1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
( Desmatamento e Queimadas na Amazônia: Tendências, Dinâmicas e Soluções)
Em 28 de Novembro de 2019 (Quinta-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Declaro aberto o presente Seminário da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, destinado a debater o tema Desmatamento e queimadas na Amazônia: tendências, dinâmicas e soluções.
O requerimento para a realização deste evento é de minha autoria.
Comunico a todos que o evento está sendo transmitido ao vivo pela Internet e poderá ser gravado pela TV Câmara, para ser exibido posteriormente na grade de programação da emissora. Por isso, solicito aos palestrantes o obséquio de sempre utilizarem o microfone para suas intervenções.
Convido para ocupar a Mesa o Sr. Sérgio Guimarães, Secretário Executivo do GT de Infraestrutura. (Pausa.) Obrigado, Sr. Sérgio.
Convido também o Sr. Cláudio Aparecido de Almeida, Coordenador do Programa Amazônia, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais — INPE. (Pausa.) O Sr. Cláudio ainda não chegou. Quando chegar, virá compor a Mesa.
Convido para compor a Mesa o Sr. Paulo Barreto, pesquisador associado ao Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia — IMAZON.
Convido a Sra. Ane Auxiliadora Costa Alencar, Diretora de Ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia — IPAM.
Convido a Sra. Mariana Napolitano Ferreira, Gerente de Ciências do WWF — World Wide Fund for Nature.
Prestados os esclarecimentos iniciais, concederei a palavra a cada convidado por 10 minutos, evidentemente com liberdade, pois não vamos interromper as ideias. Podem terminar a fala, se precisarem extrapolar o tempo. E é prevista, evidentemente, a participação dos palestrantes. Os internautas que estão acompanhando podem também enviar comentários e perguntas aos expositores.
Desde já agradeço a cada convidado. Peço que observem o tempo proposto para suas exposições. Há um cronômetro à esquerda, neste plenário, para orientá-los nesse sentido.
Informo aos palestrantes, aos Parlamentares e aos demais presentes que esta Comissão promoverá um debate interativo nesta audiência pública, por meio do portal E-Democracia, ferramenta interativa da Câmara dos Deputados. Servidores desta Comissão estão encarregados de moderar as perguntas dos internautas que acompanham esta audiência pública. Serão respondidas pelos nossos convidados ou pelos Parlamentares, ao final do debate.
Para acesso à Internet, à rede wi-fi, conectem-se à CD Visitante, acessem a tela de acesso, façam o cadastro com nome, CPF e telefone, e recebam a senha por mensagem de texto SMS. Uma vez feito o cadastro, não é necessário refazê-lo.
O público presente no plenário poderá enviar também perguntas escritas à Mesa, que serão lidas a critério do Presidente. A depender do andamento do debate, não necessariamente precisarão ser feitas por escrito. Vamos abrir a palavra também aos participantes.
Peço ainda aos palestrantes que assinem a autorização para que a Câmara dos Deputados publique suas exposições e utilize suas imagens para transmissão pela Internet, em programas desta Casa.
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Primeiro, eu quero agradecer a todas as organizações que propuseram a realização deste seminário. Na verdade, todo ano trazemos para esta Comissão de Meio Ambiente o debate sobre o controle, sobre o sistema de monitoramento, enfim, sobre todo o sistema de comando e controle de queimadas e desmatamento, para garantirmos que não aumentem, mas pensando sempre em alternativas econômicas, uma vez que 20 milhões de pessoas vivem na Amazônia.
A Amazônia tem um papel importante para os amazônidas, que carecem de empregos, que carecem de alternativas para geração de renda, que carecem de regularização fundiária. São povos indígenas, extrativistas, quilombolas. Enfim, são comunidades. As cidades da Amazônia, nos últimos anos, têm crescido inclusive com uma taxa de crescimento maior do que a própria média nacional. Portanto, temos também que buscar alternativas econômicas para quem se muda para as cidades. São grandes desafios, e este debate é permanente aqui.
