem dúvida alguma, precisaremos de uma boa capacidade de produção e estocagem. Por exemplo, no caso da vacina que já venha em seringa — o pessoal do PNI pode falar sobre isso melhor do que eu —, o volume de estocagem é enorme, e nós poderemos não ter capacidade de estocá-la — por isso usamos em nossas campanhas o esquema multidose. A capacidade de produção é importante, porque não fazemos vacinas exatamente iguais a essa e temos que adaptar a produção. E como será a distribuição?
Por último, mas não menos importante, quais serão as prioridades? Quem vamos vacinar primeiro? As pessoas idosas, as pessoas que têm comorbidades, os profissionais de saúde, as pessoas que trabalham em atividades essenciais que têm que se expor de alguma forma ao vírus? Sabemos que nos frigoríficos se infecta muita gente, sabemos que motoristas de ônibus ou metrô também ficam expostos a muitas pessoas. Há também as pessoas que trabalham com limpeza, etc.
Essas são algumas reflexões que eu quis trazer aos senhores, ressaltando que o que vai definir qualquer coisa serão os testes de fase 3. Acredita-se que, a partir de dezembro, comecem a aparecer os primeiros resultados da fase 3. Os estudos nos Estados Unidos, em geral, contam com 30 mil pessoas. Sem dúvida, a Universidade de Oxford, com os estudos da AstraZeneca, vai contar com cerca de 60 mil pessoas, o que é fantástico.
É claro que, testando tantas pessoas assim, teremos alguns efeitos adversos. Isso acontece, normalmente, na ciência, só que a ciência não é irradiada como um jogo de futebol. Então, é difícil todo mundo ficar sabendo de cada lance. Evidentemente, fica-se preocupado.
15:41
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Uma pesquisa, normalmente, leva muitos e muitos anos, porque temos que identificar o antígeno, produzir o antígeno, testar em animais — há a prova de conceito, de que eu falei —, para depois passarmos às fases clínicas. Isso leva muitos anos, normalmente de 5 anos a 10 anos, e nós estamos querendo fazer tudo em menos de 1 ano. Acho fantástico o que a ciência está fazendo. Isso só foi possível porque as pessoas já tinham plataformas desenvolvidas. Esta pandemia não é uma surpresa, o mundo esperava que houvesse uma pandemia, tanto é que, em 2017, criou-se a CEPI — Coalition for Epidemic Preparedness Innovations, ou seja, uma coalização de Estados europeus para criar plataformas para o desenvolvimento rápido de vacinas. E grande parte dessas vacinas que estão em teste hoje vieram dessas plataformas, inclusive o Instituto Jenner, que fez a vacina de Oxford.
Bem, dizem que se gasta de 10 milhões e 20 milhões de dólares até se chegar à prova de conceito. Evidentemente, eu não tenho de 10 milhões a 20 milhões de dólares, mas nós tivemos o apoio do Ministério da Saúde para chegarmos aonde chegamos.
Nesta imagem vemos os nomes de todos os colaboradores.
Eu quis dar aos senhores uma ideia do que está sendo feito e de quais são as dificuldades. Vejam que ter vacina inativada ou vacina da proteína de proteína spike pode funcionar, mas também pode ser que nem uma, nem outra sejam as vacinas definitivas. É importante que nós tenhamos no Brasil capacidade de responder a esses desafios, que tenhamos plataformas para desenvolver rapidamente uma vacina.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, novamente, Dr. Jorge Kalil, pela brilhante apresentação.
Passo a palavra ao Dr. Anthony Wong.
O SR. ANTHONY WONG - Obrigado, Deputado Luiz Antonio e Deputada Carmen Zanotto, a quem eu muito admiro, pelo convite e por esta oportunidade.
Falar depois do Jorge Kalil não é tarefa pouca, como não é falar depois do Marco Krieger. Eles já passaram um pente bastante fino, digamos assim, sobre a situação das vacinas, sobretudo o Dr. Jorge Kalil.
A minha formação é pediátrica, e também sou toxologista. Eu estou junto, como colaborador, da Organização Mundial de Saúde, na unidade de segurança de medicamentos, primeiro, na de segurança química, e depois, de segurança de medicamentos, há 35 anos. Atualmente, eu participo, como colaborador também, e do seu corpo científico e médico, do Centro de Monitoramento de Upsala, que monitora os efeitos adversos de medicamentos e vacinas no mundo tudo. Essas questões que o Marco Krieger e o Jorge apresentaram até agora não são nada estranhas para nós. Como disse a Nise, isso tudo exige um grande grau de cautela.
Nós sabemos que esse vírus não é novo, na realidade, o coronavírus não é novo, mas esta variação do coronavírus é extremamente diferente das outras, por algumas características, não tanto pela sua infecciosidade, nem pela sua letalidade. Os últimos estudos, apresentados pelo John Ioannidis, da Universidade de Stanford, mostraram que a letalidade do vírus é em torno de 0,27%, corrigido para 0,23%.
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Essa letalidade é mais ou menos próxima à letalidade da pneumonia.
Tampouco a sua contagiosidade é tão grande, como a Nise também apontou. Se temos no Brasil 220 milhões de habitantes e, até agora, 5 milhões e 200 mil infectados — é claro que pode haver subnotificação ou, talvez, até supernotificação, não se sabe bem como avaliar isso —, nós vamos ver que a infecciosidade é de algo em torno de 3% até o momento, bem inferior a 5%. Ou seja, 97% da população brasileira não tem o vírus, ou pelo menos não temos conhecimento de que esse vírus realmente tenha infectado essas pessoas.
É importante também salientar que em março eu dizia que nós estávamos fazendo uma quarentena burra naquele momento, porque nós ainda estávamos em época de calor e, como acontece com todo vírus de transmissão respiratória, deveríamos aguardar que chegasse o tempo mais frio, a partir de maio, quando, como nós sabemos, a transmissão do vírus é muito maior.
De tudo isso, quero resumir o seguinte. Como tudo estava sendo feito errado, acho que a pressa em desenvolver essa vacina também faz parte do contexto da COVID-19. Acho que nós fizemos uma série de opções erradas e espero que, nessa corrida pela vacina, nós possamos ter a sensatez de escolher aquela que for mais rigorosa e correta.
O que o Dr. Marco Krieger apresentou até agora é extremamente louvável, e eu acho importantíssimo, porque a AstraZeneca tem essa experiência, e essa metodologia com vetores virais já foi experimentada em outras vacinas.
Entretanto, o que me preocupa, em relação não apenas à AstraZeneca, mas a todas elas, é o tempo curtíssimo de desenvolvimento, a segurança. Todos nós sabemos que o desenvolvimento de uma vacina ou remédio requer etapas prioritárias e essenciais, mormente na fase pré-clínica. Através do estudo de reações em animais é que nós podemos prever, com alguma segurança, se efeitos adversos advirão na aplicação no ser humano.
Ora, o vírus tomou conta, assolou o mundo a partir de janeiro — em novembro chegou à China, mas chegou à Europa no final de janeiro; em março, a comunidade tomou conhecimento da verdadeira dimensão dessa doença; foi também em março — em meados do mês, provavelmente —, que foi decifrado o genoma; e, a partir daí, foram feitas estratégias de desenvolvimento de vacinas. Ora, isso foi no final de março. Em abril, realmente começou a produção, e, incrivelmente, a partir de maio, até início de junho, algumas vacinas já estavam na fase 3. Não estavam nas fases 1 e 2; já foram para a fase 3.
Evidentemente, as fases 1 e 2 são essenciais, mas elas foram encurtadas. Ou seja, em vez de esperarem aquele período de cuidado etc. para ver os resultados, eles o pularam.
Eu quero só mostrar uma figura, que é do FDA, mas também de outros centros, mostrando o tempo de desenvolvimento de uma vacina. (Exibe documento.)
Eu sei que não está muito bom. Eu recebi hoje o convite para esta reunião e, por isso, não deu tempo de colocar na plataforma.
Aqui vocês veem a linha do tempo do desenvolvimento de uma vacina.
Normalmente, a fase pré-clínica dura de 5 anos a 10 anos. Uma vez aprovado isso, é preciso 1 ano, pelo menos, para estudo e avaliação por um comitê de ética.
Depois vêm a fase 1, que dura 3 anos; a fase 2, mais 3 anos; e a fase 3, mais 3 anos.
