1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização
(Audiência Pública Ordinária)
Em 28 de Novembro de 2019 (Quinta-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Declaro aberta a 14ª Reunião de Audiência Pública, de 2019, da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização.
Esta reunião foi convocada com a finalidade de debater a importância da realização do Censo 2020, em atendimento aos Requerimentos nºs 7 e 14, de 2019, de minha autoria.
Neste momento convido para comporem a Mesa: a Sra. Dione Conceição de Oliveira, representante da Executiva Nacional da Associação dos Servidores do IBGE — ASSIBGE; o Sr. Rogério Jerônimo Barbosa, doutor em Sociologia, pós-doutor em Ciência Política e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo — USP; e a Sra. Débora Castanheira Pires, pesquisadora associada do Instituto de Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz — FIOCRUZ.
Para melhor ordenamento dos trabalhos, comunico que, de acordo com o estabelecido no art. 93, inciso II, combinado com o art. 89, inciso I, do Regimento Interno do Senado Federal, os palestrantes disporão de 10 minutos para sua exposição, mas eu vou conceder pelo menos 15 minutos a cada um. E, de acordo com o art. 94, § 2º, do Regimento Interno do Senado, os membros da Comissão poderão, terminada a apresentação, interpelar oradores exclusivamente sobre a exposição. Conforme estipulado no art. 94, §§ 2º e 3º do Regimento Interno do Senado, combinado com o art. 256, § 5º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, os Srs. Parlamentares inscritos para interpelar os expositores poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição pelo prazo de 3 minutos, tendo os interpelados igual tempo para responder, facultada a réplica e a tréplica pelo prazo de 3 minutos. Informo ainda que as apresentações dos expositores estão disponíveis na página da Comissão.
Cumprida a parte protocolar, digamos assim, da abertura da reunião, quero agradecer imensamente a presença dos nossos convidados para participar desta audiência pública, que está sendo transmitida pelos canais digitais da Casa, para que a população brasileira tenha informação acerca de um tema-chave.
O Brasil já há 1 século realiza os levantamentos, as pesquisas relativas ao censo. Causou-nos preocupação a atitude um pouco negligente, digamos assim, por parte do Governo Federal, no que diz respeito a um levantamento de informações que é absolutamente fundamental para que nós possamos instruir políticas públicas de um lado e, de outro lado, o País se ver plenamente, conhecer a sua realidade econômica e social.
Eu sei que está na moda no Governo presente a destruição de várias instituições, como é por exemplo o caso recente da Fundação Palmares. Para minha surpresa, o Presidente conseguiu a façanha de localizar um homem racista para presidir uma organização que tem como objetivo preservar a cultura afro-brasileira.
De todo modo, a dimensão que tem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE, e diria mesmo, uma instituição que ganha a forma do censo realizado pelo Brasil, exige preservação, cuidado, atenção, para que nós possamos, independentemente do Governo de turno, não perder um acúmulo histórico que foi produzido na pesquisa brasileira.
Então eu quero de início manifestar essa minha preocupação, porque foi o que instruiu o apoio, inclusive de todos os membros da Comissão Mista de Orçamento, ao requerimento que deu ensejo a esta audiência pública.
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Eu queria começar esta audiência pública ouvindo a Sra. Dione Conceição de Oliveira, a quem concedo a palavra.
A senhora tem até 15 minutos para sua exposição.
A SRA. DIONE CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA - Bom dia a todas e todos.
Em primeiro lugar, em nome do sindicato, em nome dos trabalhadores do IBGE, eu gostaria de agradecer ao Deputado Orlando Silva por ter feito o requerimento desta audiência. Para nós é muito importante poder vir defender a realização do censo demográfico, com o orçamento adequado, com orçamento que pede essa que é a maior operação de pesquisa, o maior levantamento de pesquisa que realizamos, tendo em vista o tamanho deste País e a importância fundamental que essa pesquisa tem para a elaboração de políticas públicas, para o monitoramento do planejamento em diversas áreas. Agradeço, igualmente, aos outros membros desta Mesa, a Débora e o Rogério, por terem vindo aqui defender o censo demográfico e o IBGE.
Não posso deixar de registrar o quão lamentável é a ausência do IBGE nesta Mesa. Num momento em que estamos aqui defendendo a instituição, defendendo a realização do censo demográfico, a instituição se omite, a direção da instituição se omite na defesa do censo. Ficamos nos perguntando até que ponto realmente essa instituição, essa direção entende que o IBGE é um órgão de Estado e entende a essencialidade, efetivamente, dessa pesquisa, uma vez que se furta a vir fazer esta defesa aqui. Estamos aqui cumprindo o nosso papel, representando os técnicos da instituição. Esses sim entendem que são servidores do Estado e têm a obrigação de defender essa pesquisa, defender a realização do censo nas condições que são adequadas para a sua produção.
Num primeiro momento, ressaltamos o quanto é demorado o processo de planejamento do censo. No caso do Censo 2020, o planejamento começou em 2015, depois da notícia de que não teríamos a contagem de população, o que já foi um grave problema da nossa história — a suspensão da contagem de população —, por razão orçamentária. Então, já temos um prejuízo nas estimativas de população quando há a ausência de um levantamento que é fundamental para recompor as estimativas de população. Isso torna o Censo 2020 mais fundamental ainda, porque vamos ficar com uma lacuna enorme, irreparável, nas estimativas se não realizarmos o Censo 2020.