O problema é que vivemos numa conjuntura em que vemos o desmonte de tudo aquilo que se acumulou de pensar em políticas públicas, como no caso do próprio Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos comandos de controle. Vemos o desmonte de tudo aquilo em que se avançou em termos de proposições de alternativas econômicas e políticas para a Amazônia, com o entendimento de quanto é importante para os amazônidas a floresta em pé, da importância que a Floresta Amazônica tem para todo o Cone Sul do continente com relação à umidade, às chuvas, à agricultura, da importância da Amazônia para todo o debate sobre mudanças climáticas, pelo papel da floresta em pé — e está mantido o carbono sequestrado. Todo esse debate é permanente aqui, e o que vemos neste momento, nesta conjuntura que estamos vivendo, é o aumento das queimadas, é o aumento do desmatamento. E vimos isso pelo desmonte daquilo que se acumulou.
Ao mesmo tempo em que se desmonta toda a estrutura de controle e comando, interrompem-se praticamente todas as iniciativas da busca de alternativas econômicas. Anuncia-se, r parte do Governo Federal, outro modelo de desenvolvimento, em que se incentivam garimpos e desmatamentos. Quer-se vender inclusive madeira em tora, querem abrir até para isso! É como o boi em pé: é o cúmulo! Este é um debate que se fazia na época em que os portugueses chegaram aqui, em relação ao pau-brasil, ao agregar-lhe algum valor. Digo isso só para que quem está nos acompanhando entenda o tipo de pensamento que há hoje.
Por outro lado, incentiva-se o garimpo e a mineração. Querem debater aqui na Casa a autodeclaração. Se um grileiro se apropria de um espaço territorial da União ou terra pública, ele vai lá e faz o registro; depois, o poder público não consegue fiscalizar; após alguns anos, aquilo vira fato consumado, e terá sido criado mais um vetor extraordinário para desmatamento. Por outro lado, há o discurso contrário a tudo aquilo que se acumulou na perspectiva do desenvolvimento sustentável na Amazônia, o incentivo àqueles que vêm desmatando, que vêm invadindo terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação, e o incentivo à criminalização dos movimentos populares e das ONGs que, ao longo do tempo, contribuíram para a construção de um conjunto de políticas.
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Então, é essa a conjuntura que estamos debatendo. Todos acompanharam o aumento das queimadas, o aumento dos desmatamentos. Evidentemente, há pressão da sociedade brasileira e pressão internacional, inclusive sobre os atores econômicos e segmentos econômicos que dependem da exportação de commodities brasileiras e que podem perder mercado com isso. O Governo teve que dar uma recuada e colocar inclusive a GLO, as Forças Armadas para ajudarem no controle do fogo. É importante que todos saibam que essa é uma operação para calar a boca daqueles que reclamam da sociedade brasileira e da comunidade internacional. Sabemos que, depois, isso não tem sequência.
O desafio que para nos é colocado, e por isso temos este seminário, é fazer a denúncia e pensar dentro daquela estratégia de continuar construindo políticas que considerem a importância da Amazônia e de toda a população que vive na Amazônia, pelo papel que ela tem para o Brasil, o mundo e a humanidade, pelo valor simbólico que ela tem. Por isso, é importante fazermos este seminário.
Quero, de antemão, agradecer ao conjunto das organizações não-governamentais que contribuíram para a realização deste seminário e fazer um protesto: como sempre, quando é para fazermos um debate com a seriedade e a profundidade que a Amazônia merece, nós não temos a presença do poder público, especialmente do Ministério do Meio Ambiente. É importante que se diga, já de início, para quem está acompanhando, que o Brasil, em todos os Governos, sempre teve um Ministério do Meio Ambiente, um Ministro do Meio Ambiente que tinha como missão cuidar do patrimônio ambiental do povo brasileiro, que tem importância para a humanidade e para o mundo. Nós hoje não temos um Ministério do Meio Ambiente, como todo mundo sabe. Nós temos uma caixinha a serviço de outros Ministérios. Nós não temos hoje um Ministro do Meio Ambiente. É preciso entender, de início, que nós não temos um Ministério do Meio Ambiente nem um Ministro do Meio Ambiente.
Tem a palavra o Sérgio Guimarães.
O SR. SÉRGIO GUIMARÃES - Obrigado, Deputado Nilto Tatto.
Em primeiro lugar, quero agradecer à Comissão de Meio Ambiente, ao Deputado Rodrigo Agostinho e à Frente Parlamentar Ambientalista, que têm feito um trabalho de suma importância aqui na Câmara com relação à agenda ambiental. É um local de resistência, principalmente diante desse contexto que nós vivemos hoje, como já foi muito bem falado aqui pelo Deputado Nilto Tatto.
