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O SR. PRESIDENTE (Marcelo Ramos. Bloco/PL - AM) - Declaro aberta a 8ª Reunião Ordinária da Comissão Especial destinada a proferir parecer à Proposta de Emenda à Constituição nº 199-A, de 2019, do Sr. Alex Manente e outros, que "altera os arts. 102 e 105 da Constituição, transformando os recursos extraordinário e especial em ações revisionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça".
Esclareço aos Srs. Parlamentares e à senhora expositora que a reunião está sendo gravada e transmitida ao vivo pela Internet e que todo o seu conteúdo permanecerá disponível na página da Comissão e poderá ser utilizado pelos serviços de comunicação da Câmara na sua íntegra ou em parte, para a produção de reportagens, documentários e outros.
Para o bom ordenamento dos trabalhos, a expositora terá até 20 minutos, prorrogáveis a juízo da Comissão, não podendo ser aparteada.
Após todas as exposições, será franqueada a palavra primeiramente ao Relator e, em seguida, aos demais Deputados inscritos.
A SRA. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Obrigada, Deputado Marcelo Ramos. Agradeço o convite que me foi feito pela Comissão. Agradeço ao Deputado Fábio Trad, ao Deputado Alex Manente e a outros Deputados que estão aqui, bem como aos assessores.
Hoje nós vamos falar um pouco sobre a execução da pena após o julgamento em segundo grau. Como me foi concedido o espaço de 20 minutos, eu acho importante nós contextualizarmos esse debate especialmente para aqueles que nos ouvem pelas redes sociais.
A nossa Constituição de 1988 prevê a presunção de inocência como qualquer constituição democrática deve prever. A presunção de inocência é um direito fundamental construído pelo Direito Constitucional e tem a ver com o fato de que aquele que acusa — no caso, o Ministério Público ou, às vezes, até uma queixa-crime na ação privada — apresente provas suficientes para a acusação continuar. Trata-se daquilo que os americanos chamam de "Prova acima de qualquer razoável dúvida". Quando isso é feito, a ação penal é apresentada, há a condenação e, depois, a apelação.
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A nossa organização da Constituição de 1988 trouxe os recursos especial e extraordinário. Ela mudou completamente o nosso sistema de Justiça criando o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, com o recurso extraordinário. Depois, o Código de Processo Civil acabou também tendo algumas modificações para os recursos especial e extraordinário, que afetaram a forma da admissibilidade dos recursos.
Mas os recursos extraordinário e especial são aquilo que os nomes dizem, são especiais e extraordinários, em que se discutem teses de Direito, a unificação de jurisprudência, como, no caso de STJ, de interpretação de lei, ou de interpretação de norma constitucional.
O Supremo Tribunal Federal, de 1988 até 2009, permitiu a execução provisória da pena. Então, acho importante colocarmos que essa mesma Constituição, com esses mesmos dispositivos, permitia a execução provisória da pena após o julgamento em segundo grau, com a presunção de que os recursos especial e extraordinário não tinham efeito suspensivo. E a execução se fazia.
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal adotou outra posição dizendo que isso não mais cabia, que havia de se ter o trânsito em julgado.
O trânsito em julgado, no nosso sistema de quatro recursos, é muito difícil. Por quê? Porque sempre haverá os recursos especial e extraordinário. Mas não há só essa questão dos recursos, diríamos, num sistema de recurso vertical, há também uma horizontalidade de recursos. Por exemplo, se o recurso especial não é admitido, não vai caber um agravo de inadmissibilidade do recurso, o AREsp, que vai subir para o Superior Tribunal de Justiça, vai ser apreciado pelo Presidente e, depois, vai para a turma. Se ele for julgado improcedente, haverá agravo regimental e embargos de não agravo regimental. E por aí vai. Então, quando falamos no sistema recursal, não falamos só num sistema de quatro recursos numa verticalidade, que vão subindo para instâncias diferentes, nós também falamos de vários recursos possíveis dentro da mesma Corte
De 2009 a 2016, quando novamente o Supremo Tribunal Federal voltou a admitir a execução provisória da pena, no julgamento de um HC do Ministro Teori Zavascki, o que nós víamos? Víamos possibilidades de execução provisória da pena após vários recursos. Isso se dava especialmente nos Tribunais Superiores, tanto no Supremo Tribunal Federal como no Superior Tribunal de Justiça. O que acontecia? Chegava um momento que o número de recursos era tão grande, chegava a haver um excessivo número de recurso, um abuso do direito de recorrer, que os Ministros concediam a execução provisória da pena mesmo não havendo trânsito em julgado formal.
Qual era o problema disso e qual é o problema disso hoje, quando voltou a acontecer? O problema é que isso passa a ser adotado caso a caso, ou seja, não há uma regra geral. Por que temos lei? Por que o nosso sistema é um sistema de leis? Porque há o pressuposto de que a lei serve para se aplicar a todos que estejam na mesma situação jurídica básica, de forma igual.
O precedente, que é outro sistema, também pode ser aplicado de forma igual para todos que estão na base. Quem forma precedentes? O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. O habeas corpus do Ministro Teori Zavascki criava um precedente. E os precedentes são derrubados nas ADCs.
Portanto, de 2016 a 2019, tivemos outra posição. No julgamento do ano passado, o Supremo acabou dizendo, por uma maioria de 6 a 5, que o trânsito em julgado permitiria a execução. É claro que isso não impede as preventivas,
é claro que isso não impede que haja possibilidade de prisão se houver uma preventiva. Mas as preventivas não resolvem todas as questões. Então, nós voltamos àquela situação de caso a caso.