Nesse processo de planejamento, foi ouvida a sociedade em diferentes momentos, com consulta pública, com encontros de usuários, foram realizados fóruns. Houve um momento de escuta da sociedade para saber o que seria importante levantar no Censo Demográfico 2020, quais seriam os temas. A partir disso, chegou-se a um questionário. Na verdade, dois questionários: o questionário básico e o questionário da amostra. O questionário básico, para quem não tem familiaridade, é ao que 90% dos domicílios respondem; o questionário da amostra, que é mais complexo, é respondido por 10% dos domicílios.
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Com o novo Governo e a posse da nova Presidente, começou a ser implementado um conjunto de alterações no planejamento do censo demográfico, o que significou de imediato um corte do orçamento. A previsão orçamentária para 2020 era de 3,1 bilhões, mas esse orçamento foi cortado em 28%, e agora estão previstos 2,3 bilhões. Então foi um corte significativo para o censo.
O valor de 2,3 bilhões é exatamente o que foi orçado e atualizado em termos monetários para a contagem de população, e fica gritante a impossibilidade da sua realização, do cumprimento da operação censitária, tendo em vista a complexidade dessa operação. O censo não é uma contagem de população. Então, já fica a prova de quão insuficiente é o orçamento de 2,3 bilhões.
Além disso, na previsão na Lei Orçamentária Anual está o valor de 1,4 bilhão, sendo que cerca de 850 milhões, em verbas condicionadas. Então, é fundamental que, nesta audiência, nós sensibilizemos os Parlamentares para a importância de recompor o orçamento do censo, porque esses 855 milhões estão em verbas que dependem da autorização do Congresso, então não estão previstas efetivamente. É claro que 1,4 bilhão é um valor que pode ser contingenciado, mas ele está previsto no Orçamento com clareza; os 855 milhões estão como verbas condicionadas.
Então, como objetivo desta audiência, queremos defender a emenda que foi feita pela Comissão do Idoso, da Câmara dos Deputados, de 1,2 bilhão, que aproximaria um pouco mais o orçamento daquele que seria o orçamento real do censo, que é de 3,1 bilhões. Então, deixamos claro essa defesa.
Esse projeto foi muito alterado. É importante falar que, em termos de planejamento do censo, a alteração de um projeto que tenha um processo longo de maturação é gravíssima e muito perigosa. Nós temos, na América Latina, experiências muito próximas e recentes, que provam isso. Temos o caso do Chile e o do Paraguai. Tanto no caso do Chile, quanto no caso do Paraguai, essa remodelagem improvisada do censo, ocorreu pela mudança de modelo do levantamento, porque, nesses dois países, faz-se uma coisa que é chamada "censo de fato", e o planejamento mudou para "censo de direito", o que nós fazemos no Brasil.
O censo de fato é como se fosse uma grande operação voluntária, em que os voluntários vão à casa das pessoas, contam a população, com um questionário bem enxuto, e essa operação é feita basicamente em 1 dia. Nesses países, fez-se uma mudança de planejamento com um prazo muito curto para a realização do censo, com pouca estrutura, com orçamento incerto, com remuneração baixa, situação que estamos visualizando no caso brasileiro. O que ocorreu nesses dois casos foi uma subenumeração da população. No caso do Paraguai, a subenumeração é de um quarto da população. Então, o censo paraguaio subestimou a população em um quarto. No caso do Chile, a situação foi mais amena, mas foi também bastante grave, a população foi subestimada em cerca de 10%. O que significou nesses dois casos? Significou que todo o dinheiro gasto, todo o orçamento gasto nessas duas operações foi jogado na lixeira. É isso que não queremos que ocorra aqui no Brasil.
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Mesmo que o orçamento seja insuficiente, ele pode ser todo jogado no lixo, se essa operação ficar pelo caminho, ou se for concluída, com fragilidades, ou seja, não representará efetivamente a população. Durante a remodelagem do planejamento do censo, foram retiradas várias perguntas do questionário, sob a justificativa de que esses temas seriam captados em outras fontes, em registros administrativos, ou em pesquisas domiciliares por amostra.
Eu não vou estender-me nessa argumentação, mas é importante frisar que o censo demográfico é a única base de dados que vai chegar a todos os Municípios brasileiros. No caso dos grandes Municípios, temos informações intramunicipais, recorte no Município. Então, não tem registro administrativo, nem pesquisa amostral que dê esses resultados para nós. No corte de perguntas, tais como, o valor do aluguel; no caso de frequentar a escola, qual é a rede, rede pública ou rede privada; a eliminação completa do bloco de imigração internacional, por exemplo, essas informações não vão ser substituídas, não vão ser contempladas em outras bases de dados.
Então, é um prejuízo gravíssimo que vai impactar, inclusive no caso da imigração internacional e migração interna, a estimativa de população, que é base para a distribuição dos recursos para o Fundo de Participação dos Municípios, Fundo de Participação dos Estados e outros recursos distribuídos para os Municípios. O improviso custa muito caro, como vimos que custou caro no caso do Paraguai e no caso do Chile.
Já temos notícias vindas de Minas Gerais, da cidade de Poços de Caldas, onde está sendo realizado o censo experimental. No processo de planejamento do censo, além das consultas, temos as provas-piloto. Tivemos duas provas-piloto, e agora está ocorrendo o censo experimental. O censo experimental é um grande ensaio do censo, é um ensaio geral, é para ocorrer como ocorreria o censo. Ele ocorre em uma cidade. No caso, está correndo em Poços de Caldas.