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Ainda anteontem a ONU divulgou mais um relatório sobre mudanças climáticas. Se vocês observaram bem, viram que é um relatório que tem um grau de dramaticidade maior do que os outros. São dezenas de relatórios que têm sido publicados pela ONU, e o grau de dramaticidade está aumentando.
O relatório diz que, se todas as metas do Acordo de Paris forem cumpridas, elas não serão mais suficientes e que a temperatura da Terra pode aumentar de 3 graus até 7 graus, no cenário mais pessimista. Nos modelos que têm sido aplicados desde vinte e tantos anos atrás, têm sido sempre verificados os cenários mais pessimistas até agora.
Então, isso é dramático. Os países precisam pelo menos quadruplicar seus esforços de redução das emissões. Os impactos do que pode acontecer, se realmente se verificar esse aumento de temperatura, são simplesmente dramáticos e catastróficos, como se pode ver na mídia como um todo.
Essa é a situação das mudanças climáticas. Mas por que eu estou trazendo essa questão das mudanças climáticas? Porque, conforme demostram os estudos mais recentes, a Amazônia tem um papel fundamental na estabilidade do clima do planeta. Através das grandes correntes de vapor que maneja, ela influencia o clima do planeta como um todo.
Nós hoje temos na Amazônia uma situação de ataque que já vem há vários anos. Conseguiu-se reduzir, de forma significativa, entre 2005 e 2012, manteve-se uma estabilização até 2016, 2017, e agora está crescendo. Houve um crescimento de 30% este ano.
Então, são dados que vão ser citados aqui pelas pessoas nos seminários, mas precisamos ter clareza de que há alguns números que são muito importantes. A Amazônia ultrapassou a faixa dos 800 mil quilômetros quadrados de desmatamento acumulado. Nós estamos com aproximadamente 810 mil quilômetros quadrados de desmatamento acumulado desde a época do início da medição, porque o clima é afetado não só pelo desmatamento desse ano, de cada ano, mas pelo conjunto do desmatamento que está sendo acumulado. Esse é um dado importante, que tem sido pouco mencionado, que é o desmatamento acumulado e o seu impacto no clima.
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Para termos uma ideia, historicamente 61% da média das emissões no Brasil têm sido originadas pela mudança de uso do solo e desmatamento. Nesse ano de 2018, 2019, nós temos 54%, ou seja, ainda é maior. Mesmo que as outras emissões de energia e agropecuária tenham aumentado, ainda temos mais da metade de emissões relacionadas ao uso do solo, ou seja, ao desmatamento.
Nesse sentido, vemos a importância da Amazônia para a chuva, para a economia, para a vida das pessoas, para as espécies, para a biodiversidade e para os povos tradicionais, sejam indígenas, sejam ribeirinhos, que vivem lá.
É nesse contexto que queremos discutir agora, que queremos trazer essa discussão mais uma vez para cá. Nós temos um contexto muito complicado, que é o contexto político que nós estamos vivendo, como o Deputado Nilto Tatto acabou de mencionar. Além de o Governo atual incentivar e autorizar, entre aspas, que grupos econômicos ataquem a floresta, está sendo orquestrado um ataque aos defensores da floresta, aos povos indígenas, e isso é muito grave. As áreas estão sendo invadidas, está havendo assassinatos, ameaças.
Eu estou vendo aqui algumas pessoas de Santarém, estou vendo aqui o Padre Edilberto, vimos o que aconteceu em Santarém anteontem, com a prisão de brigadistas, com a invasão do Projeto Saúde e Alegria. É uma situação política grave, é um ataque também à democracia. Hoje a defesa da Amazônia, do meio ambiente, dos direitos humanos, tem como pano de fundo e não pode ser feita de forma separada da defesa da democracia, que está sendo ameaçada no Brasil.
Então, esse é o quadro que temos hoje no Brasil e sobre o qual vamos falar durante o seminário. As motivações do seminário são essas: mostrar essa situação, trazer uma base técnica para essa discussão — até a base técnica tem sido negada, o INPE teve o seu presidente afastado porque defendeu os números técnicos —, apresentar números e debater essa questão.