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Quando estamos falando em sede de apelação em tribunal, em apelação criminal, nós temos que lembrar que, se for 2 a 1, cabem embargos infringentes, um recurso que só cabe para a defesa. O Ministério Público não tem esse recurso. E há os embargos de declaração. O precedente do Ministro Teori Zavascki tinha esta grande qualidade: encerrado o julgamento em segundo grau, encerrado o julgamento de embargos infringentes ou embargos de declaração, podia ser feita a execução provisória da pena. Ainda mais, se houvesse alguma coisa que tivessem dito que não estivesse muito correta, a defesa entrava com habeas corpus tanto para o STJ quanto para o Supremo.
Mas havia um precedente que se aplicava a todos na mesma situação jurídica-base. Qual era a situação jurídica-base? Julgamento em segundo grau em sede de apelação ou julgamento por órgão colegiado, quando se tratava de prerrogativa de foro.
O duplo grau de jurisdição está muito relacionado com a garantia de haver uma revisão do julgamento, outra garantia que está no Pacto de São José da Costa Rica. Então, quando você é julgado em primeiro grau, tem direito à revisão de julgamento. Por que isso? Porque você é julgado por um, mas a revisão do julgamento é feita por um conjunto de membros. Se você for julgado por um órgão colegiado, isso já não se coloca. O júri é absolutamente uma peculiaridade porque se trata de uma garantia constitucional, e você é julgado pelos pares, pelos jurados. O júri, inclusive, não pode ser modificado pelo tribunal, ele pode ser anulado, e um novo júri vai acontecer.
Esse precedente do Ministro Teori Zavascki, que criava uma regra geral, caiu. Isso foi muito ruim, porque nós voltamos a ter um monte de recursos. Eu atuo em matéria criminal junto ao Superior Tribunal de Justiça desde 2016, quando fui promovida a Subprocuradora-Geral da República, e fui uma autora de um estudo relativo à execução provisória da pena no Direito comparado.
Existem outros países que fazem execução provisória da pena após o trânsito em julgado? Existem. Mas esses países têm o número de recursos que nós temos? Não. Alguns países fazem até a partir do primeiro grau, como, por exemplo, os de tradição anglo-saxônica. Por quê? Porque, nos Estados Unidos, eles adotam um sistema de júri para todos os tipos de processo, não só para os crimes dolosos contra a vida. Como a questão é o júri, o julgamento pelos pares, pode-se executar a pena imediatamente. No caso de outros países, até há o segundo grau, mas a maior parte é depois do segundo grau. E, quando se exige o trânsito em julgado, não há esse monte de recursos, seja de um tribunal para outro, seja dentro do mesmo tribunal.
Diante desse cenário, fica claro que é preciso evoluir para além da interpretação do Supremo, que já teve três interpretações. Já na época em que o Ministro Peluso estava presidindo o Supremo, ele já colocava uma ideia que acabou tomando corpo e se transformando na proposta de emenda à Constituição que hoje tramita na Câmara dos Deputados.
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Então, eu acho que a emenda — entro um pouco já na questão da emenda — é muito feliz nesse sentido. O que a emenda diz? Nós temos dois direitos fundamentais. Um deles é o que acompanha a presunção de inocência, que é o julgamento justo, o direito ao fair trial. O que é um julgamento justo? É o julgamento em que a pessoa sabe pelo que está sendo processada, ou seja, conhece a acusação; tem direito a defesa; tem direito ao contraditório; tem direito a um juiz natural; tem direito a um promotor natural; conhece as provas — disclosure. Esses não são princípios só do direito brasileiro, são princípios que nós herdamos do sistema continental europeu e hoje estão absolutamente misturados com o sistema anglo-saxão também. Hoje isso vai evoluir para a possibilidade de acordo de não persecução penal, que já foi objeto da Lei nº 13.964, aprovada pelo Congresso Nacional no fim do ano passado. Isso é o direito ao julgamento justo.
Não basta ter um julgamento justo, eu tenho que ter um tipo penal, dosimetria, regime de bens. Tudo isso vem no pacote — vamos dizer assim. O julgamento justo não é só o julgamento em si, que também tem que ser público ou publicizado. Nem todo julgamento é público. Em segundo grau, no Supremo e no STJ, é público, mas, na primeira instância, muitas vezes, a sentença não é dada naquele momento. Mas ele é publicizado. Na medida em que o processo é público, a sentença é pública.
Esses elementos trazem em si o direito de recorrer, que é o duplo grau de jurisdição, que está previsto no Pacto de San José da Costa Rica, que nós incorporamos como direito em função da nossa Constituição, ou do julgamento colegiado, como nós já mencionamos quando se fala de julgamentos por tribunais quando há prerrogativa de foro. Só que agora, pela interpretação do Supremo, há cada vez menos prerrogativa de foro, porque só há prerrogativa de foro por crimes cometidos durante o mandato que tenham relacionamento com o mandato. Então, na maior parte das vezes, vai haver inclusive um julgamento de segundo grau, mesmo das autoridades que teriam, em princípio, prerrogativa de foro.
O que essa emenda faz? Ela diz o seguinte: a presunção de inocência existe. Ninguém está discutindo presunção de inocência. Lembro que presunção de inocência é uma questão não só criminal. Todas as vezes em que eu movo uma ação contra alguém, inclusive no cível, eu tenho que provar. Não posso dizer: "A pessoa fez isso". Não! Para isso, tenha prova. É preciso provar. Não é o réu que tem que provar que está certo. O autor da ação é quem tem que dizer dos fatos e do direito, no cível; no crime, tem que dizer que a pessoa cometeu esse crime e tem que incluir aquela ação num tipo penal e dizer por que a pessoa está sendo acusada e quais são as provas.
Há presunção de inocência e também incorpora o julgamento em segundo grau. Mas, em nenhum momento, a Constituição diz — não há nada que diga isso — que o direito de recorrer é eterno, que eu tenho 25 recursos à minha disposição, que eu tenho 4 instâncias à minha disposição. Então, a PEC é feliz quando ela traz essa questão para dizer que o momento do trânsito em julgado será após o julgamento das apelações. Inclusive, o interessante é que, em alguns países, a corte de apelação é chamada de corte de cassação. O que a corte de cassação cassa? Cassa sentença de primeiro grau. As outras cortes vão ser sempre excepcionais. No nosso caso, é o Superior Tribunal de Justiça, que é uma Corte importantíssima, porque nós somos uma Federação.
