1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Ordinária)
Em 4 de Dezembro de 2019 (Quarta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:17
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Declaramos aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, que tem por finalidade tratar da atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária — FTIP e relatórios de missões do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura — MNPCT em unidades de privação de liberdade dos Estados do Pará e Ceará.
Esta audiência atende a requerimentos de minha autoria e de autoria da Deputada Erika Kokay aprovados no âmbito desta Comissão.
A Portaria nº 65, de 25 de janeiro de 2019, criou a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária, no âmbito do Departamento Penitenciário Nacional, composta por agentes federais de execução penal e agentes penitenciários estaduais. À FTIP competem atividades e serviços de guarda, vigilância e custódia de presos e atividades de inteligência e de segurança pública que tenham relação com o sistema prisional. Não são claros, entretanto, quais marcos normativos e princípios de ação que regem a FTIP.
Em janeiro de 2019 o Ministério da Justiça e da Segurança Pública autorizou a presença da FTIP no Ceará. Entretanto, o relatório de inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura de abril de 2019 apresenta diversas violações de direitos humanos no sistema penitenciário daquele Estado, inclusive questionando a atuação da FTIP.
Em julho de 2019, o Ministério da Justiça autorizou a presença da FTIP no Pará. Foi a sexta autorização de uso da Força-Tarefa. Ocorre que a ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal aponta quadro generalizado de tortura com a intervenção. Além disso, em setembro de 2019, o Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura realizou perícia no sistema penitenciário do Pará, e, conforme consta em relatório, verificaram-se práticas de tortura e de violência extremadas contra a população carcerária. Em julho de 2019, 57 detentos foram assassinados em decorrência de uma rebelião no Centro de Recuperação Regional de Altamira.
Esses são os temas que debateremos hoje.
Dando seguimento ao assunto, hoje mesmo eu e as Deputadas Talíria Petrone e Luizianne Lins embarcaremos para Fortaleza, onde realizaremos diligência sobre o sistema penitenciário no Ceará na quinta e na sexta-feira.
Dito isso, convido para ocuparem seus assentos: Sr. José de Ribamar de Araújo e Silva, representante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (palmas); Sr. João Baptista Alvares Rosito, Secretário-Executivo da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (palmas); Sra. Cintia Rangel Assumpção, Ouvidora Nacional de Serviços Penais e representante do Departamento Penitenciário Nacional — DEPEN do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (palmas); Sr. José Carlos Dias, Presidente da Comissão Arns (palmas); Sr. José Maria Vieira, advogado representante da Sociedade Paraense em Defesa dos Direitos Humanos (palmas); Sr. Eduardo Villaça, defensor público representante do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Ceará (palmas); e Sra. Beatriz Rego Xavier, representante do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Ceará. (Palmas.)
14:21
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Antes de passar a palavra aos membros da Mesa, agradeço a presença do ex-Ministro Paulo Vanucci, a quem saúdo. (Palmas.)
A presença de V.Exa. nesta audiência é muito importante para nós, pela sua atuação, compromisso e credibilidade. Muito obrigado.
Agradeço também a presença de todos e todas.
Dito isso, passarei a palavra à Mesa.
Esclareço que o tempo concedido aos expositores será de 10 minutos. Após as intervenções dos integrantes da Mesa, abriremos a palavra aos Deputados presentes e aos representantes da sociedade civil por 5 minutos, alternadamente. Em seguida, a devolveremos para os expositores da Mesa fazerem suas considerações finais por 5 minutos.
As imagens e sons desta reunião estão sendo capitados para transmissão ao vivo pela Internet e também para posterior registro de áudio e transcrição.
A audiência pode ser acompanhada ao vivo na página da Comissão de Direitos Humanos e no Facebook. Por isso, solicito que todos falem próximo ao microfone.
Vou passar a palavra ao nosso primeiro convidado. Vamos iniciar a audiência pública com as exposições.
Convido o Sr. José de Ribamar de Araújo e Silva, representante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que disporá de 10 minutos.
O SR. JOSÉ RIBAMAR DE ARAÚJO E SILVA - Boa tarde a todas e a todos.
Saúdo esta nobre Mesa na presença do nosso Presidente, o Deputado Helder Salomão, digno representante desta Casa; este seleto público, na pessoa da Sra. Ivanilda Gama; os familiares dos presos do Estado do Pará e o nosso Presidente de Honra do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, o Léo Pinho, entre outros tantos aqui representados, como a Presidenta do Conselho Penitenciário do Estado do Pará, Sra. Juliana Fonteles.
Há muito pouco tempo para tanto assunto. Muito teríamos a falar sobre o Mecanismo. Aliás, neste momento é simbólico falar sobre ele.
Quero saudar os peritos que aqui representam os quatro mecanismos estaduais existentes no País, que vêm de Rondônia, do Rio de Janeiro, da Paraíba, e de Pernambuco.
Eu vou pular esses primeiros eslaides porque queremos falar do estado de coisas inconstitucionais. O STF cunhou uma frase célebre que eu acho que resume muito aquilo do que estamos falando.
14:25
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Nós estamos vivendo um estado de coisas inconstitucionais que se expressa, sobretudo, na atuação dessa Força Tática de Intervenção Penitenciária. Por quê? Porque a lógica que ela tem implementado em suas ações só tem contribuído para aprofundar a grave crise das masmorras medievais denunciadas naquela ADPF.
Todas as vezes que falamos do sistema prisional, desde os tempos do Carandiru, lá onde comecei na militância com o Dr. José Carlos Dias, ainda em São Paulo, nós falamos de superlotação. Mas o que nós estamos vivendo, sob a égide da intervenção da Força Tática Penitenciária, é um fenômeno de hiperlotação da superpopulação, a exemplo do que ocorre no Ceará, onde houve a desativação de mais de 95 cadeias.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ RIBAMAR DE ARAÚJO E SILVA - Os dados atualizados apontam que são 101 cadeias.
O que se passa é que nós também não defenderíamos a abertura de cadeias. Não é disso que estamos falando, mas da maneira como se patrocinou esse fechamento, abandonando completamente a lógica tão cara e rara prevista na Lei de Execução Penal. Foram os juízes da execução penal, foram os promotores de execução penal que tiveram seus poderes invadidos, porque nem sequer foram comunicados da transferência dos presos. Nessa transferência, eles simplesmente não acompanharam os processos desses presos, não acompanharam os prontuários desses presos. Então, houve presos soropositivos, presos em tratamento de tuberculose, presos com diabete que simplesmente não tiveram o seu atendimento médico respeitado. Seguiu-se uma lógica de hiperconcentração num espaço onde não só a assistência médica foi abandonada, mas também a assistência jurídica. Depois, aqueles que nos sucederão vão falar de quanto prejuízo há nesse processo de não qualificar o preso à porta e não poder qualificá-lo depois.
Este caso é muito simbólico. Nesta foto aqui revelada, esta pessoa tem a minha idade. Esta pessoa aparentava ser um senhor de 70 anos, e ele tinha 54, só que ele estava em fase terminal de câncer. Ele estava sendo mantido no sistema penitenciário até o dia em que, superando as contradições da Força Tática de Intervenção Penitenciária, por uma ação do Mecanismo, em interlocução com a Defensoria Pública do Estado do Ceará, aqui dignamente representada, ocorreu aquilo que era óbvio: o cumprimento da sua prisão domiciliar. Esse é um modus operandi que se reproduz no Pará e em outros Estados.
Por exemplo, cito essa modalidade desnecessária, entre outros tantas, chamada de procedimento: as pessoas aguardam mimetizadas nesta posição por horas — por horas! —, até o comando.
Eu gostaria muito que me provassem que estou enganado a respeito de muitas coisas que nós vamos dizer aqui. Como eu queria estar mentindo, como eu queria não ter visto isso.
Nessa mesma situação nós encontramos, na missão que o Conselho Nacional de Direitos Humanos integrou também, pessoas com visível insanidade mental. A Adriana, que me acompanhava particularmente nessa missão, viu que a pessoa demorou a responder ao nosso chamado. Nós dizíamos: "Não somos da Força Tática. Pode se virar. Diga seu nome. Diga seu nome". A pessoa, por minutos, não respondeu, até que, com a intervenção da Força Tática, ela se virou, e nós pudemos ver que se tratava de uma pessoa de visível insanidade mental que teve o seu tratamento interrompido.
Aqui é mostrada uma lógica que reedita velhas práticas em novas senzalas. Estamos falando agora do Pará.
14:29
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O que aconteceu com os contêineres no Ceará é algo que... Na primeira visita que fizemos ao Ceará, em 2016 — a Bárbara, que está aqui, me acompanhou nessa visita —, já pedimos o fechamento de todas as prisões de contêineres, porque esse tipo de prisão é, por si só, espaço de violação e tortura. Com um calor como o do Pará, elas são um forno. Elas foram criadas para acontecer o que lá aconteceu. Elas são um incinerador natural. Por isso, passados 3 anos sem a desativação, aconteceu o que aconteceu lá.
Aqui está um fenômeno que também diz respeito ao modus operandi. É lamentável falar nisso. A ação da Força Tática, que visa coibir, na linguagem usual, a organização criminosa dentro do sistema prisional, acaba desrespeitando um princípio básico da LEP e concentrando presos sem fazer a classificação penal. Isso implica que há réus primaríssimos — alguns que nem deviam estar lá, se tivesse sido respeitada a estratégia de desencarceramento das audiências de custódia — junto com faccionados. Portanto, nós estamos financiando e favorecendo a lógica da escola do crime.
Não digo que é simbólico, mas é muito triste falar de velhas práticas nas novas senzalas. Com a seletividade final, nós estamos reeditando uma prática. Aqui está um navio negreiro, e a carga está aqui. Neste pequeno espaço de concentração estão os corpos negros coisificados dos seres humanos escravizados. Isso só era possível porque havia essa posição: encaixava-se um no outro, para que ocupassem menos espaço. E aquela prática utilizada no navio negreiro para otimizar os espaços com a lógica escravagista, a hiperlotação, é usada hoje em muitos espaços. Há celas onde há só seis comarcas — é simbólico dizer "comarcas", mas, no Ceará, é assim que se chama a cama — em que estão 17 detentos. Eles nem sequer podem se deitar. Eles ficam encaixados uns nos outros, reeditando essa velha prática, entre outras. E digo o que é mais triste: tudo isso tem sido financiado com recurso público, um recurso caro e raro.
As nossas recomendações não estão sendo não respeitadas. Por exemplo, este relatório de monitoramento indica que, com o maior descontingenciamento de recursos do Fundo Penitenciário Nacional — FUNPEN que houve, nós estamos financiando gás lacrimogêneo e spray de pimenta a rodo, porque nunca sequer nos foi fornecido o famoso protocolo de uso da força. A FTIP tem um protocolo de uso da força? Onde reside esse protocolo?
A Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária tem agido muitas vezes com a lógica de intervenção de Estado. Só os Governadores de Estado não estão entendendo isso? Só os juízes de execução penal não estão entendendo isso? Só os promotores de execução penal não estão entendendo isso? Pergunto porque eles estão sendo sequestrados nos seus poderes.
De igual forma a aplicação dos recursos do FUNPEN tem sido feita, porque eles têm financiado armas que não podem ser usadas dentro do sistema prisional. Eles estão financiando coisas com as quais criam um problema para vender a solução: destroem todos os documentos das pessoas, queimam ou tiram os chinelos.
Num Estado como o Ceará, considera-se regalia ter ventilador. Retira-se todo ventilador? É óbvio que não! Aqui não há nenhuma defesa de que tinha que ser assim também para eles, mas, nas celas especiais dos policiais ou das elites dentro do sistema prisional, isso é preservado, e nós não estamos defendendo que não seja. O que nós não admitimos é a lógica de dois presos e duas medidas, e é isso que nós vemos, é a seletividade na porta de entrada — nós de novo: os pobres, os negros, as mulheres.
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Para falar das mulheres, eu queria voltar a só um eslaide, porque acho que ele passou muito apressadamente e não posso me deixar tropeçar no meu machismo. Há uma singularidade aqui. Isso diz respeito ao modus operandi. Muitos vão dizer: "Mas a perícia oficial não confirma essa famosa lesão no metacarpo." Essa lesão foi assumida por uma das lideranças da FTIP. Nós o conhecemos lá em Alcaçuz. Ele disse, na Assembleia Legislativa, em vídeo que circulou o Brasil inteiro, que se quebrava o metacarpo para evitar que o preso jogasse, arremessasse coisas. Estão aqui os sinais visíveis disso.
Aquele último dedo em destaque é do Pará. Aqueles quatro primeiros são do Ceará. Essa lesão no metacarpo tem sido uma reclamação. Qual é o problema? Chega-se à perícia oficial e não se tem exame de lesão. Aqui os mais afetos a essa temática vão saber que uma coisa é a perícia feita no prazo legal; outra coisa é a perícia feita 1 semana ou 1 mês depois, quando já não há lesão. Só o fato de haver pessoas com um dedo daquele já denuncia o sistema.
Aqui está uma situação de presídio feminino no Pará, de que vocês podem falar melhor e com mais autoridade. Nós, que lutamos tanto pela prevenção do câncer de mama, nós, que lutamos tanto pela prevenção da chikungunya, temos que ver o depósito dos inservíveis da Secretaria de Segurança Pública, a SUSIPE, no pátio do presídio feminino. Ele é depósito da chikungunya e de toda a sorte de parasitas.
Ali está uma mulher com mastite, evoluindo para um câncer de mama — se já não está com câncer. Como muitas, ela não é beneficiária do HC coletivo, que infelizmente, com muita luta, ainda está sendo implantado, assim como a audiência de custódia, como estratégia de desencarceramento.
O tempo é muito pouco; a minha capacidade de síntese, menor ainda. Mas eu queria agradecer-lhes. Fico à disposição para aprofundar o tema, na certeza de que aqueles que me sucederão complementarão ou confirmarão a minha fala.
Àqueles que desmentirem o que estou dizendo, juro por Deus, fico muito agradecido, porque o que eu queria mesmo era estar enganado. Eu ficaria muito agradecido se estivesse.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Muito obrigado, Sr. José Ribamar de Araújo Silva, representante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Ao final, eu devolverei a palavra à Mesa. Então, o senhor poderá fazer mais algumas considerações.
Passo a palavra à Sra. Cintia Rangel Assumpção, Ouvidora Nacional de Serviços Penais representante do DEPEN — Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
A SRA. CINTIA RANGEL ASSUMPÇÃO - Boa tarde a todos.
Eu não vou cometer a injustiça de citar um nome de cada vez, embora eu conheça muitas das pessoas que estão aqui. Acompanhamos, de alguma forma, algumas inspeções.
Eu cumprimento a Mesa na pessoa do Deputado Helder Salomão, que eu tive a oportunidade de conhecer numa inspeção realizada no Amazonas, após a chacina que vitimou 57 pessoas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim — COMPAJ.
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Eu queria colocar também, a título de coordenação e de planejamento, que estou aqui na condição de Ouvidora do Departamento Penitenciário Nacional. Acompanham-me o Corregedor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, com o qual faço questão de dividir o tempo de Mesa, para esclarecermos as medidas que já estão em andamento; e também a Coordenação da Força de Cooperação, à qual se agrega a Força-Tarefa, que, como falei, tem uma apresentação a ser feita.
Fazendo referência àquela foto, aqueles carros são do CRF — Centro de Reintegração Feminino, e eu, com muito orgulho, posso afirmar, Ribamar, que aqueles carros não existem mais. Houve todo um processo de limpeza. Inclusive, eu faço questão de que nós tenhamos a oportunidade de voltar ao Pará para fazer a aferição daquilo que foi feito. Eu os conheci, Adriana, em 19 de setembro deste ano, quando vocês estiveram fazendo a visita de inspeção do Mecanismo. Eu acho interessante que façamos uma nova inspeção, até para verificarmos as unidades de contêineres, que foram desativadas; os andamentos que foram dados em relação ao hospital psiquiátrico, ao hospital de custódia; e a realidade que se mudou nos estabelecimentos que vocês verificaram.
Toda vez que nós falamos em estado de coisas inconstitucionais, nós precisamos ampliar esse estado a outros poderes. Dar a responsabilidade da execução penal e do sistema prisional apenas ao Poder Executivo é um equívoco. Nós precisamos trabalhar a execução penal a partir do Poder Judiciário, que tem, sim, um papel fundamental nisso. Todas as vezes que nós estamos falando de porta de entrada e de porta de saída, quem prende e quem libera é o Judiciário. E é por essa razão que, na oportunidade em que estive acompanhando os trabalhos da Força-Tarefa no Pará, nós provocamos o Tribunal de Justiça, que constituiu recentemente, por meio de portaria, um grupo institucional, para que fosse discutida a implementação de várias medidas de enfrentamento à crise.
É preciso que façamos também uma autocrítica. Francamente, em relação às crises no sistema prisional hoje, a única ferramenta que está sendo colocada é a Força-Tarefa. É essa a resposta que o Estado está dando, principalmente porque a Força-Tarefa só é mobilizada mediante solicitação da autoridade estatal.
