2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão Externa destinada a acompanhar e promover estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros
(Reunião Técnica)
Em 15 de Outubro de 2020 (Quinta-Feira)
às 9 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Declaro aberta a 11ª Reunião da Comissão Externa destinada a acompanhar e promover a estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros.
Agradeço a todos os que estão presentes aqui conosco nesta reunião técnica.
Neste dia 15 de outubro, eu gostaria de, em nome da nossa Comissão Externa, parabenizar todos os professores e professoras do Brasil, que hoje comemoram o Dia do Professor, o Dia da Professora. Não podemos nos esquecer de que as modificações ambientais, parte delas, podem ser contidas pela educação que promovermos em nossas escolas, desde a mais tenra idade, com as nossas crianças, adolescentes e jovens. O que as gerações anteriores não fizeram, porque não tiveram acesso na sua formação, esta geração pode ter pela via da escola.
Então, também quero homenagear o patrono da educação brasileira, o Prof. Paulo Freire, que disse que ninguém liberta ninguém, que as pessoas se libertam em comunhão.
Esta Comissão Externa procura comungar com as mais diversas lideranças, pesquisadores, brasileiros e brasileiras envolvidos na defesa do meio ambiente e, no nosso caso, neste momento, em defesa do Pantanal, do Bioma Pantanal, para que tenhamos vida e vida em plenitude.
Na condição de professora, eu gostaria de dizer que, como afirmou também Paulo Freire, me movo como educadora, porque primeiro me movo como gente. Somos seres humanos, neste momento afetados diretamente pelas mudanças climáticas em todo o planeta. E todas as marcas das mudanças climáticas estão presentes em cada bioma do nosso País.
O chamamento e a discussão de hoje têm tudo a ver com essa discussão, tem a ver também com o que a educação contribui neste País, para que tenhamos dias melhores. Parabéns a todos e a todas que vêm conjugando o verbo "esperançar" todos os dias das suas vidas. Parabéns, professores!
Esta reunião está sendo transmitida pela Internet, pela TV Câmara. Os cidadãos podem participar conosco por meio do portal e-Democracia. Os participantes deverão permanecer com os microfones desligados. Assim que o palestrante for convidado, ele abre o seu microfone, para evitar ruídos e microfonia nas nossas transmissões.
Para informação de todos, recebemos o Ofício nº 32, de 2020, da Vice-Presidência da República, em resposta ao Ofício nº 33, de 2020, desta Comissão, por indicação do Gabinete de Segurança Institucional — GSI, que convidou o Vice-Presidente a participar de uma reunião técnica nesta Comissão. Em resposta ao nosso ofício, o Secretário-Executivo Adjunto do Conselho Nacional da Amazônia Legal informa que, para não ter tratamento desigual em relação ao que foi dispensado ao Senado Federal, o Sr. Vice-Presidente da República permanece à disposição para comparecimento em sessão solene ou Comissão Geral do Plenário da Câmara dos Deputados, com a finalidade de atender a Casa Legislativa de forma franca e ampla. Lembro que o Bioma Pantanal faz parte da Amazônia Legal. Por isso, o nosso convite a quem de fato hoje responde pelo Conselho Nacional da Amazônia.
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A 11ª Reunião Técnica, cujo tema é Os impactos da crise hídrica na Região Pantaneira, tem como objetivo ouvir instituições e pessoas que atuam diretamente com a questão da água, nosso bem maior, e que estão conosco para fazer o diálogo com a nossa sociedade, com a sociedade brasileira, com todos os que nos acompanham pela TV Câmara, com os Deputados que fazem parte desta Comissão, com os assessores e técnicos dos Deputados, que acompanham cada fala e estão nos ajudando a compor o relatório da Comissão, além da equipe técnica designada pela Mesa da Câmara dos Deputados.
É um prazer muito grande contarmos com tão seleto grupo de pesquisadores, de observadores, de pessoas que, no dia a dia, estudam, pesquisam e se preocupam com a água que está à nossa disposição, com a água que é a vida neste planeta e que, neste momento, faz muita falta ao Bioma Pantanal.
Quero dizer que Cuiabá e Poconé, cidades da entrada da Transpantaneira, no Pantanal, na região do Estado de Mato Grosso, já receberam algumas chuvas, e, com certeza, a partir de agora, teremos maior controle sobre os incêndios.
Entretanto, esta Comissão não diminuirá o seu ritmo de trabalho em função do término dos incêndios. Torcíamos para que os incêndios cessassem, e, a partir daí, pudéssemos nos debruçar fortemente sobre essa questão, a fim de que essa tragédia não ocorra no ano 2021 e nos anos vindouros, conforme orientações já recebidas, inclusive por instituições que aqui já estiveram — e aqui estão novamente hoje — e nos indicam que teremos anos de seca, anos de diminuição de chuvas, e nos preocupa as consequências disso em todos os biomas, especialmente no Bioma Pantanal.
Para iniciar nossas falas de hoje, temos o prazer de convidar o Sr. Joaquim Guedes Corrêa Gondim Filho, Superintendente de Operações e Eventos Críticos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico — ANA.
Joaquim, o senhor é muito bem-vindo pelo seu compromisso, pela sua pesquisa, pelo seu trabalho e por ajudar esta Comissão a compor a sua compreensão sobre a questão das águas no Bioma Pantanal.
Muito obrigada.
O senhor tem 10 minutos para o seu pronunciamento.
O SR. JOAQUIM GUEDES CORRÊA GONDIM FILHO - Muito obrigado, Deputada. Em seu nome, eu homenageio todos os professores e também todos os representantes do Congresso Nacional.
A Agência Nacional de Águas mantém uma rede hidrometeorológica em todo território nacional. Por que essa rede é importante? Porque nós somos um país continental, e, como um país continental, a todo momento, estamos enfrentando situações de seca em algumas regiões, excesso de chuva em outras.
Neste momento, a agência identifica onde é preciso atuar mais, olhando o problema de perto, tendo assim uma visão nacional do problema e focando naquelas regiões que, naquele momento, apresentam algum desvio, seja positivo, em relação a muita chuva, seja negativo, em relação a pouca chuva.
Nós identificamos que, na região do Alto Paraguai, no Pantanal, estava acontecendo um evento raro. O que é um evento raro para a agência? É um evento que acontece pelo menos uma vez a cada 10 anos.
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Nas nossas análises, nós identificamos que esse evento não se repetia há cerca de 50 anos. Por quê? Aconteceu no passado um grande evento, na década de 60, muito longo, que durou mais de 10 anos. Mas depois houve um período de relativa normalidade em termos de média. Com isso, a agência identificou que então estávamos numa situação de atenção para a região do Alto Paraguai, Pantanal.
Isso só está acontecendo nessa região? Não. Na Região Sul do País também estamos passando por um dos períodos mais críticos da história. Aí, sim, por exemplo, na Bacia do Rio Iguaçu, nós estamos no pior de todos os períodos de registros históricos. Só para se ter uma ideia do reflexo disso, a cidade de Curitiba, uma importante metrópole brasileira, hoje enfrenta problemas de disponibilidade hídrica a seus habitantes.
Bom, identificado o problema, a Agência Nacional de Águas tem um instrumento que ela usa para trazer as melhores informações disponíveis sobre o que está acontecendo. Então, nós instituímos para a região uma sala de crise, a Sala de Crise do Pantanal — Alto Paraguai. Nessas reuniões, nós trazemos as melhores cabeças da área de meteorologia, de recursos hídricos, das áreas sociais. As populações tradicionais têm acesso a essa sala de crise.
Essa sala se reúne hoje, e, por coincidência vai ser a primeira reunião à parte. Vai haver uma reunião também às 15 horas. Essas reuniões são gravadas e disponibilizadas, depois, para todos assistirem. Mas todas as instituições que participam também permitem que nós possamos fornecer todos os dados que foram colocados na reunião.
Ditas essas palavras iniciais, então, nós identificamos problemas de usos múltiplos na região. Com a baixa dos níveis, nós temos, por exemplo, problemas com a questão da navegação; problemas com o abastecimento das cidades; e, se não tomarmos medidas adequadas, como o rebaixamento das bombas que captam água nas cidades, podemos ter problemas na sequência. Isso já é uma condição que acontece no Pantanal: a chegada de cinzas nos rios no período de águas altas.
Então, essas questões devem ser abordadas e são abordadas nessas reuniões que nós fazemos, com a participação dos Governos dos Estados, e também com o convite de participação destinado às Assembleias Legislativas, à Câmara dos Deputados, ao Senado, à sociedade civil organizada, às universidades, a outros órgãos de pesquisa do Governo Federal. É uma reunião ampla, um momento importante de debatermos o assunto.
Mas nós não podemos ficar só nisso. Então, a agência também decidiu que, cessada a crise, essa sala vai continuar a existir, como sala de acompanhamento. Só muda o enfoque. Aí, deixamos de ficar discutindo questões mais temporais, mais imediatas, para discutirmos medidas de médio e longo prazo.
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Então, a notícia boa que eu posso trazer a vocês já agora foi a decisão de continuar existindo como sala de acompanhamento e monitoramento da região do Pantanal.
Semanalmente, um parceiro nosso, a CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), elabora um boletim de alerta do Pantanal com as melhores previsões disponíveis para os níveis dos rios nos próximos dias. Então, essa é também uma ferramenta importante para aquelas pessoas que acompanham o rio, principalmente com relação às questões que estou comentando sobre navegação e abastecimento.
Então, a Agência Nacional de Águas está imbuída nesse propósito de apoiar todas as instituições que estão atuando diretamente na mitigação dos problemas existentes hoje.
A agência tem uma missão de prevenção no campo dos recursos hídricos e atua de maneira preventiva. Mas, em situações de mais escassez, nós atuamos também com algumas medidas que são de declaração de situação de escassez, que podem ser, no devido tempo, também colocadas à disposição de todos.
A agência conta com um corpo técnico qualificado, mas também conta com essas instituições parceiras, para podermos contribuir com esse processo.
Nós nos colocamos, Deputada, à disposição da Comissão com nossa base técnica, com nossa capacidade científica, para apoiar na elaboração de relatórios que possam servir para subsidiar planos futuros de contingência para a região do Pantanal. Então, nós temos que ter essa visão de curto prazo, mas nós temos que nos preocupar com o futuro.
A seca da década de 60 foi uma seca muito importante, foi a pior da história. A indicação que nós temos hoje é que o ciclo não terminou nessa seca, ela pode até durar mais tempo. Esse é um ponto importante.
O segundo ponto é que, quando vier a recuperação, nós não sabemos em que patamar pode vir. Ela pode vir num patamar menor do que aquele em que nós já praticamos no passado, devido a várias questões ambientais que estão assolando a todos nós, inclusive essas questões de mudanças climáticas. É preciso muita atenção no futuro. Por isso, a agência vai promover um plano de recursos hídricos para a região do Pantanal.
Então, são questões iniciais que eu coloco para todos, no sentido de que a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico está à disposição para ajudar, apoiar e ser também um locus de integração entre as diversas instituições para mitigação desse problema tão crucial.
Muito obrigado, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Sr. Joaquim. Quero dizer também que à tarde estaremos também acompanhando a reunião da agência.
É um material fundamental para a nossa Comissão. Fico muito feliz quando o senhor disse que a sala será mantida, porque assim, com certeza, a agência tem condições de previamente alertar os governos do que vai acontecer.
Nós temos informações suficientes para, não de forma profética, mas de forma científica, dizer o que está por vir, e os governos devem planejar e se preparar para que catástrofes como essa não continuem acontecendo.
Quando o senhor voltar a falar, eu gostaria, como Deputada, que V.Sa. falasse um pouquinho dessa questão cíclica das secas, porque nós ouvimos muito as pessoas dizendo: "Ah, é assim mesmo, é tudo cíclico, vai acontecer, vai acontecer. Depois volta a chover, e o Pantanal fica igual ao que era antes e fica normal".
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Queremos entender o que é ciclo e quais são os avanços nos ciclos, o que está acontecendo em relação ao deterioramento do Bioma Pantanal, mas isso ocorrerá na hora em que o senhor for falar. Agradeço muito a sua fala, que é muito enriquecedora para todos nós.
Na sequência, convido para fazer uso da palavra o Sr. José Renato Ribas Fialho, Superintendente de Desempenho, Desenvolvimento e Sustentabilidade da Agência Nacional de Transportes Aquaviários — ANTAQ.
O senhor dispõe de até 10 minutos para suas contribuições à nossa Comissão.
Seja bem-vindo.
O SR. JOSÉ RENATO RIBAS FIALHO - Muito obrigado, Sra. Presidente. Bom dia a todos. Na pessoa de V.Exa., Deputada Professora Rosa, gostaria de parabenizar todos os professores e educadores por este dia, esses profissionais que trabalham com o principal capital que há neste País, que é o potencial dos nossos jovens.
Bem, ao iniciar minha fala, eu gostaria de fazer um depoimento sobre o que foi colocado pelo Joaquim, da ANA, sobre as salas de crise, que a ANA tem trabalhado ao longo dos últimos anos, e falar sobre a efetividade desse instrumento que a ANA disponibilizou para toda a comunidade, a sociedade, os empresários que atuam nas variadas bacias. E isso tem sido um fórum muito importante para resolução de conflitos, quando eles existem, e para planejar a utilização dos recursos hídricos.
Nós participamos de algumas dessas salas, quando estão envolvidas em transporte, e elas têm se mostrado muito efetivas, muito importantes.
Conforme o Joaquim comentou, ao transformar isso numa sala permanente, num fórum permanente, não tenho dúvida de que será muito importante para que vários problemas sejam evitados com uma certa antecedência, mesmo que esses eventos críticos tenham suas consequências efetivadas.
Eu vou falar um pouco sobre a nossa área de atuação. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários tem na sua competência o transporte tanto de cargas quanto de passageiros, que é o transporte regular. Então, não tratamos de transporte para turismo, para lazer, mas, sim, daquele transporte comercial que é feito de forma regular.
Na hidrovia Paraguai, nós temos um importante transporte de cargas entre um trecho que chamamos de trecho baixo do rio, que é em Corumbá, quando a hidrovia, o rio sai do território brasileiro e entra no território paraguaio, na foz do Rio Apa. Então, temos essa movimentação. Minério de ferro é o principal produto.
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No Tramo Norte, entre Corumbá e Cáceres, apesar de ser um trecho com capacidade de navegação, as condições de navegabilidade impedem uma navegação de comboios com capacidade de carga maior. Então, temos baseado o transporte de cargas no Tramo Sul. Esse transporte, infelizmente, é muito inferior à potencialidade da hidrovia. De 2010 até 2014... até 2013, tivemos um incremento bastante importante na movimentação de minério nesse trecho, tivemos um crescimento nesses 5 anos de mais de 50%. Porém, de 2013 para cá, houve um decréscimo, decréscimo bastante importante também, de 60% da movimentação. Isso não está relacionado com as condições de navegação da hidrovia, é uma questão mais comercial, de estratégia comercial desse produto, do minério, que é o principal cliente da hidrovia. No ano passado já tínhamos experimentado decréscimo, e neste ano o decréscimo foi maior. Se considerarmos o período de janeiro a agosto, veremos que o transporte de cargas na hidrovia teve uma redução de 35% em relação ao ano passado, decréscimo bastante importante, no Tramo Sul. O Tramo Sul é menos afetado pelo evento da falta de chuvas, mas sofreu, sim, impacto, e nós temos uma redução da capacidade de carga que cada embarcação pode transportar. Temos uma redução da profundidade, uma redução do calado da embarcação e, assim, uma redução da capacidade de carga dos comboios. Então, a navegação de carga está experimentando esse impacto de forma negativa.
Não temos na hidrovia uma navegação de passageiros regular. Navegação de passageiros nós temos na região hidrográfica do Amazonas, Solimões, Tocantins e Araguaia, e não temos na região hidrográfica do Paraguai e do Paraná. Então, não temos essa interrupção na região.
