2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 199-A, de 2019, do Sr. Alex Manente e outros, que "altera os arts. 102 e 105 da Constituição, transformando os recursos extraordinário e especial em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça"
(Painel)
Em 24 de Março de 2020 (Terça-Feira)
às 14 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
14:32
RF
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Declaro aberto o painel por videoconferência da Comissão Especial destinado a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 199-A, de 2019, do Deputado Alex Manente e outros, que alteram os arts. 102 e 105 da Constituição, transformando o recurso extraordinário e especial em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
O expositor deste painel será o jurista e advogado Lenio Luiz Streck, cujo convite é resultado do Requerimento nº 08, de 2019, do Deputado Henrique Fontana e outros.
Para o bom andamento dos trabalhos, o expositor terá até 30 minutos, prorrogáveis a juízo da Comissão, não podendo ser aparteado. Após a exposição, será franqueada a palavra primeiramente ao Relator, e, em seguida, aos demais Deputados inscritos.
Concedo a palavra ao Sr. Lenio Luiz Streck, jurista e advogado, a quem eu agradeço a disponibilidade para, neste momento tão sensível da vida do País, se dispor a contribuir com um tema importante e atual na vida do povo brasileiro.
Tenho a certeza de que ouvi-lo — eu já li alguns trechos seus sobre o tema — vai ser de grande valia para que possamos refletir e encontrar a justa medida no sentido de obedecer a um Poder Judiciário mais célere, mas resguardando todos os direitos e garantias individuais, que é o objetivo desta Comissão desde o início dos trabalhos.
Agradeço também ao Deputado Fábio Trad, do Mato Grosso do Sul; e do Deputado Alex Manente, de São Paulo, a presença. Esta videoconferência expressa quase a totalidade do Brasil. O Dr. Lenio está no Rio Grande do Sul; eu estou em Manaus, no Amazonas; o Deputado Fábio Trad no Mato Grosso do Sul; e o Deputado Alex Manente em São Paulo. Viva o povo brasileiro!
Concedo a palavra ao Dr. Lenio.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Viva! Viva o povo brasileiro! Espero que estejam me ouvindo bem. Eu quero saudar o Presidente desta reunião, o Deputado Marcelo, o Deputado Alex Manente e também o Deputado com quem eu tenho mais relação direta, o Deputado Fábio Trad, que é meu parceiro também de blog e de WhatsApp. Então, eu agradeço-lhes.
Este é um tema que me é muito caro. Eu e o meu parceiro jurídico, André Karam Trindade, fomos os redatores da Ação Declaratória de Constitucionalidade — ADC 44, que depois de 3 anos acabou, por 6 a 5, sendo deferida, sendo vencedora, e que, de algum modo, desencadeou uma resposta do Parlamento. Claro, o Deputado Ivan (falha na gravação), é uma resposta que o Parlamento tentou dar a uma decisão do Supremo Tribunal. Eu quero aqui, da serra gaúcha, recluso, quase (falha na gravação), trazer minhas contribuições técnicas a esta Comissão.
14:36
RF
Li, acompanhei já dois depoimentos importantes, do Ministro Sergio Moro e do ex-Ministro do STF, que foi Presidente do STF, o Ministro Peluso. Enfim, li tudo, acompanhei, e farei algumas observações, porque (falha na gravação).
A primeira coisa que eu queria trazer, Deputados, é uma questão que eu não sei se os senhores já se deram conta. Eu vou trazer dois exemplos.
Portugal tem 10 milhões de habitantes e tem um STJ muito parecido com o nosso, que, aliás, tem o mesmo nome, STJ, a mesma sigla. Os senhores sabem quantos juízes tem o STJ de lá? Sessenta. O Brasil tem 200 milhões de habitantes e tem um STJ com 33 Ministros.
Vamos pegar a Itália, com 60 milhões de habitantes. Sabem quantos Ministros ou juízes tem a Corte de Cassação da Itália? Trezentos e dois. (falha na gravação), Presidente da Corte de Cassação da Itália. Ele fala dos 302 juízes e diz que lá há 60 ou 80 processos que ele acha muito para 302 julgarem a cada ano.
Lá na Itália, só existem 55 advogados habilitados a litigar na Corte de Cassação, e há mais de 250 mil advogados. Na França são 150. Isso é muito importante.
Então, por que eu estou dizendo isso em preliminar, Deputado Fábio, Deputado Marcelo, Deputado Alex?
Nós estamos lidando com um STJ... Eu vou falar só do STJ, porque o STF trata de outra matéria. As questões criminais, por exemplo, ou mesmo outras, no campo da inconstitucionalidade, (falha na gravação) STJ. O STF trata só de matéria inconstitucional. (Falha na gravação) por ano, no STJ brasileiro com 33 Ministros. Os senhores sabem quantas turmas julgam processos, recursos especiais no Brasil? Duas turmas.
E nós estamos falando de um País com 200 milhões de habitantes, e eu estou dizendo isso por quê? Por várias razões. Uma delas é que o próprio Ministro Barroso traz a informação de que apenas 1% dos recursos são admitidos no STJ.
14:40
RF
E tudo isso seria motivo para nós trocarmos, para nós (falha na gravação), está certo? Primeiro, esses números são contestáveis. Eu não posso pensar em figura recursal no Brasil, com 33 Ministros, se eu comparar com Portugal, Itália ou qualquer outro país. Eu queria deixar isso para que os senhores refletissem a respeito. Esses números são impactantes e, mais, há menos tecnologia na Itália e mais tecnologia em Portugal.
Preliminarmente, o que acho muito importante é que nós estamos num país de 200 milhões de habitantes. Há um STJ, com todos os esforços que faz, mas que só tem 33 Ministros e pegando a matéria criminal. Isso é, no fundo, o que fez com que o próprio Deputado Manente e outros representantes da PEC... É a matéria criminal, que só tem duas turmas no STJ para julgar. Então, por isso, as pessoas fazem tanto habeas corpus, etc.
Qual é a minha comparação? A minha comparação é com Portugal, que tem 10 milhões de habitantes e tem 60 membros no STJ. Este inclusive tem a mesma sigla que a do Brasil. Na Itália, são 302. É uma Corte de Cassação. A diferença da cassação deles em matéria infraconstitucional é que ela só cassa e devolve. Aqui é um pouco diferente, pois ela modifica inclusive os julgamentos. Mesmo assim, há uma diferença abissal de 60 milhões de habitantes e 302 julgadores.
Imaginem os senhores — e temos que jogar muito claro — que, em São Paulo, há 350 desembargadores. O Rio de Janeiro tem mais de 300 desembargadores. O Rio Grande do Sul tem 655 desembargadores. Vamos somar todos os desembargadores do Brasil. Vamos somar toda essa gente que produz material para chegar ao STJ e ao STF. E lá no STJ nós só temos 33 Ministros. Não é vedado que nós passemos a ter no mínimo um STJ com 33, 66, 99 Ministros. Por quê? Porque tem menos tecnologia. Você vai ao Tribunal de Portugal e vê bem menos tecnologia, mais papel, alguém vai dizer: “Ah, eles estão atrasados!” Não sei, quanto menos pessoal você tem, quanto menos julgadores, mais tecnologia, mais assessoria. É preciso ter muitas assessorias e você acaba dependendo muito dela para fazer os julgamentos. Esses são fatos reais que eu gostaria apenas que os senhores levassem em conta nesta discussão.
14:44
RF
Muito bem, dito essa preliminar, eu queria então falar sobre a questão das falas do Ministro Moro e do Ministro Peluso. O Ministro Moro disse que apenas 1% dos recursos no STJ são providos. Na verdade, esses números — e eu vou falar logo deles —, não são exatamente esses, até porque o STJ muda regime de cumprimento, por exemplo, no crime; muda valores de indenizações no cível. O que nós estamos falando é de outra preliminar aqui, Deputado Fábio Trad — inclusive já falamos sobre isso —, que é uma questão muito simples: se essa emenda do Deputado Valente passar, ela tem de ser para todos.
E eu fiquei muito satisfeito, porque o Ministro Moro não contesta isso e o Ministro Peluso também não contesta isso. Então, nós temos, pelo menos com esses dois, que eu examinei a fundo o que eles disseram na Comissão, eles não contestaram em nenhum momento que teria... Aliás, o Ministro Peluso é duro nessa questão, porque ele teve uma ideia anos atrás sobre isso quando disse: ”Seria absolutamente discriminatório que nós apenas fizéssemos uma PEC mudando recurso especial extraordinário, transformando-o em revisional, apenas na parte criminal”.
Portanto, nós estamos de acordo com essa questão: se essa PEC passar, ela tem que ser para todos. Essa é uma questão para a qual temos um acordo. Não se admitiria que ela fosse só para matérias criminais. Quero deixar como uma questão posta, que eu não discuto.
A segunda questão, que me parece também importante, e que o Ministro Peluso coloca, que é diferente da do Ministro Moro, mas tecnicamente o Ministro Peluso está certo, é que uma vez passando a PEC é dali para frente e não pega aqueles recursos que já tinham sido feitos. Também me parece uma questão simples. Estou tentando apenas limpar a área para chegar nos pontos importantes.
Então, o que a PEC quer fazer? Ela quer fazer a transformação dos recursos especiais e extraordinários, que é uma tradição no Brasil de há muito, em ações revisionais.
Vamos lá, além de insistir nessa questão sobre o número de Deputados, de Ministros, antes disso, eu queria falar de outra questão. Quando saiu o resultado da PEC 44, foi dito nos meios de comunicação, por Parlamentares e outros, que o resultado do Supremo causaria o caos. Falou-se em 160 mil presos nas ruas. Falou-se que assassinos e estupradores sairiam. Eu, que estudo isso há muito tempo, dizia: “Calma, que o leão é manso!” (Falha na gravação.)
14:48
RF
Até agora, passado um mês, um mês e pouco, havia 23 réus no Rio e três no (Falha na gravação.) Era necessária a decisão do Supremo. Parece surpresa isto o que eu vou dizer: Nunca esteve, desde a Constituição de 1988, proibido prender em segundo grau e também nunca esteve obrigado a prender em segundo grau.
Senhoras e senhores, só há dois votos do Supremo. Quando foi votado o Habeas Corpus nº 126.292 — e contra isso nós entramos com uma ADC para dizer que o art. 283 é constitucional —, só houve dois votos pela obrigatoriedade da prisão.
Quando saiu o resultado da ADC 44, eu escrevi um artigo e dei várias entrevistas dizendo: Lenio Streck e muitos juristas são a favor da prisão em segunda instância'. Por quê? Não sou contra que se prendam pessoas cujos requisitos estejam presentes, mas o Supremo não decidiu isso. O Supremo não disse que era obrigatório prender, e o Supremo não proibiu prender. Então, tudo isso que está sendo feito — desculpem-me — é por um entendimento que se tem de um lado, que quer fazer prisão automática e tem dois votos, do Ministro Fux e do Ministro Barroso, e de outro, do TRF-4 do Rio Grande do Sul, que editou a Súmula 122, que obrigava a prisão.
