2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar o Enfrentamento à Pandemia da Covid-19 no Brasil
(Parâmetros e Procedimentos para o Retorno da Atividade Econômica)
Em 28 de Maio de 2020 (Quinta-Feira)
às 11 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia. Bloco/DEM - RJ) - Declaro aberto o nosso seminário destinado a debater parâmetros e procedimentos para o retorno da atividade econômica após o período de isolamento social devido à COVID-19. A promoção do evento é da Comissão Externa de Ações contra o Coronavírus, juntamente com a Presidência da Câmara.
Bom dia. Agradeço aos economistas Arminio Fraga, Ana Paula Vescovi, Edmar Bacha e Ilan Goldfajn, que nos honram muito com a participação e com a possibilidade de nos ajudar neste momento tão difícil, de enfrentamento do vírus, não apenas quanto aos aspectos da saúde, mas também quanto aos impactos sociais e econômicos, que precisam ser tratados e pensados levando-se em consideração os próximos meses e também os próximos anos.
Teremos 1 hora e meia, 2 horas de debate. O nosso modelo será igual ao anterior. Arminio Fraga coordenará os trabalhos, os Deputados mandarão as perguntas, e ele, o Arminio, fará a interação com os outros três economistas.
Passo a palavra a Arminio Fraga.
Muito obrigado, mais uma vez.
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Muito obrigado, Presidente Rodrigo Maia.
Sei que eu falo em nome dos meus colegas aqui quando agradeço o honroso convite e também presto homenagens à Casa por tudo que tem feito nestes tempos dificílimos.
Nós preparamos três apresentações. Farei comentários ao final. Falará primeiro Ana Paula Vescovi. Ela dispensa apresentação, como os outros, mas seguirei o protocolo. Ela tem uma carreira brilhante no setor público. Foi Secretária da Fazenda do Estado do Espírito Santo, é reconhecida nacional e, eu diria a esta altura, até internacionalmente, voltou à sua casa no Tesouro, foi Secretária-Executiva do Ministério da Fazenda. Hoje é Economista-Chefe do Banco Santander.
Depois de Ana Paula, falará Ilan Goldfajn, que foi Presidente do Banco Central — trabalhamos juntos no Banco Central tempos atrás —, tem uma ilustre carreira como acadêmico, foi Economista-Chefe do Banco Itaú, hoje trabalha no Credit Suisse e, ademais, mantém intensa atividade no CDPP, o Centro de Debate de Políticas Públicas, em São Paulo.
Por último, falará o nosso Prof. Edmar Bacha. Foi professor de Ilan e meu. É um economista que dispensa comentários. Tem renome internacional, foi Presidente do IBGE, foi um dos arquitetos do Plano Real, dirige há alguns anos a Casa das Garças, no Rio de Janeiro, e também contribui imensamente para o debate nacional.
Passo agora a bola para Ana Paula.
A SRA. ANA PAULA VITALI JANES VESCOVI - Faço um cumprimento a todos, ao Presidente Rodrigo Maia e aos demais participantes desta discussão.
Apresentarei rapidamente alguns eslaides. Alguém poderia, por favor, projetá-los?
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Vou começar apresentando alguns números sobre onde estamos neste momento e de onde acredito que podemos continuar a partir de agora, especialmente para enfrentar esse que é, acho, um desafio secular, uma equação dificílima, porque temos sim uma questão social muito relevante. Iniciamos esse processo a respeito da crise do coronavírus no Brasil no meio de um ajuste macroeconômico ainda incompleto, com algumas fragilidades que outros países comparativamente não teriam neste momento. É sobre isso que eu quero falar.
Ilan, será que você consegue fazer a projeção dos eslaides? Eu lhe peço esse favor.
O SR. ILAN GOLDFAJN - Vou tentar fazer o compartilhamento.
A SRA. ANA PAULA VITALI JANES VESCOVI - Está bom. Obrigada.
O SR. ILAN GOLDFAJN - Aguarde só um segundo, porque a apresentação resolveu desaparecer daqui. (Riso.)
A SRA. ANA PAULA VITALI JANES VESCOVI - Eu vou então fazendo os comentários e, depois, apresentamos os eslaides.
O SR. ILAN GOLDFAJN - Está legal.
A SRA. ANA PAULA VITALI JANES VESCOVI - Faço o primeiro comentário. Temos acompanhado o anúncio de medidas. Eu acho que todos os Governos, em geral, em função do enfrentamento da crise, têm aprovado medidas de apoio aos mais vulneráveis. Nós aprovamos uma transferência importante, emergencial.
Apareceram as imagens, Ilan. Obrigada.
(Segue-se exibição de imagens.)
No primeiro eslaide, mostramos que, segundo os dados do Tesouro Nacional, já temos um impulso fiscal, um conjunto de medidas que passam tanto pela suspensão de arrecadação de receitas por um período limitado quanto pelas despesas, como, por exemplo, esse auxílio emergencial que eu citei, os benefícios que têm ido para complementação das folhas de pagamento de pequenas e de médias empresas, entre outros em relação aos quais não vou entrar em detalhes. Já temos um volume que chega a 5,8% do PIB, o que é, sim, um impulso importante para a economia.
No eslaide seguinte, nós mostramos que, quando comparamos esse esforço fiscal brasileiro, que chega a 5,8% do PIB, com as medidas atualmente aprovadas, vemos que estamos bem acima da média dos países emergentes, com quase o dobro do esforço fiscal que está sendo feito pela média dos países emergentes, que são os nossos pares. Uma exceção é o Peru, um país que tem, além de superávits primários, uma dívida pública abaixo de 25% do PIB e uma carga tributária abaixo de 20% do PIB. Então, é importante entendermos esse efeito relativo do esforço brasileiro no combate à COVID, por meio de ações com impacto em despesas e receitas públicas.
Neste outro eslaide, mostro um pouco um aspecto muito preocupante dessa difícil equação, como a estou chamando aqui, que é o fato de já estarmos, em 2020, no sétimo ano consecutivo de déficits primários. Traduzo um pouco isso: desde 2014, os impostos arrecadados da sociedade não são suficientes para cobrir as despesas dos Governos como um todo. Então, existe um déficit, uma falta de recursos provenientes de impostos. Como fechamos essa equação? Aumentando dívida pública.
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Nós entramos na crise resultante da COVID sabendo que não tínhamos recursos disponíveis por meio dos impostos para financiar o enfrentamento dessa situação. Qualquer despesa, ainda que temporária, impacta sim a dívida pública. Nós aprovamos uma medida muito importante no Brasil, que foi essa segregação dos orçamentos. Então, temos um orçamento recorrente, normal, e um orçamento extraordinário, que é esse orçamento que se volta ao cumprimento de ações para combater ou atenuar os impactos da crise relativa ao coronavírus.
Dito isso, uma medida de muita transparência, muito importante, algo que nos destaca, independentemente de termos medidas temporárias e um orçamento segregado, é que todas essas despesas serão financiadas necessariamente pela dívida pública, haja vista que já não tínhamos a cobertura suficiente de receitas tributárias para isso.
Com isso — estou trazendo as estimativas da equipe de política fiscal do Santander —, neste ano provavelmente vamos ter um déficit de 11,7%. Essa é a nossa projeção atual, até porque estamos vendo ainda discussões sobre possíveis medidas que poderão ser engendradas. Como são temporárias, acreditamos que já em 2021 essa conta melhore bastante, mas que ainda permaneça um déficit, convergindo, ao longo do tempo, para superávits. Vamos ter então um período de 10 a 12 anos, aproximadamente, de déficit. A dívida pública será pressionada pelo fato de não termos a cobertura de impostos para financiar isso.
Neste eslaide vemos a trajetória da dívida pública. Obviamente, são projeções em função de expectativas de crescimento da economia, o que chamamos de PIB potencial ou crescimento potencial da economia, e do juro estrutural da economia. Dadas essas vaiáveis todas, projetamos que chegaremos a uma dívida próxima a 100% do PIB em alguns anos.
Nessa projeção há uma premissa muito importante, que merece destaque. Nessa projeção, contamos com o cumprimento da regra do teto dos gastos. Se não houver esse cumprimento, se não houver condições de seguirmos essa disciplina do teto dos gastos, provavelmente a dívida não se estabilizará, não convergirá. O cenário seria o de crescimento continuado, persistente e, eu diria, até explosivo dessa dívida nos próximos anos.