De forma resumida, tratamos dessa hidrovia como uma hidrovia de potencial muito grande. Inclusive, na semana passada, fizemos um seminário internacional, com participantes de Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia, para tratar da potencialidade da hidrovia. Temos um estudo sobre transporte na hidrovia, realizado pela Universidade Federal do Paraná, que trata dessa potencialidade. Então, é um tema bastante caro à agência. Infelizmente, a hidrovia tem sido pouco aproveitada. Ela tem um potencial de extensão navegável de 1.260 quilômetros, da foz do Rio Apa até Cáceres, só que apenas 590 quilômetros são utilizados, até a cidade de Corumbá. O Tramo Norte todo não tem uma movimentação adequada. Nós achamos isso um grande desperdício, porque poderíamos ter uma movimentação de carga bastante importante aí, com intervenções muito pontuais para garantir a profundidade necessária para os comboios de carga. Poderíamos atrair cargas do agronegócio, como as de soja e milho, que hoje estão sendo escoadas pela via rodoviária. É uma carga que tem vocação muito grande para ser transportada por hidrovia. Sendo ela levada para a hidrovia, nós temos uma série de benefícios socioambientais, que acabamos não aproveitando quando essa carga vai toda para o caminhão, para a rodovia. Então, a agência tem essa preocupação. Temos realizado estudos e o acompanhamento dessa hidrovia, visando ao seu maior aproveitamento. É claro que uma condição extrema como esta, de falta de chuva, acaba trazendo um pouco de insegurança para quem pretende transportar por hidrovia. Já houve outros casos, em outras hidrovias também. Um evento como este traz um pouco de medo, de insegurança ao empreendedor, que dificilmente vai mudar toda a sua logística de transporte para um modal em que pode eventualmente haver uma interrupção da utilização.
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Por isso, o trabalho que vem sendo realizado pela ANA, de tentar fazer uma previsão do que vai acontecer, é muito importante. Estamos acompanhando.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, José Renato, Superintendente de Desempenho, Desenvolvimento e Sustentabilidade da Agência Nacional de Transportes Aquaviários.
Em relação ao Rio Paraguai, aqui no Estado de Mato Grosso e, pelo que sei, também no Estado de Mato Grosso do Sul, há muitas discussões com relação à hidrovia. A crise deste momento ressalta e estimula mais diálogos a respeito dessa questão. A interferência climática, neste momento, como o senhor bem colocou, vai gerando insegurança na questão econômica já em curso hoje no que se refere ao transporte pela hidrovia do Rio Paraguai. Nós vamos ter a oportunidade, José Renato, no final, de comentar um pouco mais essa questão, que suscita, nos leigos especialmente, muitas dúvidas e naqueles que vivem ao longo do Rio Paraguai também, especialmente do Rio Paraguai, com relação ao que está acontecendo neste momento.
A questão cíclica também chama bastante a atenção, se realmente é uma questão cíclica ou se todos os eventos relacionados às mudanças climáticas estão interferindo diretamente nessa questão.
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Muito obrigada por suas informações. Voltaremos a discutir.
Eu sei que o Sr. Joaquim não poderá ficar até o final, mas, como ele disse que os documentos e a agência ficarão à disposição desta Comissão, já lhe agradeço. Com certeza a nossa Comissão, a equipe técnica discutirá com a agência, todas as vezes que for necessário, as dúvidas que esta Comissão tiver.
Eu agradeço muito ao senhor por sua solicitude, por sua disponibilidade em atender o nosso chamamento, o nosso convite. Muito obrigada.
O SR. JOAQUIM GUEDES CORRÊA GONDIM FILHO - Deputada, peço 1 minuto.
Na verdade, eu readequei meus compromissos, priorizando a Comissão, e vou ficar até o final. Está certo?
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Que coisa boa! Maravilha! Muito obrigada.
O SR. JOAQUIM GUEDES CORRÊA GONDIM FILHO - Eu privilegiei esta Comissão.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada.
Convido para falar neste momento o Sr. Alberto Setzer, Coordenador Substituto do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais — INPE, que vai dividir o tempo com o Sr. Maicon Veber, representante do INPE também.
Todo o trabalho que o INPE fez e disponibilizou para a nossa Comissão tem sido muito precioso para nós. Muito grata aos senhores por estarem conosco.
O Sr. Alberto tem a palavra.
O SR. ALBERTO SETZER - Muito bom dia, Deputada Professora e demais participantes.
Minha participação vai ser relativamente curta, levando em conta que já participei, no dia 30 de setembro, de reunião desta mesma Comissão, quando foi feita uma apresentação com Power Point em que foram mostradas inúmeras fotos e documentos sobre o trabalho do INPE. Novamente, a minha atuação será extremamente limitada. Eu vou me resumir a mostrar apenas a situação de hoje, conforme os satélites detectaram.
Estou compartilhando a minha tela. Acredito que todos os senhores estejam vendo.
(Segue-se exibição de imagens.)
Para dar um exemplo, nessa imagem de satélite nós estamos vendo neste momento os focos de queima de vegetação ativos na região do Pantanal. Eu observo que esses pontinhos na cor laranja ou vermelha, que são as detecções de satélite, estão concentrados, principalmente, no Parque Nacional do Pantanal Matogrossense e no território indígena guató. Se eu clicar em cima de qualquer uma dessas cruzinhas — nessa, por exemplo —, obtenho informação sobre esse foco: ele foi detectado hoje de madrugada, às 5h08min, e aqui estão as coordenadas geográficas.
Por que eu estou mostrando esse caso, com dados recentes? Porque é uma forma de indicar que o que precisa ser feito tecnicamente para acompanhar os incêndios no Pantanal ou em qualquer bioma do Brasil já existe, está pronto, está disponível e é utilizado pelas organizações, pelos institutos, pelos governos que precisam dessa informação, seja para a gestão do fogo como um todo, para definir os períodos mais críticos, para perceber quando a situação já está controlada, seja para a orientação das brigadas, das forças efetivas que estão em solo tentando minimizar, combater os incêndios. Ou seja, do ponto de vista técnico, há décadas toda a tecnologia está disponível e é utilizada pelos que se interessam, pelos que necessitam dela, o que cria um contexto que, na minha opinião, precisa ser bem analisado.
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Coloco isso na forma de uma pergunta: bom, se já sabemos onde ocorrem os incêndios, quando, se eles são melhores, piores que em outros anos, ou seja, mais intensos ou menos intensos, mais perigosos, menos perigosos que em outros anos, se essa informação é toda disseminada, então o que está faltando? Certamente, não é um dado técnico. O que está faltando, como esse trabalho todo mostra, é alguma iniciativa institucional, política, é estar preparado para enfrentar essa situação.
De uma forma mais grave, menos grave, nos últimos anos, nós tivemos muitas dificuldades com as queimadas e os incêndios no Pantanal. O ano de 2019 foi um excelente exemplo disso. O final do ano passado foi também muito complexo no Pantanal. Houve um número de incêndios muito acima da média. Foi até um prenúncio do que estamos tendo agora em 2020. O final do ano passado e o ano de 2020 foram praticamente uma continuidade só. Houve uma emenda entre os dois períodos.
Do ponto de vista do clima, também já havia indicações de que este seria um ano seco. Ninguém previu que seria uma seca extrema, a maior dos últimos 60 ou 70 anos, como já foi mencionado aqui na reunião hoje, mas já havia a previsão de que seria um ano muito difícil, com precipitações abaixo da média.
Então, afirmo mais uma vez, as informações técnicas estão sempre disponíveis. A questão é o seu uso de forma adequada.
Vou mostrar aqui mais um dado: essa é a série dos focos acumulados anualmente no Pantanal. Então, eu estou vendo que 2020, embora ainda tenhamos 2 meses e mais uns 10 dias pela frente, já foi o pior ano de todos os anos sobre os quais coletamos dados desde 1998. Temos praticamente o dobro do que tivemos em 2019, que por si só já foi um ano muito difícil.
Eu retorno àquele ponto, porque já foi feita uma apresentação a esta Comissão no dia 30, e não caberia aqui repetir muitas das coisas: apenas estou reforçando essa situação, esse contexto, o de que, do ponto de vista técnico, para monitorar os focos ou para prever como a estação seca se comportará, está tudo resolvido. A parte técnica não necessita de muitos aportes ou de muitas melhorias. É o outro lado que continua pendente, sempre esteve. Agora vimos, de uma forma mais marcante, o impacto dessa ausência no controle dos incêndios.
Professora Rosa, se existir alguma dúvida, eu posso complementar a minha fala.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Alberto. Você chama a atenção para o foco de incêndio na área do povo guató, um povo que quase foi extinto do Pantanal e que hoje está realmente sofrendo muito por ver a sua área toda destruída, na qual ainda há focos de incêndio, o que nos preocupa muito.
Alberto, se você puder, fique conosco até o final. Quanto a essa questão da falta de iniciativa institucional, de que os dados estão à disposição de todos e de todas, acho que a sua fala realmente apresenta algo sobre o que esta Comissão tem que se debruçar, para demonstrar isso claramente e exigir que as autoridades constituídas tomem as providências devidas. Eu lhe agradeço.
Peço ao Sr. Maicon Veber, que também é do INPE, que faça o complemento do tempo.
O Sr. Maicon tem a palavra.
O SR. MAICON EIROLICO VEBER - Olá!
Bom dia. Tudo bem?
Agradeço o convite.
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Vou rapidamente fazer uma apresentação, para não tomar muito tempo.
A Dra. Izabelly já passou algumas informações na semana passada. Eu vou apenas complementá-las.
(Segue-se exibição de imagens.)
Todos conseguem visualizar minha tela compartilhada?
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Sim, todos da sala do Zoom e da TV Câmara que estão nos acompanhando.
O SR. MAICON EIROLICO VEBER - Esse gráfico mostra a precipitação mensal, aproximadamente dos últimos 10 anos, na região da Bacia do Alto Paraguai. Creio que a Dra. Izabelly, na reunião passada, já tenha mostrado essa distribuição de precipitação nos últimos anos na Bacia do Alto Paraguai. Nós complementamos o gráfico com os dados de agora, do mês de setembro.
Em boa parte dos últimos 10 anos, houve basicamente precipitação abaixo da média. As barras em azul se referem à precipitação observada e, em vermelho, à climatologia para cada época do ano, cada mês do ano. O ano de 2015, principalmente, foi bastante seco, assim como parte dos anos de 2014 e de 2016.
Em boa parte dos últimos anos, houve precipitação abaixo da média. Conforme podemos observar melhor no gráfico de baixo, em boa parte dos meses dos últimos 10 anos, houve precipitação abaixo da média na região da Bacia do Alto Paraguai.
Rapidamente, eu gostaria de mostrar a distribuição das chuvas nos últimos 3 meses: julho, agosto e setembro. Em boa parte do Brasil Central, principalmente nos meses de julho, agosto e setembro, houve pouca precipitação, o que é relativamente comum para essa época do ano. No entanto, como já foi mencionado, nós tivemos uma seca mais extrema nesse ano em relação aos últimos anos.
Nos mapas abaixo, vemos uma anomalia de precipitação para esses meses. Podemos ver que boa parte do Brasil Central tem precipitação, dentro da média e abaixo da média, entre os meses de julho e setembro.
À direita, temos a precipitação acumulada do último trimestre, entre julho e setembro, e também a anomalia que mostra a maior parte do Brasil Central, incluindo a região do Pantanal, com precipitação abaixo da média nesses últimos 3 meses.
O mapa mais à esquerda é o mesmo que já vimos com relação à distribuição da precipitação, com anomalia de precipitação no mês de setembro.
Eu gostaria de destacar — e creio que a Dra. Izabelly já deve ter mostrado na última reunião — que nós tivemos uma massa de ar seco e quente muito intensa, atuando principalmente no mês de setembro e na primeira semana de outubro sobre boa parte do Brasil Central. Nós tivemos temperaturas muito elevadas e o tempo muito seco em boa parte do Centro-Oeste e parte do Norte e Nordeste do Brasil.
O mapa, na parte central da figura, mostra uma anomalia de temperatura máxima para o mês de setembro. Em boa parte de áreas, principalmente, do Pantanal, de São Paulo, do Paraná e de Mato Grosso do Sul, a temperatura esteve bastante acima da média ao longo do mês de setembro.
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As temperaturas elevadas, combinadas com a baixa precipitação e com a umidade relativa bastante baixa, ao longo desse mês, também influenciaram bastante as condições para as queimadas. Como também foi mencionado, isso já era esperado, já havia uma previsão com relação a isso.
Esses são os mesmos mapas, mas que agora mostram a disposição da precipitação nos primeiros 13 dias do mês de outubro, ainda com volumes de precipitação observada bastante baixos em parte do Brasil Central. Já melhorou um pouco em algumas áreas, houve alguns eventos de chuva bastante pontuais nessas primeiras 2 semanas, na verdade, nos primeiros 13 dias de outubro, em parte do Brasil Central. Ainda se nota que a precipitação está bastante abaixo da média em boa parte do País, principalmente na região central e na parte sul da Região Amazônica, nesses primeiros 13 dias de outubro. Houve alguns eventos pontuais de chuvas, principalmente, entre o sul de Rondônia e parte oeste de Mato Grosso, mas, isso foi bastante pontual.
Nos primeiros 13 dias de outubro, ainda observamos a atuação dessa massa de ar seco bastante intensa em boa parte do Brasil Central. Normalmente, verificamos anomalias positivas de temperatura máxima, mais elevadas, inclusive, do que em setembro. Temos aqui menos dias, para fazer uma comparação, mas ainda observamos temperaturas bastante acima da média em boa parte de Mato Grosso do Sul, parte oeste de São Paulo, sul de Mato Grosso e Goiás, com temperaturas bastante elevadas ao longo dos primeiros dias de outubro.
Uma boa notícia talvez seja a de que já temos um enfraquecimento dessa massa de ar seco e quente na região central do País. Nesta semana, tivemos alguns eventos pontuais de chuva em parte de Mato Grosso, principalmente, e no sul da Região Amazônica, já com um pouco mais de precipitação. Nas áreas do Pantanal, inclusive, houve alguns eventos muito pontuais, algumas precipitações muito pontuais, mas que, de certa forma, já amenizaram a condição de falta de chuva em algumas áreas. Quando eu digo que amenizaram, é porque houve chuva, mas ainda com precipitações bastante abaixo da média.
Esta é uma animação de ontem, das últimas 24 horas, na verdade, e já mostra bastante convecção em parte de Mato Grosso e da Região Amazônica. Houve alguma precipitação, principalmente, em parte de Mato Grosso, no sul de Rondônia e em áreas também de Mato Grosso do Sul, nos últimos dias.
Partindo um pouco para a previsão do tempo — e vou tentar ser rápido — para os próximos dias. Aqui temos uma projeção do modelo ETA, que é o modelo rodado aqui no CPTEC, o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE, para os próximos 10 dias. Ao lado, à direita, temos o gráfico do que foi observado de precipitação, nesses primeiros 13 ou 14 dias, na região da Bacia do Alto Paraguai, que é o que está em azul; a previsão são as barras em laranja; e o acumulado é a linha vermelha, até o dia 23 ou 24 deste mês.
Para os próximos 10 dias, ao contrário do que os modelos vinham mostrando na semana passada, nos 10 dias anteriores, nós já teremos maior distribuição de chuva em parte do Brasil Central, no sul e no oeste da Região Amazônica, até parte do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. Então, devemos, gradativamente, ter um aumento da precipitação nas próximas 2 ou 3 semanas, em parte do Brasil Central, incluindo a região do Pantanal.
Os acumulados para essa região giram em torno de 50 milímetros, até o final deste mês, o que de certa forma ainda deve ficar abaixo do que é esperado para esta época do ano, pela climatologia, que gira acima de 100 milímetros, aproximadamente, em parte do Pantanal, mas já há uma tendência de chuva para os próximos dias.
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Quero rapidamente mostrar esta projeção do modelo americano GFS até o dia 30 deste mês. Ele mostra que, até o final deste mês, deve haver um pouco mais de precipitação em parte do Brasil Central e certa regularidade de chuvas em parte do Centro-Oeste brasileiro. Os índices de estação chuvosa mostram que essas chuvas devem se iniciar aproximadamente entre a primeira e a segunda semana de novembro, com chuvas um pouco mais regulares, mas a projeção dos modelos numéricos indica uma condição de chuva para as próximas 2 semanas do mês de outubro.
Para finalizar, apresento a previsão climática elaborada pelo CPTEC em conjunto com o Instituto Nacional de Meteorologia e com a FUNCEME, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos, para o próximo trimestre — outubro, novembro e dezembro —, para todo o Brasil, que ainda mostra uma condição para esse trimestre de chuvas abaixo da média em parte de Mato Grosso, Goiás e também áreas do sudeste do Estado de Mato Grosso. Parte do Pantanal deve ficar com precipitação em torno da média ou levemente abaixo da média também para esse trimestre, mas já há indicativo de alguma condição de chuva pelo menos em parte do Pantanal para esse próximo trimestre, algo em torno da média ou levemente abaixo da média para essa época do ano.
A imagem da direita mostra a climatologia para o próximo trimestre. As precipitações esperadas para essa região do País nesse trimestre giram em torno de 300 e 400 milímetros aproximadamente, chegando até a 500 milímetros no trimestre de outubro, novembro e dezembro. Mas, como falei, devemos ter algo um pouco abaixo ou próximo do normal climatológico para o próximo trimestre.