Então, para deixar isso claro, penso que, se nunca esteve proibido prender e se nunca esteve obrigado a prender, apenas a questão da presença dos requisitos que estão lá na lei e na Constituição é que permite que se faça a espera em liberdade enquanto se julga o recurso especial ou o recurso extraordinário. Eu queria dizer isso também porque essa questão da ADC 44 acabou não sendo bem compreendida.
A PEC tem uma justificativa bem feita. Parabéns ao Deputado Alex Manente. Só que a PEC, ao trocar de lugar a coisa julgada, acaba com o conceito clássico de coisa julgada, que está na nossa tradição jurídica, desde Carnelutti, Liebman e todo o mundo. Quem estuda Direito sabe disso.
14:52
RF
E veja-se que o art. 6º, § 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, diz assim: "Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que não cabe recurso".
O art. 5º da Constituição diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado. E o art. 283 do CPP é mais explícito ainda. Parece claro que trocar de lugar o trânsito em julgado viola cláusula pétrea.
Cláusula pétrea para mim é o quarto do pânico da democracia. A democracia tem cláusulas pétreas, que são o quarto do pânico, onde nós nos escondemos quando há alguma invasão. Por que existem cláusulas pétreas? Para evitar que maiorias acabem mudando uma espécie de regra do jogo. Se nós somos dez pessoas que moramos no 10º andar de um prédio, eu sou judeu — há dez não judeus —, e se eles decidem por maioria me atirar para fora, só uma Constituição em contrato anterior garante a minha vida. Portanto, eu vou ter que colocar num documento que a maioria tem limites. Qual é o limite? Quando se tratar da minha vida.
Agora, ainda assim, eu não estou seguro, porque aquilo que foi votado pela maioria, que segurava o meu direito de não ser atirado do 10º andar, tem que ter uma garantia que se chama cláusula pétrea, uma garantia que diz: "Nenhuma deliberação que trate da mudança da garantia de não atirar Lenio Streck do 10º andar pode ser votada". Essa é a cláusula pétrea. E a cláusula pétrea, portanto, é uma espécie de quarto do pânico. Por que nós a colocamos? Coisa julgada e trânsito em julgado são uma garantia para evitar que nós venhamos a fazer essas alterações em matéria recursal, transformando a liberdade ou a expectativa de estar inocente num cumprimento antecipado da pena. Eu vou explicar isso na sequência de outro modo.
Sobre o Moro, eu já falei.
Agora vou falar sobre o problema da imediata execução para a segunda instância. Um problema seriíssimo que a advogada Alice levanta num texto, há pouco tempo, é o seguinte: ao contrário do que disse nesta Comissão o Ministro Moro, eu posso provar que uma em cada três decisões de segunda instância é alterada pelo STJ, sim. A Folha de S.Paulo de 17 de outubro de 2019 traz uma estatística sobre isso, que também se pode tirar do STJ, em números. E mais: 7% no STF, fora centenas e centenas de habeas corpus, também modificam decisões de segundo grau. E disse que o modelo atual que o STJ quer modificar traria a possibilidade de prescrição. Entre 2015 e 2017, só 1,10% dos processos prescreveu. Então essa questão da demora tem que ser contestada. Por quê? Porque a própria legislação, por exemplo, no art. 117 do Código Penal, diz que, entre a publicação de sentença ou acórdão e o julgamento final, interrompe-se a prescrição. Então, reinicia-se a contagem da publicação da sentença ou do acórdão. Por exemplo, para alguém que foi condenado a 6 anos de prisão, a prescrição vai se dar em 12 anos; em lavagem de dinheiro, pode se dar até em 20 anos.
14:56
RF
Ora, ao mesmo tempo, processos no STJ nunca duram mais de 3 anos. Há pouquíssimo percentual no STJ de processos que duram mais de 3 anos, tanto é que em 2 anos, de 2015 a 2017, somente 1,10% dos processos prescreveu.
Fala-se que isso tudo é uma simples troca de nome. A grande questão é que atualmente não se exige repercussão geral do STJ para recurso especial. Agora a emenda exige demonstrar a repercussão geral. A minha pergunta é a seguinte: como se demonstra, por exemplo, no Direito Penal, que há uma repercussão geral? O sujeito é condenado, existe uma violação da lei. Haverá maior ou menor violação? Como eu demonstro que a minha revisão tem repercussão para toda a sociedade, e o STJ sobre ela tem que se debruçar? Esse é um problema. Por exemplo, em matéria tributária, cível e outras, como demonstrar, na prática, a repercussão geral, por exemplo, em matéria de lei ordinária?
Essa é uma experiência de que a emenda não trata, e não sei se deveria tratar. Mas eu quero dizer que nós temos que pensar em um modo de demonstrar que em determinada matéria — uma condenação, mesmo que seja a 3 anos; ou alguém que perdeu um pequeno patrimônio; ou matéria trabalhista — a parte dele interessa para mais gente, que é a repercussão geral.
São essas as questões sobre as quais eu quero que a Comissão pense. Eu tenho impressão de que em matéria criminal, com 30 e poucos Ministros e só duas turmas, nós vamos aumentar a jurisprudência defensiva, obviamente, porque haverá tantas revisões que o STJ fará a mesma coisa que fez hoje com o recurso especial, uma imensa gama de excludência defensiva para evitar que 1 milhão de advogados — já que não existe filtro, todo mundo pode entrar com recurso — entre com recursos, e esses recursos, essas revisões cheguem lá. E o que será feito?
15:00
RF
É possível conceder liminar em casos urgentes? Em que circunstâncias serão concedidas essas liminares?
O Brasil é o país das liminares, senhoras e senhores, caros Deputados. O Brasil é único país do mundo em que o habeas corpus, que é uma medida urgente cautelar, precisa de cautelar. Por quê? Porque o sistema foi ficando pesado, e nós precisamos dele para tudo.
Imaginem o caso do Rio de Janeiro, agora, sobre os cultos do preclaro Malafaia. Por liminar, foi deixado que ele desse os cultos e, por liminar, foi cassado. Agora, vamos supor que não tivesse sido cassado. Era uma decisão de segundo grau. Como se levaria isso, urgentemente, na medida em que pessoas poderiam morrer contaminadas no culto? Haveria uma liminar em revisional? Ou como funcionaria isso se o Tribunal de Justiça não resolvesse o problema imediatamente? São questões sobre as quais eu apenas quero que os caríssimos e inteligentes Deputados pensem.
Agora, vou trazer mais pontos. Deputado Fábio Trad e Deputado Alex Manente, pensem comigo sobre a seguinte hipótese: se o réu foi absolvido em primeiro grau, condenado em segundo grau, ele pode iniciar o cumprimento da pena imediatamente? Segundo a PEC, sim; teria que fazer revisional. Só que, como ele foi absolvido em primeiro grau, e o segundo grau o condena, ele não pôde — e não tem dilação probatória, nada disso —; ele não teve o devido processo legal, então ele vai começar a cumprir a pena, mas ele tinha sido absolvido pelo juiz, que conhece melhor a causa, e isso se chama de princípio de confiança do juiz da causa. E no segundo grau, vira tudo. Só que lá ele não pôde demonstrar nada, porque não tem dilação probatória, e imediatamente começa a cumprir a pena. Pensem nesta questão.
Agora outra: se for instância única, um Deputado imediatamente começa a cumprir?
Vou dar outro exemplo agora. Esse é para o Ministério Público, Deputado Trad — pense comigo. O Ministério Público vai perder o seu direito de recorrer a Tribunal Superior para buscar condenação de réu condenado em primeira instância e absolvido na segunda instância? Vou repetir. Essa é uma questão de que talvez o Ministério Público não tenha se dado conta. O Ministério Público vai perder o seu direito de recorrer a Tribunal Superior para buscar condenação de réu condenado em primeira instância e absolvido na segunda instância? Eu explico. Quem me chamou atenção para isso foi a Profa. Alice.
Como fazer isso se a Convenção Americana de Direitos Humanos diz que o acusado absolvido por sentença passada em julgado... porque aí nós estamos falando em coisa julgada em outro lugar.
15:04
RF
Vou repetir: como fazer isso se a Convenção Americana de Direitos Humanos diz que o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos?
Então o Ministério Público, aprovada a emenda, não vai poder recorrer se o sujeito condenado em primeiro grau é absolvido em segundo grau. A Convenção Americana não permite isso.
Outro ponto: se o sujeito é absolvido em primeiro grau e condenado em segundo grau, ele vai buscar o habeas corpus. É claro! A pessoa é absolvida em primeiro grau, condenada em segundo grau, no qual ela não tem dilação probatória e pega uma câmara de morte ou, como dizem, uma câmara de gás. Nos tribunais, há muitas. Atenção! Brinca-se com isso, que há tribunais duros, e nós estamos entre pessoas que são do ramo. A pessoa vai começar a cumprir imediatamente a pena? Não, ela vai pegar um habeas corpus. Há uma nulidade que não foi vista. O juiz viu uma nulidade no primeiro grau, e no segundo grau disseram: "Não, não era nulidade, porque era só relativa, e o juiz disse que era absoluta". São coisas que têm discussões. Vamos começar a cumprir logo, correndo, cumprindo imediatamente? A pessoa vai entrar com habeas corpus, vai-se atulhar de habeas corpus. Ou então vamos regulamentar uma liminar na revisional. Mas como buscar liminar, se ainda não foi comprovada a repercussão geral, Deputado?
Vamos supor que haja um caso, Deputado Marcelo, em que não houve repercussão geral, mas a pessoa foi injustiçada por uso de prova ilícita. Ela pode ganhar por habeas corpus a sua liberdade de volta. Mas pela revisional ela não conseguiria, porque no caso não houve repercussão geral.
Estou apresentando questões para reflexão. Eu fui convidado para apresentar reflexões para os senhores pensarem no assunto. Eu não tenho a primeira nem a última palavra sobre este assunto. Eu tenho muitas dúvidas e abro o meu coração, com 28 anos de Ministério Público, que passei de outro lado, e agora sou advogado. Essas são questões que me preocupam profundamente.
A minha questão é que nós não venhamos a jogar fora a água suja com a criança dentro.
O sistema atual tem muitas dificuldades com as quais lidar. Eu sei que podem dizer: "Mas assim como está não pode ser". A questão é saber se substituiremos um sistema que não funciona por outro sistema que pode trazer mais complicações.
Eu poderia trazer cinco exemplos de problemas similares, sob outra ótica, que não envolve liberdade, mas envolve propriedade: bancos, questão fiscal, num país judicializado, em que se busca tudo.
Nem estou falando ainda do Supremo Tribunal Federal, com os recursos extraordinários agora substituídos, segundo a emenda, por ações revisionais. Vão acontecer coisas parecidas. Agora, eu estou falando apenas de matéria criminal.