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Embora o nosso direito seja todo nacional, no sentido de nós não termos normas estaduais de processo penal, de direito penal, de direito administrativo, nós temos 27 Tribunais de Justiça, 5 Tribunais Regionais Federais e 3 Tribunais de Justiça Militar, os TJMs, que também desafiam algumas decisões por meio de recursos especiais. Então, é evidente que temos de ter uma corte para unificar tudo isso. Qual é a corte? É o Superior Tribunal de Justiça. E o Supremo faz a unificação da interpretação constitucional. Mas o trânsito em julgado pode se dar em segundo grau. A excepcionalidade seria a revisão cível ou criminal.
Aí entramos em outra questão. Também acho que a proposta avançou, porque não seria possível, em termos de sistema, dizer que isso só pode valer para o direito penal. Fica difícil. "Então, está bom. Só vai ter trânsito em julgado dessa forma." Fica complicado. O direito penal, justamente por lidar com a liberdade das pessoas, talvez seja aquele em que tenha que haver mais garantias, embora, no cível, lide-se com patrimônio. Perder todo o patrimônio também é muito grave. Desprover as pessoas da possibilidade da sua subsistência pode ser tão grave ou mais grave do que um processo penal. A maior parte das ações penais não dá pena restritiva de liberdade, mas, sim, restritiva de direito. Então, é também importante a parte cível.
A proposta avança em relação ao trânsito em julgado da parte cível. Isso é importante, porque tem que haver uma sistemática, uma harmonização do nosso sistema.
Isso vai mexer com as próprias obrigações do Estado. Vamos lembrar: na parte cível, quem são os grandes acionados? Qualquer estatística do Superior Tribunal de Justiça mostra que a maior parte dos processos no Superior Tribunal de Justiça tem como autor e réu, dependendo da situação, ou o INSS ou a Caixa Econômica. Portanto, quando nós falamos que o trânsito em julgado é no segundo grau, do ponto de vista dos cidadãos, se eles forem vencedores nas causas cíveis, nós vamos adiantar determinados pagamentos de obrigações pelo Estado. Então, isso também mexeria nas obrigações do Estado. Isso é possível, porque se pode modificar as regras de precatório — embora nem tudo seja precatório.
Também temos a questão tributária. Quando começou a se discutir essa questão da PEC, os advogados tributaristas já começaram a fazer artigos no Valor Econômico dizendo: "Mas nós ganhamos muitas coisas no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo". Por quê? Em matéria tributária, muitas vezes, está se discutindo matéria de direito, não matéria de fato. Essa é uma realidade.
Não tem problema nenhum. Se os Tribunais de Justiça e os TRFs adotarem a jurisprudência vinculante do Supremo e do STJ, talvez diminua bastante esse problema de a matéria tributária ter que seguir sempre para o STJ. O nosso sistema tem que ser coerente: quem faz norma vinculante é o Superior Tribunal de Justiça, é o Supremo Tribunal Federal. Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais devem seguir essas normas vinculantes.
"Mas não é caso!" Para isso, existe a distinção de julgados, que os americanos chamam de distinguishing. "Nesse caso aqui, em que você está dizendo assim, não é assim". Todos os dias eu faço isso nos meus pareceres. Por quê? Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça julgam, majoritariamente e monocraticamente, muitos habeas corpus. "Nesse caso aqui, não é o que o senhor está dizendo." Você abre a jurisprudência e diz "Neste caso aqui, a ementa é igual, mas o caso não é nada igual". Então, isso implica uma mudança de atuação na área jurídica.
Por que essa PEC é importante? De preferência, que seja aprovada neste ano, por favor, aqui e lá no Senado!
O Senado tem um projeto que muda o Código de Processo Penal. Quando as ADPFs foram julgadas no Supremo, o que se julgava lá? Julgava-se se uma modificação feita no Código Processo Penal que dizia que só podia se executar após o trânsito em julgado era constitucional ou não. Os Senadores entendem que, havendo a modificação do Código de Processo Penal, poderia haver a execução. Isso ocorreu porque parte dos Ministros do Supremo julgava em função disto: "Essa norma é constitucional. Se tirar essa norma..." Então, havia uma discussão.
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Eu acho que a PEC é mais segura. Como toda PEC, vai mudar a Constituição e, obviamente, tem um rito mais difícil que o de projeto de lei ordinária. Ela vai ser mais discutida, vai para o Senado, além de ser mais sistêmica, vamos dizer assim, na medida em que se permite a execução provisória da sentença. Quando muda essa lógica de que o trânsito em julgado se dará após o julgamento em segundo grau, não estou mais falando só de crime, estou falando de cível. Portanto, não estou falando de execução provisória da pena. Estou falando de execução de sentença ou, melhor dizendo, do acórdão, que pode ser substitutiva ou não.
Essa PEC é importante para trazer de novo um marco igual para todos os que estiverem na mesma situação jurídica básica. Isso é muito importante para o sistema. Nós já começamos a receber, por exemplo, no Superior Tribunal de Justiça, inúmeros recursos para evitar o trânsito em julgado. Aquele negócio do agravo regimental nos embargos de declaração no agravo regimental no AREsp já voltou a acontecer. Por outro lado, as execuções provisórias que tinham sido deferidas em primeiro grau estão sendo suspensas.