O que eu trouxe para apresentar era isso. Eu gostaria novamente de agradecer. Fico aberto a perguntas no final da reunião, se for o caso.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Maicon. Foi significativa demais para a nossa Comissão a sua apresentação hoje. Com certeza, a nossa Comissão vai procurá-lo para outros eventos a fim de que possamos realmente ajudar o Brasil a perceber que há informações e que é preciso usá-las corretamente para evitar tragédias. Muito obrigada.
Eu gostaria de registrar e agradecer a presença do Deputado Ivan Valente, do Deputado Merlong Solano, do Deputado Nilto Tatto, do Deputado Paulo Teixeira e de assessores dos demais Deputados da Comissão.
Dando continuidade, convido a Dra. Áurea da Silva Garcia, Diretora-Geral da organização Mulheres em Ação no Pantanal — MUPAN, para trazer a sua contribuição sobre o que hoje estamos discutindo, referente à questão hídrica no Bioma Pantanal.
Dra. Áurea, a senhora tem a palavra por 10 minutos.
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A SRA. ÁUREA DA SILVA GARCIA - Bom dia, senhoras e senhores, autoridades. Bom dia, especialmente, a todos os professores e professoras, educadores, com os quais juntos seguimos na busca de transformações. Como a Deputada Professora Rosa Neide bem lembrou no início, os ensinamentos de Paulo Freire são muito importantes, principalmente nesse momento em que precisamos olhar e, a partir dos territórios, a partir do protagonismo de cada um que está nesses territórios, buscar essas transformações.
(Segue-se exibição de imagens.)
Os colegas que me antecederam falaram em números e nos trouxeram outras informações. Mas eu quero chamar a atenção para outro ponto, porque a minha provocação é em termos dos territórios e de sua gente, essa gente pantaneira, e do protagonismo de cada um. A MUPAN — Mulheres em Ação no Pantanal surge da busca desse protagonismo e do olhar para a questão do empoderamento de lideranças e, principalmente, das mulheres para o cuidado com as águas.
Nós estamos completando 20 anos de existência em 2020, com uma proposta e uma parceria com a Wetlands International para olharmos para esses territórios, para esse corredor, para esse espaço.
Então, em termos de provocação, o que temos em nosso Pantanal? Esse território está em constante transformação e é um espaço de muitas disputas. Temos o olhar para a necessidade da conservação e, como anteriormente foi pontuada, para a questão dos diferentes usos. Nessas águas, nessa bacia da Região Hidrográfica do Paraguai há várias dinâmicas, e o Pantanal tem a sua dinâmica natural, das cheias e vazantes. A cada momento, a cada visita, nós não visualizamos a mesma situação. São diferentes paisagens, num contraste muito dual: temos a seca e as cheias, com água em abundância. Por vezes, pensamos que essa água é abundante, mas nos esquecemos de olhar e refletir para a qualidade e quantidade dessa água. Essa água é potável para a sua gente? Como se dá essa dinâmica?
Essa dinâmica, ao longo dos anos, vem sendo estudada, e isso tem gerado conhecimento. A partir desse conhecimento, nós da sociedade civil e das organizações não governamentais buscamos suscitar, provocar, apoiar e estar juntos na discussão em relação a qual é esse Pantanal e onde está esse Pantanal. Esses territórios não estão sozinhos, não são pontuais. Eles estão em um sistema, o Sistema Paraguai-Paraná de Áreas Úmidas.
10:24
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O Pantanal é a maior área inundável por água doce do planeta. As áreas úmidas fazem parte de todo um contexto e há a necessidade de complementação, porque são muitas interconexões. E essa área tem alguns marcos regulatórios, alguns reconhecimentos, como o da Reserva da Biosfera, o dos Sítios Ramsar e o título de patrimônio nacional, juntamente com outros territórios. Existem várias áreas conservadas e existem territórios de vida, territórios onde essas gentes vivem.
Nesses territórios de vida, quando olhamos para a questão identitária, a questão da miscigenação entre os originários e os que aqui chegaram, temos uma invisibilidade sociocultural. Associado a tudo isso, ocorrem dos incêndios, que têm sido tema das reuniões desta Comissão, e em especial a questão da insegurança hídrica.
Mas como pode acontecer isso num território cercado de água, num território identificado pela abundância de água? Temos que considerar que são momentos diferentes. Nesses territórios, temos gente cercada pelas águas. Mas como essa gente tem acesso à água potável? Essa gente é impactada, sim, tanto durante as cheias quanto durante as vazantes. Então, é importante observar e ter claro que essa gente faze a diferença.
Temos diferentes usos das águas. O Rio Paraguai, assim como seus afluentes, tem sua importância marcada desde a captação de água até outros usos. E como está essa captação? Como se dá essa captação? Por exemplo, esta imagem retrata a captação de água na cidade de Poconé, no Rio Bento Gomes, num momento bastante emblemático. Em outros momentos, em outras comunidades, em outros territórios, há dificuldade de acesso a água potável. Por mais que haja tentativas, esses povos não conseguem ter esse acesso, seja em áreas urbanas, seja em áreas rurais. Essas gentes buscam, a partir do seu protagonismo local... E esta é a ideia, este é o trabalho que, ao longo dos anos, estamos desenvolvendo, em especial agora, com o Programa Corredor Azul: fortalecer as comunidades locais, as associações locais. E aqui trago o exemplo do protagonismo da Associação dos Brigadistas Indígenas da Nação Kadiweu. Foram várias tentativas de furar poços, inclusive profundos, mas não foi possível a captação. E a alternativa deles foi buscar recuperar e cuidar das nascentes.
10:28
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Esta é a captação de água de uma das aldeias dos kadiweus, em que há o protagonismo local. E a isso se soma a importância de se discutir e de se ter esse olhar para a questão da insegurança hídrica, para o fato de que há diferentes alternativas e de que essas alternativas passam pelo protagonismo local.
Estes são brigadistas. Eles fazem parte do PREVFOGO. Só que, pela necessidade de olhar para a governança do seu território de vida, eles buscaram... E a aproximação da MUPAN, alguns anos atrás, com o território kadiweu foi exatamente por esta chamada: como cuidar das nossas águas? Como garantir a água do dia a dia, a água para beber, a água para cuidar dos animais, para dessedentá-los, e para proteger o ambiente? E nós, enquanto instituição, por meio do Programa Corredor Azul, estamos buscamos apoiar a construção de viveiros, e eles, como protagonistas, como conhecedores dos seus territórios, das suas necessidades, trabalham juntamente conosco.
Então, uma chamada, uma provocação às autoridades presentes, às lideranças, aos Parlamentares que nos acompanham é sobre a necessidade de dar voz às comunidades. Eu poderia aqui falar da insegurança hídrica para as diversas populações, mas a minha provocação é em defesa da população, dos seres humanos que ocupam os seus territórios, é sobre a importância de fortalecer o seu protagonismo e sua participação na governança dos seus territórios, seja indígena, seja quilombola, qualquer que seja a comunidade tradicional. Que eles façam parte das soluções e que se sintam presentes e pertencentes a essa luta, porque só eles conhecem a região.
Expresso a minha gratidão a todos os brigadistas, a todos os voluntários que estão na luta pela conservação e manutenção dos seus territórios. Sigam adiante, porque vocês conhecem a região e sabem as alternativas possíveis.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Agradeço a participação à Dra. Áurea, que representa aqui as mulheres na defesa das águas por meio da instituição MUPAN. A senhora aborda a questão da insegurança hídrica a partir das pessoas que vivem no território, dos seres humanos que habitam o Pantanal. Isso é muito bom. O seu exemplo traz uma reflexão de que esta Comissão precisa muito. Nós precisamos discutir as questões talvez consideradas pelos Governos grandes problemas. E considerar a insegurança hídrica de quem vive isso e precisa de água para sobreviver, num bioma como o Pantanal, é de fundamental importância. Aí está a raiz da questão. Muito obrigada pela sua presença.
10:32
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Neste momento, eu passo a palavra ao Deputado Nilto Tatto, que coordenará, daqui a pouco, outra reunião e gostaria de saudar a todos os presentes.
Tem a palavra o Deputado Nilto Tatto.
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Bom dia, Deputada Professora Rosa Neide.
Primeiro, quero parabenizá-la pela condução desta Comissão. Quero cumprimentar os colegas Parlamentares que estão presentes: o Deputado Merlong Solano, o Deputado Paulo Teixeira e o Deputado Ivan Valente. Também quero saudar os expositores.
Já quero agradecer, Deputada Professora Rosa Neide, porque vou coordenar agora um debate, um diálogo entre Parlamentares e sociedade civil sobre o Brasil e a União Europeia. De fato, é um tema muito importante, inclusive por causa do acordo comercial entre a União Europeia e o MERCOSUL, um acordo que tem tudo a ver também com o debate que nós precisamos enfrentar com relação ao modelo de desenvolvimento colocado na própria bacia do Pantanal.
O tema de hoje nos faz refletir. Primeiro, como foi demonstrado nas imagens do INPE — e cumprimento e parabenizo todos os técnicos e especialistas do INPE pelo trabalho que vêm fazendo —, ficou muito claro que o INPE já vinha alertando sobre essa estiagem e que ela viria com essas queimadas. Portanto, é bem aquilo que o Alberto disse. O INPE faz as previsões. O problema foi outro: falta de ação. O problema foi a inação ou talvez uma ação política propositada para aquilo a que estamos assistindo não só no Pantanal, mas também no País inteiro, do ponto de vista de queimadas.
Evidentemente, além de tudo aquilo que esta Comissão já vem fazendo no sentido de mobilizar e pressionar autoridades para que tomem as iniciativas necessárias a fim de combater os incêndios, também temos o papel de apurar a responsabilidade pela inação por parte do Governo Federal, em especial do Presidente Bolsonaro e das áreas que deveriam ter se estruturado para combater esses incêndios.
Pelo tema de hoje, vamos debater o impacto da crise hídrica na região pantaneira, que já foi, como a Áurea disse aqui, uma das principais regiões úmidas do planeta. Todos os que conhecem o Pantanal sabem do seu regime de cheias e vazantes. Nós também precisamos dialogar sobre esse outro aspecto. Aqui temos especialistas. Eu sinto, inclusive, não poder talvez ouvir a explanação do Vicente Andreu, que está entre os convidados. Mas isso nos faz refletir sobre a gestão da bacia, como eu já disse em outros momentos.
10:36
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Boa parte do impacto desta crise que está colocada vem do modelo de desenvolvimento que se vem adotando nos últimos anos. E aí nós precisamos enfrentar, volto a dizer, o modelo de agricultura que tem tomado conta do País, que tem mudado o solo nas cabeceiras dos rios e que tem levado a maior parte da água, inclusive a que abastece todo o Pantanal. E esse modelo de agricultura que está tomado conta do País é o da monocultura, em especial de soja e de milho. E também há a pecuária. Tanto é que, de certa forma, há a intenção por trás de boa parte de setores do agronegócio de colocar esse modelo de pecuária também dentro do Pantanal. Esse modelo de pecuária que tem tomado conta das cabeceiras de rios na região do Planalto Central não é propício para o Pantanal. Na verdade, é preciso valorizar a pecuária que já vinha sendo trabalhada e adaptada para a região.
Também há os empreendimentos previstos em toda a bacia, principalmente a implantação de algumas pequenas centrais elétricas. Isso vai reduzir a água disponível. Esse modelo de agricultura ainda capta boa parte da água inclusive para a irrigação. É um modelo de agricultura que vai acabando com a vegetação que é fundamental para a produção de água nas nascentes, um modelo de agricultura que tem levado muita terra e areia contaminada, inclusive com agrotóxicos, para dentro do Pantanal. Os próprios especialistas já vêm denunciando isso para nós, e precisamos debater sobre isso.
Há também a pressão muito grande de setores do ruralismo brasileiro que querem introduzir a cultura da cana-de-açúcar na bacia do Pantanal. E, em especial, há o debate que nós também precisamos aprofundar sobre a hidrovia do Paraguai. Então, nós temos muito trabalho, muita coisa para fazer nesta Comissão.
Como eu já disse outras vezes, nós Parlamentares vamos propor mudanças e vamos fazer esse enfrentamento. Sabemos que não é um enfrentamento fácil. Portanto, contamos inclusive com os dados, com as informações, com toda a produção de conhecimento com que os especialistas que estão aqui hoje podem nos ajudar nesta Comissão. Estamos em diálogo permanente, como já temos feito nesta Comissão, com todo o conhecimento tradicional associado ao modo de vida dos pantaneiros, em especial dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos indígenas, que já vêm vivendo, adaptando-se e criando mecanismos que ajudam a bela paisagem que temos do Pantanal.
Obrigado, Deputada Professora Rosa Neide.
Fico mais um pouco aqui, mas depois preciso sair para outra atividade.
Boa reunião para todos nós.
10:40
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Deputado Nilto Tatto. Como S.Exa. veio ao Pantanal e viu de perto o que está acontecendo, colocou-se à disposição, de corpo e alma, desta Comissão. Eu lhe agradeço muito o esforço e todas as contribuições que tem dado a esta Comissão Externa, em todas as discussões sobre o meio ambiente no Brasil.
Neste momento, convido o Dr. Rubem Mauro, representante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá, em Mato Grosso. É muito importante a fala de quem conhece de perto a situação da Bacia do Rio Cuiabá, um rio caudaloso, que chega forte ao Pantanal, que precisa muito deste rio para sobreviver. Muito obrigada por contribuir conosco.
O senhor tem a palavra por 10 minutos.
O SR. RUBEM MAURO - Bom dia a todos, especialmente à Deputada Professora Rosa Neide. Nós estamos de parabéns no nosso dia, o Dia do Professor. Eu fui professor por 37 anos na Universidade Federal de Mato Grosso, no Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Eu sou bisneto, neto e filho do Pantanal. Tenho minha formação em engenharia civil, mais especificamente em hidráulica e saneamento, e fiz mestrado em ambiente e desenvolvimento regional. Portanto, eu me sinto bem à vontade para contribuir e apresentar minhas observações e tudo o que eu venho desenvolvendo ao longo dos meus 61 anos de vida dentro do Pantanal.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu vou falar sobre os impactos da crise hídrica na região pantaneira na Bacia do Rio Paraguai. Primeiro, eu quero dizer que somente ontem de manhã eu vi o convite para participar desta reunião. Naturalmente, eu tive muito pouco tempo para me preparar, mas, olhando o boletim de monitoramento de níveis da CPRM, busquei alguns dados, que passo a apresentar neste momento.
Na região de Cáceres, no dia 17 de julho de 2020, a cota do Rio Paraguai era de 92 — 7 dias antes, era de 104 e, há 14 dias, era de 112. Neste mesmo dia do ano passado, era de 149. Isso evidencia a falta de precipitação ou precipitações muito abaixo daquelas que normalmente nós teríamos.
Com relação ao Rio Cuiabá, eu vou atentar para a parte do Rio Cuiabá em Cuiabá e em Santo Antônio de Leverger. Como podemos ver, no dia 7, o Rio Cuiabá tinha cota 30, na régua, embora aqui em Cáceres, de acordo com o Boletim nº 12, ele já estivesse na quota 56. Eu acredito que houve uma baixa bem acentuada do rio. Aqui em Cuiabá, o rio estava em 30; 7 dias antes, continuava em 30; 14 dias antes, estava em 35. Esta mesma cota estava em 28 no ano passado.
10:44
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Esta aparente estabilidade se deve ao reservatório da UHE, que fez este controle das águas, o que propiciou muito a melhora do nível do Rio Cuiabá no período da seca. Mas, por se tratar de uma interferência no regime hídrico dos rios formadores do Pantanal, não se pode mais permitir que situações como estas aconteçam. No entanto, ela foi e continua sendo até agora, para o período da seca, algo muito bom porque, se nós tivéssemos o que aconteceu em 1964, ou seja, o período de 10 anos de seca extrema aqui, de 1963 a 1973, quando, em 1964, passou pelo Rio Cuiabá uma vazão de 43 metros cúbicos, nossa média histórica do período de seca, de 1980, mostra como a falta de chuva foi muito importante nesta região.
Aproveito para fazer um parêntese. Entre 1960 e 1963, nós não tínhamos derrubado nenhuma árvore na Amazônia, nós não tínhamos derrubado nenhuma paisagem do Cerrado no Planalto, no entanto as secas aconteceram. Elas são cíclicas, ou seja, elas ocorrem como já ocorreram em 1800 e poucos.