Creio que todos viram a programação do seminário. Vamos ter quatro mesas, divididas em três sessões. A sessão inicial vai tratar das tendências e dinâmicas recentes do desmatamento; as outras vão tratar sobre as experiências e lições aprendidas na prevenção e controle do desmatamento; e a terceira sessão, olhando para frente, vai tratar de uma questão que eu considero uma das mais importantes: debater quais são os desafios e o que a sociedade brasileira precisa fazer para virar esse jogo. E isso será muito complicado, porque temos um Governo que, claramente, à luz do dia, incentiva o desmatamento.
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Então, acho que esse é o desafio. Temos que sair daqui com algumas propostas, com algumas recomendações e com a capacidade de mobilização e de engajamento da sociedade brasileira para virarmos esse jogo.
Desejo um bom seminário a todos nós. Que tenhamos clareza e capacidade de entendimento e de articulação para que saiamos daqui com algumas propostas que possamos movimentar nos próximos meses e nos próximos dias.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Sérgio Guimarães.
Quero novamente agradecer a oportunidade dessa parceria no trabalho que, aqui na Comissão de Meio Ambiente, realizamos com a Frente Parlamentar Ambientalista, com as ONGs.
Quero também aqui declarar, já que eu me esqueci de falar no início, a nossa total solidariedade aos brigadistas, ao Saúde e Alegria, ao WWF, que hoje é o foco daquilo que eu mencionei no início: o processo de criminalização que se espraia por todos os ambientes, inclusive do setor público.
É muito grave quando vemos o sistema judiciário ou o sistema de segurança sendo utilizados politicamente. Aquilo a que assistimos e estamos assistindo em Alter do Chão é o uso da força pública e, pior, do sistema de segurança para fazer política. É isso que não dá para entender. Isso, na academia, chama-se fascismo.
Eu gostaria, inclusive, de chamar a atenção para isso, que nós precisamos debater. O fascismo é assim: ele pega um, e os outros, às vezes, não têm solidariedade com aquele que foi pego. Depois, ele pega o outro, e vai indo, vai indo, vai indo. Daqui a pouco, ele começa a pegar todo o mundo. Na hora em que chegar às igrejas... Quero chamar a atenção para o fato de que o discurso do Guedes falando que o AI-5 pode ser utilizado a qualquer momento — e isso se reflete em reuniões lá fora, no exterior — daqui a pouco chegará também aqui, dentro do Congresso Nacional.
Portanto, presto aqui toda a nossa solidariedade.
O próximo inscrito é o Cláudio Aparecido de Almeida, do INPE.
Obrigado, Cláudio, por ter vindo. Eu passo a palavra para você.
O SR. CLÁUDIO APARECIDO DE ALMEIDA - Bom dia.
Primeiro, eu peço desculpas. Eu acho que fiz uma pequena confusão. Eu entendi que a minha fala seria às 10 horas e cheguei um pouquinho atrasado.
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Bom dia a todos.
Eu sou Cláudio Almeida, Coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas, que é um programa que o INPE mantém há mais de 30 anos. Nós começamos monitorando inicialmente a Amazônia e agora estamos monitorando todos os biomas. Vou trazer aqui os resultados mais recentes ligados à questão do desmatamento na Amazônia.
(Segue-se exibição de imagens.)
Primeiro, eu sempre gosto de reforçar a missão do INPE, por que o instituto faz monitoramento, por que está atuando nisso. Nós somos uma instituição de ciência e tecnologia da área espacial, mas temos um componente ambiental, ou seja, nós analisamos as mudanças do ambiente a partir de ferramentas do espaço, a partir de dados orbitais, isso tudo para produzir serviços singulares em benefício da sociedade brasileira. É nisso que o INPE tem focado e tem se esforçado ao longo de toda a sua existência de 50 e poucos anos, para oferecer esse serviço à sociedade.
O PRODES, como se sabe, é feito desde 1988. Já houve um primeiro levantamento no final da década de 70, mas, rotineiramente, de maneira sistemática, desde 1988 nós fazemos um mapeamento do desmatamento uma vez por ano, a partir de imagens LANDSAT, que têm resolução de 30 metros, com uma área mínima mapeável de 6,25 hectares. Hoje, nós já temos capacidade técnica para fazer a análise de áreas muito menores, de 1 hectare pelo menos, mas nós mantemos, para fins de cálculo de taxa, para que nossa taxa se mantenha estável e seja comparável ao longo dos anos, esse limite de 6,25 hectares.