Que execuções provisórias são essas? Primeiro, quem está preso no Brasil? Basicamente, são os presos por tráfico de drogas. Então, esse preso não está em execução provisória, está em prisão preventiva, que foi mantida. Os crimes contra a administração são menor número, são crimes em que o réu responde solto, muitas vezes. Nos casos de homicídio, pornografia infantil, estupro, alguns latrocínios, alguns roubos, nesses processos, nós tínhamos execução provisória após o julgamento em segundo grau. "Mas pode haver prisão preventiva". Não, não pode, porque a prisão preventiva tem requisitos que agora ficaram ainda mais restritos, com a Lei 13.964/19. O decreto da prisão preventiva tem que ser justificado pelo juiz de 90 em 90 dias, salvo engano. Então, não adianta. A pessoa tem que cumprir a pena, porque o processo terminou. E o processo deve terminar, porque ele tem começo, meio e fim, seja para absolver, para condenar, para fixar uma pena de regime fechado ou restritiva de direitos.
Então, a PEC realmente traz uma solução para uma questão jurídica importante na nossa sociedade, que é a eficiência e a coercibilidade do sistema de justiça, seja da Justiça Criminal, seja da Justiça Cível como um todo. Quando falamos de sistema de justiça, a eficiência não está só no cumprimento da pena, mas também em saber que, havendo processo, havendo pena, haverá cumprimento da pena. Isso é coercibilidade. É importante para a legitimidade de todo o sistema que haja a possibilidade do cumprimento da pena, tanto uma pena restritiva de liberdade como uma pena restritiva de direitos.
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O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Nós agradecemos as palavras da Dra. Luiza Cristina Frischeisen.
Ficamos muito felizes por perceber que a doutora compartilha da nossa opinião, no sentido de que essa mudança para cumprimento da pena após a segunda instância seja também expandida para todas as áreas do direito, o que é óbvio. Eu já dizia, em outras ocasiões, que o acessório acompanha o principal.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS) - Boa tarde a todos.
Sr. Presidente Lafayette de Andrada; querida Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, nossa expositora; Deputado Alex Manente, autor da PEC 199/19; Deputados e Deputadas, eu não sei se o Presidente discorda, mas eu sei que S.Exa. também gostaria de falar um pouco a respeito dos desdobramentos da exposição. Então, eu farei a minha breve reflexão, para que S.Exa. fique à vontade para fazer a sua também.
A minha preocupação, Dra. Luiza, diz respeito — eu gostaria de saber se a senhora poderia colaborar com a Comissão refletindo conosco em relação a esta particularidade — à necessidade de diferenciarmos a natureza jurídica da ação revisional especial e extraordinária, que são as ações propostas aqui na PEC, da ação rescisória. Nós não podemos permitir que haja essa confusão conceitual. A comunidade jurídica já está percebendo que nós estamos criando dois institutos aqui: a ação revisional extraordinária e a ação revisional especial. Há requisitos e pressupostos, mas, quanto à natureza jurídica dessa ação revisional, parece-me que há algo híbrido aí. Então, nós precisamos de subsídios para deixar bem nítida a natureza jurídica da ação revisional extraordinária e especial.
Eu também gostaria de ouvir, Dra. Luiza, se possível, a sua avaliação a respeito da incidência desta PEC. Admitindo-se que seja promulgada, ela incidiria já sobre os processos pendentes, obedecendo àquele princípio tempus regit actum? Se for positiva essa resposta, ela incidiria sobre os processos pendentes inclusive nas áreas cível, tributária, trabalhista, previdenciária e eleitoral? Sendo afirmativa essa resposta, não haveria risco de uma ruptura, de uma quebra na própria operacionalidade do sistema judiciário?
Afinal de contas, nós estamos, de um dia para o outro, com a promulgação da PEC, suprimindo dois institutos jurídicos e criando outros dois. Então, eu gostaria de ouvi-la a esse respeito, porque é algo que muito me preocupa.
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Não seria mais prudente e menos afoito que nós propuséssemos que a PEC incidisse apenas a partir dos processos iniciados após a sua promulgação? Até esses processos chegarem à segunda instância, o próprio Poder Judiciário já terá tempo suficiente para se adequar à criação desses novos institutos jurídicos. Não são recursos, são ações dotadas de uma natureza híbrida, enfim, que nós vamos ter que construir em conjunto.
Sr. Presidente, é preciso registrar que a Dra. Luiza Cristina Frischeisen sempre se fez presente no Parlamento, de forma muito colaborativa, para agregar valor com a sua cultura jurídica, que de todos é conhecida, nas discussões que este Parlamento trava para que o sistema jurídico brasileiro se aperfeiçoe cada vez mais. Então, aqui fica o meu registro de gratidão por sua boa vontade, por sempre estar aqui conosco.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Indago se mais Parlamentares desejam fazer uso da palavra.
(Pausa.)
O SR. ALEX MANENTE (CIDADANIA - SP) - Obrigado, Sr. Presidente Deputado Lafayette de Andrada, que conduz a sessão.
Relator Deputado Fábio Trad, estamos com grande expectativa nessa reta final da elaboração desse relatório tão esperado por esta Casa. Tenho certeza de que o seu relatório acrescentará ainda mais valor à nossa PEC 199/19.
Saúdo a Dra. Luiza Cristina. Estivemos juntos em alguns programas. Quero parabenizá-la por seu empenho, seu conhecimento e sua defesa em prol dessa medida tão importante, a PEC 199, que cria condições para termos o trânsito em julgado na segunda instância.
Nós iniciamos este debate falando especificamente da questão criminal, da PEC 410/18. O debate que ocorreu durante toda a tramitação na CCJ nos deu a oportunidade de ampliar e aprimorar a medida através da PEC 199, que não só estabelece o trânsito em julgado na segunda instância, mas também cria um novo sistema, uma nova organização jurídica no nosso País, que traz para a segunda instância o trânsito em julgado em todas as áreas.