Eu descobri, em pesquisa da Biblioteca da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, que a Assembleia Provincial determinava que se providenciassem 2 mil réis para tampar a boca do igapó, para tampar a boca de não sei o quê, e eu não entendia o que era aquilo. Depois, ao conversar com pessoas que foram da navegação no Rio Cuiabá, elas me contavam que os antigos diziam que foi preciso fechar todas essas bocas para que a navegação, que era o único modo de comunicação que se tinha, pudesse ocorrer. Diante disso, nós podemos ver que há uma instabilidade aqui em Cuiabá e que esta instabilidade também aparece no Boletim nº 12, de 1º de outubro de 2020.
Vamos continuar com a previsão dos níveis. Esta previsão foi feita com base em dados históricos que nós temos aqui da Bacia do Alto Paraguai. O nível atual, em 1º de julho, estava em 92 centímetros. De acordo com a previsão, por todos os dados históricos, ele deveria estar em 48 centímetros, mas está em 56. Isso mostra que nós já tivemos dados piores que estes. Senão, com esta seca histórica, nós não chegaríamos a (falha na transmissão).
10:48
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Com relação a Cuiabá, novamente, o nível atual é 30, quando o nível previsto era 16. Nós temos dados históricos de monitoramento, antes de Manso, de como dosar a água do período da seca. O mesmo ocorre em Santo Antônio de Leverger, com uma variação já significativa, mas também porque estes dados são mais antigos.
Continuando com a previsão de níveis, vemos que a previsão para Cáceres nos próximos 28 dias é de 83, 79, 67 e 60, o que mostra que havia uma diminuição muito grande do nível da água em função desta seca que nos atingiu. Algo semelhante aconteceu com Cuiabá. Embora haja esta previsão, não vale, porque nós temos outra realidade, assim mesmo em Santo Antônio de Leverger, que vive esta nova realidade, em se tratando do Lago do Manso.
Aqui temos os níveis observados no Rio Paraguai, em 2020, na região de Cáceres. Trata-se de uma zona de normalidade, estes são os níveis máximos e, aqui, os níveis mínimos. Nós vemos que hoje estamos abaixo da média dos níveis mínimos da região de Cáceres — tudo isso como previsão.
Aqui temos a região de Cuiabá, com níveis históricos, normais. Nós podemos ver que, em março, estávamos no nível de normalidade, embora tenhamos os níveis históricos muito mais altos. Aqui vemos o nível normal, e aqui o que aconteceu. Isso dificilmente acontecerá, justamente por causa do Lago do Manso. Por isso, eu digo que as cheias, como todos sabemos, benignas para o Pantanal, talvez nunca mais se construam, por causa das hidrelétricas que tenham reservatórios que possam interferir no regime hídrico dos rios.
Aqui nós vemos que as mínimas também estão mais ou menos naquela previsão terrível que eu havia mencionado.
O mesmo acontece em Santo Antônio de Leverger. Vemos o que aconteceu em março de 2020. Nós estamos dentro da previsibilidade, mas muito abaixo do que já ocorreu.
Estes gráficos mostram muito bem o período em que as vazões começam a subir: de setembro a outubro. Mas, neste ano, elas só devem começar em meados de outubro, visto que, aqui em Cuiabá — não sei se isso acontecerá em outras regiões —, choveu ontem, dia 14, e no dia 11, o que já serve como prenúncio de que nós teremos precipitações que irão contribuir para os rios.
10:52
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Aqui temos algo muito importante. Há alguns meses, mais ou menos em junho, eu li uma reportagem do Prof. Luiz Carlos Molion em que ele falava da probabilidade de uma seca muito grande aqui no Pantanal, na região do Centro-Oeste, em função do fenômeno La Niña, porque as águas do Pacífico estavam muito mais frias, e isso poderia ser uma coisa só neste ano, mas poderia também vir em ciclo, como ocorreu na década de 1960, com 10 anos de uma seca muito severa.
Nós podemos verificar que, em 4 dos últimos 6 anos, as chuvas ficaram abaixo da média. Isso já nos mostrava o que estava por vir. Deus queira que isso não se prolongue por muitos outros anos, como ocorreu na década de 1960!
É importante dizer que a precipitação média na bacia como um todo é de 1.290mm. No entanto, nas cabeceiras no Planalto, nós temos precipitações médias bem maiores do que estas. Diferentemente do que pensam alguns, o Pantanal era inundado em determinadas épocas do ano, e as precipitações são muito mais baixas dentro da área do Pantanal, que vemos nesta área que sofre inundação periódica, provocando cheias e, depois, secas. Por isso, esta média indica que, no Pantanal, é abaixo.
A Dra. Áurea errou o nome do rio: o nome correto é Bento Gomes, que abastece, ou abastecia, o Município de Poconé. É com muita tristeza que vemos esta configuração do leito atual do rio, que já teve água em outras épocas. Hoje ele só tem um fiozinho de água.
O abastecimento de água de Poconé, por uma adutora de 11 quilômetros de 250mm, se fazia por um poço de derivação. Aqui nós vemos a tomada de água do rio no seco. Para que se pudesse captar alguma coisa para se minimizar a situação, improvisou-se um flutuante para tirar a pouca água que resta no Rio Bento Gomes. Hoje, para se abastecer a cidade de Poconé, nós temos 36 poços. É uma situação muito difícil. Os poços são de pequena vazão, o que contribui para o problema.
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Foram só essas mudanças climáticas sazonais que fizeram acontecer o que podemos ver aqui no Rio Bento Gomes? Não! A ação do homem aqui é catastrófica. As mineradoras de Poconé captam água do Rio Bento Gomes — e a prioridade tinha que ser o abastecimento para a (falha na transmissão) de animais —, com uma adutora de até 7 quilômetros, para estocar água para as suas atividades.
Além disso, em muitas várzeas do Rio Piranema, que é um rio contribuinte, e em muitas outras várzeas que contribuem para o Rio Bento Gomes, os proprietários drenaram as áreas e fizeram valas profundas. Essas várzeas secaram e foi plantado capim para o gado. Essas várzeas eram os pulmões que dosavam as águas para, no período de seca, manter um nível adequado do Rio Bento Gomes.
Outras coisas aconteceram na cabeceira desse rio: sitiantes e quilombolas fizeram suas roças para o plantio nessa região do Município de Livramento, onde a terra é muito ruim. Ela só se apresenta se o capim for o melhor e se for na mata ciliar. Esse desmatamento foi feito em grande parte na cabeceira do rio, o que talvez tenha contribuído.
Então, de várias maneiras, isso tem causado o que ocorre aqui.
Com relação aos incêndios no Pantanal, foi até chacota na mídia nacional a nossa Ministra da Agricultura, que é neta de um mato-grossense, um cuiabano, o ex-Governador do Estado de Mato Grosso Fernando Corrêa da Costa, quando falou sobre o boi bombeiro. Mas é isso mesmo! Não é brincadeira! Quando o capim está palatável, deixa de ser aquela massa queimada, que é propícia para o fogo.
A Profa. Catia Nunes, da Universidade Federal de Mato Grosso, fez uma pesquisa mostrando, numa campina, num lugar muito limpo, o gado pastando. Ela cercou 1 hectare de terra para que o gado não entrasse. Três anos depois, havia no local uma vegetação que tomou conta daquilo, uma (ininteligível). Como se diz, nem calango andava lá dentro. Essa vegetação era propícia para o fogo.
Houve essa proibição ao homem pantaneiro. Proibiram-no de fazer a limpeza e retirar árvores invasoras, principalmente o cambará, o pombeiro, a canjiqueira — essas não são invasoras, mas se multiplicaram. Também é o caso do quebra-laço, do algodoeiro. O pantaneiro não pôde limpar a área, porque várias proibições aconteceram, feitas por pessoas que desconhecem a realidade do Pantanal. Para que pudesse fazer isso, você tinha que montar um processo e dar entrada num órgão ambiental. Depois de 5 anos, com certeza, alguém que não conhece o Pantanal diz para esse fazendeiro: "Não pode!" Ocorreu isso em muitas fazendas. Fazendeiros tradicionais do Pantanal abandonaram suas terras. Hoje vemos resquícios de sedes prósperas que foram queimadas e estão abandonadas há alguns anos.
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Professora Rosa Neide, a senhora é Deputada e está aí lutando por Mato Grosso. Nós precisamos de uma atenção para o homem pantaneiro. Nós precisamos de recursos subsidiados, com prazos longos, para que eles possam saldar suas dívidas, para que possam limpar as suas propriedades, para que possam criar gado e, inclusive, comprar matrizes, já que eles não as têm mais. Eles precisam voltar a ter esse ambiente no Pantanal.
Como nós já dissemos, o boi é um grande aliado do Pantanal. Como disse o nosso Senador, amigo e companheiro de infância Antero Paes de Barros, o Pantanal precisa do boi.
Era isso, professora. Era o que eu tinha para contribuir.
Nós do Comitê de Bacia Hidrográfica ficamos muito satisfeitos por termos sido lembrados. Com a nossa experiência e a nossa vivência, esperamos contribuir para que as coisas possam ser melhoradas no nosso ambiente.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Dr. Rubem.
Com certeza, a sua experiência, o seu conhecimento acumulado nos ajudará muito.
Eu vou ao Pantanal sempre. Estivemos lá em diligência, Dr. Rubem, e ouvimos parte do que o senhor disse aqui dos homens e das mulheres que vivem no Pantanal. Inclusive, esta Comissão fará encaminhamentos de políticas públicas para que a economia que não destrói o Pantanal seja incentivada pelo Governo. A produção econômica, tanto no turismo quanto na criação de gado, foi discutida nas reuniões que fizemos lá. Continuaremos conversando. Neste fim de semana, eu estarei em Poconé, a convite do Prefeito Municipal, novamente com os representantes dos criadores de gado, para continuarmos essa conversa.
Vou falar pessoalmente com o senhor em Cuiabá, para tratarmos dessas questões com todo o cuidado possível, porque temos que ter o Pantanal bonito, como um santuário, como sempre foi. Além disso, temos que estimular as políticas que não agridem o Pantanal.
Ao final, vamos falar de novo dessa questão cíclica — estão aqui o Joaquim, da ANA, e o pessoal do INPE —, para que a Comissão e a população brasileira entendam a situação. Cada vez mais, precisamos considerar que a ciência dá respostas, a ciência se antecipa nas indicações.
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Aqui o senhor falou muito bem e mostrou evidências, com fotografias, da questão das mineradoras, que nós também já ouvimos nesta Comissão.
Teremos todo esse trabalho cuidadoso para fazer as indicações dentro daquilo que possibilita que as comunidades pantaneiras, os homens e as mulheres, os indígenas, os ribeirinhos, os fazendeiros, aqueles que exploram de forma sustentável o turismo tenham a sua voz ouvida nesta Comissão, para que saibamos fazer as indicações da melhor forma possível.
Muito obrigada. O senhor contribuiu e contribuirá muito para a nossa Comissão.
Neste momento, convido para fazer uso da palavra a Sra. Luciana Ferraz, membro do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas — FONASC.CBH.
A Sra. Luciana Ferraz tem a palavra por 10 minutos. (Pausa.)
A Sra. Luciana está com algum problema de conexão. A Internet caiu. Nós temos esses problemas.
Eu, como professora, fico preocupada com a forma como os nossos alunos estudaram no ano de 2020. Sabemos que grande parte da população brasileira não tem acesso à banda larga, e isso é um direito.
No País, queremos uma natureza bonita, um meio ambiente saudável, mas também queremos que as nossas crianças tenham acesso. O acesso à tecnologia, em 2020, é um direito dos cidadãos e das cidadãs. Então, vamos chamar a atenção para essa questão também.
Enquanto a Sra. Luciana não entra — se ela tiver a oportunidade de entrar, passaremos a palavra para ela —, quero agradecer muito a presença do Sr. Vicente Andreu, um especialista, um estudioso, que também vai contribuir para a nossa Comissão.
Sr. Vicente Andreu Guillo, por favor, a palavra é sua, por 10 minutos.
O SR. VICENTE ANDREU GUILLO - Bom dia a todos e a todas.
Muito obrigado pelo convite para participar desta Comissão.
Cumprimento de forma especial a Deputada Professora Rosa Neide...
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Vicente, acho que você pode chegar mais perto do microfone. A sua voz está baixa.
O SR. VICENTE ANDREU GUILLO - A minha voz não está boa?
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Acho que o problema é no microfone.
O SR. VICENTE ANDREU GUILLO - No teste passou.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Está boa. Agora ficou boa!
O SR. VICENTE ANDREU GUILLO - Cumprimento a todos, particularmente a senhora, Deputada Professora Rosa Neide, pelo dia de hoje, inclusive. Cumprimento o Joaquim, representante da Agência Nacional de Águas, da qual fui Presidente durante o período de 2010 a 2018. Cumprimento todos os presentes.
Estou vendo que está no chat a Débora Calheiros.
Débora, aprendi muito com você. É um prazer saber que você também está acompanhando esta reunião importantíssima da Câmara dos Deputados.
Nesse período de 8 anos em que eu fiquei na ANA, de 2010 a 2018, nós tivemos a oportunidade de acompanhar grandes crises hídricas no nosso País. Quase todas de seca, mas nem todas, como, por exemplo, as inundações no Rio Madeira, que também ocasionaram problemas bastante sérios, seja em Porto Velho, seja até mesmo na fronteira com a Bolívia. Acompanhamos as crises de São Paulo, no Sistema Cantareira; do Paraná, no Rio Paraná; no Rio Paraíba do Sul; no Rio São Francisco; no Rio Tocantins. Foi um grande aprendizado em relação a esses processos de crise. O principal aprendizado diz respeito à fragilidade dos nossos recursos hídricos diante das mudanças climáticas.
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É evidente que há um conjunto grande de aprendizados no aprimoramento das técnicas e tecnologias de uso da água. Mas, se não partirmos do reconhecimento de que essas alterações, que estão acontecendo numa frequência e num ritmo muito grande, existem e têm responsabilidade sobre a ação do homem, vamos nos comportar ainda como aqueles que já vivenciaram secas nas estatísticas do passado e que entendem que as secas neste momento, mesmo com essas alterações e com essa recorrência, não passam de eventos estatísticos que aconteceram no passado.
Esses eventos, mesmo que sejam apenas de natureza estatística, acontecem numa situação de muita alteração do uso do solo. É muito difícil fazer a transposição de uma seca de 40 anos, 50 anos, 60 anos atrás, com suas consequências e desdobramentos, para uma crise hídrica que acontece num período em que os rios estão profundamente alterados, principalmente pela operação das usinas hidrelétricas no Brasil. Isso precisa ser trazido como aprendizado.
Se é verdade que os grandes reservatórios têm uma importância grande no processo de gestão das secas nas grandes bacias brasileiras, onde esses reservatórios existem, não é menos verdade, em certa medida, que as crises são acentuadas pela operação dos reservatórios. Por exemplo, a crise do São Francisco, que identificamos principalmente a partir de 2012, é reflexo não só do problema climático e meteorológico, da ausência de chuvas, da alteração no ciclo hidrológico, mas também de um regime de operação das usinas hidrelétricas antes da ocorrência dessa crise. Quando ela acontece, você está muito menos capaz de responder a essa seca. O São Francisco ficou praticamente 8 anos numa condição de recuperação muito instável. E não foi só o São Francisco. No Paraíba do Sul, aconteceu a mesma coisa. Quem tiver o cuidado de observar os gráficos vai verificar que a crise de 2014 é antecipada por uma exigência maior dos reservatórios brasileiros daquela bacia. Quando acontece a crise hídrica, você está mais despreparado para fazer o enfrentamento daquelas condições. As grandes bacias brasileiras que têm hidrelétricas demonstram isso.
Na verdade, como aprendizado desse processo, precisamos começar a integrar áreas de conhecimento. Infelizmente, principalmente nos últimos 2 anos, apesar desse esforço lento que aconteceu nos anos anteriores, ao invés integrar, estamos começando a fragmentar de novo, como se cada um cuidasse de uma parte desse problema, sem observar esse todo que as crises nos demonstram que precisa ser bem gerenciado. Uma coisa que a crise expõe são os conflitos de uma bacia. Quando você tem água, nada acontece, parece que não precisam de absolutamente nada, tudo funciona naturalmente, as coisas acontecem como sempre aconteceram. É o que se imagina. Porém, numa situação de crise, você vê os conflitos decorrentes da ação do homem, da mineração — o Rubem apresentou várias dessas questões —, dos interesses legítimos de cada um dos usuários daquela bacia. Então, as crises expõem de maneira dramática a situação dos conflitos potenciais que existem naquelas bacias, porque, quando há água, isso não aparece.