O desmatamento na Amazônia se dá basicamente desta forma: no início da estação seca, no final da estação chuvosa, eles começam a fazer o corte da madeira; essa madeira fica secando durante um tempo no campo, durante a estação seca; e no final da estação seca, no mês de agosto e setembro, é que eles colocam fogo nessa área para eliminar a biomassa. O objetivo é substituir a floresta por alguma atividade — agricultura, pecuária ou o que quer que seja —, e para isso é necessária a eliminação dessa biomassa. Então, este é o processo: no final do período de chuvas, começa o corte da madeira, e, no final da seca, quando já secou todo o material, é feito o desmatamento.
O PRODES, usando imagens feitas normalmente em torno dos meses de julho e agosto, todos os anos faz uma medida de quanto se perdeu por desmatamento de um ano para o outro. Procura-se anualizar a taxa, por isso divulgamos o que chamamos de taxa de desmatamento, que não é só a medida da diferença entre uma imagem e outra. Existe um modelo matemático no PRODES que estima o desmatamento, anualizando a informação, ou seja, determinando, se todas as imagens fossem obtidas sempre no mesmo dia e fossem livres de nuvens, qual seria o desmatamento nesse intervalo de 365 dias, entre 1º de agosto de um ano e 31 de julho do ano seguinte. Nós fazemos isso em duas etapas.
A estimativa é feita com base em cenas prioritárias. No ano corrente, por exemplo, para o dado que divulgamos recentemente, foram usadas 99 cenas prioritárias. Para uma cena ser considerada prioritária, são três os critérios: a área tem que abranger 90% do desmatamento medido pelo PRODES no ano anterior, 90% do desmatamento medido pelo DETER no ano corrente, e 100% dos Municípios prioritários, que são definidos em portaria do MMA.
Este ano compuseram-se 99 cenas, que correspondem a esta área aqui, a esta região toda. Com base nessas 99 cenas, usando um modelo matemático que já está bastante estável — há 30 anos que o usamos, e ele tem um poder preditivo muito bom, acima de 95% —, fizemos, então, a estimativa do desmatamento.
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Até mais ou menos maio ou junho do ano que vem, vamos completar todas as outras cenas, tudo que está em branco aqui vai ser completado. Então, vai sair o dado consolidado do ano de 2019. A diferença entre o dado estimado, que é divulgado no ano corrente, e o dado consolidado tem ficado na casa de 4%. Já aconteceu caso de essa diferença ser um pouco maior ou um pouco menor, mas normalmente ela fica na casa de 4%.
O dado que nós divulgamos para 2019 aponta 9.762 quilômetros quadrados perdidos entre agosto de 2018 e julho de 2019, seguindo uma tendência de alta. Outras tendências já existiram no passado. Essa tendência de alta começou em 2012 e está se mantendo. Este ano houve uma aceleração, mas a tendência já existe desde 2012, ou seja, o que vemos com estes dados é a repetição de uma tendência de alta que já vem desde o passado.
Mostro aqui a contribuição de cada um dos Estados. O Pará foi o Estado com maior contribuição, de quase 40% da área desmatada. Roraima teve um grande pico. Apesar de o valor absoluto ser baixo, até pelo fato de o Estado ser menor, houve um aumento bastante substancial em Roraima. Um dado bastante importante a considerar é que os quatro maiores contribuintes — Pará, Mato Grosso, Amazonas e Rondônia — são responsáveis por 84% do desmatamento de 2019.
No Amazonas, de certa forma, houve também uma subida muito forte do desmatamento. Ele historicamente tinha uma contribuição baixa, mas, nesses últimos anos, temos percebido um aumento significativo do desmatamento no Estado, principalmente no sul.
Este gráfico em forma de pizza mostra o percentual de contribuição de cada Estado. Já vimos essas informações na tabela mostrada antes, mas assim visualizamos os percentuais de maneira mais clara, numa pizza.
Este é um mapa de calor que mostra, a partir das 99 cenas que nós mapeamos, como está a ocorrência do desmatamento. As áreas mais quentes são as que mais contribuem. Percebe-se a concentração no núcleo do Pará, na região de Altamira ou no seu entorno. Trata-se de uma região muito quente, que teve uma contribuição muito forte. A região de Rondônia, ao sul do Amazonas, também tem uma contribuição bastante significativa. E o Estado de Roraima, como mostrado, também apresentou contribuições recentes.