É muito importante que entendamos como a dívida pública vai se comportar. Nós estamos falando de uma dívida que vai ser aproximadamente o dobro da dos nossos pares, e isso traz um cenário de muita preocupação, obviamente, para a condução da estabilidade macroeconômica no Brasil.
Neste outro eslaide, há um detalhe que às vezes escapa ao nosso acompanhamento diário, mas é muito importante. Quando falamos dessa necessidade de financiamento, que vai além do déficit primário, estamos dizendo que o Tesouro precisa captar esses recursos na sociedade. Lembro que a dívida pública brasileira, neste momento, é financiada por brasileiros, essencialmente. Mais de 90% dessa dívida é financiada por nós mesmos. Então, esses recursos o Tesouro precisa captar na sociedade.
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Em 2020 — vejam o primeiro gráfico, o da parte de cima, à esquerda —, o Tesouro pagou mais resgastes do que emitiu dívida, pelas dificuldades naturais. O Risco País é crescente, e o custo da emissão está aumentando. Com isso, o Tesouro mais paga vencimentos de títulos do que emite novos neste momento. Esse enxugamento de liquidez, esse enxugamento do caixa do Tesouro já chegou a 240 bilhões de reais em relação aos primeiros 4 meses do ano, o que foi informado ontem pelo Tesouro Nacional. O prazo da dívida está encurtando, e nós temos que ter em mente que há um vencimento de títulos já esperado. Os que foram emitidos no passado vão vencer agora, precisam ser pagos. São compromissos que o Tesouro tem.
Somando esses compromissos com o déficit nominal que nós esperamos, o que se vê é a necessidade de o Tesouro atrair investimentos para a dívida pública na ordem de 1,2 trilhão de reais nos próximos meses. É um cenário em que não podemos nos esquecer disso. Toda vez em que há aumento de despesas, o Tesouro tem que captar esse recurso, tem que ir a mercado. Com a percepção de risco sobre a dívida aumentando, há sim uma restrição, uma dificuldade maior.
Com o próximo eslaide, volto ao ponto do teto dos gastos. Hoje, se nós tomarmos algumas medidas, como continuar com a disciplina de não aumentar a folha de salários no setor público — afinal de contas, se olharmos para o setor privado, veremos que várias empresas estão demitindo e reduzindo salários para poder passar por este momento difícil —, ou seja, apenas mantê-la estável, não fazer contratações novas, não conceder aumentos de salários, promoções, progressões, se nós conseguirmos manter apenas o valor real do salário mínimo, repor a inflação sobre o salário mínimo, e se nós não tivermos novas despesas de caráter permanente, conseguiremos manter o cumprimento do teto dos gastos até 2022, representado neste gráfico por esta linha vermelha.
Temos uma preocupação. Despesas já foram ampliadas, num período recente, em caráter permanente, em especial essa medida do BPC, que está aí. Foi questionada pelo Tribunal de Contas, Supremo, mas há uma questão de vetos ainda em suspenso. Qualquer despesa permanente adicional traria um risco muito grande para o cumprimento da regra constitucional do teto, a qual vai depender de reformas nos próximos meses para que siga sendo cumprida. E, de novo, isso é muito importante para uma condução voltada à sustentação da dívida pública nos próximos anos, ainda que no longo prazo.
No último eslaide trago uma mensagem final para os Srs. Congressistas, um reconhecimento nosso, em primeiro lugar, do papel fundamental que o Congresso teve nos últimos anos em termos de aprovação de reformas.
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Temos percebido, desde 2016, uma trajetória importante de ajuste das contas públicas, e o Congresso foi um ator fundamental para aprovar medidas capazes de nos levar a essa condução.
Essa equação agora, de fato, fica mais difícil, com a pandemia, que é algo inusitado, inesperado e extraordinário. Isso nos demanda, sim, novos desafios.
Trazendo como mensagem final, quero dizer que é muito importante haver um conjunto de medidas críveis, para que possamos perceber o Brasil estabilizando e convergindo a sua dívida pública.
Queremos voltar ao ambiente de reformas o mais rapidamente possível. O obviamente, passa pela avaliação da Casa definir quando teremos condições de voltar à agenda de reformas. Garantir a segurança jurídica dos contratos e a cadeia de pagamentos é fundamental para manter a economia rodando normalmente. Manter o compromisso com as regras fiscais é fundamental para dar ancoragem, inclusive, à atuação da política monetária — acho que o Presidente Ilan vai comentar sobre isso.
Temos grandes oportunidades neste momento. Eu citaria duas principais: uma é aproximar o Estado dos seus cidadãos, pela via digital. As inovações digitais estão se acelerando em função da crise da COVID. A segunda é a oportunidade muito grande de redesenhar os programas sociais no Brasil e fazer um ajuste justo.
Eu trago alguns dados — não vou me aprofundar, vou falar muito rapidamente. Há um programa muito focalizado no Brasil e muito bem avaliado, que é o Bolsa Família, que já foi estudado largamente. Esse programa chega aos 20% dos mais pobres. Mas há outros programas que compõem o conjunto de gastos sociais no Brasil que não são tão focalizados.
Nós temos, sim, uma oportunidade de fazer o redesenho desses programas, colocando incentivos corretos. Eu digo aqui, por exemplo, que a relação do FGTS com o seguro-desemprego é uma oportunidade enorme de colocar incentivos adequados e determinar um uso mais apropriado dos fundos que já temos para a sociedade.
Então, antes de discutir qualquer condução em termos de política fiscal, acho que se torna fundamental rever o desenho dos programas sociais no Brasil.
Eu fico por aqui, mas fico à disposição para o debate.
Agradeço a oportunidade desde já.
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Muito obrigado.
Passo a palavra ao Ilan.
O SR. ILAN GOLDFAJN - Obrigado, Arminio.
Cumprimento o Presidente Rodrigo Maia e os Deputados, que tanto honram o País, com quem também tive o prazer de conviver nesses anos em que estive no Banco Central, quando sempre me deram apoio, como agora também, já fora do banco.
Cumprimento meus colegas, a Ana Paula e o Edmar, que estão aqui comigo.
Acho que foi feliz a apresentação da Ana Paula antes, porque isso me permite colocar um pouco essa questão fiscal nos pontos que vou mencionar.
Primeiro, quero falar sobre a minha avaliação do diagnóstico para, depois, falar um pouco sobre o que o Brasil já fez e o que dá para fazer, ainda neste momento de pandemia. Depois, quero conversar um pouco sobre o que dá para fazer, à medida que a pandemia for passando, e em que temos que nos concentrar.
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Então, primeiro é o diagnóstico. Está claro que esta é uma crise diferente das anteriores. Para quem já esteve aqui, já conviveu e lembra todas as crises pelas quais o Brasil já passou, a crise de 2008-2009, por exemplo, foi uma crise no âmago da economia e do sistema financeiro. Depois da recessão que nós tivemos, em 2015-2016, veio uma crise que teve a ver com a crise de confiança, e todas foram crises dentro da economia.
Esta crise é diferente, esta crise começa num campo que não é da economia. É uma crise provocada por um vírus que nós desconhecemos, para o qual não existe vacina e que tem um contágio mais alto que os demais. Portanto, esta é uma crise que vai terminar no momento em que a questão do vírus for endereçada pela ciência e pela medicina, seja através de uma vacina, seja através da cura, seja através da redução do contágio — o que eles chamam de R menor do que 1, referindo-se à capacidade de o vírus se propagar ao longo do tempo.
Este ponto que eu estou considerando é relevante, porque muitas vezes achamos que a crise econômica vai acabar por conta própria, ou que há algo que nós possamos fazer neste momento para terminar com ela. Na verdade, o que nós podemos fazer é mitigá-la, dando suporte enquanto estivermos atravessando esta crise.
Eu acho que a Câmara cumpriu o seu papel e ainda vai continuar cumprindo, de modo que o ponto que nós temos que ver aqui hoje é pensar em como continuar sendo úteis.
O que nós já sabemos e o que nós não sabemos com relação a esta crise e este vírus no momento? Primeiro, logo no começo, acreditávamos que o vírus poderia ser debelado rapidamente, em 2 semanas: ficaríamos 2 semanas em isolamento, e em 2 meses estaria tudo terminado. A crise seria relativamente pequena, e tudo iria voltar ao normal. Agora está ficando claro que a crise é mais longa, porque a única forma encontrada de debelar esse vírus é o isolamento, a quarentena — em vários países do mundo foi preciso o lockdown.