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Inclusive, mais uma vez, reafirmo que conversei com o Deputado Fábio Trad e acho importante nós colocarmos aquilo que a nossa PEC não teve a oportunidade de inserir: o eleitoral e o militar. Acho que nós temos que ter, em todas as esferas, a segunda instância como decisão final. A ação revisional surgirá apenas em casos específicos, em que os requisitos estejam bem colocados, não gerando possibilidade de postergação de cumprimento da sanção. Acho que esse é o principal objetivo da nossa PEC.
Essa é uma medida que o Brasil precisa tomar. O Brasil precisa posicionar o seu sistema judiciário, para que ele possa ser mais rápido, mais célere, a fim de que não dê oportunidade aos ricos e poderosos, que conseguem, em qualquer esfera, postergar as suas condenações e não cumprir as decisões judiciais da segunda instância. Lembro que a segunda instância já é, nos dias de hoje, a última instância para confecção de prova e de mérito, ou seja, não há possibilidade de se modificar a confecção de prova e de mérito nas demais instâncias. Elas geram apenas o fator postergatório do início do cumprimento das penas. Eu tenho certeza de que a Câmara tem consciência da importância dessa medida.
Volto a frisar que não diz respeito apenas ao aspecto criminal, embora talvez seja o que mais mexe com a emoção das pessoas, porque nós queremos o imediato cumprimento da pena, o início do cárcere da pessoa que cometeu um crime. Mas é importante que isso sirva em todas as esferas. Não é justo, por exemplo, no setor previdenciário, na esfera previdenciária, alguém postergar — são os grandes que fazem isso, quando arrolam suas dívidas e fazem com que essas dívidas fiquem praticamente bilionárias. E quem acaba pagando a conta é o cidadão que recebe a aposentadoria, é o nosso sistema previdenciário. É assim também na área cível, em que temos diversas ações que postergam as condenações. Muitas vezes, quando a pessoa tem direito a receber o dano que foi efetuado na área cível, ela já nem está aqui mais para receber. Isso não se dá com o cidadão comum. O cidadão que não tem condições, Deputado Daniel, infelizmente não consegue chegar à terceira e à quarta instância. Ele não consegue trazer os seus casos para Brasília. Ele não consegue pagar advogados aqui em Brasília. Nós estamos falando de uma casta da sociedade que leva o seu processo arrastado nas instâncias superiores, fazendo com que muitas vezes a população sinta essa impunidade. É isso o que ocorre.
Acabar com a impunidade é dar celeridade à Justiça. Nós acreditamos na Justiça. Muitas vezes, alguns aqui questionam: "Como vamos confiar na decisão de segunda instância?" Se não confiarmos nos desembargadores dos Tribunais de Justiça, se não confiamos em quem detém a responsabilidade de definir, infelizmente não devemos confiar em ninguém, nem nas instâncias superiores.
Então, nós precisamos botar um ponto final na possibilidade de aqueles que têm maior poder de influência postergarem suas condenações.
Tenho convicção de que a Câmara dará as respostas e entregará a PEC ao Senado o mais rápido possível, e o Senado entregará ao Brasil a resposta ao combate à impunidade.
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Por fim, quero só fazer algumas perguntas, que acho importantes, sobre aquilo que, neste momento, talvez seja o debate que ocorre sobre a nossa PEC.
Quando será iniciado o cumprimento após a promulgação? Valerá para os casos que estão tramitando? Valerá para quais casos que estão tramitando? Alguns defendem a tese de que não valerá nem para processos que iniciaram na primeira instância, só para os processos que iniciarem agora. Qual é a visão da senhora a respeito disso? Como podemos deixar isso clarificado na confecção da PEC, para que não haja nenhuma dúvida e nenhuma possibilidade de, posteriormente, essa tese ser questionada no Supremo?
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS) - Sr. Presidente, peço a palavra para complementar a pergunta.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Antes de passar a palavra ao eminente Relator, quero aproveitar o quórum para submeter ao Plenário o Requerimento nº 7, de 2020, do eminente Deputado Marcelo Ramos, para que seja convidado o eminente Nelson Nery Junior a esta Comissão.
O SR. FÁBIO TRAD (Bloco/PSD - MS) - Trata-se apenas de um complemento, Sr. Presidente, para a Dra. Luiza: não seria temerário, na hipótese de fazer incidir os efeitos da PEC nos processos pendentes, na área cível sobretudo, para as empresas? Não seria uma forma de surpreendê-las? Isso não traria insegurança jurídica, caso decidamos que a PEC incida imediatamente sobre os processos pendentes?
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Antes de passar a palavra à Dra. Luiza, eu também vou fazer pequenas observações. Ao final, a Dra. Luiza encerra sua participação fazendo considerações sobre essas observações todas.
Eu penso, Dra. Luiza e Srs. Deputados, que tudo isso que está acontecendo, essa proposta de emenda à Constituição relativa ao cumprimento da pena em segunda instância na área penal e nas demais áreas, é uma consequência da morosidade da Justiça, por várias razões. Não estou aqui culpando a Justiça. O nosso sistema é assim. O nosso sistema induz uma morosidade nas decisões do Poder Judiciário, o que leva a população, a sociedade, a essa aflição, a esse sentimento de impunidade. Uma decisão proferida em primeira instância já demora um tempo relativamente grande; aí há o recurso à segunda, o recurso à terceira, e por aí vai. São anos e anos de recurso, de tramitação processual, sem que haja uma decisão final.
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Na verdade, o que se está discutindo aqui não são os direitos, mas, sim, o tempo. Há um julgamento em primeira instância, a pessoa é condenada, mas a punição não acontece, seja na área cível, seja na área penal, e isso vai se arrastando. Esse sentimento de impunidade é que, na prática, trouxe para o Congresso, com todas as ruas conclamando, essa necessidade de cumprimento já em segunda instância.
Sabemos que é consagrada no mundo inteiro a presunção de inocência, mas não é a presunção de inocência que fica arrastando, arrastando, arrastando, e não se chega a lugar nenhum. Daí a necessidade de se dar o cumprimento após o julgamento em segunda instância.