15:08
RF
Pensemos na execução imediata de decisões num País em que, desculpem dizer, grande parcela dos juízes ainda diz "cada cabeça uma sentença", o que é um mantra inadmissível num País em que nós temos livre convencimento para a decisão, nós temos livre apreciação da prova.
Os senhores veem segurança em processo penal ou em processo cível para que nós venhamos a trocar o nome do recurso, adiantando o momento da coisa julgada, por exemplo, em matéria trabalhista, em todas as matérias, envolvendo, por exemplo, Governos, grandes questões relacionadas a alíquotas, a dívidas, que imediatamente seriam...? Nós temos segurança jurídica, ou será que nós deveríamos primeiro discutir o tamanho da primeira instância e da segunda instância e as condições?
Vejam, eu vou dizer mais uma coisa ainda, e eu estou quase encerrando — hoje, nós dissemos que eu teria mais tempo, mas eu queria bem menos e estou tentando. Pensem comigo: o Brasil é o único país do mundo, que eu saiba, que tem embargos declaratórios. O Brasil autoriza, só para falar de segurança jurídica, que as decisões judiciais possam ser obscuras, omissas ou contraditórias, e isso gera um embargo.
Então, quando autorizamos isso no nosso País, Deputado Marcelo, as sentenças saem mais soltas. Só que, de repente, em segundo grau, no dia seguinte, começa o cumprimento da pena ou o pagamento da dívida, o pagamento do imposto retido, o pagamento da dívida trabalhista ou a execução de uma penhora, quando, para recorrer disso, nós teríamos que fazer uma ação revisional, talvez buscar uma liminar e provar... Como provar, em matéria trabalhista, a questão de repercussão geral para admissão de um recurso especial? Recurso extraordinário é matéria constitucional, mas mesmo lá já é muito difícil. Olha os números de repercussão geral, que hoje passam, e que têm, no mínimo, quatro votos a favor. Enfim, é essa a questão.
Eu queria encerrar só colocando quatro pontos, para deixar registrados depois nos Anais, além das questões de que eu falei, das preocupações que eu disse pontualmente e repeti aqui, que são essas da especificidade, de quando se absolve em primeiro grau e se condena em segundo grau, aquelas questões todas que ficaram registradas. Eu queria apenas anotar que restringir a garantia da presunção de inocência por meio da alteração do sistema recursal configura, digamos, uma violação da Constituição, da principiologia da Constituição, e que, segundo, as consequências sistêmicas disso, não apenas no penal, mas no cível, incluindo a Fazenda Pública, são ainda não sabidas.
15:12
RF
Nós deveríamos ter uma prognose primeiro. Nós temos que ter cálculos. Nós temos que fazer simulações. E eu até me disponho a ajudar a Comissão nisso. Nós temos que pegar todas as matérias, Deputados, para simular hipóteses. O que aconteceria numa questão trabalhista, numa questão fiscal ou numa questão administrativa se, no dia seguinte, nós tivéssemos que começar a execução? Eu me disponho a ajudar nisso para, digamos, sabermos como isso funcionaria sistemicamente.
Terceiro, haverá a descaracterização dos Tribunais Superiores como tribunais nacionais. Isso os descaracteriza.
E, em quarto lugar, vem um ponto que deixei por último para reflexão. No âmbito constitucional — eu estava guardando isso para o final —, não faz coisa julgada decisão inconstitucional. Não faz. A ação rescisória aí é inócua. Bastaria uma ação declaratória para reconhecer a inconstitucionalidade da decisão. Esse foi o posicionamento de vários processualistas, quando houve aquela discussão sobre a relativização da coisa julgada. Então, como fazer coisa julgada com uma decisão de segundo grau que envolva matéria constitucional e tenha uma inconstitucionalidade? Essa decisão com inconstitucionalidade não faz coisa julgada. O que fazer então? Essa é uma questão que deixo para o final.
Espero não ter passado do meu tempo. Fico à disposição. Como disse, vim de coração aberto, mas eu trago mais problemas do que soluções, Deputado Manente. Eu vim para complicar. Se for possível, vou ajudar inclusive a fazer essas simulações. Não sei se os senhores pensaram em fazer simulações. Em outros países, chamam isso de prognose: "Se eu fizer isto, acontece aquilo". É preciso estar preparado.
Grande abraço aos senhores.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Presidente Marcelo Ramos, V.Exa. está me ouvindo? (Pausa.)
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Eu só ouço o Deputado Trad.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Eu só estou ouvindo o Dr. Lenio. Eu não ouço nem o Deputado Marcelo, nem o Deputado Manente.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Eu também não. Eu só ouço o Deputado Trad. (Pausa.)
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Deputado Marcelo, está me ouvindo? (Pausa.)
Está me ouvindo, Deputado Manente? (Pausa.)
Deputado Marcelo, está me ouvindo? (Pausa.)
Prof. Lenio, o senhor me ouve? (Pausa.)
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Eu o ouço, Deputado Trad.
15:16
RF
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Conseguem me ouvir agora?
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Agora estamos ouvindo.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Então, encerrada a fala do Prof. Lenio, quero dizer a ele que nós pudemos sentir o seu coração aberto e que ele abre o nosso coração para o debate também. Tenha a certeza de que o nosso esforço é para, na contradição, encontrarmos os caminhos. A sua fala é muito fraterna. E é fraterna não só no conteúdo, mas também no sentimento. Nós agradecemos muito ao senhor.
Antes de fazer os meus comentários, passo a palavra ao Relator, o Deputado Fábio Trad.
Quero pedir ao pessoal de apoio que, toda vez que alguém estiver falando, feche o microfone de todos os outros, senão dá eco. Peço que fiquem atentos.
O Deputado Fábio Trad falará agora. Quando ele encerrar, fechem o microfone dele e abram o microfone do Dr. Lenio. Depois, o Deputado Alex Manente falará. Quando ele encerrar, fechem o microfone dele, para o Dr. Lenio falar. Depois eu falarei. Façam isso, por favor, para que não haja esse eco.
Tem a palavra o Deputado Fábio Trad.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Sr. Presidente Marcelo Ramos, mais uma vez, eu parabenizo V.Exa. por estar impulsionando as atividades da Comissão, neste momento extremamente sensível e delicado por que passa a Nação brasileira. Isso demonstra o compromisso de V.Exa. com a prestação de uma proposição que visa dar efetividade à Justiça brasileira. Eu o exalto neste momento pelo comprometimento cívico com todos aqueles que esperam de nós que continuemos trabalhando, malgrado toda essa situação grave que exige foco, concentração e energia de todos nós. Parabenizo, então, o Presidente Marcelo Ramos.
Querido Deputado Alex Manente, autor da PEC, vamos juntos compartilhar com os outros colegas Deputados e Deputadas que estão conosco neste sistema as reflexões sempre muito sensatas do Prof. Lenio Streck.
Eu costumo dizer, Presidente, que, contra a embriaguez irracional de alguns "juristas" — entre aspas — que vicejam nas redes sociais hoje, o melhor remédio no Brasil chama-se Lenio Streck. Ele é o remédio que racionaliza os debates jurídicos brasileiros. É, na verdade, uma higiene mental ouvi-lo.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Obrigado.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - É sempre um aprendizado ter o Prof. Lenio conosco.
Quero, então, parabenizar o Deputado Henrique Fontana por ter tido a sensibilidade política de convidar um jurista do porte de Lenio Streck para debater conosco na Câmara dos Deputados.
Prof. Lenio, uma das dúvidas que quero compartilhar com o senhor, com os colegas Parlamentares e com todos os que nos acompanham é a seguinte: nós sabemos que a coisa julgada tem uma definição — e o senhor muito bem afirmou isso — ali no art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, que é uma lei ordinária. Pergunto: se nós fizermos, por emenda constitucional, a mudança conceitual desse instituto, não seria adequado e, portanto, condizente com o objetivo de antecipar esse momento processual para logo depois da decisão de segunda instância? Gostaria que o senhor aprofundasse uma reflexão nesse sentido.
15:20
RF
Com relação àqueles que têm o foro por prerrogativa de função, que podem ser condenados já na instância originária e, em tese, ficariam privados do direito de recorrer, pergunto ao meu querido mestre e professor de todos nós Lenio Streck: não seria cabível, não seria interessante estabelecermos que eles se utilizassem de recursos ordinários, justamente para exercerem o direito constitucional ao duplo grau de jurisdição e, portanto, fazer a contestação das decisões?
E mais uma reflexão que gostaria de compartilhar com o Prof. Lenio é a seguinte: tendo como pressuposto verdadeiro que uma em cada três decisões que chegam ao STJ é alterada, a utilização do habeas corpus com pedido liminar, no âmbito criminal, evidentemente, e dos pedidos cautelares nas revisionais, no âmbito não penal — portanto, nos âmbitos cível, tributário, administrativo —, não poderiam ser remédios eficazes para a correção de eventuais injustiças?
Eu vou deixar com o Presidente Marcelo Ramos a abordagem de um tema que dele partiu, façamos justiça, referente à fixação de súmulas vinculantes das decisões dos Tribunais Superiores, justamente para evitar a subsistência jurídica de decisões injustas dos Tribunais locais. Vou deixar o próprio Deputado Marcelo Ramos dissertar sobre esse tema.
Por fim, indago sobre o exemplo de Portugal. Sabemos que lá se utiliza o recurso extraordinário depois do transito em julgado. Isso nos evoca a ideia do ex-Ministro Peluso, que é no seguinte sentido: ele concorda com a antecipação do trânsito em julgado para logo depois das decisões dos Tribunais locais, mas retira o efeito obstativo da formação da coisa julgada com a utilização do recurso especial e do recurso extraordinário. E ele próprio, o ex-Ministro Peluso, invoca os modelos de Portugal, Itália e França, que admitem a utilização de recursos — no caso, recursos extraordinários —, mesmo depois do trânsito em julgado. Como o senhor vê o modelo pelusiano, a proposta do ex-Ministro Cezar Peluso?
Sr. Presidente, mais uma vez, louvo a iniciativa de V.Exa., que não deixa a Comissão paralisar os seus trabalhos.
15:24
RF
Amanhã, nós teremos a presença de mais um grande jurista, o ex-Ministro Nelson Jobim, e eu já estarei praticamente preparado para o oferecimento do relatório, evidentemente obedecendo ao cronograma que V.Exa., Presidente Marcelo Ramos, vai estabelecer.
É isso.
Um grande abraço a todos.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Passo direto para o Prof. Lenio.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - O Deputado Fábio Trad, com as suas generosas palavras, pelas quais eu agradeço, fez quatro perguntas.
Na minha concepção, não basta, a partir do conceito que se tem de coisa julgada... Claro que é possível se alterar conceitos via emenda constitucional, que vale mais do que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a LINDB. É claro que se pode fazer uma PEC nesse sentido. A minha questão é que, no sistema brasileiro, coisa julgada quer dizer esgotamento e acontece depois que não cabe mais recurso no processo. O que nós estamos fazendo é dar o mesmo nome para outra coisa. Então, nesse sentido, nós apenas estaríamos criando uma artificialidade, ao trazer a coisa julgada para um momento anterior e abrir uma possibilidade posterior de se buscar correção da decisão.