Então, temos algumas notícias de que esse projeto já está dando errado. Por isso, é tão fundamental — e dá tempo de fazer isso — que resgatemos o projeto técnico, voltemos com as perguntas que foram retiradas e já foram testadas nessas duas provas-piloto. Então, não há empecilho em retornar com as perguntas e resgatarmos o projeto orçamentário. E essa emenda que estamos defendendo aqui aproxima muito a previsão orçamentária. Em Poços de Caldas, o que tem sido verificado é um desastre, no caso da coleta pela Internet. Por quê? Um dos argumentos para a redução do orçamento operacional do censo é o de que a coleta pela Internet seria ampliada. Só que, primeira coisa, esse projeto de levantamento pela Internet, que foi aplicado no censo experimental, já havia sido testado em 2018, quando ocorreu o teste de Internet, em que foram a campo três alternativas. Já se sabia que essa alternativa que foi aplicada no censo experimental não funcionaria. Já se sabia que ela não funcionaria, porque é uma alternativa que depende do confronto de cadastro de endereços do IBGE com o cadastro da Receita. No caso do censo experimental, foi usado o cadastro da Receita. Confrontam-se os cadastros e manda-se um e-ticket para o informante, para ele preencher pela Internet. Só que existem imperfeições nos cadastros. Não se tem um batimento perfeito disso. Esperava-se, com esse modelo de levantamento em Poços de Caldas, uma coleta de 20% pela Internet. A Presidente do IBGE anunciou, em uma das suas cartas semanais, a resposta de 2,3% como uma grande vitória. Isso é um fragoroso fracasso. E é um fracasso que tem responsabilidade, porque é um gasto que já foi aplicado, sabendo-se que dava errado. Isso foi testado, como pedem e orientam as normas internacionais e o Item 10 do Código de Boas Práticas das Estatísticas — os senhores podem pesquisar, está na Internet —, que diz que, no processo de estatística, cada mudança, cada pesquisa tem que ter suas fases testadas. Isso foi testado. Essa parte do planejamento foi cumprida e foi superada. Essa modalidade seria fracassada, e foi fracassada. A decisão naquele momento foi de que se utilizasse o modelo de coleta aplicado no Censo Demográfico 2010, que seria como uma alternativa complementar para quem não tivesse respondido presencialmente. Esse é o primeiro fracasso.
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Outro fracasso que é extremamente grave e representa um dos grandes cortes no orçamento é relativo ao número de entrevistadores, de supervisores e a remuneração dada a esses profissionais. No corte orçamentário realizado pela Direção do IBGE, cortaram-se 20% dos gastos com pessoal. Isso é gravíssimo, porque significa que menos entrevistadores, mal remunerados, vão a campo. Já lá no censo experimental, fica claro que esses profissionais vão fazer menos coleta à noite, nos fins de semana e nos feriados. E isso é fundamental numa pesquisa domiciliar, principalmente nos centros, em que há um tempo curto de realização. Então, o resgate do orçamento que recomponha principalmente essa parte do gasto com pessoal é fundamental e imprescindível para a realização adequada e correta do censo. Só para concluir, precisamos entender que não é com improvisos que se realiza o censo, não é com mudanças intempestivas, mas com promessas de realização mais eficientes, com mais qualidade. O processo que cumpre a qualidade é todo testado, os técnicos e o planejamento do censo previram isso. Esse redesenhar permanente é absolutamente prejudicial para uma pesquisa como o censo demográfico. Temos que nos contrapor a esses improvisos, resgatar o que já foi planejado, o que já foi testado — o questionário que já foi testado — e o orçamento que prevê as fases e as partes de realização do censo que são imprescindíveis, como o número de entrevistadores, a remuneração dos entrevistadores, o gasto com publicidade, toda a logística, que, essa sim, garante a qualidade, inclusive o mapeamento desses domicílios para que o entrevistador chegue aos lugares certos e não fiquem domicílios sem entrevista. É esse o apelo que fazemos aqui para seguirmos tendo políticas públicas de qualidade, sabendo onde e como aplicá-las. Para isso, precisamos de um censo demográfico realizado e de qualidade.
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O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Muito obrigado, Sra. Dione Conceição de Oliveira.
Passo a palavra ao Dr. Rogério Jerônimo Barbosa, por até 15 minutos.
O SR. ROGÉRIO JERÔNIMO BARBOSA - Enquanto os eslaides estão sendo projetados, eu queria agradecer a oportunidade de estar aqui com os senhores.
Eu sou usuário do censo demográfico como pesquisador há pelo menos 11 anos, não só do censo demográfico, mas de diversas outras pesquisas do IBGE, principalmente a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios — PNAD, a Pesquisa de Orçamentos Familiares — POF, a Pesquisa Mensal de Emprego — PME, que foram substituídas pela PNAD Contínua, que é uma excelente pesquisa. Não imaginei que eu pudesse eventualmente sair em defesa do IBGE. É uma honra estar aqui. Agradeço a oportunidade de falar com os senhores e pelo convite.
Eu acho que existem altas expectativas sobre o censo demográfico. E boa parte das coisas que se diz sobre o censo tem a ver com a ideia de que ele não poderia fazer tudo o que estava sendo proposto e se esperava dele e de que o censo é caro porque se espera demais dele.
A minha linha de argumentação vai ser justamente na defesa de que o censo é um pouco insubstituível e que nós não temos as mesmas informações, da mesma forma que nós precisamos, vindas de outras fontes.
A estrutura da apresentação vai ser basicamente esta: primeiro, vou mapear as principais controvérsias atuais que estão circulando em torno desse tema; depois vou discutir sobre essa existência de fontes alternativas e a necessidade de coleta das informações no mesmo lugar, o que eu chamo aqui de distribuições conjuntas e que vai ficar explicado depois.
(Segue-se exibição de imagens.)