O vírus, de fato, está gerando uma crise muito mais longa do que se imaginava. E esse fato é relevante porque, como a Ana Paulo mostrou, gera um custo muito alto. Nós vamos ter que estabelecer prioridades, nós vamos ter que levar em consideração que esta crise não acaba amanhã e nós vamos ter que usar os recursos da melhor forma possível.
Os governos entenderam, de uma forma geral, tanto o primeiro ponto — o de que a crise vai demorar muito mais — quanto o segundo — o de que o custo não será pequeno. Eles têm tido, no mundo todo, bastantes gastos, bastantes intervenções, e isso tem ocorrido em vários lugares, em países avançados e em países emergentes.
Mas o Brasil tem duas diferenças relevantes. A primeira — não vou me estender muito — é o ponto que a Ana Paula colocou de que nós entramos nesta crise com uma fragilidade fiscal muito maior que a de outros países. Nós estávamos num processo de estabilizar dívidas, de fazer as reformas. Fizemos a reforma da Previdência, tudo isso com a ajuda do Legislativo, com a aprovação do teto de gastos lá atrás. Mas nós estávamos ainda num processo de estabilização e de reformas, e isso nos coloca numa posição mais frágil.
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O segundo ponto que está nos diferenciando é que, ao contrário de outros países, nossa quarentena tem sido mais tíbia. Ela tem achatado a curva, mas não tem sido implementada de forma disciplinada o suficiente, com liderança suficiente, para que possamos estar já no momento de uma saída segura, que garanta que tenhamos uma saída segura também na economia. Eu repito: enquanto não houver uma saída segura, enquanto não tivermos debelado de forma satisfatória a questão sanitária, não vamos ter uma saída econômica satisfatória. A pior coisa que pode acontecer é o pêndulo voltar para trás: termos que fazer uma volta, um lockdown, o que vai gerar uma crise muito maior.
Então, há essas duas diferenças, no nosso caso: a fragilidade financeira e a falta de liderança à frente das medidas sanitárias, fazendo a crise se prolongar mais do que nos outros países.
Onde estamos e o que podemos fazer para frente? Em primeiro lugar, temos que entender que este não é o momento de estímulo, de grandes obras públicas, de planos mirabolantes em termos de gastos, simplesmente porque é o momento em que precisamos dar suporte aos mais vulneráveis, aos que precisam de uma mão para chegar ao outro lado do rio. Todos temos que atravessar o rio, e nós temos que dar a ponte para os mais vulneráveis. Isso significa priorizar, escolher. Eu vou logo dizendo que, na minha opinião, há duas áreas que são as mais importantes. A primeira está relacionada ao auxílio emergencial, e esta Casa foi fundamental no seu desenho inicial: os 600 reais estão fazendo toda a diferença para que possamos avançar. A segunda, que também me parece atingir os mais vulneráveis, é a ideia de chegar às pequenas e médias empresas, que também precisam de uma mão para chegar ao outro lado, ou seja, também precisam de uma ponte. Enfim, é fundamental definir prioridades neste momento.
Sabemos que não temos espaço para gastos permanentes. Os eslaides que ajudei a passar mostraram uma situação em que não temos espaço para tornar permanentes os gastos temporários. O auxílio emergencial terá que ser pensado em relação a quanto tempo mais será prestado e de que forma estrutural terá que ser colocado.
Eu queria me deter um pouco mais na parte monetária. A questão fiscal é delicada, estamos falando em uma dívida que vai chegar a quase 95% do PIB, com a necessidade de ser estabilizada, o que é um esforço muito grande. Em geral, considera-se que há soluções de financiamento que são mais fáceis. Por exemplo, existe a ideia de que podemos simplesmente fazer emissão monetária sem custo. Mas, na verdade, qualquer emissão monetária no mundo de hoje não significa imprimir, fazer a Casa da Moeda, lá no Estado do Rio, imprimir mais dinheiro. Se se quisesse imprimir mais, isso custaria até mais. O ponto é que a moeda hoje é virtual. Da mesma forma que estamos conversando aqui de forma virtual, a moeda é virtual. Imprimir moeda hoje significa o Banco Central colocar reservas bancárias nas mãos dos bancos, para que eles tenham mais dinheiro para emprestar. Hoje, no Brasil e no mundo, essas reservas têm o mesmo custo da SELIC. Portanto, emitir mais moeda significa emitir mais dívida ao mesmo custo.
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No Brasil ainda não existem os depósitos remunerados. Há um projeto na Câmara — tenho certeza de que ele deve avançar no segundo semestre — que permite ao Brasil fazer como outros bancos centrais: emitir moeda remunerada. Lembro bem: ela é remunerada e tem custo também. O custo é igualzinho ao que existe quando o Tesouro Nacional emite uma dívida curta, uma LFT. Essa solução de emissão monetária, portanto, não é uma solução mágica, ela não resolve o nosso problema.
A segunda solução fácil que se coloca refere-se às reservas internacionais, aos dólares: gastar essas reservas. Primeiro, a lei não permite usar esses recursos para gastá-los. Passamos anos tentando separar o monetário do fiscal, disciplinando isso. Viemos de um período em que houve muita contabilidade criativa, viemos de um período em que não se separou, lá atrás, a conta movimento do Banco do Brasil. Então, essa separação é muito boa. Mesmo que fosse possível usar as reservas, elas são um ativo que temos, e eles foram acumulados com um passivo. São 20% do PIB que vieram junto com 20% do PIB de dívida. Ao se reduzir essas reservas e não se reduzir esse passivo, a dívida líquida fica maior. Eu tenho conversado com as agências de classificação, tenho conversado com investidores e sei que torrar essas reservas seria equivalente a gastar 20% do PIB e implicaria que a dívida vai subir, o risco vai subir, os juros vão subir. Tudo isso vai dificultar nossa recuperação econômica, de que tanto vamos precisar depois da recessão deste ano.
A Câmara aprovou ano passado a Lei nº 13.820, que foi sancionada. Ela permitiu fazer essa separação, para que os ganhos das reservas do Banco Central ficassem no Banco Central e só fossem transferidos para o Tesouro em momentos de severa necessidade. Eu tenho escutado que o Tesouro, neste momento de crise, em termos de liquidez, talvez esteja nessa condição. Mas temos que definir muito bem que essa situação é severa, e, da mesma forma que na situação fiscal, não podemos transformar algo temporário em algo permanente.
Hoje, temos um ganho nas reservas por causa da desvalorização de quase 6% do PIB. Pode-se transferir um pouco esse ganho para dar um oxigênio ao Tesouro, em termos de manejamento da dívida, mas não para gastar, não para torrar. Isso tem que ser feito com cuidado. Temos que usar o que a lei diz: só pode ocorrer em condições de severa necessidade.
Outra solução que ouço ser proposta é a de que, se a dívida custa o valor da taxa SELIC, vamos encurtar a dívida e pagar uma SELIC cada vez mais baixa. Como a Ana disse, estamos numa situação mais frágil. Nós vamos aumentar a nossa dívida, portanto a nossa capacidade de diminuir a SELIC depende do Risco País, depende de como nós vamos tratar a crise neste momento e também de como vamos tratá-la na saída. Então, a nossa capacidade de sustentar um juro menor para a economia depende do que fizermos tanto agora, no âmbito fiscal, como à frente, nas outras reformas. Simplesmente o voluntarismo de dar uma canetada não vai resolver os nossos problemas, porque os sinais de mercado aparecem: os títulos mais longos, que não se regem pela SELIC, começam a ter um juro maior, e a nossa dívida, que também depende desse juro mais longo, começa a ficar mais cara. Também sabemos que, se muito pressionado, o nosso câmbio começa a se depreciar, porque estamos em uma economia aberta financeiramente — ainda bem —, e as pessoas têm a liberdade de escolher investir em títulos do Tesouro ou investir em outros ativos.
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Portanto, temos que resolver essa questão fiscal. Nós temos que olhar a questão monetária em associação com a fiscal. E os juros serão os possíveis neste momento. Acho que temos de fazer um esforço, tanto no âmbito fiscal quanto nos âmbitos institucional e monetário, para que haja o menor juro possível de acordo com a realidade, e não de acordo com qualquer voluntarismo. E tenho certeza de que o Banco Central tem atuado nessa direção.