Faço também referência aos cinco Estados em que a FTIP atuou: Rio Grande do Norte, Roraima... Aqui abro um parêntese: a atuação em Roraima se deu por um pedido de intervenção federal do Ministério Público Federal. O caso foi até um pouco mais sério. Foi a pedido do próprio Ministério Público Federal, por meio de um ofício da Procuradora Raquel Dodge, que, no dia 8 de dezembro, houve a publicação do decreto de intervenção.
14:41
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Então, a Força-Tarefa também atuou no Estado de Roraima a pedido do Ministério Público Federal; não foi em razão dos pedidos da autoridade administrativa. No caso do Ceará, a Força-Tarefa atuou, a pedido do Governador, no período de 14 de janeiro de 2019 até o dia 13 de maio de 2019. A Força-Tarefa não está mais atuando no Estado do Ceará. No Amazonas, o pedido que se fez foi em razão das 57 mortes, a segunda chacina ocorrida. No Pará, como bem salientado pelo Deputado, foi em razão das 58 mortes em Altamira.
Eu quero deixar bem claro para os senhores que o Departamento Penitenciário Nacional tem todo o interesse na apuração de todas as denúncias. Nós não nos recusamos a prestar as informações. A Ouvidoria, na visita que realizou, fez questão de acompanhar 64 mulheres para que fizessem os laudos do IML. Encaminhamos isso às autoridades competentes, para que promovessem as medidas cabíveis. Por indicação da Ouvidoria e também por visitas realizadas pelo Corregedor, foram abertos procedimentos disciplinares para apuração.
Nós tivemos acesso ao relatório do Mecanismo 2 dias após a divulgação na imprensa. O nosso Corregedor, inclusive em conversas que fizemos, Ribamar, encaminhou ofício — isso foi reiterado —, solicitando canais sigilosos e seguros para que se indicassem as pessoas que tenham sido vítimas de tortura e seus supostos agressores, para que nós tomemos as providências imediatamente. Nós sabemos que, nos casos de tortura, o tempo é uma grandeza de vital importância. O tempo apaga marcas, o tempo permite que agressores passem a usar de coação.
Nós não temos, por parte do Departamento — e eu tenho muito orgulho de dizer isso como Ouvidora —, qualquer interesse na manutenção de qualquer prática que viole direitos. Mas também compreendemos que a atuação da Força-Tarefa se deu em situações de absoluta crise, em que instrumentos do Estado não se mostravam aptos a resolvê-las. Aí eu peço licença para que — não estou aqui para fazer uma defesa da FTIP — oportunizarmos aos colegas que aqui estão que façam uma pequena apresentação, explicando o que é a FTIP, de que forma ela se processa, quais são as suas etapas, em que momento nós nos encontramos e quais foram os resultados conseguidos.
Por coordenação, eu faço uma pergunta: Corregedor, o senhor prefere a apresentação e depois a manifestação, já que nós vamos dividir o nosso tempo?
(Intervenção fora do microfone.)
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O SR. CRISTIANO CARNEIRO - Boa tarde.
Cumprimento todos os que compõem a Mesa, na sua pessoa, Sr. Presidente, Deputado Helder Salomão.
Vou fazer uma pequena apresentação da Força de Cooperação Penitenciária, hoje intitulada Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária, que é um braço da Força de Cooperação, que tem atuado junto ao Estado para debelar a crise institucional que está no Estado.
(Segue-se exibição de imagens.)
Temos hoje a Força-Tarefa composta por agentes federais de execução penal e agentes estaduais e do Distrito Federal.
Ações realizadas.
Temos ações a curto, médio e longo prazos.
A curto prazo.
Inicialmente, neutralizamos quaisquer reações adversas por parte dos internos que sejam contrárias às ações de segurança.
A primeira ação da FTIP, portanto, é controlar a crise institucional. Primeiro nós trabalhamos a parte da segurança — entramos na unidade referida — e, após isso, a parte do controle da segurança e a da implementação de procedimentos. Nós continuamos com todas as assistências, não só material, como a assistência como um todo para o preso.
Criamos também procedimentos padrão.
Outras ações de segurança da FTIP — nós temos FTIP Roraima, Manaus, Ceará e Pará.
Antes da nossa entrada, fazemos todo um planejamento do que realizaremos. Criamos um gabinete de crise, onde passamos todas as referências do que vai ser feito e do que precisa ser feito por parte do Estado para a Força-Tarefa continuar as ações.
Assistências materiais.
Há um convênio com a Unidade Federativa, que contribui para o resultado positivo das nossas ações. Temos ali a entrega de chinelos, de roupas ... Pedimos para confeccionarem mais uniformes, para cada interno ter pelo menos duas peças de uniforme e, com isso, conseguir trocar essa peça e até mesmo lavá-la com os materiais que lhes são entregues.
Assistência à saúde.
Com a Força-Tarefa, o Departamento Penitenciário Nacional, por meio das entidades do Sistema Penitenciário Federal, manda uma equipe multidisciplinar, composta não somente dos agentes federais da execução penal, mas também nossa equipe de saúde, da qual fazem parte enfermeiros, técnicos de enfermagem e até pedagogos.
Nos atendimentos médicos fazemos — testagem rápida — os exames para tuberculose. Assim que entramos e identificamos os presos, nós os colocamos nas celas. A partir daí, conseguimos identificar qual é a patologia do preso e separá-lo numa cela específica para continuarmos o tratamento que o Estado deve oferecer-lhe ou iniciar o tratamento necessário para a sua enfermidade.
Estatísticas.
Procedimento de saúde em Roraima — estamos em Roraima desde 20 de novembro de 2018: já fizemos 47.062 procedimentos de saúde.
FTIP-Manaus. Assistência à saúde: foram 6.968 ações.
FTIP-PA. Já estamos hoje com 63.272 ações de saúde.
FTIP-CE. Quase 6.500.
Assistência jurídica.
Hoje em toda FTIP-PA temos quase 13.300 assistências jurídicas. Após a entrada do preso, a sua identificação e classificação, nós lhe damos todas as assistências, em cooperação com o Estado.
14:49
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Já houve 12 mil procedimentos jurídicos em Roraima, onde também surgiu a causa humanitária, com os venezuelanos. O Cônsul da Venezuela ia até a unidade para levar informações para a família deles em outro País.
Assistência religiosa, a partir do convênio com as igrejas locais.
Assistência educacional.
Após a entrada e as assistências, começamos a pensar na forma de educação dos presos, também para deixar um legado para o Estado. Há muitos Estados que ainda estão iniciando essa parte educacional. Montamos uma escola na penitenciária Monte Cristo, com doações do Conselho da Comunidade e da OAB. Essa expertise também estamos levando para o Pará, onde conseguimos implementar vários cursos para profissionalizar o preso.
Para concluir, as ações de reformas e as alterações estruturais.
Nós identificamos algumas reformas necessárias e, cooperando com o Estado, fazemos toda essa parte estrutural para evitar lixo a céu aberto e outras epidemias que podem acontecer na unidade.
Então, essa é a FTIP, a força de cooperação que nós tentamos levar para o Estado e deixar como legado para ele.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço a apresentação realizada pela Sra. Cintia Rangel e complementada pelo Sr. Cristiano Carneiro.
Muito obrigado.
Eu pedi a compreensão do Sr. João Baptista, porque o nosso convidado José Carlos Dias tem um problema com voo e precisa falar antes. Já combinamos.
Eu passo a palavra ao Sr. José Carlos Dias, Presidente da Comissão Arns.
O SR. JOSÉ CARLOS DIAS - Eminente Deputado Helder Salomão, Presidente desta Comissão, saúdo V.Exa. e todos os participantes.
Gostaria de dizer que quando a Comissão Arns nasceu, no começo deste ano, ela se propôs a ser uma instituição de tutela dos direitos humanos, mas não imaginávamos que precisaríamos alcançar o Brasil inteiro para velar pelos direitos humanos por causa das graves violações de direitos humanos.
Quando recebemos o relatório do Mecanismo de Combate à Tortura referente ao Estado do Pará, pus-me a ler o documento. Os membros da Comissão lemos juntos, e eu vou lhe dizer, Sr. Presidente, que fiquei incomodado com meu conforto pessoal. Eu fiquei envergonhado de viver no mesmo País em que são cometidas barbaridades como as praticadas nos presídios do Pará — e não só no do Pará; nos de outros Estados também —, de imaginar que isso está acontecendo. Acabamos de ouvir a descrição de grandes realizações. Parece que estão vivendo em países diferentes. Não é verdade, porque se o relatório do Mecanismo é falso, caberia, sim, aos peritos que lá estiveram, aqueles que assinam este relatório, serem processados.
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No entanto, Sr. Presidente, é revoltante aceitarmos que neste Brasil ainda se façam coisas como essas: os presos todos empilhados nas celas, bebendo água do vaso sanitário, contagiados por várias moléstias, no meio de ratos e outros insetos, sofrendo toda a sorte de tortura. Depois é apresentado aqui um relatório como se estivéssemos vivendo em um país nórdico, em que tudo estaria correndo bem. Não. Não, Srs. Deputados. Não, Sr. Presidente. Nós não podemos admitir isso. Esta Casa tem uma responsabilidade muito grande, que é defender os interesses do povo. Esta é a maior Casa Legislativa do Brasil.
Eu digo a V.Exas. de quem é a responsabilidade. A responsabilidade é do Governador do Estado do Pará, a responsabilidade é do Ministro da Justiça, a responsabilidade é de todos que integram essas equipes, a responsabilidade é do Poder Judiciário e do Ministério Público. Isso tem que ser dito. (Palmas.) É preciso ser afirmada a responsabilidade de todas essas autoridades que resolveram fechar os olhos, ou, pior ainda, que coonestam com essas violências.
O Ministro da Justiça foi até o Pará abençoar essas violências que estão sendo praticadas. O Governador do Pará é o responsável. O Poder Executivo Estadual é o responsável pela execução da pena e por oferecer uma instituição digna.
Ao juiz de execução penal cumpre estar presente, visitar e afirmar o que está sendo feito e o que está errado. Não há nenhuma notícia de uma visita judicial em algum presídio. Não há nenhuma notícia de presença do Ministério Público instaurando procedimento criminal contra essas autoridades que são responsáveis por essas violências praticadas.
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Há presos amontoados em unidades deterioradas, superlotadas, imundas, submetidos a posturas físicas por longos períodos, em cela com infestação de ratos, formigas e outros insetos. Há presos confinados em espaços com a presença de esgotos abertos, sujeitos à alimentação de péssima qualidade e em quantidade insuficiente; sujeitos à falta de água, sendo obrigados a beber dos vasos sanitários; sujeitos à imposição de longos períodos de incomunicabilidade com seus familiares e defensores de forma ilegal e arbitrária. Há humilhações adicionais destinadas a detentas, como a suspensão do fornecimento de itens de higiene íntima; mulheres que, sob a intervenção da Força-tarefa, são automaticamente privadas do contato familiar.
Há marcas de agressões corporais causadas por balas de borracha, cassetetes e cabos de vassoura, usados para quebrar dedos — isso foi muito bem documentado no relatório do Mecanismo em fotografias chocantes. Há ocorrência, com frequência, de distúrbios gástricos e transtornos mentais causados por inalação de spray de pimenta. Some-se a tudo isso a continuidade da utilização de celas-contêineres, verdadeira monstruosidade.
Eu pensei em alguns itens do relatório que vêm relatado. Os senhores têm de ver, as senhoras têm de ver as fotografias terríveis. São completamente diferentes desta brilhante exposição que foi feita momentos atrás, que parece que está descrevendo um sistema penitenciário de primeiro mundo. Não, doutora, não é possível aceitar uma coisa dessas.
Eu sei a responsabilidade que tem o Ministro da Justiça. Eu fui Ministro da Justiça. Eu sei a responsabilidade que tem o DEPEN de fazer, de estar presente. Não posso imaginar com que desfaçatez esta Força-tarefa continua, e se eternizam os presídios. A Força-tarefa seria para intervir rapidamente e cessar a sua atuação, devolvendo então ao Estado a responsabilidade por gerir a superlotação carcerária.
As violências que estão descritas neste relatório estão a exigir se não neste País, mas em termos de mundo, uma resposta enérgica, séria. É preciso dar um basta a esta violência que está sendo praticada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. José Carlos Dias, Presidente da Comissão Arns, a sua exposição.
Registro a presença da Deputada Erika Kokay, membro da Comissão e também requerente desta audiência pública, e do Deputado Delegado Éder Mauro, também membro desta Comissão.
Agradecendo a compreensão, passamos agora a palavra ao Sr. João Baptista Alvares Rosito, representante da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, por 10 minutos.
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O SR. JOÃO BAPTISTA ALVARES ROSITO - Boa tarde a todas e a todos.
Cumprimento o Deputado Helder Salomão, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Saúdo também os demais integrantes da Mesa e a Deputada Erika Kokay, requerente desta audiência pública. Cumprimento a plateia, na pessoa do Dr. Alexandre Rauber, Secretário de Atuação no Sistema Penitenciário Federal da Defensoria Pública da União, que tem sido um grande parceiro da 7ª Câmara nas discussões sobre o sistema penitenciário federal e na efetivação de direitos humanos das pessoas privadas de liberdade.
Eu transmito a todos e a todas as saudações do Subprocurador-Geral da República Domingos Sávio Dresch da Silveira, Coordenador da 7ª Câmara, que, por compromissos não previstos e urgentes no dia de hoje, permaneceu na Procuradoria-Geral da República e não pôde estar aqui.
A minha participação será no sentido de reportar algumas preocupações do Ministério Público Federal, especialmente da 7ª Câmara, na coordenação dos trabalhos dos membros do MPF, na temática do combate e prevenção à tortura e, especificamente à atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária — FTIP.
Entre os temas prioritários para o biênio 2018-2019, a 7ª Câmara elencou a prevenção e o combate à tortura e a fiscalização das recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, entendendo que a atuação deste órgão federal, decorrente da internalização do Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura, e sua estatura federal fazem com que atraia-se a atribuição do MPF para fiscalizar o cumprimento, pelas administrações penitenciárias, das recomendações do Mecanismo.
Nesse sentido, a 7ª Câmara vem trabalhando de forma bastante próxima ao Mecanismo. Dialogicamente, assim como outros, tenta um trabalho também em perspectiva interinstitucional junto com a Defensoria Pública e órgãos que têm a atribuição de fazer as inspeções, fiscalizações e controle externo.
Em relação à FTIP, a 7ª Câmara já manifestou em agendas institucionais, mediante procedimentos autuados, a preocupação com a ausência de protocolos e normatizações mais claras sobre a atuação da Força, sobretudo também um regime fático de incomunicabilidade imposto aos presos num primeiro momento de chegada à FTIP, em clara violação à vedação constitucional a incomunicabilidade dos presos.
Isso inclusive foi tema. A 7ª Câmara esteve reunida com a direção do DEPEN, levando a preocupação institucional relativa a um estado de atuação inconstitucional na submissão de presos a um regime de incomunicabilidade que é incompatível com a Constituição de 1988.
Quanto à falta de normatização ou à falta de especificação dos procedimentos correcionais da FTIP, a 7ª Câmara entende que as atribuições para apurar e para aplicar a sanção disciplinar devem ser mais bem delineadas.
Ainda em relação à atuação da FTIP, a 7ª Câmara requisitou à unidade na Procuradoria da República no Rio Grande do Norte a apuração, sob a ótica cível e criminal, da eventual ocorrência de desaparecimentos forçados decorrentes da atuação FTIP no Rio Grande do Norte. E também há procedimentos autuados para acompanhar a atuação dessa força no Amazonas e no Pará.
15:05
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Em relação ao Pará, o Ministério Público Federal teve uma atuação bastante próxima aos fatos que ocorreram no Pará, inclusive a propositura de uma ação civil pública que, em primeiro grau, logrou tutela jurisdicional pelo afastamento do então coordenador da FTIP naquele Estado.
Esses temas, além da necessária discussão dos fatos bem descritos e relatados, trazem para quem se senta a esta mesa uma discussão de fundo sobre a necessidade do adensamento e do fortalecimento do controle externo — de forma ampla — dos órgãos repressivos do Estado e dos órgãos responsáveis pela execução penal, seja o controle externo institucional, seja o controle social, e do adensamento dos instrumentos de accountability, sobretudo em situações como as que nós vivenciamos, por exemplo, no sistema prisional, esse estado de coisas inconstitucionais reconhecido pelo Supremo.
Nós nos reunimos para conversar quando há, na verdade, uma erupção de barbárie, porque o estado de coisas inconstitucionais já está reconhecido, e também quando há o exacerbamento de um Estado policial. As notícias que hoje ocupam o noticiário em relação ao que ontem aconteceu com a menina Ágatha, ou com tantas Ágathas que são mortas por balas que saem do gatilho da polícia, e às mortes em Paraisópolis mostram a necessidade de se aperfeiçoarem e adensarem as redes e as instituições que trabalham com o controle externo e com o controle social do aparato repressivo do Estado.