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No entanto, devido à corrida para fazer essas vacinas — e não há uma única, mas várias vacinas —, a parte pré-clínica foi encurtada para 6 a 9 meses, certo? Aliás, uma parte dessa fase já englobou a fase 1 da parte clínica.
Depois das fases 2 e 3, demora-se de 6 a 9 meses também.
Se nós juntarmos isso, nenhuma vacina pode atingir o mercado, mesmo sendo apressado o processo de sua elaboração, no período inferior a 1 ano. Para que seja feita com excelência, o prazo deve ser de 18 meses.
Ademais, com essa injeção de material genético modificado, real, cortado, inativado — isso não importa, porque são oito os métodos de se inserir informações de vacinas —, nunca, no mundo, nós tivemos tantas opções de desenvolver vacinas em tão curto espaço de tempo.
Eu quero chamar a atenção, primeiramente, para a fase pré-clínica, porque ela é essencial. Não se trata apenas de dizer que, se não fez mal ao animal, então, está tudo bem. Talvez, a vacina de Oxford tenha vantagem, porque essa mesma estrutura já foi experimentada para desenvolver a vacina contra o ebola. Mas as outras, não. E a fase pré-clínica engloba, primeiro, saber se faz mal ou não. Essa é a primeira parte. Mas a toxicidade é observada a médio e longo prazos.
Vejamos os cânceres e outros tumores. O que eles fazem com a parte imunológica do animal? Isso não é uma coisa que se consegue saber em 3 meses ou 6 meses, mas em 1 ano. Em tumores, isso leva muito mais do que 1 ou 2 anos.
Essa fase, essencial de ser feita antes de a vacina ser aplicada no ser humano, foi cortada pela maioria das empresas que desenvolveram as vacinas.
Novamente, o Dr. Marco Krieger mostrou a timeline de Oxford, e eu acho louvável o fato de ele ter usado a experiência anterior. Por isso, talvez, essa estaria, mas as outras vacinas, não, certo?
A primeira questão importante a ser considerada, portanto, é que nós não tivemos a fase pré-clínica e, talvez, tumores ou outros problemas possam surgir depois em quem tomar a vacina. A segunda questão é que as fases 1 e 2 são essenciais. A fase 1, primeiro, para saber se há algum problema para pacientes sadios. A fase 2, para estabelecer a dosimetria, o intervalo entre as vacinas.
Dependendo do tipo de vacina que nós tivermos, o intervalo entre a primeira, a segunda, a terceira e a quarta doses é essencial, porque, quando se estimula o organismo vacinado com a primeira dose, como o Jorge Kalil mostrou, nós temos dois tipos de imunidade. A primeira é a imunidade humoral, que é o desenvolvimento de anticorpos, as IgAs e as IgEs, que são chamadas de respostas neutralizantes — repito: neutralizantes! —, e não viricidas, nem bactericidas. A segunda é a resposta celular, a imunidade celular.
Então, a primeira fase é a resposta imediata, que ocorre nos primeiros dias, na primeira semana, para impedir que o patógeno invada o nosso corpo e provoque maiores danos. Depois, como bem demonstrado, ela sobe e desce. Com a segunda dose, dá-se um novo efeito de potencialização, chamado booster, e sobe de novo, de modo que dê tempo de entrar a imunidade celular para produzir a defesa definitiva.
É importante salientar que, se não tivermos a sequência correta, o tempo adequado de intervalo e o número de doses necessárias para aquele tipo de vacina, nós não teremos uma imunidade em nível adequado e, muito menos, por tempo prolongado.
Isso é ainda mais preocupante com as vacinas que utilizam vírus inativos ou mortos.
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Esse é o caso da vacina Salk, que é a vacina contra a poliomielite feita com vírus inativado, em contraste com a vacina Sabin, que é a vacina da poliomielite atenuada. Todas as vacinas feitas com vírus inativos requerem três ou mais doses para fornecerem imunidade adequada e prolongada.
Então, o que nos chama muito a atenção nessas três vacinas chinesas, a Sinovac e as outras, é que, embora sejam feitas com vírus inativado, o que foi proposto foi a aplicação de apenas duas doses. É a primeira vez que isso acontece na história da imunidade. Eu não conheço nenhum outro caso. Não sei se o Marco sabe de alguma outra vacina com vírus inativo que precise de menos de três ou quatro doses para dar imunidade. Ele e o Jorge Kalil podem conhecer, mas eu não conheço nenhuma, e eu conheço vacina desde que comecei a atuar na pediatria.
Ou seja, com duas doses da vacina, vão surgir anticorpos, sim, mas será que eles ficarão? E por quanto tempo? E será que eles existirão em quantidade suficiente?
Nós sabemos que a primeira dose de uma vacina aumenta a imunidade em torno de 50%, e a imunidade pode cair rapidamente num espaço de 8 a 12 semanas. É necessária a segunda dose dentro desse período para que a imunidade suba até 80%. É necessária a terceira dose para aumentar a imunidade para 99%. Se não houver um efeito booster, esse nível vai cair depois de alguns meses.
Bom, aí vem a segunda etapa.
A imunidade definitiva não é dada através apenas de IgG; é através da imunidade celular. Nós temos a célula B, que é a que dá a imunidade humoral, mas é através das células T, principalmente em idosos, com as CD4 e CD8, que se atinge a imunidade celular.
Essas são imunidades, como o Jorge Kalil mostrou bem, chamadas de killer cells — ele falou em helper cells, mas a imunidade celular é chamada de killer cells —, ou seja, células que matam o vírus.
Então, ao receber a informação de que há um invasor, o corpo vai produzir a célula. Tanto faz ser o vírus selvagem ou o vírus que compõe a vacina, ele entra no corpo, você é sensibilizado, ele desencadeia todo um processo inflamatório, que todos sabem muito bem — IL-6, citoquinas, interferons, TCNFs etc., pois há uns oito ou nove mecanismos de inflamação — justamente para coibir e diminuir a reprodução do vírus, mas, infelizmente, também induz uma reação inflamatória no próprio corpo.
É bem sabido que essas células T, além der matarem o vírus, também matam as células invadidas pelo vírus. É por causa disso que é tão importante enfatizarmos o tratamento precoce da doença. Nessa hora, a carga viral é pequena. Então, nós ainda estamos na primeira fase. Quando você deixa o vírus profilar, não dando tratamento precoce, o aumento da carga viral de algumas centenas de milhares para algumas centenas de zilhões — não são bilhões —, no tempo de 7 a 10 dias, ultrapassa a capacidade do corpo de reagir, e a resposta da imunidade celular contra o vírus vai contra o próprio corpo. Isso é o que causa o que chamamos de tempestade citoquímica.
Por que eu digo isso? Se nós dermos uma vacina — e todas as vacinas induzem a imunidade humoral e também a imunidade celular —, em primeiro lugar, nós temos que ter, como eu já disse, uma resposta adequada, que tem que ser repetida através de booster para dar uma imunidade permanente.
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Nós temos oito tipos de vacinas, feitas por mais de 200 fabricantes — nós temos mais de nove em fase 3 —, a primeira vacina que estiver disponível vai todo mundo tomar. Mas, se nós chegarmos à conclusão, depois de 2 ou 3 meses, que a vacina A não é a melhor, mas talvez seja a terceira ou a quarta, quem vai proibir as pessoas ou contê-las para que não queiram a segunda, ou a terceira, ou a quarta vacina a ser licenciada para garantir a sua imunidade?
A população brasileira e a do mundo todo estão numa fase chamada esgotamento de quarentena. Há um esgotamento de quarentena. Ela quer qualquer coisa para sair. "Eu quero tomar uma vacina para ir à escola." "Eu quero ter uma vacina para poder sair de casa." "Eu quero uma vacina para poder abrir as fronteiras nacionais." Então, qualquer coisa serve, mesmo que seja água destilada.
Isso é um perigo, porque vai levar as pessoas a uma histeria de vacinação e isso vai fazer com que haja um, dois, três, quatro, que haja vários tipos de vacinas sem terem comprovação de segurança e eficácia.
Além disso, o que vai acontecer? A primeira vacina induz uma reação. A segunda vacina induz uma segunda reação. Isso pode provocar uma hiper-reação inflamatória. E qual é a consequência? O que aconteceu com a vacina da dengue. Quem tomou a segunda dose da vacina da dengue, quando foi picado pelo mosquito transmissor, desenvolveu rapidamente a dengue hemorrágica.