Esta é uma pequena análise que nós fizemos. Para entender um pouco melhor como o dado está se comportando, o que está acontecendo, sempre fazemos um gráfico como este. Assim, entendemos como fica o tamanho dos polígonos ao longo do tempo, ou seja, qual a contribuição de cada classe de tamanho dos polígonos para o desmatamento.
No passado, desde 2002, nós percebíamos que os pequenos polígonos, os abaixo de 25 hectares, tinham uma contribuição pequena, e os grandes polígonos, os acima de mil hectares, tinham uma contribuição bastante significativa, de 11% do desmatamento. À medida que o desmatamento caiu, até 2011, houve uma inversão disso: as grandes áreas passaram a contribuir pouco, os polígonos muito grandes de desmatamento tiveram pequena contribuição, que caiu de 11% para 1%; e os polígonos pequenos passaram a contribuir mais percentualmente. Quer dizer, a taxa absoluta diminuiu, e a contribuição percentual dos pequenos polígonos passou a ser maior. Agora nós percebemos que, de 2012 para cá, houve uma inversão dessa tendência, uma volta às mesmas características do começo, de 2002: queda da contribuição dos pequenos polígonos e aumento da contribuição dos grandes polígonos. Portanto, está havendo uma mudança na perspectiva em relação ao tamanho das áreas que estão sendo desmatadas atualmente: agora elas são bem maiores do que eram no passado, até 2011, por aí.
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Outra análise que procuramos fazer para tentarmos entender como está acontecendo esse desmatamento é um agregado de dados do CAR — Cadastro Ambiental Rural. Esta informação é de mais ou menos junho deste ano. Nós baixamos todos os dados de CAR disponíveis no Serviço Florestal Brasileiro, fizemos uma matriz integrando todas essas informações e, então, fizemos um cruzamento dos nossos dados de desmatamento com essa informação que tínhamos do CAR.
Nós percebemos que quase 25% do desmatamento dessas 99 cenas ocorre em áreas sem CAR — não havia nenhuma informação de CAR em relação a elas. E uma grande porção, mais de 30%, ocorre em áreas de reserva legal proposta, ou seja, em propriedades cujo CAR não é o definitivo, ainda é o CAR proposto, que ainda não foi aprovado. A reserva legal aprovada é a RLA, e essa tem uma pequena contribuição. Mas, na classe reserva legal proposta — o dado ainda não é o definitivo, é preciso ressaltar, baseia-se simplesmente numa proposição inicial —, há uma grande ocorrência de desmatamento.
Há também um pouco de desmatamento em terras indígenas e em unidades de conservação estaduais e federais. Juntando tudo isso, chega perto de 10% o desmatamento dentro de áreas protegidas.
A informação não está neste gráfico, mas fizemos um cruzamento dos nossos dados também com os sobre áreas de assentamento, incluindo todos os tipos de assentamento do INCRA. Cerca de 30% do desmatamento que ocorreu no ano passado localiza-se em áreas de projetos de assentamento.
O DETER, como todo o mundo já sabe, é a divisão que faz o acompanhamento diário deste dado. Desde 2004 nós trabalhamos com isso. Começamos com imagem MODIS e hoje temos imagem CBERS, a partir de um satélite desenvolvido pela INPE em parceria com a China. Vamos lançar, agora em dezembro, o CBERS 04A. Com isso vamos ter dois satélites para fazer o monitoramento. No ano que vem, lançaremos o Amazônia-1. Assim, teremos três satélites com resolução de 64 metros, o que vai possibilitar praticamente uma imagem por dia.
Este gráfico mostra como está o desmatamento mês a mês. Isso é público, todo o mundo pode consultar. Nós sabemos que houve um grande pico em agosto e setembro. E já houve uma queda em outubro e novembro, meses em que começa a diminuir muito o registro de desmatamento, pela presença de nuvens — temos pouca capacidade de observar — e, como eu disse lá no começo, porque o desmatamento historicamente vai ocorrer no final da estação chuvosa, já que na presente época do ano é muito difícil colocar equipes no campo.