Recordo-me de um fato do qual vou falar rapidamente. Fui Secretário de Segurança Pública em Minas Gerais. Este fato é interessante. Houve um congresso nos Estados Unidos, em Chicago, e havia representantes da área de segurança, das polícias, de setores de inteligência, do FBI, enfim, pessoas do mundo inteiro. Esse é um fato interessante. Ficamos lá 1 semana mais ou menos. Estavam lá os Secretários de alguns Estados do Brasil. Estava o de São Paulo, também o do Espírito Santo, enfim, havia alguns. Em Chicago está a segunda maior sede do FBI, uma sede imensa. Havia funcionário do FBI da área administrativa que era brasileiro. Ao saber que havia essa delegação brasileira lá nesse congresso, ele arranjou uma maneira de convidar os Secretários de Segurança brasileiros para uma visita ao FBI, e um diretor iria nos receber.
Era um prédio cheio de segurança na porta, onde havia toda tecnologia de segurança. Nós fomos recebidos no 15º andar por um dos Diretores do FBI de Chicago. Ele fez uma apresentação mostrando vários casos exitosos de investigação, de eficiência, mostrando o que eles usam e o que não usam, enfim, citando alguns casos exitosos. E este ficou na minha memória: eles suspeitaram que determinada pessoa de origem árabe fosse um terrorista e iria fazer alguma coisa. Colocaram, então, uma escuta telefônica, começaram a monitorar essa pessoa e verificaram que realmente o cara era um terrorista. Eles designaram um agente do FBI para fingir que era terrorista também, para ficar amigo do terrorista verdadeiro e participar da trama. E a trama era colocar uma bomba num shopping center. Demorou 1 ano e meio essa investigação, com monitoração, com escuta. E o agente do FBI continuou fingindo que era terrorista também.
Ao final, eles fizeram todo o plano de como iriam colocar a bomba no shopping center. O agente do FBI que fingia que era terrorista disse o seguinte: "Eu tenho um amigo lá na Ucrânia, ou não sei onde, lá no leste da Europa, e lá eles fabricam uma mala 007, que é uma bomba-relógio. É muito perfeita. Então, se nós conseguirmos não sei quantos mil dólares, nós conseguiremos importar essa mala". Então, o terrorista verdadeiro conseguiu na Al-Qaeda, não sei onde, esse dinheiro e entregou para o agente do FBI, que fez um depósito para alguém. Essa mala veio da Ucrânia, passou por Cuba, entrou no México, demorou 3 ou 4 meses para chegar. A mala, contudo, era uma bomba falsa, porque foi o próprio FBI que a forneceu. Era igual a uma mala com uma bomba, mas era uma mala de mentira. Era um enganando o outro. Eles receberam a mala com a bomba-relógio, que era de mentira, e organizaram o plano de colocar a bomba num domingo à noite num shopping center. Entraram no duto de ventilação e armaram a bomba-relógio. Nessa hora, veio a polícia e prendeu todo o mundo.
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O Diretor do FBI concluiu dizendo o seguinte: "Isso aconteceu há 1 ano e meio" — isso foi há 10 anos — "e o terrorista foi pego, foi preso e passará 90 anos na cadeia. Se vocês quiserem visitá-lo, terão que ir até lá. A bomba não estourou, ninguém foi morto, e ele está lá para ficar preso por 90 anos".
O que eu quero dizer com tudo isso? Os índices de violência nos Estados Unidos são infinitamente inferiores aos do Brasil, porque há efetivamente aplicação da pena.
Ainda lembro que um colega Secretário de outro Estado falou comigo: "Se fosse no Brasil, sabe o que iria acontecer? Nada. Iriam falar que era crime impossível, porque a bomba era de mentirinha. O policial correria o risco de tomar uma punição, porque era flagrante preparado". Vejam a diferença de visão! O Diretor foi quem falou: "A bomba não estourou, ninguém morreu e o cara vai ficar 90 anos na cadeia".
Eu quero concluir dizendo que há a necessidade da aprovação desta PEC, porque a sociedade quer ver o direito efetivamente acontecer, quer ver a punição aos criminosos acontecer — e rapidamente!
Vou passar a palavra para a Dra. Luiza, porque todos nós queremos ouvi-la. Depois passarei a palavra ao Deputado Pompeo de Mattos, que requereu aqui.
Foi indagado aqui se a PEC, após promulgada, já deve incidir sobre os processos atuais ou não. Eu conversei sobre isso com o Deputado Fábio Trad e tenho uma posição pessoal no seguinte sentido: nós estamos tratando aqui, nessa emenda ao art. 102, ao art. 104, de processo. Nós não estamos tratando de direito, estamos tratando de normas — embora na Constituição — processuais.
Acho que será uma decisão muito mais política do que jurídica. No meu entendimento, as normas processuais não têm que respeitar aquele princípio da anterioridade. Faço questão de ler o art. 5º da Constituição, inciso XXXVI, que diz o seguinte: "XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido" — normas processuais não são direitos adquiridos —, "o ato jurídico perfeito" — não é um ato jurídico, pois o processo está andando — "e a coisa julgada". É isso o que diz a Constituição.
A Lei de Introdução ao Código Civil, que, a partir de 2015, virou Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, da mesma forma, traz isso no art. 6º e quase repete: "Art. 6º - A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".
Não se trata de nenhuma dessas três hipóteses, mas efetivamente haverá um impacto, que terá de ser medido. Penso que se trata muito mais de uma decisão político-administrativa do que de uma decisão de cunho jurídico. Acho que, se forem respeitados o nosso arcabouçou jurídico, a nossa lógica, os nossos princípios, isso passará a valer imediatamente. Essa é uma opinião pessoal, que ouso trazer.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Exato.