Em termos monetários, acho que podemos dividir em dois tipos as medidas que o Banco Central tem tomado: medidas ligadas à liquidez e medidas ligadas ao crédito.
Quanto às medidas ligadas à liquidez, liquidez — as pessoas não entendem muito bem essa palavra — significa basicamente ter o dinheiro disponível, os recursos disponíveis para quem está precisando deles neste momento. E nisso eu acho que o Banco Central do Brasil atuou relativamente rápido, com a ajuda do Legislativo. Ele teve bastante apoio.
Inclusive, na própria PEC do Orçamento de Guerra, houve medidas que deram mais instrumentos ao Banco Central, os quais, em minha opinião, são apenas instrumentos de liquidez, que devem ser usados no momento em que o mercado está disfuncional, conforme aquela provisão que diz que a compra de títulos privados tem que ser usada apenas quando os recursos não puderem ser transferidos de quem tem poupança para quem tem necessidade, apenas quando houver uma disfuncionalidade. E a mesma coisa se aplica aos títulos públicos: a compra deve ocorrer apenas quando o Tesouro Nacional não tiver a possibilidade de fazer isso naturalmente. Aí o Banco Central pode ter mais um instrumento. Além desses dois instrumentos que entraram na PEC aprovada na Câmara, com muita responsabilidade, houve outros que ao Banco Central rapidamente foram colocados, e isso estabilizou relativamente rápido o mercado, estabilizou muito a necessidade.
Entretanto, liquidez não é tudo. Liquidez é funding, é a quantidade de dinheiro disponível. Mas quem é que vai pagar? No momento em que esse crédito não for pago... O risco de esse dinheiro ser emprestado e não ser recebido é o risco de crédito. Essa é uma outra história, é uma história mais difícil. É uma questão não só de ter disponibilidade, mas de ter disponibilidade para a perda.
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Neste período em que está todo mundo em isolamento por causa do vírus, muita coisa não pode funcionar, as receitas caem, e muita gente acaba tendo um risco maior em seus negócios. E é neste momento que o Estado tem que participar no que chamamos de bem público, o que, neste caso, significa dar garantias. E não devem ser garantias não transparentes, não devem ser garantias que entrem em balanços que não conseguimos ver. Se forem colocadas num balanço do Banco Central, por exemplo, e não ficarmos sabendo, talvez, lá no futuro, isso não seja pago e tenha que ser capitalizado. Na minha opinião, quanto mais transparente, melhor. Temos que colocar isso no orçamento, porque temos que priorizar os gastos neste momento.
Para mim, como já falei, o auxílio emergencial e o auxílio a pequenas e médias empresas são os dois pilares de prioridade neste momento. Acho que o papel da sociedade hoje é aperfeiçoar esses dois. No caso do auxílio emergencial, é preciso ver como ele vai continuar, e, no caso das pequenas e médias empresas, é preciso ver se o auxílio está chegando à ponta. Acho que ainda temos que trabalhar nesse ponto. Não está chegando completamente à ponta esse dinheiro que está à disposição. Por quê? Porque as garantias que estão sendo dadas podem não ser suficientes, ou pode não haver incentivo suficiente para aquela parte — não há garantia de que o Estado terá recursos suficientes para transferir. Talvez haja questões burocráticas. Talvez seja essa a nossa dificuldade de chegar lá.
E, quanto a esse ponto, existem várias formas de se chegar lá. Uma delas é via os bancos, como está sendo colocado hoje. Aí temos que ver as questões de garantias, de incentivos, de burocracia. Mas também há a parte que pode ser feita através do pessoal dos meios de pagamento, que seriam aquelas maquininhas que também estão chegando à ponta. Essa talvez seja uma outra forma de se tentar chegar lá. Acho que as duas formas não são excludentes entre si: isso deveria ser feito via bancos e via maquininhas.
Lembro que as garantias são recursos públicos, e aí temos que pensar se temos dinheiro para outras funcionalidades, como, por exemplo, para salvar grandes empresas e grandes setores. Se tivermos, tudo bem, mas primeiro temos que atender aos mais necessitados e aos que precisam de mais cuidado para passar por este período de necessidade.
Assim que o vírus permitir, assim que a pandemia nos levar a um nível de contágio menor, assim que tivermos uma abertura responsável, que não nos leve ao lockdown, acho que temos que pensar no segundo passo, no que devemos fazer. E aí acredito que vamos terminar numa situação um pouco mais delicada, que é uma dívida muito alta, no meio de uma recessão. O que fazer?
Acho que aí vamos ter que retomar algumas reformas relevantes, começando por reformas no âmbito fiscal, que eu acho que são as reformas administrativas. Teremos que voltar a pensar em privatização, talvez da ELETROBRAS. O Senado terá que apreciar a questão da privatização das agências de saneamento. Talvez seja preciso retomar a discussão da reforma tributária, para ver se conseguimos chegar a um consenso, porque o crescimento vai ser relevante.
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Do ponto de vista monetário, só quero colocar duas questões. Os depósitos voluntários, de que eu já falei, são uma questão relativamente fácil. Isso está aí no Congresso, vai ser um novo instrumento para facilitar a atuação do Banco Central. Não vai resolver o problema da dívida, pois o custo é igual, mas vai ser outro instrumento. E há também a questão da independência, da autonomia do Banco Central, que eu acho que está sendo levada de forma responsável. Essa medida pode melhorar a imagem do País lá fora, o que é tão necessário neste momento. Eu evitaria aumentos de impostos, tanto (ininteligível), e também evitaria a criação de uma CPMF ou de impostos que vão reduzir muito a nossa eficiência lá na frente.
Para concluir, eu queria colocar alguns pontos. Primeiro, acho que, antes de tudo, nós temos que ter empatia, temos que dar valor à vida, temos que seguir a ciência, temos que cuidar do vírus, temos que resolver o âmago do problema, que é a doença. A questão econômica nós vamos tentando tratar enquanto isso não se resolve.
A crise é séria, mas é temporária; em algum momento ela acaba. Nós temos que passar neste teste de estresse em que foram colocadas tanto a economia quanto as instituições de uma forma serena e com uma liderança que olhe para a frente. Eu acho que a Câmara tem dado o seu passo, e a questão hoje é aperfeiçoar as medidas e olhar para a frente.
Soluções fáceis não existem, como eu já mencionei. Não há congelamento que funcione, seja de preços, seja de taxas de juros. Não há soluções fáceis de emissão de moeda sem custo. Não dá para torrar reserva e achar que isso não vai ter impacto na dívida, no risco. Temos, sim, que pensar nas reformas, nas medidas prioritárias.
Temos toda a capacidade de vencer o vírus, mas sair antes da hora não vai resolver. Como eu disse, temos feito o nosso papel, e temos que continuar a fazê-lo. Eu tenho certeza de que a Câmara, junto com toda a sociedade, vai liderar esse processo, como tem feito até agora.
Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Obrigado, Ilan.
Tem a palavra o Edmar.
O SR. EDMAR BACHA - Bom dia, Presidente Rodrigo Maia, Sras. Deputadas, Srs. Deputados, senhores colegas, público que nos acompanha pela TV Câmara. Estou muito satisfeito em voltar a conversar com os Parlamentares depois de tanto tempo, desde o Plano Real.
O momento é realmente dramático. Nós estamos vivendo uma crise que provavelmente é a maior da nossa história. O PIB cairá este ano entre 5% e 10%. Jamais tivemos algo parecido. O desemprego vai subir para a casa dos 20%. Estamos passando por uma situação muito dramática. Não dominamos ainda, ao contrário de muitos outros países, a progressão do vírus. Estamos ainda em uma fase de ascensão dos casos e das mortes. Portanto, a situação é extremamente dramática.
Nós economistas estamos quebrando a cabeça para tentar lidar com essa situação. Estou falando com os Deputados e as Deputadas sobre o que poderíamos esperar da Câmara, além de todo o trabalho extraordinário que ela tem feito nos últimos anos, em que o Brasil enfrentou uma recessão. E agora o País está enfrentando esta depressão.
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Eu acho que existem dois níveis de discussão aqui. Primeiro, como a situação é muito dramática, as pessoas tratam de buscar soluções que muitas vezes não têm racionalidade. Então, é muito importante, em primeiro lugar, tentar evitar uma pauta negativa. Fundamentalmente, há duas coisas que nós precisamos evitar a todo custo.