11:12
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Eu penso que o grande aprendizado, além do que nós precisamos — e essa é uma tarefa não só brasileira, mas global —, é como trazemos esses modelos de alteração climática para a operação das bacias. O que acontece? Na verdade, nós operamos as bacias em função da água que existe, com previsão, por exemplo, de 7 dias, de 14 dias. Essas previsões não são sustentáveis para uma operação preventiva nas bacias hidrográficas. Isso não é simples. Por quê? Qual é a confiabilidade que você vai ter ao restringir eventualmente um uso em função de uma previsão de seca daqui a 6 meses e essa seca não acontece, assim como todas as suas consequências? Então, o aprimoramento e a integração da gestão das bacias com previsões climáticas mais seguras são fundamentais.
A segunda questão é começar a abandonar as séries históricas. Eu sou estatístico de formação. É evidente que, se eu pegar uma série histórica — no caso, se eu tivesse uma série histórica desde o dilúvio —, quando eu fizer a média dessa bacia com o dilúvio, o que acontece? Nós estaremos com essas séries totalmente alteradas. O que verificamos é que séries muito longas são boas para você avaliar a implantação de projetos, algo desse tipo, mas elas não dão uma resposta para fazer a gestão, e chamarei de médio prazo, das bacias.
Então, nós precisamos rever o processo, e essa é uma discussão seríssima. Quando se fala em mudar a série, as pessoas imaginam que quanto mais antiga a série mais precisa ela é. Só que, na verdade — vamos supor —, a pessoa não tem mais um problema e você ainda a avalia com aquele problema, ou então a pessoa tem um problema de saúde e você avalia a condição dela quando tinha 18 anos. Isso não serve para absolutamente mais nada. Esse esforço de que as séries hidrológicas no Brasil precisam ser consideradas num tempo menor para a gestão altera a média. As pessoas ficam com a expectativa: "Ah, não choveu na média, está tanto acima da média". Só que aquela média não existe mais.
Na minha opinião, essa é uma questão profundamente relevante e mexe com questões econômicas e com a alocação da água nas bacias. Então, se você disser que há menos água numa bacia, você mexe com a energia garantida de uma usina e ela fica com menos recursos. Você também mexe com a disponibilidade da água para diversos agricultores. Dessa forma, as pessoas não querem tratar do assunto, fingem que não têm um problema, e nós temos um problema.
Ainda na linha da integração, eu penso que nós precisamos valorizar muito os instrumentos de planejamento que já existem e a qualidade que eles têm. Entre esses instrumentos de planejamento, nós temos os planos de recursos hídricos e os planos de bacia. A Bacia do Paraguai tem um plano de recursos hídricos muitos recente, aprovado no começo de 2018. É um estudo que condensa as informações dos diversos setores, mas é muito frágil. Ele é muito poderoso do ponto de vista técnico, mas é muito frágil do ponto de vista político, porque esse plano não se desdobra em obrigações futuras, vou chamar assim, compromissos mais fortes, dos diversos agentes econômicos e políticos.
11:16
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É preciso ponderar os planos de recursos hídricos. Não basta mais a aprovação deles no conselho nacional. E aqui eu deixo a minha primeira proposta à senhora, Deputada Professora Rosa Neide: nós poderíamos começar a aprovar os planos de recursos hídricos das grandes bacias nacionais, das bacias interfederativas no Congresso Nacional e transformá-los em lei. Se todo mundo concorda com o plano, se o Governo do Estado de Mato Grosso concorda — vamos falar do caso do Pantanal —, se Mato Grosso do Sul concorda, se o agente federal concorda, se os diversos usuários concordam, se o setor de meio ambiente concorda, se os agentes econômicos ligados à bacia concordam, por que, depois, o plano não tem força para que seja de fato implementado? Essa é a primeira sugestão.
A segunda sugestão é criar um processo de gestão nas bacias que seja participativo. Uma coisa é a gestão preventiva, outra coisa é a gestão diante de uma crise. A gestão preventiva exige conhecimento técnico e o máximo possível de informações. Do ponto de vista de uma gestão de crise, isso não vale tanto mais. Por quê? Porque você vai lidar com os conflitos reais que estão alocados naquela bacia naquele momento. Para isso, a solução das salas de situação, das salas de crise, que começaram durante o meu mandato, em particular em relação ao Rio São Francisco, impediu que nós tivéssemos uma verdadeira tragédia. E fico muito feliz que isso esteja sendo expandido. Mas nós precisamos encontrar um mecanismo que possa fazer uma articulação permanente em torno dessa gestão, que para mim são os Comitês de Bacia Hidrográfica. Porém, eles padecem do mesmo problema dos planos, que é a falta de empoderamento político. Em alguns casos, inclusive, há uma ação deliberada não visível — mas é deliberada — para que não sejam formados.
Portanto, uma segunda sugestão, que foge à lei, mas que na minha opinião é um avanço, Deputada, era que a Câmara dos Deputados conduzisse a criação de comitês de bacias federais ou de bacias interfederativas onde eles não existem, e usar as tecnologias que hoje estão disponíveis, como a sala de gestão e a sala de crise, para fazer a implantação do plano. Isso vai um pouco na linha do que o Joaquim mencionou aqui: não usar a sala de crise só quando a crise está instalada, porque aí há um conflito. Você está lidando com os interesses legítimos de todos os usuários da bacia. A ideia é se antecipar ao processo de crise, é fixar regras de comum acordo, no sentido de minimizar o desdobramento dessas crises ao longo do tempo.
Eu acredito que, fugindo à tradição da montagem dos Comitês de Bacia Hidrográfica, eu gostaria também de pedir ao Congresso Nacional que se mobilizasse no sentido da criação desses comitês, particularmente na Bacia do Pantanal. Seria um comitê de toda a bacia, e não apenas onde essa organização felizmente existe, como no Rio Cuiabá, para organizar a bacia toda.
Ainda na linha da integração, nós estamos vivendo um processo, como eu falei, de fragmentação. Essa fragmentação já tem consequências e também as terá no futuro, particularmente na questão da água. A água sempre foi, desde que o sistema foi concebido e implantado no Brasil, vinculada à questão ambiental. O sistema de recursos hídricos sempre foi vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, com milhares de dificuldades para integrá-lo ao Sistema Nacional do Meio Ambiente. Eu e os Ministros Carlos Minc e Izabella Teixeira envidamos esforços para tentar juntar esses sistemas, mas é muito difícil fazê-lo.
11:20
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O que aconteceu logo no início do atual Governo? O Governo Federal simplesmente levou a Agência Nacional de Águas e todo o sistema de recursos hídricos para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Esse foi um erro crasso. O silêncio justifica-se porque ninguém sério quer ficar debaixo do Ministro Ricardo Salles. Então, é melhor sair do Ricardo Salles do que ficar debaixo do Ricardo Salles. Mas não é isso o que aconteceu. O que ocorreu foi que nós mudamos a concepção da gestão da água no Brasil. De uma visão sustentável, que caminha para a integração dos seus diversos fatores, partimos para uma visão fragmentada e utilitarista da água, com gestão simplesmente para o feitio de grandes obras.
Não fosse, vamos chamar assim, a cultura da ANA e dos sistemas de comitês — que, aliás, estão muito silentes diante dessas modificações —, na minha opinião, o sistema estaria todo desmontado, porque, se o Governo Federal está conseguindo fazer o desmonte do Sistema Nacional do Meio Ambiente, que é poderoso, visível ao Brasil e ao mundo, imaginem o que está sendo feito com o sistema de recursos hídricos, que não tem a mesma visibilidade e força.
Eu não sei, Deputadas e Deputados aqui presentes, como fazer essa discussão, mas nós deveríamos exigir o retorno da Agência Nacional de Águas e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos ao Sistema Nacional do Meio Ambiente. Não há a menor racionalidade, a não ser a de fragmentar e quebrar essa visão integradora, a permanência do sistema de recursos hídricos no Ministério do Desenvolvimento Regional. Aliás, se olharmos para os grandes problemas do Brasil — seja na área urbana, com a poluição, seja na área rural, com o uso indiscriminado da água, porque a água tudo suporta —, veremos que eles são originários dessa visão utilitarista da água, por meio da qual pode-se usar a água, que ela suporta tudo, que não há problema algum.
Creio também que nós deveríamos caminhar no sentido da reintegração do sistema de água ao Sistema Nacional do Meio Ambiente e trazer para esse processo todo uma gestão — permita-me dizer assim — que utilize melhor a qualidade dos modelos de previsão climática, incorporando, aceitando, admitindo, concordando com o fato de que nós estamos num processo de profunda alteração do ciclo hidrológico, que é derivado das mudanças climáticas.
Portanto, volto a dizer que não tem como avaliar essas séries históricas extremamente longas para análise de gestão, na expectativa de uma média que não existe mais. Eu vou dar um exemplo: São Paulo tinha um clima temperado, com chuvas muito regulares. Eu dizia que 50, que é a média, era fruto de 1 ano com 60, 1 ano com 40, outro ano com 60, outro ano com 40. Isso dava uma média de 50. Hoje — porque a quantidade de água não se altera, o que se altera é a maneira como ela chega ao solo —, o que temos? Num ano é 90, no outro ano é 10, no outro ano é 90, no outro ano é 90; depois, 10 e 10. Quando fazemos a soma disso tudo, qual é o resultado? Uma média de 50. Mas ela não serve para mais nada ou para fazer um gerenciamento seguro, para dar segurança hídrica a todos que precisam dessa segurança hídrica, seja a natureza — e não podemos deixar de reconhecer a natureza como demandante de água, porque, se nós nos recusarmos a fazer isso, haverá problemas — sejam os diversos usos instalados na bacia.
11:24
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No caso da Bacia do Paraná, e encerro com isso, há moratória de pequenas centrais hidrelétricas que não têm função nenhuma no sentido da segurança hídrica, a não ser do agravamento dos problemas da Bacia do Pantanal. O plano de recursos hídricos aponta para essa situação. O Ministério Público também atua nessa direção. A Agência Nacional de Águas está de parabéns pelo que fez, mas acredito que está sofrendo pressão imensa para começar a liberar os empreendimentos hidrelétricos que não têm função de segurança energética nenhuma para o País. Se olharmos os números, o total de empreendimentos, hoje — cerca de 50 empreendimentos e mais de 120 que estão previstos na bacia —, produzem 1.200 megawatts. Não que 1.200 megawatts não sejam importantes, mas é possível conseguir isso através da repotencialização das usinas existentes, das energias alternativas e tudo o mais, e não criando verdadeiras caixas registradoras. É só esta a função delas: serem caixas registradoras, darem dinheiro para quem é dono dessas usinas. Do ponto de vista da segurança energética, não cumprem papel nenhum, tanto é que a ANEEL nem acompanha isso. E, do ponto de vista ambiental, produzem danos muito significativos.
Eu aprendi com a Débora, quando ela também era do conselho nacional, que não há só benefício nas usinas hidrelétricas. O que acontece? Estamos no período de seca agora e vem o período de chuva, quando há um pico de inundação. E o que faz uma hidrelétrica? Ela regulariza, deixa mais estável esse ciclo de inundação. A ausência desse pico de inundação acarreta consequências ambientais muito grandes.
Tudo isso tem que ser visto dentro de um processo muito mais integrado, e não na linha negacionista da ciência ou de fragmentação das áreas de conhecimento, que não conversam entre elas, incorporando as demandas justas dos usuários de água nas diversas bacias hidrográficas às questões ambientais, que são absolutamente vitais, um ativo desta e das futuras gerações que vivem no Brasil.
Era o que tinha a dizer de início. Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Vicente. Suas contribuições e sugestões são extremamente importantes para a nossa Comissão. Nós vamos procurá-lo inclusive para discutir as sugestões e os encaminhamentos que o Parlamento pode fazer através da nossa Comissão e da Comissão do Senado, com quem estamos nos integrando numa frente de discussões.
Gosto muito quando você fala em integrar as áreas do conhecimento, porque a educação escolar, por muito tempo, fez caixinhas e desintegrou o conhecimento. Nós construímos conhecimento quando conseguimos integrar. Então, é muito importante a sua fala, a sua análise sobre essa questão cíclica. Isso também me incomoda bastante. Por isso, é bom ouvir um especialista, é bom ouvir a experiência. Olhar os ciclos é importante para fazer a leitura histórica, mas entender o que está acontecendo no presente é fundamental para darmos passos mais seguros e mais firmes. Chegou o momento de termos que insistir de forma determinada.
Eu quero agradecer muito a presença à Dra. Débora Calheiros, da EMBRAPA Pantanal, que está conosco na sala. No momento dos questionamentos, vou pedir à Dra. Débora para também fazer uma intervenção, porque houve problemas de comunicação no início, quando estávamos organizando a reunião técnica de hoje com relação às confirmações. Mas é muito importante a presença da Dra. Débora conosco, e, com certeza, a nossa Comissão também vai pedir o apoio da doutora para que possa esclarecer pontos que devemos indicar nas nossas ações parlamentares, a partir das discussões feitas nas reuniões técnicas.
11:28
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Algumas questões feitas pelo e-Democracia serão passadas agora aos palestrantes que estão conosco, para fazerem seus comentários, se for interessante, no final.
A Sra. Marta pergunta:
O Ministro Ricardo Salles disse que o Governo tem responsabilidade de fiscalizar apenas 6% do Pantanal e afirmou que Governo tem jurisdição apenas sobre áreas de conservação, terras indígenas e assentamentos.
Pergunto ao Sr. José Renato Fialho: o que cobram dos Governadores de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul? Omissão é cobrada?
Também pergunta:
Considerando que o Governo Federal tem responsabilidade de fiscalizar cerca de 10% do Pantanal, porque o Governo Federal tem jurisdição apenas sobre as áreas de conservação — e repete as áreas —, como fica o restante neste momento em que estamos vivendo?
Essas são as principais perguntas.
Há algumas perguntas da área técnica da Comissão que nos ajudam a pautar as considerações que os senhores fazem ao final. Essas questões são endereçadas ao Vicente Andreu, ao Alberto e ao Maicon.
Qual o impacto observado das alterações do regime de chuva e da crise de escassez de água nos demais componentes hidrológicos do ciclo sazonal de inundação da planície pantaneira?
Como alguns pontos já foram abordados, os senhores considerem o que for necessário.
Os senhores acreditam que o pulso de inundação, processo ecológico essencial à vida no Pantanal, encontra-se ameaçado pela escassez prevista para os próximos anos?
Ao representante da Agência Nacional de Águas, o nosso amigo Joaquim, que nos honrou com a presença até o final da apresentação, pergunta-se:
Em setembro de 2018, a ANA publicou a Resolução nº 64, que suspendeu temporariamente a emissão de autorizações para implantar novas hidrelétricas na Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai até maio de 2020. Durante a divulgação dessa suspensão, foi declarada pela agência que a suspensão se estenderia pelo menos até a conclusão de estudo contratado pela ANA para investigar os efeitos socioeconômicos e ambientais da implantação desses empreendimentos sobre os demais usos da água e sobre os próprios recursos hídricos, como comprometimento de qualidade das águas ou alteração do regime hidrológico.
Tais estudos já foram concluídos? Considerando a crise de escassez hídrica pela qual passa a Bacia do Rio Paraguai e as demais agressões ambientais sofridas pelo bioma, a ANA pretende manter a suspensão da autorização de implantações de novas PCHs?
11:32
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Várias entidades que estiveram nesta Comissão, em outras reuniões, levantaram exatamente essa questão. Vamos autorizar PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) ao longo da Bacia do Rio Paraguai?
E continua:
Em 2018, também, conforme divulgado pela ANA, existiam 144 aproveitamentos hidrelétricos em estudo na Região Hidrográfica do Paraguai, a maioria para a construção de pequenas centrais. Dados do Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai apontam que o potencial hidrelétrico da região é explorado atualmente por 7 hidrelétricas, 29 PCHs e 11 centrais geradoras hidrelétricas, totalizando uma capacidade instalada de 1.111 megawatts.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica — ANEEL, a região possui um potencial adicional de geração de 1.172 megawatts. Assim, observamos, ainda que todas as PCHs previstas fossem instaladas, que a energia gerada representaria pouco mais de 1% da capacidade instalada no País.
A agência não considera que existiria aqui uma flagrante assimetria entre os benefícios alcançados e os prejuízos ambientais sociais?
Ao representante da Agência Nacional de Transportes Aquaviários — ANTAQ, há a seguinte pergunta:
A ANTAQ promoveu, no último dia 7 de outubro, um seminário virtual sobre as estratégias para incrementar a relevância da Hidrovia Paraguai-Paraná como corredor de comércio exterior do Brasil. Diante da crise da escassez de água e dos impactos ambientais atualmente agravados contra o Bioma Pantanal, a agência considera seguro para o meio ambiente e para as embarcações estimular a navegação da Bacia do Paraguai?