Se fosse hoje, nós também poderíamos, de algum modo, transportar a coisa julgada para depois da decisão de segundo grau e fazer, como em outros países, depois da coisa julgada no segundo grau, os recursos especial e extraordinário. Nesse sentido, está o.k., mas isso faz parte do sistema deles. Pensem comigo. Portugal, por exemplo, tem um sistema colegiado no primeiro grau; a Alemanha também. Aqui há um juiz só. Então, são coisas diferentes. Quando se chega ao segundo grau, a dilação probatória é diferente.
De todo modo, eu admito que, em Portugal, na Itália e em outros países, encerra-se o processo no segundo grau e, depois, busca-se eventual correção da decisão com as especificidades de cada país. No caso específico, eu me reporto apenas a Portugal e Itália, pelo número de Ministros, só para fazer uma comparação. Eu não pego nenhum deles como modelo, no sentido de ser melhor ou não, até porque essas comparações são complexas. Mas parece-me interessante a comparação do número de Ministros e de juízes em razão da população toda, para mostrar que, se a emenda constitucional busca efetividade da Justiça e término ou diminuição da impunidade, etc., não é possível fazer isso com apenas 33 Ministros em um Tribunal Superior, em um País com 200 milhões de habitantes.
A situação é diferente quando se trata de matéria constitucional. Nenhum dos tribunais constitucionais no mundo tem mais do que 16 Ministros. Parece-me que o que mais tem Ministros tem 16, caso da Alemanha. Mas é um tribunal constitucional, é um modelo diferente. Então, foi por isso que eu levantei essa questão.
15:28
RF
A segunda questão é sobre o caso da instância única. Evidentemente, tem que ser assim, se a emenda passar. A minha tese aqui é a seguinte: eu tenho uma posição, levanto os problemas, mas, se nós tivermos que aprovar a emenda, se se entender de aprová-la, que seja para todos, para toda a matéria. Agora, se for para toda a matéria, nós temos que ver as especificidades, e aí já há esse problema de se fazer uma emenda ou ver como vai funcionar para a instância única.
Não é possível que um juiz, um promotor ou alguém que tenha foro privilegiado... Veja que eu sou a favor da existência de foros. Eu acharia muito estranho que um juiz de primeiro grau pudesse julgar um Deputado ou um Ministro do Supremo Tribunal. Eu já escrevi sobre isso e não quero falar sobre isso agora. É politicamente correto ser contra o foro especial ou foro privilegiado, mas eu sou politicamente incorreto, então, porque sou a favor da sua existência. E, sendo a favor, em instância única, há que se diferenciar isso. Tem que haver um parágrafo ou algum modo de diferenciar isso. Eu não tenho dúvidas disso, porque senão se estaria evidentemente prejudicando o detentor do foro.
A terceira pergunta abrange as liminares nas revisionais. O grande problema, Deputado Fábio Trad, das liminares nas revisionais, que seriam um modo de substituir as cautelares em habeas corpus, é que eu poderia concordar com a sua observação, se não fosse aquela minha outra observação. Por exemplo, em matéria criminal — e isso eu posso complicar mais ainda em outras matérias, mas vamos ficar na matéria criminal —, alguém é condenado em segundo grau, mas foi absolvido em primeiro grau. E é uma matéria que talvez não tenha repercussão e, portanto, não caberia a revisional. Mas há uma prova ilícita no meio, ou outra questão, ou uma matéria difícil de se demonstrar repercussão geral, porque seria muito específica para aquele caso. Caberia, então, paradoxalmente, um habeas corpus, mas, na revisional, ele perderia? Quer dizer que ele só poderia ficar livre nesse período? O habeas corpus seria para quê? Seria para nulificar o próprio acórdão? Dessa forma o sistema estaria todo com problemas. Nós estaríamos com o condão de anular uma decisão de segundo grau via habeas corpus, exatamente porque, no momento de se fazer a revisional, nós não teríamos condições de provar a repercussão geral?
E a quarta questão é sobre a tese do ex-Ministro Peluso. Eu não entendi bem essa questão. Além da revisional haveria a possibilidade de outro recurso ou não?
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Não, não. São os mesmos recursos. Não haveria revisional. De acordo com a tese do ex-Ministro Peluso, em vez das revisionais, continuariam os recursos especial e extraordinário, só que a interposição deles não teria o efeito obstativo do trânsito em julgado.
15:32
RF
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - No fundo, seria a mesma coisa.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Exatamente.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Não muda muita coisa. O grande problema, tanto na tese pelusiana como na tese manentiana, por assim dizer, é o deslocamento. Nós estamos falando do deslocamento do momento da coisa julgada, do trânsito. Estamos deslocando para depois do segundo grau. Para o Ministro Peluso, não muda nada, a não ser este deslocamento. Para o Deputado Alex Manente, na emenda, mudam-se os recursos para a ação revisional, mas também faz o mesmo deslocamento a que se refere o Ministro Peluso.
Portanto, minhas observações todas não mudam. No caso da tese de Peluso, como não me lembro, peço ao Deputado Fábio Trad que me ajude nesta questão. Ela desloca e exigiria por recurso especial a repercussão geral, ou não exige, apenas desloca?
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Não. Ele diz o seguinte em sua tese: em decisão proferida pelo tribunal local, logo depois de transitada em julgado, nada impedirá que contra ela se interponha recurso especial. Entretanto, a interposição deste recurso especial não impede o trânsito em julgado. Portanto, o acórdão já passa a ter execução imediata.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Assim, respondendo especificamente à sua pergunta, se eu tivesse que fazer uma escolha, fora da minha tese, para mim não tem que mudar nada. Eu teria outras modificações. Se eu tivesse que escolher, eu escolheria a tese do Ministro Peluso, já que ela não exige repercussão geral do recurso especial.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Compreendo.
Muito obrigado, professor.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Antes de passar a palavra ao Deputado Alex Manente, registro a presença do Deputado Henrique Fontana, a quem agradeço a iniciativa de propor um debate tão saudável para a nossa Comissão, e a presença da Deputada Leda Sadala, que está nos acompanhando pelo Facebook, já que não conseguiu acessar este grupo no Skype.
Eu peço ao Deputado Henrique Fontana que aguarde um pouco, para eu passar a palavra ao Deputado Alex Manente. Em seguida, eu falarei.
Eu não estou vendo o Deputado Alex Manente.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Eu estou vendo o Alex Manente no grupo, Sr. Presidente. Porém, a voz dele não está saindo.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Peço que seja liberado o áudio.
Deputado Henrique Fontana, fale, para ver se nós o ouvimos.
O SR. HENRIQUE FONTANA (PT - RS. Participação por videoconferência.) - Sim, estou ouvindo bem. Imagino que vocês me ouvem, porque meu microfone está aberto. V.Exa. está me ouvindo, Sr. Presidente?
15:36
RF
O SR. ALEX MANENTE (CIDADANIA - SP. Participação por videoconferência.) - Eu estou aqui.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Tem a palavra o Deputado Alex Manente. Em seguida, ouviremos o Deputado Henrique Fontana.
O SR. ALEX MANENTE (CIDADANIA - SP. Participação por videoconferência.) - Primeiro, quero agradecer ao Dr. Lenio Streck as palavras e dizer que é uma grande satisfação para mim ouvir seus comentários e suas ponderações. Apesar das divergências em alguns pontos da nossa PEC, é sempre importante ter esta relação democrática, para aperfeiçoar uma peça que será entregue à população brasileira.
Eu quero saudar o Presidente Marcelo Ramos e, mais uma vez, registrar a importância de darmos sequência aos debates por meio de videoconferência, mantendo o cronograma que nós estabelecemos com a sociedade brasileira ainda no fim do ano passado, quando da instalação da Comissão Especial.
Cumprimento o Deputado Fábio Trad, que tem feito um grande trabalho e tem nos ouvido com atenção. Certamente, S.Exa. aprimorará o que nós produzimos na CCJ. Eu tenho a convicção de que estamos prontos para receber um grande relatório e de que aprovaremos este relatório para entregar ao Brasil uma importante conquista.
Aproveito o momento para saudar o Deputado Henrique Fontana, autor do requerimento, que teve participação ativa desde a CCJ, colaborando na execução de uma nova emenda constitucional para nossa população.
Antes de mais nada, quero falar da minha divergência em relação à tese do Dr. Lenio, no que tange à movimentação da cláusula pétrea. Eu não acredito que estamos mexendo em nenhum princípio, já que a presunção de inocência, na minha opinião, está estabelecida por meio desta modificação. A presunção de inocência é um princípio que não estabelece em qual instância se para de militar em favor do acusado. Na verdade, nós estamos trazendo o trânsito em julgado, a coisa julgada, que está na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro como um conceito, e nós estamos trazendo este conceito para a segunda instância, que já é um órgão colegiado, trazendo, desta forma, a função da Suprema Corte efetivamente como Suprema Corte.
Hoje, como o próprio Dr. Lenio disse, nós infelizmente temos inúmeras ações impossíveis de ser analisadas, diante da quantidade de Ministros que nós temos. Talvez o debate da ampliação do número de Ministros de Ministros devesse ser feito, pensando na possibilidade de ampliar aquela Corte, mas acho que é oportuno, primeiro, fazermos esta revisão no sistema jurídico brasileiro.
É importante que haja mais celeridade. Apesar de compreender sua fala, Dr. Lenio, o Brasil é um país que posterga as condenações em excesso, infelizmente. Nós temos condenações que demoram até 30 anos para chegar às últimas instâncias, o que, infelizmente, permite especialmente àqueles que têm poder e influência o não cumprimento de determinadas penas, prejudicando, em alguns casos, aqueles que teriam o direito estabelecido, mantido por nossa emenda constitucional mediante a ação revisional.
Eu acho que outra questão importante foi lembrada quando os Ministros Moro e Peluso falam das poucas alterações que temos nas instâncias superiores em relação às decisões da segunda instância. Nós não estamos falando de alteração da pena ou de adequação da pena. Nós estamos falando da reversão de penas, o que praticamente não existe. São muito poucas mesmo as reversões de pena que ocorrem na última instância: pode até haver adequação ou alguma alteração da pena, mas a reversão geralmente é zero.
15:40
RF
Outra questão importante diz respeito à absolvição em primeiro grau e à condenação em segundo grau. Faço a seguinte pergunta: se tivermos a condenação no primeiro e no segundo graus e a liberação na última instância, qual será o efeito disso? Como se recorre a isso? Em determinado momento, teremos uma divergência, se os tribunais não se entenderem. Além desta, quero colocar outra questão. Eu defendo firmemente que o erro e a possível nulidade do rito processual de primeira e segunda instância possam estar presentes na ação revisional. Eu tenho a convicção de que estão presentes na nossa PEC. Mas, se não estiverem, eu peço ao Relator que inclua esta questão, deixando ainda mais clarificado que um erro ou uma possível nulidade esteja presente, para termos a possibilidade de ingressar com a ação revisional.