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A principal controvérsia acabou ficando muito focada nos questionários. No início deste ano, quando a nova Presidência do IBGE assumiu, houve uma pressão para que o custo do censo fosse reduzido. Como a parte visível do censo é o questionário, as pessoas veem o tamanho do questionário e têm a impressão de que maior parte da composição do custo do censo demográfico vem daí. Mas o custo logístico de preparação da operação é muito maior. E esses custos estão todos disponíveis publicamente. Eu não sou do IBGE, então acessei os dados públicos, num documento chamado Metodologia do Censo Demográfico de 2010.
Os custos de contratação são grandes, os custos de impressão, preparação, enfim, toda a infraestrutura; já os questionários e o tempo de resposta, na verdade, como está demonstrado lá, têm um baixo custo.
Foram feitos cortes nos questionários, especialmente sobre os bens duráveis — agora só se pergunta sobre máquina de lavar. Uma série de perguntas foram cortadas. Perguntas sobre o valor do aluguel e sobre a rede de ensino para os estudantes são do questionário longo, que só é aplicado em uma a cada dez casas. No questionário básico, que é aplicado em todas as casas, agora há uma discussão sobre a renda dos indivíduos, que não é mais coletada para todos os indivíduos. Então, não se tem mais como compor a renda domiciliar. E há ainda a ideia de cortar a informação de migração com data fixa do questionário básico. Vou falar um pouquinho sobre cada um desses pontos.
As informações sobre os bens duráveis nos permitem fazer a composição dos índices multidimensionais de pobreza, pois, quando a pessoa já tem um acesso à renda, isso não significa que ela consegue de fato viver tendo satisfeitas as suas necessidades básicas. Além disso, as rendas nas pesquisas domiciliares são sistematicamente subestimadas, então certas correções são necessárias. E no Censo 2010 os bens duráveis foram utilizados para corrigir a renda das famílias que declaram renda zero. É até uma informação de checagem e complementação.
Outra informação é o valor do aluguel, o que, pela primeira vez, não vai ser perguntado. Essa informação é fundamental em âmbito municipal e intramunicipal, quer dizer, é bom saber os bairros e os lugares onde há déficit habitacional para que políticas sejam feitas. Não adianta saber que no Brasil há 6 milhões de pessoas morando de forma inadequada, o que importa é saber o que e onde deve ser feito. A informação coletada no âmbito intramunicipal é mais importante do que essa estatística agregada, e é isso que o censo demográfico permite.
A rede de ensino tem a ver com essa informação sobre os estudantes na rede particular ou pública. Eu vou voltar a esse ponto mais adiante.
E a renda domiciliar que agora deixou de ser coletada no questionário básico, coloca uma série de dificuldades. A primeira delas é que nós esbarramos agora no limite de redução da pobreza no Brasil. Nós sabemos as taxas agregadas, elas são atualizadas quase que mensalmente com a PNAD Contínua. A questão é a seguinte: o que nós devemos fazer para reduzir a pobreza ainda mais? Onde devemos agir?
O Programa Brasil sem Miséria lançou mão da geolocalização no universo dos setores censitários, usando o questionário básico, para mapear onde deveriam ser colocados CRAS para atender as populações e cadastrando-as no Cadastro Único para que, por exemplo, programas como o Bolsa Família pudessem chegar até lá.
Ao remover a informação da renda domiciliar, nós não temos mais como identificar os pobres em âmbitos intramunicipais. Então, a política pública de chegar até esse limite onde não se conseguiu reduzir a pobreza fica comprometida. E com o aumento da pobreza recente, isso é um problema ainda maior. Acho que são esses os pontos principais relativos ao questionário que eu gostaria de salientar.
O problema maior, na realidade, é que a ideia de cortar o questionário logo mudou de justificativa, já não era mais uma questão orçamentária, porque se percebeu que os cortes no questionário não iam trazer muita economia. Então, justificou-se com base em argumentos metodológicos, como, por exemplo, melhorar a qualidade da cobertura, tornar a entrevista mais rápida, fazer, de fato, enumerações melhores.
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O problema é que as verdadeiras coisas relacionadas à cobertura não têm a ver com questionário, e sim, por exemplo, com um problema de desatualização do Cadastro de Endereços — CNEFE, que a Dione já mencionou. A desatualização do Cadastro de Endereços significa que o IBGE não sabe chegar até os domicílios, quantos domicílios existem e qual o tamanho da operação que precisa ser planejada, ou seja, pode haver subcontratação de pessoal. Logo, o problema de cobertura fica, realmente, instalado e não tem nada a ver com um questionário longo.
Outro problema tem a ver com essa etapa de coleta na Internet. No censo experimental, houve 15 dias antes da entrada dos pesquisadores em campo, para que as pessoas respondessem digitando os seus tokens para fazer o preenchimento on-line. Esse preenchimento baixíssimo faz com que não acreditemos que essa etapa, de fato, vá vingar. Ainda que a Internet seja muito mais difundida no Brasil, o uso dela para esse tipo de coisa não é difundido, e, numa cidade como Poços de Caldas, que é relativamente rica perto do panorama brasileiro, não houve taxas de resposta adequadas, ou seja, o problema de cobertura se instala também por aí.
Existe uma crise das pesquisas domiciliares de forma geral. As pessoas não querem mais responder tantos questionários, e o problema é que elas querem responder ainda menos via Internet. Então, há um problema que não é atacado aí pela coleta da Internet e que poderia, eventualmente, tentar ser minimizado com verbas para publicidade. E a verba de publicidade é uma das que está sendo mais cortada do orçamento para o censo demográfico. Então, se queremos lidar com o problema da crise das pesquisas domiciliares, temos que investir mais em publicidade.