Uma, como os meus colegas já ressaltaram, é a explosão da dívida pública por projetos que pretendem tornar permanentes esses gastos temporários, que são tão necessários para produzir a sobrevivência dos mais necessitados e das pequenas e médias empresas ao longo da crise. Nós sabemos que o prolongamento dessas medidas, sem financiamento adequado, provocou uma explosão da dívida pública que será extremamente danosa para o País. É o caso, por exemplo, da proposta de desoneração da folha até 2022, sem se dizer de onde os recursos virão.
A outra coisa que devemos evitar, com toda a crise econômica que estamos vivendo, é pôr sobre a crise econômica uma crise bancária. É o caso de uma série de medidas que têm sido aventadas, como: aumentar a CSLL ou criar um imposto extraordinário sobre o lucro dos bancos; impor tetos às taxas de juros; promover perdão de dívidas generalizado. Tudo isso cria uma situação de muita precariedade em nosso sistema bancário, que está sólido, felizmente, mas que pode ser levado a uma situação complicada se vingarem medidas desse tipo.
O Estadão recentemente publicou um editorial intitulado O risco da epidemia legislativa, no qual foram listados 352 projetos de lei, na Câmara, no Senado, em 15 Assembleias Legislativas e na Câmara de São Paulo, que vão justamente nessa direção de gerar mais gastos sem receitas e de criar constrangimentos para a operação do sistema financeiro. Isso é uma receita para que o Brasil acabe como a Argentina.
Em 1994, tive o prazer de participar do Plano Real, com o qual nós restabelecemos a confiança dos brasileiros na moeda. Hoje em dia temos uma dívida de mais de 90% do PIB, praticamente toda ela carregada pelos brasileiros, porque os brasileiros têm confiança de que essa dívida será honrada, de que eles não estarão sujeitos a tipos de constrangimentos que existem na Argentina, uma economia que hoje está totalmente dolarizada, porque não há confiança dos argentinos na própria moeda. Nós queremos evitar isso de todas as maneiras possíveis.
12:21
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E por que isso é tão importante? É importante em si, mas também porque no pós-vírus, algo que está muito claro hoje, vai haver no mundo poupança procurando por boas oportunidades de investimentos. E no Brasil nós temos oportunidades de investimento às pencas nos diversos setores. Toda a infraestrutura brasileira está por se fazer. Portanto, temos uma enorme capacidade de captação desses recursos, desde que nós evitemos uma explosão da dívida pública e uma crise bancária, além da crise econômica, quando superarmos essa fase da propagação do vírus.
E justamente para estimular essa prioridade de reativar o crescimento pós-vírus é que, além de evitar essa agenda negativa, é muito importante a Câmara prosseguir, mesmo nas condições difíceis atuais, com uma agenda positiva que ela tem desenvolvido ao longo dos últimos anos.
A questão do saneamento, por exemplo, é essencial. A modelagem da privatização da PETROBRAS. Os depósitos voluntários no Banco Central. A independência do Banco Central. As PECs emergenciais do pacto federativo. A reforma tributária, a reforma administrativa. Enfim, há um conjunto de atuações da Câmara, mesmo nas condições atuais, para demonstrar que, realmente, passada essa crise extraordinária que nós vivemos, o País poderá retomar um crescimento vigoroso com apoio de investimentos vindos tanto do exterior quanto do País.
Eu quero, antes de encerrar, deixar uma mensagem. Eu já cunhei este País, uma vez, de Belíndia, pela extraordinária concentração da renda. E o que a gente observa ao longo da história é que modificações essenciais da distribuição de renda se dão em condições ou revolucionárias ou de guerras. Nós temos aqui, eu creio, passada essa situação tão crítica, uma oportunidade inacreditavelmente boa, pelo montante de solidariedade social que essa crise está gerando no País, para fazermos, em paz, aquilo que outros países somente conseguiram fazer em guerras ou revoluções, ou seja, fazermos uma ampla distribuição de renda neste País através do aperfeiçoamento de nossos programas sociais, porque nós gastamos muito nesses programas, que, em geral, exceto o Bolsa Família, são ineficazes. Nós temos condições de agora repensar esse conjunto de programas com o financiamento adequado e, portanto, numa crise, não somente nos abrirmos para o mundo e retomarmos o crescimento, mas também deixarmos Belíndia para trás. São meus votos.
12:25
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Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Obrigado, Edmar. É bom olharmos o copo meio cheio. Esse sempre foi o meu instinto, que vem sendo muito desafiado, infelizmente, nos últimos anos, talvez nos últimos 40 anos, no Brasil, com altos e baixos.
Eu queria fazer alguns breves comentários antes de abrir para as perguntas, que estão começando a chegar por e-mail. Esses comentários são muito facilitados pela clareza dos três que me precederam.
Parece-me claro que, de um jeito ou de outro, o vírus vai passar. Nós todos torcemos para que todas as ferramentas disponíveis e a experiência que já se tem no mundo nos sirvam de exemplo e que essa tragédia, pelo menos essa, passe a ser um item do passado. Nesse meio tempo, no entanto, nós vivemos um ambiente de enorme incerteza e muita insegurança. Isso sugere que a recuperação, não só aqui no Brasil, mas também fora, vai ser lenta.
O quadro fiscal que a Ana Paula apresentou com muita clareza é de fato muito precário. A ideia de que vamos ter um déficit primário, conforme vi na apresentação dela, de 12% — eventualmente pode ser até mais — e de que parte dessas despesas possam ser perenizadas significa que a nossa dívida muito provavelmente vai passar dos 100% do PIB. E essa é outra curva que precisa ser invertida. Todo mundo fala hoje da curva da infecção do vírus, basicamente dizendo que, para que possamos começar a voltar para uma vida mais normal, as curvas de contaminação e de óbitos precisam se inverter. Com total segurança, quero dizer que é necessário que a nossa curva também seja invertida.
Esse é um quadro complicado. Nós próprios vamos enfrentar questões demográficas também. Nós até hoje fomos um País jovem e nos beneficiamos do chamado bônus demográfico. Mais para frente as coisas vão se complicar. Isso significa que as demandas de natureza social tendem a crescer. No caso da saúde, por exemplo, estudos do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde — IEPS sugerem um crescimento de quatro pontos do PIB. O gasto com saúde pública no Brasil é relativamente baixo. Então, as demandas sobre o setor público vão aumentar.
O investimento público foi citado — inclusive, o Edmar deu vários exemplos — e podem, em boa parte, acontecer pelas mãos do setor privado, com capital privado. Há de fato excessos de poupança no mundo, mas uma parte vai exigir também recursos públicos onde o setor privado não chega. Então, tem aí mais alguns pontos no PIB, dois ou três. Estamos falando de um ajuste para colocar o País nos trilhos, inclusive e sobretudo, numa situação capaz de reduzir desigualdades, de criar oportunidades, de aumentar a mobilidade social. Vai ser preciso um ajuste fiscal permanente de grande monta. Acho que nós estamos falando em oito pontos do PIB, uma coisa assim. Isso não vai acontecer da noite para o dia, mas é algo que vai ter que acontecer.
12:29
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O Brasil vai ser obrigado a fazer escolhas, vai ser obrigado, quer queira, quer não, a tomar decisões de grande impacto. Não existe opção. Nós já sabemos disso, porque, já no passado, nós não fizemos opções, fizemos opções erradas, em várias áreas, tanto na macroeconomia quanto no campo do crescimento, da produtividade e também da justiça social. Se nós não fizermos essas opções, aí o nosso futuro será uma repetição dos piores momentos do nosso passado, elevado ao cubo, porque nós temos muito mais dívida, muito menos bônus demográfico, a coisa é mais complicada.
Eu sigo esperançoso, porque, da mesma forma que os problemas são enormes, eu diria que os espaços para se trabalhar também são bastantes grandes, e eles vão exigir mais uma vez opções do nosso Congresso, fazendo política com P maiúsculo. Será preciso buscar recursos onde eles existem: 80% dos gastos no Brasil, hoje, vão para Previdência e funcionalismo. Esse é um ponto completamente fora da curva no mundo. Notem que isso independe de o gasto público ser, como o escandinavo, acima de 50% do PIB, ou mais baixo. No México, é mais baixo; nos Estados Unidos, ele foi baixo durante muitos anos. Como regra, os gastos com Previdência e funcionalismo não passam de 60% do PIB. Então, nós temos um espaço enorme para ajustes. Na Previdência, um passo importante já foi dado, outros terão que ser dados, alguns estão sendo dados pelos Estados, acho que é uma boa novidade, que precisa se espalhar, mas daí vai ter que sair mais, não há dúvida.