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Eu indago à eminente Dra. Luiza Cristina: na questão penal, nós sabemos que a presunção de inocência continua, tanto é que nós deixamos de mexer no art. 5º para mexer no art. 102. A presunção de inocência continua. Eu indago se, na esfera penal, não seria mais prudente, talvez — é uma conjectura —, em vez de nós extinguirmos o recurso extraordinário e o recurso especial, uma vez que a presunção de inocência continua, nós simplesmente terminarmos com o efeito suspensivo desses dois recursos. O recurso continua, a mesma ação continua, uma vez que há presunção de inocência, na esfera penal. Em vez de entrarmos com uma nova ação, com a ação revisional especial ou a ação revisional extraordinária, o processo continua, porém não com efeito suspensivo. Sendo o réu condenado em segunda instância, ele imediatamente segue preso. É uma indagação que faço à eminente Dra. Luiza Cristina.
A SRA. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN - Todas as vezes em que fazemos alteração nas normas processuais penais e cíveis, independentemente de ser uma norma processual que imediatamente entre em vigor, nós temos que pensar que tipo de alteração vai ser feita.
Então, independentemente de existir uma regra de transição, tem que haver vacatio legis aqui, senão vai acontecer o que aconteceu na edição da Lei 13.964/19, que foi aprovada com 30 dias e mexeu profundamente no sistema — na verdade, na parte do juiz de garantia, porque, no acordo de não persecução, não mexeu. Em relação ao juiz de garantia, acabamos tendo a ADIN que o suspendeu. Se tivesse ocorrido uma vacatio legis... Por exemplo, eu, pessoalmente, sou favorável ao juiz de garantia, só que acho que precisamos mesmo preparar o sistema. Portanto, a vacatio legis é importante.
Com esta PEC, o que acontece? O Deputado Lafayette falou que é norma de processo, mas é norma pior para qualquer um, seja para empresa, seja para quem for. Então, eu acho que a Casa vai ter que fazer aquilo que o Parlamento faz, que é saber o que é possível para que haja um consenso mínimo. E esse consenso mínimo vai traduzir a regra de transição. Ela muda profundamente o sistema. É evidente que, depois disso, nós teremos que nos adequar.
Eu acho que a atual revisão criminal e a atual rescisória vão ser substituídas, não vão existir mais. Então, vai haver revogação. Só que isso tem que ter um rito. O rito vai ter que ser feito no Código de Processo Penal e no Código de Processo Civil. Vai ter que existir uma adequação. Independentemente de a regra de transição ser aplicada só para os casos novos, ou para os casos em andamento, ou para os novíssimos, deve haver uma vacatio legis. Tem que ser observado esse outro detalhe, senão haverá uma confusão tremenda.
Por outro lado, eu acho que a decisão que se vai aplicar não é norma só de processo, é uma norma mista. Então, talvez seja mesmo para casos novos. Só que, conforme o Deputado Lafayette falou, é uma decisão muito mais política, de regra de consenso mínimo para que seja aprovada.
Senão esse vai ser um problema grave do ponto de vista de todo o mundo, não só da área penal. Será um problema das empresas, do tributário, do precatório.
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Para os processos novos, eu também tenho uma regra de vacatio legis para mudar, porque eu preciso ajustar o sistema. Eu vou ter que ajustar o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil, a Lei de Execução Tributária, tudo! Podem imaginar qualquer coisa que tenha a ver com o rito!
Deputado Lafayette, eu não acho que o recurso extraordinário tenha que existir em especial para o crime. Segundo grau é segundo grau. Presunção de inocência não é direito a um processo infindável em dez instâncias. Presunção de inocência tem que ser compreendida junto com o devido processo legal e o direito a julgamento justo. A presunção de inocência me faz ter o direito de saber por que me acusam; quais provas são utilizadas; quem é o juiz que vai sentenciar, que é um juiz natural, que é prévio; quem é o promotor, que é prévio. Além disso, se eu não tenho advogado, tenho que ter advogado dativo. Este é o conjunto da presunção de inocência.
A presunção de inocência diz que eu não sou obrigado a provar a minha inocência. Aquele que é o autor da ação é quem vai provar. Na parte criminal, cabe a ele o ônus da prova. A presunção de inocência tem a ver com o ônus da prova, não tem a ver com dez instâncias de recursos, e tem a ver com a possibilidade de se rever esse recurso, em duplo grau de jurisdição, se for juiz singular; se for juízo colegiado, não. Se for juízo colegiado, não, porque eu também estou falando da prerrogativa de foro em qualquer um dos tribunais.
Então, como é que eu acho que esta PEC deve ficar? Ela vai revogar a atual revisão criminal e a atual rescisória, mas serão necessários ritos. Por isso, precisa haver modificação. Tem que haver uma vacatio legis.
Uma coisa é a regra de transição: em quem isso incide? Só em processos novos? Só em processos em andamento? Fica muito difícil falar em processo em andamento em primeiro grau e não em todos os outros, que é a discussão que nós estamos tendo com relação à Lei 13.964. Ela incide em quê? É para processo novo? É para processo novo, mas, ainda assim, eu tenho que dar um tempo para todo o mundo se arrumar aqui.
O precatório entra nessa questão. Eu não posso dizer: "Paguem todos os precatórios aí!" O que vai acontecer? Eu não tenho orçamento! No mínimo, terá que ser de um ano para o outro, e vai cair na Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, é preciso também observar essa questão.
Esta Casa e o Senado, mas especialmente a Casa aqui, vão deliberar a fim de encontrar o denominador comum para esse negócio ser aprovado em todas as instâncias. Vai mudar totalmente o sistema. O segundo grau vai ser o momento do trânsito em julgado. Isso não ofende a presunção de inocência, mas eu tenho que modificar a legislação. Será todo o processo penal? Não. Eu vou mudar a lei em uma parte, como V.Exas. mudaram, e uma parte do Código de Processo Civil. E precisa haver vacatio legis. Se for só para regras novas, talvez a vacatio legis tenha que ser de 6 meses — acho que 1 ano é o máximo —, mas eu tenho que dar tempo para os tribunais também julgarem aquilo que está em andamento.