Eu respeito muito o Ministro Peluso, que, em parte, é o idealizador intelectual desta nossa emenda constitucional. No entanto, tenho uma divergência. Eu creio que não consigamos fazer o trânsito em julgado em segunda instância permitindo o recurso. A partir do momento em que se libera a possibilidade de ter recursos especiais e extraordinários, não se está estabelecendo o trânsito em julgado. O trânsito em julgado, como foi dito, a não ser que modifiquemos o conceito que está na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, é o fim do processo, a não possibilidade de recorrer. Este é o nosso intento, ao fazer com que ele se estabeleça na segunda instância.
Creio que o crime e o aspecto penal sejam os que mais afloram na sociedade em relação a este tema. Nós temos a garantia do Relator Fábio Trad, até aquelas que ficaram fora da nossa emenda constitucional, como a militar e a eleitoral, de que também estejam neste bojo, mas, na verdade, quando pacificamos todas as esferas, estamos dando ao cidadão brasileiro a segurança de que a justiça será feita rápida e oportunamente.
Como o senhor bem colocou, Dr. Lenio, os bancos são os que mais arrolam dívidas no País, os que mais arrolam pagamentos da população, passando uns 10 anos no Supremo Tribunal Federal para ter uma ação julgada. Quanto aos precatórios, há pessoas que não recebem os justos precatórios. No Brasil, houve muito precatórios injustos, mas esta é outra questão. Há famílias que não recebem precatórios há 30 ou 35 anos!
Outro dia, eu tive um debate com um Procurador de Estado, dizendo que o Estado não tem condições de pagar. O Estado não pode tomar algo de alguém e não pensar que não vai pagar nunca! Nós não podemos permitir uma impunidade como esta no nosso País.
Portanto, precisamos ter condições para ter uma Justiça mais célere, uma modificação no sistema. O senhor colocou o debate de quando passa a valer esta emenda constitucional. Eu também defendo que seja no momento de sua promulgação. Dificilmente se consegue retroagir algo que está estabelecido, a não ser por disposição transitória, o que seria, na minha opinião, um tanto casuístico neste momento.
Nós precisamos estabelecer esta possibilidade daqui para a frente e fazer com que o sistema judiciário seja, de fato, rápido, efetivo, dando ao cidadão a possibilidade de ter o sentimento de punibilidade em todas as esferas.
Como foi dito, Dr. Lenio, poucas pessoas saíram da condenação pela reversão. Este dado eu não tinha, fiquei sabendo agora, pelo senhor. Poucas pessoas saíram da condenação em segunda instância, com a decisão do Supremo. O senhor pontuou algumas pessoas do Paraná, outras pessoas, do Rio Grande do Sul, algumas da Lava-Jato. Porém, eu digo ao senhor que somente ricos e poderosos conseguem postergar a condenação.
15:44
RF
Eu tenho um dado: 40% da população brasileira não conseguem chegar à segunda instância. Muitas pessoas sem condições econômicas não chegam à segunda instância. O trânsito em julgado, no caso destas pessoas, acaba na primeira instância, por falta de recursos. Portanto, nós precisamos unificar um pouco nosso sistema, para torná-lo igualitário.
Eu tenho uma dúvida. Ficou na minha cabeça a tese do senhor sobre a modificação de uma instância de um grau para outro: absolvição, depois condenação, ou vice-versa, no caso de o Ministério Público não conseguir recorrer. Como ocorre hoje, quando existe absolvição nas duas primeiras instâncias e condenação na última instância ou vice-versa? Como se dá hoje? Que instrumento o cidadão tem para poder recorrer a isso?
Mais uma vez, saúdo a todos. Amanhã estaremos de volta, participando da nova modalidade de trabalho nas Comissões Especiais que temos, em razão do coronavírus, que tem preocupado a todos nós.
Agradeço por poder participar deste debate.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Passo a palavra ao Prof. Lenio Luiz Streck.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - São seis os pontos. Eu serei breve, como tenho procurado ser.
Deputado Alex Manente, muito obrigado pelas palavras. De pronto, já elogio a questão. V.Exa. concorda que esta emenda é para todas as áreas. Mesmo com a minha discordância de achar que a presunção de inocência está vinculada às cláusulas pétreas, isso não exclui a parte, que no Direito nós chamamos de ad argumentandum tantum: eu posso não concordar, mas tenho concordâncias. Uma delas é esta, de que é para todos, para todas as áreas. Portanto, eu o parabenizo, tanto quanto ao Relator, que em nenhum momento pensaram: "Vamos fazer só para o penal". Muito bem.
O segundo ponto diz respeito à extensão no tempo. As estatísticas do STJ e do STF não dizem isso. O que acontece, por vezes, é que hoje o segundo grau — eu tenho escrito isto com relação ao Supremo —, a segunda instância, em média, demora mais para julgar do que o STJ. Eu tenho estes dados também. Na média, a segunda instância chega a levar 4 anos, principalmente quando se trata de matéria criminal. Em relação ao STJ, somente 10% dos processos demoram mais que 3 anos. No entanto, existem, sim, casos que levaram 10 ou 15 anos.
15:48
RF
Há um caso famoso no Rio Grande do Sul, de um empresário muito conhecido, o da Havan. Ele havia sido condenado a 9 anos, mas o processo, por alguma razão, demorou e depois acabou prescrevendo. Estas coisas acontecem no sistema.
Eu penso que a extensão do tempo acaba sendo um problema pontual de administração. O Ministro não o traz à pauta, os desembargadores não tocam neste ponto, ou o primeiro grau demora, muitas vezes porque muitos processos prescrevem no primeiro grau.
Quanto à questão do 1%, abro um parêntese. Os senhores não acham que haverá um problema se apenas 1% dos processos é revertido no STJ? Será que os advogados são tão incompetentes neste País ou será que o filtro e o modo como se faz a jurisprudência defensiva criaram um sistema apenas com poucos Ministros para julgar tantos processos e, com isso, quando a vazão da água é muito grande, cria-se um dique maior para conter a enchente de processos? Nós temos que pensar nisso. Temos que pensar se a emenda constitucional vai diminuir o número de processos no STJ ou no STF. Enfim, fica proposta esta dúvida. Eu tenho muitas dúvidas e poucas certezas.
Sobre a repercussão geral, é muito boa a observação que o Deputado Alex Manente faz ao Relator. É muito importante, Deputado Fábio Trad. Se a emenda passar, é preciso deixar explícitas algumas questões, como disse o Deputado Alex Manente. Nulidades, prova ilícita, estas questões têm que ter, de pronto, presunção de repercussão geral. Não sei como redigir isso, Deputado Trad. V.Exa., que é o Relator, vai ficar com este pepino. Mas é preciso garantir que a lei que será feita tenha, no mínimo, garantias, para que não seja preciso colocar tudo isso na emenda, Deputado Trad, e, assim, não tenhamos um problema maior.
Se a emenda passar, que se coloquem retrancas importantes, por exemplo, a de o sujeito ter o perigo de não conseguir provar a repercussão geral numa condenação em que talvez ele fosse, com base no sistema atual, ganhar um habeas corpus, ou no próprio sistema, em que se criaria o paradoxo: ao mesmo tempo eu posso ganhar um habeas corpus, mas não consigo passar minha ação revisional, porque não consigo provar a repercussão geral. Acho que dá para entender isso.
Parabéns ao Deputado Alex Manente, que está preocupado com esta questão, já passando a bola para o Deputado Trad.
É preciso, também, prever a possibilidade de cautelar, Deputado Trad e Deputado Manente. Eu vi que o Deputado Manente está preocupado com este ponto, o que é muito bom. Já que não é possível colocar tudo na emenda, talvez seja o caso de se dizer que lei complementar ou lei ordinária tratará, no mínimo, de tais questões. É preciso a possibilidade de liminar em determinadas situações, ou de cautelar, como queiram chamar.
15:52
RF
Com relação a ADC 44, o que eu quis dizer, Deputado Manente, é que se disse que milhares de pessoas sairiam. Como saíram poucas, eu estava certo quando falei sobre a decisão, a ação da qual eu fui um dos protagonistas em nome da OAB. Eu disse que, se essa ação for julgada procedente pelo STF, não trará o caos, como não trouxe o caos.
Então, eu quero dizer que, se fosse pelo número de pessoas que sairiam em face da decisão da emenda, e se isso fosse motivo para se fazer uma emenda constitucional, a emenda não precisaria existir. Era só isso que eu queria dizer.
Com relação à sua última pergunta, como é hoje se o sujeito for condenado em primeiro grau, condenado em segundo grau e revertido no STJ? Como é hoje? Exatamente isso, hoje ele tem o direito a um recurso especial, e ele não precisa provar repercussão geral. E não há problema nenhum nisso. O sistema hoje mostraria isso.
No outro caso, o Ministério Público hoje, nessa questão, pode recorrer para buscar a reversão com essa emenda. Eu não sei se o Deputado Trad vai fazer alguma coisa com relação a isso. Tem-se que levar em conta a corte interamericana também com relação a essa questão, porque a coisa no trânsito em julgado, nesse modo como a emenda pede, transita em julgado e na revisional, dependendo da circunstância, no caso do exemplo que eu dei, o sujeito estará sendo julgado duas vezes pelo mesmo fato, o que impediria inclusive o recurso do MP. O MP talvez não tenha se dado conta disso. Foi a Dra. Alice quem levantou essa questão que eu estou transmitindo para os senhores.
Pronto, acho que respondi todas as seis indagações do estimado Deputado Alex Manente.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Antes de passar a palavra ao Deputado Henrique Fontana, quero registrar que vários Deputados me enviaram mensagens informando que não conseguiram entrar pelo Skype, mas estão nos acompanhando pelo YouTube. São eles: Deputado Joaquim Passarinho, Deputado Júlio Delgado, Deputado Aliel Machado, Deputado Gilson Marques, Deputado Alencar Santana Braga, Deputado Alexandre Leite e Deputada Caroline de Toni.
Agradeço a todos os Deputados que acompanham pelo YouTube esta audiência pública.
15:56
RF
Agradeço a todos por seguirmos neste esforço de manter alguma normalidade neste período tão sensível da vida do País.
Dito isso, passo a palavra ao Deputado Henrique Fontana.
O SR. HENRIQUE FONTANA (PT - RS. Participação por videoconferência.) - Primeiramente, Presidente, eu quero cumprimentar nosso convidado de hoje, o jurista Lenio Streck, membro do Ministério Público, bem como cumprimentar todos os colegas Parlamentares. Muito especialmente cumprimento V.Exa., Presidente, o Relator, Deputado Fábio Trad, e o autor da PEC que nós estamos analisando, Deputado Alex Manente.
