Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Srs. Deputados e assessores que compõem esta Comissão e assessores dos gabinetes parlamentares que estão trabalhando e auxiliando no dia a dia dos trabalhos da Comissão, declaro aberta a 8ª Reunião Técnica da Comissão Externa destinada a acompanhar e promover estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros.
Esta reunião está sendo transmitida pela Internet, e os cidadãos podem participar conosco por e-mail e pelo e-Democracia.
Solicitamos a todos os participantes que mantenham os microfones fechados. Os Deputados e palestrantes abrirão seus microfones durante as respectivas falas. Às vezes, temos dificuldades com alguma intercorrência quando os microfones ficam abertos.
Esta 8ª Reunião Técnica, cujo tema é Organismos eclesiásticos, pastorais e direitos humanos, tem como objetivo ouvir representações importantes da sociedade que atuam diretamente nas comunidades.
Estão conosco, pelo Zoom, os seguintes convidados: Dom Juventino Kestering, representante da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga; Pe. Marco Antônio Ribeiro, representante da Diocese de Corumbá; Sra. Valéria Pereira Santos, representante da Comissão Pastoral da Terra — CPT; Sr. Paulo Roberto Martins Maldos, representante da Comissão Brasileira Justiça e Paz — CBJP; Sr. Luiz Augusto Passos, representante do Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação — GPMSE, da Universidade Federal de Mato Grosso; e Pr. Teobaldo Witter, representante do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil — CONIC.
Às vezes, as pessoas questionam por que essa discussão sobre a defesa dos biomas. O nosso objetivo aqui é ouvir entidades que têm prestado um trabalho à nossa comunidade, especialmente na formação de lideranças comunitárias e na responsabilidade dos cuidados com o planeta, e que, de forma direta e indireta, ajudam na educação da nossa sociedade para a preservação da vida.
Eu gostaria de fazer uma breve referência à Laudato Si, encíclica do Papa Francisco em que importantes críticas ao nosso modelo de preservação são tecidas e um caminho para mudança é traçado, tratando inclusive Sobre o cuidado da casa comum. Nessa carta, o Papa faz o seguinte apelo:
O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona, nunca recua no seu projeto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado. A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum. Desejo agradecer, encorajar e manifestar apreço a quantos, nos mais variados setores da atividade humana, estão a trabalhar para garantir a proteção da casa que partilhamos.
Esta casa que partilhamos tem fortemente a presença dos nossos biomas, os quais, interligados entre si, garantem a vida, o equilíbrio do clima e de situações graves como a que passamos neste momento.
Aqui, cristãos ou não cristãos, nós somos seres humanos na busca de que a vida possa ser mais partilhada. É preciso que não tenhamos dúvida de que partilhamos uma casa comum, como nos orienta o Papa Francisco e muitos outros Papas em tantas contribuições. Ainda enriquecem o pensamento da Igreja algumas contribuições e reflexões de inúmeros cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais.
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Mas não podemos ignorar que, também fora da Igreja Católica, noutras Igrejas e Comunidades cristãs — como as que estão aqui representadas —, bem como noutras religiões, se tem desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa sobre estes temas que a todos nos estão a peito. Apenas para dar um exemplo particularmente significativo, quero retomar brevemente parte da contribuição do amado Patriarca Ecumênico Bartolomeu, com quem partilhamos a esperança da plena comunhão eclesial.
O Patriarca Bartolomeu tem-se referido particularmente à necessidade de cada um se arrepender do próprio modo de maltratar o planeta, porque "todos, na medida em que causamos pequenos danos ecológicos", somos chamados a reconhecer "a nossa contribuição — pequena ou grande — para a desfiguração e destruição do ambiente".
Sobre este ponto, ele pronunciou-se repetidamente, de maneira firme e encorajadora, convidando-nos a reconhecer os pecados contra a criação: "Quando os seres humanos destroem a biodiversidade na criação de Deus; quando os seres humanos comprometem a integridade da terra e contribuem para a mudança climática, desnudando a terra das suas florestas naturais ou destruindo as suas zonas úmidas; quando os seres humanos contaminam as águas, o solo, o ar... tudo isso é pecado". Porque "um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus".
Feita essa referência de caráter geral, informo que, após a fala dos convidados, passaremos a palavra aos Deputados inscritos, para eles fazerem as suas considerações. Assim, os Deputados que desejarem falar devem levantar a mão.
Ainda nesta abertura, ao reconhecer a importância de reunir e escutar os mais diversos setores da sociedade, neles incluídos os eclesiásticos, os pastorais e os de direitos humanos — sem prejuízo da organização da fala dos nossos convidados —, colocamos uma questão geral para que todos possam refletir.
Somos testemunhas da caminhada que algumas Igrejas fazem em defesa de uma ecologia integral que reconcilie o ser humano com a natureza e consigo mesmo. À luz dessa experiência e comprometida com a vida, eu indagaria a todos nós: quais são as medidas necessárias para enfrentarmos as causas imediatas e também as mais estruturais, que geram uma situação de devastação dos biomas, em especial, neste momento, o Pantanal?
Sou Deputada do Estado de Mato Grosso e tenho a honra de estar nesta Comissão com o Deputado Dr. Leonardo, também de Mato Grosso, e o Deputado Vander Loubet, de Mato Grosso do Sul,
que estão diretamente vivendo neste bioma, além dos demais Deputados que se debruçaram e acolheram o chamamento pela criação da Comissão Externa.
Aos convidados de hoje, quero dizer que nós já ouvimos as universidades e os pesquisadores da EMBRAPA e do INPE. Ouvimos os povos que vivem no Pantanal, as comunidades ribeirinhas, os remanescentes de quilombolas e os povos originários que vivem tanto em Mato Grosso quanto em Mato Grosso do Sul. Ouvimos os donos de fazendas e os representantes do turismo. Ouvimos as diversas autoridades que representam as ONGs que estão trabalhando diretamente no enfrentamento do fogo e contribuindo para que o incêndio diminua e os animais sejam salvos. Ouvimos os representantes de sindicatos que atuam diretamente no Pantanal. Ouvimos os Ministérios e órgãos de governo que têm a responsabilidade do planejamento dessa questão do bioma, como o Ministério da Defesa, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Justiça, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul.
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Senhora e senhores convidados, ouvi-los hoje é de fundamental importância. Acreditamos numa sociedade que possa tomar a iniciativa de mudar conceitos com relação à preocupação demonstrada, no mundo inteiro, pelo Papa sobre o cuidado com a casa comum, de nos entendermos como irmãos, seres humanos fraternalmente vivendo na mesma casa. Neste momento, todos nós nos sentimos responsáveis pelas chamas que consomem o Bioma Pantanal, o qual é o foco, neste momento, desta Comissão. Animais, vegetais e humanos estão sofrendo fortemente pelas atitudes tomadas historicamente e que têm um desfecho trágico neste momento.
Agradeço a todos os senhores e senhoras que ouviram o nosso convite e se colocaram à disposição para estar conosco e dar essa grande contribuição para esse nosso bioma de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e parte da Bolívia e do Paraguai. Nós desta Comissão temos o dever e a obrigação pública, como Deputados e Deputadas, de prestar contas à sociedade sobre todo o trabalho que estamos fazendo e recebendo de todos vocês.
Também quero registrar a presença do Deputado Célio Moura, do Tocantins, do Deputado Merlong Solano, do Piauí, e dos demais Deputados que já estão aqui na nossa reunião.
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Eu vou dar uma simples contribuição de quem não é de Mato Grosso, mas há 22 anos chegou a Mato Grosso e está na Diocese de Rondonópolis-Guiratinga, que engloba parte do Pantanal. O meu conhecimento não é científico, mas a minha participação é de quem vive essa realidade.
Primeiramente, a nossa região de Rondonópolis e Guiratinga é permeada pelo Cerrado e pela entrada do Pantanal. Nós temos parte do Pantanal, mas temos mais a entrada do Pantanal, que tem uma importância muito grande, porque é onde estão as nascentes do Rio Vermelho, do Rio São Lourenço e do Rio Itiquira, rios fundamentais que abastecem o Pantanal ao lado do Rio Cuiabá e do Rio Paraguai.
Depois, mais para o sul, outros rios vão entrando no Pantanal. Mas, na nossa região, é o Rio Vermelho, o Rio São Lourenço e o Rio Itiquira. Basta dizer que os três rios estão praticamente secos. Então, isso já causa um impacto muito grande.
Há aqueles que fazem análises de que, se não houver algumas ações mais concretas em relação à água, dentro de 20 anos, 30 anos, esses rios se tornarão pequenos riachos, que vão passar num cano de PVC na época da estiagem. Essa é uma realidade.
Estou há 22 anos residindo nesta região. O que vejo entre o dia que cheguei, em 1998, e hoje, em 2020? Vejo três aspectos que me preocupam: primeiro, a destruição do Bioma Pantanal e também do Cerrado; segundo, a ausência de cheias. Conforme o pantaneiro, o Pantanal necessita de água, necessita de rios cheios. Faz muitos anos que os nossos Rios Vermelho, São Lourenço e Itiquira não tiveram mais enchentes. Eles têm certa vazão na época da chuva, mas não chegamos a qualificar como enchentes que vão dar vazão às águas do Pantanal. E terceiro, o aumento das queimadas.
Quando ando pelo interior do Pantanal, atendendo às comunidades, vou a lugares onde as pessoas dizem: "Aqui já foi uma grande lagoa, e não tem mais nada". "Aqui não se passava com carro. Era só a água. Hoje não tem mais nada." "Ainda existiam remanescentes de pontes de 2 metros de altura, pontes de 100 metros. Hoje não tem mais nada, porque não há mais água." Então, essa é uma realidade.
Enquanto eu estava olhando e me preparando um pouco, fiquei me perguntando: o que eu sugiro como medidas? Qual é o meu olhar sobre o Pantanal? E me refiro não só a este momento, em que há uma catástrofe. As nossas aldeias indígenas estão no Pantanal: Piebaga, Perigara, Córrego Grande e Tadarimana. Todas elas foram atingidas pelo fogo e todas elas sentem a ausência da água.
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A primeira seria um plano de salvamento do Pantanal, um plano que tem que integrar as esferas federal, estadual, municipal, as universidades, que fazem suas pesquisas, seus estudos, e conscientizar a população, tanto a residente do Pantanal quanto a não residente que está nas cabeceiras dos rios, cujas águas vão para o Pantanal. Tem que ser um plano de salvamento, um plano macro, um plano que exige passos concretos e principalmente investimento humano, investimento em equipamento e investimento em pessoal.
A segunda creio que seria uma atitude que o ser humano precisa cultivar dentro de si. Nós estamos na ânsia de um progresso. O Mato Grosso realmente é um Estado rico, mas as matas, as florestas foram derrubadas. A riqueza vem com sacrifício, com o sacrifício das águas, das nascentes, do Cerrado, da Floresta Amazônica. Então, é preciso ter um plano de cuidado da casa comum. A população que ocupa, seja cabeceiras, seja a Região Amazônica, seja o Pantanal, precisa ter uma consciência. As pessoas precisam ter posturas novas de vida do cuidado da casa comum. A ecologia, a fauna, a flora, o clima precisam ser cuidados. Nós não podemos brincar com o Pantanal, nós não podemos fazer de conta que é apenas uma seca eventual, e não é! O Pantanal está nesta situação por interferência do ser humano e mau uso do ser humano. Precisa do progresso? Sim, mas de um progresso equilibrado que leve em consideração fauna, flora, clima, ecologia, pessoa.
A terceira medida. Penso que é preciso planos de prevenção. Isso está um pouco ligado com o primeiro, o plano de salvamento do Pantanal, mas me refiro a um plano de prevenção. É preciso prevenir. Agora está queimando, praticamente já queimou tudo. Queimou por quê? Claro, este ano houve uma estiagem maior, um calor maior, mas a grande causa é a falta de planejamento e prevenção. O planejamento deveria ter acontecido não agora, agosto, setembro; deveria ter acontecido em dezembro, janeiro, fevereiro, março. Deveria ter havido um plano de ação para preservar o Pantanal, um plano integrado nacional, que integrasse as esferas federal, estadual, municipal e os que moram, residem no Pantanal.
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Eu caminho pelo Pantanal fazendo atendimento religioso e vejo o quanto há de lata, de lixo, de coisas jogadas à beira das estradas, à beira dos rios, e nos ranchos. É preciso haver certo controle. O que pode entrar no Pantanal? O que se pode levar para o Pantanal? Onde se deve jogar o lixo? Deve haver um plano de recolhimento, um plano de conscientização de que quem leva lata ou outro lixo tem que trazer esse lixo de volta. Então, isso é necessário para o Pantanal.
Finalmente, é necessária uma brigada permanente de cuidado do Pantanal, uma brigada especializada do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar, nesse nível, e que tenha equipamentos, helicópteros, aviões. Isso é necessário, além de uma brigada permanente de treinamento da população que reside no Pantanal.
Nas aldeias, por exemplo, os índios estavam apagando o fogo com palha de folhagem. Não tinham nenhum equipamento. Mais tarde, o Corpo de Bombeiros chegou e trouxe alguns equipamentos, mas antes o equipamento deles era folhagem de coqueirais, sem um calçado, sem uma máscara. Tudo isso é falta de uma brigada permanente.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Dom Juventino. O senhor, com sua sabedoria e seu conhecimento de causa, nos traz importantes orientações. Esta Comissão precisa ouvir pessoas como o senhor, que conhecem o Pantanal e têm trabalhos maravilhosos feitos pela consciência de nossa sociedade.
Cumprimento a todos em nome da Deputada Professora Rosa Neide. Parabenizo-os também por esta iniciativa da Comissão Externa em defesa dos biomas, que é muito importante.
Quero agradecer também pela oportunidade de fala enquanto Comissão Pastoral da Terra. Cumprimento também os palestrantes, em nome do Pr. Teobaldo, e os demais Deputados e técnicos.
Quero dizer que nós da Comissão Pastoral da Terra nos encontramos muito preocupados com essa situação que vive o Brasil. O Brasil todo está em chamas e, em especial, o Pantanal — esse nosso bioma tão pequeno, tão valoroso para o nosso País, para a nossa Nação, e tão destruído nesses tempos.
A situação é muito crítica, é muito preocupante. Nós da Pastoral da Terra entendemos que é preciso combater as causas desses crimes. Entendemos que essas queimadas não são desastres naturais. São crimes ambientais e crimes que têm um objetivo.
São queimadas que estão muito relacionadas com toda essa cadeia de grilagem de terras e do desmatamento. As pesquisas, os inquéritos apontam para isso. É uma situação de ataque direto às populações de territórios tradicionais, dos povos indígenas.
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Olhamos, com muita preocupação, para o modo de vida dessas populações do campo, que estão sofrendo este impacto direto das queimadas, do desmatamento e da grilagem de terras. Como o Dom Juventino já colocou, o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia vêm passando por um processo de destruição acelerado.
Com a seca dos rios, com o aquecimento nos últimos tempos, já sentimos, percebemos, principalmente quem está em Brasília, na região do Cerrado, a alta temperatura. Isso não atinge somente o povo que está no campo ou nas florestas, que estão sendo queimadas, mas também a população em geral. Estamos sentindo o ar pesado, dificuldade de respirar, dificuldade de viver. Há o alerta de risco para a vida humana. Isso é muito grave! É muito grave porque me parece que estamos num plano de autodestruição, porque não é só o Pantanal que está queimando, mas o Brasil todo.