Emilio Crenzel, pesquisador argentino autor do livro A história política do nunca mais, se propõe a discutir o significado político, simbólico e social do livro Nunca mais na Argentina. Ele começa o seu livro com o bonito relato de um casal que pretende chegar ao cume do Everest e leva na sua mochila, para depositar lá, nesse que é o ponto mais alto do planeta, o livro Nunca mais, como uma reafirmação desse compromisso da sociedade argentina ou da vivência da sociedade argentina com o nunca mais, que é também um propósito do processo de redemocratização. E, quando nós falamos em prevenção e combate à tortura, nós estamos falando nada mais, nada menos do que no compromisso político com o nunca mais, com tortura nunca mais.
Os dias de hoje nos fazem, sobretudo, nos reunirmos a esta mesa para falarmos, sim, de tortura, de incomunicabilidade de preso, de Estado policial, de uma polícia que morre muito no Brasil, mas que também mata muito — eles também são trabalhadores coagidos a situações de trabalho muito complicadas. Então, uma discussão que, de parte da 7ª Câmara, nos parece sobretudo relevante é como, nesse contexto de erupção de um Estado policial e de uma execução penal que cada vez mais se distancia do previsto pela lei, os instrumentos de accountability e os instrumentos de controle externo desses poderes estatais possam ser adensados.
Aqui estamos falando de controle externo constitucional da polícia atribuído ao MPF, a fiscalização do sistema prisional. Precisamos falar sobre as ouvidorias das secretarias de segurança pública estatais; precisamos falar sobre a necessidade de implementação dos mecanismos estaduais de prevenção e combate à tortura; precisamos falar da paralisação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, dos compromissos que o Brasil assumiu no plano internacional em relação ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; precisamos, sobretudo, trazer sempre à Mesa a pergunta: quem vigia os vigias? Esse é o título de um belo livro da Julita Lemgruber, que narra a experiência das cinco primeiras ouvidorias de polícia nos Estados. Mas esse é um tema que temos de trazer novamente. Como, em tempos de barbárie, nós podemos adensar e trabalhar em contextos de urgência, com essas redes de controle externo? Então, essas são as contribuições. Fiz um breve relato da atuação da 7ª Câmara do MPF, trazendo questões de fundo para fazer frente a esses tempos urgentes.
15:09
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(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. João Baptista Alvares Rosito, representante da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a exposição.
Eu acho que muitos aqui já tiveram acesso a esta informação, mas é importante registrar que hoje o Governo brasileiro desobriga Estados e Municípios a seguir recomendações contra a tortura:
O governo Bolsonaro retirou nesta quarta-feira, a obrigação de estados e municípios considerarem recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, comitê ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, como obrigação para receber dinheiro da União em prisões.
Eu deixo essa informação até para os convidados e para quem for fazer o uso da palavra durante audiência também, caso queiram comentar a respeito — a representação do Governo, do Mecanismo, das entidades e dos demais órgãos aqui presentes. Isso está na Portaria nº 879, que foi hoje publicada pelo Governo Federal.
Passo a palavra agora ao Sr. José Maria Vieira, advogado e representante da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, por 10 minutos.
O SR. JOSÉ MARIA VIEIRA - Boa tarde a todas e a todos. Boa tarde, Deputado Helder Salomão, Dr. José Carlos Dias, na pessoa de quem cumprimento os demais componentes da Mesa e as pessoas presentes ao plenário.
Em primeiro lugar, devo dizer que modifiquei muito do que iria falar diante das coisas que foram faladas aqui, seguindo inclusive a linha de observação que o Dr. José Carlos Dias colocou, porque o que estamos enfrentando aqui é um discurso de narrativas. Só que um discurso de narrativas tem que estar subsumido a uma condição factual, ao fato, à realidade do que está realmente acontecendo. Fiz essa modificação diante do que foi falado pelos componentes da FTIP, principalmente pela Ouvidora, à qual eu tenho um grande respeito profissional — inclusive já nos encontramos em Belém.
Vou fazer algumas críticas que não são nada pessoais, Dra. Cintia, mas que precisam ser colocadas de forma bem clara, porque o discurso não pode ser mais real do que a realidade.
Eu realmente esperava um pouco mais da FTIP e do Ministério da Justiça, porque é preciso que se assuma, no discurso, o que na prática se realiza. Acho que assim vamos conseguir construir políticas sociais e um embate democrático muito mais maduro. Isso não está acontecendo na realidade. Por que não está acontecendo? A Dra. Cintia nos convidou para voltarmos ao Pará e observar as instalações penitenciárias. Eu pergunto: como? A incomunicabilidade é o tom da FTIP e as inspeções permitidas foram determinadas pela Justiça Federal através da 5ª Vara, em um acordo judicial feito com representantes do Departamento Penitenciário com o Superintendente do Sistema Penal, atualmente Secretário de Administração Penitenciária, que foi descumprido pelo próprio Estado e pela FTIP. Com isso, nós fomos impedidos — o COPEN está aqui, com a Dra. Juliana, que é Presidente do Conselho Penitenciário — de fazer as inspeções e entrarmos nos presídios. Como seremos convidados se, na prática, essa entrada não existe?
15:13
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Então, ponho à prova esse convite. Esse discurso não é real, o que é muito grave porque nós estamos falando aqui de debate sobre torturas que são acobertadas justamente pela incomunicabilidade. Espera-se 30 dias para poder adentrar num presídio, como foi no caso do Estado do Pará, onde as primeiras autoridades lá adentraram após a determinação da 5ª Vara. Inclusive, eu estive presente lá com a Dra. Juliana. Nessas inspeções como poderemos constatar a vontade da ouvidoria de investigar essas torturas, se o prazo — e a senhora mesma colocou aqui como sendo fundamental para o diagnóstico, a constatação e a comprovação dessas torturas — se esvaiu por mais de 30 dias? Então, realmente, é uma situação em que precisamos tratar da realidade que está acontecendo.
Em segundo lugar, a senhora mencionou que o Estado do Pará instituiu um grupo multi-institucional para investigar, analisar, etc... Eu pergunto: Que grupo é esse, se a OAB e o COPEN não estão presentes? Aliás, por ação do próprio Superintendente do Sistema Penal, o Sr. Jarbas Vasconcelos, foi desmantelada a composição do COPEN, que fazia fiscalização, por meio de um novo projeto de lei, que estabelece que ele passa a ser o Presidente do órgão que fiscaliza. Então, esse discurso de investigação fica maquiado pela própria realidade. Como a pessoa vai fiscalizar se ela própria é presidida pelo próprio órgão fiscalizador? Então, esse discurso é bonito. Ele seria maravilhoso se fosse real, como o Dr. José Carlos colocou aqui. Mas isso não está acontecendo.
Em terceiro lugar, passando por essa questão crítica do discurso feito pela FTIP e pelo Ministério da Justiça, eu queria saber: essa prática da violência como método de controle de invisibilização e de mutilação do preso está sendo perpetuada, não é uma coisa temporária, como tentam colocar.
15:17
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Qual é o discurso? É o momento de intervenção, é o momento de perigo. A partir daí, precisa-se de uma força extraordinária para poder fazer com que esse momento conturbado seja contido. Só que o que está acontecendo, na prática, é que esse método de controle exacerbado da violência está sendo repassado, e quero observar, através de cursos de formações do efetivo para os novos agentes.
Esse raciocínio da violência institucionalizada está sendo incorporado pelo Estado como uma política e, detalhe, uma política de Estado, como muito bem observou o Dr. João, sem um protocolo definido, sem legalidade definida. Então, não temos instrumento fundamental para se instituir uma política pública que é a lei, que é a regulação. Não temos. O que acontece, como aconteceu no Estado do Pará, que é a realidade da qual eu vivo, e pude presenciar, é intervenção e invisibilidade total do poder de quem executa a pena. Isso é o fim do Estado de Direito. Isso não está tratando, nada mais além, do que a regulamentação, do que diz a Constituição. É preciso saber. Seria muito mais fácil que se assumisse o discurso de que a política do Estado é a violência e partir para outro nível de debate.
Agora, não consigo admitir o que foi aqui colocado. Por que a insistência do Estado em pedir as inspeções? Porque foi através das inspeções que foram divulgadas as filmagens, as fotografias e os relatos dos presos. A incomunicabilidade é uma instrução para a perpetuação da tortura e a sua implementação. Temos que acabar com a incomunicabilidade porque ela o cerne dessa política. Deputado, é preciso imediatamente estabelecer mecanismos de controle sobre essa incomunicabilidade e de cerceamento desse tipo de conduta.
Há outra situação que quero abordar. Percebemos também, na verdade, que o discurso da FTIP pede um salvo-conduto para cometer atrocidade. Ela pede um salvo-conduto, um estado de sítio, um estado constitucional anormal que não existe na Constituição, Dr. José Carlos Dias. É uma coisa que não podemos admitir. Não está certo.
O Estado quer licença para implementar uma violência justificada? O Estado tem direito de exercer a violência? Sim. Ele tem direito, porque ele é o único que a Constituição permite que utilize a violência, porém dentro da legalidade. Mas o que o Estado quer nesse caso, como a FTIP está pedindo e o Estado do Pará, através da Superintendência, está corroborando, é um salvo-conduto para cometer essas atrocidades. Espero que o Governador do Estado repense a sua conduta, reavalie as suas interlocuções, porque nós, da sociedade civil, da OAB, da qual faço parte como Vice-Presidente, estamos abertos a interlocuções propositivas, sempre estivemos.
Agora, o Estado precisa ouvir além da sua superintendência. O Estado não vai conseguir fazer política pública penitenciária e de segurança ouvindo apenas os seus próprios agentes, ele não vai conseguir fazer política pública penitenciária e carcerária ouvindo apenas o seu superintendente. É preciso que ele dialogue com outros órgãos. Queria muito, por exemplo, que a OAB fosse convidada, que os outros órgãos do COPEN fossem convidados para isso.
15:21
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Eu queria muito ter dividido parte do meu tempo com a Dra. Juliana, a Presidente do COPEN, que é a responsável por essa cruzada da denúncia dessas violências. Está acabando o meu tempo, infelizmente, mas tenho muita coisa para falar. Espero que depois no debate a Dra. Juliana possa completar minha fala.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Muito obrigado, Sr. José Maria Vieira, advogado e representante da Associação Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.
Tem a palavra o Sr. Eduardo Villaça, defensor público e representante do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Ceará, por 10 minutos.
O SR. EDUARDO VILLAÇA - Boa tarde a todos e a todas.
Venho aqui como coordenador de atuação da crise do sistema prisional do Ceará.
Quero cumprimentar o Deputado Helder Salomão, na pessoa de quem saúdo todos os Parlamentares presentes.
Quero cumprimentar as demais pessoas presentes, na pessoa da minha colega Beatriz, que ombreia conosco na luta por esta causa.
O sistema prisional do Ceará, a partir de janeiro, com a implementação da SAP — Secretaria da Administração Penitenciária, entrou numa crise gravíssima. Os relatos sobre o Maranhão e o Pará são exatamente iguais ao que presenciamos no Estado do Ceará, com alguns pontos de diferença, pontos bem isolados, mas que nos trazem grandes preocupações. Uma das preocupações é, sem dúvida, com a hiperlotação do sistema. Houve uma transferência, como foi bem colocado pelo Ribamar em sua exposição, e o fechamento de mais de cem cadeias no interior do Estado. Houve o deslocamento de todo esse contingente para o sistema da capital.
Compactuando com a Dra. Cintia na ideia da responsabilização de mais atores nessa problemática, o sistema de justiça pactuou diretamente com a situação que é vivida lá: presos do regime semiaberto no regime fechado, em completo desrespeito à Súmula Vinculante 56, do STF. O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará não cumpre, e isso só se agrava. Aí vem a Secretaria da Administração Penitenciária e fecha cadeias no interior nas quais havia cumprimento de regime semiaberto e desloca esses presos para a capital, para ficarem em regime fechado, uma conduta completamente incompreensível, completamente fora de qualquer lógica.
A Defensoria Pública, através de parceiros da sociedade civil, do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura — CPTC, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, de representantes dos familiares, vem tentando atender a essas demandas.
A crítica que se faz à FTIP não é à existência dela, mas à forma como ela atua. O sistema prisional pode demandar uma atuação mais enérgica em determinadas situações, mas não se justifica a normalização da violência, a normalização da tortura.
15:25
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Quando se vai discutir com o Ministério Público, com a magistratura, pelo menos do Estado do Ceará, e se pergunta se presenciaram alguma coisa estranha, dizem: "Não. Eles só usam um pouco mais de spray de pimenta". Como se spray de pimenta não fosse um tipo de tortura. É a normalização disso. Isso é o que mais nos choca e o que mais nos preocupa. Quer dizer, só vai ser tortura quando colocarem eles no pau de arara? Não estamos mais nessa época. Vivemos numa época moderna.
A Defensoria Pública, de janeiro para cá, desde que aconteceu essa crise, tem feito inspeções nas unidades, especialmente nas mais críticas, por causa justamente da deficiência de pessoal. A secretaria criou as alas de segurança através de uma portaria. É um regime mais gravoso que o RDD. O interno toma banho só uma vez por semana e tem visita só uma vez por mês, por parlatório, num completo desrespeito.
Perguntam: "A Defensoria já foi ao Judiciário?". Já fomos e ainda não tivemos resposta.
Quando chegamos a essa a ala de segurança, vimos quatro celas. Duas celas estavam lotadas, com 30 pessoas em cada uma, em que deveriam ficar 6 pessoas, e duas estavam vazias. Perguntamos: "Por que duas estão vazias?". "É porque, se distribuirmos, vai ficar muito confortável para eles". Não é tortura isso? Não é uma forma de tortura isso? É uma forma de tortura. Estamos vivendo isso.
O representante que apresentou aqui a FTIP falou de assistência religiosa. Essa não é a nossa realidade pelo menos. A Pastoral Carcerária, ao Instituto Penal Feminino teve acesso negado, reiteradas vezes. A Irmã Gabriela, grande representante da Pastoral Carcerária no Ceará, não entra para fazer assistência religiosa de forma alguma. Essa é a realidade. Não é a realidade que eu ouvi dizer, não. Nós estamos presentes no IPF.
Protocolamos um pedido de interdição do Instituto Penal Feminino 3 semanas atrás, porque ele declara haver 370 vagas, mas na inspeção se viu que 120 estão inutilizadas, numa reforma. Nós temos 250 vagas para 1.100 presas. A situação é ainda mais agravada com a justificativa da reforma, que não foi planejada, que não é feita de forma transparente.
Fica também o registro de como se trabalham os números dentro do sistema. Eu me dei ao trabalho de pegar os relatórios, os boletins expedidos pela Secretaria da Administração Penitenciária.
Desculpem-me por estar falando rápido. É por causa do tempo, que é curto.
A partir de julho deste ano — julho, agosto, setembro e outubro —, os boletins dizem que foram feitos 233 mil atendimentos médicos. Duzentos e trinta e três mil! Nós temos uma população carcerária de 22 mil. Isso dá 10 atendimentos por pessoa, em 4 meses. Se formos para os atendimentos de enfermagem, veremos que são 1 milhão e 100 mil. Se eu juntar os 120 dias, os 4 meses, aos atendimentos médicos e de enfermaria, dos 120 dias, o interno passou 60 dias na enfermaria. Como é que eu vou acreditar nesses números? Não me parecem verossímeis. Estão brincando com a gente, estão brincando com esses dados e passando para a população uma realidade que não... Duzentos e trinta e três mil atendimentos em 4 meses acho que o Município de Fortaleza, com 3 milhões e meio de habitantes, não fez.
Esses dados são oficiais. Eu os peguei no site da Secretaria da Administração Penitenciária. Esses dados não foram fornecidos aleatoriamente. Foram eles que me forneceram isso. Eu tenho aqui os links, eu tenho aqui os relatórios. Ninguém estava brincando com esses dados, não.
15:29
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Em relação a atendimento odontológico, os relatórios dizem que foram feitos mais de 10 atendimentos por mês, por detento. Eu não fui ao dentista, em 4 meses, uma vez. Eu vou uma vez a cada 6 meses ao dentista.
Então, temos que colocar o pé no chão, ver o que realmente está acontecendo e dar ouvidos aos familiares das vítimas. Nós fazemos um trabalho consistente, através de nossos núcleos, no sentido de ouvir os familiares das vítimas.
Quero relatar, antes que toque a campainha, a questão das visitas no Estado do Ceará. Há imposição de uso de farda para a visita, para entrar no presídio. Nós temos um relatório feito, com registro fotográfico. Sentamos à mesa com o Secretário da Administração Penitenciária. Ele disse que era mentira. Eu tive que mostrar o relatório, que já tinha sido enviado para ele duas vezes. Então, é com essa situação que estamos lidando. Não é por falta de diálogo. Todos os relatórios de inspeção que a Defensoria Pública fez foram enviados para a Secretaria da Administração Penitenciária, com recomendações a serem cumpridas. Nenhuma foi cumprida. Nenhuma.
O fornecimento de água é precaríssimo — o mecanismo registrou isso: o preso bebe água de um cano na parede, água que não é sequer potável. Há celas para seis presos, com seis "pedras", como chamamos as camas de lá, com 30 presos dentro, daquela forma demonstrada aqui nos registros fotográficos. Banho de sol não têm, e a alimentação é deficiente, é claro. Não vou continuar enumerando os nossos problemas, porque eles são diversos.