No censo experimental, há um campo agora a ser preenchido, e não vai ser acessível ao público, de coleta dos CPFs dos indivíduos — eu não sei se de todos os indivíduos do domicílio ou se só da pessoa que atendeu à porta, porque pode não ter todo mundo na casa aquele momento, e quem estiver pode não saber informar o CPF todo mundo — para que, depois, seja conectado a outros dados. O problema é que não existe nenhuma instituição que se comprometeu, de fato, a ceder os dados ao IBGE para que pudéssemos puxar isso depois e complementar as informações do censo. Então, como essa coisa não está garantida, cortar perguntas para depois esperar que elas cheguem por fontes externas não é nada sábio. Quer dizer, diminuir o censo para depois complementá-lo com o que não sabemos que pode acontecer é muito arriscado.
Por fim, há o problema de domicílios fechados também, o que se agrava com a diminuição do número de recenseadores. Em 2010, foram contratadas 203 mil pessoas — é uma operação de guerra. Agora está planejada, com um edital na Internet, a contratação de 180 mil recenseadores. Isso quer dizer que há menos gente para aplicar questionário, com mais risco de ter domicílios fechados do que antes, porque as pessoas estão se recusando a responder. E os recenseadores estão sendo menos bem pagos e podem sequer voltar aos domicílios fechados. É um problema não se remunerar bem as pessoas que vão garantir a qualidade da pesquisa. E, de novo, isso não tem nada a ver com questionário.
Vamos analisar as fontes alternativas.
A RAIS/CAGED é bastante conhecida e feita pelo Ministério do Trabalho. O problema é que só cobre o mercado formal. Então, mesmo que tivéssemos o CPF dos indivíduos, não veríamos os mais de 40% que trabalham informalmente.
A Declaração do Imposto de Renda não traz informações sociodemográficas e só traz renda das pessoas mais ricas. Então, não se tem, na verdade, informação para todo mundo.
O Cadastro Único só cobre a base. Podíamos também puxar pelo CPF e tudo mais, mas a quantidade e a qualidade das informações só estariam restritas a uma parte da população.
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A PNAD não cobre todos os Municípios e não substitui o censo de maneira alguma, apesar de ser uma pesquisa excelente. E, mesmo quando cobre alguns Municípios, como, por exemplo, as capitais, não tem representatividade intramunicipal, ou seja, para políticas públicas isso fica comprometido.
O censo da educação básica e superior não tem informações socioeconômicas, tem características dos alunos fornecidas pela administração. Então, por exemplo, os dados sobre cor e raça são fornecidos pela administração; os dados sobre idade não são sempre atualizados; não cobre a da população fora da escola.
Avaliações da educação básica não são obrigatórias para as escolas privadas, não cobrem a população fora da escola também, e são as crianças que informam os dados socioeconômicos dos pais. Então, também é uma qualidade de informação socioeconômica bem inferior. Isso se aplica também ao ENEM.
Habitação. Com a inexistência de dados do valor sobre aluguel, o uso de registros administrativos poderia ser uma alternativa? Não, porque os cadastros de imóveis são totalmente descentralizados. Precisaríamos correr atrás de Município por Município e fazer uma série de tentativas de parceria. Isso não é garantido. Além de tudo, existe uma prevalência, de acordo com a POF, do IBGE, de mais de 50% de pessoas vivendo em acordos informais de aluguel. Então, mesmo que tivéssemos cadastro de imóveis, isso não é coberto.
Os preços anunciados na Internet também não são uma estimativa boa, porque são agregados, eu não sei os contratos fechados, mas também porque os preços, de fato, acordados que estão nos contratos, quando é via contrato, são diferentes dos anunciados. Acho que todo mundo que já procurou aluguel na Internet sabe como isso funciona. Há também um viés de cobertura, porque nem todos os bairros anunciam dessa forma.
Vou pular essa parte do registro civil e focar em outro ponto.
Eu queria que os senhores olhassem essa tabelinha, que é diferente. Imaginem um questionário que tenha três perguntas, o item 1, 2 e 3. As perguntas podem ser, por exemplo: tem Internet? Tem banheiro em casa? Qual é a sua renda? Os senhores percebem que três domicílios possuem o item 1, três possuem o item 2 e três possuem o item 3, mas não são as mesmas pessoas. O domicílio 1 tem dois itens, mas não tem o terceiro. O domicílio 2 não tem o primeiro e tem os outros dois. Quer dizer, a taxa de ter essa coisa aqui é 60% em todos os casos, 3 de 5 possuem.
Agora, olhem esse outro quadro no próximo eslaide. Também é 30%, só que as mesmas pessoas não têm tudo. Os domicílios 4 e 5 não tem nenhum dos itens. Ou seja, olhando só para a taxa agregada, eu não sei a incidência conjunta das deficiências dos domicílios. Se eu tenho informações de outros lugares e tento usá-las de forma complementar, mas não as coleto para as mesmas pessoas, não consigo ver isso acontecendo, ou seja, não consigo ver a incidência sobreposta de deficiências nos domicílios. É só o censo demográfico que coleta determinadas informações, permitindo ver essa incidência conjunta de diversas necessidades dos domicílios ao mesmo tempo.