É preciso olharmos quem está por trás dessas queimadas. O Dom Juventino já mencionou e trouxe muitos elementos: a grilagem de terra, o avanço das monoculturas, os grandes projetos que avançam nas fronteiras agrícolas têm causado a autodestruição de fontes de água, de campos e de florestas. O Cerrado está sendo tomado pelas monoculturas de forma desenfreada. Infelizmente, a boiada está passando, destruindo, causando danos irreversíveis ao modo de vida não só das populações no campo mas também da população em geral.
Nós, Comissão Pastoral da Terra, olhamos com preocupação para esse discurso que o Governo faz e alguns setores também do agronegócio no sentido de naturalizar essa destruição, as queimadas, cuja causa — nós bem sabemos e está bem comprovada — não é natural. Ocorrem por causa do avanço da produção agrícola desenfreado, sem controle e de forma também bastante irresponsável.
Dados da Comissão Pastoral da Terra, como do Conselho Indigenista Missionário, têm mostrado o quanto é crescente também a violência no campo contra as comunidades. Vemos o quanto andam juntas e estão relacionadas a grilagem, o desmatamento e as queimadas, que não ocorrem somente agora neste período de seca, mas no ano todo.
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Então, nós precisamos combater as queimadas, mas combatendo as causas, e não só olhar para as consequências. E é preciso entender que essa destruição tem um impacto a longo prazo. Toda a população está sentindo. Ou buscamos articular ações, não somente por bioma, mas ações de conscientização, de combate e de reconhecimento dessas causas, ou vamos chegar a um caos total. E já estamos vivendo um caos: estamos em meio a uma pandemia, em que as pessoas precisariam estar cuidando da sua saúde e do ar que respiram, e elas têm que tentar salvar suas vidas contra os fogos, contra os incêndios. É importante olhar para isso.
Outra coisa é que encontramos a população do campo extremamente ameaçada. E o fogo também tem sido usado como arma contra essas comunidades, como arma para expulsar povos indígenas dos seus territórios, para expulsar populações do campo, enquanto temos diversas comunidades com processos de regularização fundiária parados. Estão no INCRA 180 áreas que poderiam ser desapropriadas e regularizadas para as populações viverem com condição de vida e enfrentar todo esse momento tão difícil. Não, essas áreas estão em disputa, e as casas da comunidade estão sendo queimadas, as roças da comunidade estão sendo destruídas com fogo.
(Segue-se exibição de imagens.)
Essa é a Comunidade Cocalinho, no Maranhão, um exemplo que também representa diversas comunidades do Pantanal.
A Comunidade Cocalinho é um quilombo centenário que tem enfrentado diversos ataques de queimada, uma comunidade que enfrenta a grilagem e o desmatamento, seguido de diversos incêndios.
A população precisa enfrentar as queimadas por si mesma, sem nenhum equipamento. Suas roças foram queimadas e destruídas completamente: roças de mandioca, plantios de caju. Os preparos de roça estão inviabilizados para o próximo plantio. O desmatamento crescente está ilhando a comunidade e deixando o ar irrespirável. Além disso, as pessoas têm medo, dia e noite, de suas casas serem queimadas.
A comunidade tem que enfrentar, assim como diversos pantaneiros, esses incêndios, sem nenhum apoio público no combate a essas queimadas, a esses incêndios. E esses incêndios tiram todas as condições de sobrevivência. Como essas pessoas vão sobreviver nos próximos meses e anos, se toda a biodiversidade local está sendo destruída? Elas vivem dos frutos do Cerrado, do Pantanal, da Amazônia, e esses frutos estão sendo destruídos. Leva-se muito tempo para recuperar e muitos nem vão ser recuperados.
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Gostaria de registrar que a população do campo, que as comunidades tradicionais desses povos estão sob ameaça, estão sob ataques com essas queimadas, que têm uma causa. Precisamos combater essa causa, assim como a grilagem de terra, e parar de anistiar os crimes ambientais. É preciso agir de forma articulada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Valéria. A sua contribuição é sumamente importante. Esta Comissão também vai se debruçar sobre essa questão dessas comunidades que estão aguardando suas áreas, seus espaços, porque, quando a terra é cuidada pelos pequenos, garante-se que não haja destruição. Então, esta Comissão vai ter esse cuidado. Agradeço muito o seu depoimento, que enriquecerá os nossos trabalhos.
Convido, neste momento, o Pe. Marco Antônio Ribeiro, representante da diocese de Corumbá. Essa é uma área extremamente pantaneira. O padre está aqui, com seu conhecimento, representando essa comunidade, que continua sofrendo com os incêndios. Tanto o Mato Grosso do Sul quanto o Mato Grosso estão em chamas. Queremos, portanto, ouvir o padre, que vem trazer também sua contribuição a esta Comissão Externa.
O SR. MARCO ANTÔNIO ALVES RIBEIRO - Querida Deputada — e professora — Rosa Neide, demais membros desta Casa e demais companheiros e companheiras de fala, muito obrigado pela oportunidade.
Eu sou o Pe. Marco Antônio, da Congregação dos Missionários Escalabrinianos. Já trabalhei em vários lugares do País, inclusive em Brasília. Há 6 anos estou em Corumbá para trabalhar com o fluxo migratório aqui da fronteira. A partir deste trabalho, estou responsável, no momento, por articular as pastorais sociais do Regional da CNBB, que compreende as sete dioceses do Mato Grosso do Sul. Então, eu devo acompanhar a articulação dessas pastorais que trabalham no campo social em nível de Estado. Obviamente, pela diocese, estou aqui a convite, que foi repassado a Dom João Aparecido Bergamasco, que no momento não pôde respondê-lo. Portanto, estou aqui como representante, como aquele que acompanha um pouquinho o trabalho no Estado. Não estou lá diretamente apagando fogo, mas vejo os diálogos e acompanho de perto algumas realidades aqui do nosso Pantanal.
(Segue-se exibição de imagens.)
Dom Juventino falou sobre a conscientização das pessoas que moram no Pantanal Norte, na Região Centro-Oeste.
Isso é muito importante. Ocorre que esse problema que está atingindo o Pantanal não vem do Pantanal. O nosso sofrimento no Pantanal, em 2019 e 2020, vem de uma região bem distante, vem da Amazônia. E nós temos aqui na tela a foto de satélite com parte de nuvem, parte de fumaça, e todos os pontinhos de focos de queimada em todo o Brasil, estendendo-se para outras regiões e outros países.
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Essa realidade que estamos vivendo tende a piorar se não for tomada uma posição global, porque é a ação do país, dentro de todas as medidas de controle e de combate, em relação à questão da biodiversidade e do aquecimento global, que influencia o que estamos passando aqui na maior área alagada do mundo, que também interferirá no Aquífero Guarani. Aqui nós estamos em cima da esponja que o abastece.
O que nós estamos vivendo aqui no Pantanal vem do resultado dos rios voadores. E aqui nós temos as duas imagens que representam os rios voadores. Vem a onda, passa pela Amazônia e carrega a chuva, que despeja na esponja Cerrado e, passando pela esponja Cerrado, mina e sai aqui no Pantanal.
E o que está acontecendo? Por interferência de grupos que querem essa região, desde a Amazônia, passando pelo Cerrado e chegando ao Pantanal, que querem esse espaço, como disse a Valéria, para a monocultura, para poderem se apropriar de certas áreas produtivas, estão invertendo essa questão. Então, é complicado fazermos uma ação só pensando no Pantanal, sendo que é todo esse conjunto que está em jogo.
Vejam a realidade. Nós estamos vendo a crescente devastação da Amazônia, que cada vez mais vai interferir na situação. Não vão mais existir rios voadores. Vai haver constante pressão local, afastando a possibilidade de chuva na nossa região, porque, como é uma esponja, aquece e não deixa a chuva chegar ao nosso local.
Deve-se combater essa realidade, deve-se perseguir e punir essa situação. Nós que acompanhamos os movimentos sociais e as pastorais sociais vemos como tem sido difícil nos últimos tempos. Já era difícil anteriormente, já era difícil.
Agora, no momento, torna-se quase impossível. Por quê? Porque nós tivemos uma inversão de valores. Nós tivemos uma crescente corrida do ódio. Todo aquele que começa a se dedicar a defender minorias, ou certas causas, vai ser não só taxado de comunista ou de demônio, quanto vai ser perseguido e sua vida corre risco.
Eu quero lembrar o que a Valéria disse. A queimada aqui tem duas funções. Ela tem a função de limpar a área, para se ter menos gastos, e ela tem a função de expulsar as comunidades ribeirinhas, pantaneiras nativas, para deixar a área livre, para tornar a área não usável momentaneamente, para posteriormente ser utilizada. O que eu estou falando, posteriormente colocarei no chat do grupo, não quis colocar aqui por questão... Lá no grupo, por favor, internamente, só para confirmar o que estou dizendo.
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Aqui, nós temos o mapa da região do Pantanal. Corumbá pega praticamente toda essa região. Olhem a fumaça em volta de toda essa região aqui e os pontos de focos de incêndio aqui, à direita da tela. Então, praticamente, está em chamas todo o Pantanal, o fogo já consumiu mais de 23% da área do nosso Pantanal.
Não é real a fala de que essas queimadas foram provocadas pelos ribeirinhos, pantaneiros e indígenas. Não é, porque eles vivem aqui desde tempos anteriores, eles conhecem a região, eles sabem o que precisa ser preservado para que possam continuar vivendo ali. Se um ou outro coloca fogo, é por uma necessidade. Por quê? Porque falta política pública para manter essas pessoas convivendo e protegendo as nossas áreas, convivendo e protegendo. As tribos indígenas estão em áreas da União e do Estado protegendo as nossas nascentes, os nossos parques, as regiões que não deveriam ser degradadas. Mas a ganância vem e coloca fogo para expulsá-los dali.
Então, o fogo aqui tem dois destinos bem certos: limpar a área para ocupar e usar posteriormente e expulsar as comunidades nativas.
Podem ver, via satélite, podem conferir onde começou o fogo. No link que vou colocar está a operação da PF, Matáá, a qual identifica algumas dessas realidades.
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Essa imagem mostra onde está queimando e a questão fundiária, de escala e localização das propriedades. As nossas comunidades estão em espaços de convivência comunitária em pontos estratégicos, não em toda a extensão do Pantanal. E o fogo apareceu em extensões nas quais não estamos. E, se apareceu perto das comunidades, foi um atentado, como a Valéria bem já disse, para culpabilizar essas comunidades tradicionais.
Aqui na região fronteiriça entre Corumbá e Bolívia, era comum nós... Olhem como muda a atitude das pessoas em tão pouco tempo. Nós aqui ficávamos bravos com o nosso país vizinho, pois vivia queimando lá. Aqui é histórico, não é? Se você for comer carne de jacaré do lado de lá, será jacaré de reservas do nosso meio ambiente. Aqui, há criadouro para comer carne de jacaré daqui. Lá, comem os jacarés nativos. O que adiantou nós criticarmos o país vizinho pelas queimadas e caça predatória de jacaré, se nós dizimamos espécies que ainda nem haviam sido catalogadas? Centenas de milhares de espécies ainda não catalogadas pela dificuldade de acesso às regiões foram dizimadas. O nosso Pantanal está sendo programado e preparado para ser "pastanal" e não mais Pantanal.
Nesta imagem, isso era um ninho de tuiuiú, símbolo aqui do nosso Pantanal, à beira da BR-262. Lá estava: "Patrimônio intocável", e veio o fogo, que o detonou. Foi salvo na primeira vez, mas dessa não escapou.
Aqui no Pantanal, por que é necessário queimar para usar a área? Porque, quando alaga, a vegetação morre e, quando seca, fica uma camada, e vai ficando camada sobre camada. Fica inviável a utilização desse espaço, tanto que, no ano passado, queimou em cima da própria água. O fogo queimava em cima da própria água, porque a vegetação estava flutuando. Passou queimando, a água apareceu, secou, e queimou de novo. Então, o Pantanal pode ser queimado duas, três vezes seguidas no mesmo lugar. Assim fica impossível realizar a técnica de controle de queimada, o aceiro. Você faz o aceiro e põe fogo no sentido contrário, mas, ao fazê-lo, o fogo aumenta. Por quê? Porque as camadas vão pegando fogo, e o fogo vai por baixo da terra nas camadas sobrepostas. Fica inviável.
Aqui está o antes e o depois. Dá vontade de chorar! Olhem o antes e o depois da Transpantaneira, que vai em direção a Poconé, no nosso Estado vizinho.
Olhem, à direita, a Transpantaneira e observem como ficou o lago que havia lá. O Rio Paraguai tinha 3 metros a 4 metros, e agora nós caminhamos nele com água no joelho. Aqui havia o terceiro porto mais importante do País. É culpa da cabeceira de Mato Grosso? Não. É culpa da queimada da Amazônia, que inverteu a questão climática.
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Olhem isso! Parabéns, Brasil! O Brasil está de parabéns pela maneira como está preservando o seu meio ambiente. As futuras gerações o dirão. Nós sabemos de quem é essa fala.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Pe. Marco Antônio Ribeiro, que aqui representou a Diocese de Corumbá.
Pe. Marco, que está no Pantanal, na parte sul, no Pantanal sul-mato-grossense, eu o entendo perfeitamente. Como o senhor disse, eu estou meio alterada. Todos nós estamos assim emocionalmente. É muito triste o que nós ora observamos.
Eu gostaria de agradecer a presença também do Deputado Ivan Valente, do Deputado Túlio Gadêlha, do Senador Wellington Fagundes, do Estado de Mato Grosso, que vem fazendo um belíssimo trabalho no Senado, ajudando-nos, fazendo uma parceria com esta Comissão, trocando informações, trabalhando junto. Quero dizer para o Senador Wellington que o nosso primeiro palestrante hoje foi D. Juventino, que é de Rondonópolis, a cidade também do Senador Wellington. Daqui a pouco, D. Juventino voltará a falar. Todos os que estão aqui hoje são pessoas que comungam dos mesmos ideais: ver o planeta como casa comum.
Nesse sentido, fico muito feliz com a presença de todos os Deputados. Pode ser que eu não tenha falado o nome de alguém ainda. Vou repetir os nomes dos Deputados: Célio Moura, Ivan Valente, Merlong, Nilto Tatto, Paulo Teixeira, Israel, Túlio, Vander, pessoas que estão aqui nos acompanhando o tempo todo e trabalhando fortemente nesta Comissão, que traz muitas emoções. É muito difícil para quem tem compromisso com a vida ver a vida sendo destruída, e, muitas vezes, sem saber o que fazer imediatamente.
Neste momento, o que queremos é ver esse incêndio terminado, para podermos trabalhar, como você disse, Valéria, sem trégua, trabalhar para que a tragédia não volte a acontecer.
Passo imediatamente a palavra a outro grande esteio das políticas sociais, que trabalha fortemente em Mato Grosso e no Brasil, para refletir sobre a nossa consciência cristã na defesa do planeta. Convido o Pr. Teobaldo Witter, representante do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil — CONIC, para, por 10 minutos, fazer a sua palestra.
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O SR. TEOBALDO WITTER - Bom dia, Deputada Rosa Neide, aqui de Mato Grosso, professora, educadora, que atua na direção do que nós estamos pensando. Também cumprimento todas as pessoas presentes, em especial as que já falaram antes: Juventino, Valéria e Marco Antônio. A Valéria é da CPT — Comissão Pastoral da Terra. Nós também somos da CPT e sabemos que o fogo para expulsar o povo também é uma realidade em Mato Grosso.
Eu represento aqui o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs e sou pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil — IECLB aqui em Mato Grosso. Faz 44 anos que estou atuando nessa região. Estive presente nos primeiros anos no norte do Estado, no sul do Pará e na Região Amazônica, bem como na região do Cerrado. Agora, mais recentemente, nos últimos 18 anos, estou na região do Pantanal, em Mato Grosso, onde vivo, mas tenho atuação em todas essas áreas.