Agora, nós estamos sempre dispostos a dialogar sobre soluções. Nós não nos comunicamos com o Secretário da Administração Penitenciária pela imprensa. Quando fazemos um relatório como esse, nós pedimos uma audiência com ele e o entregamos: "Está aqui, Secretário, o nosso relatório. Encontramos isso, isso e isso. Problemas mais graves. Vamos resolver?". "Está bom. Dê-me um tempo." Não há tempo. O tempo se esvai, e se esvai, e não sai nada. Aí vamos judicializando. Temos que judicializar. O instrumento que a Defensoria Pública tem é esse, além das parcerias.
Periodicamente, nós nos reunimos com a sociedade civil para prestar contas da nossa atuação, para relatar todos os pedidos feitos ao juiz corregedor, ao Tribunal de Justiça — ao HC coletivo demos entrada recentemente —, e a intervenção no Instituto Penal Feminino. Tudo isso é relatado para a sociedade civil, até para que alguns cidadãos se habilitem como amicus curiae para reforçar os nossos pleitos e dar força ao nosso discurso.
Eu agradeço o espaço. Já se esgotou o meu tempo. Peço desculpas pela forma corrida como falei, para tentar passar o maior número de informações possível da nossa realidade. Estamos à disposição para qualquer tipo de debate e para a união de forças para enfrentar essa situação.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Eduardo Villaça, defensor público e representante do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Ceará.
Depois da fala da última oradora convidada, nós vamos ouvir Deputados e os que estão inscritos, representantes da sociedade.
Vamos então ouvir a Sra. Beatriz Xavier, representante do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado do Ceará.
15:33
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Antes quero registrar a presença da Deputada Talíria Petrone.
Obrigado, Deputada. (Palmas.)
Tem a palavra a Sra. Beatriz Xavier.
A SRA. BEATRIZ XAVIER - Boa tarde.
Queria iniciar a minha breve fala agradecendo a oportunidade de estar aqui na Câmara dos Deputados para falar mais uma vez sobre a situação do sistema penitenciário no Ceará e no Brasil. Eu agradeço ao Deputado Helder Salomão.
Queria saudar a plateia, na pessoa da Eva, que vem aqui mostrar a importância de pensar nas pessoas. Se sempre estamos discutindo o sistema penitenciário, se sempre estamos discutindo segurança pública e encarceramento, é por causa das pessoas. Então, a Eva vem, como mulher, traduzir essa preocupação que nós não podemos esquecer.
São inúmeras as coisas sobre as quais queria falar, mas eu não quero repetir os fatos, porque me parece que eles estão muito evidentes. Não há questionamentos em relação a isso. Nós temos inclusive, primeiro que tudo, que ter respeito ao trabalho dos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, porque eles são qualificados, eles trabalham para isso, eles são escolhidos a dedo, pela sua qualificação. Quando vão fazer as inspeções, eles não vão brincar. Eles não estão lá para mascarar nenhuma situação. Eles vão lá em condições muitas vezes de insegurança e fazem o trabalho o mais perfeito possível. Então precisamos admitir como verdadeiro aquilo lá.
Eu tive oportunidade de acompanhá-los, no Ceará, em algumas das visitas, e de acompanhar toda a missão, que foi conjunta, com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, uma experiência fundamental para o Estado do Ceará e a sociedade civil. Pela primeira vez, o Conselho Nacional de Direitos Humanos fez a sua reunião descentralizada, juntamente com o mecanismo. Naquele momento nós apresentamos o relatório à sociedade. A apresentação desse relatório causou na sociedade civil um grande choque. Por quê? Porque houve participação intensa de todas as pessoas envolvidas nessa questão, e até o momento a narrativa acerca das questões de segurança pública e do sistema carcerário no Estado do Ceará era oposta àquilo que foi apresentado pelo mecanismo. Esse jogo, de que era preciso tomar atitudes extremas para conter um problema de segurança pública, foi utilizado e ainda é repetido nos dias de hoje.
Eu queria organizar meus pensamentos em duas principais questões. Primeiro, quero falar do estado mesmo do sistema carcerário no Ceará. Ouvi o colega, o Dr. José Maria, falar do Pará. É exatamente ou muito semelhante ao que acontece no Ceará. Isso, para nós, representa o quê? A replicação de um modelo, de um projeto. Nós precisamos entender que esse tipo de atuação no sistema penitenciário é um projeto. Isso não é um acaso. Vamos lembrar a experiência do Rio Grande do Norte, antecessora do Ceará. Veio a experiência do Ceará, veio a do Pará e vieram uma série de outras experiências que simplesmente repetem esse chamado modus operandi. Lá no Ceará chamamos de "Doutrina Mauro Albuquerque", que é o nome do Secretário da Administração Penitenciária. Recebeu esse batismo.
Pois bem. Outra coisa: a natureza da intervenção. Foi dito pela Dra. Cintia que o Ceará chamou, pediu auxílio. De fato, o Governo do Estado do Ceará chamou, pediu auxílio. O Ministério Público Federal em Roraima — não é isso, doutora? — fez o pedido. Nós precisamos entender que, porque foi convocado, porque foi solicitado, porque foi pedido, porque foi requerido auxílio, isso não exime ninguém de responsabilidade.
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A questão sobre a FTIP é que ela implementa, ela estabelece um sistema de violência, de tortura e maus-tratos. Esse modelo, ainda que a força saia do Estado — e no Ceará ela saiu oficialmente em maio —, continua sendo aplicado permanentemente. Se qualquer um de nós for aos presídios do Ceará hoje, verá que as práticas são as mesmas. Daí podemos tirar que isso não é um socorro para uma situação emergencial, pontual. Não é. Ainda que fosse, seria um absurdo, porque viola direitos humanos. Não há nada neste mundo que justifique prática de tortura, violência, assalto na rua. Nada disso justifica. Mas isso ser continuado tem menos explicação. Aí se diz: "Ah, mas eles já foram embora. Em maio eles foram embora". Mas permanecem dando curso de formação para agentes penitenciários, tal e qual no Pará. Não é isso, Dr. José Maria? Todos os agentes penitenciários que passam em concurso e são convocados são treinados nesse modelo.
Essa situação carcerária, precisamos reconhecer, não é de agora. Esse problema, essa desgraça é anunciada há muito tempo e permanece.
Outra coisa é a forma como a intervenção tem sido realizada. Ela é mais violadora, ela intensifica as violações que sempre ocorreram nas unidades de encarceramento deste País. E não só no sistema penitenciário. Todo mundo sabe. Toda internação, toda casa de custódia neste País, de qualquer natureza, infelizmente viola direitos humanos. Vemos a intensificação a partir desse modelo, que é uma doutrina, que é tido como um modelo disciplinar, que na verdade acaba com a dignidade do interno e das famílias. A Eva está aqui e pode confirmar. As famílias se encontram num patamar civilizatório mínimo, porque elas precisam se fardar para fazer a visita — as crianças também. Elas não podem levar alimentação, elas não podem levar aconchego. No caso das mulheres, os kits de higiene são entregues mesmo, no dia em que a mulher é presa, e nunca mais. Então, infelizmente, condições mínimas, como a de usar absorvente íntimo, a mulher não tem. Por quê? Porque nunca mais chega, porque a família não pode mais entregar.
Acerca desse estado de coisas, o que eu queria salientar bastante é o caso das transferências de presos do interior. O que aconteceu? Como o Ribamar e o Eduardo disseram, e todos sabemos, 101 cadeias do interior foram fechadas. Precisava ser feita alguma coisa. Nós do Conselho de Direitos Humanos fizemos uma missão nas cadeias do interior e constatamos uma situação fora do imaginado, fora do normal. Todos os presos, do dia para a noite, sem aviso — nem a eles, nem às famílias, nem ao juízo da execução; ninguém soube —, foram colocados dentro de ônibus e levados para as unidades superlotadas da Região Metropolitana de Fortaleza.
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O acesso dessas pessoas à Justiça onde está? Porque os processos ainda estão vagando por aí. Muitos processos. Ainda não sabemos exatamente onde cada preso está. Sempre que se ouve um rumor de visita dos órgãos de controle social, se aquele preso está machucado, se aquele preso está numa condição ruim, ele é transferido, e ninguém sabe para aonde. Então, até o dia de hoje — em janeiro vai completar 1 ano essa intervenção —, tem gente que não sabe direito onde o seu familiar está preso.
Outro ponto que eu queria focar diz respeito tanto à natureza da intervenção quanto ao estado mesmo de sempre do sistema carcerário do Ceará. Falo do impedimento ou do obstáculo ao exercício do direito de participação social da sociedade cearense. Os conselhos de políticas públicas têm sido obstados nas suas funções de monitorar, de fiscalizar, de fazer controle social. O Conselho Penitenciário foi desarticulado, foi desmantelado pela Secretaria da Administração Penitenciária, mal funciona. Agora perdeu sala, perdeu estrutura de pessoal, perdeu estrutura física. Depois de uma grita da sociedade civil, aparentemente vai ser reformulado. Provavelmente, eu vou integrá-lo, mas ainda não fui nomeada.
O Conselho Estadual de Direitos Humanos, na época, no começo do ano, que eu presidi, justamente na época da crise, perdeu instalações físicas. Houve uma reforma administrativa no Estado, e nós saímos da antiga Secretaria de Justiça. Ficamos vinculados à Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos, presos, drogas — presos, não; drogas —, e não tínhamos sala, não tínhamos telefone. No auge da crise, no auge das denúncias, nós não podíamos nos comunicar com as pessoas, nem atuar.
Então, existe um programado... Digo que é programado porque nós temos sofrido, nós militantes de direitos humanos da sociedade civil, reiteradas ameaças. Do que nós precisamos? Por que viemos aqui hoje, a esta Casa? Precisamos da fiscalização do cumprimento de todas as recomendações que foram feitas, por relatórios, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O seu cumprimento deve ser fiscalizado. Nós precisamos noticiar isso que está acontecendo para todo mundo.
Nós sociedade civil do Estado do Ceará recentemente encaminhamos à ONU um dos nossos relatórios, para que seja visibilizado e para que os responsáveis sejam chamados a reparar e a responder por todos esses atos. Nós precisamos interromper imediatamente esse ciclo de tortura nas unidades prisionais do Estado do Ceará e do Brasil.
Era isso, pessoal.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço à Sra. Beatriz Xavier, representante do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado do Ceará.
Assim encerramos a primeira fase da nossa audiência pública, a das exposições dos convidados. Agora ouviremos os Deputados.
Está inscrito o Deputado Delegado Éder Mauro, mas, como a Deputada Erika Kokay...
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Sr. Presidente, foi a Deputada Erika Kokay que requereu a realização da audiência. Eu acredito que ela deve ser a primeira a falar.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Ela pode ou não falar. É uma prerrogativa que ela tem, Deputado. V.Exa. está inscrito.
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - V.Exa. decide. V.Exa. quer que eu fale logo? Eu falo.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Não, não. A Deputada Erika Kokay pode ou não falar como requerente. Ela pode falar depois se quiser.
15:45
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O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Está bem.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Regimentalmente falando, ela não tem obrigação de falar agora. Ela pode falar depois. Nós vamos passar a palavra alternadamente, como...
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Sra. Deputada, V.Exa. quer falar depois? (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Deputado Delegado Éder Mauro, como foi orientado no início, falará um Deputado e um dos representantes da sociedade aqui presentes, alternadamente.
Depois da fala do Deputado Delegado Éder Mauro, nós passaremos a palavra para os que estão inscritos. Para todos terem ciência, estão inscritos Alexandre Kaiser Rauber, Gianfranco Graziola, Juliana Fonteles, Leonardo Pinho, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, e Ivanilda Gama. Esses são os inscritos, representantes da sociedade. Se alguém quiser falar, ainda pode se inscrever, tanto os Deputados quanto os representantes da sociedade. Eu peço que se inscrevam aqui ao lado, com a Clemilde.
Deputado Delegado Éder Mauro, V.Exa. dispõe de 5 minutos para sua intervenção.
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Obrigado, Sr. Presidente. Na sua pessoa, cumprimento toda a Mesa, principalmente a Dra. Cintia.
A senhora tem coragem, Dra. Cintia. Colocaram a senhora numa "redonda", acho até que de propósito. Convocaram um representante do Governo, não convocaram ninguém de outras instituições. Por exemplo, o meu Estado do Pará está na berlinda nessa questão, e não convocaram o Superintendente do Sistema Penitenciário, não convocaram absolutamente ninguém dessa área. Mas eu vejo aqui representantes do Ministério Público, da Comissão Arns, que não sei nem o que significa na verdade, além de promotores e advogados do meu Estado do Pará, de advogados do Ceará, que certamente estão aqui à custa da OAB e certamente do Governo do povo.
Dra. Cintia, eu ouvi os palestrantes, mas ainda não consegui entender o que está sendo questionado, na verdade. Porque os Governos dos Estados, quando se sentem ameaçados ou quando alguma situação foge do controle e precisam de reforço, solicitam ao Governo Federal uma intervenção, uma intervenção como a que foi feita no Estado do Pará, pela Força Nacional, não só nas ruas, como também dentro das penitenciárias. Veja como é interessante: com a intervenção se colocou ordem dentro das penitenciárias. Em Altamira houve um problema seriíssimo, assim como estava havendo em outros Estados, inclusive com decapitações. Foram retiradas centenas de celulares de dentro da penitenciária, com os quais o crime organizado fazia e acontecia com as execuções, inclusive de policiais. O lugar se tornou, inclusive para os presos que tanto defendem aqui, mais limpo. Todos esses relatórios foram enviados para os organismos para os quais era necessário enviar.
Agora, o que me deixa curioso é ouvir os palestrantes aqui presentes falarem que os presos estão tendo moléstias, que passam pelo meio de ratos, que bebem água sanitária, que não têm visita íntima, que não têm visita todos os dias. Eu quero dizer para esses senhores que penitenciária não é hotel. Penitenciária nunca foi hotel. Penitenciária foi feita para preso, para bandido. Quem não quer passar por dificuldades que não cometa crime! O juiz e o policial não pedem a ninguém que cometa crime. Se estão lá é porque eles pediram para ir para lá. Então, eles que não venham querer estar num hotel cinco estrelas.
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Aí eu questiono todos os palestrantes que estão aqui, principalmente os do meu Estado do Pará. Aliás, eu não quero questionar os do Ceará, porque isso cabe aos Deputados daquele Estado.
No meu Estado do Pará, é engraçado. Eu passei 30 anos na rua como policial, Sr. Presidente. Eu não vejo a cara, em nenhum momento, desses representantes de direitos humanos da OAB — do Estado do Pará principalmente —, a não ser para intervir em relação ao que se questiona bandido versus polícia.
Onde é que vocês, representantes da OAB — já que você é o único representante aqui; a outra é a colega que está sentada ali, filha do Paulo Fonteles —, estavam ou estão quando as nossas crianças, todos os dias, estão no Entroncamento, em São Brás, no Ver-o-Peso, cheirando droga? Eu não vejo uma intervenção de vocês a favor dessas crianças. Vocês só sabem vir em cima de polícia e defender bandido.
Onde é que vocês estão que não vão ao pronto-socorro municipal ver as pessoas jogadas, sofrendo e morrendo todos os dias, para dar um alento para que elas possam se defender e, de alguma maneira, ter um atendimento digno?
Onde é que vocês estavam quando o jovem Lucas foi assaltado dentro de um ônibus por um bandido menor de idade, que o matou, que tirou a vida dele do nada? Eu não vi vocês procurarem a família do Lucas, em nenhum momento, para socorrê-la ou, pelo menos, para dizer: "Nós estamos aqui, somos dos direitos humanos." Vocês não estão lá porque vocês não defendem pessoas direitas, vocês só sabem defender bandido. Isso é o que o Governo de vocês, da Esquerda, sempre fez.
Onde é que vocês estavam quando eu sofri um atentado? Eles acertaram a minha esposa, e vocês não fizeram uma ligação para dizer: "Delegado, sinto muito pelo que aconteceu com você." Sabem por quê? Não interessa! Sabem onde vocês estão nos finais de semana? Fumando o cachimbo de vocês e tomando uísque, esperando uma notícia para saber como vão atacar a polícia no dia seguinte.
A Força Nacional está de parabéns! O Governo Federal está de parabéns por intervir nos Estados, quando solicitado, para ajudar este País a mudar a cara que tinha — os bandidos, de dentro das penitenciárias, mandavam, executavam, faziam e aconteciam. Isso vai acabar neste País, porque agora o Brasil tem um governo que tem pulso, um governo que tem valores corretos e que não dá direito para bandido, não. Isso vai, inclusive, para as universidades, onde se vê muita coisa errada. Há gente de esquerda aqui que defende, inclusive, drogas dentro das universidades.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Deputado Delegado Éder Mauro.
Eu passo agora a palavra ao primeiro representante da sociedade. Não necessariamente serão ouvidos só os representantes da sociedade, mas também os representantes dos poderes públicos que aqui estão e se inscreveram.