Nunca é demais lembrar que a pressa de desenvolver uma vacina por finalidade política é simplesmente desastrosa.
Alguém se lembra do que aconteceu em 1974? Acho que não, não é? Em 1974, houve um surto de gripe suína nos Estados Unidos. O Presidente naquela época era Gerald Ford. Era um ano de eleição. Ele forçou, exigiu que fosse feita uma vacina correndo. E realmente ela foi feita correndo, no prazo de 6 meses. Morreram centenas de pessoas com doenças neurológicas e doenças inflamatórias, milhares de pessoas desenvolveram miopatias debilitantes, inclusive a Síndrome de Gillain-Barré, e outras milhares ficaram permanentemente prejudicadas, de tal maneira que, depois de 1 mês, 2 meses, a vacina foi tirada de circulação.
Então, o princípio de cautela, o princípio de prudência é necessário quando nós estamos diante de uma pandemia que tem uma letalidade de 0,23%. Nós temos uma mortalidade controlável.
E mais uma coisa: abençoado por Deus como é o nosso povo, o Brasil não está no Hemisfério Norte. É importante lembrar o início e término da transmissão dos vírus de transmissão respiratória obedecem às estações. É por causa disso que a Europa está enfrentando o início da segunda onda, e a América do Norte também. E nós estamos numa fase de diminuição, não porque algum Governador ou algum outro governante disse para o vírus que esgotou o tempo dele. Não! O vírus não tem cérebro para isso! Ele deve estar diminuindo porque nós estamos terminando a fase invernal, está certo?
E qual é a grande vantagem disso? Se nós pegarmos uma segunda onda — e virá, certamente, como aconteceu com a Europa —, será apenas em maio do ano que vem. Ou seja, nós temos um prazo de 7 a 8 meses para esperar que o resto do mundo seja cobaia dessas vacinas antes de nós sermos cobaia de uma vacina cuja qualidade, eficácia, segurança e duração de efeitos nós não sabemos.
Certamente, é importante que nós tenhamos uma vacina para essa e para todas as outras doenças infecciosas. Não tenham dúvida!
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Eu era recém-formado quando ocorreu aquele surto de meningite de 1974, 1976. Não havia como segurar aquele surto de meningite na cidade de São Paulo. Felizmente, desenvolveu-se a vacina contra o meningococo A e contra o meningococo C e, com isso, em menos de 2 meses, caiu. Certo?
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Dr. Wong, nós já estamos ouvindo o senhor há 15 minutos. Eu pediria para o senhor concluir.
Obrigado.
O SR. ANTHONY WONG - Eu já concluo.
É importante que nós tenhamos um certo cuidado. Principalmente em relação à vacina que utiliza vírus inativo, é necessário pensar em como dar não apenas duas doses, mas também outras doses, para demonstrar a sua eficácia.
Obrigado pela oportunidade de falar com os senhores.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Dr. Wong, muito obrigado pela sua participação. Certamente, nós ficaríamos aqui o dia inteiro ouvindo o senhor.
Passo a palavra ao Dr. Francisco Cardoso.
O SR. FRANCISCO CARDOSO - Boa tarde a todos.
Para mim, é uma honra e um prazer estar aqui acompanhado de nomes célebres na Medicina, professores que muito me honra acompanhar neste evento.
Não vou tecer mais considerações sobre a questão técnica da produção de vacina ou sobre tipos de vacina, o que já foi exaurido pelos professores que me antecederam.
Eu queria pontuar para V.Exas., representantes do povo, uma questão com a qual eu, sendo médico infectologista do serviço público, do SUS, e também estudioso do assunto, me preocupo muito nas discussões sobre a vacina contra a COVID.
Sempre chega-se a um termo comum, que é a seguinte frase: se a vacina for segura e eficaz, tem-se que fazer isso, tem que ser dada. Se ela for segura e eficaz, não há discussão. E o que é uma vacina segura e eficaz? É com essa discussão que eu quero contribuir para o debate, porque está-se vendendo uma coisa que, na verdade, pode não ser exatamente o que as pessoas estão pensando, e eu vou explicar o porquê disso.
Nós temos, neste momento, como já foi dito, nove estudos em fase 3. O que são essas fases? Antes de a vacina ir para a fase 1, já tem que ter passado por uma série de provas de conceito, que antecedem uma série de outras etapas, que leva anos. Isso tudo foi atropelado no desenvolvimento da vacina contra a COVID, presumindo-se que plataformas construídas nos últimos anos eram suficientes para se exaurirem essas etapas e já se partir diretamente para a fase 1, que é a fase em que se testa a segurança do produto no ser humano, ou seja, se aquele produto vai causar algum efeito maléfico, algum efeito adverso grave na pessoa. Nessa fase, não se está testando eficácia, imunogenicidade, nada; só se testa o efeito adverso. E isso começou a ser feito 3 ou 4 meses depois que a humanidade descobriu a existência do vírus.
Parece-me que a coisa está sendo feita de forma muito açodada, muito atropelada para algo muito sério, que é uma vacina. Vacina não é um fármaco químico. Vacina é um remédio biológico. Ela pode provocar no ser humano efeitos a longo prazo, a partir do momento em que é introduzida no organismo. É por isso que toda a produção de vacina — e eu não quero dar aula sobre produção de vacina, mas é isso que está nos cânones médicos e na literatura sobre o assunto — requer muito cuidado, requer muita atenção e requer tempo suficiente para se fazer a coisa com muito cuidado, a fim de se evitarem tragédias como as que já aconteceram nos Estados Unidos e em outros locais do mundo e como as que aconteceram também, em 2009, nas primeiras tentativas de se fazer a vacina contra o H1N1.
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Não chegou a ser exatamente uma tragédia, mas houve o aumento de casos de doenças neurológicas associadas à primeira versão da vacina para H1N1, o que foi uma sorte. Já tínhamos a vacina para Influenza e, na época, foi só uma adaptação. Não tivemos que produzir uma vacina nova.
Neste caso, não. Nós não temos uma vacina para coronavírus. Estamos tendo que criar uma vacina do nada. Lembro que a plataforma não produziu nenhuma vacina até hoje. Ela está sendo a primeira para uso humano, na prática.
Então, já partindo dessa presunção e indo direto para a fase 1 há 3 ou 4 meses depois da descoberta do vírus, quando ainda tínhamos pouco conhecimento — e o conhecimento sobre a doença tem mudado muito nos últimos meses —, fomos direto para a fase 2, que é a fase em que se testa a imunogenicidade, ou seja, se aquela vacina é capaz de produzir o anticorpo, a resposta imune desejada.
E nós não sabemos se essa imunogenicidade será sustentável. Nas próprias pessoas que adoeceram de COVID, estamos vendo que algumas mantêm o anticorpo durante meses, mas várias não estão sustentando os anticorpos.
Nós não sabemos se é falha do teste, se é falha de medição ou se a própria pessoa está perdendo os anticorpos. Nós não sabemos se ela pode se reinfectar com o coronavírus. Se esse vírus sofrer uma mutação, não sabemos se ele pode reinfectar uma pessoa que se contaminou com o vírus prévio. Nós não temos resposta para isso. Não sabemos se, sendo produzida neste ano, essa vacina pode se tornar ineficaz se o vírus sofrer uma mutação, como já sofreu mutação em Cingapura. O vírus que está circulando aqui no Brasil não é o mesmo vírus que circulou em Wuhan.
Isso foi feito com menos de 2 meses da fase 1. E nós já estamos aqui no Brasil na fase 3, sem que os estudos da fase 1 e da fase 2 tenham sido publicados de maneira definitiva.
Nós temos rereleases e informações preliminares sendo publicadas de forma apressada em revistas internacionais, mas não temos os resultados definitivos e os estudos de segurança das fases 1 e 2.
É tanto que hoje, por coincidência — para aproveitar o assunto da vacina de Oxford, da AstraZeneca —, foi anunciado que eles vão divulgar, nas próximas semanas, os resultados definitivos nos grupos de risco e na faixa etária maior de 60 anos.