Ao Sr. Rubem Mauro, representante do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá, há a seguinte pergunta:
Quais os desafios encontrados na implementação dos comitês de bacias?
No caso, a pergunta se refere à Bacia do Rio Cuiabá.
As participações da academia e da sociedade civil têm sido de fato incentivadas e consideradas na tomada de decisões? O que o senhor entende que poderia ser aprimorado nesse modelo de gestão compartilhada da Bacia do Rio Cuiabá?
E a todos os nossos convidados, nas suas abordagens, que sei que são muito rápidas, eu pediria, se possível, que enviassem também por escrito as contribuições, com base nas questões que a nossa equipe técnica faz. Nós vamos enviar por e-mail para todos vocês as questões das equipes técnicas, para que vocês possam elaborá-las melhor. Como há diversas sugestões, não se atenham somente às questões feitas aos senhores, mas a todas as questões e algumas mais que possam considerar. Apesar de usarmos as notas taquigráficas da nossa reunião, é fundamental que recebamos as contribuições, que foram muito relevantes.
Na opinião dos senhores e das senhoras, como a Câmara dos Deputados poderia contribuir no enfrentamento desse problema? Existe alguma norma ou ponto na legislação que poderia ou deveria ser modificado?
Algumas sugestões já foram dadas, especialmente pelo Vicente e por outros que abordaram isso, mas vocês podem nos enviar outras sugestões para que possamos encaminhá-las no âmbito da Comissão.
Eu gostaria agora que a Dra. Débora pudesse, por 5 minutos, também fazer algumas questões, para que os nossos convidados, a partir da sua fala, doutora, e das questões aqui já postas, possam também se ater à sua fala e abordá-la ao final.
11:36
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Nós sabemos da sua contribuição em relação à questão hídrica no País e agora no Estado de Mato Grosso.
Agradeço muito a sua presença e peço a sua contribuição.
A SRA. DÉBORA CALHEIROS - Bom dia a todos.
Eu que agradeço, Professora Rosa Neide, pelo convite. Parabenizo todos os professores, a senhora em especial.
Eu sou originalmente da EMBRAPA Pantanal, fui cedida por 8 anos à Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá, estou agora no Ministério Público Federal, mas continuo trabalhando com a questão do Pantanal e da bacia hidrográfica.
Parabenizo todos os presentes, principalmente o colega Vicente Andreu, que realmente deu uma aula e foi fundamental em todo o processo de obtenção do plano de recursos hídricos da região hidrográfica do Paraguai, mencionada pelo colega da ANA e pelo Vicente, que é uma ferramenta fundamental para a gestão realmente sustentável da bacia como um todo e do bioma Pantanal em especial.
(Segue-se exibição de imagens.)
Para complementar o que todos os colegas já colocaram, eu queria colocar a questão transfronteiriça da Bacia do Paraguai e a questão da pesca. Falou-se da pecuária, das hidrelétricas, da navegação, mas é preciso lembrar também de um uso muito importante da bacia, dos recursos hídricos, que é a pesca, principalmente a pesca profissional artesanal e a pesca turística. Mencionou-se o turismo, a navegação, a pecuária, a agricultura, as hidrelétricas, mas o uso fundamental, em termos de conservação do sistema, necessidade de conservação do sistema, geração de emprego e renda, inclusive com base de dados importantíssima gerada nesse plano de recursos hídricos, importância social e econômica, é a pesca na bacia.
Então, para manter a pesca como atividade econômica e de importância social na bacia, eu preciso manter todo o sistema Pantanal funcionando como processos ecológicos, que no caso nós chamamos de hidroecológicos por causa da questão do curso de inundação, da importância dos ciclos sazonais, interanuais e plurianuais de cheias e secas na região.
Aqui eu vejo a importância de certas áreas para a produção de água no sistema, que eles chamam de caixas d'água, na região de Tangará e Cáceres, na região de Coxim, em Mato Grosso do Sul, na Bacia do Taquari e nas áreas pertencentes à Bolívia e ao Paraguai. Essa aqui é a Bacia do Paraguai, que inclui o Norte da Argentina. Aqui vemos novamente as caixas d'água, as zonas onde há precipitação menor e a contribuição de todas as áreas.
11:40
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O que é importante colocar é que o Pantanal, aqui em vários tons de azul, é a junção das áreas de inundação dos vários rios formadores. Aqui eu tenho o Taquari, o São Lourenço, o Cuiabá, o Jauru, o Sepotuba, o Cabaçal, o Miranda, o Aquidauana, aqui em Mato Grosso do Sul, e o Rio Paraguai, principal rio que drena todo o sistema, correndo aqui na borda oeste.
Então o Pantanal é a junção das planícies de inundação de todos os rios formadores, e as nascentes de todos os rios formadores estão na área de planalto, que drenam para o Pantanal, que drenam para a planície.
O que está acontecendo aqui na parte alta, como já colocaram? O uso extremo da agropecuária. Aqui na parte alta do planalto, que circunda o Pantanal, nós temos as áreas de recarga dos aquíferos e as áreas de afloramento dos aquíferos subterrâneos, que são as fontes de água, principalmente na seca, que abastecem os rios com o seu nível basal. O que está acontecendo? Essa parte alta, onde há as áreas de recarga dos aquíferos, onde há as nascentes, está com um nível de uso agropecuário intenso, que está afetando a planície pantaneira. Além disso, nessa área de planalto é onde há a instalação de hidrelétricas. Já existem nove hidrelétricas de grande porte — no total, são 47, com previsão de 180.
Por isso nós conseguimos, junto com o Vicente Andreu, a quem agradeço mais uma vez a participação nesse processo no Conselho Nacional de Recursos Hídricos — como sociedade civil, eu participei pelo FONASC, que é o Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas —, o plano de recursos hídricos, e tivemos a possibilidade de planejar onde se podem colocar hidrelétricas ou não, justamente para evitar impacto nos processos ecológicos e hidroecológicos do bioma Pantanal, cuja conservação como patrimônio nacional, como patrimônio da humanidade, como reserva da biosfera e como pertencente a uma bacia hidrográfica transfronteiriça está prevista na Constituição e cujos impactos realizados no Brasil afetarão outros países.
Temos aqui no Pantanal norte, juntando com a Bacia do Taquari, 75% da água do sistema, e é exatamente aí onde está previsto o maior número de empreendimentos hidrelétricos.
Lembro que nós fazemos parte da Bacia do Prata, do grande sistema Paraguai-Paraná de Áreas Úmidas, como a Áurea colocou, e que há influência do planalto em todos os processos do Pantanal. Então nós temos aqui a entrada de sedimentos, a entrada de processos erosivos, a entrada de agrotóxicos, a influência de alteração de cada curso de inundação de cada rio em função da construção de hidrelétrica.
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E para conservar o Pantanal, a Planície Pantaneira, eu tenho que conservar o Planalto. Este é o grande problema de se querer colocar a divisão entre planalto e planície: não considerar o planalto como parte do sistema Pantanal. Muitas políticas tentam fazer isso. Inclusive a proposta de lei do Pantanal que está sendo analisada no Congresso Nacional tem esse grande problema.
Aqui, como o Prof. Andreu colocou, são as previsões que nós temos da Bacia do Alto Paraguai. No caso, aqui na régua de Ladário, que é monitorada pela Marinha do Brasil desde 1900, nós temos a ocorrência de um período de seca nos anos 60 e depois anos muito mais cheios, a partir de 1974, da grande cheia de 1974. Então nós podemos considerar que um nível plurianual de seca pode acontecer. E, com essa questão das mudanças climáticas, esse potencial é ainda maior. Então nós temos que estar preparados. O Pantanal tem uma resiliência, tem um processo de se adaptar a períodos de grandes secas. Mas, como até o Prof. Vicente falou, nós estamos com um nível de impacto tão grande em toda a Bacia, que é muito difícil saber se o Pantanal vai resistir como bioma íntegro.
Aqui nós temos o nível de desmatamento, que eu comentei na parte alta, no Planalto, onde estão as nascentes e as áreas de recarga. Então nós estamos, no Planalto, com um nível de desmatamento de 60% a 80%. Aqui na região de Cáceres, aqui na região de Miranda, nós temos já níveis de 80% de desmatamento, nas sub-bacias. E no Pantanal, temos um arco de desmatamento avançando para o interior. Estes pontos vermelhos são áreas recentes de desmatamento. No caso, a supressão da vegetação nativa, porque interfere também na cobertura de gramíneas nativas, já está em torno de 15,7%. Então nós estamos num nível de impacto crescente.
Aqui são cenas da área inundada e da época seca; do Rio Paraguai na grande cheia de 1995, a terceira maior cheia em 120 anos. Aqui é o Rio Negro.
Quanto à importância das fases terrestre e aquática para a conservação, para os ciclos sazonais do curso de inundação do Pantanal, elas são importantíssimas para nós mantermos a sustentabilidade das atividades econômicas, principalmente a pesca, o turismo de pesca e a pecuária tradicional.
Aqui estão os efeitos das queimadas que os colegas comentaram em outras reuniões. Este aqui é da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nós já estamos com 27% do bioma atualizado. Para a data de hoje, já são 27% do bioma. E vejam que é ao longo do Rio Cuiabá e do Rio Paraguai. Então essa questão do boi bombeiro é bem polêmica. Eu discordo do colega Rubem, porque o fogo começou fora da área de unidade de conservação e atingiu as unidades de conservação. Há relatos da Polícia Federal de incêndios criminosos. A prática do fogo é recomendada para a região, desde que respeitem as questões técnicas. A própria EMBRAPA recomenda.
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Então, há um nível de poluição atmosférica enorme na região, que está atingindo as comunidades ribeirinhas, inclusive, Deputada, em relação à água potável, o que está atingindo a qualidade de vida das pessoas, que estão num verdadeiro inferno. A comunidade de Barra do São Lourenço está sofrendo com um problema muito sério de respiração. As pessoas estão num inferno, literalmente, em termos de temperatura. Há cinzas no ar, e até a qualidade da água do Rio Paraguai, que é um rio grande, foi afetada. As comunidades tradicionais, os guatós, os pescadores, a pecuária tradicional precisam da saúde ambiental do sistema para manter suas atividades, seu modo de vida, sua qualidade de vida. Também as espécies que são ameaçadas de extinção em outros biomas do País têm populações vigorosas na região — pelo menos tinham antes dessa tragédia, dessa catástrofe de incêndios.
A pecuária tradicional necessita dos cursos de inundação também para a renovação de pastagens, para a utilização do solo. É uma atividade importante para o meio ambiente e para a economia regional, mas ela está sendo mudada para pessoas de fora da região, que estão desmatando profundamente. O nível de desmatamento, no caso de supressão das gramíneas nativas, está enorme, que estão sendo substituídas por braquiária, por espécie exótica. Então, é importante também, Professora Rosa Neide, nessa questão da substituição de pastagens, que haja um processo legal, com base técnica, porque isso está sendo feito sem qualquer critério.
Nós atuamos também no Comitê Nacional de Zonas Úmidas e obtivemos várias recomendações, inclusive a de plantio de soja na planície e a de evitar a navegação no Tramo Norte, o que foi abordado pelo colega da ANTAQ. Nós temos uma série de trabalhos científicos e da luta da sociedade civil da região, inclusive de todos os países da Bacia do Prata, contra o projeto de hidrovia na região, principalmente no Tramo Norte, porque é a área mais sensível do Pantanal, embora o colega tenha colocado que é importante e que até seria um desperdício, na verdade, não utilizar essa parte norte, entre Cáceres e Corumbá, para navegação. Mas nós temos aqui os impactos no trecho mais restrito, mais protegido da bacia, que é o trecho entre Cáceres e Corumbá, onde o rio tem cerca de 80 metros de largura apenas, é extremamente meândrico e é uma área extremamente importante para a manutenção da hidrodinâmica do sistema rio abaixo.
Em 1996, foi negado pelo Governo brasileiro da época a implantação de parte da hidrovia no Tramo Norte. Nós estamos lutando para que isso continue, porque é o trecho mais sensível do sistema para a navegação industrial, a navegação de grande porte. Então, é temerário que se volte com essa proposta. Em 2000, também houve uma tentativa de retorno dessa proposta de navegação no Tramo Norte.
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Vai haver duas audiências públicas em Cáceres, embora estejamos em plena pandemia — vão ser audiências públicas virtuais —, sobre licenciamento de portos na região. Então, eu também sugiro à Professora Rosa Neide que haja uma intervenção nessa questão, porque é profundamente danoso para toda a hidrodinâmica do sistema a instalação de uma hidrovia nesse trecho. Nós temos 17 pontos de dragagem nesse trecho, exatamente no trecho mais sensível da hidrodinâmica, que inclusive influencia a hidrodinâmica da parte boliviana da bacia. Então, isso envolve também questões de outros países. Estão aqui os passos críticos que eles querem dragar. Imaginem se, nos anos 60, nós tivermos aquele período de seca, como vai ser a manutenção da navegação numa hidrovia oficial, se tivermos outro período de seca como o que se avizinha. Então, é extremamente temerário navegar nesse trecho.
Sobre a questão das hidrelétricas, como já comentamos, há o Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Rio Paraguai — e agradeço ao Vicente Andreu, que foi uma das pessoas-chave para conseguirmos isso —, que é extremamente interessante. Eu faço parte do grupo de acompanhamento do Plano de Recursos Hídricos, além de colegas pesquisadores da EMBRAPA Pantanal e de várias universidades do Brasil e até do exterior. São 50 os pesquisadores que fazem parte do grupo. Eles fizeram a parte científica, de embasamento desse plano. Foi colocado bem fortemente que as bacias que ainda restam livres de barragem precisam ser mantidas assim, para que se possa manter a produção pesqueira da região — ali vemos a Hidrelétrica de Manso —, tanto para a questão socioeconômica, como eu já falei, quanto para a questão de conservação da biodiversidade. Quando há previsão de anos mais secos e menos chuvosos, sabemos que vai haver menos geração de energia hidrelétrica por PCHs, como o Vicente Andreu colocou. É temerário privilegiar um uso apenas, o da energia hidrelétrica. A energia hidrelétrica já contempla 50% do potencial de geração da bacia. Então, a geração de energia hidrelétrica já está com um uso bem importante. Nós precisamos, segundo a lei de recursos hídricos, conservar os demais usos.
Aqui nós temos a produção de soja. Por exemplo, como eu falei, no entorno da bacia, principalmente em Itiquira, Campo Verde, Rondonópolis, Diamantino, na parte norte, a situação também é extremamente problemática. Nós acompanhamos a detecção da contaminação por agrotóxicos dos rios formadores do Pantanal e da área do Pantanal também, detectamos contaminação por agrotóxicos inclusive da água potável de cidades como Campo Verde, Rondonópolis e Diamantino. É extremamente perigoso o grau de uso de agrotóxico na bacia.
11:56
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Então, são esses vários impactos. E eu concordo com o Sr. Vicente sobre a questão de fazer uma lei que oficialize o Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Rio Paraguai porque é uma ferramenta para a sua conservação.
Agradeço o convite e me disponho a responder as perguntas. Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Dra. Débora. São muito importantes as suas contribuições. Aqui no Estado de Mato Grosso precisamos muito fazer essa discussão.
Sobre essas audiências públicas a que a senhora se referiu, eu já falei com o Deputado Dr. Leonardo, que é aqui do Estado também, do Município de Cáceres, e nós da Comissão Externa vamos participar e dar a nossa contribuição. Também contaremos com analistas do gabarito da senhora e de outros pesquisadores para fazer essa reflexão.
Neste momento, para fazer os seus questionamentos, passo a palavra ao Deputado Ivan Valente. Depois concederei 3 minutos a cada um dos nossos convidados.
Tem V.Exa. a palavra, Deputado Ivan Valente.
O SR. IVAN VALENTE (PSOL - SP) - Bom dia a todos e a todas.
Deputada Professora Rosa Neide, peço desculpas porque estou com o meu tempo estourado aqui. Os Deputados têm outras tarefas, no meio de uma campanha, mas eu tenho muito interesse na temática. Quero cumprimentá-la pelo Dia do Professor. Eu também sou professor e acho que há muitos professores participando desta reunião conosco. Quero deixar registrado o meu abraço a eles.