O que estamos fazemos para melhorar isto? Estamos evoluindo. O INPE sempre evoluiu. Desde que começou o monitoramento, ele é feito constantemente, e estamos num constante aprendizado. Eu falava com o Flávio agora a pouco, quando eu cheguei, de quando começamos o DETER, lá atrás, em 2004, época em que usávamos imagens MODIS, com toda dificuldade. Isso foi evoluindo, nós trocamos o tipo de imagem, e estamos sempre avançando no sentido de oferecer, cada vez mais, um produto melhor.
Nós estamos fazendo agora um produto que vai nos proporcionar consumir as imagens diretamente das nuvens, seja de uma nuvem privada, como a AWS, o Google ou qualquer outra nuvem privada, seja de uma nuvem pública. Poder consumir informações diretamente da nuvem vai diminuir o tempo de processamento, pois não vamos precisar fazer download de imagens nem tratamento delas; basta buscar as imagens diretamente na nuvem e fazer o mapeamento a partir disso. Assim, será possível integrar novos sistemas de satélite àquilo que já vínhamos mapeando: SENTINEL, LANDSAT ou até mesmo outras imagens pagas, caso seja necessário.
Só para finalizar a parte sobre queimadas, este paper que saiu nesta semana mostra a importância do monitoramento e da fiscalização. O paper é do grupo CPI — Climate Policy Initiative da PUC-Rio e mostra que se evitou o desmatamento de quase 30 mil quilômetros quadrados ao longo do período da existência do DETER devido à fiscalização e ao monitoramento.
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Os focos de queimadas também estão disponíveis na página do INPE. Esses dados estão disponíveis, podem ser consultados por tabelas, por gráficos, por diversas formas.
Para encerrar, mostro como foram as queimadas nos últimos anos. Qualquer um pode consultar essas informações. Eu fiz uma consulta ontem sobre os Biomas Amazônia e Cerrado só para poder ilustrar minha fala. Podemos consultar por biomas, por Estados, por Municípios, por bacias. Há várias formas de consulta.
Esta imagem mostra como foi o desmatamento ao longo do período. Percebemos que, em 2019, o desmatamento da Amazônia foi maior do que em 2018, foi um dos maiores que houve desde 2011. Para o Cerrado, o aumento do desmatamento foi maior ainda.
Olhando para a média, percebemos que os dados de agosto ficam muito acima da média. Os dados recentes, por exemplo, os de outubro, já ficam muito abaixo até da mínima, muito provavelmente devido à GLO — Garantia da Lei e da Ordem que foi implementada. O Estado se fez presente, e, com isso, houve uma queda do desmatamento e da própria queimada nessa região.
Peço desculpas por exceder o tempo, mas foi bom mostrar tudo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Cláudio.
Eu quero aproveitar para, em primeiro lugar, agradecer o trabalho de excelência e competência, reconhecido internacionalmente, que o INPE vem fazendo. Envio a nossa solidariedade, inclusive, a todos os servidores do instituto. O INPE é construção da sociedade brasileira, mas, em especial, de quem está lá no dia a dia, que agrega competência e que, evidentemente, vem sofrendo ataques.
É importante que saibamos que, dentro de uma estratégia de controle de desmatamento, são fundamentais a produção e a sistematização de informações e a transparência dos dados, para que a sociedade civil organizada possa participar. Se a informação não for transparente, se não houver uma linguagem que envolva as comunidades locais, as organizações do local, não haverá possibilidade de qualquer política pública que se pense em Brasília dar certo, não adianta. Então, sabemos que o que vocês fazem dentro do INPE, com tanta a competência, é fundamental, como passo inicial, para aquilo que é preciso fazer, para fazer acontecer a política de controle do desmatamento.
Há mais de 140 pessoas on-line nos acompanhando. Peço àqueles que nos acompanham que chamem outras pessoas. Indico o caminho para quem está aqui e para quem está assistindo, se quiserem compartilhar o link e divulgar o seminário: edemocracia.camara.leg.br/audiencias/sala/1401.
Nós temos, neste seminário de hoje, diversas Mesas. Se há alguém que entende de Amazônia, de tudo o que nós vamos debater, essa pessoa está no conjunto dessas Mesas que comporão o seminário de hoje. Por isso, aproveitem a oportunidade para divulgar o evento e acompanhá-lo.
Quero anunciar e agradecer a presença do Deputado Airton Faleiro, do PT do Pará, Coordenador do Fórum Nacional Permanente em Defesa da Amazônia, que junta vários partidos políticos e várias organizações da sociedade civil e movimentos.