Neste momento, aqui no Brasil, nós estamos usando brasileiros para testar em fase 3, que é a fase de testar a eficácia, ou seja, se a vacina realmente oferece aquilo a que se propõe. E eu vou entrar nesse assunto daqui a pouco. Porém, os estudos de fase 1 e 2 não estão completos.
Vai que dá algum problema nesses estudos, e nós só descobrimos quando abrirmos ou quando formos publicá-los? E nós já teremos imunizado milhares de brasileiros.
Desculpem-me! Querer dizer que isso obedece ao método científico não é verdade. Isso não obedece ao método científico. Querer dizer que isso está obedecendo a regras de segurança não é verdade. Isso não está obedecendo a regras de segurança.
Nós estamos jogando aqui no escuro, e eu não sou contra a vacina. Pelo contrário, eu sou um árduo defensor e entusiasta de vacinas. Nem posso ser diferente, porque sou médico e infectologista. Porém, a vacina é algo muito sério para ser tratado de forma açodada.
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A minha preocupação, neste momento, é ver que na urgência, na pressa, na necessidade de tentar dar uma resposta à sociedade para a questão do coronavírus, nós acabemos cometendo um erro grave.
Como iniciarmos a fase 3 no Brasil de uma ou duas vacinas que não têm as fases 1 e 2 aprovadas, publicadas e criticadas pela comunidade científica? Porque é assim que o método científico se propõe a fazer. E já estão querendo para o ano que vem fazer a fase 4, que é a fase em que, de fato, vacina-se a população e observam-se os efeitos em longo prazo. Quer dizer, está estranho. Nunca foi feito antes na história da humanidade, e nós não sabemos aonde isso nos levará.
Eu quero voltar à questão da segurança e eficácia. Quando digo que uma vacina é eficaz, quando chego para a população, e até para os senhores, nobres Deputados, e digo que a vacina tem que ser eficaz, o que os senhores esperam disso? Quando se pergunta: "Essa vacina vai ser eficaz?" Qual é a resposta que se espera? Espero que seja uma vacina que impeça que eu me contamine ou que impeça que, se eu me contaminar, eu fique doente, ou, pelo menos, que eu fique muito doente. Principalmente, que impeça que eu morra dessa doença. É isso o que eu espero de uma vacina? Se não, não faz sentido (falha na transmissão) e morrer dessa doença. E aí eu pergunto: os nove estudos que estão em fase 3 prometem isso? A resposta é não. Eles não estão desenhados para responder se a vacina vai impedir ou diminuir mortalidade, evolução para hospitalização, evolução para UTI, ou até mesmo impedir a transmissão. Nenhum dos estudos da fase 3 está desenhado para isso. A única coisa para a qual eles estão desenhados é a diminuição de sintomatologia de doença leve ou moderada, ou seja, se a vacina vai conseguir diminuir sintomas em quem pegar a doença. É esse o desenho que está escrito.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Dr. Francisco, o senhor tem mais 1 minuto.
O SR. FRANCISCO CARDOSO - Então, isso é eficácia? É essa a eficácia que nós procuramos? É essa a eficácia que nos obrigará a vacinarmos toda a população?
Quanto à segurança, eu já expliquei que não há, neste momento, segurança cientificamente comprovada. Não há!
E quanto à eficácia? Nós vamos pagar bilhões de reais e expor 220 milhões de pessoas a uma vacina nova, com todos os possíveis efeitos adversos, para um resultado que vai ser apenas o de diminuir sintomas leves e moderados e que não vai diminuir mortalidade e não vai diminuir hospitalização, não vai diminuir nem mesmo transmissão?
Perguntem, Srs. Deputados, aos representantes das empresas, quando os senhores tiverem a oportunidade, se os projetos deles, se as vacinas que estão sendo desenvolvidas na FIOCRUZ, por exemplo, estão desenhadas para avaliar a diminuição de mortalidade, a diminuição de hospitalização ou a diminuição de transmissão entre a população. Não estão! Não estão! Não é isso que está no desenho, e nem pode, porque teria que haver outro desenho, com dez vezes mais pessoas. Seria preciso ficar medindo o PCR nas pessoas duas vezes por semana, pelo menos, durante um longo período; e são estudos muito mais caros.
Na minha opinião, está se vendendo gato por lebre. Está-se anunciando uma cura, uma vacina, e o que existe, na verdade, é um medicamento fraco, inseguro e que, no máximo, vai resolver em 30% a sintomatologia das pessoas que se contaminarem com COVID. Esse é o produto que nós temos no momento.
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É com isso que nós temos que trabalhar neste momento, a não ser que apresentem algum produto novo doravante. Os estudos de fase 3, neste momento, estão neste patamar.
Muito obrigado pela apresentação. Estou disponível depois, se quiserem, para novos comentários.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Dr. Francisco Cardoso, pela participação.
Eu convido para fazer uso da palavra a Dra. Francieli Fontana Sutile Tardetti Fantinato, Coordenadora do Programa Nacional de Imunizações.
A SRA. FRANCIELI FONTANA SUTILE TARDETTI FANTINATO - Boa tarde a todos!
Boa tarde, Deputado. Mais uma vez agradeço a V.Exa. pelo convite. Temos participado frequentemente das pautas desta Comissão Externa que trata do enfrentamento ao coronavírus, e hoje, mais uma vez, o Programa Nacional de Imunizações está presente.
Eu gostaria de apontar alguns aspectos importantes, começando pelo papel do Programa Nacional de Imunizações em relação à vacinação. Nós somos o orientador da Política Nacional de Vacinação, somos um programa que já tem 47 anos — fizemos 47 anos em setembro. Trata-se de um programa reconhecido tanto em âmbito nacional quanto em âmbito internacional, e hoje ele tem um calendário que atende todas as faixas etárias, desde a criança até a população idosa.
O nosso papel, como Programa Nacional de Imunizações, neste momento, em relação à vacinação contra COVID, é a elaboração de uma estratégia de vacinação, a qual deve ocorrer em cima de vacinas que já foram incorporadas pela CONITEC, que é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, e após o licenciamento da agência regulatória, que no País é a ANVISA.
Quando nós tivermos uma vacina que foi incorporada pela CONITEC e licenciada pela ANVISA, teremos um produto que possui uma qualidade reconhecida, porque já apresentou nos estudos de fases 1, 2 e 3 aquilo que precisava ser apresentado: a parte de segurança, de imunogenicidade e de eficácia, que está sendo trabalhada na fase 3.
O papel do Programa Nacional de Imunizações só se inicia a partir do momento em que a vacina está licenciada. Hoje, no programa, nós temos mais de 47 imunobiológicos entre vacinas, soros e imunoglobulinas. E no que diz respeito especificamente às vacinas, elas só são incorporadas pelo Programa Nacional de Imunizações quando apresentam perfil de segurança adequado, imunogenicidade e também eficácia.
Neste momento, ainda existem muitas vacinas em desenvolvimento. Os nossos colegas já apontaram isso nas apresentações anteriores. Na condição de Programa Nacional de Imunizações, nós precisamos esperar o momento em que as vacinas estejam licenciadas, com a garantia desses resultados, no que diz respeito à imunogenicidade, segurança e também eficácia.
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É também nosso papel realizar os estudos pós-licenciamento, que seriam os estudos em condições reais, depois que a vacina já foi introduzida para a população, uma vez que a eficácia ocorre em condições ideais, num ambiente controlado — na vida real podem existir outras variáveis que precisam ser trabalhadas e melhor entendidas. Então, esses estudos pós-licenciamento também ficam a cargo do Programa Nacional de Imunizações, assim como a parte de eventos adversos, pois muitos desses eventos podem não ser identificados nos estudos de fases 1, 2 e 3, porque ocorrem, às vezes, com uma população limitada; e, em condições reais, nós podemos verificar eventos adversos raros. Esse seria o papel do Programa Nacional de Imunizações.
Neste momento, em que nós estamos trabalhando? Embora ainda não tenhamos uma vacina licenciada, uma vacina com os resultados de fase 3, destaco mais uma vez que o programa só incorpora vacina que tenha eficácia adequada, segurança e imunogenecidade. É importante nós trazermos isso como elemento. E que fique bem definido, para que não tenhamos prejuízos em relação ao calendário que já existe hoje, que as nossas vacinas só foram incorporadas a partir desses estudos, a partir da comprovação de resultados. É por isso que nós temos um programa de sucesso, que trouxe a redução de doenças imunopreveníveis e a transição epidemiológica no que diz respeito à redução dessas próprias doenças. Hoje há um perfil epidemiológico de agravos crônicos não transmissíveis, com uma maior visibilidade das doenças imunopreveníveis, porque houve uma redução importante desse quadro ao longo do tempo.