Então, mesmo que houvesse fontes sobre aluguel, se não temos para as mesmas pessoas a informação do aluguel e como se vive, qual a renda familiar, qual é a composição, se tem mais gente morando, eu não sei se a pessoa está morando em uma condição precária ou não. Se eu sei que a pessoa está na rede pública ou na rede privada pelo censo escolar, mas não sei a renda da família, isso não me diz se, na verdade, a criança está vivendo uma situação mais ou menos apertada, até para pagar a escola privada ou para se deslocar para a escola pública. Então, essas informações coletadas individualmente são de extrema importância, e é só assim que conseguimos focalizar a política e, de fato, fazer o orçamento valer.
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Eu só quero dizer uma curiosidade. Nós não somos, na verdade, inéditos em problemas desse tipo no censo demográfico. O Censo 1900 teve problemas e foi a campo de novo, em 1906, na capital, que era o Rio de Janeiro, e foi um grande problema. Então, ele não é comparável. Em 1910, não houve censo por falta de orçamento, e, em 1930, houve a interrupção do censo. E o Censo 1960 era uma grande revolução prometida, pois iriam adquirir um computador eletrônico, pela primeira vez, para processar os dados, o Universal Automatic Computer — UNIVAC, e houve conversas para comprá-lo em Comissões como esta da época, em 1958, 1959, mas, quando o orçamento foi liberado, já era tarde demais. A operação de processamento dos questionários efetivamente coletados não conseguiu ir a cabo, e o Censo 1960 ficou engavetado por um bom tempo e só começou a ser processado em 1965. Parte dos questionários se deteriorou, e nós não temos todos os Estados processados completamente. Tiveram que fazer uma amostra. E é isto o que nós temos do Censo 1960: um grande vácuo. Em uma das principais décadas da história brasileira, quando inúmeras coisas aconteceram, entre 1960 e 1970, nós não tínhamos mais um mapeamento. Quando as políticas começaram a ser orientadas por evidência, houve um lag, e, só em 1974, o último volume foi publicado.
Então, não podemos correr o risco de tentar fazer uma inovação de processamento, liberando o orçamento para fazer isso de última hora, de forma que repitamos uma experiência malfadada como a de 1960, ou pior, a do Chile, que aconteceu agora, ou a do Paraguai, que teve uma subenumeração de um quarto.
Era isso o que eu tinha para falar.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Muito obrigado, Dr. Rogério Jerônimo Barbosa, pelas informações.
E eu passo a palavra à Sra. Débora Castanheira Pires, representante da FIOCRUZ.
A SRA. DÉBORA CASTANHEIRA PIRES - Eu também tenho uma apresentação.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - A Dra. Débora tem uma apresentação. Pergunto se está instalada. (Pausa.)
Se a senhora preferir e quiser falar de pé, fique à vontade, assim como se quiser um microfone remoto também.
A SRA. DÉBORA CASTANHEIRA PIRES - Não, está bem assim.
Bom dia! Eu quero agradecer pelo convite. É com muito prazer que estou aqui defendendo o censo, com o que, por também ser pesquisadora, trabalho diariamente.
(Segue-se exibição de imagens.)
A minha fala vai no mesmo sentido da do colega de mostrar como o censo é insubstituível para o planejamento em saúde e gera custos em vidas humanas, se não o fizermos direito em tempo. Eu acho que já foi muito falado dos problemas que podem gerar, se não tivermos um censo feito com planejamento e orçamento adequados, de cobertura geográfica; contagem populacional, que já não foi feita; e de adiamento, o que gera custos em termos de oportunidade da informação.
Eu vou falar sobre saúde, mas eu vou voltar um pouquinho aqui para falar como esperamos que as políticas públicas sejam planejadas, todas elas, mas, principalmente, as de saúde, no meu caso. Por que eu vou fazer isso? Porque eu acho que o fato de estarmos discutindo sobre a realização do censo faz parte de um problema maior que é a incorporação incompleta das evidências no planejamento de políticas públicas no Brasil. É a falta de valorização dos dados para dar base aos gastos e à avaliação que vamos fazer.
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Como esperamos que seja elaborada a política pública? Esperamos que a identificação do problema seja feita com base em informações confiáveis — qual é o problema, onde está e a quem afeta —, assim como a busca de soluções. A alocação de recursos, é claro, deve ser feita da forma mais eficiente, para, depois, haver uma avaliação. Tudo isso só conseguimos fazer, no Brasil, com os dados do censo. Como já foi bem tratado aqui, não temos dados administrativos ou outros tipos de dados que cheguem ao âmbito municipal.
Vale a pena realizar o censo? Sem dúvida, vale a pena. O custo pode parecer alto, mas é mais do que compensado pelos ganhos em economia e eficiência nos gastos por 10 anos.
Há exemplos disso em outros países, e há exemplo no Brasil também. O Fundo de Participação dos Estados, em 2016, distribuiu 70 bilhões de reais, sendo que 1,8 bilhão de reais teria sido alocado incorretamente se não tivéssemos feito o Censo 2010. A projeção da população antes do censo não teria sido corrigida. Assim, o recurso teria sido alocado de maneira absurdamente errada — 2,5% é muita coisa.
Quanto a ser viável substituir o censo por outras vias, já vimos que não é.
Aqui apresento alguns exemplos de utilização do censo para o planejamento, porque o utilizamos para tudo. As pessoas não têm a dimensão de que o censo é utilizado para a distribuição de recursos; para informar políticas de transporte, de saneamento, quantidade de escolas, creches e hospitais necessários, políticas de previdência, composição do mercado consumidor e de trabalho, royalties do petróleo. Tudo é feito com base nas contagens populacionais, estimativas do censo e outras perguntas. Se não tivermos isso, geraremos, na verdade, um caos administrativo. Como conseguimos administrar um país, se não temos informação alguma sobre ele?