Quando cheguei a Mato Grosso, andei por todas as regiões do Estado. A terra era coberta de florestas, até as áreas da maioria das cidades, como Sinope e Rondonópolis — esta última era só uma esquina, onde havia algumas casas. No norte do Estado, no leste e no oeste, havia muitos rios limpos, animais, seres vivos, pássaros, por todo o lugar. Os peixes viviam felizes nas águas limpas. Eu poderia dizer, como Deus disse em Gênesis 1 e 2, que tudo era muito bom, era muito bom.
Eu lembro que, em 1977, a seca foi maior do que esta, e os únicos lugares do Estado onde havia fumaça e fogo eram na região onde havia madeireiras — não era comum fogo nas florestas, não havia. Até chegamos a conversar sobre isso na época. No Pantanal também era raro, muito raro. Era controlado.
Nós pregamos e ensinamos sobre lutas e causas justas. Desde o início da temática dos direitos humanos, isso fez parte das comunidades. As pessoas, apesar de serem mais pobres do que hoje, pareciam felizes, e as comunidades foram se constituindo em especial ecumenicamente. As comunidades eram da IECLB, mas atuavam ecumenicamente.
Da IECLB nós participamos desde o início, desde 1982, quando foi criada, pregando a fé, os direitos humanos, a terra, a agroecologia, o cuidado com o fogo, a alimentação sadia, a saúde e os cuidados com os relacionamentos justos, tal qual nos ensina hoje a agroecologia. Na época não havia agroecologia, mas nós tínhamos projetos que chamávamos de agricultura alternativa. Na região de Canarana, ainda há rastros disso até hoje. O pessoal ainda está comendo e exportando produtos saudáveis da agricultura, sem veneno, tratados por meio da agroecologia, que tem respeito por todos os relacionamentos.
A narrativa bíblica que fala sobre a questão da criação está em Gênesis 1:26: Deus criou o ser humano e criou todas as coisas que existem, toda a vida. E a vocação humana é cuidar. Como nós vimos na Campanha da Fraternidade Ecumênica — CFE de 2016, devemos cuidar da casa comum. Do jardim à casa comum. Com seus dons, ao ser humano cabe administrar e cuidar da criação, da qual fazemos parte. Nós somos parte da criação, nós não somos donos.
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Deus não manda devastar, mas administrar, cuidar, viver feliz nessa casa comum, nesse jardim, e viver com dignidade.
Em outra referência bíblica, Gênesis 2:15, são usados os verbos, em hebraico, abad, que significa cultuar, servir; shemá, que significa obedecer, observar. Deus colocou o ser humano nessa casa comum para servir e obedecer. Entendemos que obedecer significa cuidar do equilíbrio da natureza.
O coronavírus é causa do desequilíbrio. Se nós não cuidarmos da floresta nem do degelo nos polos, os vírus não conhecidos vão aparecer com mais frequência e serão mais devastadores ainda.
A vocação humana é de cuidar e não de destruir, por isso as comunidades cristãs têm na Bíblia o seu fundamento de fé, sempre preocupadas com a qualidade de vida, com o compromisso com a dignidade, conforme nos diz João 10:10: "Eu vim para que tenham vida".
Este é o compromisso do CONIC e da IECLB: a defesa da vida, a defesa dos relacionamentos justos, a promoção da justiça ambiental, o cuidado e o direito ao território dos povos indígenas e outros povos em situação de vulnerabilidade.
Vejo as notícias. Eu tenho amigos que são dos povos indígenas guató e chiquitana. Há outros que estão sofrendo terrivelmente com as queimadas no Pantanal. A natureza está ameaçada e geme as dores do parto.
Temos a parte visível das queimadas no Pantanal. A parte visível do Pantanal que temos de olhar e enfrentar são os garimpos que estão no entorno. Quem conhece o Pantanal sabe que, quando se vai em direção a Poconé, na Transpantaneira, há em todo esse trecho garimpos modificando toda a paisagem, com altas montanhas de terra cavada na profundeza do Pantanal. Isso vai ter consequência: uns vão ficar muito ricos, e o povo vai ficar na miséria. Isso precisa ser olhado também.
Quanto ao veneno que é jogado ao redor do Pantanal, a UNEMAT e a UFMT têm feito pesquisas sobre isso e sobre os impactos ambientais. A Instituição Fé e Vida, de Cáceres, também tem dados muito importantes. Dizem que são ignorados pela imprensa, mas isso é outro assunto. Há coisas muito importantes, inclusive a articulação internacional com a Bolívia, o Paraguai e a Argentina, sobre os impactos e a destruição do Pantanal.
Os resíduos dos animais e das plantas estão se acumulando nas partes mais baixas do Pantanal, junto com o veneno. Isso precisa ser olhado também.
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Inclusive, em reunião com o Presidente da República, ele nos informou que havia, na época, recursos suficientes para cuidar do saneamento básico, mas, por uma questão de política dos Municípios e do Estado, não se fez muita coisa.
Sobre as nascentes das cidades, em Cuiabá, há mais de 300. Em Rondonópolis, a CPT está empenhada na questão das nascentes. Os resíduos e tudo isso são a face visível da degradação humana que está acontecendo. A natureza está sofrendo.
A pergunta que fazemos é: onde está Deus? Onde está Deus, afinal? Por que Ele não chega e acaba com isso?
O Pantanal vai deixar um lago de lama, assim como as outras partes, no Maranhão, em todo o País e toda a América. Será que a Terra vai nos aguentar?
Não há como negar: o problema é local, é em Cuiabá, em Cáceres, em Rondonópolis e também no sul-mato-grossense. Mas não é somente local, é regional, é nacional, é global.
Lembro aqui o manifesto da IECLB no Concílio, em 2000, na Chapada dos Guimarães, quando toda a IECLB se reuniu para discutir seus planos. Esse manifesto diz o seguinte:
A vida da humanidade está ameaçada. Um grande mal ocupa todos os espaços, e há poderes querendo assumir o papel de Deus. Quem, porém, cede a essa tentação e é detentor de poder procura despir-se de sua condição de criatura, para submeter homens e mulheres, jovens e crianças, a natureza e o mundo a seus próprios interesses — topa tudo por dinheiro! O fruto dessa autossuficiência incorpora-se num verdadeiro ídolo — designado na Escritura como poder do dinheiro (Mâmon). Esse mesmo ídolo, adorado e venerado, é o fundamento do sistema socioeconômico, político e hegemônico no mundo de hoje. Somos testemunhas de que esse sistema requer sacrifícios(...)
O sacrifício do Pantanal é o altar de sacrifício que as pessoas chamam de progresso, a favor do progresso, aquilo que as pessoas facilmente chamam de progresso; fazem suas vítimas e promovem dor, sofrimento e morte. São os holocaustos dos quais falam Isaías e também Jesus.
Cremos em Deus, que cria, mantém, salva e consola. Por isso, rejeitamos qualquer doutrina em que se arroga o interesse, o direito de querer ocupar o espaço de Deus.
Nós dissemos sempre: servi-vos uns aos outros. Nesse nosso serviço, estão incluídos a natureza, os animais e os bichinhos.
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O que Deus narra não é devastar, mas administrar responsavelmente essa casa comum e viver com dignidade. Podemos usar a natureza, como nos diz a proposta da justiça climática, para o nosso sustento, mas também devolver à natureza aquilo de que ela precisa para o sustento.
Uma das referências bíblicas do Gênesis 2:15 é usar os verbos tomar, cultuar, servir, chamar, obedecer. Significa que estamos respeitando o equilíbrio natural do mundo e da natureza.
Agora, onde está Deus? Deus está sofrendo junto. Ainda essa madrugada, escutei uns pássaros — eu moro quase no centro de Cuiabá —, aves com um cantar diferente, passada a meia-noite. Eram aves do Pantanal que vinham abrigar-se aqui em um pé de goiaba e em um pé de cajá, cajá-manga.
Então as aves saem do Pantanal durante a noite para vir abrigar-se nas poucas árvores que há aqui. O meu pátio está cheio de árvores, mas a cidade tem poucas. Há que se construir isso também, arrumar isso.
A natureza é hoje o ser inocente e sofre as dores do pecado das pessoas humanas. Onde estão as pessoas? Estão destruindo, e o planeta vai aguentar-nos com muita dificuldade.
O que fazer? Eu vou dizer resumidamente a primeira coisa que nós precisamos dizer para o pessoal do SENAR, que promove os cursos na agricultura, que vai aos assentamentos fazer cursos.
Professora Rosa Neide, a senhora é professora, pedagoga como eu. Eu sei o que as pessoas querem e do que precisam.
Eu fui a alguns assentamentos em que eles fazem os cursos. Lá, nos cursos, o pessoal dizia: "não, mas nós temos que respeitar a terra, porque a terra..." Os formadores do SENAR diziam: "não, não precisa respeitar, não, porque a terra tem poder, a terra se reinventa". Então temos que discutir o currículo com o SENAR e a formação dos seus professores, senão vamos ficar chovendo no molhado. Então essa parte também tem que ser discutida.
Eu quero ser amigo da FAMATO, mas tem que ser amigo assim: "Vamos colaborar, gente. Vamos cuidar do nosso planeta".
Temos que organizar as comunidades. No início da imigração, conseguimos organizar bem. Então é educação ambiental nesse sentido, de mudar a mente, o coração e as pessoas, cuidar para que o fogo não apareça. Se aparecer, que não avance. Foi citado pelo bispo, pelo padre e pela Valéria que nós precisamos ter as nossas brigadas permanentes.
Há umas comunidades do interior, em Canarana, também na região de Querência, em que o pessoal está permanentemente preparado para atacar o fogo. Se há fumaça, todos vão lá e apagam o fogo. Quando é pequeno, tudo bem, nós conseguimos, mas, depois que tomou conta, que nem no Pantanal, ninguém vence mais. É preciso evitar que o fogo apareça, e, se aparecer, que se controle, apague o fogo.
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Pr. Teobaldo. O senhor nos emociona muito com a sua fala, principalmente quando faz o alerta de que as aves do Pantanal saem à noite em busca de abrigo e já cantam em horários diferentes, com tom diferente. Aqueles que são sensíveis às causas humanas com certeza têm a percepção do que está acontecendo em nosso planeta, nos detalhes, nos avisos que a natureza vem dando há muito. Nós temos no senhor uma grande referência, assim como em todos os que estão aqui. Em nossos Estados, precisamos de mais referências como o senhor, pastor, que consegue fortemente tocar corações e mentes, fazendo do seu trabalho uma luz para nos indicar o caminho. Muito obrigada por ter estado conosco e por continuar conosco. Ainda vamos conversar muito mais, esta Comissão, com todos os que hoje vieram dar a sua contribuição.
Eu queria, em nome da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB, agradecer o convite à Deputada Rosa Neide e à Comissão Externa como um todo e saudar as colegas e os colegas aqui presentes.
As falas anteriores foram esplêndidas, foram muito elucidadoras e fortalecem o que eu vou falar a seguir.
Acho que em primeiro lugar é muito importante sistematizar as avaliações, as demandas e as propostas dos povos e comunidades tradicionais pantaneiras, de curto, médio e longo prazos, como base principal para o que deve ser feito. Na semana passada, acompanhei a audiência pública na qual estavam presentes as mulheres pantaneiras. Foi muito enriquecedor o que nós ouvimos, muito orientador no sentido do que deve ser feito.
Também acho importante articular esse conhecimento tradicional ao conhecimento científico já produzido e por produzir, tanto para o combate imediato quanto para construir uma concepção de preservação e recuperação permanente do Pantanal. Temos todo um vasto conhecimento milenar, secular das comunidades pantaneiras, de comunidades e povos tradicionais, indígenas e quilombolas. Outras comunidades foram se forjando nessas misturas. Isso mostra a sociobiodiversidade do nosso País. É muito importante que seja articulado com o conhecimento produzido já pelas universidades da região e pelos estudos em escala global. Aqui o Pe. Marco Antônio mostrou muito bem os estudos por satélite. Então, é importante articular o conhecimento tradicional que está aí e foi responsável pela preservação, até pouco tempo, do Pantanal, do bioma, com esse conhecimento científico que temos como patrimônio.
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Também acho importante rever todos os projetos de impacto no bioma, como as PCHs — Pequenas Centrais Hidroelétricas, as hidrovias, as barragens, os empreendimentos econômicos de várias ordens, numa perspectiva de política ambiental específica para o Bioma Pantanal. Eu fiz parte de uma comissão externa do Conselho Nacional de Direitos Humanos sobre povos tradicionais. Visitei o Pantanal e vi situações muito tristes, principalmente em áreas atingidas por garimpo e PCH, que realmente deixam a comunidade praticamente em situação de fome permanente. Então, é muito importante fazer um estudo desses projetos de impacto, uma revisão desses projetos de muito impacto na região. As PCHs, particularmente, causam um dano terrível e muito pouco visível. Numa visão superficial, não se notam tanto, mas os danos são terríveis e permanentes.
Também é preciso ver com cuidado a questão do lixo das centenas de pousadas que temos nesse bioma. Há uma contradição: você atrai pela beleza das pousadas e, depois, deixa como resultado o lixo, toneladas de lixo, do qual não se sabe o destino — ou se sabe, que é a degradação do meio ambiente.
Também é preciso ver a questão dos venenos dos agrotóxicos. Trata-se de uma política nacional que também deve ser revista, porque ela causa imenso dano ao bioma.
Também acho importante dar combate imediato aos focos de incêndio — acho que já são mais de vinte e tantos mil focos —, mobilizando as forças municipais, as forças estaduais e as próprias Forças Armadas, federais. Acho que hoje estamos diante de crimes em série contra um patrimônio nacional e um patrimônio da humanidade, que é o Pantanal.
Eu queria citar aqui uma síntese feita na semana passada pelo Deputado Paulo Teixeira. Ele disse o seguinte: "O fogo vai ser debelado pela ação, e não pelas chuvas". Foi isso o que enfatizou, numa síntese que fez sobre os debates com as comunidades tradicionais, o Deputado Paulo Teixeira.
Acredito que o ponto máximo de pressão desta Comissão deva ser feito sobre o Governo Federal no sentido de mobilizar tropas de forma imediata, para que haja uma ação efetiva do Estado, para dar o basta à propagação do fogo, que, como vimos na triste imagem que o Pe. Marco apresentou, já devastou 84% de uma área indígena cadiuéu — isso quando foi feito o mapa, mas já deve ter passado de 90%. Destruída... Não. Desculpem-me. Foi no parque estadual. Acho que eram 40% da terra indígena cadiuéu, mas já deve ter passado de 50%. Então, estamos diante de uma situação de lesa-humanidade, de crimes contra a humanidade que devem ser imediatamente contidos.
Como ação permanente, acho que muito bem já foi falado antes de mim pela representante da CPT que temos que apoiar de imediato as comunidades pantaneiras e dar-lhes condições, através de políticas públicas,
de continuar vivendo o seu modo de vida no Pantanal. Isso também envolve a questão das brigadas, não de forma temporária, mas o ano todo, a mobilização dos comitês de bacias, que têm expertise, nos quais há participação da sociedade civil. É um órgão de Estado que possui expertise tanto para o combate atual quanto para uma ação permanente de preservação do bioma.