Em relação à estratégia de vacinação, embora não tenhamos ainda uma vacina fechada, uma vacina com eficácia comprovada, nós a estamos elaborando em cima de alguns eixos prioritários. O Programa Nacional de Imunizações vem se organizando em cima de alguns eixos prioritários para o desenvolvimento de uma estratégia de vacinação. E, a partir do momento em que tenhamos uma vacina licenciada, com qualidade, com segurança, com eficácia, daremos uma resposta à população, por meio de um Plano Nacional de Vacinação. É nosso papel orientar essa Política Nacional de Vacinação.
É muito importante que tenhamos em mente quais são os objetivos da vacinação. Quando se incorpora uma vacina é importante se ter ciência de qual é o seu objetivo: se é para reduzir mortalidade, se é para reduzir morbidade, se é para reduzir a transmissibilidade. Tudo isso deve ser pensado, a partir dos estudos que temos.
A elaboração da nossa estratégia está contando com diversas instituições que estão envolvidas nesse processo, para que construamos uma proposta robusta.
Ainda não temos hoje como definir diversos pontos nesse plano de vacinação, porque existem muitas lacunas no conhecimento, tanto no que diz respeito à parte epidemiológica da COVID-19 quanto no que diz respeito aos resultados dos estudos de fase 3, que estamos aguardando.
Nós organizamos a nossa estratégia de vacinação em cima de eixos prioritários, trabalhando a situação epidemiológica. Também há um grupo que trabalha com a atualização das vacinas em estudo, parceria importante que realizamos com a Secretaria de Ciência e Tecnologia, que faz o acompanhamento de todas as vacinas candidatas que estão em fases de desenvolvimento, desde as fases 1, 2 e 3 até as fases pré-clínicas, e verifica aquelas que estão sendo cadastradas na OMS para esses estudos. Então, nós fazemos esse acompanhamento.
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Temos também que trabalhar com uma estratégia de vacinação operacional, que seria o trabalho de campo, para ver como as unidades de saúde se organizariam para fazer essa vacinação.
Há uma parte importante, como já coloquei aqui, que diz respeito aos eventos adversos que contemplam a farmacovigilância. Hoje, já há um serviço de vigilância epidemiológica de eventos adversos em relação à COVID. Por se tratar de uma vacina nova, é importante ter conhecimento de todos os eventos que estão ocorrendo, desde os mais leves até os mais graves. Os eventos adversos raros, como já coloquei aqui, vão ser mais fáceis de serem visualizados em condições reais, quando nós tivermos os estudos pós-licenciamento.
Existe ainda um eixo que trabalha a parte de sistema de informação. É um eixo importante, no que diz respeito à própria farmacovigilância, para poder monitorar essa vacina, quando ela estiver lá na ponta, na unidade de saúde. Há mais de 38 mil salas de vacinação no País. Precisamos fazer esse rastreamento no que diz respeito ao indivíduo vacinado, ao lote da vacina que está sendo utilizada. Temos que fazer esse monitoramento para que possamos dar uma resposta oportuna, se ocorrerem eventos adversos.
Há também um eixo de monitoramento, supervisão e avaliação, que preveem indicadores. O Programa Nacional de Imunizações está se organizando para poder acompanhar esses indicadores, quando iniciar a vacinação, a partir do momento em que tivermos uma vacina.
Há ainda um eixo de comunicação, que é de extrema importância, para que possamos dar visibilidade à vacinação, falando sobre a segurança das vacinas que estão sendo utilizadas pelo PMI. Só incorporaremos isso a partir do momento em que tivermos os dados adequados de segurança e eficácia. É importante dar essa visibilidade para que possamos ter uma estratégia que atinja a nossa população. Então, é feita uma comunicação no sentido de dar transparência à população, para que ela tenha segurança em aderir a esta vacinação.
Então, esse seria o papel do Programa Nacional de Imunizações. Ainda há diversas situações que precisam ser mais bem trabalhadas, por causa das lacunas que ainda existem em relação ao conhecimento. A definição de grupo prioritário exige muito dos estudos das fases 1, 2 e 3, principalmente os da fase 3, tendo em vista a definição de qual será o público, em cima das faixas etárias que são preconizadas, ou seja, é possível definir para qual faixa etária esta vacina está sendo licenciada. Outra questão é se vai se manter o funcionamento, a manutenção dos serviços essenciais, entrando aí também a vacinação, como um objetivo.
Há outros critérios que são importantíssimos para a definição de grupos prioritários, como a caracterização da doença como problema de saúde pública, os grupos de maior risco para o adoecimento, pensando no agravamento, nos óbitos, e a incidência da doença, para trabalhar também com alguns coeficientes de hospitalização e de mortalidade.
Ainda há algumas questões logísticas que podem estar interferindo. Hoje a nossa rede trabalha com vacinas cuja temperatura na plataforma é de 2 a 8 graus. Então, nós temos uma Rede de Frio que precisa ser utilizada para vacinas que aceitem temperaturas de 2 a 8 graus. É preciso pensar nas diferentes plataformas de desenvolvimento em que nós estamos verificando a produção dessas vacinas, na intercambialidade entre as vacinas, tendo em vista que hoje um único produtor não é capaz de fornecer o quantitativo total para cobrir a população preconizada e priorizada neste momento inicial, nas temperaturas de armazenamento já colocadas aqui — hoje nós temos temperaturas positivas — e também nas diferentes estratégias de vacinação se adquirirmos vacinas diferentes, já que temos alguns acordos feitos. Isso precisa ser pensado também, porque a vacina pode ser uma para um público-alvo e outra para outro público-alvo. Então, neste momento, o Programa Nacional de Imunizações vem se organizando, mas ele não tem como apresentar ainda uma proposta fechada, pois nós ainda estamos na dependência de estudos para que possamos de fato entender um pouco melhor os cenários. A partir do momento em que a vacina for licenciada, teremos uma visão melhor para elaborar uma estratégia de vacinação adequada.
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As informações que eu tinha para passar a vocês eram essas. Eu também me coloco à disposição para a discussão e o debate.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Francieli Fontana, pelos seus esclarecimentos.
Vou começar a passar a palavra aos nossos Deputados inscritos. A primeira inscrita é a Deputada Jandira Feghali.
A SRA. JANDIRA FEGHALI (PCdoB - RJ) - Presidente Luizinho, eu lhe agradeço.
Quero ser bastante objetiva e, ao mesmo tempo, fazer aqui o registro de algumas questões.
Quero parabenizar a iniciativa do debate, na medida em que esta questão da vacina tomou conta da pauta do País, principalmente depois da formulação do Presidente da República sobre a vacina que hoje está sob o convênio, a guarda ou a análise do Instituto Butantan, em São Paulo. A CoronaVac está sendo desenvolvida em articulação com a China. Na verdade, esta pauta me trouxe algumas preocupações, mas eu quero partir do debate que está sendo feito aqui.
Em primeiro lugar, Deputado Luizinho, cada vez mais me orgulho e me convenço da importância da ciência, dos cientistas, dos pesquisadores do Brasil, das nossas instituições, como a FIOCRUZ. Acho que o Dr. Marco Krieger traz isso para nós. Cada vez mais me orgulho da Fundação Oswaldo Cruz, do seu trabalho, da sua qualidade, do seu esforço, como também do Butantan.
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Esta Comissão teve o privilégio e a preocupação de visitar as duas instituições — a Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan, em São Paulo —, para conhecer e ver de perto a planta de fabricação, os processos, os acordos que estão sendo constituídos, a capacidade, a potência e a possibilidade de produção no Brasil dessas duas vacinas e a sua fase de desenvolvimento. A partir desse conhecimento, foi feita a primeira medida provisória, construída também a partir do esforço desta Comissão. Essa medida provisória possibilitou o envio de recursos para a Fundação Oswaldo Cruz. Há também uma demanda do Instituto Butantan.