Eu queria começar dizendo que temos conseguido tantas informações, tantos estudos, ao trazer palestrantes com muita densidade de conhecimento sobre os diversos aspectos que envolvem o bioma, o ecossistema e, hoje, particularmente, a questão hídrica. No entanto, eu queria dizer que, se formos pensar a longo prazo, é óbvio que não tivemos seca só agora, nem onda de calor só agora. Houve uma variação, e o problema se dá ao longo do tempo e de como respondemos a ele. A verdade é que tem havido uma invasão do bioma, tem havido desmatamento e tem havido ações criminosas. Foi isso que nós detectamos, e a Polícia Federal disse que 90% dos incêndios são criminosos.
Então, além de todo o problema do aquecimento global, dos fenômenos climáticos, como El Niño e La Niña, dos desmatamentos de outros biomas, como o que ocorre na Amazônia e etc., há um fato concreto que está acontecendo, aliado à inação do poder público. O poder público não só é inepto, como também é simplesmente colaborativo com a desídia, com a desinformação e com a proteção que dá a ações criminosas. Isso está materializado no próprio Presidente da República e, principalmente, em seu agente principal, que é o Ministro do Meio Ambiente, o Ricardo Salles.
12:00
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Inclusive, não sei se V.Exas. viram ontem, Deputada Rosa Neide, matéria publicada pelo Rubens Valente, jornalista de Campo Grande e repórter especial da Folha de S.Paulo, que fez uma pesquisa. O Ricardo Salles está processando o principal dirigente do Observatório do Clima, o Marcio Astrini — são 17 anos no Greenpeace —, uma pessoa ultraespecializada, séria, preparada, com respaldo da ciência. Ele está sendo processado porque disse que o Ricardo Salles, no dia 22 de abril, queria passar a boiada. E foi exatamente o que ele falou, foi o que ele falou. E ele está passando a boiada. Ele está desmontando o sistema de proteção ambiental do Brasil, o IBAMA, o ICMBio, e está fazendo exatamente o contrário do que devia fazer, que era proteger o meio ambiente.
Eu quero aproveitar para dizer, já que nós estamos discutindo a questão hídrica, que, naquela malfadada reunião do CONAMA que ele acabou tirando todos os representantes da sociedade civil do CONAMA, eles também, além de tratarem da questão do lixo tóxico e da questão dos mangues e das restingas, revogaram as Resoluções nºs 284, de 2001, que disciplinava o licenciamento ambiental para atividades de irrigação, e 264, de 1999, que garantia a preservação de áreas de entornos de reservatório de água. Isso vai certamente agravar ainda mais a situação em locais em que a escassez está colocada. É o caso, neste momento, do Pantanal. E é o caso de fazermos essa discussão também relacionada ao agronegócio. Algum dos palestrantes tocou nessa questão. É como se com a água se pudesse agir assim, a água não tem dono, então se pode usar e abusar e a qualquer momento no uso da água, quando, na verdade, nós estamos numa planície inundável que está seca e está queimando.
Então, a primeira questão que eu queria colocar é essa. Eu acho que parte do poder público essa ação.
Eu também queria colocar o seguinte: por tudo que eu li e ouvi, essa teoria do boi bombeiro, falando em boiada do Salles, eu acho que não para em pé. Ela não para em pé. Então nós vamos inundar o Pantanal de bois, e se resolve o problema. Já há boi demais no Pantanal, além da cana, da soja, do milho, etc., das PCHs, etc. Está tudo errado. Na minha opinião, a ocupação está se dando de uma forma errada. Uma coisa é o pantaneiro, os habitantes que já estavam lá, as comunidades indígenas, o habitante que está há muito tempo lá que sabe dialogar — eu concordo que é possível o uso de fogo controlado, etc. —, outra coisa são os grandes interesses dos fazendeiros e o que tudo isso está causando.
Aliás, perdoem-me lembrar, mas, no meu tempo de Deputado, eu trabalhei muito com essa questão de agrotóxico, e a Ministra da Agricultura foi chamada de "musa dos agrotóxicos". Antes de virar Ministra, ela liberou, em 1 ano, mais de 600 agrotóxicos. Essa é a Ministra da Agricultura, a mesma do boi bombeiro.
Então, eu queria colocar o seguinte: a discussão sobre bacia me pareceu bastante interessante, porque a questão não é só o Rio Paraguai e não é só a bacia, é a integração de bacias. Eu concordo com quem disse que nós temos que fazer uma integração das bacias hidrográficas. A água é uma questão global do meio ambiente, do sistema do meio ambiente. Então, eu quero trabalhar nessa direção.
12:04
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O que não mente são os números. Nós acompanhamos o INPE, que faz um trabalho magistral. E vários expositores que estão aqui hoje são técnicos do INPE. Felizmente, nós temos gente corajosa lá! Eles os intimidaram, como intimidaram o Marcio Astrini, do Observatório do Clima. Eles estão intimidando professores. E há professores que não querem, Deputada Rosa Neide, fazer um embate direto com o Ministro. Eles não estão preparados politicamente para isso. O Ministro Ricardo Salles é um militante de rede social. Ele é um ativista de extrema direita. E professor não quer sabe disso. Nós estamos acostumados com isso. Nós temos militância política histórica, então, nós vamos enfrentá-lo. Agora, quero cumprimentar o Prof. Ricardo Galvão, que o enfrentou. Ele foi destituído do INPE, mas o trabalho está lá.
Hoje mesmo nós tivemos a colaboração do INPE para saber o regime de chuvas. Nós temos especialistas extremamente qualificados. E eu acho que a Comissão vai fazer um excelente relatório. Nós temos potencial para fazer um excelente relatório.
Quero cumprimentar a todos os que contribuíram conosco. Não é o nosso papel, agora, entrar diretamente em todas as discussões, nem daria tempo. Nós precisamos ver o foco político que vamos ter para tirar desta Comissão Externa uma diretriz política, uma legislação que dê cobertura para um bioma tão importante com uma repercussão tão grande na vida social, política e ambiental do Brasil e do mundo.
Quero cumprimentá-la, Deputada Professora Rosa Neide, mais uma vez, e pedir-lhe desculpas por não poder continuar nesta audiência. Eu tenho outro compromisso neste instante: uma live. Com todo o respeito a todos, mesmo tendo divergências com alguns, eu acho que vale a pena ouvirmos todos os lados, democraticamente, para formarmos uma opinião abalizada.
Vamos tentar fazer com que o Pantanal continue sendo um orgulho nacional, não só para os pantaneiros, mas também para todo o povo brasileiro. É por isso que ele é um patrimônio da humanidade.
Um grande abraço a todos!
Obrigado, Deputada Professora Rosa Neide.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Deputado Ivan Valente, que também é professor e comemora o seu dia, hoje, contribuindo com esta Comissão, sempre com uma aula. Nós sempre assistimos a boas aulas com o Prof. Ivan Valente na tribuna da Câmara, assim como todos aqui hoje ministraram aulas para o País.
Neste momento, para as considerações finais — como eu disse, vocês podem nos ajudar enviando documentos para a nossa Comissão —, daremos a palavra por 3 minutos para cada um. Em nome da Comissão, registro os nossos agradecimentos aos senhores e às senhoras por todas as grandes contribuições que nos deram.
Passo a palavra ao Joaquim Guedes, a quem agradeço por ter permanecido até o final. O senhor é de uma agência extremamente importante. Nós lhe agradecemos o trabalho e agradecemos à ANA o trabalho que faz pelo País. A possibilidade de tê-lo aqui ouvindo as diversas falas hoje na nossa Comissão nos ajuda muito, porque lá na ANA acontecem as decisões também. Por isso, a sua presença aqui é muito importante.
12:08
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O senhor tem a palavra para fazer as suas considerações finais.
O SR. JOAQUIM GUEDES CORRÊA GONDIM FILHO - Obrigado, Deputada.
Bom, eu começaria dizendo que nós vivemos num mundo em transformação, onde as médias perdem muito do sentido, porque os eventos extremos — nós todos estamos concordando — vão se acentuar. O que significa essa acentuação dos eventos extremos? As secas vão ficar cada vez mais intensas e as inundações também.
O próprio gráfico apresentado pela Profa. Débora mostra que, em termos médios, a tendência era quase de subir o nível. Não está havendo queda de vazão no Pantanal. Nós vamos, possivelmente, começar um novo ciclo de discussão agora, e esse ciclo vai ser diferente daqueles dos últimos 10 anos, 20 anos, com chuvas na média e em condições adequadas.
Eu gostaria de dizer que hoje, em relação a recursos hídricos, nós trabalhamos com os dados dos períodos críticos nas nossas análises, independentemente das séries longas, porque, se ficarmos só com as séries longas, trabalhando com números médios, podemos distorcer a realidade do sistema. Então, esta é a primeira constatação: nós hoje trabalhamos focados em períodos críticos. Essa é a melhor maneira de encaramos o futuro.
A segunda questão é o plano. Nós concluímos o plano. A ANA tinha um estudo elaborado pela FEA — Fundação Eliseu Alves, que já foi concluído e encaminhado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Esse estudo foi acompanhado por muitos — Estados e várias organizações —, e a discussão sobre ele está agora na alçada do Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Eventualmente, esse estudo pode ensejar algum tipo de atualização do Plano Nacional de Recursos Hídricos. Como eu disse, o estudo está hoje nas mãos do Conselho Nacional de Recursos Hídricos para avaliação.
Então, Deputada, eu convido todos os que estão nos acompanhando a também participarem das reuniões que a ANA realiza na Sala de Crise. Esses assuntos que foram levantados aqui são fundamentais, e eu vou levá-los para discussão na Sala de Crise, que eu também coordeno.
Eu acho que ações como esta vão enriquecer o relatório da Comissão, no sentido de trazermos o melhor para o Pantanal e para o País.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Joaquim. Obrigada pela precisão no uso do tempo.
Nós vamos acompanhar a Sala de Crise, que deve ser aplaudida por todos nós Parlamentares, até porque ela dará condições para que a situação não fique oculta até a próxima seca. Vamos acompanhar esse trabalho, Joaquim, e vamos aplaudir todas as decisões tomadas, com certeza.
Passo a palavra a José Renato Ribas, da ANTAQ, para as suas considerações finais, por 3 minutos.
12:12
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O SR. JOSÉ RENATO RIBAS FIALHO - Vou aproveitar, no meu encerramento, Sra. Presidente, para tecer comentários sobre alguns questionamentos feitos pela equipe técnica da Câmara e para comentar uma observação feita pela Profa. Débora sobre a segurança na navegação e no meio ambiente, ao se implantar uma navegação comercial no Tramo Norte do rio. Sem dúvida, esta é uma questão bastante polêmica, que nós tratamos com muito cuidado.
De forma geral, nós entendemos que a navegação, como modal complementar ou, em alguns casos, um modal que substitui o modal rodoviário, é ambiental e socialmente mais amigável: nós temos menos emissões de gases, menos mortes por acidentes, menos acidentes, o que gera menos mortes, menos internações e menos ruídos. No entanto, cada caso é um caso, de fato.
A ANTAQ, como agência reguladora que não elabora políticas nem faz planos para a implantação de infraestrutura, faz estudos que buscam subsidiar o País como um todo com informações relacionadas à navegação e à logística de transportes. Em função disso, este nosso estudo vem para mostrar o potencial desta hidrovia. No entanto, sem dúvida, tudo o que nós aprovamos aqui na ANTAQ relacionado, por exemplo, com a implantação de terminais só será autorizado com o devido licenciamento ambiental, conforme a Profa. Débora lembrou.
Nós acompanhamos as audiências. Nós temos uma gerência sob minha superintendência, a do meio ambiente e da sustentabilidade, em que nós estamos sempre trabalhando para que tanto os trabalhadores portuários, como os trabalhadores da navegação cumpram com os requisitos ambientais e, mais do que isso, tenham práticas inovadoras na questão ambiental. Nós estamos sempre de olho nisso. Vamos acompanhar estas audiências com o entendimento de que a navegação só vale a pena se realmente for benéfica. Assim, casos que possam oferecer risco às margens ou à vida aquática são levados em consideração. Não se trata, nestes casos, de implantar a navegação ou os terminais. Nós respeitamos e apoiamos este princípio.
Muito obrigado a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, José Renato. Fico muito feliz em ouvi-lo, especialmente sabendo que o senhor ocupa a função de superintendente. Fico feliz também pela sua posição. Eu acho que nós, como seres humanos, estamos vivendo um momento em que queremos dar passos firmes para melhorar nosso processo civilizatório, o que passa fortemente pelo entendimento de como podemos viver melhor no nosso planeta. É importante chamar a atenção para este ponto.
Nós já tivemos uma discussão com a CNBB em que ressaltamos que o Papa Francisco nos chama muito atenção para cuidarmos da nossa casa comum: a Terra, já que todos nós somos filhos desta casa comum e nela vivemos.
12:16
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Portanto, é importante ouvirmos um superintendente jovem e estudioso como o senhor. É claro que navegar é importante. Nós avançamos, no processo civilizatório, com a navegação e sabemos que, na hipótese de a navegação agredir nossa casa comum, nós precisamos repensar nossas práticas.
Eu gostei muito das suas palavras, José Renato. Nós estamos sempre estudando e pensando se, com a navegação, podemos atingir o meio ambiente. Portanto, é muito importante que tudo seja pensado e feito com cautela e com cuidado, para que o patrimônio natural da humanidade, nosso Pantanal, seja por todos nós abraçado e preservado. Digo isso porque o Pantanal também é nossa casa comum e talvez seja o grande aquário, o grande santuário da nossa casa comum. Por isso, nós não podemos destruí-lo.
Muito obrigada pela sua participação, José Renato.
Agradeço a presença do Alberto e do Maicon, representantes do INPE, instituição que nos ajuda a perceber os acontecimentos e a não errar. Se trabalharmos com o INPE, o Brasil, com certeza, dará passos seguros no cuidado necessário com nossos biomas. Se os dois quiserem dividir o tempo ou se apenas um quiser falar, o tempo é de 3 minutos para as considerações.
O SR. MAICON EIROLICO VEBER - Deputada Rosa Neide, finalizando, eu acho que foi feito um questionamento sobre os impactos na região do Pantanal nos últimos anos.
Como nós vimos no gráfico que eu mostrei inicialmente, principalmente ao longo dos últimos 10 anos, nós tivemos uma precipitação abaixo da média em boa parte da Bacia do Alto Paraguai. Alguns anos, como 2015 e 2016, foram um pouco mais críticos, com precipitações abaixo da média até na época chuvosa. Houve um pouco mais de impacto desta precipitação abaixo da média neste período.
A previsão climática indica precipitações dentro da média para os próximos 3 meses ou, relativamente, um pouco abaixo da média. Eu concordo com o que foi dito anteriormente não me lembro por quem, mas isso não significa que nós não tenhamos eventos ou que esta precipitação seja bem distribuída ao longo destes 3 meses. Nós ainda poderemos ter alguns períodos de estiagem e chuvas em alguns períodos curtos que gerem um acumulado expressivo e outros períodos de estiagem ao longo destes 3 meses. Independentemente disso, nós devemos ter um aumento gradual das chuvas a partir das próximas semanas em boa parte da região central do País.
Eu agradeço novamente o convite.
Se o Dr. Setzer deseja complementar alguma coisa, deixo a palavra com ele.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Maicon.
Vamos ouvir as considerações do Sr. Alberto Setzer.
O SR. ALBERTO SETZER - Deputada Professora Rosa Neide, mais uma vez, muito obrigado pela oportunidade. Outra vez, faço elogios à Comissão por esta iniciativa. De alguma forma, é uma satisfação contribuir para esta interação.
Eu gostaria apenas de focar dois pontos nestes últimos minutos. Um deles tem a ver com a questão levantada pelo Vicente Andreu sobre a diferença entre as médias nos extremos. Neste ano, nós estamos vivenciando um extremo climático que teve seu impacto no uso do fogo. Os extremos climáticos estão se tornando cada vez mais frequentes não só no Brasil, mas em todo o mundo. É para esses extremos que nós temos que nos adaptar ou nos preparar em termos de ações.
12:20
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Com relação às ações, eu gostaria de mencionar um ponto que acho que poucas pessoas mencionaram. Nós temos que diferenciar as unidades de conservação que existem no Pantanal do resto do Pantanal. Essas unidades de conservação deveriam ter muito mais condições de proteger o seu entorno e o seu interior do que elas mostraram que têm nessa crise. Então, acho que aí cabe um ponto de reforço muito específico. Uma coisa é proteger todo o Pantanal, o que deve ser feito, mas as unidades já definidas como áreas destinadas à proteção, sejam federais, sejam estaduais, sejam terras indígenas, merecem uma consideração especial.