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É fundamental também se articular com a sociedade civil, com as entidades — pastorais, igrejas —, para a construção de uma política ambiental de preservação do Bioma Pantanal e que nos prepare para os próximos anos, porque, se continuar... Agora se combate minimamente, e vêm as chuvas. Se deixarmos como está, o próximo período vai ser muito pior do que este, porque o Pantanal vai estar mais ressecado, a Amazônia vai estar mais ressecada, o Cerrado vai estar mais ressecado, e vamos ver uma situação muito mais trágica a cada ano que passar. Então, nesse sentido, a rede que vimos construindo e que tem presença aqui, minha e da Valéria, da CPT, que é uma rede de entidades, de pastorais, da sociedade civil ligada às igrejas, a nossa rede está à disposição para contribuir com a Câmara dos Deputados e com o poder público nessa perspectiva permanente.
É fundamental também, e já foi citada, a demarcação de todas as terras indígenas, com a respectiva desintrusão, ou seja, com a retirada dos invasores, bem como a titulação das terras de quilombo e o reconhecimento da titulação de todos os territórios de povos e comunidades tradicionais. Isso é fundamental, porque foram esses povos que até hoje garantiram o bioma. O reconhecimento dos seus territórios é fundamental para a continuidade desse bioma, porque o modo de vida e o reconhecimento tradicional dessas comunidades permitem a preservação do Bioma Pantanal.
Também acho fundamentais a recuperação e a preservação das nascentes e das margens de todos os rios do bioma. Foram feitos muitos relatos no sentido da destruição dessas nascentes e da ocupação sistemática do Rio Cuiabá e de outros, das margens, por sítios, por casas, por empreendimentos, e assim por diante. Então, é importante essa revisão, bem como a construção de uma política ambiental própria, para que haja realmente recuperação — e há tecnologia para isso — e preservação das nascentes e das margens.
É fundamental também capacitar as comunidades com instrumentos científicos. Ou seja, as comunidades têm plenas condições de manejar Internet comunitária, redes de comunicação etc., para o monitoramento do clima, para a articulação delas para a proteção do ambiente e para ações humanas com relação à proteção e à preservação do Pantanal.
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Por fim, acho fundamental que esta Comissão tenha realmente caráter permanente, que trate dos outros biomas, da Amazônia e do Cerrado, que estão interligados, como mostrou nos eslaides o Pe. Marco. Esses biomas também sofrem forte risco neste momento. Que esta Comissão, então, providencie diligências, visitas in loco, escuta de povos e comunidades tradicionais, de comunidade científica e outros desses biomas e realize também audiências públicas exemplares como esta e específicas para cada bioma.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Paulo, que está aqui representando a Comissão Brasileira Justiça e Paz. Quero dizer a você que a nossa Comissão vai com certeza ouvi-lo mais vezes, vai ouvir a todos os que estão aqui.
Peço a quem puder, a quem já falou, que passe para a Comissão, por escrito, as sugestões que fizeram. Vamos usar as notas taquigráficas, e a comissão técnica está aqui, junto conosco, na sala, fazendo todas as anotações, mas, se alguém quiser, em nome da instituição que representa, passar um documento por escrito, isso será muito bem-vindo, porque esta Comissão vai se debruçar sobre o tema e, como você disse, Paulo, de forma permanente, não só em relação ao Bioma Pantanal, mas também em relação aos demais biomas.
Neste momento, eu gostaria de convidar uma pessoa especial. Todos vocês são muito especiais. As falas de hoje nos emocionaram muito, porque tocam de fato a mente e o coração daqueles que já são sensíveis e têm a pretensão, como é a nossa pretensão aqui, de tocar outras mentes e outros corações, para que possamos alargar o grupo que defende a vida. Eu quero convidar para fazer uso da palavra, com muita honra, o Sr. Luiz Augusto Passos, Professor da Universidade Federal do Estado de Mato Grosso — UFMT, que neste momento representa o Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e Educação da UFMT.
Meu agradecimento pelo convite à Profa. Rosa Neide. Em primeiro lugar, quero agradecer à Deputada Rosa Neide e ao Senador Wellington Fagundes, que tem dado apoio inclusive na direção de contribuir para o mandato da Deputada.
De maneira particular, agradeço ao Deputado que se encontra conosco neste momento aqui, que faz parte desta Comissão, à Valéria, da CPT, ao Dom Juventino, que representa esta região da CNBB e, na verdade, a CNBB do Brasil, e ao Marco Antônio, que fez uma fala extremamente calorosa, forte, que corporificou, na verdade, o conjunto de questões que ele tem vivido. Isso enaltece e tempera a sua fala e a sua forma de expressividade. O conjunto de mapas de pesquisa apresentados por ele são extremamente esclarecedores e necessários para se entender essa referência, o que implica este momento para todos nós, como cidadãos brasileiros e, ao mesmo tempo... Eu moro em Cuiabá e, na verdade, circulo também por esta condição.
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Quero também enaltecer o trabalho realizado pelo Pr. Teobaldo, há muitos anos, em toda esta região, o valor que isso tem tido, e também pelo Paulo Maldos, uma pessoa que tem uma militância histórica, com contribuições particularmente nas questões de Marãiwatsédé. Relembro, inclusive, o conjunto de menções que ele levanta como importantes para serem mantidas e retomadas e o conjunto de chamados aos movimentos sociais por todos e todas.
Na verdade, não é possível apenas às comissões, apenas aos setores que estão articulados para buscar as formas de defesa e de representação junto ao Estado, sem que haja uma dimensão de compromisso corporificado, que existe na população brasileira, particularmente em todas as vítimas, entre as quais eu incluiria também todos os animais... Eles também têm uma grandeza, uma força e uma condição enorme de sofrimento, pelo enorme impacto que esse universo sofre neste momento, pela violência, efetivamente, do capital. Nós não estamos falando de uma coisa abstrata, estamos falando de um sistema que adorou, exclusivamente, as dimensões do controle sobre os juros, sobre as dimensões bancárias, sobre os produtos, com interesse na comercialização. Consequentemente, a cegueira não lhe permite enxergar além disso, daquilo que não sejam os interesses exclusivamente pessoais, como se fosse possível uma pessoa humana não viver a partir do conjunto das outras pessoas humanas e de todas as outras criaturas que fazem parte de cada um de nós.
O nosso grupo de pesquisa tem uma relação direta com Paulo Freire e com Merleau-Ponty, autor de muitos anos das nossas pesquisas. O Pr. Teobaldo também fez, recentemente, no nosso grupo, o seu doutorado. Merleau-Ponty conseguiu, na filosofia, mostrar claramente que existe um valor enorme na chamada ''filosofia clássica'', que existe um valor enorme no conjunto de autores que conduziram processos importantes para também avaliar o pensamento, as perspectivas ético-políticas, dimensões que têm importância na relação das pessoas humanas, umas com as outras e com todas as outras criaturas. Entretanto, o esclarecimento terminou podado. Inclusive, houve vários golpes, como houve nas suas instituições. A Sociedade dos Pedreiros Livres, criada como uma iniciativa popular, termina também assumida pelos burgueses, tomada de golpe. Todos os principais valores dos esclarecidos, que não eram tão esclarecidos assim, que eram meio equivocados de vez em quando, também, maldosamente, por alguns interesses... Por exemplo, para não deixar vazio o que estou dizendo, claramente
o Cântico, toda a Enciclopédia, todos os outros vão dizer que a mulher não é um ser ético, ela não é capaz de ter dimensões éticas e de valores, porque vivem só do gosto. Por isso, também, elas não são pessoas humanas, no sentido pleno do esclarecido; seriam só os homens. Elas também não gerariam seres humanos — e isso está na Enciclopédia, de Diderot e D'Alembert —, porque elas não teriam dignidade para fazer seres humanos. O que elas fazem é receber dos varões um homúnculo, que pode desenvolver-se como homem ou mulher, e, a partir daí, elas só o carregam e alimentam.
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Acho que isso é fundamental para compreender o quanto essa filosofia foi reducionista, o quanto ela foi maldosa e como fez um processo de retorno para a linguagem de patriarcado absoluto e do não reconhecimento de outras formas de sensibilidade e de conhecimento humano, que passam inclusive pelas dimensões do corpo, e nós varões — não a Deputada, não a Valéria — temos um defeito de natureza, que é, na verdade, um conjunto de dimensões que nos são tocadas, porque a cultura também perpassa o nosso corpo. Por isso mesmo, ela significa que precisamos também de uma conversão desses ideais de esclarecimento, desses ideais que fazem da maçonaria uma loja voltada para os machos.
Casualmente, existem duas ou três grandes lojas maçônicas de mulheres no País, mas, de qualquer jeito, isso é muito raro, e nelas as relações que se travam são efetivamente em cima do patriarcado.
Ora, o patriarcado pensa que é o único, que é a única existência e administra as coisas para si. Todo o regime do patriarcado foi para formar uma filosofia para criar uma homogeneidade de valores, de critérios de essência do ser humano e que as mulheres estão caladas, destituídas. Não foi à toa que se tirou a Presidenta Dilma, porque foi um erro estratégico do patriarcado permitir uma mulher assumir o poder político numa instituição patriarcal.
Estou dizendo isso, porque disso faz parte a negação de toda a diversidade. Existe um critério de achatamento que passa pelos processos educacionais. Anteontem ou há 2 dois dias, foi dito que crianças portadoras de deficiência tinham que ir para salas especiais, não podiam se misturar com o os demais alunos.
Toda forma de violência se faz e todos os animais, todas as coisas da natureza são perversas para a hegemonia do controle do pensamento desses senhores que podem queimar árvores de 3 mil a 4 mil anos como se não estivessem fazendo coisa nenhuma, sem nenhuma responsabilidade, sem nenhum ato de piedade, sem nenhuma percepção do que isso implica não apenas a morte do bioma, mas o comprometimento da vida do planeta inteiro.
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Isso que se faz, essa fumacinha — e os mapas que o Marco Antônio trouxe mostraram claramente — não fica entre nós, não é lá na Amazônia que fica; isso percorre o planeta. E, como ninguém, o Santo Padre, o nosso querido Papa Francisco, tem dito que não é mais possível vivermos alheios a essa dimensão de saber que a Terra nos habita e nós a habitamos. E a habitamos como corpos junto a todos os outros corpos, que também são idênticos a nós em dignidade. Deus pegou o húmus da terra. Humano vem disso, a nossa humanidade vem do húmus, e daí vem que todos os seres, todas as criaturas são iguais.
Merleau-Ponty vai trabalhar exatamente nessa direção, dizendo, inclusive, que as categorias muitas vezes utilizadas pelas sociedades chamadas "atrasadas" — entre aspas —, possuem do tempo, por exemplo, um conhecimento dessa variável muito superior àquele que a ciência contemporânea, nas suas melhores descrições, consegue estabelecer. Nós perdemos a dimensão porque ficamos cegos, ficamos cegos para a natureza, ficamos cegos para ter dó dos vírus. Com muita razão, já dizia Capra, antigamente, que sofre muito mais um vírus na mão de um homem do que um homem na mão de um vírus.
Na verdade, nós somos pessoas, somos humanos que precisam reascender a discussão da sua dimensão de criatura. Merleau-Ponty vai chamar de retorno à nossa animalidade doce, porque assim o era. O jardim que aparece nos filmes, em que só há feras que devoram umas às outras, por violência, para mostrar prepotência, na verdade, é a cara da ilustração, é a cara do capitalismo, é a cara dos senhores que põem fogo nas florestas. Ódio e perversão são coisas nossas, não pertencem à esfera da natureza. Por isso, toda a natureza precisa ser amada, respeitada, incluída em nós.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Já deu o tempo, mas o senhor pode concluir.
O SR. LUIZ AUGUSTO PASSOS - Então eu vou concluir, dizendo para que aceitemos de maneira muito particular neste momento a carta do Papa à ONU, que coloca dimensões importantes das relações com todos os outros países do mundo, acolhamos a dimensão do viver juntos essa nova encíclica, para que todos nós juntos, como humanos, consigamos fazer uma verdadeira unidade com toda a natureza, tendo piedade dos musgos, dos vírus, das bactérias, que também fazem parte da mesma Terra, do mesmo mundo, da mesma criação.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Quero dizer muito obrigada ao Prof. Passos, que está sempre nos dando uma boa aula e nos mostrando que não podemos recuar no nosso processo civilizatório, que a natureza é boa, que o sentimento de ódio é uma criação dos humanos e que nós podemos nos destruir, com a criação de sentimentos que são muito diversos daquele que a natureza, ao longo de toda a nossa história humana, aqui, no planeta, tem demonstrado.
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Prof. Passos, sou muito grata ao senhor por nos orientar. Esta Comissão precisa das orientações das bases filosóficas para continuar seguindo.
A nossa Comissão não é terminativa, mas está aberta para receber contribuições, como as belíssimas contribuições de hoje, que nos fazem refletir sobre a nossa origem, sobre a origem do húmus, sobre a nossa condição de humanos, sem ninguém retroceder nessa condição. Quando hoje vemos o Pantanal em chamas, os animais ardendo nas chamas, nós percebermos o quanto nós retrocedemos no nosso processo civilizatório.
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Bom dia, Deputada Professora Rosa Neide. Quero aqui cumprimentar e parabenizar V.Exa. pela dedicação que tem tido, na condução desta Comissão, à altura do que o momento exige. E V.Exa está engrandecendo não só os Parlamentares, mas também todo o Parlamento, fazendo aquilo que não estamos vendo fazer o Governo Federal.
Quero cumprimentar, de forma especial, os queridos Parlamentares presentes a esta audiência, o Deputado Professor Israel Batista, o Deputado Célio Moura, o Deputado Vander Loubet, o Deputado Merlong Solano, o Deputado Ivan Valente, o Deputado Paulo Teixeira e também, com carinho especial, o Senador Wellington Fagundes, que está acompanhando a nossa Comissão aqui na Câmara.
Quero agradecer imensamente as contribuições e as falas do Dom Juventino, do Pe. Marco Antônio, do Pr. Teobaldo Witter, da Valéria Santos, representante da CPT, do Paulo Maldos, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, e do Prof. Luiz Passos.
Quero agradecer imensamente também às organizações eclesiásticas e de direitos humanos pela forma e contundência, eu diria, da denúncia profética de como se expressaram na fala de cada um de vocês, de quem vem aqui e fala, dando voz para aqueles que não têm voz e que, às vezes, não aparecem nesse bioma do Pantanal. Evidentemente, estou falando dos animais que têm morrido, aos milhões ou bilhões, assassinados, em função das queimadas, como também dos que não aparecem na mídia, que não têm espaço: os ribeirinhos, os quilombolas, os indígenas. São também esses, entre os humanos, os que mais sofrem com esses incêndios criminosos.
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Quero agradecer imensamente, porque trazem a expressão, de outra forma mais contundente, daquilo que também a própria ciência vem dizendo sobre esses que não têm voz e que clamam inclusive para que nós Parlamentares os ouçamos. Estou falando dos animais e também dos humanos. E quero agradecer porque, além de fazerem a denúncia com toda a coragem, colocam soluções.
Nós sabemos quais são os caminhos para cuidar do Pantanal e da vida do Pantanal. O próprio Papa Francisco e a ciência vêm nos alertando sobre a forma como nos relacionamos com o meio ambiente e com as outras formas de vida e sobre os limites que estão colocados inclusive para a própria vida do planeta.
Podem ter certeza de que nós Parlamentares vamos enfrentar esse debate, que não é fácil. Como foi bem dito na fala do Pe. Marco Antônio, o que está por trás desse jogo é transformar o Pantanal em "pastanal". E há muito tempo vocês, a população local e também os cientistas, vêm alertando sobre a transformação que vem ocorrendo nas cabeceiras dos rios que alimentam o Pantanal e que para lá levam a vida, levam a água, que é essencial para a vida. Esse regime de cheia e seca, de seca e cheia é o que faz a beleza da paisagem cultural que nós temos no Pantanal, paisagem que é composta pela biodiversidade, mas também pela presença e interação humana e histórica lá dentro.