Há outra possibilidade. Pode entrar na parte criminal, por exemplo. Eu posso fazer uma coisa mista, e as penas restritivas de direito poderiam incidir imediatamente. Hoje, os acordos de não persecução penal já cumprem esse papel das restritivas de direito.
Por que o sistema é moroso, Deputado? O sistema é moroso, mas não é isso aqui que vai resolver. Nós estamos resolvendo muita coisa. O sistema é moroso porque ele tem muitos processos, e ele tem muitos processos porque muitas instâncias não cumprem o que as instâncias superiores fazem. As instituições podem ter todos os defeitos, mas sem elas nós não vivemos. Então, é o seguinte: não vivemos sem a minha instituição, sem a de vocês, sem o Judiciário, sem Executivo.
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No processo penal, o Supremo está andando numa área muito boa, está dizendo: "Qualquer acórdão interrompe a prescrição". Isso é bem importante. No júri: "Vocês já votaram. Pode fazer a execução de 15 anos". Então, temos outras coisas para resolver. No cível, temos que ir à desjudicialização das execuções, acordos de mediação e conciliação. No crime, acordos de não persecução penal. E os tribunais têm que cumprir o que o STJ e o que o Supremo dizem. Aí vai haver menos processos, a Justiça vai andar mais rápido, e nós vamos ter execução depois do julgamento em segundo grau.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Agradecemos as elucidações sempre brilhantes da Dra. Luiza.
O SR. POMPEO DE MATTOS (PDT - RS) - Boa tarde, Deputado Lafayette de Andrada, Deputado Fábio Trad e Dra. Cristina Fonseca.
Dra. Cristina, V.Exa. nos contemplou aqui, pelo menos a mim, com algumas coisas que me deixam extremamente satisfeito, porque eu brigo muito com os promotores, quando faço júri. Às vezes eu digo que há promotor acusador e há promotor de justiça, e a maioria é acusador, em vez de ser de justiça. Eu ouvi as palavras de V.Exa. como alguém que está preocupada em fazer justiça, e esse é o propósito que nós temos aqui. Quando queremos justiça, ela tem que ser justa. A expressão é essa. Aliás, quando a senhora se aposentar, acho que vai ser uma brilhante advogada, já senti isso.
O SR. POMPEO DE MATTOS (PDT - RS) - Gostei também de duas outras afirmações que a senhora expressou sobre a importância das instituições. Sem as instituições, nós não somos ninguém. Por pior que sejam elas, sem elas é muito pior.
Então, nós temos que, em vez de abominá-las, melhorá-las. É bom falarmos isso bem alto para o Presidente Bolsonaro ouvir ali do outro lado, no Palácio, para ele compreender quão importantes são as instituições e que ele faz parte inclusive de uma instituição que é secular e fundamental para a existência da democracia.
A outra assertiva de V.Exa. é que nós caminhamos em várias manifestações — eu tergiversei, acho que falei um pouco sozinho e também não fui veemente — e estamos tratando desse tema, Deputado Fábio Trad, como se fosse uma questão mais processual do que de direito. Eu captei as palavras da Dra. Luiza Cristina de que, na verdade, são as duas coisas, e tenho enfatizado isso.
Na verdade, ela é processual, mas, ao ser processual, é de direito, e é de direito porque é processual, ou seja, uma não vive sem a outra. Não há como separá-las, porque a consequência é de direito, é de restrição de direito, ou cumprimento de deveres, ainda que seja, dê o nome que quiser, mas é uma coisa que vai e uma coisa que vem. Acho que nós estamos aqui criando, interpretando, sentindo conceitos que precisamos incorporar.
Vejo que o Relator recebe a cada dia mais carga, mais peso. Eu não sei se facilita ou complica a missão. Na verdade, se ele conseguir fazer o filtro que é necessário para que possamos ter uma emenda constitucional à altura do momento, é fundamental receber essas contribuições plurais que venham de todas as matizes, tanto da magistratura, como dos procuradores, do Ministério Público, dos promotores, no caso, da própria OAB, dos juristas, daqueles que, na sociedade civil organizada, têm inserção no mundo do Direito. Acho que é por aí que caminhamos.
Termino como sempre começo. Podemos achar que não é bem assim o que não é bem assado, mas de uma coisa não temos dúvida: do jeito que está não dá para ficar.
Não é possível consentir com esses recursos dos recursos de outros recursos de muitos recursos. Não terminam nunca os recursos, e ficamos sempre apelando por mais recursos. Então, isso tem que acabar. E acho que essa é a maneira de acabar.
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A outra assertiva é que isso não é só para a questão penal, porque as pessoas criam assim: para os outros, para os outros. Tem que ser no cível, tem que ser no previdenciário, tem que ser no tributário, tem que ser no fiscal, tem que ser no trabalhista, enfim, em todo âmbito do Direito. Aí vamos todos ter mais responsabilidade por aquilo que nós temos que ser responsáveis, ou seja, vamos amadurecer muito no que diz respeito ao funcionamento da Justiça, tanto por parte da própria Justiça, quanto daqueles que propagam pela Justiça, apelam pela Justiça, se socorrem da Justiça, buscam a Justiça. É isso que nós queremos.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Dra. Luiza Cristina, a senhora deseja falar algo mais?
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Para encerrar os trabalhos, quero lembrar, na linha do Deputado Pompeo de Mattos, que justiça tardia não é justiça. Na verdade, o alongamento do tempo de julgamento é uma grande injustiça por quem é a vítima em algum caso.
Agradecemos muito a presença da Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, que trouxe para cá brilhantes elucidações, reflexões e contribuições. Façamos votos de que elas sejam bem absorvidas pelo eminente Relator, o Deputado Fábio Trad, que é uma grande figura.
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