Em segundo lugar, eu quero dizer que tenho orgulho também da ciência de fora do Brasil. A ciência existe aqui e também existe fora do País. A China é reconhecida pela sua capacidade tecnológica, como também o são vários países do mundo.
Então, eu quero realçar a necessidade de reconhecermos, apostarmos e, aqui no Brasil, em particular, investirmos em ciência, pesquisa e inovação. Deve ser uma responsabilidade também nossa, no Parlamento brasileiro, garantir orçamento, garantir investimento público para que a pesquisa e a ciência não sejam interrompidas por asfixia financeira, como, aliás, tem ocorrido: elas têm sido permanentemente desprezadas pelos orçamentos de alguns anos para cá.
Parece-me que não podemos, num país como o nosso, desconhecer o significado desta doença. Esta é uma doença de altíssimo contágio, de grandes repercussões na população brasileira, particularmente na vida da população mais pobre e periférica do Brasil, devido ao grande número de mortes. A taxa de mortalidade é muito significativa. Nós temos perdido muitas vidas.
E nós não temos pleno conhecimento do desenvolvimento dessa doença. Apesar de que avançamos nesse conhecimento, porque estamos lidando com ela em hospitais, clínicas, UTIs, ainda não temos pleno conhecimento da sua evolução. E não temos ainda nenhum tratamento precoce antiviral que combata o vírus. Quem afirma que temos precisa provar o que fala, porque não conhecemos ainda nenhum antiviral, em lugar nenhum do mundo, que seja comprovadamente eficaz, nem no tratamento precoce, nem no tratamento de nenhuma fase desta doença. O que nós temos são substâncias que interferem na sua repercussão clínica — na sua repercussão clínica —, no corpo das pessoas, como o corticoide, usado na fase grave, mas não temos nenhum antiviral para tratamento precoce. Então, quem afirma isso tem que dizer qual é esse antiviral. Eu não o conheço e também não vi nada publicado sobre um antiviral que seja eficaz. Ninguém trouxe essa informação nem a esta Comissão, nem a lugar nenhum.
Nós estamos num país de diversidade étnica. Quanto à faixa etária da população, a epidemiologia nos mostra que o número de idosos aumentou, demograficamente falando. E nós estamos num país onde, de fato, temos hoje algumas vacinas em teste na fase 3. Não gostaria de ver pessoas aqui colocando sob suspeição a credibilidade nem da FIOCRUZ, nem do Butantan, nem de outros cientistas — é muito ruim ouvir isso nesta audiência —, muito menos tratando a população, daqui ou de fora do País, como cobaia. Acho muito ruim um cientista falar uma coisa dessas.
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E penso que é inaceitável que nós levemos este debate para o campo eleitoral ou para o campo ideológico — eu acho que nós estamos aqui num debate técnico, discutindo a defesa da vida —, seja eleitoralmente para agilizar, seja eleitoralmente para retardar, seja para que nos coloquemos na briga entre Estados Unidos e China, que estão numa disputa em relação ao 5G.
O Brasil não pode ser — desculpem o termo — bucha de canhão dos interesses econômicos do Governo americano. Nós não podemos entrar nessa, não podemos cair nessa armadilha. O Brasil não pode baixar a cabeça para os interesses norte-americanos ou do Sr. Trump e negar a possibilidade de termos uma vacina chinesa. A vida do povo brasileiro não pode estar submetida a isto. Nós não podemos negar à sociedade brasileira o acesso a nenhum tipo de vacina que demonstre eficácia ou segurança. Nós não sabemos ainda qual vacina será eficaz para os mais idosos, para a população negra, para a população com comorbidade ou para as crianças. Nós temos que garantir acesso universal à vacina, equitativo, independente de poder econômico. O acesso tem que ser universal, no SUS, para todos.
Acho, inclusive, que antecipar o debate da compulsoriedade ou da obrigatoriedade da vacinação é um problema grave. Nós não podemos antecipar esse debate. Isso é para fazer uma polarização política. Esse não é o debate de agora. Nós ainda nem temos a vacina, não sabemos nem qual vai ser a estratégia de priorização de vacina para os grupos de risco, como a vacinação será feita, quantas vacinas teremos! Esse debate polarizado e ideológico antecipado sobre a obrigatoriedade acaba fazendo as pessoas desacreditarem a vacina. Além de ser açodado começar a estimular na Internet, como eu tenho visto, uma revolta contra a vacina ou um descrédito em relação a ela, isso é contra a vida do povo. É muito ruim o que eu estou vendo, Deputado Luizinho. Eu já estou vendo, na Internet, pessoas desacreditando uma vacina que ainda nem está liberada, falando para outras que não devem se vacinar, que não devem se utilizar da vacina. Isso é grave, isso é criminoso. O que nós queremos aqui é evitar que as pessoas adoeçam, que o contágio exista, que as pessoas morram.
Eu acho importante que o Marco Krieger, da FIOCRUZ, retorne para responder a algumas das questões que aqui foram levantadas e que colocam sob suspeição a credibilidade do processo que está sendo desenvolvido aqui no Brasil. Eu estou muito preocupada com o lugar em que foi colocado esse debate da vacina. Eu quero que esse debate seja feito do ponto de vista técnico. Ninguém defende que uma vacina seja liberada sem eficácia, sem segurança, sem imunogenicidade. Ninguém nunca defendeu isso.
Nós achamos que talvez seja necessário que tenhamos mais de uma vacina no Brasil, a depender da faixa etária, do tipo de população para o qual ela seja indicada, de como cada vacina se sairá nos testes clínicos. Ninguém aqui pode afirmar que uma única vacina será suficiente. Podem ser necessárias duas ou três, dependendo de como seja desenvolvido seu resultado.
E eu acho muito ruim que o debate seja colocado neste patamar, neste nível, com este grau de polarização: se ela é importante ou não é; se a aplicação dela é açodada ou tem que demorar 10 anos; se ela é obrigatória ou não é obrigatória. Sinceramente, acho isso muito ruim. Acho que todos nós aqui temos que dizer o seguinte: ter a vacina é fundamental, ela deve ser equitativa, e o acesso a ela deve ser universal, no SUS. Devemos estimular as pessoas a querer a vacina, a buscar ser vacinadas. E nós só vamos liberá-la quando ela tiver eficácia, segurança, imunogenicidade, segundo as estratégias das autoridades sanitárias e segundo as estratégias que nós vamos conseguir desenvolver no Brasil acreditando na ciência, nas instituições públicas brasileiras. É assim que devemos atuar. E a estratégia tem que ser estimular as pessoas a aderir à vacinação, para que o número de infectados e de mortes no Brasil possa ser reduzido. Essa devia ser uma condição unitária, suprapartidária, unificada, para defender a vida do povo brasileiro. É assim que eu penso, acreditando nos cientistas, na ciência e nas instituições públicas brasileiras.
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Obrigada, Deputado Luizinho.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Deputada Jandira. V.Exa. sabe que também pensamos que precisamos trabalhar de forma unificada, acreditando na ciência e na nossa capacidade de vacinação.
A partir do momento em que tivermos a vacina validada pelas principais agências mundiais, pela nossa Agência Nacional de Vigilância Sanitária, nós teremos condições até de fazer esta discussão que estamos iniciando hoje. Apesar de várias discordâncias, isso só prova que este não é o melhor momento. Não pode haver a judicialização de uma possível vacina. Isso beira o surreal. Acho que, apesar de ter havido divergências entre um posicionamento e outro, todos os que fizeram apresentações aqui disseram para nós, de forma convergente, que este não é o momento para discutir a obrigatoriedade de uma possível vacina cujos efeitos colaterais, riscos, segurança e eficácia nós não conhecemos.
Quero ressaltar nossa permanente confiança no projeto desenvolvido pela FIOCRUZ em parceria com o Ministério da Saúde.
Passo a palavra ao Deputado Jorge Solla.
O SR. JORGE SOLLA (PT - BA) - Boa tarde a todos.
Quero agradecer a oportunidade deste diálogo e parabenizar, Deputado Luizinho, a iniciativa da Comissão. Este é um debate candente hoje na pauta nacional. Há várias questões importantes que nós precisamos abordar.