Então, nós vamos precisar enfrentar isso, porque, se, economicamente, por exemplo, não é mais sustentável a forma como se utilizava e manejava o gado dentro do Pantanal, não é possível aceitar mudar as técnicas do uso do gado e levar outra forma de uso, porque o Pantanal não se sustenta. Se as mudanças, como a introdução da monocultura do milho e da soja, o desmatamento, a destruição das cabeceiras dos rios que alimentam o Pantanal, continuarem persistindo, e o assoreamento levando terra, areia e agrotóxico para dentro da região, o Pantanal não se sustenta.
Nós precisamos tomar uma decisão se queremos essa monocultura nas cabeceiras do Pantanal, nessa parte do Cerrado, ou se queremos o Pantanal. O que é mais importante para a vida das pessoas? O que é mais importante para o Brasil? Esse enfrentamento nós vamos precisar fazer. O que é mais importante para o Brasil, a sobrevivência dos ribeirinhos, a sobrevivência dos indígenas e quilombolas, ou produzir riqueza concentrada na mão de poucos, mudando a forma de uso do Pantanal ou das cabeceiras do Pantanal? O que é mais importante, construir pequenas centrais elétricas, que vão mudar todo o regime hídrico para dentro do Pantanal, ou manter a vida do Pantanal, com toda a sua riqueza? O que é mais importante, construir a hidrovia do Paraguai ou manter a vida dessas pessoas e a beleza e a vida dos animais do Pantanal? Tudo isso vai estar em jogo, e podem ter certeza de que vai ser colocado aqui como proposição para o debate dentro do Parlamento.
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Isso é fundamental para avançarmos no que queremos para o País, no que queremos para os biomas, no que queremos para o Pantanal. Nós vamos ter que fazer o enfrentamento desse debate. E chamo a atenção para esse debate que está colocado, porque o Brasil está perdendo, o Bioma Pantanal está perdendo, a biodiversidade está perdendo. A própria Polícia Federal já tem nos alertado que 90% desses incêndios são criminosos, e todos vêm acompanhando isso. O nosso foco principal agora está no Pantanal — e nós queremos e vamos trabalhar para que esta Comissão seja permanente —, mas o Brasil inteiro está pegando fogo.
Nós sabemos que estamos num período de seca prolongada, mas essa situação é decorrente também daqueles que estão no Governo e estão deixando de agir para enfrentar o incêndio nesse momento. Eles estão fazendo de propósito e não acreditam naquilo que o próprio INPE já vinha alertando sobre essa seca prolongada, sobre essa estiagem. O Brasil inteiro está pegando fogo, e todo mundo está deixando isso acontecer. Só não estão deixando aqueles que se importam, que são os brigadistas, são aqueles que sofrem as consequências desses desastres ambientais.
Nós sabemos que quem mais sofre com os desastres ambientais são os mais pobres, são os mais vulneráveis, e é sobre esse olhar especial que vocês vêm nos alertar no dia de hoje. Podem ter certeza de que os Parlamentares que estão nesta Comissão vão enfrentar esse debate para dar vez, voz e segurança de vida para esses que não têm voz e vez e que vocês trouxeram aqui. Obrigado pela explanação de vocês.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Deputado Nilto Tatto. V.Exa. nos ajuda muito no recorte que estamos fazendo nesse momento, na metodologia que estamos utilizando nesta Comissão, nas possibilidades de fazer um diálogo com todos aqueles e aquelas que estão no Pantanal e que precisam ser ouvidos. Eles amam o Pantanal e têm responsabilidade pública com a integração dos biomas e com a vida em nosso planeta, em nosso País, especialmente nos Estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, no Pantanal.
Neste momento, eu quero passar a palavra ao Senador Wellington Fagundes, que é um parceiro aqui do Estado de Mato Grosso nas discussões que fazemos. Começamos com a discussão da questão indígena, do sofrimento dos povos indígenas na pandemia. O Senador Wellington Fagundes sempre esteve muito próximo dessa discussão.
Antes de concluirmos as ações da pandemia, vimos o nosso Estado em chamas, o nosso Pantanal com esses incêndios sem precedentes na história. O Senador Wellington Fagundes coordena a Comissão Externa do Senado e tem feito as tratativas com a nossa Comissão Externa da Câmara, para que juntos possamos dar a resposta de que a nossa sociedade precisa.
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (PL - MT) - Bom dia, Deputada Professora Rosa Neide. Bom dia a todos os Deputados e àqueles que estão nos assistindo. É uma satisfação muito grande participar deste debate com V.Exas.
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Nós da Comissão do Senado estamos trabalhando no Estatuto do Pantanal. E, claro, se nós conseguirmos aprová-lo ainda neste ano, ele será remetido à Câmara dos Deputados. Sem dúvida nenhuma, a Comissão da Câmara que V.Exa. está presidindo neste momento, que foi a precursora, vai fazer os aperfeiçoamentos para que possamos entregar à sociedade a segurança jurídica de que todos precisamos.
Nós queremos conferir, com essa segurança jurídica, todos os aspectos protetivos e, também, produtivos. E, quando falamos protetivos, nós nos referimos exatamente ao povo pantaneiro, que é composto pelos ribeirinhos. Eu tenho dito, Deputada Rosa Neide, que, às vezes, nem documento pessoal o ribeirinho tem. Então, nós precisamos fazer um verdadeiro mutirão social e de desenvolvimento no nosso Pantanal, claro, envolvendo todos. Além dos ribeirinhos, vamos envolver os quilombolas e os nossos irmãos indígenas.
Nós sofremos muito agora com a pandemia. E, mais uma vez, quero agradecer a V.Exa. pelo trabalho que fizemos juntos, principalmente chamando, convocando o Governo para a atenção aos povos indígenas. No Araguaia, principalmente, houve uma concentração muito grande de casos na cidade de Barra do Garças, e felizmente conseguimos amenizar a situação. A pandemia continua, e temos de administrar agora, no caso específico aqui, a questão do Bioma Pantanal. Por isso é importante esse trabalho conjunto.
E o nosso papel neste momento é ouvir a sociedade. Da mesma forma que a Câmara está fazendo, estamos fazendo audiências presenciais, como fizemos com vários convidados de Deputados Federais e de Senadores, lá no Porto Cercado. No final de semana passado, fizemos audiência em Corumbá, onde fiquei por 2 dias. Estamos buscando somar esforços com todos aqueles que podem ajudar, a exemplo da EMBRAPA, do IMEA, o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária, da FAMATO, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso, e das universidades, para que possamos acima de tudo ter o Bioma Pantanal conservado, para que as futuras gerações possam ter essa que é a maior área alagada do mundo.
É um bioma frágil e que, por isso mesmo, precisa de muito cuidado. E o cuidado não é só no Pantanal. Nós temos de cuidar realmente daquilo que vai para o Pantanal, ou seja, das águas que nascem nas cabeceiras, que estão sendo prejudicadas pelo desmatamento. Temos de cuidar das fontes, das nascentes. Temos de cuidar de questões como a do assoreamento que hoje infelizmente está ocorrendo muito — o Rio Taquari, na divisa entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, é um grande exemplo disso —, além do lixo e do esgoto.
Já estamos marcando, inclusive, por parte da nossa Comissão do Senado, uma audiência com o Presidente da República, para levar uma proposta não só de legislação — e essa é uma obrigação nossa, do Congresso — e de fiscalização, mas também um projeto de desenvolvimento sustentável. E para isso nós temos a SUDECO, a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste, instrumento que nós queremos fortalecer, já que o Centro-Oeste é a única região do Brasil que não tem um banco de desenvolvimento, embora na nossa Constituição haja essa previsão.
Temos de fortalecer a SUDECO, porque é ela que faz a administração do FCO — Fundo do Centro-Oeste. Precisamos ajudar principalmente aqueles que estão precisando, neste momento, porque o ribeirinho, às vezes, não consegue nem ir ao banco.
Então, nós precisamos de um verdadeiro mutirão social no momento desta crise que vivemos.
Depois, também precisaremos de um verdadeiro mutirão para que possamos fazer com que o Bioma Pantanal possa ter vida: vida animal e vida vegetal, vida da fauna e da flora, e também vida do ser humano, principalmente daqueles que mais necessitam da nossa ajuda.
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Então, agradeço muito à Deputada Professora Rosa Neide, principalmente por esta parceria. A tudo o que está acontecendo na Câmara dos Deputados nós estamos tendo acesso. E o que está acontecendo também no Senado Federal vocês têm acesso. Então, o certo é que com esse bom entendimento com as Assembleias Legislativas de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul haveremos de deixar um legado.
Somos compromissados e temos essa obrigação com as futuras gerações. Não vamos ideologizar o debate, não vamos partidarizar o tema, porque a ideologia principal é a conservação do nosso Pantanal. Isso pertence a todos os partidos, pertence a toda a nossa Nação e pertence até ao mundo.
Queremos inclusive buscar recursos internacionais. Espero que venham para o Brasil, que tragam esses recursos e também apoio científico e técnico; claro, observando a soberania nacional.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Senador Wellington Fagundes. Se V.Exa. puder ficar mais um pouco conosco, agora temos Deputados inscritos para falar.
Gostaria de dizer que realmente a nossa Comissão, assim como a do Senado, é suprapartidária. O Pantanal é um patrimônio natural da humanidade, e todos devem se preocupar com ele.
A única diferença que eu coloco, Senador, é que, se alguma autoridade fizer um sinal invertido em relação à defesa do Pantanal, esta Comissão está completamente aberta para as críticas, a fim de que possamos realmente focar no que V.Exa. disse, no sentido de que o Pantanal é do povo, e nós precisamos preservá-lo.
Neste momento, eu lhe agradeço muito. O senhor tem sido um parceiro em tudo, não só nessa questão, mas também na parceria nas ações políticas do Parlamento. Sou testemunha da sua vontade de trabalhar pelo coletivo, juntos, fraternalmente.
O SR. IVAN VALENTE (PSOL - SP) - Bom dia, Deputada Professora Rosa Neide. Bom dia a todos os Parlamentares, Deputados e Senadores. Também queria cumprimentar todos os palestrantes, os religiosos, os professores e os colaboradores nessa luta.
Quero dizer que eu estou aqui com uma notícia de hoje que diz que os eurodeputados, ou seja, os Deputados do Parlamento Europeu, rejeitaram a ratificação do acordo entre a União Europeia e o MERCOSUL.
É óbvio que o Governo brasileiro vai na contramão do que o Brasil representa como potência ambiental. Em vez de transformar esse ativo em alavanca para o desenvolvimento sustentável, para a garantia de melhores condições de vida e de ciência para todo o povo brasileiro, nós estamos vivendo um brutal retrocesso civilizatório. Basta ver o discurso do Presidente da República na ONU, que foi rejeitado mundialmente.
Lógico que isso é um enorme prejuízo. Para costurar um acordo como esse demorou 20 anos. E ele teria que ser aprovado por 30 países. Então, é óbvio que há um negacionismo destrutivo, lesivo em termos de Pátria e lesivo em termos de humanidade.
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O que está acontecendo no Brasil é muito grave. Nós temos discutido muito e ouvido todos os setores. Acho que a Comissão tem ouvidos para todos os setores: cientistas, moradores, pantaneiros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, professores, Parlamentares da região. E há unanimidade no sentido de que a reação ao que está acontecendo não só foi tardia como displicente. Existe uma desídia na resposta. Para se chegar ao fogo, é preciso planejamento e prevenção. E, mais do que isso, é preciso uma medida imediata que já foi citada em várias reuniões e agora de novo: deslocamento de tropas e equipamentos. É óbvio que é preciso apagar o fogo, e não esperar a chuva chegar, em novembro. Há 3 milhões de hectares queimados. Quatorze por cento do bioma foi queimado só no mês de setembro. Há até uma ironia da história: o Parque Estadual Encontro das Águas teve 84,2% da sua área queimada, tornando-se o parque do encontro do fogo. Então nós estamos vivendo uma situação dramática.
É óbvio que a retirada do Brasil do Acordo de Paris, a não valorização da nossa enorme biodiversidade, a valorização de políticas públicas e de agricultura que levam a cana-de-açúcar e monoculturas para a proximidade do Cerrado, que atacam as cabeceiras de formação do Pantanal, que entopem as nascentes, que inundam de agrotóxicos esses rios, tudo isso tem um efeito extremamente devastador. Então nós estamos falando em savanização mesmo. Isso não é uma coisa para o futuro.
Falo agora como participante ativo do debate do Código Florestal, em 2012, quando se anistiaram 94% do desmatamento. Mesmo assim não se cumpre o Código Floresta hoje. Assistimos até à Polícia Federal deste Governo... Agora, o Ministério da Justiça, o Ministério da Defesa e o Ministério do Meio Ambiente são negacionistas.
Eu vi o próprio Vice-Presidente da Comissão da Amazônia dizer que a rejeição do Acordo do MERCOSUL como a União Europeia se deu porque há muitos interesses por lá, há muitos Partidos Verde. Ele não consegue entender que está em curso uma política destrutiva da imagem do País. O Brasil virou pária do investimento internacional.
Nós temos que resolver o problema do desenvolvimento econômico com sustentabilidade e entender que o Pantanal e a Amazônia são ativos monumentais. É um privilégio morar neste grande país chamado Brasil.
Então, nós não podemos ter uma política tão na contramão.
Quando vejo o Pe. Marco Antônio falar com contundência, eu fico pensando aqui: quantas vezes eu já vi o Carlos Nobre do INPE falar em corredores de chuva aéreos? O que está acontecendo — as queimadas no sul, no sudeste e no Pantanal — também tem a ver com isso, que já está estudado pela ciência. "Ah, mas o INPE é ideológico." Não, o INPE não é ideológico. O INPE é formado por cientistas ultragabaritados. Mas, se não quiser se valer do INPE, recorra à NASA, aos satélites europeus. É impossível esconder o que está sendo feito, quando a própria Polícia Federal diz que 90% dos incêndios foram criminosos.
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Quero dizer a todos os religiosos que eu li a carta da CNBB e das entidades que hoje nos brindam com a sua presença. E eu queria colocar uma questão: é uma intervenção do Papa mesmo.
O Papa Francisco tem sido um progressista, uma pessoa sensível em todas as áreas ligadas à humanidade e ao bem viver da população e contra as guerras também. Mas, neste momento, a decisão é política.
Quero até convocar todos os Parlamentares que têm relação com o Governo, porque o que está acontecendo em Mato Grosso é contra o Brasil, é contra o povo brasileiro. Nós não podemos ter um Ministro que não só é negacionista, mas é cínico, é capaz de mentir descaradamente, de dar entrevistas que negam o óbvio. O próprio Vice-Presidente disse o seguinte: "Eu vou convocar os europeus para voar pela Amazônia", como se não existissem satélites monitorando a região, como debatemos outro dia. Há deslocamentos humanos que são localizados por satélites, focos de incêndio de até 3 metros quadrados localizados por satélites, ou seja, não precisa sobrevoar a área. Aí o Vice-Presidente nos brinda com a seguinte pérola: "É que há muitos idosos nessa Comissão. Não sei se eles vão aceitar o convite para sobrevoar a Amazônia". Aliás, não dá nem para sobrevoar, porque a fumaça impede a visibilidade. Como mostrou o mapa de Corumbá apesentado há pouco, a cidade está sob fumaça.