Então, peço ao Alexandre Kaiser Rauber, Defensor Público da União, que faça uso da palavra por 5 minutos.
O SR. ALEXANDRE KAISER - Boa tarde a todos. Boa tarde, Presidente, Deputado Helder Salomão. Agradeço-lhe a palavra.
Eu queria esclarecer que sou Secretário de Atuação no Sistema Prisional da Defensoria Pública da União, é uma estrutura dentro da administração superior da DPU, que trabalha na coordenação da atuação da Defensoria no sistema prisional e na execução penal. Uma das nossas tarefas é a prevenção da tortura. Nós trabalhamos com o grupo de trabalho de pessoas em situação de prisão e combate à tortura. Esse é um grupo de defensores especializados nessa matéria, que, por mandato, trabalha com essa matéria em todo o País.
15:53
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A Defensoria Pública da União recebeu e recebe os relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura regularmente. O Mecanismo os envia para a Defensoria. E nós recebemos alguns relatórios relativos à atuação da FTIP com muita preocupação.
A nossa primeira postura foi procurar identificar dentre aquelas denúncias — são praticamente denúncias o que o Mecanismo faz — as que tinham um grau de densidade suficiente para que eventualmente exercêssemos inclusive a nossa função institucional, que dentre outras é a de promover a reparação por eventuais violações de direitos que as pessoas sofrem, inclusive os presos.
A propósito dessa discussão, eu queria fazer uma distinção que acho muito importante. É que não existe uma diferença ontológica entre um bandido e um cidadão de bem. No entender da Defensoria Pública da União, pessoas que estão inseridas na cadeia não são necessariamente — esse etiquetamento está errado — piores do que uma pessoa que está fora.
Alguns de nós cometemos crimes, e não estamos na prisão. Essa não é uma referência a nenhum dos presentes, essa não é uma referência direta a ninguém, mas é possível que isso aconteça. Há pessoas inocentes nas prisões; há pessoas que cometeram erros, estão na prisão e, mesmo assim, não merecem receber tratamento desumano ou degradante e não podem ser vítimas de tortura. (Palmas.)
Nesse sentido, eu queria fazer uma citação de um relatório da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A versão a que tive acesso está em espanhol, mas diz basicamente que, por mais graves que possam ser as ações e por mais culpados que possam ser os réus por determinados delitos, não se pode admitir que o poder seja exercido sem limite algum e que o Estado possa se valer de qualquer procedimento para alcançar os seus objetivos, sem submissão ao direito e à moral. Esse é um trecho de um relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica. Ele vige no Brasil com status supralegal. Então, o Brasil deve obediência, inclusive, a esse pacto e deve obedecer aos entendimentos daquela Comissão.
Eu faço essa observação porque o que verifiquei de mais evidente com relação à tortura, no caso do relatório do Ceará, foi essa questão dos dedos quebrados. Há discussões com relação aos procedimentos que são adotados. Aqui o Dr. José Ribamar expôs a questão de internos serem colocados em posições incômodas por períodos prolongados de tempo; de serem submetidos a condições extremas de superlotação carcerária, que comprometem realmente os direitos humanos; de serem privados de água.
Todos esses procedimentos são característicos de tortura estrutural. Quem estuda o tema sabe que isso é tortura. Mas, para ficar muito evidente para quem talvez não tenha uma percepção tão clara, não há como não se considerar tortura uma série de internos do sistema penitenciário terem os seus dedos propositadamente quebrados numa intervenção. Isso não ocorreu em uma situação de reação, por uma agressão injusta, que legitimaria o uso da força, mas em procedimentos que claramente demonstram uma atuação sistemática.
O Mecanismo teve acesso a 32 laudos, e nos repassou, de exames de corpo de delito de internos do sistema penitenciário do Estado do Ceará atestando equimoses, escoriações, fraturas nos dedos das mãos e nas próprias mãos desses internos.
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Nós tivemos acesso a depoimentos desses internos prestados em um procedimento administrativo disciplinar instaurado para apurar falta grave dos internos, em que os internos relatam justamente que sofreram espancamentos. Os agentes penitenciários falavam que eles sentiriam o peso da mão do Estado e os inquiriam a respeito de quem seriam as lideranças criminosas, etc.
São procedimentos típicos e característicos de tortura-castigo, tortura-confissão. A literatura especializada descreve isso, é quase um exemplo de livro. Então, eu acho necessário, Presidente, para encerrar a minha fala, que se trabalhe a questão do reconhecimento de que houve tortura. Este é o primeiro passo: é necessário reconhecer que houve tortura. Na sequência, devem ser adotadas medidas para se prevenir a ocorrência de novos eventos de tortura e para reparar as vítimas desses atos ilícitos.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço a participação do Sr. Alexandre Kaiser Rauber, Defensor Público da União.
Passo agora a palavra à Deputada Talíria Petrone.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Se V.Exa. quer ouvir mais, podemos prosseguir.
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Quero. Daqui a pouco, eu falarei.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Deputada Erika Kokay, V.Exa. quer falar agora ou quer ouvir mais?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Então, vamos passar a palavra ao Sr. Gianfranco Graziola, membro da Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária, por 5 minutos.
O SR. GIANFRANCO GRAZIOLA - Deputado Helder Salomão, na sua pessoa, saúdo todos os membros. Estou satisfeito com a presença dos parentes de presos do Pará. Eu venho também do Ceará, onde houve, na semana passada, o IV Encontro da Agenda Nacional pelo Desencarceramento.
Eu tinha preparado uma intervenção, mas sei que o tempo é curto. Falando um pouco da Força-Tarefa de Intervenção Pública, eu queria dizer que ela tem antecedentes: o GIR — Grupo de Intervenção Rápida, que foi criado em São Paulo, e os vários grupos de elite policial que foram criados nos outros Estados. Mas, enquanto nos Estados havia esses mecanismos, essa polícia de elite, a coisa era estadual — agora virou nacional. Essa é a grande gravidade, é o que eu acho. E não virou exceção, virou normativa. Essa é a gravidade da situação.
Nós estamos num estado nazista, num estado de guerra. Eu conheço um pouco das prisões deste País, porque fui Vice-Coordenador Nacional e continuo na Coordenação com outras tarefas. Conheço o Pará, conheço muito bem Roraima, aonde, há mais de 1 ano, a Pastoral Carcerária não tem acesso — e as famílias não tiveram acesso. Conheço a situação dos 55 mortos no Amazonas, onde eu estive, naquela ocasião, com a Luisa, a nossa advogada, que lá entrou. Ela falou exatamente dessa questão da incomunicabilidade. Eu vi a cara dela quando saiu de lá. Essa jovem advogada, de 23 anos, disse o seguinte: "Eu fui ver paredes que foram pintadas para se tirar o sangue". Naqueles dias, os parentes ouviram dizer que não só foram quebrados dedos, mas que era perpetrada uma tortura mais sofisticada. Os presos, só de cuecas, eram colocados nos pátios. Era jogada água com sabão no chão, onde os presos deviam correr e aí caíam, quebravam-se. E ainda jogavam cachorros para cima deles. Isso não é aventura, não é fábula.
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Portanto, quando falamos, não é porque somos bonzinhos ou porque queremos defender bandidos. E eu não os chamo de bandidos, mas de cidadãos. São cidadãos que podem ter errado e que, muitas vezes, estão lá por outras causas, uma delas é a questão das drogas, que deveríamos discutir, como também devemos discutir — e isso deve nos ajudar — o sistema carcerário.
A Pastoral diz que não acredita no cárcere. O cárcere hoje não serve, é a perpetuação da tortura em tempos modernos. Temos vários casos, várias denúncias. Essa denúncia se agrava, essa tortura se torna cada vez mais grave — e acho que tem conotações de nazismo sim —, quando temos hoje o reconhecimento facial, quando começamos a avançar na questão do DNA. O nazismo fazia isso: a raça pura.
Temos, sobretudo, essa Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária, a que nós somos contrários e que eu quero que seja extinta. É uma questão de princípio, não é só de dizer o que ela faz ou deixa de fazer. Ela não é boazinha. Ela quebra dedos com alicates. Ela não assiste aos presos.
Talvez ninguém aqui esteve no meio de uma guerra como estive, nos anos 80 e 90, em Moçambique. Eu sei o que é uma guerra, não são escaramuças de um dia. Eu tenho estado no meio, então eu sei o que é. Em Roraima, eu fui a uma cadeia pública e à cadeia feminina, e me senti numa guerra, pior do que aquela de Moçambique: polícia com armamentos pesados, com o rosto coberto, sem identificação nenhuma, com o discurso realmente de nazistas e de guerra.
O que estamos discutindo aqui é o sistema penitenciário que se torna um sistema de tortura, um sistema de aniquilamento, que se torna um sistema nazista que reproduz a questão da raça de Hitler em tempos modernos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Muito obrigado, Padre Gianfranco Graziola, membro da Coordenação Nacional da Pastoral Carcerária.
Quando os Deputados e as Deputadas quiserem falar, por favor, levantem a mão e solicitem a palavra.
Vamos continuar com as falas dos representantes da sociedade.
Com a palavra a Sra. Juliana Fonteles, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Pará e da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA.
A SRA. JULIANA FONTELES - Boa tarde!
Sr. Presidente, eu gostaria de solicitar inicialmente 3 minutos para um direito de resposta, porque fui nominada, assim como o meu pai, o ex-Deputado Paulo Fonteles, fundador de todos os movimentos de direitos humanos no Estado do Pará, que foi assassinado há 32 anos, grande referência dos direitos humanos no Pará e no Brasil, pelo digníssimo Deputado Delegado Éder Mauro, e esta não é a primeira vez que ele me ataca.
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Então, eu gostaria de solicitar à ilustre Mesa 3 minutos antes de eu iniciar a minha fala como Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Pará e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA.
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Sra. Juliana, eu peço que a senhora use os 5 minutos.
Por favor, um momento, Deputado Delegado Éder.
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Sr. Presidente, eu só quero dizer que não a ataquei em absolutamente nada. Eu só disse que ela era da OAB e filha do Paulo Fonteles.
A SRA. JULIANA FONTELES - Com muito orgulho, Deputado Éder Mauro, com muito orgulho.
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Mas você tem que ter orgulho do seu pai mesmo.
A SRA. JULIANA FONTELES - Eu vou iniciar a minha fala...
(O microfone é desligado.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - O microfone está cortado, porque nós precisamos manter a ordem aqui.
Eu vou restituir o tempo da representante da OAB e do Conselho Penitenciário, que terá 5 minutos para fazer a sua intervenção.
A SRA. JULIANA FONTELES - Boa tarde a todos. Sou Juliana Fonteles, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Pará e também Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA.
Eu gostaria de saudar a todos, em nome de todos os defensores de direitos humanos do Pará e do Brasil, através do ilustre Dr. Paulo Vannucci, que é grande referência. Eu vou fazer um breve relato para que eu não me perca.
Todos sabemos que a crise do sistema carcerário é antiga, não apenas no Pará, mas também no Brasil. Mas, a partir da entrada da Força-Tarefa de Intervenção Federal — FTIP, instalou-se uma verdadeira barbárie nos cárceres do Pará, atingindo uma quantidade gigantesca de familiares, servidores concursados e presos que saem todos os dias do sistema carcerário do nosso Estado do Pará.
Essa crise começou com uma sucessão de portarias, sendo que muitas seriam inconstitucionais, como a retirada de alimentos, de medicação, restrição de visitas e incomunicabilidade dessa população carcerária que vem sendo tão massacrada.
Isso aconteceu logo após a tragédia de Altamira, senhores, que foi um Carandiru — é bom que se registre. Após a entrada da FTIP, a situação se tornou dramática, tanto para a advocacia do Pará, que foi violada barbaramente e cerceada no direito de adentrar nos presídios do Pará, quanto para os próprios órgãos de inspeção carcerária e de defesa dos direitos humanos.
Iniciou-se uma verdadeira saga para que nós, órgãos de inspeção carcerária e de defesa dos direitos humanos do Estado do Pará, pudéssemos adentrar nos presídios para chegarmos perto desses presos. O Ministério Público Federal do Pará, através de uma força conjunta com o Conselho Penitenciário do Estado, ingressou com uma ação civil pública assinada por 17 procuradores federais do Pará contra a União e o Estado do Pará.
Por decisão do juiz da 5ª Vara Federal, foi determinada a imediata realização das inspeções carcerárias nas unidades prisionais do nosso Estado do Pará. Iniciamos pelo Complexo do CRF, que é um presídio feminino, onde realizamos 2 dias de inspeção carcerária e constatamos uma verdadeira barbaridade com mulheres presas sendo submetidas às mais violentas e bárbaras violações de direitos humanos.
Os relatórios foram concluídos com constatações de torturas físicas, emocionais e os mais variados maus-tratos, que não só as mulheres, mas toda a população carcerária do nosso Pará tem sofrido, assim como os seus familiares.
Por decisão estadual, através de um juiz federal, as inspeções logo depois foram suspensas, o que suscitou um conflito de competência.
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A partir daí, o Ministério Público Federal do Pará novamente ingressou com uma ação para que se definisse esse conflito de competência no STJ, que, no início deste mês de novembro, nos deu a vitória para que voltássemos a realizar as inspeções carcerárias, assim como para que a advocacia do Pará, que foi amplamente violada, pudesse adentrar nas unidades prisionais sem agendamento.
No entanto, senhores, as torturas continuam. Foi coletado um acervo gigantesco de provas, com depoimentos de presos que realizamos através de protocolo do CNJ, composto por diversas autoridades desse Conselho Penitenciário do Estado, assim como de comissões da nossa honrada OAB-PA, com a autorização de cada um desses presos, resguardando a sua voz, a sua integridade, inclusive o anonimato. Esse acervo gigantesco já está na mão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Presidência da OAB-PA, e do Ministério Público Federal do Pará.
Apesar de o Governo do Estado ter feito uma armação no Parlamento do Pará para interromper nosso mandato de Presidente do Conselho Penitenciário do Estado, eu quero dizer que continuaremos na defesa intransigente do princípio da dignidade humana e iremos, através da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA, às instâncias internacionais.
Eu gostaria também de dizer que o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura que esteve no nosso Estado concluiu e coaduna com a mesma conclusão das mais variadas torturas que essa população sofre no Estado do Pará. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço à Sra. Juliana Fonteles, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Pará e da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA.
Eu vou mudar a dinâmica dos trabalhos, em função do horário do nosso convidado. Como já tinha sido anunciado no início, o Sr. José Carlos Dias, Presidente da Comissão Arns, fará as considerações sobre as falas que foram feitas após a exposição dele e depois seguimos com a participação dos representantes da sociedade e dos Deputados. São três inscritos representando a sociedade, além da Deputada Erika Kokay e da Deputada Talíria Petrone. Depois retornaremos a palavra aos integrantes da Mesa.
Então, concedo a palavra ao Sr. José Carlos Dias, para as suas considerações finais.
O SR. JOSÉ CARLOS DIAS - Eminente Deputado Helder Salomão, eu quero, antes de mais nada, prestar uma homenagem a V.Exa. e a esta Casa pela coragem de estar assumindo essa investigação. Acho isso fundamental, muito importante.
Eu queria aqui prestar uma homenagem também à Sra. Juliana Fonteles, filha do grande Paulo Fonteles, a quem tive a honra de conhecer e de admirar, porque ela vem desempenhando um papel à altura de seu pai. Então, eu queria cumprimentá-la por isso.
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Sr. Presidente, deixo aqui uma proposta que peço seja analisada. Acho que têm que ser investigados diretamente os acontecimentos descritos no Pará e em outros Estados — mas eu estou me referindo especificamente ao Pará —, que constam do relatório do Mecanismo e foram desmentidos pela Ouvidora, que foi secundada por um assessor. E eu entendo que V.Exa. poderia designar uma Comissão para ir a Belém do Pará ver com os próprios olhos o que existe lá.
Se é tudo mentira, tem que ser exigido um procedimento contra os peritos que afirmaram que existia a tortura. Mas, se for verificado que esse relatório espelha a verdade, é fundamental que isso seja dito e que sejam apontadas as responsabilidades das autoridades públicas — Governador, Ministro e outros integrantes do poder público que são coniventes com essa violência. Aquele que tortura não é o único que deve ser responsabilizado. Aquele que autoriza a tortura, aquele que abençoa a tortura também merece ser responsabilizado. (Palmas.)
Eu agradeço a V.Exa., Sr. Presidente.
Peço desculpas por me ausentar.
Desejo que aqueles que vão pronunciar-se esclareçam melhor essa questão.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradecemos ao Sr. José Carlos Dias, Presidente da Comissão Arns, por sua brilhante contribuição. Muito obrigado! Nós entendemos que o senhor tem horário de voo agora, então, pode se retirar da nossa audiência com a nossa compreensão.
Passo agora a palavra para o Sr. Leonardo Pinho, Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que, inclusive, colaborou conosco na audiência pública realizada ontem com o Relator Especial da ONU sobre Resíduos Tóxicos.