Eu tenho recebido muitas perguntas, Deputado Luizinho, sobre o porquê de o Brasil — acho que esta é uma discussão importante — estar sendo um campo de testes das principais vacinas, as mais promissoras, aquelas que podem, em curto prazo, nos dar respostas. E sempre tenho chamado a atenção, primeiro, para um aspecto negativo: o fato é que nós não estamos com a disseminação do coronavírus sob controle, infelizmente. Nós somos um país continental em cujo território o vírus está espalhado sem nenhum controle. Para se testar uma vacina, tem que haver o risco de contaminação, e o Brasil é um laboratório, obviamente, importante para isso. Mas há três razões importantíssimas, positivas, que nós não podemos esquecer, porque são fundamentais.
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A primeira delas é que nós somos o único país com mais de 100 milhões de habitantes que faz compras nacionais com toda essa escala. Então, quando qualquer empresa multinacional produz insumo, medicamento, vacina, o que for, na área de saúde, pergunta logo: "E aquele país com mais de 200 milhões de habitantes na América do Sul que compra para toda a população, que tem sistema de saúde universal, público e gratuito? Ele vai comprar?". É a primeira pergunta que eles fazem. Essa é uma razão importante.
A segunda razão positiva é que nós fizemos investimentos de larga monta em vários laboratórios públicos nos Governos de Lula e Dilma: no Butantan, que é estadual — vamos lembrar que o Butantan é do Governo do Estado de São Paulo, mas recebeu investimentos de larga monta do Governo Federal durante os mandatos de Lula e Dilma —, na FIOCRUZ e em laboratórios estaduais de vários Estados.
A terceira razão positiva é que nós temos legislação de parceria público-privada testada, aprovada, e temos experiência positiva na produção, por meio dessas parcerias, de vacinas e medicamentos. Por isso, temos o maior programa público de vacinação do mundo.
Então, essas são as quatro principais razões por que nós somos hoje um laboratório prioritário para o teste de vacinas. Isso não pode ser esquecido, de forma alguma, num momento como este.
Outro aspecto importante, que também não pode ser deixado de lado, é que, se nós queremos ser ágeis, se nós queremos ser rápidos na resposta, nós não poderemos depender de uma única vacina, porque não haverá capacidade produtiva para atender a nossa necessidade. Nós não estamos falando de 10 milhões ou 20 milhões de habitantes, nós estamos falando de mais de 200 milhões. Então, a capacidade produtiva dependerá, com certeza, de mais de uma alternativa que possa, em curto prazo, dar a resposta positiva necessária. Isso também é muito importante.
O que eu acho estranho é que, apesar de existirem tantos questionamentos em relação às vacinas que estão sendo testadas, tanto cuidado com relação à segurança e à eficácia delas, havendo a necessidade de a ANVISA autorizá-las, infelizmente nós não vemos a mesma preocupação com medicamentos que não têm nenhuma comprovação científica, Deputado Luizinho. Deputada Jandira, não é só a cloroquina que está sendo divulgada pelo Presidente. Esta semana nós tivemos a polêmica divulgação de um estudo sobre o medicamento Annita, mas não há nenhuma evidência científica nessa direção, e os resultados foram negativos. Vou repetir: o Governo Federal financiou pesquisas sem evidência científica da hipótese de trabalho. Vou ressaltar isto: a hipótese de trabalho não tinha nenhuma evidência que a concentrasse, e os resultados foram negativos.
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Então, gostaria que tivessem o mesmo cuidado, a mesma preocupação, em relação a medicamentos e à vacina. Não há nenhuma sustentação científica, no investimento que foi feito pelo Governo Federal, quanto à medicação Annita — e os resultados comprovam isso — e muito menos quanto à cloroquina e à hidroxicloroquina. Isso também já está muito bem comprovado.
Para completar, enfatizo que não podemos ter nenhum preconceito no estágio atual. Já que somos o melhor campo de testes para as vacinas, pelas razões que já comentei anteriormente, tem que haver completa abertura para fazer esta testagem, além de confirmação de segurança e eficácia. Não podemos ter preconceitos político-partidários, em hipótese alguma. Eu fico à vontade para falar sobre isso, porque o nosso Governo do PT investiu no Butantan, e o Governo de São Paulo não era do nosso partido. É importante investir nos laboratórios públicos e estaduais de todos os Estados. O Paraná, por exemplo, está fazendo uma parceria com relação a uma outra vacina. Não podemos ter preconceito político partidário nenhum. Além disso, não podemos ter nenhum lado na disputa do mercado internacional. Como muito bem comentou a Deputada Jandira, nem na tecnologia da telefonia do 5G, nem na tecnologia da vacina, podemos ter um lado. Nós temos que estar do lado da população brasileira, que pode e precisa ter a melhor resposta possível.
Para concluir e não me estender muito, quero dizer que não podemos admitir que esta polêmica sirva para as posições antivacina. Nós não podemos retroagir, Deputado Luizinho, a mais de um século. O Brasil tem um patrimônio importantíssimo. O nosso programa de vacinação está na lei, desde 1975. O nosso programa de vacinação é nosso orgulho, sim; é um dos orgulhos do SUS. Nós temos o maior programa público de vacinação do mundo e não podemos compactuar com as ações antivacina, com as ações que as redes sociais têm propagado e que prejudicam a nossa população. Já basta termos, há alguns anos, virado a curva da mortalidade infantil. Vínhamos diminuindo-a, há muito tempo, e, agora, ela aumentou. Já basta termos virado — recebi, recentemente, os dados do Ministério da Saúde — a curva da ocorrência, da incidência de hanseníase. Já viramos a curva da incidência da tuberculose. Viramos a curva de uma série de doenças, e a vacinação no Brasil tem tido os piores resultados. Os últimos 2, 3 anos mostram o desastre que está acontecendo no País. Nós não podemos compactuar com isso.
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É preciso termos uma resposta de outra natureza. Sabe qual é a resposta, Deputado Luizinho? Precisamos ter uma resposta para aumentar o orçamento da saúde.
A proposta que este Governo mandou para o Congresso é para reduzir o orçamento da saúde, e precisamos de mais recursos para apoiar a FIOCRUZ, para apoiar o Butantan. Nós temos que botar recursos nos laboratórios, nas nossas instituições de ciência e tecnologia; nós temos que botar mais recursos no Ministério da Saúde; nós temos que apoiar as iniciativas positivas. Fico muito preocupado com esta audiência de hoje, porque, infelizmente, surgiram aqui posições que vão num retrocesso de mais de um século.
O Brasil de Oswaldo Cruz não pode admitir um retrocesso como este. O Brasil, que construiu o Sistema Único de Saúde na Constituição de 1988, não pode admitir um retrocesso como este. O Brasil, que está — apesar do Ministério da Saúde — fazendo um enfrentamento dessa natureza com a maior crise sanitária do mundo em 100 anos, não pode admitir um retrocesso como este.
Esta é a nossa mensagem em defesa da vacinação. É claro que isso não está em debate, mas tem que ter segurança, vai ter que eficácia, vai ter que ter as condições necessárias para ser utilizada. Felizmente, apesar do atual Governo, temos uma rede de frio invejável, temos um sistema de saúde capilarizado, que, com certeza, terá a capacidade de receber as doses e de disponibilizá-las para a nossa população.
Nós temos um sistema de saúde que é conhecido no mundo inteiro. Concluindo, hoje, inclusive, estava conversando com alguns amigos do Chile, O Chile vai ter uma nova Constituição, e eles querem conhecer o SUS, porque querem colocar na nova Constituição que vão construir um sistema de saúde público universal, com a capacidade de resposta que tem o SUS.
Então, esta é a nossa mensagem. Com certeza, vamos avançar bastante!
Parabéns, Deputado Luizinho, mais uma vez, por esta iniciativa!
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Deputado Jorge Solla, pela participação.
Eu quero ouvir a Deputada Carmen Zanotto — não sei se a Deputada está aqui conosco. (Pausa.)
Bem, a Deputada Carmen não está conosco. Eu queria fazer uso da palavra dizendo que o nosso objetivo principal é fazer com que o País possa navegar dentro de um caminho de união e dentro da clareza das atitudes que têm que ser tomadas. Acho que foi praticamente unanimidade aqui em todas as falas a questão de que, neste momento, a obrigatoriedade ou não da vacinação não pode estar em discussão.