Deputada Professora Rosa Neide, parabéns pelo seu trabalho! Parabenizo também toda a Comissão. Mas eu queria dizer que todos os dados e depoimentos que nós reunimos são fantásticos, são muito contundentes. Eu acho que além disso precisamos mostrar ao Brasil que não é possível esperar sentado a desertificação de um bioma como o Pantanal, com tal riqueza, com tal biodiversidade, com tal potencial futuro para a Nação brasileira e para os povos que ali vivem e viverão, nas gerações futuras, ou mesmo a desertificação da Amazônia ou de um lago, nem a transformação do Cerrado em região de monocultura. Tudo isso está interligado. Hoje, a ciência está trabalhando nisso. O negacionismo é hoje uma destruição.
A decisão é política. Eu acho que o Congresso Nacional precisa se manifestar. Quando sair o relatório, nós devemos pedir a adesão de centenas de Parlamentares, mesmo aqueles que apoiam o Governo,
porque é impossível negar o que está acontecendo, a destruição que está acontecendo, a inação que está acontecendo. Isso não é suportável, em termos políticos. Não é uma questão ideológica, é uma questão de realidade a estampa que nós estamos vivendo hoje de destruição.
Por isso, eu queria dizer que todos os depoimentos foram feitos com base ou na ciência, na produção de conhecimento, ou na vivência. É a vivência de quem conhece o Pantanal — o pantaneiro, o ribeirinho, o indígena, as pessoas que vivem lá há anos, até há décadas — somada ao que se produz de ciência nas universidades, nos institutos de pesquisa e em todo o georreferenciamento mundial que nós temos, do qual é impossível fugir hoje.
Eu acho que esta Comissão tem um papel a cumprir. Quero agradecer a todos os participantes desta reunião, que deram depoimentos muito importantes, com a sensibilidade necessária.
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Que nós consigamos que o relatório tenha impacto na sociedade brasileira. Que o Papa Francisco faça uma manifestação. Que os religiosos presentes levem a ele este apelo dos Parlamentares e talvez de todos os participantes da reunião, a fim de que ele faça uma defesa contundente do Pantanal e ataque claramente a política negacionista, incendiária, que tem um caráter criminoso.
Nós não estamos negando o aquecimento global. Pelo contrário, nós estamos falando que existe aquecimento global. Por isso, não poderíamos sair nunca do Acordo de Paris, do Acordo do Clima. Nós estamos dizendo que há condições propícias, nós estamos dizendo que há respostas a serem dadas com políticas públicas, com vontade política, com solidariedade.
Deixo, no fim, a minha solidariedade a todos os brigadistas e a todos os que estão na frente de luta contra o fogo. Nós assistimos aqui, pelas filmagens, pelas reportagens, que a luta é insana. Alguns Parlamentares tiveram a oportunidade — eu não tive, infelizmente, mas queria ter podido estar presente lá — de verificar isso tudo que está acontecendo.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Deputado Ivan.
Estivemos realmente no Pantanal. O Senador Wellington estava junto, assim como o Deputado Professor Israel, o Deputado Nilto Tatto, o Deputado Paulo Teixeira, o Deputado Rodrigo Agostinho.
Como V.Exa. disse, Deputado Ivan, sobrevoar até num potente helicóptero da Marinha foi muito difícil pelo excesso de fumaça que cobre todo o nosso Pantanal.
A solicitação do Deputado Ivan sobre a manifestação do Papa Francisco estava aqui anotada para fazer no fim. Que bom que V.Exa. já antecipou isso. Se a CNBB fizer o pedido, será muito bem-vinda uma carta do Papa para este nosso relatório, para divulgação pública, porque nós pedidos socorro, a humanidade pede socorro. Somos todos nós. Ninguém está tirando a responsabilidade de ninguém. Essa é uma realidade construída historicamente para a qual nós, historicamente também, temos de dar as respostas.
O SR. VANDER LOUBET (PT - MS) - Deputada Professora Rosa Neide, quero me inscrever.
O SR. CÉLIO MOURA (PT - TO) - Deputada Professora Rosa Neide, meus parabéns por coordenar esta Comissão tão especial. Para mim, é a Comissão mais especial que já aconteceu na Câmara dos Deputados no ano de 2020.
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Quero lembrar que, no mês de fevereiro, eu usei a tribuna da Câmara para alertar sobre as queimadas na Amazônia, e a Amazônia está realmente pegando fogo.
Quero cumprimentar com muita satisfação os Parlamentares desta Comissão, o Senador Wellington Fagundes e também os colegas Deputados Federais Nilto Tatto; Paulo Teixeira; Ivan Valente; Merlong Solano, do Piauí; Vander Loubet, do Mato Grosso do Sul; Professor Israel Batista, aqui do Distrito Federal; e Rodrigo Agostinho, que é da Frente Parlamentar Ambientalista.
Cumprimento também com muita alegria todos os religiosos palestrantes de hoje: D. Juventino, Bispo de Rondonópolis; Pr. Teobaldo Witter, membro do CONIC; e Pe. Marco Antônio Ribeiro. Cumprimento os professores Luiz Augusto Passos, da UFMT, e Milton. Cumprimento a Valéria Santos, da Comissão Pastoral da Terra — CPT e o Prof. Paulo Roberto Martins Maldos, representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz. Enfim, cumprimento todos os palestrantes.
Quero dizer que já foram buscadas as palavras ou as manifestações de todos os estudiosos das Universidades Federais de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, doutores na área ambiental. Foram ouvidas também as entidades ambientais, os movimentos sociais, os panteneiros, as comunidades tradicionais que moram no Pantanal, os empresários, os produtores rurais da região pantaneira. E, hoje, foram ouvidas as igrejas, sensíveis às causas humanitárias e ambientais.
Eu tenho certeza, Deputada Professora Rosa Neide, de que esta Comissão Especial terá a incumbência de fazer um grande relatório, a fim de levantar toda a situação do Pantanal. Eu tenho certeza absoluta de que nós vamos cuidar melhor do Pantanal, da Amazônia e dos outros biomas.
Como tocantinense, como amazônida que sou, preocupado por ver a nossa Amazônia pegar fogo, quero dizer que os maiores desmatamentos e as maiores queimadas que a Amazônia conheceu até hoje aconteceram neste ano de 2020. Se isso continuar dessa forma, com este Presidente da República e com este Ministro Salles, o ano que vem será novamente um ano de desmatamento e de ataque ao meio ambiente, principalmente na Amazônia, onde nós moramos.
A Amazônia está próxima do Pantanal. O Pantanal é um prolongamento da Amazônia: quando termina a Amazônia, começa o Pantanal, o bioma mais querido e mais respeitado do mundo.
O nosso Cerrado está sendo devastado no Estado do Tocantins, Sra. Presidente Professora Rosa Neide, prezados companheiros, colegas Deputados e Senador Wellington Fagundes.
O Cerrado de Tocantins também está queimando, principalmente a nossa querida região do Cantão, vizinha ao Rio Araguaia, na divisa com o Estado de Mato Grosso. Está pegando fogo! A chuva já está chegando à região de Tocantins, mas tudo continua pegando fogo porque o Presidente da República e o Governador do Estado não prepararam os brigadistas para salvarem um bioma tão importante como Cerrado, o Pantanal, a nossa querida Amazônia. Ao contrário, ele continua perseguindo todos os órgãos que lutam a favor da Amazônia, como o INPE, o ICMBio, o IBAMA. Todos eles estão em frangalhos.
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Por isso, minha nobre companheira, coordenadora e Deputada Professora Rosa Neide, meus parabéns pela garra, pela vontade e pela determinação em ouvir todos os envolvidos neste que é um assunto tão importante!
O Deputado Ivan Valente já fez um relatório real da situação. A Europa já tem conhecimento do fracasso que é a política ambiental brasileira, ainda que o Presidente da República vá à ONU dizer que o Brasil é o maior protetor do meio ambiente no mundo. Mentira do Presidente Bolsonaro! Mentira desse Ministro do Meio Ambiente!
Parabéns a todos os estudiosos e a todos os especialistas do meio ambiente e das causas humanitárias! Nós estamos apresentando um relatório que é um exemplo para que o Governo brasileiro e o mundo saibam que o Congresso Nacional e a Câmara dos Deputados, por meio desta Comissão Especial tão importante sobre as queimadas no Pantanal, criarão uma solução, um rumo definitivo para salvarmos os biomas brasileiros. Se não agirmos, esse Governo e esse Ministro do Meio Ambiente não vão fazer nada!
Um forte abraço, Deputada Rosa Neide! Parabéns pela capacidade, pela coragem e pela iniciativa de apresentar uma proposta à altura da Câmara dos Deputados! Esta é a nossa tarefa.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Deputado Célio Moura. V.Exa. é um Deputado sempre presente nas reuniões da nossa Comissão, um estudioso da legislação do que é possível fazer para que o Brasil consiga salvar seus biomas.
Eu gostaria de dizer que esta Comissão, paralelamente, busca construir um relatório, por meio de medidas parlamentares, informando à Mesa da Câmara dos Deputados aquilo que é possível fazer no trâmite dos nossos trabalhos para tomar as atitudes necessárias diante do que está acontecendo. Ontem mesmo, o Deputado Vander Loubet, que falará daqui a pouco, fez uma denúncia e um pedido de socorro, diante do desespero em que se encontra o Estado de Mato Grosso do Sul com o avanço das queimadas na Serra do Amolar. Todos os Ministérios foram solicitados na tarde de ontem. Daqui a pouco, o Deputado Vander trará mais informações sobre a situação da Serra do Amolar no dia de hoje.
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11:50
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O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Deputada, eu estou terminando outra reunião, portanto posso usar a palavra em outro momento?
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Com certeza, Deputado Paulo Teixeira!
O SR. VANDER LOUBET (PT - MS) - Bom dia, Deputada Rosa Neide. Em seu nome, gostaria de cumprimentar todos os Parlamentares, nosso Senador Wellington Fagundes, bem como nossos convidados, em nome do Pe. Marco Antônio Ribeiro, de Corumbá, nossa cidade no Pantanal, minha cidade vizinha, já que eu sou do Município de Porto Murtinho.
Deputada Rosa, nós estamos na oitava reunião temática desta Comissão. Eu vejo que esta reunião de hoje com os organismos eclesiásticos, pastorais e representantes dos direitos humanos é muito importante, porque o trabalho se realizada com nossos remanescentes de quilombos, com nossos ribeirinhos, com nossos índios guatós, com os povos tradicionais. A contribuição de todos eles é concreta, parte da vivência destas entidades e destes povos.
Sobre a questão da grilagem, eu vi que V.Exa., Sra. Presidente, lembrou a situação em que se encontra a Serra do Amolar. Ontem foi muito importante a intervenção que fizemos durante a reunião. Surgiu um fogo no fundo da Serra do Amolar, vindo das fazendas, e não havia sequer um avião para levar água até a região e tentar eliminar o fogo. Acho que nossa intervenção contribuiu muito. O Secretário me ligou para agradecer, assim como fizeram os órgãos federais, que também contribuíram. No entanto, o fogo ainda permanece.
Nós precisamos ficar muito atentos, Deputada Rosa Neide, com o que vai acontecer assim que chegarem as chuvas. Com estas queimadas enormes e a grande quantidade de cinzas, logo, logo nós teremos um desastre: com a chegada das chuvas, começa a decoada. O rio está com os menores índices nos últimos 50 anos. Com certeza, assim que começar a chover, toda a cinza vai para os rios, gerando, por consequência, um problema seriíssimo de mortalidade dos peixes. Além disso, haverá um grande prejuízo para os povos ribeirinhos, os guatós, os quilombolas. Nós vamos viver outro desastre anunciado. Isso é motivo de muita preocupação.
Hoje a Secretaria do Estado anuncia o relatório que será encaminhado à nossa Presidente. Eu acho que devemos nos esforçar para, neste momento desastroso, que é uma vergonha para o Brasil, implementarmos políticas definitivas para que esta situação não se repita e nós equipemos nossas instituições — nossas instituições não têm equipamento suficiente para combater o fogo, o número de brigadistas é muito reduzido. Nós precisamos envolver as Forças Armadas nesta iniciativa.
Eu tenho certeza de que nós vamos precisar mexer na legislação, como vamos sugerir à EMBRAPA, instituição que desenvolve um trabalho seriíssimo em pesquisa, fazer o manejo correto, por meio de uma política de incentivo.
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11:54
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Eu estou muito otimista com o trabalho desta nossa Comissão. Quero parabenizar a todos. Acho que nós estamos fazendo um trabalho diferenciado e, pela primeira vez, temos condições de apontar as soluções, bem como o que precisa ser alterado na legislação. Da mesma forma, é necessário que o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça, com as Secretarias dos dois Estados, construam políticas públicas para enfrentarmos definitivamente este problema que ocorre todos os anos. Aliás, este ano está sendo bem pior que os outros. Este problema vai piorar cada vez mais, infelizmente.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Deputado Vander Loubet. V.Exa., que é de Mato Grosso do Sul, e eu, que sou de Mato Grosso, sabemos a dor que temos em lidar com esta situação que está acontecendo. Nós não temos inimigos nem adversários no Pantanal. Nós entendemos que quem está no Pantanal neste momento talvez esteja usando estratégias diferentes, mas trabalhando em comunhão para chegar a um ponto comum, para que o fogo seja extinto.
A sugestão de V.Exa. é necessária. Nós precisamos mudar, para que o Pantanal sobreviva. Juntos, precisamos tomar iniciativas para que o Pantanal saia desta situação.
Esta Comissão é de suma importância. Nós vamos mostrar nosso relatório ao País e ao mundo e esperamos ver implementadas as ações necessárias. Se isso não acontecer, nós vamos cobrar dura e publicamente, para salvarmos não apenas o Pantanal, mas também os demais biomas, porque todos estão interligados.
Antes de passar a palavra ao Deputado Paulo Teixeira, eu gostaria de apresentar algumas perguntas feitas pelo e-Democracia. Como eu já disse, hoje nós tivemos talvez a maior audiência no e-Democracia, em que muitas pessoas fizeram perguntas. Eu vou lê-las para que nossos palestrantes respondam em seguida.
A Sra. Ivete da Silva pergunta à nossa palestrante Valéria se estas imagens são do Pantanal. Pelo que eu pude ver, a Valéria indicou que as imagens se referiam a um quilombo no Maranhão, mas talvez alguém tenha entendido que ela mostrava imagens do Pantanal. A Valéria pode falar depois.
Perguntam ao nosso Pe. Marco Antônio qual a fonte das informações passadas durante a sua apresentação.
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11:58
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O Sr. Elói João diz que quem acabou com as queimadas em Santa Catarina foram os técnicos agrícolas, que ensinaram aos agricultores o plantio direto. Ele pergunta se as igrejas têm alguma ação para motivar os agricultores a fazer o plantio direto sem produzir queimadas.
Antônio Celso intervém: "Quando falamos no bioma Pantanal, não acham que a educação deveria estar na ponta das ações, começando nas escolas e nas universidades, com a implantação da educação ambiental em todas as escolas no entorno do Pantanal, a exemplo das escolas municipais em Bonito, Mato Grosso do Sul?"
Celso dos Santos pergunta: "Quando se fala em brigadas contra incêndios, não acham que é importante inserir os povos que moram no Pantanal, levando a eles treinamento?"
Laura questiona: "Ao ver os dados oficiais divulgados pelo Programa Queimadas, do INPE, nós vemos que as comunidades e os territórios estão em risco no Pantanal, na Amazônia, no Cerrado e sofrem com o avanço do agronegócio e da grilagem. Como ouvir os povos e enfrentar as violações de direitos de todos eles?"