Como todos disseram –– também eu não vou deixar de enfatizar –– este esforço é muito importante, mesmo com os percalços tecnológicos. Eu mesmo perdi o início da fala do Dr. Lenio, mas depois consegui acompanhá-la pelo Facebook, como outros colegas estão fazendo. Somente de meia hora para cá consegui me conectar ao Skype, software que estamos utilizando nesta audiência.
A primeira coisa com a qual eu quero contribuir é exatamente destacar a importância da temperança, da responsabilidade e da tranquilidade com que esta Comissão está se reunindo, debatendo e ouvindo opiniões diferenciadas, para chegarmos a um texto. Obviamente esse texto não conseguirá atender integralmente à vontade de todos, mas seguramente ele vai nascer de uma reflexão profunda, de uma reflexão não realizada açodadamente. Aliás, eu tenho repetido em nossas reuniões anteriores que esse é um dos problemas da sociedade atual. Muitas verdades nascem nas redes sociais, que são as verdadeiras pós-verdades, e terminam se impondo no debate de alguns temas, o que gera muitos problemas.
Sei que não é nosso assunto de hoje, mas gostaria de dizer que assisti a um vídeo que eu quase não acreditei que pudesse ser verdadeiro, um vídeo gravado pelo proprietário da rede de lojas Havan, o Sr. Luciano Hang. Nós estamos sendo orientados pelos Ministério da Saúde, que se baseia nas recomendações científicas, devidamente abalizadas pela experiência de outros países, no sentido de que este é o momento de intensificarmos o isolamento social no País para impedir que a epidemia de coronavírus ganhe uma dimensão maior do que ela já terá — infelizmente esse é o natural.
Aliás, o esforço da Câmara e do Senado tem sido muito grande no sentido de contribuir com este processo de tomada de decisão para o combate da epidemia do coronavírus.
Pois bem, o Sr. Luciano Hang, no vídeo a que me referi, dava "uma aula", entre aspas — ele é empresário e, imagino, conhece pouco ou quase nada de epidemiologia e de infectologia —, sobre como o País deveria reagir ao coronavírus, e com pressa. Ele insistia em que era necessário parar com as restrições de movimentação, que isso iria gerar o caos no País. Eu até gravei também um vídeo para fazer contraposição a esse tipo de fala irresponsável.
16:00
RF
Relativamente ao tema desta audiência, nós enfrentamos muito esse tipo de coisa no início dos debates, quando se tentou criar a falsa impressão de que a impunidade, existente ou não no País, se devia ao fato de que não há a possibilidade de execução de pena após condenação em segunda instância. É óbvio que a impunidade, ou as questões que geram impunidade no País, tem origem numa multiplicidade de causas. Esta temática que nós estamos analisando obviamente pode contribuir com o combate à impunidade, mas ela é uma das temáticas menores na busca de evitarmos a impunidade.
Ressalto que nenhum de nós quer impunidade. Podemos pegar todo o espectro político, pessoas com as mais diferentes visões de sociedade, e obviamente todas aquelas que se movem por uma posição de dignidade não querem impunidade, mas nós também não queremos, preferencialmente, nenhuma condenação injusta.
Eu sou um médico que procuro aprender muito sobre Direito, porque isto faz parte da minha vida como Deputado Federal, vida que eu escolhi. Então, uma das coisas que eu sempre pensei é que sustarmos prazos prescricionais quando de um recurso, isso sim poderia, pode e deve ser uma medida saudável para evitar a impunidade gerada pelo uso dos prazos prescricionais com manobras protelatórias.
Essa questão também não posso deixar de abordar, porque o Dr. Lenio a trouxe e outros comentaram. Quando nossa Comissão começou a funcionar, eu lembro que, não fosse a firmeza dos dois Presidentes das duas Casas Legislativas e de entidades como a OAB, entre outras vozes, dentre elas a do Dr. Lenio –– vozes que se levantaram diante do açodamento de quem queria, horas depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, que demorou um largo período de reflexão, com análises diferenciadas, ponderações, argumentos e contra-argumentos, leituras jurídicas... Logo depois da decisão do Supremo, houve uma verdadeira corrida por parte de alguns setores que queriam constranger a decisão do Supremo com o que eu chamo de terrorismo dos bandidos que seriam soltos, o que foi aqui desmentido categoricamente, porque de fato a aplicabilidade da decisão do Supremo se deu em casos justos e necessários. Não houve nenhum caos no País.
Graças à firmeza do Presidente Rodrigo Maia e do Presidente Davi Alcolumbre, nós optamos por este caminho, estamos ouvindo pessoas, analisando situações, estudando o assunto.
16:04
RF
O Deputado Fábio Trad tem enorme experiência e, quanto a sua relatoria, eu me sinto, como a imensa maioria dos brasileiros que estão acompanhando o debate, muito seguro de que ele buscará um relatório com muito equilíbrio para fazer as mudanças que forem necessárias. A firmeza dos Presidentes da Câmara e do Senado nos garantiu que pudéssemos estar hoje aqui fazendo esta reflexão e conversando com outros juristas, debatendo e ouvindo argumentos.
Volto à pergunta sobre o caso da pessoa absolvida em primeira instância e condenada em segunda instância. Se ela tiver sido absolvida, por exemplo, em primeira instância, com uma posição monocrática, de uma opinião única, diante de um recurso do Ministério Público ela poderá ser condenada em segunda instância. Por exemplo, numa câmara que tenha três juízes, dois podem condená-la, e um absolvê-la. No caso de exemplo hipotético que estou trazendo, nós teríamos quatro juízes analisando uma situação, dois definindo, conforme a sua leitura do processo, das provas, etc., pela absolvição, e dois definindo pela condenação. Parece-me que salta aos olhos que, num caso como esse, nós estaríamos cometendo uma grande injustiça ao iniciar a execução de uma pena determinada em situação de enorme controvérsia, com duas opiniões para cada lado, vamos dizer assim.
Então, talvez devamos, dentro das medidas que estão sendo pensadas para mitigar e para diminuir a possibilidade de injustiças futuras, nós e nosso Relator, pensar um pouco em como evitar uma hipótese como essa.
Eu encerro, Dr. Lenio, cumprimentando os demais colegas, dizendo que todos nós aqui queremos combater a impunidade, mas queremos combatê-la de forma justa e, na medida das nossas possibilidades como legisladores, elaborando uma lei que, de preferência, impeça qualquer condenação injusta. Esta é a utopia que eu persigo nesta Comissão e pela qual vou trabalhar.
A todos desejo uma boa tarde e que sigamos trabalhando para superar mais este momento de dificuldades pelo qual passa o País, aliás o mundo, com esta grande pandemia de coronavírus.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Tem a palavra o Dr. Lenio.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Obrigado, Deputado Henrique Fontana, que é um Deputado aguerrido e, embora médico, tem sempre estado presente nas grandes discussões que envolvem questões jurídicas como esta.
Com relação à parte final do que V.Exa. disse, Deputado Fontana, de queremos justiça, etc., eu, de tão preocupado que estou com essas coisas, subsidiei o Senador Anastasia e o Deputado do Tocantins cujo nome esqueci agora, mas que já entrou também... Está tramitando na Câmara dos Deputados o projeto que, como na Alemanha, obriga o Ministério Público, depois de sua investigação, a colocar sobre a mesa todas as provas. O Deputado Trad conhece esse projeto. Esse já será o primeiro passo.
16:08
RF
O segundo passo, dentro dessa mesma linha — o Deputado Fábio Trad também já conhece esse projeto meu, que eu já passei essas questões para o Código de Processo Penal —, é nós colocarmos mais amarras nas questões das decisões judiciais, evitando liberdades interpretativas, essas coisas todas que fazem com que as decisões sejam muito fragmentas.
Quando da apreciação do projeto da Lei de Abuso de Autoridade, uma grande conquista foi o art. 15, para o qual foram levados os seis incisos do § 1º do art. 489 do Código de Processo Civil. Esses incisos são muito importantes e agora, constando da Lei de Abuso de Autoridade, tornam-se aplicáveis em todo o processo penal. Então, esse foi mais um aperfeiçoamento. Eu não sei quem teve a ideia de apresentar essa emenda à Lei de Abuso de Autoridade, mas eu parabenizo quem fez, quem trouxe para ela esses incisos do Código de Processo Civil. Isso também fazia parte das minhas contribuições ao Código de Processo Civil, em que também tentei colocar amarras para as decisões judiciais, porque, com mais controle, mais possibilidade de justiça nós temos. Sem dúvida nenhuma, está correto o Deputado Henrique Fontana.
Relativamente à absolvição em primeiro grau e da condenação em segundo grau, é um ponto que deve preocupar muito o Deputado Fábio Trad, que é o Relator, porque, quando nós deslocamos a coisa julgada do lugar em que ela está hoje e a colocamos noutro lugar, há uma consequência: ali nós terminamos o processo. Só que nós terminamos o processo de alguém que não pode recorrer, apenas tentar revisar (falha na transmissão) algo que o juiz reverteu em segundo grau, e ele não pôde demonstrar (falha na transmissão), porque não há nenhuma possibilidade (falha na transmissão) em segundo grau. Este é o ponto que eu levantei antes e que deixo à disposição.
Por último, de fato, essa questão de que o Deputado Henrique Fontana fala de deixarmos isso muito claro: quando as ADCs 44 e 54 foram julgadas, todo mundo disse que ia ser um caos. No entanto, vimos serenidade.
Também cumprimento o Presidente Rodrigo Maia e Presidente Davi Alcolumbre, os Parlamentares, os Deputados presentes aqui, que, preocupados com aquele açodamento todo, permaneceram serenos, tanto é que estamos hoje aqui. Se não houvesse esse problema do coronavírus, estaríamos hoje na Câmara dos Deputados discutindo isso, como estamos discutindo agora, serenamente, porque essas coisas têm que ser feitas com muita prognose. Inclusive, quando essa matéria for finalizada, se passar essa emenda e, depois, a lei, temos que pensar e, como eu disse antes, testar como vão funcionar algumas matérias, inclusive as de alguns ramos do Direito, porque elas começam a valer no dia seguinte, e nós estaremos deslocando a coisa julgada de um lugar "x" para um lugar "y", e ninguém faz isso sem causar efeitos colaterais. Alguns efeitos colaterais nós já estamos colocando, como este mesmo de que acabamos de falar.
Muito obrigado, Deputado Henrique Fontana.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Sr. Lenio, eu vou pedir permissão a V.Sa. para eu fazer uso da palavra e tecer alguns comentários sobre o tema.
O primeiro deles — eu tenho feito questão de dizer isto a todos os nossos convidados — é no sentido de nós entendermos em que cenário esta PEC foi aprovada na CCJ e esta Comissão foi instalada. Eu quero trazer dois aspectos, um aspecto de natureza jurídica e um aspecto de natureza política.