O outro diz respeito ao funcionalismo. O Brasil gasta 13%, 14% do PIB com funcionalismo. Isso inclui Estados e Municípios. Na verdade, nós estamos falando dos três níveis de Governo, das três esferas de Poder. É também um ponto totalmente fora da curva. Se não me falha a memória, entre os países médios ou grandes, nós somos o segundo maior — acho que na África do Sul é um pouquinho maior que o nosso, um país bem complicado. Então, nós vamos ter que trabalhar também numa reforma do Estado, muito caprichada, e não só para fazer o ajuste. Eu penso que há um espaço muito grande também para melhorar a produtividade. Eu já tive a chance de trabalhar em Brasília, não demonizo o setor público, mas isso vai ter que mudar. Não creio também que seja algo para se fazer da noite para o dia, mas precisa acontecer já. Essa reforma está no ar, mas ainda não está em pauta. Eu acho que seria, em algum momento, importante entrar nisso.
Existe ainda uma terceira categoria de gastos, que tem a ver um pouco com a nossa história recente, mas quando se olha também os trabalhos com um horizonte mais longo fica claro que não é uma grande novidade, que diz respeito a itens que têm a ver com a nossa distribuição de renda. São subsídios que não fazem o menor sentido econômico e social. Eles realmente são de péssima qualidade. Há alguns embutidos no Imposto de Renda; alguns já desapareceram — eu espero que para sempre —, como os do BNDES que eram enormes, chegaram a 2% do PIB por ano. Mas eu acho que aí nós também vamos ter que encarar inclusive para ter autoridade moral para entrar nessa grande agenda de revisão dos mecanismos de proteção social, que eu tenho certeza de que nenhum de nós aqui advoga menos. Não se trata disso, mas de arrumar um pouco a casa. E isso também vai exigir recursos. Eu queria deixar — e sei que não está parecendo — uma mensagem de otimismo, pelo menos um otimismo cauteloso, com este argumento: o problema é gigante, mas as oportunidades e o espaço para se trabalhar também são enormes. E isso é o que nós vamos ter que fazer, não há opção. A opção é descarrilhar outra vez. É disso que se trata.
12:33
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Eu aqui então paro com os meus comentários e começo aqui a distribuir para nós as perguntas que já vêm chegando aqui por e-mail da própria Câmara. Eu começo aqui com as primeiras que focam em temas bancários. Há um pedido para que a Ana Paula comece avaliando a situação de crédito.
A pergunta é como você vê, Ana, a situação de crédito para pequenos e microempresários e as perspectivas em termos de liquidez e risco de disfuncionalidade do mercado. Eu acho que essa pergunta pode ser direcionada ao Ilan também.
Eu vou parar aqui e depois venho com outras perguntas.
Ana, por favor.
A SRA. ANA PAULA VITALI JANES VESCOVI - Como é que eu vejo a situação de crédito para micro e pequenos empresários? São firmas que têm uma situação de fluxo de caixa mais apertado pela própria natureza dos negócios. Eles são os maiores empregadores no Brasil.
Mas, antes de mais nada, o que nós precisamos neste momento para que eles consigam acessar melhor crédito e liquidez, que, como o Ilan já explicou, já foram concedidos por várias medidas do Banco Central, é de estabilidade no ambiente de negócios. Neste momento é preciso ter uma direção muito clara, muito bem sinalizada de que a cadeia de pagamentos precisa continuar existindo, porque de qualquer forma isso afeta a condução da economia e pode quebrar inclusive as cadeias produtivas no setor real. Então, nós precisamos disso funcionando. Precisamos ter a segurança de que os contratos serão mantidos. Isso tudo reduz o risco sistêmico e faz com que essas empresas consigam acessar melhor esse crédito que está à disposição.
Obviamente que as políticas públicas são importantes. Obviamente que é importante ter regras de acesso para as pequenas e médias empresas, tendo elas estas características: um fluxo de caixa que às vezes consegue aguentar só 15 dias ali com as receitas prejudicadas. Eu acho que é fundamental, sim, ter essas políticas públicas, mas sempre com muito foco, sempre garantindo que os negócios, por sua própria capacidade gerencial, de condução e de conviver num ambiente competitivo, sejam o principal fator de sucesso na saída da crise.
Eu acho muito importante que as políticas públicas que estão sendo colocadas a bom termo aqui possam funcionar para garantirmos que qualquer renegociação de contratos, por exemplo, seja feita na esfera privada. As nossas leis, no Brasil, já garantem condições de os contratos serem repactuados bilateralmente na esfera privada. Que isso possa dar essa estabilidade, essa segurança jurídica para que as empresas possam se planejar. Se já é difícil se planejar num ambiente desafiador, imaginem quando não temos essa estabilidade.
12:37
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O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Muito bem.
Esse é um ponto muito importante. Essa crise tem uma característica, já mencionada também, que apareceu meio que do além: ela veio de fora atingindo o funcionamento interno do sistema. Isso significa que os próprios bancos vão lidar com muitas situações que não são fruto de fraude ou de incompetência. Isso permite também uma postura diferente de renegociações com interesses mais alinhados, que tipicamente eram conduzidas por pessoas competentes que de repente perderam o seu chão.
Além do fragmento de pergunta que eu soltei, eu vou acrescentar uma que chegou aqui. É uma pergunta da Deputada Carmen Zanotto dirigida a você. Ela menciona que o ex-Ministro da Fazenda Nelson Barbosa tem dito essencialmente que o problema de financiamento da dívida é pequeno, pois o Banco Central pode adquirir títulos, no fundo permitindo o aumento da quantidade de moeda, posto que, num momento com muito desemprego e capacidade ociosa, não haveria risco de inflação. A pergunta que chegou aqui antes, anônima, era: quais são os riscos de desfuncionalidade no mercado? Eu aproveito para juntar essa pergunta com a da Deputada. Eu acho que elas pertencem ao mesmo espaço de discussão. Deixo a bola com você.
Já tenho uma pergunta para o Edmar, a seguir, mais sobre a área internacional.
O SR. ILAN GOLDFAJN - Primeiro, sobre a questão da liquidez, do crédito para as pequenas e médias, eu acho que, em termos de quantidade de dinheiro colocado pelo Banco Central, de emissão de moedas, isso já foi feito, já tem liquidez, não é o problema. O problema é risco de crédito, o problema é chegar lá na ponta. E aí é muito mais complicado. Existe uma questão de se assumirem as perdas que houver. O Arminio tem razão: muitas empresas vão ter problema não porque fizeram coisa errada, mas porque a situação veio para elas. Não é que elas se colocaram na situação, a situação veio. Mas isso não significa que não há risco de crédito. E aí entram os mecanismos. Todos nós temos que pensar em como chegar a ponta.
E aí há várias questões. A demanda por recursos vai subir muito. E, mesmo que a oferta dos bancos, que está subindo, venha de fato a se elevar, a diferença entre o que as pessoas precisam e o que está vindo vai ser sentida. Então, acho que nós vamos ter que entender que este é um momento difícil, vamos ter que fazer tudo que podemos para priorizar aqueles que estão precisando. Não acho que colocar mais liquidez, mais programas vai ser algo necessário, mas a questão de como fazer o crédito chegar é essencial.
12:41
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E a incerteza institucional, da qual a Ana estava falando, é uma questão fundamental. Quanto mais conflito houver, quanto mais a imagem do Brasil estiver comprometida, quanto mais percebermos que nós estamos lidando com o núcleo do problema, que é o vírus, e isso não estiver resolvido, todo o resto vai ficar mais difícil em termos de assumirmos esses riscos, essas perdas.
O problema de inflação, conforme a pergunta da Deputada, é uma questão muito importante, porque parece que temos uma solução fácil: "A inflação não está aí, a necessidade de financiamento é pequena. Vamos gastar mais, que está resolvido." O Edmar colocou muito bem: não podemos tomar o caminho da Argentina. O caminho da Argentina foi nesta linha: "Não há problema nenhum". Com isso você acaba perdendo a credibilidade da moeda, você acaba dolarizando e no final não tem a sua moeda. E a inflação, que não parece ser um problema hoje, acaba aparecendo, por descontrole. A Argentina está há alguns anos em recessão e com inflação de 50% a 60%. Então, não me venha dizer que não existe inflação na recessão. Existe, é só perder o controle. Nós não podemos chegar lá. Não estamos perto. Foram anos de construção, anos de credibilidade. E aquela ideia de que basta emitir dinheiro que o problema está resolvido é equivocada. Não é por aí.