E, por último, quero lembrar que o que nós estamos querendo não é nada exagerado. Existe no País legislação nacional, ou seja, federal, estadual e muitas vezes municipal proibindo ou controlando o uso do fogo. Neste ano mesmo, tivemos um decreto presidencial que proibiu em todo o País o uso do fogo. Mas essa legislação é simplesmente ignorada.
Então, não se trata aqui de um bando de desvairados que querem só abraçar árvores. Todos nós temos formação técnica, temos um entendimento amplo, mais a longo prazo, do Pantanal. Queremos apenas que a legislação, que foi uma decisão constitucional de todo o País, seja implementada. É apenas isso.
Muito obrigado, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - A Comissão agradece ao INPE a contribuição.
Com certeza, a nossa Comissão vai falar muito com o INPE e vai se ater muito às informações do instituto, para que possamos continuar o nosso trabalho.
Muito obrigada.
Passo a palavra para a Dra. Áurea, Diretora-Geral da Mulheres em Ação no Pantanal — MUPAN, para suas considerações finais, por 3 minutos.
A SRA. ÁUREA DA SILVA GARCIA - Obrigada, Deputada Professora Rosa Neide.
Diante das constatações em termos científicos e técnicos e da importância dessa base científica que temos em relação ao Pantanal — o Brasil, em geral, tem uma boa base científica, tem especialistas que trabalham e geram esses conhecimentos —, o grande detalhe, como já foi falado anteriormente, é que nós, como sociedade civil, estamos enfrentando o desmonte dos espaços de participação, dos espaços de controle social, ao longo dos anos. Esses espaços, com o próprio CONAMA, foram criados na época da transição da ditadura. Esses espaços de participação estão sendo desmontados. A sociedade civil está perdendo essa voz e esses espaços.
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Precisamos olhar para as diferentes problemáticas, para os diversos atores — Governo, setor público, sociedade civil —, para a participação das comunidades tradicionais e indígenas, para as pessoas que estão e que vivem no território.
Chamo a atenção para o que a Débora e o Vicente mencionaram sobre o Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Rio Paraguai, que foi construído com a participação dos diferentes atores em uma base que traz informações importantes para essa gestão da bacia, observando os diferentes usos.
Com a dificuldade na implementação desses instrumentos construídos, com o desmonte das políticas públicas, com o desmonte desses espaços, está ficando cada vez mais difícil ter uma perspectiva de que se incorporem os diferentes atores, porque há diferentes forças. Os representantes da sociedade civil e das comunidades estão cada vez mais distantes desses espaços. O contexto do Pantanal nesse corredor do Sistema Paraguai-Paraná de Áreas Úmidas é de extrema importância.
Então, olhar tão somente para a planície pantaneira não vai ser suficiente. Precisamos ter cuidado com a integração entre planalto, planície e os diversos biomas. Precisamos ter, num mesmo espaço de discussão, os diferentes atores e observar as especificidades.
Agradeço o convite e espero que essas várias reuniões e esses vários especialistas possam contribuir para que realmente o Parlamento olhe para a situação emblemática que estamos vivendo no Pantanal.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Nós da Comissão agradecemos à Dra. Áurea.
Eu quero dizer, Dra. Áurea, que vivo aqui em Mato Grosso no planalto pantaneiro, na nascente do Rio Paraguai, e sei perfeitamente o que a senhora está dizendo. As águas nascem no planalto e correm para a planície. Se não olharmos isso como um todo e se pensarmos que podemos desmatar e plantar no planalto, achando que essa região não tem nada a ver com a planície, estaremos destruindo mesmo. A contribuição da senhora é muito relevante para essa questão.
Neste momento, passo a palavra por 3 minutos ao Sr. Rubem Mauro, a quem agradeço muito a presença. O Sr. Rubem representa o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Cuiabá e, com sua experiência, contribuiu muito para esta Comissão.
Para as suas considerações, passo a palavra ao Dr. Rubem.
O SR. RUBEM MAURO - Muito obrigado, Deputada Professora Rosa Neide. Tenho quase certeza de que o Parlamento vai lutar pela causa do homem pantaneiro.
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Eu quero aproveitar esses 3 minutos para reforçar aquilo que eu disse e também contestar o Deputado Ivan Valente quanto ao "boi bombeiro". Não é que o "boi bombeiro" vai acabar com o fogo, mas, se o boi estiver presente no Pantanal e se alimentar das gramíneas que por lá existem, no período de seca haverá menos matéria seca e, com certeza, teremos incêndios menores.
Esses incêndios aconteceram não em consequência de fogo espontâneo. Alguém ateou esse fogo. Isso já foi provado por diversas maneiras. A Polícia Federal está aí e sabe como tudo aconteceu: o pessoal que estava pegando mel; um carro que capotou e pegou fogo; o índio que, na sua prática de caça, ateou fogo na vegetação, e assim por diante.
Mas eu quero aproveitar este tempo para solicitar a valorização do homem pantaneiro. Diferentemente do que foi dito, de que no Pantanal já há muito boi, no Pantanal aqui de Mato Grosso há menos, muito menos, gado do que já houve, principalmente nas regiões de Poconé e de São Lourenço. E por que não há muito gado? Porque não há incentivos.
Aqui no Estado de Mato Grosso é muito difícil a SEMA, como eu já disse anteriormente, conceder uma autorização. Para que você possa limpar uma pastagem, ela exige um plano do tamanho do mundo, para dizer, 5 anos depois, que não pode fazê-lo. O pantaneiro sempre viveu assim. O fogo é algo que sempre se praticou.
Mas, Deputada, nós precisamos de recursos. O homem pantaneiro precisa de recursos para que a sua propriedade seja de novo valorizada. Ele precisa de recursos subsidiados e com prazo de carência grande, para que possa comprar máquinas e equipamentos agrícolas, assim como matrizes para repovoar o Pantanal. Assim, o homem pantaneiro terá novamente dignidade.
Por enquanto é isso. Estarei sempre aqui à disposição.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Dr. Rubem. Como eu disse, nós vamos conversar aqui em Mato Grosso. O senhor é testemunha de que a economia se move mediante condições de lucro. Quando se percebeu que criar gado no Pantanal, às vezes, não é tão lucrativo, passou-se a criar gado em outros lugares. E o Governo resolveu não incentivar também essa atividade, como o senhor mesmo está dizendo. Nós temos que realmente avaliar, olhar o que é bom para o Pantanal e estudar. Esta Casa de Leis tem que realmente fazer o papel dela, orientando, inclusive, com projetos e com proposições.
Estaremos juntos nessas discussões aqui no Estado de Mato Grosso, para darmos resposta ao País. Muito obrigada ao senhor pela participação.
Para suas considerações e seus cumprimentos, eu passo a palavra à Dra. Débora Calheiros.
A SRA. DÉBORA CALHEIROS - Sra. Presidente, Deputada Professora Rosa Neide, eu volto a agradecer à V.Exa.
Esta Comissão Externa é importantíssima em relação à discussão dessa verdadeira catástrofe que está acontecendo no bioma, fruto de omissões e do despreparo de diversas esferas dos Governos Federal e Estaduais, além do atraso na resposta para a tomada de uma verdadeira ação efetiva, a fim de coibir e evitar essa tragédia.
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Eu destaco a importância da pesquisa científica das universidades federais e estaduais de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul e da EMBRAPA Pantanal, que serviram de base para várias apresentações que fizemos aqui.
Agradeço à Agência Nacional de Águas com relação à condução dos trabalhos do Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Rio Paraguai, que foi obtido na gestão do colega Vicente Andreu.
Saliento aqui a importância da inter-relação entre os biomas. O Cerrado e a Amazônia também estão sendo impactados enormemente por esses incêndios. O Cerrado é a caixa d'água, o grande supridor de água para várias bacias no País. A Amazônia, com seus rios voadores, é importantíssima para a geração de umidade e deslocamento dessa umidade para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do País. O Pantanal precisa da umidade que vem principalmente da Amazônia. A contribuição da umidade da Amazônia para a precipitação pluviométrica nessa região é importantíssima.
Mostro aqui a interligação desses biomas com a questão que a senhora coloca nesta casa comum.
É irresponsabilidade do agronegócio colocar em risco a conservação desses biomas. É um tiro no pé que eu não consigo entender. É uma negação da ciência. E é uma negação das importantes contribuições, como a senhora falou, do INPE e de outras instituições do País.
A região do Pantanal precisa ser preservada, como a colega Áurea colocou, principalmente para a conservação do modo de vida e da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais da região, e de toda a economia. Como eu mencionei, a pesca tradicional e a pesca turística são importantíssimas para a economia da região.
A pecuária tradicional, eu concordo com o colega Rubem, tem a tradição como base. O desmatamento, a supressão de gramíneas nativas e a entrada de fogo acontecem por parte de pessoas que, imagino, não têm o Pantanal no coração, como nós e a Professora Rosa Neide — uma pantaneira — temos.
Então, eu agradeço a oportunidade e me coloco à disposição.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Dra. Débora Calheiros. Que bom que a senhora se referiu a nós pantaneiros e pantaneiras. O Prefeito de Poconé, a primeira cidade de Mato Grosso, na entrada do Pantanal, disse na última reunião: "Todos nós somos pantaneiros". Pantaneiro não é só quem nasce aqui no Pantanal; pantaneiro é quem ama o Pantanal.
Para finalizar a audiência de hoje, eu convido o Sr. Vicente Andreu, que foi chamado aqui de professor, denominação da qual gostei muito, porque realmente todos deram boas aulas hoje.
Eu passo a palavra ao Sr. Vicente Andreu Guillo, para suas considerações finais. Em seguida, concluiremos a nossa reunião.
O SR. VICENTE ANDREU GUILLO - Muito obrigado. A minha esposa é professora, mas eu não tenho essa capacidade. Essa é, sem dúvida nenhuma, uma das profissões mais nobres da civilização.
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Vou fazer alguns comentários bem rápidos, ainda aproveitando a natureza desta Comissão.
Primeiro, vou dialogar com o Joaquim, com o representante do INPE, e com a própria Débora. Se nós olharmos aquele gráfico que ela apresentou e que dá uma tendência média na curva, vemos que essa curva tem três períodos claros: um período longo antes de 60, um período por cerca de 60, em baixo, e depois um acréscimo após aquele período seco. Observando a tendência da curva após o período de 1960 — sou estatístico de formação —, vemos que ela é descendente.
Então, houve um período de crescimento no começo do século, mas hoje estamos vivendo, no curto prazo, um período de redução das vazões — não sei se se trata de vazão ou chuva, mas acredito que seja vazão — medidas no Pantanal.
Eu queria deixar mais duas contribuições, Deputada, parabenizando V.Exa. pela realização deste evento.
Quando nós trabalhamos com a organização da sociedade civil, muitas atribuições podem ser assumidas por organismos da própria sociedade, como conselhos e tudo mais. Ao que nós estamos assistindo, infelizmente, é ao desmonte desses conselhos, que estão passando a ser homologatórios da posição do Governo Federal.
Penso que, nesse contexto, o papel do Congresso deve alcançar outra dimensão, superior a de um período em que, estando a sociedade organizada, possamos deixar que ela assuma essas responsabilidades. Agora, se está desmontando a participação social, creio que o Congresso tem legitimidade e obrigação de cumprir esse papel.
Vamos à primeira contribuição, muito rapidamente — como este é um fórum de especialistas, não preciso me ater muito a isso.
Todos nós sabemos que os rios têm enquadramento em classes de qualidade. Então, existe a classe especial, a dos rios de uso dito mais exigente por serem rios muito preservados, e existe a classe 4, que é a dos rios muito ou mesmo totalmente poluídos. Diz a legislação brasileira que, na ausência de enquadramento, que é feito pelo Comitê de bacias Hidrográficas, os rios são considerados de classe 2. Serem classificados como 2, na minha opinião, permite aos rios existentes no Pantanal uma piora significativa de sua qualidade atual, pelo menos no caso de boa parte deles. Digo isso porque, se o chamado default, na ausência de enquadramento, é a classe 2, ocorre o seguinte: vou fazer um empreendimento, olho para o rio e vejo que ele está em condição natural, o enquadramento não existe, logo o rio é classe 2, e eu posso poluir esse rio.
Eu sugeriria que o Congresso, por meio desta Comissão, assumisse que, na ausência de enquadramento, o rio seja considerado de classe 1. O impacto disso para a preservação da qualidade dos rios brasileiros seria tremendo. O que poderia ter sido poluído em certa medida já foi. Nossa obrigação agora é a de preservar, conservar. Essa é minha primeira sugestão.
A segunda é derivada da fala do colega da ANTAQ sobre as externalidades. O setor elétrico trabalha muito dessa forma, como eu aprendi com a Débora. O setor elétrico e o setor de transportes trabalham assim: "Eu tenho o meu planejamento e só depois eu vou olhar para as externalidades. O que afeta o meu planejamento ou o que o meu planejamento afeta são coisas externas ao meu planejamento".
Na minha opinião, nós precisamos fazer com que o setor elétrico e o setor de navegação não tenham externalidades, ou seja, que as chamadas externalidades estejam contidas no planejamento. Esses fatores não podem ser considerados coisas que se pode ou não mitigar com base no interesse de um planejamento. O meu planejamento tem que considerar as condições naturais e sociais existentes na bacia hidrográfica.
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Então, eu penso que nós precisamos trabalhar também na direção de que o setor elétrico, em particular, e o setor de navegação trabalhem no sentido de que as chamadas externalidades sejam incorporadas a seu planejamento estratégico, e não deixadas para serem avaliadas em etapa posterior. Não dá para considerar o que é bom para o setor deixando para cuidar do impacto causado depois. É preciso fazer o planejamento já considerando as condições naturais.
Bem, são essas as duas sugestões que deixo.
Agradeço demais a oportunidade, o convite. Foi um prazer reencontrar pessoas altamente qualificadas — convivi com várias delas durante alguns anos.
Creio que o trabalho desta Comissão é altamente relevante para o Pantanal e vai servir como exemplo para várias outras bacias brasileiras que estão passando também por esse sério processo de esquecimento, de regressão, de depressão das suas atividades — inclusive de atividades econômicas.
Parabéns, Deputada, pela inciativa e também pelo Dia dos Professores.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Agradeço, Vicente, a sua participação. Acho que você concluiu muito bem nossa audiência de hoje.
Esta Comissão ouve a todos, mas escuta especialmente os especialistas, para que não transitemos em nenhum momento por algum conceito que negue a ciência. Nós queremos a ciência como um ancoradouro de todas as informações, assim como o conhecimento histórico acumulado pelas pessoas que vivem no Pantanal — indígenas, quilombolas, ribeirinhos, fazendeiros.
Hoje, todos da área da indústria serão ouvidos, inclusive eu pessoalmente os ouvirei neste fim de semana — eles nos chamaram para falar novamente. É muito bom ver todas as pessoas abraçando a causa do Pantanal.
Esta Comissão vai continuar debruçada sobre esta questão para entender a atual situação e para exigir do Governo realmente o que é o papel do Governo. Nós vivemos num país federativo, e não me canso de dizer que este Governo, infelizmente, não está percebendo... O Governo se disse responsável por 4% ou por 10%, como se houvesse um fogo municipal, um fogo estadual e um fogo federal, e cada ente federativo que combata o que queima em seu pedaço. Ora, são a integração e as responsabilidades articuladas que irão fazer com que nós salvemos o que resta, repovoemos o que for necessário e demos os passos para termos um país melhor, no qual estejam todos e todas conforme o desejo da Nação brasileira.
O papel do Parlamento, como foi aqui orientado, Vicente, é fundamental. Quando a sociedade civil está organizada e ocupando seu espaço no anúncio e na denúncia, o Parlamento talvez possa ficar mais contido. Mas não neste momento. E o Parlamento demonstrou estar ciente do seu papel quando aprovou leis como o auxílio emergencial para a população, quando aprovou o "orçamento de guerra" para combater a COVID. Eu acho que o Parlamento tem demonstrado, neste momento difícil, que resguarda a Constituição brasileira, o modelo republicano e a relação federativa, e vamos continuar a avançar nessa questão.
Para continuar homenageando os professores e as professoras no dia de hoje, evoco novamente o Prof. Paulo Freire, Patrono muito digno da educação brasileira: "Ai daqueles que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de exploração e de rotina".
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Paulo Freire nos chama a refletir. Nós devemos olhar o passado, devemos olhar o presente, mas devemos fortemente conjecturar o futuro. Isso faremos a muitas mãos, faremos com muitas ideias, faremos na relação democrática que esta Comissão suprapartidária estabelece.
Informo que a data da próxima reunião técnica será comunicada na próxima semana.
Obrigada a todos e todas.
Nada mais havendo a tratar nesta produtiva manhã, declaro encerrada a presente reunião.
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