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu quero cumprimentar nossa Presidenta Rosa Neide e parabenizá-la pela condução dos trabalhos desta Comissão. Quero, igualmente, cumprimentar os Parlamentares, os convidados e as convidadas, as entidades religiosas e seus representantes, bem como as pastorais presentes.
Eu acho que a situação em que se encontra o Pantanal acende uma luz para o Brasil de maneira severa, de maneira muito forte. Acende uma luz para nos alertar que estamos vivendo um tempo de risco irreversível na questão ambiental. O Governo autorizou o que fizeram no Estado do Amazonas no ano passado, no "Dia do Fogo", como autorizou o que foi feito no Pantanal. Até a Polícia Federal, quando esteve no Pantanal, disse isso. O Governo enfraqueceu o IBAMA e o ICMBio, não lhes deu luz. O Pantanal está pegando fogo há muito tempo, e o Governo deixa isso acontecer.
Por isso, eu acho que nós precisamos desenvolver uma ação profunda. Esta ação tem que exigir o fim do fogo, de modo a recuperar o bioma e criar uma política de prevenção, mas é preciso também se mobilizar a sociedade brasileira.
Eu vi a carta dos bispos da CNBB da Região Centro-Oeste. Nós precisamos de uma mobilização muito profunda, para que o bioma pantaneiro e a Amazônia não sejam comprometidos em definitivo. Além disso, nós devemos voltar nossa atenção para o atual modelo de desenvolvimento. Nós precisamos reflorestar os mananciais e reverter este processo.
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12:02
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Deputado Paulo Teixeira. O senhor tem sido um grande pilar desta Comissão. Esteve aqui no Pantanal e nos ajuda a refletir todos os dias, assim como os demais Deputados e Deputadas da Comissão.
Há, da parte da equipe técnica, algumas questões. Começo pelas direcionadas aos representantes da CNBB. Na mensagem emitida pela entidade sobre as queimadas em território brasileiro, ela denuncia a atitude do Governo Federal, a qual encontra-se em nítida contramão da consciência socioambiental, na verdade beneficiando apenas grandes conglomerados econômicos que atuam na mineração e no agronegócio. Na opinião da CNBB, que medidas emergenciais precisam ser tomadas pelo Governo Federal para reverter esse caminho de destruição ambiental? Como a Câmara dos Deputados pode contribuir na repercussão dessas denúncias e na cobrança por soluções?
Aos representantes da Pastoral da Terra e da Comissão de Justiça e Paz, a pergunta é: os senhores consideram que incêndios criminosos realizados no Cerrado, Pantanal e Amazônia podem ser considerados resultados diretos das ações e omissões do Governo Federal, que, ao priorizar o agro em detrimento da conservação ambiental, acaba por promover o desmatamento e o ataque aos direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais? As queimadas poderiam estar sendo utilizadas como forma de consolidar a grilagem de terras e inviabilizar a subsistência dessas populações em suas terras?
A todos os convidados, colocamos uma questão que todos que tiverem desejo podem abordar. Na opinião dos senhores, como as entidades eclesiásticas, pastorais e de direitos humanos podem contribuir para a defesa do equilíbrio ambiental? Como a população pode participar dessa luta? Na opinião dos senhores, como a Câmara dos Deputados poderia contribuir no enfrentamento do problema? Existe alguma norma ou ponto na legislação que os senhores entendem que poderia ou deveria ser modificado?
Essa questão final sobre a modificação da legislação, ou de outras legislações, a equipe técnica sempre apresenta, e nós Deputados e Deputadas também, de modo que, se a entidade mandar alguma coisa por escrito, ela será muito bem recebida por todos nós.
Quero ressaltar que Dom Jacy, Bispo da cidade de Cáceres, está no Pantanal mato-grossense e justificou sua ausência, motivada por uma viagem. Agradeceu muito pelo convite, disse que é uma de suas bandeiras a defesa do Pantanal, dos povos indígenas, dos ribeirinhos e que estará à disposição para um próximo convite.
Então, neste momento, vamos voltar a palavra aos nossos palestrantes, para suas considerações, e seguir para o encerramento de nossa audiência. Nós temos a alegria de dizer que foi uma audiência muito movimentada — muita gente a está acompanhando pela TV Câmara, pelas redes sociais —, e por isso entendemos que há esperança: se as pessoas estão interessadas, se estão participando, é porque estão preocupadas. Nesse sentido, a audiência de hoje foi muito concorrida, o que nos deixa muito feliz.
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O SR. DOM JUVENTINO KESTERING - Primeiramente, eu agradeço todas as informações que nós recebemos. Trata-se de informações técnicas, científicas, vindas de pessoas capacitadas, que têm conhecimento da realidade da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal e, acima de tudo, têm amor à causa da Amazônia e do Pantanal, especialmente.
Eu anotei várias ponderações que foram feitas, entre as quais cito três que, creio, precisamos trabalhar. Aqui na nossa região, na Diocese de Rondonópolis, nós temos um trabalho de preservação das nascentes. Eu creio que este é um viés que nós podemos trabalhar, mas não só na nossa região. Trata-se de um trabalho incipiente, muito pequeno, mas nós já temos algo feito. Eu creio que nós poderíamos ampliar este trabalho por toda a Bacia do Pantanal, que é muito grande. Se toda a bacia trabalhasse a recuperação das nascentes e o reflorestamento do curso dos rios, nós já teríamos algumas coisas solucionadas.
Em segundo lugar, o Pantanal não pode ser visto somente pelo cidadão brasileiro, não pode ser uma preocupação apenas do cidadão. É preciso que ele seja assumido pelo Estado. É o Estado que tem aparatos, equipamentos, aviões e pessoas capazes de enfrentar todas as situações que acontecem no Pantanal, em se tratando de prevenção. O momento é para apagar os incêndios, mas, uma vez apagados os incêndios, o Estado precisa, imediatamente, iniciar um trabalho de planejamento, de curto, médio e longo prazos, visando a preservar o Pantanal.
Em terceiro lugar, eu diria que é preciso fazer um trabalho com os povos nativos do Pantanal, os povos indígenas. Eles têm todo o cuidado com as florestas, já que eles vivem das florestas e dos rios. É preciso desenvolver um trabalho para combater os incêndios, assim como um trabalho de cuidado do Pantanal.
Finalmente, é preciso fazer um trabalho — eu achei muito interessante o que alguns disseram — em relação ao lixo no Pantanal. Eu vou ao Pantanal, em atendimento religioso, e fico assustado com a quantidade de latas jogadas à beira das estradas e dos rios. Eu acho que deveria haver uma fiscalização mais eficiente para impedir esta prática e fazermos uma limpeza no Pantanal.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, D. Juventino.
Quero dizer ao senhor que farei contato em breve e farei uma visita ao senhor. Vou convidar o Senador Wellington Fagundes para estarmos juntos aí e conversarmos. As orientações sábias que hoje o senhor nos passa serão absorvidas por esta Comissão, e seu trabalho conta com nosso total apoio. Aliás, nós pedimos o apoio do senhor ao nosso trabalho. Como cristãos que somos, esperamos receber suas bênçãos nesta luta, para que tenhamos vida, vida em abundância, como Cristo nos orientou.
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Nós da Comissão Pastoral da Terra gostaríamos de deixar registrado que é importante o Estado brasileiro reconhecer o papel das comunidades e dos povos tradicionais nesse serviço socioambiental que é prestado ao País, que é prestado à humanidade. Queremos deixar registrado que essas queimadas não são responsabilidade dos povos indígenas. Não são os roçados que respondem por essas queimadas. É preciso que o Estado brasileiro responsabilize os verdadeiros responsáveis, identifique quem são os atores que estão por trás dessas queimadas, identifique quem está lucrando com elas. Enquanto estamos na pandemia e queimando, na Bolsa de Valores, o agronegócio e a produção de soja estão crescendo. Mas as queimadas também estão crescendo.
É importante deixar claro que há diferença entre esses fogos. O fogo usado pelas comunidades tradicionais e pelos povos indígenas manteve conservada a biodiversidade do País por mais de 500 anos. Em poucas décadas, nos últimos 40 anos, o agronegócio está destruindo os Biomas Cerrado, Amazônia e Pantanal. É importante deixar clara a diferença no uso do fogo. Não é o fogo dos roçados que destrói. Não é o fogo usado pelas comunidades tradicionais, que faz parte da sua cultura, que está destruindo.
Precisamos, sim, de um processo de responsabilização de quem está lucrando com isso. É preciso um processo de educação e de prevenção, para que a sociedade possa compreender quem, de fato, conserva. As populações brasileira e mundial devem reconhecer o importante papel dessas comunidades na conservação desses biomas. Se há Cerrado em pé, se há Pantanal em pé, se há floresta na Amazônia, é por ainda existirem populações tradicionais no campo, ainda existirem territórios onde ainda encontramos refúgios de biodiversidade, onde ainda encontramos água, onde é possível respirar um ar limpo e saudável.
Não são os povos indígenas que estão usando fogo químico contra a nossa saúde. Os agroquímicos e os agrotóxicos não são dos povos tradicionais.
É importante que esta Comissão e o Estado brasileiro façam esse reconhecimento e essa responsabilização. É importante criar uma lista suja de quem são os responsáveis por essas queimadas. Não dá mais para ficarmos só apagando fogo. Esses irresponsáveis põem fogo na Amazônia em 2019, criam o Dia do Fogo, que é uma triste realidade, e continuam espalhando fogo em 2020. Se não dermos um basta e apontarmos quem são esses responsáveis, isso vai continuar.
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Respondendo a alguém que fez uma pergunta, eu afirmo: sim, no Cerrado, a maior parte do fogo está no MATOPIBA, que é uma área de fronteira agrícola. É importante monitorar isso e perceber que, nas áreas onde avançam o agronegócio e os grandes projetos, como o Pe. Marco falou, avançam as queimadas, o desmatamento, a contaminação da água, a expulsão da população do campo, a violência, a disputa por água, como no oeste da Bahia. É importante frisar isso.
Não é possível que haja campos e florestas em pé com esse modelo destrutivo, com esse modelo que não traz nada de bom para as populações locais. O que fica de bom nessas grandes áreas de monocultura de soja para a população local? O que tem ficado são os resíduos que provocam doenças, que provocam essas queimadas e essa degradação, tanto ambiental quanto social.
O Brasil precisa reconhecer a memória dos povos. O Brasil precisa reconhecer esse papel importante e mudar o seu discurso.
Eu gostaria muito de agradecer a participação e dizer que estamos articulados em várias organizações, movimentos sociais e pastorais do Cerrado, da Amazônia e do Pantanal, no enfrentamento das queimadas, da grilagem e também do desmatamento. Essa luta deve ser permanente. O enfrentamento deve ser permanente.
Nós nos colocamos à disposição para participar do processo de enfrentamento, inclusive do Projeto de Lei nº 2.633, de 2020, oriundo da antiga Medida Provisória nº 910, de 2019, que dá passe livre para a grilagem, para o desmatamento, para as queimadas. Esse projeto é um passe livre para a boiada passar, é a abertura dessas porteiras da degradação.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Valéria. Você contribuiu fortemente para a nossa discussão.
A Comissão Pastoral da Terra é uma grande parceira e será parceira nesta Comissão. Vamos ouvi-la mais vezes. Vamos estar juntos com a CPT, que tem trabalho prestado em todo o País e conhece o que significa para as pessoas terem terra, espaço, plantações e colheitas para encherem as mesas. Vamos trazer sempre a CPT para representar as vozes dos que estão no campo falando conosco.
Direcionando minha fala à Ivete da Silva, que pediu a fonte do desmonte, eu quero dizer que já encaminhei a fonte para a Secretaria Executiva, citando o Decreto nº 9.806, de 2019, que acarretou a conclusão do desmonte do Conselho Nacional do Meio Ambiente — CONAMA, com a diminuição da representação e, consequentemente, com a diminuição da presença dos representantes da sociedade civil em vários outros conselhos, comitês e organizações.
Isso tirou a representação da sociedade civil e deixou vulnerável e frágil a condução de diversas realidades do nosso País, não só nessa questão ecológica, mas também em muitas outras. Estamos vendo a troca e a exclusão da sociedade civil, que está diretamente ligada às realidades gritantes daqueles que necessitam dessa atenção.
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Cito também a dificuldade que as nossas pastorais encontram para fazer o seu serviço, que, na verdade, é um auxílio a um serviço que deveria, muitas vezes, ser coberto por políticas públicas, pelo Estado. A Igreja o encampa, sempre encampou e seguirá encampando, na concretização, na realização dessas políticas, como a Pastoral da Criança, que atua na atenção às famílias; como a Pastoral da Terra, que atua junto aos trabalhadores — querem insistir em culpabilizá-los, mas lá já estavam lá antes. Como a própria Valéria disse, não são eles que estão causando essa situação. Se eles estão fazendo algum fogo, é por falta de política pública que possibilite que eles permaneçam em seu espaço e cuidem dele.
O Conselho Indigenista Missionário — CIMI está acompanhando a questão indígena. Todas as pastorais indigenistas estão defendendo os nossos indígenas. Aqui no Mato Grosso do Sul, os nossos indígenas estão sendo dizimados — não diretamente, com tiros, mas com situações indiretas que levam à dizimação dos povos indígenas.
A Igreja está à disposição, está no campo de trabalho, com as nossas pastorais sociais. A estrutura da instituição está à disposição, por meio da CNBB, que pode contribuir respondendo as outras perguntas que foram colocadas no chat, sobre como esta Casa pode fazer alguma coisa. A CNBB e suas instituições podem responder isso.
Quero agradecer ao D. João pela indicação; ao irmão Sílvio, que é o Secretário Executivo da CNBB no Regional Oeste 1, aos seus oito bispos que compõem a Arquidiocese do Mato Grosso do Sul; ao nosso metropolita D. Dimas, que foi citado na carta do Centro-Oeste sobre as queimadas. A Igreja já deu sua posição através da carta.
Há aquele ditado do beija-flor que vai com uma gotinha de água apagar o incêndio. Esse esforço é quase em vão, porque, antes de chegar lá, ele já morreu sufocado pela fumaça e não vai dar conta de apagar o incêndio. Temos que atacar as grandes realidades que estão levando a essa situação tão complicada que estamos vivendo aqui no Pantanal.
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Pe. Marco Antônio. Leve o abraço desta Comissão, em meu nome e em nome do Deputado Vander Loubet, do Mato Grosso do Sul, a toda a Diocese de Corumbá, aos bispos que estão ajudando, estão discutindo, estão auxiliando as comunidades na reflexão sobre o bem viver no nosso planeta.
Neste momento, Padre, três pessoas pediram algumas informações sobre as apresentações. A nossa Comissão enviará, por e-mail, resposta a todas as pessoas que fizeram solicitação.
O SR. PAULO ROBERTO MARTINS MALDOS - Em primeiro lugar, eu vou procurar responder a questão que nos foi colocada, a respeito de haver uma intencionalidade nessas queimadas, no sentido de favorecimento do agronegócio. Eu resumi assim a questão.
Realmente e infelizmente, acho que a nossa resposta é sim. Acho que há uma intencionalidade, sim. Inclusive, a própria Polícia Federal identificou que a origem de 90% desses incêndios é criminosa, o que é, no fundo, a defesa de um modelo — que é chamado de "desenvolvimento", mas não é desenvolvimento para nós — destrutivo, como bem colocou a Valéria, colega da Comissão Pastoral da Terra.
Eu queria recordar que esse modelo tem suas raízes na ditadura militar, com a concepção de ida para o oeste levando fazendas, o grande latifúndio improdutivo, como base para um desenvolvimento.