Como eu quis dizer nas minhas considerações iniciais, emitir dinheiro hoje, sob o ponto de vista do Banco Central hoje, é emitir um passivo do Banco Central. Não temos depósito voluntário aqui. Estávamos falando que precisamos ter. Então, no final você acaba emitindo a coisa mais próxima, a moeda mais próxima que temos, que são as nossas compromissadas. O que é uma compromissada? O nome já diz: é um compromisso do Governo de recomprar o mesmo título pagando a SELIC.
Então, não sei de onde veio essa ideia. Talvez venha dessa contabilidade criativa, que já nos fez muito mal, de que não há custo. Há custo. Isso está claro. É o mesmo custo SELIC. Se você quer discutir se a SELIC pode ir mais baixo ou não, eu acho que podemos discutir. Esta é uma discussão legítima: qual o limite, até onde vai, etc. Mas, dada a recessão que vamos ter, vamos tentar ver qual é o limite efetivo de juros, quanto você pode estimular, até que ponto você pode ir em termos de juros — não apenas a SELIC, mas todos os juros. Qual é o limite até o qual você pode ir de forma responsável? Essa é uma discussão legítima. O que eu acho mais perigoso é falar que a necessidade de financiamento é pequena, que não há custo. Aí eu acho que você acaba desvirtuando.
Então, a resposta a você, Arminio, é: em termos de liquidez, de certa forma não é aí. O risco de crédito é o problema. Inflação no curto prazo não é problema, mas temos que ser responsáveis para não irmos no caminho da Argentina.
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Excelente. Obrigado. Acho que essa analogia com a Argentina é muito importante e instrutiva.
Veio aqui também uma pergunta do Deputado Mauro Benevides, que foi exatamente nessa direção. A pergunta dele é que, essencialmente, o mercado está demandando um prêmio de dois pontos percentuais além da SELIC para o Tesouro. Essa eu mesmo respondo.
No fundo, o prêmio que existe maior do que dois pontos é um prêmio por prazo. Hoje, o mercado, para emprestar dinheiro para o Tesouro a 10 anos, vai cobrar uma taxa bem maior, mais próxima de 7% ou 8%. E esse prêmio sinaliza alguma coisa, sinaliza desconfiança com relação ao futuro, de várias naturezas, sobretudo com inflação. Mas até um medo maior existe.
12:45
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Então, Deputado, a estratégia forçada de encurtar o prazo e ir para as compromissadas, que são mais baratas, no fundo é uma estratégia de alto risco. Ela ocorre em todas as crises e serve para ganhar tempo, mas nós não podemos nos iludir: isso é material altamente inflamável, e é daí que vem a perda de controle. Essa ideia de monetização e encurtamento de prazo não vem de graça. As pessoas passam a ter a chance de a qualquer momento mudar de ideia e fugir, comprar ativos no Brasil e fora do Brasil. E aí essa história infelizmente nós já conhecemos bem.
Isso se conecta com a coisa mais internacional. Eu queria passar a palavra para o Edmar. O real este ano tem sido campeão da desvalorização. Então, pedem-nos algumas luzes sobre o tema. Eu queria lhe passar a bola para comentar essa questão de natureza mais global, vamos dizer assim.
O SR. EDMAR BACHA - Parte da nossa desvalorização é comum ao conjunto das moedas dos países emergentes. Sempre que há uma situação de aumento da aversão ao risco, as pessoas, os credores internacionais — mesmo os brasileiros — tratam de correr para moedas mais seguras, basicamente para o dólar, hoje em dia. Agora está passando para nós o epicentro da crise epidemiológica, e o dólar tem se valorizado.
No nosso caso, além dessa questão conjunta de aversão ao risco, há uma questão política interna. Nós somamos à crise da saúde a crise econômica. Na verdade, somos um dos poucos países que, em cima disso tudo, montaram uma enorme crise política. E essa incerteza política a respeito da condução política do País está afetando particularmente o real. Hoje as coisas estão piorando um pouquinho, mas, na semana passada, quando as coisas estavam se normalizando, o dólar passou de 5 reais e 70 centavos para 5 reais e 30 centavos.
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - As perguntas de fora já se esgotaram. Nós terminamos um assunto que é claramente da maior importância. Não é nosso habitat natural. Acho que esse é um tema (falha na transmissão) se sentem mais à vontade para discutir e buscar soluções, mas é inegável que nós vivemos um momento de grande estresse, por várias razões. E eu espero que isso se resolva da melhor maneira possível, o mais rápido possível, porque do lado econômico, que é a nossa especialidade, a coisa vai mal.
12:49
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Presidente Rodrigo, eu queria perguntar se há mais algum assunto que talvez possamos abordar ou se algum colega da Mesa tem alguma pergunta a mais. Aproveito para agradecer, mais uma vez, a confiança que depositou em nós.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia. Bloco/DEM - RJ) - Vou falar um pouquinho, fazer um questionamento sobre questão de médio e longo prazos.
Primeiro, quero agradecer muito — é uma honra para todos nós aqui na Câmara —, começando, é claro, pelo Prof. Edmar Bacha. Com Ilan e Ana Paula trabalhamos juntos aqui no Governo do Presidente Michel Temer, foi uma experiência muito importante para mim. No meu primeiro mandato, eu ficava na Comissão de Finanças e Tributação e me considerava representante do Arminio naquela Comissão. Não sei se eu o era, mas eu me considerava, quando Deputado no primeiro mandato.
O SR. ARMINIO FRAGA - Era, com certeza.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia. Bloco/DEM - RJ) - Eu poderia falar de todos os assuntos aqui. Eu acho que vai ser muito difícil que o auxílio emergencial não seja prorrogado, nós sabemos o custo. Eu tenho medo de redução do valor do auxílio emergencial porque isso impacta a reação das pessoas. Não é uma decisão simples. Prorrogar acho que é consenso. O que vai se debater é o valor. E acho que a redução do valor pode gerar... Da mesma forma que o não auxílio, a redução do valor pode ter consequências também na base da sociedade, mas esse é um debate que precisamos fazer.
Acho que a Ana Paula mostrou um pouquinho o tamanho do gasto social. Acho que podemos também, em cima até de uma proposta que o Paes de Barros já vem fazendo há algum tempo, reorganizar os projetos de seguro-desemprego, entre outros, e construir uma renda que possa complementar uma renda emergencial, que nós consigamos sinalizar para o futuro de forma a manter o nosso equilíbrio fiscal.
Eu tenho visto aqui o seguinte: nós estamos tendo um grande embate dentro do Governo e do próprio Parlamento — dentro do Governo explicitamente, e por isso estou falando com muita tranquilidade — entre gasto, investimento privado e investimento público. Eu acho, esta é a minha compreensão, que o campo que defende uma intervenção maior de recurso público é majoritário hoje dentro do Governo. Eu acho que essa é uma informação importante porque isso vai ter consequências na ação de Ministros e do próprio Governo, depois de tomada a decisão sobre como atuar nesse período.
Eu acho que a PEC do Orçamento de Guerra trouxe-nos uma grande proteção. Trouxe não só as condições para o gasto do Governo no curto prazo, mas também a seguinte tranquilidade: para qualquer gasto permanente o Parlamento ou o Governo vão ter que apresentar as suas fontes para cobertura, senão vai ser impossível que o Presidente possa sancionar. A PEC do Orçamento de Guerra mostra claramente que os gastos estão limitados a 2020. Tem-se a impressão aqui também de utilizar a PEC do Orçamento de Guerra para investimentos que vão entrar em 2021 e 2022, e o próprio TCU já avisou a alguns Ministros que a referida PEC não permite gastos, investimentos que transbordem o ano de 2020.
Então, a minha pergunta é exatamente esta — o Arminio falou um pouco sobre isto: como é que vocês veem o enfrentamento que vai haver referente a investimento público e investimento privado?