16:12
RF
O primeiro, o aspecto de natureza jurídica, é que a interpretação de presunção de inocência, cláusula pétrea prevista no art. 5º da Constituição Federal, tem sido muito instável e pendular no Supremo Tribunal Federal. Até 2016, não se podia prender. Em 2016, por maioria simples, de 6 votos a 5, passou-se a poder prender. Em 2018, por maioria simples, de 6 a 5 novamente, voltou-se a não poder prender.
Acho que algo que percebemos pouco é que na próxima esquina há a previsão de uma nova mudança na jurisprudência do Supremo, com a aposentadoria do Ministro Celso de Mello e a indicação de um novo Ministro do Supremo Tribunal Federal pelo atual Governo, que tem uma linhagem de uma verdadeira cruzada pela prisão em segunda instância. Isso significa, primeiro, que há instabilidade na interpretação do Supremo sobre um tema tão importante para a vida do País e, segundo, que as decisões do Supremo têm sido pendulares, não nos dando segurança jurídica num tema, como eu já disse, sensível.
Diante disso, parece-me que não resta outro caminho que não a Câmara assumir o seu papel de dar uma solução legislativa para isso, que pode ser inclusive deixar absolutamente claro no art. 5º que não pode haver prisão em segunda instância. Essa é uma opção político-jurídico-legislativa que nós vamos ter que tomar em algum momento.
O fato é que, sob a minha ótica, a Câmara, o Poder Legislativo, não pode não fazer nada sobre esse tema, sob risco de, no final deste ano ou no início do ano que vem, o Supremo mudar novamente o entendimento, já que o controle abstrato de constitucionalidade não faz coisa julgada. Entrando uma nova ADIN, o Supremo vai ter que julgar, e ele pode mudar a interpretação, porque o quórum do Supremo vai mudar. Esse era o cenário jurídico que eu queria clarear.
Do ponto de vista político, quando do julgamento da ADC 44, o Presidente da Comissão de Constituição e Justiça resgatou uma PEC que alterava diretamente o art. 5º da Constituição. O Deputado Alex Manente e a Deputada Caroline de Toni, que era a Relatora, tiveram a sensibilidade de, no lugar da PEC que alterava o art. 5º, apresentar a PEC 199. Como eu digo, isso trouxe ordem ao debate. A PEC 199 colocou ordem no debate, tirou o debate do campo da demagogia e o trouxe para o campo jurídico, para o campo de quem quer encontrar uma solução para oferecer um Poder Judiciário mais célere para o nosso País.
Primeiro, eu queria fazer esses dois comentários, para nós entendermos o cenário em que a PEC surgiu. Em segundo lugar, quero tranquilizá-lo e tranquilizar o conjunto da Comissão. Pelo diálogo que temos tido eu e o Deputado Fábio Trad — peço que ele me corrija se eu cometer alguma imprecisão —, algumas coisas já estão bem encaminhadas para o relatório. Eu citaria aqui quatro delas.
A primeira é que a PEC vai ser ou para tudo, ou para nada. Não estão incluídas no texto da PEC 199 as Justiças Militar, Eleitoral e Trabalhista. Mas o Deputado Fábio Trad já sinalizou que as incluirá no seu relatório. A segunda coisa é que também há um entendimento de todos os palestrantes, inclusive dos que defendem a PEC — apenas um manifestou posição diferente —, de que ela só deverá ser aplicada para os processos iniciados após a publicação. Alguns inclusive defenderam que ela só deveria ser aplicada para os fatos ocorridos após a publicação. Apenas um, o Ministro Moro, e somente ele, entre vários que defenderam a PEC, defendeu que ela deveria pegar processos no meio do caminho. Inclusive, defendeu que ela deveria pegar processos no meio do caminho só na esfera criminal, o que, obviamente, é uma tese absolutamente insustentável sob a minha ótica.
16:16
RF
A terceira coisa, para tranquilizar a todos, é que me parece que nós já temos um entendimento claro, principalmente pela condenação da Argentina na Corte Interamericana de Direitos Humanos, de que nesses casos de julgamento em que o Tribunal é a primeira instância tem que haver recursos. E o Deputado Fábio Trad já sinalizou a hipótese da existência de recurso ordinário para esses casos.
A quarta coisa é que a possibilidade de cautelar em ação revisional já está expressamente prevista no texto da PEC. Essa também é uma garantia para evitar a execução imediata de decisões que sejam aberrações do ponto de vista jurídico material ou processual.
O terceiro item da minha fala é uma reflexão que eu quero fazer também de forma fraterna, como foi feito em toda a sua fala. A questão do direito brasileiro não é só a prescrição, é também a distância entre o fato e a execução, seja na esfera penal, seja na esfera cível. Isso também dá um sentimento grande de impunidade, porque, muitas vezes, a execução da pena de prisão é muito distante do crime. Cito por exemplo o crime confesso de um sujeito, cujo nome não lembro agora, que matou uma jornalista e só foi preso depois de 20 anos. Isso gera um sentimento de impunidade. Muitas vezes a vida já absolveu esse cidadão; ele já tem outra vida, já está instalado. É ruim para todo mundo essa distância entre o fato e a execução. Na esfera trabalhista, isso é mais dramático, porque há gente que morre antes de o seu crédito trabalhista ser executado. Na esfera cível e na esfera empresarial, isso também é dramático, porque há gente que vai à falência antes de conseguir reaver um tributo cobrado indevidamente pela União, pelos Estados ou pelos Municípios. Então, eu queria trazer esta reflexão: o problema não é só o crime prescrever; mesmo que não prescreva, se a distância entre o fato e a execução for muito grande, o sentimento de impunidade é grande.
16:20
RF
O quarto item da minha fala é uma pergunta que faço para ouvir uma reflexão do senhor. É o seguinte: as questões criminais hoje já não são muito mais resolvidas nos Tribunais Superiores através do habeas corpus? Os recursos especial e extraordinário de natureza criminal já não são residuais hoje? Como nós não estamos mudando o habeas corpus, o senhor acha que haveria um impacto grande na possibilidade de um réu condenado à prisão ir aos Tribunais Superiores, já que a PEC não prevê, e nem poderia, nenhuma restrição ao habeas corpus, que é o principal instrumento de ida aos Tribunais Superiores nas questões criminais? Esse é um questionamento.
Outro questionamento — e vou caminhando para o fim — é que o conceito de coisa julgada está muito claro na Lei de Introdução: é uma decisão em que não cabe recurso. Mas trata-se de decisão em que não cabe recurso genérico, não em que não cabe recurso extraordinário ou recurso especial. Trata-se de decisão em que não cabe recurso. Portanto, sob a minha ótica preliminar, esse conceito da Lei de Introdução não está vinculado à existência dos recursos especial e extraordinário; ele está vinculado à garantia do duplo grau. O que nós não podemos permitir é que em alguma ação não haja possibilidade de duplo grau. Eu gostaria de ouvi-lo sobre isso.
Quanto ao último item, que foi até relatado pelo Deputado Fábio Trad, duas ponderações, uma feita na audiência anterior e outra feita na sua fala, me são muito caras. A primeira delas é a possibilidade de um descontrole de decisões contraditórias entre os tribunais. Nós temos 27 tribunais, temos os Tribunais Regionais Federais, e nós correríamos o risco de haver muitas decisões contraditórias entre esses tribunais se não houvesse mais órgão unificador de jurisprudência, que são o Superior Tribunal de Justiça, em matéria de lei federal, e o Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional.
O terceiro item da sua fala foi a descaraterização dos tribunais nacionais. E aí eu pergunto: os nossos tribunais nacionais já não estão descaracterizados? Veja só, no ano passado, o Supremo Tribunal Federal julgou menos de mil ações de controle abstrato de constitucionalidade, mas julgou 13 mil recursos extraordinários e mais de 50 mil agravos de instrumento em recurso extraordinário. Isso descaracteriza completamente o papel de Tribunal Constitucional. O Supremo Tribunal Federal está julgando quase nada de controle abstrato de constitucionalidade e está gastando toda essa energia julgando conflitos individuais. O Supremo Tribunal Federal está julgando quem foi o campeão brasileiro de 1987, se foi o Flamengo ou o Sport. É óbvio que foi o Sport. O Supremo não precisava julgar isso. Já o Superior Tribunal de Justiça está julgando com quem fica um cachorrinho poodle na partilha de um divórcio litigioso.
Então, os nossos tribunais já estão descaracterizados, mas eu corroboro a sua preocupação e digo que caminho nós estamos procurando construir para resolver isso. Eu sugeri ao Deputado Fábio Trad que nós mudássemos os requisitos das súmulas vinculantes. A súmula vinculante hoje exige do Supremo Tribunal Federal reiteradas decisões sobre determinada matéria. O Supremo não terá mais reiteradas decisões sobre determinada matéria. E o STJ hoje não tem autorização para emitir súmulas vinculantes. Qual é a nossa sugestão? É mudar, no texto da PEC, o requisito da súmula vinculante, para que o requisito passe a ser decisões contraditórias de tribunais de segundo grau, dando ao STJ o poder de editar súmula vinculante sobre essas decisões contraditórias quando a contradição for de lei federal e dando ao STF o poder de editar súmula vinculante quando essas contradições forem de natureza constitucional.
16:24
RF
Dito isso, eu concluo aqui a minha fala e ouço com muita atenção e carinho V.Sa.
Muito obrigado.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Obrigado, Deputado Marcelo Ramos, Presidente desta Comissão. V.Exa. tem feito com muita sobriedade esta discussão.
Temos várias concordâncias. Os seus quatro pontos são: PEC para tudo; validade após a publicação; foro especial com necessidade; previsão de cautelar. Essa conjuminância aí entre o Relator e o Presidente já está, é claro, sempre argumentando um tanto... Isso se essa PEC passar, é claro.
Mas de uma coisa eu vou discordar, Deputado Marcelo Ramos. V.Exa. disse que com a ADC 44 e a ADC 54 se criou uma insegurança, porque amanhã, trocando-se um Ministro, o entendimento vai mudar de novo, como antes já mudou por 6 votos a 5, depois por 6 a 5, e novamente por 6 a 5. E disse: "Antes não se podia prender, agora se pode". Na verdade, a decisão no Habeas Corpus nº 126292 não obrigou a prender.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Como a outra não desobrigou, não é?
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Como a outra não desobrigou. Então, eu posso perder essa discussão. Essa PEC pode passar. Eu quero ajudar a aperfeiçoá-la. Agora, eu quero só deixar registrado que a nossa ADC 44, da OAB, não proibiu a prisão. Só quero deixar registrado nos Anais que isso não é verdade. Eu briguei muito. Todos dizem...
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Dr. Lenio, eu quero deixar registrado nos Anais que concordo com o senhor.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Muito bem.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - E refaço o meu entendimento.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Está bem.
Eu sofri muito com isso, porque o Merval Pereira, todos os dias, na GloboNews, assustava as pessoas, dizendo: "Amanhã o Supremo vai abrir as portas do inferno". E eu dizia: "Calma, jornalista, você não entende nada de direito". Enfim, passou a tempestade, mas só queria deixar registrado isso.