Eu tenho bastante tempo de caminhada. Em 1979, em um voo para a Região Amazônica, estava ao meu lado no avião uma pessoa com um colete escrito "IBAMA". Eu perguntei — imaginem que isso foi naquela época, em 1979 — sobre as preocupações que ele teria a respeito da devastação, dos crimes ambientais. A resposta do funcionário do IBAMA, naquele momento, foi: "Fica tranquilo! Pode meter o machado à vontade e pode ganhar muito dinheiro com isso". Isso foi um choque para mim.
Até hoje, quando recordo essa história, eu fico chocado com um funcionário público com essa concepção de meter o machado à vontade para derrubar a Amazônia.
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No início do ano passado, eu fui convidado pelo Ministério Público Federal para um debate com o atual Ministro do Meio Ambiente. Para minha surpresa, fui ao Ministério Público em Brasília ver o Ministro de Estado responsável pelo meio ambiente atacar o tempo todo o tamanho das áreas de preservação e o tamanho dos territórios indígenas e defender simplesmente a mudança, a redução, o desfazimento desses territórios reconhecidos pelo Estado brasileiro. O Ministro do Meio Ambiente defendeu essa redução. Ele falou que são grandes demais as áreas de proteção no Brasil e que elas precisam ser reduzidas.
Eu ligo uma coisa à outra: a fala de um funcionário do IBAMA em 1979 à fala de um Ministro, 40 anos depois, dizendo que podemos meter o machado em muitas outras áreas que estão hoje protegidas, ou seja, "precisamos reduzir a proteção para poder meter o machado no que restou".
Para mim, o caminho é realmente uma outra concepção de desenvolvimento, em que a base seja o reconhecimento dos territórios dessas comunidades, o reconhecimento do conhecimento tradicional, que sabe muito bem preservar todos os biomas que temos no País.
Eu queria destacar aqui o protagonismo desses povos. Esta Comissão recebeu, na semana passada, a carta das comunidades pantaneiras, entregue pela Claudia Pinho, a reconhecida Claudia Pantaneira, que é Presidente do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. Nessa carta das comunidades pantaneiras, eles elencam uma série de medidas de caráter imediato e de caráter permanente essenciais para a recuperação do Pantanal e para o futuro do Pantanal. Eu queria destacar que os povos têm protagonismo, têm expertise, têm muito a contribuir.
É fundamental a articulação desse conhecimento tradicional com o conhecimento científico, porque também as universidades, os institutos federais e as ONGs da região do Pantanal têm muito a contribuir e já têm um acúmulo muito importante sobre os caminhos para recuperar e preservar de forma permanente.
Eu queria lembrar a capacidade da sociedade civil em atuar. Mesmo não tendo ocorrido no Bioma Pantanal, eu queria mostrar um exemplo dessa força: só o Instituto Terra, do Sebastião Salgado, na região de Mariana, está responsável pela recuperação de 5 mil nascentes. A nossa sociedade tem uma expertise e uma capacidade, assim como várias universidades e ONGs do Mato Grosso. Eu queria dar outro exemplo: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem uma proposta de florestamento de 100 milhões de árvores em todo o País, o que é outra atitude extremamente positiva.
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Então, o papel da Câmara, a nosso ver, é de mobilização política e social imediata, no sentido de parar o fogo imediatamente. E, talvez, o caminho seja o uso das Forças Armadas, ou seja, exigir do Presidente da República a intervenção das Forças Armadas para imediatamente cessar o fogo. A partir daí, construir políticas públicas de caráter permanente para a recuperação, preservação e prevenção desse bioma tão caro para o País e para toda a humanidade.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Paulo. Vou repetir o que disse, no sentido de que apagar o fogo tem sido a determinação desta Comissão desde a sua instalação. E temos que continuar bradando para apagar o fogo e acabar com ele, porque depois se pode construir novamente. Queimando, isso não acontece, porque os animais morrem, a vegetação é extinta e a população fica sem água potável para beber na maior planície úmida do planeta. Então, não dá para deixar para daqui a pouco, porque os dias já passaram, e estamos há 3 meses com o Pantanal em chamas.
O SR. TEOBALDO WITTER - Deputada, anotei muitas coisas aqui, mas vou me ater a alguns aspectos. A primeira pergunta é sobre o que podemos fazer — as igrejas, o movimento social — e com quem contar.
Eu quero lembrar que o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil — CONIC, em conjunto com as igrejas, fez a Campanha da Fraternidade Ecumênica, em 2016, com o objetivo de tratar basicamente de saneamento básico. Nessa época, nós fizemos várias audiências na Assembleia Legislativa, aqui em Cuiabá, e em algumas Câmaras de Vereadores, quando fomos informados pelo Governo Federal da época que havia à disposição para isso mais ou menos 600 bilhões de reais e que as Prefeituras deveriam acessar esses recursos.
Nós fizemos reuniões e chamamos os Secretários de Educação, alguns Prefeitos, e nos foi dito claramente que não iria acontecer nada porque as pessoas não tinham dinheiro. Nem estávamos falando sobre essa questão de que não tinha dinheiro.
Então, o que é preciso, de fato — e o CONIC entende assim —, é que os administradores municipais e estaduais tomem a frente. Não estamos nem contando com o Governo Federal, porque, em um dia, fala uma coisa, e, em outro, fala outra coisa.
Ontem, por exemplo, o Ministro da Saúde disse em São Paulo que não tinha conhecimento do SUS, quer dizer, como é que uma pessoa dessas pode ser Ministro da Saúde, se não tinha conhecimento do SUS? Mas, na área, o Ministro do Meio Ambiente também é assim, assim como o Ministro da Educação. Eles não sabem o que fazer, ficam falando algumas coisas. E a fala deles fazem a cabeça do povo.
Então, é preciso mobilizar as Prefeituras, os Vereadores, os Secretários das Prefeituras, os Prefeitos, os Governadores, quem for preciso, para que enfrentemos a questão.
No caso, à época, foi a questão do saneamento, o que significavam as vertentes, as fontes de tratamento de esgoto, e assim por diante.
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No próximo ano vai ser realizada novamente a Campanha da Fraternidade Ecumênica. O Alcemir também está conosco. Então, nós podemos fazer bastantes coisas nesse sentido, mas precisamos achar pessoas interessadas que queiram fazer em conjunto conosco.
Outra questão que se colocou é sobre a legislação. Eu só queria informar que as queimadas começaram quando estavam proibidas. Queimar é proibido. Mas por que o fogo está lá? Há outra coisa: a Polícia Federal diz que 90% dos incêndios são criminosos. Mas cadê a investigação? Cadê a punição?! A impunidade gera esse tipo de situação. Precisamos ter mais determinação dos profissionais e dos órgãos de Justiça deste País para punir quem esculhamba com a natureza e a vida do povo. Eles estão contra a lei. É claro que deve haver uma legislação específica em relação a essa temática do meio ambiente.
Outra questão colocada, e que eu gostaria de falar um pouquinho sobre ela, é em que se pode colaborar. Nós entendemos que a questão do ambiente é direito da Terra. Para isso, nós temos o Fórum Estadual de Direitos Humanos e da Terra. A Terra tem seus direitos também. Há pessoas que dizem que a Terra é a nossa mãe. A pergunta que eu faço é: "Como você trata a sua mãe? Como a juventude trata a mãe?" A mãe tem que fazer comida, tem que lavar a louça, tem que limpar sozinha a casa. E os filhos fazem o quê? Comem, bebem e ficam nos seus entretenimentos. Então, temos que entender que é algo incomum que temos. Precisamos rever essa questão de direitos humanos.
Em Cuiabá, teremos a semana da Campanha da Fraternidade, mas todo ano, antes de Pentecostes, há uma semana de oração pela unidade. As comunidades encontram-se, então, para participar dessa oração, ajudar e colaborar nessa parte. São espaços importantes que podem atrair mais gente.
Outra iniciativa que temos em Mato Grosso e na Amazônia como um todo é o programa A Vida por um Fio. Vamos ter uma audiência amanhã para tratar da temática, com a participação de grupos de Cuiabá, do norte, do oeste e do sul do Estado, do Araguaia. Como a Valéria falou, há pessoas estão sendo perseguidas, jogadas para fora, ameaçadas de morte porque não saem da sua área, e o fogo está chegando ali. Deve-se denunciar essa grilagem. Ela traz riscos. Temos, então, um grupo de apoio muito forte em relação a essa situação. Acho que a Deputada Professora Rosa Neide o conhece. Poderíamos conversar mais sobre essa questão do A Vida por um Fio e do programa de proteção do Estado.
Outro assunto importante, mas só vou falar de uma parte, é a educação ambiental.
Todos são professores, porque, para educar um filho, você tem que olhar nos olhos dele. Eu entendo essa educação de olhar nos olhos. Educar significa assumir compromisso em conjunto. É preciso formar, organizar e lutar pelas causas justas juntos. Em alguns lugares de Mato Grosso isso acontece, daí suas áreas não estarem queimando.
Sou muito favorável à educação ambiental. Confio nisso e acho necessário que aconteça, mas tem que haver compromisso. Educação ambiental não é só distribuir folheto ou fazer uma palestra; é compromisso. Como diz a segunda carta aos Coríntios, é compromisso de vida, e é preciso apostar a própria vida nesse compromisso.
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Pr. Teobaldo. Nós estamos ao vivo na TV Câmara, transmitida para todo o Brasil, que está acompanhando a discussão. Muita gente está nos assistindo, assistindo às belíssimas falas. Hoje excelentes palestrantes trouxeram muitas contribuições.
Como o senhor disse, educação ambiental é compromisso de vida. Primeiro há a atitude dos adultos. Nós olhamos muito para as crianças. Eu aprendo muito com os povos indígenas. As crianças miram-se no exemplo dos adultos e fazem aquilo que nós fazemos antes deles. Por isso, é exatamente como o senhor disse: olhar nos olhos, ter compromisso de vida, para que possamos fazer a educação ambiental vivendo o dia a dia. Não é um momento da vida que é educação ambiental, são todas as atitudes.
Para finalizar as nossas intervenções de hoje, convido o nosso poeta. Muita gente está saudando o Prof. Passos. Estou vendo também o Luiz Cláudio e o Tião, do CIMI. Luiz Cláudio está lembrando da pessoa de D. Pedro Casaldáliga, um grande exemplo, uma grande referência de vida. Ele olhou nos olhos a vida inteira e nos ensinou com a sua referência. O legado dele está aqui, inspirando-nos sempre.
Prof. Passos, o senhor também fez toda uma contextualização, acompanhada por todo o País. Todo mundo está preocupado com a questão do Pantanal. Por isso eu digo, neste momento, que nós não estamos fazendo embates, mas indicando soluções. Esperamos que as pessoas que pensam na vida, que têm compromisso de vida, estejam conosco.
Queria dizer que, quando estamos diante de processos que são feitos dessa forma, e pensamos que vamos ter uma saída, mas há uma série de menções contrárias àquilo que tínhamos como esperança, não podemos perder a esperança. Apesar de tudo, nós não podemos ter o horizonte da complexidade.
O nosso corpo é singular. Nós somos feitos da terra e criaturas. Então, somos todos universais, mas o corpo de cada pessoa é singular, não é igual ao de ninguém.
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O mundo que eu vejo não é o mundo que a Rosa Neide vê, não é o que o Maldos vê nem o que o Pastor vê. Cada um vê um mundo, e nós temos a obrigação de falar a partir deste mundo, do olhar o mundo que temos. E é somando as diferenças de olhares que podemos ampliar a nossa visão a respeito da realidade do mundo.
Então, parece-me que, na verdade, nós todos somos provocados, após esse conjunto de dimensões e o que temos vivido, para acreditar que pode ser diferente, que podemos acertar. O Papa tem dito isso de maneira magnífica. Ele disse assim: "Numa pandemia nós podemos ficar piores, mas podemos também descobrir uma forma de sairmos melhores dela".
Eu acredito que o momento político é de intensa comunhão, e comunhão sobretudo com os setores populares, com aqueles que são as vítimas, com aqueles que eram os principais protagonistas do Pedro Casaldáliga, os quais estavam perdendo todas as esperanças. E nós não vamos perder a esperança, porque, na verdade, a grande mudança sempre virá daqueles que desequilibram essa forma perversa.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Prof. Passos. Vamos pedir humildemente a todos que estão aqui uma contribuição. Sabemos que cada um tem suas ocupações, mas todos têm compromisso com a vida e estão sempre dispostos a nos ajudar. Esta Comissão precisa muito de todos vocês.
Eu quero aqui fazer um agradecimento especial ao Deputado Rodrigo Maia, Presidente da Câmara dos Deputados, que sempre esteve presente, apoiando os trabalhos desta Comissão.
Quero agradecer aos membros da Comissão: Deputado Pedro Cunha Lima, Deputado Célio Studart, Deputado Dr. Leonardo, Deputado Idilvan Alencar, Deputado Túlio Gadêlha, Deputado Alencar Santana Braga, Deputado Alessandro Molon, Deputado Alexandre Padilha, Deputado Camilo Capiberibe, Deputado Célio Moura, Deputado David Miranda, Deputado Gervásio Maia, Deputado Ivan Valente, Deputado Marcelo Freixo, Deputado Merlong Solano, Deputado Nilto Tatto, Deputado Paulo Teixeira, Deputado Rodrigo Agostinho, Deputado Rubens Otoni e Deputado Vander Loubet. Esses Deputados, com suas assessorias, estão integralmente dedicados a esta Comissão.
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Agradecendo a todos e a todas que nos acompanharam esta manhã, quero lembrar algumas frases que nos chamaram muito a atenção. As pessoas cristãs e as que têm referências cristãs sempre leram e absorveram no livro de João a mensagem: "Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância". É para isto que vamos lutar: para que todos tenham vida, e vida em abundância.
Gosto especialmente de uma frase da oração que nos une fraternamente, que é a Oração do Pai Nosso, e dela destaco um trecho: "Assim na terra como no céu". Às vezes, nós olhamos muito para cima, aguardando o céu. O Pai Nosso nos ensina: "Assim na terra como no céu". Então, é uma terra como o céu que nós queremos, é um céu aqui na terra. E para isso é necessário o olhar nos olhos, o sermos humildes nas relações uns com os outros. Como o Prof. Passos disse, cada um tem um olhar para o mundo, tem conceitos diferentes. E essa humildade de sabermos que não somos donos da verdade, mas estamos olhando o mundo de forma fraterna para que ele continue nos dando vida, e vida em abundância, é salutar para esta Comissão e para o que nós, de forma continuada, faremos com relação aos biomas brasileiros.
Por fim, quero citar o que o Papa Francisco, a grande referência desta nossa audiência de hoje, disse: "É possível aceitar o desafio de sonhar e pensar em outra humanidade. É possível desejar um planeta que assegure terra, teto e trabalho para todos". É possível sonhar com outro modelo de humanidade. Nós temos que fazer parte desse sonho, que é sonhar um Pantanal verde, a maior planície úmida do mundo, com seus animais, suas plantas e os humanos que lá habitam, e que hoje não fazem embate, mas sonham em salvar o Pantanal.
Estou muito grata pela manhã de hoje, que nos emocionou a todos. Com certeza estaremos espiritualmente melhores para continuar a luta nesta Comissão em defesa do Pantanal e dos biomas brasileiros.
Está encerrada a nossa audiência de hoje. Antes, porém, convoco audiência para amanhã, às 9h30min, no horário de Brasília, quando trataremos de uma questão muito especial: resgate e acolhimento de animais atingidos por desastres. Teremos aqui especialistas para tratar desse assunto, envolvendo especialmente a situação do Pantanal.
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