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O que tenho defendido em relação ao teto de gastos, Ana Paula, é que o nosso problema não é o tamanho do nosso gasto, é a qualidade do nosso gasto. O Brasil já gasta muito para o tamanho da nossa economia. O nosso problema é que todas ou grande parte das nossas despesas estão concentradas em sustentar, em financiar os salários dos servidores, que, em relação ao mercado do trabalho, são muito altos. Nós sabemos que o salário médio do serviço público é o dobro dos seus equivalentes no setor privado. Aliás, há um ótimo documento do BID — Banco Interamericano de Desenvolvimento que mostra como a América Latina como um todo, nos últimos anos, priorizou o crescimento das despesas correntes, reduzindo os investimentos.
A meu ver, este é o grande debate a ser feito primeiro, não é discutir teto de gasto. Primeiro, deve-se fazer a reforma administrativa. Qual? Certamente ela vai ser mais dura ou precisará ser mais dura do que a que o Governo tinha preparado para dezembro do ano passado. Se a dívida é maior, a necessidade de economia certamente vai ser maior. Então, qual é a reforma que o Governo vai encaminhar? E quando?
A questão administrativa tem um ingrediente: cada Poder tem que encaminhar a sua. A da Câmara está muito bem avançada. Nós a fizemos com a empresa de consultoria Falconi, mas quero fazê-la em conjunto com o Governo, pelo menos. Vamos esperar que o Judiciário faça o mesmo.
Coloquei alguns posicionamentos meus, mas, neste debate, a minha pergunta é: sobre investimento privado e investimento público, quais podem ser as consequências e até onde nós podemos ir?
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Antes de passar a palavra à Ana Paula, quero fazer um rápido comentário.
Há uma demanda, de natureza tradicional, que vem desde a Grande Depressão e as ideias de Keynes, por uma resposta direcionada para o lado do gasto. Isto está acontecendo na maior escala já vista aqui no Brasil, apenas está acontecendo de uma forma adequada ao problema que nós temos que enfrentar, como foi amplamente discutido aqui por nós.
Os investimentos em infraestrutura, por exemplo, que poderiam e deveriam ser uma locomotiva do crescimento no Brasil, crescimento, inclusive, com características distributivas desejáveis, podem ser financiados pelo setor privado, desde que as condições do ambiente de negócios, as regras do jogo, sejam adequadas. As regras têm funcionado bem no Brasil. Então, é uma questão mais do ambiente, que hoje não atrai investimentos de longo prazo.
Além do mais, esses investimentos são lentos. Hoje a crise requer uma resposta imediata, e ela tem sido dada. Ela atrasou um pouco no início, mas está acontecendo. Acho que a discussão agora é um pouco até outra, é sobre o que dá para fazer daqui para frente.
Com isso, eu passo a palavra para a Ana Paula, que conhece muito melhor do que eu este tema.
A SRA. ANA PAULA VITALI JANES VESCOVI - Bom, Presidente, muito na linha do que o Arminio comentou, nós temos, antes de mais nada, para atrair investimentos ao Brasil, para realizar um investimento que justifique um crescimento maior, é absolutamente necessário confiança. Além da segurança institucional que mencionei, nós temos que ter a confiança de que o Brasil vai ser solvente; nós temos que ter a confiança de que nós institucionalmente conseguiremos lidar com a solução desta crise, de que conseguiremos achar as nossas próprias saídas.
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Então, eu acho que, nesse debate sobre investimento público e investimento privado, os dois são complementares. Vamos precisar dos dois. No entanto, em particular, para fazer investimento público, que todos nós achamos que é importante ter, não temos espaço hoje. De novo, há 7 anos não estamos mais conseguindo financiar as despesas dos Governos como um todo com impostos. Isso está descoberto. Então, para abrirmos espaço no Orçamento, que tem um gasto já muito elevado, de 1 trilhão e meio de reais, nós precisamos melhorar a alocação desse Orçamento. Não dá para pensarmos, neste contexto em que estamos — nem sequer levantarmos a hipótese —, em aumentar gasto permanente ou até discricionário que seja sem antes revermos a alocação, sem melhorar o uso dos nossos recursos.
Nós ficamos mais pobres depois desta crise. Então, não temos como adiar mais a discussão sobre usar da forma mais eficiente possível o que nós retiramos da sociedade, que são os impostos. Antes de mais nada, eu acho que esta discussão precede qualquer outra.
O outro ponto é: no caso, queremos mais investimento público? Como vamos fazer para abrir espaço nesse Orçamento? Precisamos de mais investimento privado. Para isso a fórmula já está dada. Nós temos marcos regulatórios para aprovar. Nós precisamos ter uma estabilidade institucional posta para conseguir lidar com isso.
Enfim, as fórmulas estão postas e precisamos, sim, de uma condução da sociedade como um todo, de ouvir suas lideranças, para que tenhamos clareza de qual rumo, qual caminho, vamos tomar nessas reformas que seja capaz de ativar a confiança, que permita que o Brasil continue convivendo com taxas de juros mais baixas, que permita o controle da inflação e que ative os investimentos por meio de atratividade no ambiente dos negócios.
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Obrigado, Ana.
Edmar e Ilan, algum comentário adicional?
O SR. ILAN GOLDFAJN - Eu ia só comentar que algumas discussões deveriam ser feitas em conjunto. As discussões de reforma administrativa deveriam ser feitas junto à discussão do espaço que temos para investimento público-privado, de quanto temos, em termos de extensão dos benefícios sociais. Isso tem que estar junto de alguma dessas reformas mais estruturantes. Quanto mais isso puder ser feito em paralelo, será melhor para, digamos, o ambiente que vamos criar.
O SR. COORDENADOR (Arminio Fraga) - Quer falar Edmar?
O SR. EDMAR BACHA - Algo na mesma linha. Eu acho que há tanta coisa que podíamos melhorar, tanto na qualidade do gasto quanto na qualidade dos impostos. A partir da melhoria disso, nós vamos gerar a quantidade necessária para investir mais. Eu acho que é por aí que temos que seguir.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia. Bloco/DEM - RJ) - Só para complementar, quando começou o debate no Senado sobre recursos extrateto, sugeri fazermos a reforma antes e, depois, abrirmos o espaço fiscal para aumentar o investimento, senão vamos aumentando, e o pessoal deixa as reformas sempre para o futuro. Não é assim?
É isso. Obrigado.
13:01
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O SR. ILAN GOLDFAJN - Exato. Eu acho que tem que fazer as reformas para abrir o espaço.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia. Bloco/DEM - RJ) - Está ótimo.
Pode falar, Arminio.
O SR. ARMINIO FRAGA - (Falha na transmissão), Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia. Bloco/DEM - RJ) - Encerramos o debate. Quero agradecer muito.
Foi uma honra tê-los aqui. Até mandei uma mensagem a um técnico do Governo dizendo que estava começando este debate, e ele disse: "Só peso-pesado. Vou assistir". Então, espero que o Governo também tenha assistido e que, em conjunto, nós encontremos os caminhos não apenas para o enfrentamento de curto prazo, mas também soluções de médio e longo prazo. Acredito que tanto as reformas como os marcos regulatórios são fundamentais.
Como disse a Ana Paula, a confiança dos investidores no País, considerando 5 anos, 10 anos, 20 anos, 30 anos, é fundamental para a decisão de investimento. Tenho dito isto também: confiança e regras claras que garantam segurança jurídica.
Então, vamos continuar trabalhando. Acho que temos trabalhado assim. No Governo do Presidente Michel fizemos muitas mudanças importantes. No Governo do Presidente Bolsonaro, fizemos uma grande reforma previdenciária, mas agora precisamos avançar. Faltou a autonomia do Banco Central. No segundo semestre precisa entrar na pauta a reforma tributária. Esperamos que, logo após este período mais crítico, o Governo encaminhe a forma administrativa, para que, em conjunto com a reforma administrativa do Congresso Nacional, possamos dar os próximos passos para a recuperação econômica e social do nosso País.
Agradeço aos Deputados presentes, àqueles que nos assistiram e, principalmente, aos nossos quatro convidados.
Muito obrigado.
O SR. ARMINIO FRAGA - Foi um prazer.
O SR. ILAN GOLDFAJN - O prazer foi nosso.
A SRA. ANA PAULA VITALI JANES VESCOVI - Obrigada pela oportunidade.
O SR. EDMAR BACHA - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia. Bloco/DEM - RJ) - Obrigado a todos.
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