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Boa tarde a todos e todas. Eu queria saudar a Cintia e, em sua pessoa, todos os que estão na Mesa. Agradeço as colocações.
Eu queria iniciar a minha fala dizendo que o Conselho Nacional de Direitos Humanos acompanhou parte — foram dois momentos — da situação no Ceará. Diante da gravidade do caso, nós nos deslocamos para lá. O Plenário inteiro do Conselho Nacional de Direitos Humanos se dirigiu ao Estado do Ceará.
Eu acho engraçado que às vezes haja aqui uns debates ideologizados, como se fosse uma discussão entre Oposição e Situação ou Governo. O interessante é que fomos a um Estado que é governado pela Oposição ao Governo na instância federal, e a postura do Conselho Nacional de Direitos Humanos, das instâncias de direitos humanos, dos peritos do Mecanismo foi igual, porque não é disso que se trata. Algumas pessoas, inclusive Deputados desta Casa — eu queria falar isso para quem está nos ouvindo —, ideologizam o debate para jogar sobre ele uma cortina de fumaça. Essa é a primeira questão.
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Eu queria dizer isso porque os membros do Executivo e os Deputados, principalmente, todos fazemos um juramento de defender a Constituição brasileira. E a Constituição brasileira é claramente contrária à prática de tortura no Brasil. A Constituição de 1988 é clara quanto a isso, inclusive, como resposta a períodos em que a tortura foi utilizada como método de atuação de agentes das forças de segurança pública no País. Todos nós temos esse padrão de civilidade.
Quando o Conselho Nacional de Direitos Humanos vai a lugares de privação de liberdade, todos os conselheiros, inclusive os representantes dos órgãos de Estado que lá estão — nós temos representantes da Justiça, do Executivo e do Legislativo —, propõem que falemos com os peritos do Mecanismo para fazerem uma atuação conjunta. Por quê? Pela capacidade técnica dos peritos do Mecanismo. Então, quando vamos a locais de privação de liberdade realizar uma missão, nós temos total segurança de ir junto com os peritos do Mecanismo, pela capacidade técnica e pelo olhar cuidadoso que eles têm quando entram nessas instituições.
E eu queria falar do que eu vi no Estado do Ceará. Eu vou falar do que eu vi quanto ao acesso à água.
O acesso à água é um direito básico universal, e eu vi lá restrição de acesso à água. Eu vi mulheres em locais de atendimento à saúde deitadas no chão, porque não havia macas. Fizeram aquele amontoado no presídio. Nós fomos ao presídio feminino, por isso eu estou falando sobre isso aqui. Eu vi, obviamente, os registros que os peritos fizeram sobre os dedos quebrados. E eu falo disso com tranquilidade, porque estive em reunião com o Secretário Mauro, e nós dissemos isso lá.
A questão que eu acho que esse relatório traz e sobre a qual nós precisamos refletir é se esses modelos de intervenção, como o GIR... Eu conheço muito o GIR, porque eu venho do Estado de São Paulo. Esse modelo é equivocado. Nós precisamos de outro modelo de segurança pública, porque esse só tem favorecido o crime organizado. O crime organizado no Brasil está mais forte com essas práticas. Ele não está mais fraco. Nós precisamos é de uma segurança pública voltada à reabilitação, voltada à ressocialização, voltada à inclusão social e produtiva. Eu quero que o meu dinheiro gasto no sistema prisional recupere as pessoas. Eu quero o aumento do índice de recuperação, porque senão o meu dinheiro, assim como o seu dinheiro, contribuinte que está nos ouvindo, será usado para que as pessoas saiam dos presídios torturadas, revoltadas e afinadas com o crime organizado. Esse modelo só tem fortalecido o que ele, em tese, pretende combater, que é o crime organizado.
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Direitos Humanos reafirma e denuncia aqui — eu queria falar isso, Deputado Helder Salomão —, infelizmente, que o Ministro Sergio Moro, com a Portaria nº 879, de 2019, já publicada, mudou o art. 5º da Portaria nº 225, de 2018, que determinava que para o acesso aos financiamentos deveria ser levada em conta a implementação das recomendações do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura. Infelizmente, o Ministro dá um mau exemplo, sinalizando que pode, sim, haver tortura no Brasil. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Leonardo Pinho, Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
Passo a palavra agora à Deputada Talíria Petrone.
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Boa tarde a todas e a todos.
Vou ser rápida — quando a fala começa assim, vai ser demorada, não é, Deputado? É que eu já ouvi muito. E ficar repetindo alertas sobre a gravidade do momento que estamos vivendo, que se expressa no Estado penal que avança cada vez mais no Brasil, é lamentável!
Infelizmente, o que acontece no Pará e no Ceará não é exceção, diante do que é o sistema penitenciário brasileiro. Eu me preocupo demais com a redução cada vez maior do Estado de Direito e com a ampliação assustadora do Estado penal, da militarização da vida, da ideia do encarceramento como solução. E, como parte desse processo, há a tortura institucionalizada. É como se fosse legal torturar.
Vejam a portaria mencionada pelo Leonardo. O Estado não precisa mais considerar relatórios e orientações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o que é lei no Brasil. O Estado, lamentavelmente, por meio da PGR, que se confunde com o próprio Estado, está perseguindo o Conselho Nacional de Direitos Humanos e propondo o afastamento da Procuradora Deborah Duprat desse órgão. Ela faz um excelente trabalho na luta em defesa dos direitos humanos no Brasil e ocupa a Vice-Presidência do órgão, eleita pelo Plenário do Conselho. Há um estado de coisas absurdo que precisa ser enfrentado no Brasil. O desmonte dos órgãos fiscalizadores, como o Conselho e o Mecanismo, reflete a gravidade do que estamos vivendo.
Por trás disso tudo, há o falso discurso — que dialoga com o populismo penal — de que se pune pouco no Brasil, de que a solução para os problemas graves desse Brasil gigante, de proporções continentais, com desigualdades sociais e raciais, é punir mais, é encarcerar mais. Ou seja, controlam-se corpos com balas que atingem esses mesmos corpos, os corpos encarcerados. Então, no Brasil se pune pouco?
Em quantos por cento cresceu o encarceramento no Brasil nos últimos 10 anos?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Mais de 600%! Temos mais de 800 mil presos no Brasil, a maioria de raça negra e periférica.
E não adianta balançar a cabeça, Deputado, porque a maioria é presa por pequenos delitos. Menos de 10% estão presos por homicídio.
Em 2017 era de 33% a estatística nacional de presos provisórios; no Ceará, de 50%. Imaginem como isso deve ter avançado nos últimos 2 anos.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Quanto?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Mais de 55% dos presos são jovens negros que estão ali por comércio ilegal de drogas e pequenos delitos. E nós não apresentamos uma solução real para a juventude brasileira. Ou ela é encarcerada ou é vítima da bala difusa do Estado. Isso é inadmissível e reforça o que o Supremo já declarou sobre o estado de coisas inconstitucional dos presídios brasileiros.
Jogam spray de pimenta em vagina de mulheres grávidas! Isso tem que ter dito. Isso me remete à ditadura, quando ratos eram enfiados em vagina de mulheres que lutavam contra a ditadura e pessoas eram obrigadas a sentar nuas em formigueiros. Isso acontece no Brasil hoje com aqueles que estão no sistema carcerário. Há pessoas vomitando sangue, bebendo água de vaso sanitário, convivendo com ratos, com dedos quebrados, com lesões na cabeça.
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Para terminar, Deputado, quero dizer que não adianta querer esbravejar contra isso. Eu sou uma mulher de esquerda, uma Parlamentar de esquerda, uma militante de esquerda, mas não se trata, nesse caso, de ser de direita ou de esquerda. Os direitos humanos evolvem respeito a acordos internacionais, respeito à Constituição brasileira e são a fronteira entre a democracia e a barbárie. Não há Deputado ou Deputada nesta Casa que, no exercício do direito à opinião, ainda mais aqueles acusados inclusive de tortura no seu histórico, possa contrariar o que diz a Constituição. E os direitos humanos são também assegurados a quem está encarcerado e, muitas vezes, não teve direito a um primeiro julgamento. Depois, quem devolve a liberdade de quem foi encarcerado injustamente.
Deputado Helder, seguimos juntos na luta. Acho que vamos atravessar esse inverno em algum momento. O avanço do Estado penal não é solução — não é solução! — para a desigualdade brasileira. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço à Deputada Talíria Petrone. S.Exa. estará conosco amanhã no Estado do Ceará, durante a diligência que faremos no sistema penitenciário daquele Estado.
Passo a palavra agora à Sra. Ivanilda Gama, da associação dos familiares de presos do Pará, por 5 cinco minutos.
A SRA. IVANILDA GAMA - Boa tarde a todos.
Em nome dos familiares dos encarcerados, quero agradecer imensamente a oportunidade de relatar um pouco aqui da dor que nós vimos sofrendo não só no Estado do Pará, mas também nos outros Estados do País. Eu também sinto a dor desses familiares. É uma dor imensa.
Quero perguntar à Dra. Cintia, já que ela relatou que os Estados solicitaram, através das suas autoridades, à FTIP que adentrassem nos presídios, se a FTIP relatou como seria essa intervenção, se seria à base de torturas e maus-tratos, porque não se teve nem tempo de reação. Eles já chegaram torturando. Desde o dia 5 de agosto, quando eles chegaram ao Estado do Pará, foram torturando, retirando dos presos tudo, tudo, deixando apenas uma peça de roupa, um short. Com isso, só após 40 dias nós tivemos acesso aos nossos familiares e os encontramos com a pele em cima dos ossos. Pergunto: como não houve tortura, se nós vimos a situação em que eles se encontravam?
Quanto ao procedimento, o colega relatou o planejamento da FTIP. Já estava no planejamento da FTIP essa tortura nos presídios do Brasil, já que não é só no Estado do Pará, é também no Ceará e em outros Estados? E o padrão é o mesmo. Pelos relatos, pelos resultados da inspeção, nós estamos vendo que é padronizada essa tortura.
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Eu vi fotos da situação no Ceará, e foi assim que nós encontramos os nossos familiares no Estado do Pará, nessa mesma condição, com a pele em cima dos ossos, doentes, passando fome. Hoje, eles não reclamam mais de porrada, mas, sim, da fome.
Chegamos para a visita, mas não houve visita. A visita seria de 15 em 15 dias, como foi determinado depois de uma ação federal, mas o Estado não está cumprindo essa determinação. O Estado está brincando com a edição de portarias. Ele publica uma portaria num dia e, noutro dia, cancela a portaria e suspende a visita. Foi liberado ao familiar levar um kit para o parente preso, com duas cuecas e um desodorante, cujas marcas foram especificadas: Tabu ou Herbíssimo. Ficamos sabendo pelos familiares que eles entregaram os kits depois de 40 dias e, no outro dia, retiraram os kits.
Aquilo que eles fazem os presos assinarem, como ele relatou, quando entregaram o chinelo, eles entregaram após 50 dias, mas também retiraram depois. Eles entregaram colchão, mas retiraram depois. Isso é um castigo que eles utilizam. "Ah, não fez isso, algo vai ser retirado". Então, a tortura não parou, a tortura continua.
Nós, familiares, também estamos sendo torturados. Os familiares estão à base de remédios. Nós estamos abalados psicologicamente por ver essa situação, por não poder levar um copo com água para as pessoas ali. Eu fui tomar água — estava lá disponível — e perguntei a um agente federal: "Posso levar um copo com água?" Ele falou: "Você pode tomar; ele, não". Eles são proibidos de tomar água. Perguntei: "Vocês ainda estão sendo espancados?" Responderam: "Apanhamos ontem à noite, às 10 horas da noite".
No presídio feminino, os familiares relatam que os federais chegam bêbados, ficam dançando, ficam cantando diversas músicas, pedindo para as presas olharem para eles. Se elas não olharem, jogam spray de pimenta. Elas só recebem o café da manhã depois do spray de pimenta; antes do almoço, spray de pimenta; antes do jantar, spray de pimenta. E a quantidade de comida é reduzida.
Eu tentei várias vezes uma conversa com o Governador do Estado, mas ele não recebe os familiares. Eu fui a um Parlamentar, entreguei um documento a um Deputado, pedindo socorro, para ele liberar comida para os presos que estão morrendo de fome, para entregar remédio, que o sistema não dá. Eles estão morrendo. Já houve caso de morte lá no Complexo de Americano.
Então, eu só quero confirmar tudo o que foi relatado pela Mesa e pela inspeção carcerária. Eu só quero afirmar que é verdade toda essa tortura que os presos e os familiares também vêm enfrentando, porque nós também estamos sofrendo torturas.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço à Sra. Ivanilda Gama, da associação dos familiares de presos do Pará.
Tem a palavra a Deputada Erika Kokay.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Eu vou utilizar a palavra agora porque, embora eu tivesse a intenção de ficar aqui até o final da reunião, terei que ir para o Plenário, porque vai começar a Ordem do Dia; preciso ir para lá.
Primeiro, fico muito impressionada com essa situação e me lembro muito de Nelson Rodrigues, que dizia que, realmente, o absurdo perdeu a modéstia — não há mais modéstia no absurdo.
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Digo isso porque nós sabemos que a tortura existe no sistema prisional e sabemos que o sistema prisional remonta ao suplício do corpo, a um adestramento e, ao mesmo tempo, a uma anulação da condição de sujeito e de pessoa. Há uma desumanização simbólica que vai deixando marcas no próprio corpo. Para além disso, há um adestramento, uma anulação, uma subjugação, uma tentativa de retirar da pessoa qualquer tipo de humanidade. Nós sabemos disso.
Agora, o que nós estamos vendo hoje é a defesa desse processo. O agente público que defende o crime — porque isso é crime; a tortura é crime no País, crime inafiançável e imprescritível —, o agente que defende a tortura como instrumento do próprio Estado, é criminoso. São criminosos todos aqueles que defendem a tortura, que fazem uma ode à tortura e que dizem que esse é um instrumento que tem que ser efetivado pelas mãos do próprio Estado.
Como se ter uma força de intervenção que tem esse número de denúncias de tortura, que quebra os dedos das pessoas, que se utiliza de uma tortura que vai além das relações interpessoais? Há hoje no País uma tortura institucional, porque se em presídios onde as celas deveriam ter 8 pessoas há hoje 40 pessoas, 50 pessoas, então há ali uma tortura institucional que vai se impor independentemente das relações interpessoais. Mas também há um estímulo para que os agentes que deveriam cuidar das pessoas, que deveriam estar ali protegendo as pessoas, sejam agentes de anulação das próprias pessoas que ali estão.
Essa discussão binária de que o cidadão ou é do bem ou é do mal muito me impressionada, porque está fazendo 1 ano que foi denunciado o Queiroz, e Queiroz é defendido por aqueles que dizem que é preciso defender os cidadãos de bem. A condição de ser cidadão de bem desumaniza, porque as pessoas passam a ter uma etiqueta, como aqui foi dito, um rótulo que permite que elas não exerçam a sua humanidade e que elas possam ser eternamente vítimas de suplício do corpo e de desumanização sob todos os pontos de vista. Portanto, existe uma crueldade em se dizer que há cidadãos que eu considero que são cidadãos do mal, e contra eles pode ser feito tudo, inclusive rompendo a própria legislação.
Nós estamos criando aqui malfeitores. Nós estamos criando aqui, nesses que defendem a tortura, cidadãos que eu não posso taxar como cidadãos do bem, porque estão defendendo que se descumpra a lei, que não haja mais Estado Democrático de Direito, que tudo seja permitido. Isso é barbárie! Isso é barbárie!
Tinha razão Foucault, quando disse que o processo que existe no sistema prisional não é questionável porque não reintegra à sociedade, uma vez que ele não é feito para reintegrar. Ele é feito para alimentar uma condição de vingança, para estabelecer a naturalização do próprio ódio e a naturalização, inclusive, do rompimento e do conflito com a lei, rasgando o Estado Democrático de Direito. Então, isso é barbárie, como disse a Deputada Talíria Petrone. É barbárie o que se está estabelecendo, e essa barbárie tem sido aplaudida, tem sido homenageada, com alguns querendo que ela perpasse todas as estruturas do Estado.
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Quem desumaniza também se autodesumaniza. Há pessoas que desumanizam o outro e que acham que o outro vira coisa e pode ser vítima de toda sorte de tortura. E há uma tortura de gênero que sempre acompanha as outras torturas. A tortura de gênero na sociedade sexista e machista vai estar sempre presente, no momento em que os corpos são supliciados e há esse processo de adestramento. As estatísticas indicam isso, e é com elas que eu termino.
Vejam, nós temos um nível de reincidência na trajetória delituosa que, por si só, já deveria ser suficiente para se repensar esse sistema de deposito de pessoas, esse sistema que esconde as pessoas da própria sociedade, pois, a partir daí, perpetua-se, pereniza-se uma situação de conflito com a própria lei.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Peço que conclua, Deputada.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Por isso, eu diria que nós temos que fazer, primeiro, uma diligência desta Comissão no Estado do Pará, como o Sr. José Carlos havia sugerido, para que nós possamos ali solicitar que as pessoas sejam responsabilizadas, que o Governador seja responsabilizado, que as autoridades penitenciárias sejam responsabilizadas. Não dá para naturalizar isso. Presos foram carbonizados, foram em verdade colocados em contêiner e ali foram vítimas de um calor intenso. Não dá para naturalizar uso de gás de pimenta, balas de borracha e toda sorte de torturas legitimada. E, agora, nós estamos vendo que elas são defendidas — defendidas! Quem defende tortura não pode ocupar cargo público. Quem defende tortura não pode representar quem quer que seja, porque está defendendo o que é crime neste País.