Não vou tratar da questão da migração, dos povos indígenas e do desenvolvimento regional. Eu vou falar mais sobre a área de saúde.
Por que o censo é tão importante para a saúde? A primeira coisa e a mais óbvia é a alocação de recursos físicos e humanos. Como eu vou saber quantas vacinas eu tenho que enviar para cada Município, se eu não sei o número de crianças daquele Município com um mínimo de certeza? Como eu vou definir o número de mamógrafos, o número de unidades de saúde em cada região — e isso é intramunicipal? Como eu vou definir tudo isso se eu não sei a quantidade de pessoas que vivem lá por faixa etária? Então, isso é o mais óbvio na saúde, mas há outras coisas em que temos que pensar.
Por que ele é tão essencial? Desde a década de 2000, por uma questão administrativa, o SUS tem passado por um processo de descentralização da gestão e do planejamento. Isso significa que a maior parte dos recursos é executada e o planejamento é feito em âmbito municipal. Os Municípios recebem o recurso e planejam como vão utilizá-lo. E é justamente aí que vamos perder, porque o censo é a única fonte de informações para os Municípios. Os recursos em saúde serão distribuídos, mas não saberemos se eles estão sendo alocados corretamente, porque nem os Municípios vão saber o que fazer. É claro que temos outras pesquisas em saúde, mas, além de elas não chegarem ao âmbito municipal nem intramunicipal, obviamente, têm suas amostras baseadas nos dados do censo. Se eu não tiver um censo bem feito, na verdade, gero um problema, que é uma bola de neve de desinformação em saúde. Assim, eu começo a planejar errado. Tenho acesso a outra pesquisa, como a Pesquisa Nacional de Saúde, que vai me trazer dados baseados numa mostra errada, e eu continuo planejando errado. Qual é o problema disso? É que em saúde é muito fácil ver o resultado. Se não envio vacinas suficientes, tenho epidemia de doenças; se não tenho mamógrafos suficientes, aumento o número de casos de câncer; se não envio o número correto de exames citopatológicos, haverá câncer de colo do útero, sim. É muito rápido, de 2 a 3 meses já se vê a diferença. Imaginem anos e anos acumulando-se desinformação.
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Temos também muitos dados administrativos da saúde. O DATASUS, por exemplo, dispõe de uma quantidade enorme de dados administrativos, o qual chamamos de Sistema de Informação em Saúde. Ele substitui o censo para o planejamento em saúde? Eu apontei aqui alguns quesitos. Eles são desagregáveis no âmbito municipal. Alguém poderia me dizer: "Se eles são desagregáveis, eu poderia utilizá-los". Mas eles não têm informações precisas sobre nascimento e morte — são precisas, mas não tão precisas —, não levam em conta a composição da população e não têm informações sobre os determinantes sociais de saúde. Vamos falar de cada um deles.
Se eu usar exclusivamente o SIS, por exemplo — aqui é um exemplo —, tenho lacunas no registro de nascimento e morte. Em 2017, estima-se que 5,1% das crianças nascidas no Brasil não receberam registro no mesmo ano ou nos 3 meses do ano posterior ao nascimento. O grande problema é: o bolo da vacinação é feita nos 2 primeiros anos de vida, e 5,1% é muita criança para não estar vacinada, porque não há os dados sobre a existência dessas crianças.
Nosso outro grande problema é que o censo dá todos os denominadores em saúde. Os sistemas de informações em saúde são autorreferenciáveis. Então, consigo calcular com eles as proporções. Por exemplo, consigo calcular uma proporção de internação — eu sei quantas pessoas foram internadas por uma doença específica. Isso é importante, porém, não supre a necessidade de planejarmos a partir do risco de alguém ter uma doença. Por que ele não supre? Porque, se eu tiver um surto de dengue, a minha proporção de internações por doenças cardiovasculares vai ter diminuído, mas isso não quer dizer que eu esteja resolvendo o problema que leva a uma internação de doenças cardiovasculares. Isso quer dizer apenas que houve um surto de dengue. Então, para calcular o risco, eu preciso fazer o cálculo de acordo com a população, para eles serem independentes um do outro: as internações, a mortalidade e todas as outras coisas.
Por último, qual é a questão dos determinantes sociais de saúde? O que eles são? São os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde. Os sistemas de informação em saúde não têm essas informações. As pesquisas amostrais têm essas informações, mas elas não chegam ao âmbito municipal. Só o censo vai me dar o material para eu conseguir planejar isso em âmbito municipal. Vou dar um exemplo do que isso pode gerar: o número de habitações subnormais ajuda a identificar onde existe maior chance de epidemia de dengue de alta intensidade. Então, só se eu souber exatamente onde está concentrado o número de habitações subnormais — em alguns lugares, como no Rio de Janeiro, é fácil identificar onde estão as habitações subnormais, mas não em todos os lugares —, consigo planejar ações de prevenção e controle dos vetores e de tudo mais. Neste eslaide vemos um mapa de como isso foi feito. As áreas em vermelho são as que têm as habitações subnormais e informam com precisão as áreas em que houve a última epidemia de dengue no Rio de Janeiro.
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A saúde da pessoa com deficiência. As fontes sobre a saúde da pessoa com deficiência são muito esparsas, não combinam entre si, não têm os mesmos quesitos e não contêm as mesmas perguntas. Então, eu não consigo ter nenhuma comparabilidade nem entre Estados. Onde temos informação sobre a pessoa com deficiência? Só no censo. É isto mesmo: só existe no censo.