Todas as apresentações foram muito importantes para nos encher de conhecimento. E me chamou a atenção ao ver a apresentação do Dr. Kalil, na questão dos vírus atenuados, a preocupação de quando eu fui Secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Nós tivemos que vacinar contra a febre amarela e nós tivemos muitas pessoas que ficaram fora do público-alvo da febre amarela por diversas condicionalidades. Então, acho que não cabe discutirmos se uma vacina deve ser obrigatória ou não. Não conseguimos colocar as condicionalidades sem saber qual é o tipo de vacina e como isso vai ser desenvolvido.
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Vou passar a palavra aos nossos convidados, para seus comentários finais, por até 2 minutos.
Com a palavra a Dra. Nise Yamaguchi.
A SRA. NISE HITOMI YAMAGUCHI - Muito obrigada. Para mim, é uma honra ter ouvido tudo o que foi dito aqui. Eu precisava realmente deste espaço e desta oportunidade. O objetivo é o de podermos cada vez mais discutir e apresentar o que os resultados mostram por si sós, mas que essa beligerância diminua para que não tenhamos de ter a obrigatoriedade em algo que sequer ainda está concretizado, e muito menos dar autonomia aos Estados e às Prefeituras para que tomem decisões individuais sobre o assunto.
Agradeço a todos e espero que tenhamos novas etapas de discussão e de debates bastante adequados.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Dra. Nise, pela participação mais uma vez em nossa Comissão.
Passo a palavra ao Dr. Marco Krieger.
O SR. MARCO KRIEGER - Eu queria agradecer à Comissão novamente este espaço que foi ofertado à FIOCRUZ para trazer essa atualização. Agradeço ainda o enorme apoio que estamos recebendo da Comissão e de todos os Deputados que nos visitaram e que têm acompanhado esse nosso esforço. E quero tranquilizá-los sobre a seriedade das avaliações que serão, e que estão sendo feitas tanto pela Fundação Oswaldo Cruz, quanto por outros institutos, pelo Ministério da Saúde e pela ANVISA.
Creio que temos realmente um desafio maior de fazer as coisas num tempo diferente, mas nunca enfrentamos problema tão grave quanto o que estamos enfrentando. Por outro lado, nunca estivemos tão preparados. Conforme citado aqui, no momento em que apareceu o HIV, por exemplo, demoraram quase 3 anos para identificar que a doença era causada por um retrovírus. E até obter a sequência desse vírus demoraram-se mais alguns anos. Nisso o prazo foi de dias. Então, hoje realmente podemos fazer alguns avanços importantes, sem abrir mão das condições de segurança. Mas estamos enfrentando uma situação muito grave! Sabemos disso. E sabemos também que não estamos avaliando novos medicamentos para pessoas saudáveis. Assim, tenham certeza de que será envidado esse esforço de avaliação da segurança e da eficácia, porque a vacina não é um tratamento para as pessoas que estão doentes, mas, sim, uma importante ferramenta que a sociedade terá para poder se prevenir de uma doença que está causando tantos problemas. E nós estaremos levando muito a sério esse desafio, porque a responsabilidade será nossa.
Portanto, quero agradecer mais uma vez a oportunidade de estar aqui. Este espaço de acompanhamento é muito importante para trazermos essas informações.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Dr. Krieger, pela sua participação. Não tenha dúvida da nossa absoluta confiança na FIOCRUZ, em todo o seu desenvolvimento de pesquisa e em sua capacidade de produção de vacinas. Pode ter certeza absoluta da confiança integral da Comissão no trabalho que está sendo feito. No meu ponto de vista, tenho total certeza de que a vacina da parceria da FIOCRUZ com a Oxford será a que vai ser utilizada no País o mais breve possível e da forma mais segura possível.
16:57
RF
Convido para fazer uso da palavra o Dr. Jorge Kalil.
O Dr. Kalil ainda está conosco? (Pausa.)
Vou passar a palavra ao Dr. Anthony Wong.
(Não identificado) - Tanto o Dr. Kalil quanto o Dr. Anthony Wong já saíram, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - O Dr. Francisco Cardoso está conosco, Marcelo?
(Não identificado) - Está sim. Ele e a Dra. Francieli estão presentes.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Então, primeiro, pela ordem, tem a palavra o Dr. Francisco Cardoso e, por último, a Dra. Francieli, apesar de as mulheres terem preferência.
Com a palavra o Dr. Francisco, por gentileza, por até 2 minutos.
O SR. FRANCISCO CARDOSO - Eu queria agradecer o convite e a oportunidade para falar aos nobres membros da Câmara dos Deputados. Concordo totalmente com a fala da Deputada Jandira Feghali: precisamos ter equidade na vacina, que seja uma vacina eficaz. Eu vim aqui trazer alguns elementos que me preocupam, porque de fato temos observado em alguns estudos que a vacina não promete eficácia para aquilo que pensamos ser eficaz. Isso é algo que precisa ser debatido com a sociedade, até porque ela não está desenhada e não está avaliando as minorias, que são os que mais estão sofrendo com a pandemia da COVID aqui e lá fora.
Nesse aspecto, estou à disposição da Comissão e dos Srs. Deputados para, em qualquer momento, evoluirmos neste debate e para o que for necessário em termos de esclarecimento dos dados, porque o interesse de todos aqui é trazer para o Brasil uma proteção efetiva, mas que seja feita de maneira segura e de fato, não da forma como estou vendo ser feita. E essa é a minha preocupação. Em nenhum momento aqui o discurso é contra a FIOCRUZ ou contra (ininteligível). Essa pode ter sido a impressão de alguns Mas me preocupa o desenho dos estudos, que não estão desenhados para proteger a população. Pelo contrário.
Essa a minha fala que queria deixar consignada.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Muito obrigado, Dr. Francisco, pela participação.
Passo a palavra à Dra. Francieli Fontana, a quem desde já agradeço a participação. Leve o nosso abraço e o nosso agradecimento ao Dr. Arnaldo Medeiros, Secretário de Vigilância em Saúde.
A SRA. FRANCIELI FONTANA SUTILE TARDETTI FANTINATO - Eu que gostaria de agradecer por mais esta oportunidade que os senhores nos estão dando para explanarmos esse tema tão importante. Eu me senti bastante feliz e contemplada com as falas do Deputado Jorge Solla e da Deputada Jandira Feghali. Neste momento, não temos a vacina, mas acho que temos que reforçar a nossa capacidade, enquanto País, enquanto Programa Nacional de Imunizações, de elaborarmos uma estratégia adequada.
Gostaria de reforçar aqui, mais uma vez, a credibilidade desse Programa na incorporação de vacinas. Esse reconhecimento do Programa Nacional de Imunizações nos âmbitos nacional e internacional foi construído ao longo de décadas, em seus 47 anos, e esse reconhecimento deve ser validado neste momento mais uma vez. Nós estamos elaborando uma estratégia séria, mas as vacinas só serão incorporadas a partir do momento em que elas forem licenciadas pela ANVISA, o que vai ocorrer após se ter passado por todos os estudos.
A FIOCRUZ é nossa parceira. Fizemos o acordo com essa vacina da AstraZeneca. Temos total confiança também no estudo que a FIOCRUZ vem desenvolvendo. Estamos sempre alinhados com o que eles vêm fazendo e desenvolvendo e já temos uma parceria de sucesso com as vacinas da FIOCRUZ e as do Instituto Butantan que são fornecidas para o Programa Nacional de Imunizações. Então, todas as vacinas que estão dentro do Programa Nacional de Imunizações são vacinas de qualidade, seguras e que vêm trazer benefício à população.
17:01
RF
Muito obrigada mais uma vez.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Antonio Teixeira Jr. Bloco/PP - RJ) - Eu queria agradecer a todos os Deputados e de todos os convidados participação. Tenho certeza absoluta de que todos os que nos acompanharam pela TV Câmara ou pelo Youtube conseguem ter o juízo de que estamos falando da importância e da seriedade de se discutir neste momento um assunto que não é plausível, que é a falta de obrigatoriedade da vacina e qual vacina iremos desenvolver.
Esta nossa Comissão Externa traz informação e esclarecimento. Certamente vamos produzir aqui um documento ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério da Saúde, manifestando que, enquanto não houver uma vacina validada pelos agentes internacionais e pela nossa Agência de Vigilância Sanitária, não será possível tirar qualquer tipo de conclusão quanto à sua obrigatoriedade.
Agradeço a todos a participação e dou por encerrada a sessão.
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