Por fim quero registrar a minha solidariedade e o meu reconhecimento aos familiares de presos, a maioria mulheres, mas não só mulheres. Familiares de presos têm a pena estendida para eles, o que também é ilegal, porque não se pode romper a individualização das penas.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Peço que conclua, Deputada.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - E se rompe a individualidade da pena quando se trata os familiares dessa forma e se rompe também quando se generalizam as punições. A punição não tem ficado restrita a quem cometeu a infração; ela tem sido generalizada como forma dizer que aqui há o arbítrio e a barbárie.
Minha solidariedade às mulheres e aos familiares de presos e meus respeitos e minha gratidão pela atuação do Mecanismo, que todos os dias o arbítrio quer calar, mas não conseguirá calar. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Deputada Erika Kokay, autora do requerimento.
Tem a palavra o Deputado Delegado Éder Mauro.
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Sr. Presidente, gostaria de falar por 2 minutos, já que a Erika Kokay falou por 10 minutos, eu havia falado só por 5 minutos.
Eu queria dizer, já que a colega colocou a questão inclusive de presos carbonizados, primeiro, que a política de encarceramento, como foi falado ainda por uma Deputada do PSOL, não é culpa do atual Governo. Quem criou 700 mil presos foi o Governo de esquerda. Foi ele que encarcerou 700 mil pessoas por falta de políticas públicas para a nossa juventude, por falta de políticas de esportes para a nossa juventude, por não dar oportunidades, realmente, de trabalho para os nossos jovens, e, sim, oferecer só esmola ao povo brasileiro pobre. Isso levou a 700 mil presos. Então, a culpa não é do atual Governo, é do próprio Governo que eles tanto defenderam no passado.
Segundo, retirar privilégios de penitenciária nunca foi tortura — nunca! O Governo Federal e o Governo do Estado do Pará estão de parabéns pelo trabalho que estão fazendo dentro do sistema penal no Estado do Pará. Notícias são trazidas para cá quase como fake — algumas eu até gostaria de poder ver, como essa agora de preso carbonizado. Isso que tem sido noticiado aconteceu antes de a Força de Intervenção chegar ao Estado do Pará. Isso aconteceu em Altamira, e foi resultado da briga entre organizações criminosas, dentro da penitenciária. Ficam jogando também isso para o Governo Federal? Isso é um absurdo! Vocês têm que parar com esse faz de conta de vir para cá defender bandido. Aqui ninguém defende esse tipo de coisa.
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É muito simples. É simples. É muito simples. Nós temos que aprender a defender o cidadão de bem e entender que bandido, quando vai preso, é porque cometeu um erro, um crime. Se ele está lá, Sr. Presidente, não foi a pedido de nenhum cidadão de bem, não foi a pedido de um policial e muito menos do juiz que o sentenciou. Ele está cumprindo pena. Cumprir pena não é ficar em um hotel, não é ir para a rua passear, não é ir para festas; é ficar encarcerado, sim.
O pior exemplo foi o que nós tivemos ultimamente, porque, infelizmente, os 700 mil presos que existem neste País — que alguns gostam de repetir que são negros e pobres, para tentar se promover perante negros e pobres, já que o Brasil é eminentemente negro — é formada de pobres, realmente, que não têm condições de fazer seus processos chegarem à segunda instância, como fez o Sr. Lula, que está solto, mas não deveria estar.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Passo a palavra ao Sr. Marcos Araguari de Abreu, Corregedor-Geral do DEPEN — Departamento Penitenciário Nacional, por 5 minutos.
O SR. MARCOS ARAGUARI DE ABREU - Muito boa tarde, Sr. Presidente. Boa tarde, senhoras e senhores.
Eu sou o Corregedor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional e tenho que trazer para os senhores algumas informações eminentemente técnicas. A Corregedoria do DEPEN faz parte do sistema federal de corregedorias. Embora a minha presença aqui represente também o Departamento Penitenciário Nacional, é natural que eu, sendo Corregedor e detendo um mandato de 2 anos para atuar de maneira imparcial, aqui represento na verdade a instituição Corregedoria.
Gostaria de responder primeiramente a um questionamento feito pelo Dr. João Rosito, talvez não endereçado à minha pessoa diretamente. Nós tivemos uma reunião com o Dr. Domingos há uns 2 meses, e ali eu expus a situação que agora quero expor aos senhores também, para deixar claro que a força de correição, a instituição que detém poder de correição das FTIPs — Forças-tarefa de Intervenção Penitenciária é a Corregedoria-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, porque a FTIP é composta por vários agentes de diferentes Estados. E nos convênios de cooperação assinados entre os Estados-membros e o Governo Federal ficou estabelecido, com bastante clareza, muito embora o convênio não seja um documento muito conhecido, que a Corregedoria-Geral do Departamento Penitenciário Nacional é o órgão de correição responsável pela apuração de irregularidades praticadas por agentes, inclusive agentes estaduais da FTIP. Então, para sanar essa dúvida sobre quem é a autoridade correcional administrativa competente para a apuração, devo dizer aos senhores que é a Corregedoria da qual eu faço parte atualmente.
Eu sou Delegado da Polícia Civil do Estado do Paraná, fui Delegado também em São Paulo, atuei junto ao Ministério Público do Estado do Paraná no combate a organizações criminosas, inclusive com prisões de agentes públicos. Então eu me sinto muito à vontade na situação de Corregedor-Geral, tendo em vista que não há nenhum tipo de melindre da minha parte em investigar agora os policiais penais.
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Agora os agentes penitenciários passaram a policiais penais. Nós dependemos apenas de regulamentação por lei, mas eu já posso chamá-los de policiais penais, devido à promulgação da emenda constitucional hoje de manhã.
Eu sou oriundo da Corregedoria da Polícia Civil do Paraná e devo lembrar aos senhores — isso tem que ficar claro — as dificuldades da Corregedoria em exercer seu trabalho quando não há, como no caso das Polícias Civis, o poder de investigação criminal.
O delegado de polícia, que é membro de uma corregedoria de Polícia Civil, detém o poder de correição e o poder de investigação criminal. Assim, eu posso, como delegado de polícia, solicitar uma interceptação telefônica, busca e apreensão, entre uma série de outras medidas que a lei autoriza, mas, como Corregedor-Geral hoje do Departamento Penitenciário Nacional, fora do meu cargo de origem, eu não posso fazê-lo. Por isso, eu dependo de informações que me municiem. Eu não tenho, neste momento, um poder de investigação tão potente como o da Polícia Judiciária.
Portanto, devo esclarecer que há hoje instauradas 11 sindicâncias investigativas ou procedimentos apuratórios de conduta no âmbito da Corregedoria-Geral do DEPEN, avaliando circunstâncias de práticas de maus-tratos ou de tortura ou, eventualmente, de lesões corporais. Estas sindicâncias ainda tramitam no âmbito da Corregedoria do DEPEN. Em algumas delas, nós identificamos alguns autores de ações ilícitas. Isso tem que ficar bastante claro. Portanto, não há nenhum tipo de omissão ou acobertamento por parte da Corregedoria-Geral.
Devo igualmente destacar, em relação ao relatório do Mecanismo, na missão no Estado do Ceará, que nós assumimos a Corregedoria, e não havia nenhum procedimento apuratório instaurado. Quando tomei posse, há 2 meses, eu instaurei um procedimento que já foi concluído, já foi relatado.
Nós identificamos algumas falhas no relatório final da Comissão de Sindicância. Agora, em contato com o Dr. Alexandre Kaiser, da DPU, que nos forneceu uma informação extraoficial, mas que já vai se tornar oficial ainda nesta semana, em relação a laudos médicos legais que dizem respeito a lesões praticadas nas mãos de mais de 30 presos, nós deliberamos isso já de imediato. Não vamos proceder a nenhuma medida de arquivamento de investigações em relação ao caso no Ceará, por enquanto. Vamos prosseguir as investigações, principalmente tendo em conta a existência destes laudos que nos chegaram.
Nossa atuação, senhores, é essencialmente técnica. Se os senhores quiserem nos sugerir algo ou nos criticar por nossa atuação, nós estamos absolutamente à vontade. Posso garantir aos senhores que temos uma postura de absoluta imparcialidade.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Sr. Marcos Araguari de Abreu.
Vamos agora às considerações finais da Mesa.
Passo a palavra ao Sr. José Ribamar de Araújo e Silva. S.Sa. dispõe de 5 minutos.
O SR. JOSÉ RIBAMAR DE ARAÚJO E SILVA - Inicialmente, eu queria tentar apurar alguns consensos possíveis entre nós, e o faço saudando simbolicamente o Dr. Alexandre Kaiser, da DPU, e a Dra. Vitória Buzzi, Vice-Presidenta do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Trata-se de dois órgãos que, dentro deste estado de coisas inconstitucionais, também têm sido atacados nas suas prerrogativas. Aliás, devo render gratidão à DPU, porque, se estamos resistindo, estamos resistindo por medidas judiciais, entre outras tantas, fruto da boa judicância da DPU, que interveio neste processo, entre outras quatro ações, inclusive uma ADPF que espera julgamento no STF.
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Eu gostaria também de fazer menção aos seis projetos de lei que ainda tramitam nesta Casa, apensados num só, que aguardam pedido de prioridade para que o Presidente da Casa os coloque em votação, para restituir a legalidade da Lei nº 12.847, que criou o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Este sistema, que nos integra a todos nesta missão comum, também tem sido atacado. O último ataque ele sofreu agora. Nós estamos surpresos, eu estou sob forte emoção, por ver de novo o estado inconstitucional de coisas que batem à nossa porta. Como vemos acontecer em todo o território nacional, trata-se de uma portaria que afronta a lei. Que pena que isso venha de um juiz federal ou de um Ministro da Justiça! Eu, que sou um pobre rábula, sei que uma lei menor não pode contrariar ou afrontar uma lei maior. No entanto, nós vemos de novo uma portaria afrontar a Constituição. Aliás, a Constituição Federal é afrontada todos os dias, porque a tortura é um crime de lesa-pátria, de lesa-humanidade, e é sobre ela que estamos falando.
Dito isso, eu quero dizer que a portaria que determina prerrogativas à FTIP está sendo descumprida. Pelo que me consta, pelo que foi dito e confirmado aqui, a delegação que ela recebeu no Pará foi em socorro da situação da chacina em Altamira, a não ser que isso se altere — é possível que tenha sido alterado —, até quando nós lá estivemos, ela não esteve em Altamira. Ela irradiava suas arbitrariedades, suas ações inconstitucionais, fazendo escola rumo a Altamira. Porém, lá ela não esteve.
É preciso que se diga que nós também somos contra a impunidade. Eu estou tentando apurar os consensos aqui, esta é uma missão forçosa. Nossa luta é pelos direitos humanos, nossa luta, no mecanismo de combate à tortura, é contra a impunidade.
É nesta perspectiva que eu saúdo a chegada do Corregedor. Estamos nos perguntando, desde que o relatório que monitora os massacres foi feito, por que nossas recomendações não foram cumpridas, a exemplo do que recomenda o Ministério da Justiça. O não cumprimento das recomendações redundou em mais e mais violações. Aliás, trata-se de um massacre anunciado, porque o mecanismo de combate à tortura já havia dito 2 ou 3 anos que poderia vir a acontecer o que aconteceu no Amazonas. E isso se confirmou. Nós estivemos lá monitorando, como monitoramos o que aconteceu no Pará. É a impunidade que gera impunidade, uma impunidade, infelizmente, seletiva.
Simbolicamente, ao falarmos de presos do sistema prisional, quero trazer o exemplo do Ceará. O Ceará tem o maior número de presos provisórios em todo o Brasil: 67% estão ali. Nós não estamos falando ainda da defendida e constitucional defesa que esta Casa debate do não cumprimento de prisão em segunda instância. Estamos falando do que está vigente, ou seja, da existência de 67% de presos provisórios.
O Padre Gianfranco Graziola esteve aqui no dia 3 de dezembro de 2008, no lançamento do relatório, quando falou da chacina em Roraima. Nós voltamos a falar deste assunto aqui. Dos chacinados em Roraima — estou falando apenas dos que foram chacinados —, três deles me chamam muito a atenção, um deles era maranhense. Eles nem sequer tinham sido condenados. Se eles tivessem tido os processos apreciados, estariam na rua, ou seja, não estariam sujeitos ao massacre.
Eu teria muito a falar, mas quero falar de uma coisa importantíssima. Todas as vezes que vimos aqui parece que estamos fazendo a advocacia somente dos presos. Nós, aliás, nem estamos fazendo advocacia: estamos apresentando um relatório consubstanciado, que traz recomendações e um diagnóstico. Todas as informações do relatório estão trianguladas. Há um detalhe para o qual poucos chamam atenção, mas que eu quero reforçar: na nossa metodologia, nós ouvimos a todos, mas todos os que se deixam ouvir.
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Algo que eu nem mencionei, mas que é preciso lembrar é que, desde Alcaçuz, visitada pelos peritos Gustavo, Deise e Bárbara, que ali estão, a FTIP foi conhecida e denunciada. Qual não foi nossa surpresa porque eles não apenas não foram investigados, mas também parte deles nos encontrou no Ceará! Eles não só nos encontraram, como também nos obstruíram no Ceará. Eles nos proibiram de exercer nossas prerrogativas, coisa que nós tivemos que vencer, e vencemos, como vencerá o Estado Democrático de Direito, pelo qual tanto lutamos e pelo qual honrosamente tombou o Deputado Paulo Fonteles, a quem eu deixo meu abraço solidário. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. José Ribamar de Araújo e Silva.
Como a Ordem do Dia já se iniciou, daqui a pouco eu vou ter que sair correndo para participar de uma votação nominal.
Passo a palavra ao Sr. João Baptista Alvares Rosito, representante da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
O SR. JOÃO BAPTISTA ALVARES ROSITO - Sr. Presidente, quero agradecer o convite feito à 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e reiterar que ela entende que é absolutamente imprescindível o papel desempenhado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, e o reconhece como principal órgão de estruturação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Ela reconhece, igualmente, a atribuição do Ministério Público Federal de fiscalizar as recomendações, motivo pelo qual o colegiado da 7ª Câmara determinou a instauração do procedimento de acompanhamento das condições de trabalho, para investigar e apurar se as atribuições legais do mecanismo estão sendo respeitadas pelo Poder Executivo.
Acho que há de se reconhecer também a importância do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura neste sistema de duplo pilar de controle e de prevenção da tortura instituído pelo protocolo facultativo à Convenção contra a Tortura, da ONU, e a necessidade de se induzir a criação, a implementação e o fortalecimento dos mecanismos estaduais. São apenas quatro os que existem atualmente no Brasil.
Nós falamos sobre dados concretos, e eu retomo um pouco a reflexão que propus inicialmente sobre a importância da implementação de mecanismos de controle externo, os instrumentos de accountability e sobre o papel das ouvidorias da Secretaria de Segurança e o papel das ouvidorias dos órgãos estatais. As Defensorias Públicas Estaduais têm tido experiências interessantes de ouvidorias que se propõem a ser instrumentos de diálogo com a sociedade, de recebimento das demandas sociais e populares. Eu acho que é interessante repensar o papel das ouvidorias dos órgãos públicos e dos órgãos do sistema de justiça, inclusive como instrumento de accountability.
Da parte da 7ª Câmara do atual colegiado e do Coordenador Domingos Dresch da Silveira, eu trago a mensagem de que a 7ª Câmara está aberta para dialogar com as diversas instituições e para receber a sociedade e as entidades.
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O Grupo de Trabalho Interinstuticional de Defesa da Cidadania é uma interessante experiência que nós temos no Estado do Rio de Janeiro. Além do MPF, fazem parte do GT representantes do DPE, DPU, OAB do Rio de Janeiro, do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, a Frente Estadual pelo Desencarceramento, o Movimento de Favelas do Rio de Janeiro, Maré 0800, o Fórum Grita Baixada e o Centro de Assessoria Popular Mariana Criola.
Com esta experiência, a 7ª Câmara e membros do Ministério Público Federal visitaram, em março, o Complexo da Maré e recentemente, em outubro, Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Destaco as experiências de aproximação com a sociedade civil e de democratização da coisa pública dentro do sistema de Justiça que a 7ª Câmara tem experienciado nos últimos 2 anos.