Sobre o habeas corpus, por que o habeas corpus é chamado para resolver? O próprio habeas corpus, do modo como é utilizado hoje, é uma anomalia do sistema, pois a jurisprudência defensiva, que foi construída com o tempo, acaba obrigando a que se dê um drible no sistema por meio de habeas corpus. Por exemplo: que sistema é esse em que um Ministro do Supremo precisa dar uma liminar em habeas corpus para um sujeito que furtou um par de chinelo de dedos? Isso só acontece porque lá embaixo se falhou. É claro, evidente. Por que um Ministro do Supremo precisa julgar isso? Porque, antes, houve uma falha com relação a isso. Então, temos, sim, problemas.
16:28
RF
Com relação ao conceito de coisa julgada, nós não concordamos, não é? Eu vou insistir: o conceito de coisa julgada como decisão na qual não cabe recurso é um conceito que cria efeitos colaterais. Já dei vários exemplos, mas vou dar outro agora: coisa julgada em inconstitucionalidade, quando um tribunal federal ou um tribunal estadual decide de forma inconstitucional. Nesse momento, a decisão transita em julgado, porque nós deslocamos a coisa julgada; está havendo coisa julgada em inconstitucionalidade. É um problema isso. Enfim, não concordamos nesse ponto.
V.Exa. concorda comigo na preocupação sobre o papel do STJ na uniformização. Há a descaracterização dos tribunais, é verdade. Vejam como é difícil o sistema. Vou dizer algo aqui para que fique registrado também nos Anais. O Parlamento pode ajudar sempre nisto. Quando foi feito o Código de Processo Civil, do qual o Deputado Paulo Teixeira foi o Relator, nós tiramos do art. 371 do CPC a palavra "livre", para que não houvesse livre convencimento do juiz. Quase ninguém obedece a isso. Você entra com ação, com embargos declaratórios, e eles são rejeitados pelo livre convencimento. Bom, de fato, nós temos um problema.
E eu vou repetir: no Brasil, nós temos recursos em excesso, porque há um sistema que permite que uma decisão contraditória, obscura ou omissa não seja nula, mas admita embargos, embargos dos embargos dos embargos e mais um agravo e depois um agravo do agravo. Se eu dissesse, no início, que uma decisão que é obscura, omissa ou contraditória é nula e que outra tem que ser dada, eu impediria milhares ou milhões de embargos dos embargos e agravos. Gostaria que V.Exa., como Parlamentar, pensasse nisso desse modo.
Para finalizar, eu vou falar da fundamentação das decisões, que é sua preocupação, mas também minha.
16:32
RF
No Código de Processo Civil se instaurou uma espécie — disse por aí — de sistema de precedentes. E hoje o STJ e o STF fazem teses. Ainda se diz que isso tem algo a ver com o commom law. Nada a ver!
Eu vou repetir uma brincadeira que eu fiz com um Ministro do STJ, quando estávamos numa mesa, no Rio de Janeiro, discutindo temáticas desse tipo. Eu não sei se os senhores lembram que há pouco tempo o Tribunal de Justiça de São Paulo... Aliás, três Ministros do STJ estavam num painel — um era o Ministro Sebastião, o outro Ministro eu acho que era o Luis Salomão, não me lembro bem — queixando-se de que o Tribunal de Justiça de São Paulo, principalmente, não obedecia aos precedentes do STJ. E eu respondi: Eu arrisco a dizer o porquê! Talvez porque o STJ não faça, de fato, precedente; ele faz tese. Precedente é outra coisa.
Se nós fizermos efetivamente precedentes, a discussão será outra. Eu vou dizer por quê. O senhor estava falando em súmulas — o Deputado Trad também. O que é um precedente no Brasil? Súmula não é precedente. Os precedentes é que são usados para fazer súmulas. Vejam as confusões que nós armamos.
Então, vamos também aproveitar estas ocasiões, em primeiro lugar, para falar; em segundo lugar, para aos poucos, no futuro, criarmos projetos e condições para apresentarmos possibilidades de coisas simples. E não é nenhum despautério discutirmos, claro, e chamarmos o Judiciário, como estamos fazendo aqui, fazendo prognoses, evidentemente.
Por que nós precisamos de um sistema que tenha embargos declaratórios que permitam embargos declaratórios e agravos, etc., se o próprio Código diz que uma decisão pode ser obscura, contraditória ou omissa?
Vou brincar de novo. Se o seu assessor aí na Câmara dos Deputados produzisse peças todos os dias para o senhor, e o senhor dissesse: "Isto aqui está contraditório" ou "Aqui o senhor foi omisso" ou "Aqui o senhor foi obscuro", o que o senhor diria da atuação dele?
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Ele não seria mais meu assessor. (Risos.)
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Pois é, eu estou em rede e peço lhanamente, porque eu sou o maior defensor... O Deputado Trad é o que mais me conhece, além de outras pessoas. Eu tenho mais de 60 livros escritos a favor do Judiciário, pela jurisdição constitucional. Eu sou um sujeito conservador, que acredita em respostas corretas no Judiciário. Eu acredito em verdades processuais. Eu sou contra relativismos e decisionismos. Então, eu sou a favor de um bom Judiciário.
Então, quando eu estou dizendo isso sobre embargos declaratórios, estou abrindo o meu coração para a República. Eu não tenho a solução, mas nós podemos pensar em boas soluções para diminuir a descaracterização sobre a qual V.Exa. falou muito bem.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Obrigado, Dr. Lenio.
O Deputado Joaquim Passarinho está acompanhando a nossa audiência. Pergunto a ele se quer fazer uso da palavra.
Deputado Joaquim Passarinho? (Pausa.)
Agora há pouco a imagem dele estava na tela.
Deputado Joaquim Passarinho, V.Exa. está aí ainda?
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Estava na tela há pouco.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - É.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Deve voltar.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Eu tenho que privilegiar o meu vizinho aqui do Pará.
O SR. ALESSANDRO ALVES DE MIRANDA (Participação por videoconferência.) - Deputado, eu estou incluindo ele novamente aqui na lista de chamada.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Se o Deputado Joaquim Passarinho voltar antes do encerramento da reunião, nós passaremos a palavra a S.Exa.
16:36
RF
Deputado Fábio Trad, V.Exa. quer usar a palavra antes de nós encerrarmos a reunião?
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Presidente, mais uma vez, quero saudar V.Exa. pela extraordinária audiência pública, porque chamamos na realidade um jurista de primeira categoria.
Quero dizer a V.Exa. que, se confirmada amanhã mesmo a última audiência pública do cronograma, eu vou precisar de apenas 15 dias para apresentar o meu relatório, mas isso, evidentemente, de acordo com o cronograma estabelecido por V.Exa.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Deputado Fábio Trad, antes de fazer meus cumprimentos finais ao Dr. Lenio, eu quero dizer a V.Exa. que, encerrada a nossa última audiência pública de amanhã, nós aguardaremos o relatório de V.Exa. no seu tempo.
Tão logo ele esteja pronto, nós vamos distribuir para os membros da Comissão, para que procuremos construir o mínimo de consenso em relação ao relatório. Havendo consenso sobre o relatório na Comissão, eu vou pedir autorização ao Presidente Rodrigo Maia para usarmos o sistema de votação remota a fim de aprová-lo, ficando pendente a decisão da Mesa Diretora sobre quando irá ao Plenário.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Perfeitamente.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Eu quero agradecer ao Dr. Lenio, dizendo da nossa alegria em recebê-lo. Eu não o conhecia pessoalmente, mas o conhecia pelo conjunto dos seus textos, sempre muito prudentes, por vezes mais firmes, outras vezes mais fraternos, como deve ser o homem. Há tempo em que se precisa de firmeza, e há tempo em que se precisa de fraternidade, e o Dr. Lenio sabe muito bem temperar esses dois sentimentos.
O sentimento com que o senhor, Dr. Lenio, veio a esta Comissão foi certamente o de fraternidade, de contribuição e de construção. Tenha certeza de que é assim que nós o recebemos.
Acho que estamos avançando na busca de convergências e de uma solução que possa ser equilibrada para o País. Tenho certeza de que o Deputado Fábio Trad, tão logo tenha o seu relatório pronto, também o dividirá com pessoas como o Dr. Lenio, para que possa colher contribuições finais e o ajuste fino no texto, no esforço de acertar o máximo possível.
Deputado Joaquim Passarinho, V.Exa. quer usar a palavra?
O SR. JOAQUIM PASSARINHO (Bloco/PSD - PA. Participação por videoconferência.) - Gostaria, se puder. Será bem rápido.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Então, eu passo a palavra a V.Exa., antes de encerrar.
O SR. JOAQUIM PASSARINHO (Bloco/PSD - PA. Participação por videoconferência.) - Uso a palavra apenas para agradecer a aula que nós tivemos agora à tarde.
Prof. Lenio, é prazer conhecê-lo.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Obrigado.
O SR. JOAQUIM PASSARINHO (Bloco/PSD - PA. Participação por videoconferência.) - Quero deixar um abraço ao meu amigo Fábio Trad, um grande parceiro. Sou seu admirador e seu fã. Sendo eu arquiteto, estou apenas aprendendo um pouquinho da área jurídica neste momento de confinamento, de isolamento social.
Eu queria também parabenizar o Presidente por conduzir esta reunião on-line, remota.
Quero dizer ao Prof. Lenio que a minha angústia – e acho que é uma angústia do povo brasileiro –, é sobre a impunidade, como muitos já disseram. Eu sempre cito o caso de um ex-Senador que apresentou 38 embargos de declarações ao seu processo, postergando em quase 10 anos a sua prisão. É isso o que nós não podemos aceitar. Essa sensação de impunidade de que o nosso Presidente falou é o que nos angustia.
Gostei muito da fala no sentido de que algumas funções que teriam apenas um único julgamento não podem ser deixadas desse lado. Eu acho que o Deputado Trad já está cuidando disso, para que possamos pelo menos ter sempre um segundo julgamento antes de qualquer tipo de prisão. Creio que estamos prontos para entregar para a sociedade algo melhor.
16:40
RF
Então, parabéns ao nosso Presidente, ao Deputado Alex Manente e ao Deputado Fábio Trad, a quem admiro cada vez mais.
Prof. Lenio, foi um prazer conhecê-lo e poder aprender um pouco mais na tarde de hoje.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Participação por videoconferência.) - Obrigado.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS. Participação por videoconferência.) - Obrigado, Deputado Passarinho. Um abraço, meu amigo.
O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM. Participação por videoconferência.) - Obrigado, Deputado Joaquim Passarinho. Eu agradeço a participação de todos.
Nada mais havendo a tratar, eu encerro esta audiência, antes convocando todos os membros para um novo painel amanhã, às 14h30min, com a presença do ex-Ministro Nelson Jobim e do advogado Georges Abboud.
Agradeço a participação de todos e declaro encerrado este painel, renovando os agradecimentos ao Dr. Lenio.
Desejo uma boa tarde a todos.
Voltar ao topo