Outra questão pela qual o censo é tão importante para a saúde é porque temos que nos preparar para o envelhecimento da população brasileira. De acordo com as estimativas do censo, em 2018, pessoas com 65 anos ou mais representavam 9,2% da população, mas, em 2048, esse número já deve saltar para 21%. O que isso tem a ver com saúde? O aumento de pessoas nas faixas etárias mais elevadas leva também ao aumento das doenças características das faixas mais elevadas, que são as doenças crônicas não transmissíveis.
Se olharmos este gráfico, veremos que a faixa de cima, em amarelo mais clarinho, e a faixa laranja representam as neoplasias e as doenças do aparelho circulatório. As doenças mais prevalentes são as doenças crônicas não transmissíveis. Os senhores podem notar que esse gráfico vai só até 2009. Agora, isso está ainda mais extenso. Passamos de uma grande quantidade de doenças infecciosas e parasitárias para termos quase apenas neoplasias e doenças do aparelho circulatório. As causas externas de violência aumentaram muito também.
O que acontece? Esse tratamento é muito caro. É tão caro que o Banco Mundial, por exemplo, considera que a pressão orçamentária e as limitações provocadas por isso são o principal desafio do Brasil com relação ao controle fiscal nos anos vindouros. É muito caro tratar as pessoas com doenças crônicas não transmissíveis e suas limitações.
Portanto, temos que nos preparar, temos de saber onde as pessoas estão envelhecendo, onde o processo de envelhecimento é mais adiantado, onde essa população idosa é mais vulnerável, porque a população idosa mais vulnerável tem mais chances de desenvolver limitação e, portanto, precisar de um tratamento muito mais caro. Há outras questões que também precisamos saber: onde estão as crianças do País para conseguirmos aproveitar o que nos resta do bônus demográfico e para investirmos em educação, já que estamos com menos crianças nascendo? E onde temos de investir em infraestrutura produtiva, porque, com a população economicamente ativa envelhecendo, temos de saber onde haverá gente na idade certa para trabalhar. Era isso que eu tinha dizer. Obrigada pela atenção. Espero ter contribuído.
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O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Muito obrigado, Débora.
Eu gostaria de agradecer muito aos três painelistas.
Fica claro que há o risco iminente de o Brasil passar a fazer um voo cego. Se não houver informações, poderão ser criados mais obstáculos para a estruturação de políticas públicas adequadas aos verdadeiros dilemas do Brasil. Isso é lamentável, porque ocorre justo no momento em que há mais instrumentos tecnológicos para aperfeiçoar a apuração das informações. Nós poderemos fazer a roda da história brasileira andar para trás, no que diz respeito ao conhecimento do País sobre si próprio.
Tenho a sensação de que há quem imagine que não fazer um levantamento teria como efeito a inexistência de problemas da realidade dura em nosso País. Está claro que o prejuízo não é apenas do Estado, mas também das políticas públicas, que poderiam ser produzidas a partir de um levantamento objetivo. Trata-se também de prejuízo para a produção científica de conhecimento, porque essas informações são absolutamente fundamentais para a elaboração de pesquisas.
Eu observei que a primeira crítica ao censo foi sustentada por uma lógica fiscalista: o problema são as contas e o custo. Eu considero que os painelistas demonstraram que o custo pode ser muito superior ao que se estima de despesa por parte do Governo, levando-se em conta danos que podem ser produzidos para o atendimento das necessidades da população brasileira.
Esta audiência pública vai-se traduzir em uma reunião de trabalho com o Deputado Domingos Neto, do PSD do Ceará. S.Exa. é o Relator-Geral do Orçamento.
Eu gostaria de comunicar aos nossos painelistas que todas as informações apresentadas serão traduzidas, em reunião de trabalho com o Deputado Domingos Neto, para que possamos insistir na tese apresentada pela Sra. Dione Conceição de Oliveira. Dessa forma, poderemos nos apropriar da emenda apresentada pela Comissão do Idoso, que é uma das Comissões Permanentes da Casa, para trabalharmos a recomposição, no limite da nossa possibilidade de recursos, a fim de que o censo se dê com as condições adequadas.
Há um limite de nossa parte, no que se refere à gestão do IBGE, porque não há solução que supere a disposição ou a indisposição que o comando de algumas instituições eventualmente tenham, no que diz respeito à aplicação do censo nos termos mais adequados.
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Em audiência pública recente, houve um debate sobre a situação do CNPq e da CAPES. Percebemos nitidamente que havia uma lassidão — para usar uma palavra leve — por parte dos dirigentes de algumas instituições, no que diz respeito ao elemento básico, que é o financiamento para a pesquisa no Brasil. Ainda assim, aqui na Comissão Mista do Orçamento, temos realizado gestões para garantir a recomposição do orçamento da CAPES e do CNPq, para que a atividade regular desses órgãos não seja impactada por essa lógica fiscalista.
Gostaria de comunicar aos nossos convidados que o mesmo faremos com relação ao IBGE e ao Censo 2020. Esse trabalho será feito junto ao Relator-Geral do Orçamento. Eu comunicarei aos demais colegas quando o debate da peça final da LOA 2020 estiver na audiência pública da Comissão Mista do Orçamento, de modo que possamos influenciar a Comissão para que haja a recomposição das condições necessárias para que o Censo de 2020 ocorra.
Algum dos três painelistas gostaria de se manifestar? (Pausa.)
Agradeço a todos que participaram desta audiência presencialmente e a todos que a acompanharam remotamente pela Internet, já que esta audiência foi transmitida ao vivo pelos canais digitais da Casa.
Agradeço aos convidados, ao público e aos demais Parlamentares o comparecimento.
Esta reunião está encerrada.
Muito obrigado.
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