Por fim, quero fazer uma pequena divulgação. A 7ª Câmara está promovendo nos dias 9, 10 e 11 a Mostra de Cinema — Sistema Prisional e Direitos Humanos, com a exibição de alguns filmes. Os documentários brasileiros e o cinema brasileiro têm sido muito importantes na crítica e na denúncia social. Eu acho que é sempre dia de dar um viva ao cinema brasileiro. Nós exibiremos três documentários: Justiça, de Maria Augusta Ramos; Central — o Filme, de Tatiana Sager e Renato Dorneles; e O Cárcere e a Rua, de Liliana Sulzbach, para discutir o tema Sistema de Justiça, Sistema Prisional e Direitos Humanos.
Agradeço a oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. João Baptista Álvares Rosito, representante da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a participação.
Passo a palavra à Sra. Cintia Rangel Assumpção, para suas considerações finais.
A SRA. CINTIA RANGEL ASSUMPÇÃO - Eu quero deixar bem claro, aproveitando o ensejo de estar ao lado do Ribamar, que ele citou nominalmente duas pessoas: a Vitória, Vice-Presidente do Comitê; e o Dr. Alexandre.
O papel da ouvidoria é manter canais de diálogo. Na semana passada, Vitória, nós estivemos presentes para esclarecer uma série de questões pertinentes à atuação da FTIP. Nós temos parcerias com a Defensoria Pública da União em relação a vários projetos. Quero deixar bem claro que não há, por parte da minha fala, nenhuma defesa, repito, nenhuma defesa ou apoio à prática de tortura. O Departamento Penitenciário Nacional entende que tortura é crime. É por esta razão que muitos dos 11 procedimentos abertos se deram por indicação da própria ouvidoria na inspeção que realizou.
Quando nós pegamos o relatório do caso do Pará, a corregedoria oficiou ao Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e reiterou o ofício nesta semana, solicitando um canal seguro para a indicação das vítimas de violência e de supostos agressores, para que pudéssemos tomar as medidas cabíveis.
Eu quero abrir um parêntese para dizer que eu fui citada na fala do Dr. José Maria, que eu tive a oportunidade de conhecer. Eu fiz questão de acompanhar a vistoria que foi realizada e faço questão de dizer que não houve nenhuma restrição em relação aos acessos. Aliás, há um relato do senhor em que diz que foi ameaçado.
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Nossa preocupação é tamanha, Dr. José Maria, que, em consulta à AGU, nós solicitamos que o senhor fosse oficiado, e assim foi feito, para que o senhor apresentasse à AGU, primeiro, o relato da ameaça que sofreu, que descreveu numa reportagem, para que nós pudéssemos identificar seus agressores ou as pessoas que lhe fizeram a ameaça. Eu acabei de entrar em contato com a AGU, que disse que promoveu a interpelação.
Há um segundo ponto, sobre o Ribamar, em relação às inspeções. Quando o mecanismo esteve no Pará, nós fizemos questão de orientar toda a força-tarefa, seus integrantes, bem como a administração dos estabelecimentos penais que ali estavam, no sentido de que não houvesse nenhum tipo de restrição à visita que vocês estariam realizando. Isso está muito claro no relatório apresentado, em que vocês dizem que não houve nenhum tipo de restrição no Pará. No Pará, eu acompanhei de perto. Esta é uma prova de que nós não tememos inspeção alguma.
Eu aproveito para fazer referência também ao Deputado Delegado Éder Mauro, que apresentou solidariedade a mim, dizendo que estaria sozinha aqui, segundo ele, sob fogo cruzado. Eu não me considero assim. Eu estou aqui como servidora pública que sou. Isso não tem viés ideológico. Minha condição como servidora pública é não admitir a prática de tortura e promover, por meio das instâncias competentes, a instauração dos procedimentos necessários e do devido processo legal, para que coisas desta natureza sejam apuradas.
Há outra menção sobre a qual o Dr. José Maria faz um comentário, sobre o grupo institucional que foi criado. Faço apenas um esclarecimento: o grupo interinstitucional foi criado pelo Tribunal de Justiça, por uma provocação que nós fizemos, por entendermos que o sistema penitenciário precisa ser enfrentado por todas as instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal. A OAB está, sim, representada, na pessoa do Sr. André Tocantins.
Há outra situação de que se fala em relação ao Pará. Quando nós usamos a expressão "barbárie" — faço menção, a Beatriz falou —, barbárie são 58 mortos, barbárie é a prática de tortura. Isto, 58 mortos assassinados, não se repetiu no período em que a FTIP lá estava.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. CINTIA RANGEL ASSUMPÇÃO - Você está falando em relação ao transporte. Isso, aliás, está sendo apurado. Nós entramos em contato. O Ministério Público promoveu uma ação para verificar as condições em que ocorreram aquelas mortes.
Há outra situação. Quando se fala em comunicabilidade, eu tenho acompanhado e, a propósito, encaminhei ao Conselho Penitenciário o pedido de relatórios de inspeção que tenham sido feitos. Nós os recebemos da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Vara de Execuções Penais. Estas três instituições estão realizando inspeções permanentemente dentro dos estabelecimentos.
17:05
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É desta forma que nós temos que trabalhar: com a transparência e o aprimoramento necessários.
A necessidade de regulamentação da atuação da FTIP é algo que estamos demandando desde o seu nascedouro. O Departamento Penitenciário Nacional, nos últimos 2 anos, teve cinco gestores. Hoje, estamos com uma portaria. O corregedor tem uma portaria específica para os órgãos de correição. Nós queremos instrumentalizar a força-tarefa e queremos compreender o sistema prisional. O estado de coisas inconstitucionais só pode ser enfrentado com a união de todas as forças.
Eu aproveito para fazer, sim, minha homenagem à sociedade pela participação, que é importante, na execução penal. O art. 4º da Lei de Execução Penal diz, com muita clareza, que é importante a presença da comunidade no exercício da execução penal.
Faço referência a instituições parceiras, como a Defensoria Pública. O fortalecimento da Defensoria Pública é cada vez mais difícil. Para mim, como ouvidora, vejo que uma das maiores gravidades relatadas é a falta de assistência em número suficiente, o que leva ao enorme número de presos provisórios. Eu acompanhei o Deputado Helder na inspeção feita no Amazonas, e é esta a postura que nós queremos ter.
Não temo, Deputado, nenhum tipo de enfrentamento, porque eu sou uma servidora pública que compreende que a execução penal é muito maior do que a segurança pública. Além disso, ela é a prestação de assistência, é a garantia dos direitos.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado.
Passando às considerações finais, tem a palavra o Sr. José Maria Vieira, advogado e representante da Sociedade Civil Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.
O SR. JOSÉ MARIA VIEIRA - Boa tarde.
Em primeiro lugar, começando pelo fim, Dra. Cintia, a senhora bem disse que o grupo institucional tinha sido feito por vocês, mas a senhora mesma acabou de dizer que foi feito pelo Tribunal de Justiça. É do Tribunal de Justiça, sim! Mas a senhora disse na sua fala que era de vocês. De vocês eu não tenho conhecimento de grupo, nem de que a OAB tinha sido chamado. Portanto, está esclarecido: o grupo não é de vocês. O grupo é do Tribunal de Justiça. Ponto!
Segundo ponto: eu não fui informado pela AGU, em nenhum momento, nem citado em nada sobre a denúncia que eu fiz.
Terceiro ponto: quanto à ameaça — a senhora, aliás, estava presente —, foi feita pelo Sr. Cesar Rottava. O Ministério Público Federal tomou conhecimento. Aliás, ela serviu de base para o pedido do Ministério Público para que fosse afastado, por improbidade administrativa, o Sr. Cesar Rottava, pelo fato de, além de omissão em relação às torturas, ele estar obstruindo a realização de inspeções. Tanto ele estava obstruindo a realização de inspeções, que nós fizemos três inspeções e meia, porque, na última inspeção que nós fizemos — inclusive, estava presente o Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, o Sr. Patriota —, e ele nos impediu de retornar.
Na nossa saída para o almoço, no Complexo Penitenciário de Americano, ele nos intimou a assinar uma nota de culpa pelo crime de estarmos levando celulares ao presídio, como se estivéssemos levando celulares aos presidiários. Isso é um verdadeiro absurdo!
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A ameaça nem é esta. A ameaça que eu relatei foi real, no CRF, em que ele segurou meu braço, me peitou, ficou me olhando, falando um monte de absurdos, de que a Dra. Verena Cardoso é testemunha. Não tem problema nenhum se a AGU me intimar. Eu terei o maior prazer em registrar isso.
Mas isso não é algo duvidoso, porque o Sr. César Ottawa fez um boletim de ocorrência, não só contra mim, mas também contra a Dra. Juliana e o Dr. Patriota, Vice-Presidente Nacional da Comissão de Direitos Humanos, e contra três representantes da OAB, por nos negarmos a assinar a nota de culpa que ele queria que nós assinássemos, por estarmos fazendo uma inspeção autorizada pelo Juízo da 5ª Vara. Se isso não é tido como ameaça, eu duvido do discernimento de se entender o que é tortura. Aí, eu começo a compreender tudo.
Voltemos à situação. Em relação a esta questão, eu queria mencionar mais duas coisas. Algumas questões foram lembradas aqui, e o tempo passou. Assistência religiosa: há inúmeras denúncias de que os presos, principalmente os presos evangélicos, estão sendo impedidos de orar. Isso tem sido recorrente. Aliás, há denúncia de espancamento de um pastor dentro do CRP 3, ou alguma coisa assim. Há denúncia de que os membros da força-tarefa impedem os presos de se reunir para orar, porque eles entendem que a reunião acaba... Esta é mais uma forma de invisibilizar, de doutrinar e de adestrar os presos. Eles retiram tudo o que ainda pode restaurar a dignidade dos presos, como a religião. Venhamos e convenhamos, mas a religião talvez seja o último elo de civilidade que os detentos ainda têm.
A SRA. JULIANA FONTELES - Há um caso em Santarém de um preso que ficou tetraplégico.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Vamos aguardar a conclusão.
O SR. JOSÉ MARIA VIEIRA - Obrigado, Dra. Juliana.
Eu novamente reforço, aliás, esta fala só reforça, reiteradamente, o que eu estou querendo dizer. Eu disse pessoalmente ao Secretário de Administração Penitenciária: se não há, deixe-nos entrar e entrevistar, conversar com os presos. Por que o medo de conversarmos com os presos? Era apenas isso que eu queria saber. Ponto! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. José Maria Vieira.
Passo a palavra ao Sr. Eduardo Villaça, defensor público, para suas considerações finais.
O SR. EDUARDO VILLAÇA - Boa tarde. Saudações renovadas!
Quero, como últimas considerações, destacar a participação e a atuação fundamental da nossa Ouvidoria Pública do Estado do Ceará. Falo isso com muito orgulho, porque é o único órgão de Justiça que tem a Ouvidoria externa representada e eleita pela sociedade civil e que faz um trabalho sensacional de oitiva qualificada dos familiares dos internos, para realizar essa comunicação com os núcleos da Defensoria que atuam no sistema prisional.
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É sempre muito angustiante ver o discurso de que nós defensores públicos lutamos para acabar com o hotel cinco estrelas que é o sistema prisional. Nós lutamos pelo fornecimento de água potável para beber, lutamos por uma situação minimamente digna de sobrevivência, sem violência e com higiene. A Secretaria da Administração Penitenciária — SAP apresenta relatórios de 10 atendimentos odontológicos por preso em 4 meses, mas, numa inspeção, verificamos que, numa cela com 20 presos, há uma escova de dentes. Portanto, é algo completamente incompatível com o que se quer pregar. Isso é real. Isso é o que nós vemos. Essa é a realidade que nós vemos. Como disse o nosso amigo Ribamar, nós temos que cruzar essas informações. A informação fornecida pela SAP não é nada compatível com o que vemos na inspeção. Relatam que há 200 atendimentos médicos por semana, mas há um médico por dia!
É lamentável que tentem nos colocar como defensores de regalias. Precisamos tirar a comunicação dos presos. Nós não estamos defendendo isso. Quando faço Júri, na minha atuação ordinária, eu sempre destaco isto para os jurados: "Não estamos aqui em busca de impunidade. Nós queremos justiça".
Aí vem aquela questão: "Quem está lá dentro é bandido!" Nós tivemos um caso, recentemente, em que eu fiz o atendimento cível do Antônio Cláudio, um senhor que ficou 5 anos preso por uma condenação injusta de estupro. Houve uma revisão criminal agora e ele foi absolvido. Ele ficou 5 anos dentro do sistema! Ele está solo, saiu agora. Semanalmente, ele sente calafrios, porque passou por diversas crises no sistema, com rebeliões, com tortura.
O mês de novembro, no Estado do Ceará e nacionalmente, foi o mês do Júri. A Defensoria Pública teve um índice de 55% de absolvição, ou seja, em 55% dos Júris que a Defensoria realizou, os réus foram absolvidos. Só há bandido ali dentro? Será mesmo? Quantas vezes eu fiz Júri em que a atuação da polícia foi contestada e o réu saiu absolvido!
Então, é muito raso tratar esse discurso com esse maniqueísmo — o bem e o mal. Isso é muito raso. Nós precisamos aprofundar mais essa discussão. Nós precisamos ter o olhar humano. É isso o que falta nessa discussão. Aliás, falta a alguns, pois é claro que, nos companheiros de luta, esse olhar não está faltando.
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Precisamos ter o cuidado de trazer esse discurso deixando claro que nós queremos justiça. Só queremos justiça, não queremos impunidade, não queremos que um cara que matou outro saia da prisão e deixe de cumprir pena. Não é isso. Não é esse o nosso objetivo. O nosso objetivo é que ele cumpra a pena, mas cumpra com o mínimo de dignidade, até porque — sempre digo isto no Tribunal do Júri — ele vai voltar para a sociedade. Não temos prisão perpétua. Um dia ele vai voltar. Daqui a pouco tempo ou daqui a mais tempo, ele vai voltar. Como nós queremos que ele volte? Essa é a questão. Isso é o que tem que ser pensado e é por isso que tentamos lutar.
Obrigado pela oportunidade.
Boa noite. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Eduardo Villaça.
Eu peço a todos a contribuição com o tempo, porque já iniciou a Ordem do Dia e estamos em processo de votação nominal. Eu tenho que ir votar.
Passo a palavra à Sra. Beatriz Xavier.
A SRA. BEATRIZ XAVIER - Prometo ser breve, Deputado.
Já que sou a última a falar, eu queria destacar que este campo que, mais uma vez, está fazendo a apresentação dos dados e dos relatórios está, em primeiro lugar, preocupado com a política carcerária no Brasil. As nossas críticas dizem respeito à política, que não é compatível com a defesa dos direitos humanos.
Falo em meu nome, mas tenho certeza de que todos nós reconhecemos e louvamos o trabalho dos órgãos fiscalizadores, da Corregedoria, da Ouvidoria, no sentido de evitar os excessos. Mas não se trata apenas disso. Não basta que façamos a averiguação e que haja punição pelos excessos. Nós queremos discutir a política carcerária deste País.
Quero dizer que, com isso, estamos lutando pela defesa dos direitos humanos sem condicionantes, para todas as pessoas humanas, inclusive as que praticaram crime. Elas merecem um tratamento humanitário e digno, como todas as pessoas.
Para que possamos superar essa política carcerária atrasada e incompatível com os principais preceitos de direitos humanos, é preciso, primeiro, fazer o reconhecimento do problema. Então, é muito importante estarmos aqui conversando numa audiência pública televisionada, com os representantes da sociedade civil, com os Deputados desta Casa, para que as pessoas reconheçam a existência de violações graves, contumazes, estruturais de direitos humanos, e a existência de racismo, de machismo, de todas essas práticas. Precisamos reconhecer isso para, na sequência, enfrentarmos a situação. Se nós não reconhecermos a existência de tudo isso, não vamos poder enfrentar esse problema, que é um problema de todos nós.
Muito me satisfaz conversar com a Cintia e saber que nós precisamos progredir nesse diálogo. Nós precisamos rever algumas convicções que estão em vigor neste País e precisamos lutar em favor disso.
Eu vou encerrar a minha fala mais cedo, em respeito ao Deputado Helder e aos demais Deputados, agradecendo mais uma vez a oportunidade de estar aqui para conversar sobre este assunto.
Boa noite. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço a presença de todos e as contribuições valiosas que foram dadas nesta audiência pública, em mais de 3 horas de debate.
Quero agradecer imensamente aos convidados, aos que participaram e também àqueles que acompanharam ao vivo, em todo o Brasil e até fora do País, as nossas audiências. Eu estive numa missão internacional, e as pessoas disseram que acompanharam audiências que foram realizadas aqui nesta Comissão. Isso é muito importante.
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Eu preciso encerrar a reunião. Peço desculpas a vocês. Eu tenho que ir votar. Se eu perder a votação, serei punido por isso. Eu tenho que me dirigir ao plenário.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente audiência pública. Antes, convido os Srs. Deputados para as seguintes atividades: no próximo dia 10 de dezembro, Reunião Deliberativa da Comissão, a realizar-se às 10 horas, no Plenário 4; e também ato de lançamento da Agenda de Segurança Pública e Direitos Humanos, que ocorrerá no dia 11 de dezembro, às 14 horas, no Plenário 9 desta Casa, que é este plenário.
Declaro encerrada a reunião e agradeço mais uma vez a todos. (Palmas.)
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