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Dando sequência, passo a palavra à Sra. Ane Auxiliadora Costa Alencar, Diretora de Ciência do IPAM.
A SRA. ANE AUXILIADORA COSTA ALENCAR - Eu queria começar reforçando as palavras do Deputado Nilto: o que eu vou apresentar só foi possível por conta da transparência dos dados que são disponibilizados pelo INPE em relação tanto ao desmatamento quanto ao fogo. É fundamental mantermos essa disponibilidade de dados para que nós, como sociedade civil, possamos apontar tendências também, apoiando a construção de políticas públicas, que são fundamentais para combater o desmatamento no nosso País.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu vou falar um pouco do desmatamento e do fogo, focando, principalmente, no que aconteceu este ano e em uma perspectiva de público e privado.
Quando pensamos no Bioma Amazônia, estamos falando de 50% do País. Nesse bioma hoje, se pegarmos esta pizza e a dividirmos ao meio, metade das áreas são protegidas — terras indígenas e unidades de conservação. Separando-se as APAs, que são um tipo de unidade de conservação, mas têm um domínio mais privado, temos o outro lado da pizza: 8%, mais ou menos, correspondentes a assentamentos; 18% correspondentes a áreas de propriedade privada, como as inscritas no CAR, etc.; 15% correspondentes a terras públicas não destinadas; e 9% correspondentes a áreas sem informação cadastral, que não fazemos ideia do que são, que podem ser tanto terra privada quanto terra pública que ainda não foi registrada.
Eu começo falando do fogo. Então, vou começar por onde o Cláudio terminou. Em agosto, quando tudo aconteceu, quando notícias em relação ao fogo na Amazônia chegaram para o Brasil e para o mundo, era esta a situação. Este número de focos de calor, de fogo ativo, até agosto foi um dos maiores para o período na última década. Isso nos chamou a atenção, porque, normalmente, o grande pico de fogo na Amazônia ocorre em setembro. Com base na série histórica, o mês em que há o maior número de focos de calor é setembro. Se em agosto o fogo já estava nesse nível, o que esperar de setembro? Aí nos lembramos do que aconteceu no final de junho e início de julho: o dado que o DETER disponibilizou mostrou uma tendência de aumento do desmatamento. Então, uma coisa realmente bateu com a outra.
Vemos que essa tendência mudou um pouco até o final de outubro. O fogo reduziu. Eu vou falar sobre isso, mostrar isso de uma forma mais clara, mostrando também tudo por que passamos nos últimos 3 meses em relação a isso. Mas o importante é que, quando isso aconteceu em agosto, a primeira coisa que se falou foi que o tempo, o clima está muito seco. E nós fomos investigar isso e descobrimos que o grande indicador de clima seco é números de dias sem chuva na Amazônia.
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Aqui, nós plantamos o número de focos de calor e o desmatamento. Nós vimos que grande parte do desmatamento apontado pelo DETER estava ocorrendo na região do Pará, Altamira, São Félix do Xingu, na região do sul do Amazonas, Lábrea, Novo Progresso, no norte do Mato Grosso.
Nós plotamos o dia sem chuva com o número de focos. Com poucos dias sem chuvas, nós tínhamos esses Municípios despontando com grande número de focos de fogo, indicando que o clima não estava realmente sendo o vetor do aumento do número de focos nessas regiões. Quando comparamos a média tanto dos dias sem chuva quanto do número de focos de calor, de incêndios, entre 2016 e 2018, com o que estava acontecendo em 2019, vemos que, em termos de número de dias sem chuvas, em 2016 e 2018, havia muito mais dias sem chuvas. Ou seja, era muito mais seco do que em 2019. Mas, em 2019, houve muito mais fogo do que a média nesse período, que inclusive foi um período de El Niño, um evento que causa seca extrema na Amazônia.
Aqui, mostramos a mesma coisa por Estado. Nós vemos, por exemplo, que, em Mato Grosso, quanto mais vermelho aqui, maior é o número de dias sem chuvas, ou seja, mais seco — em 2016, 2017, 20178 — e, em 2019, não tão seco e muitos focos. A questão do clima não explicava o aumento do número de focos.
Então, onde está acontecendo esse fogo? Pegamos as principais categorias, todas as bases que existem públicas, com dados geográficos, montamos uma base e identificamos que realmente houve um aumento.
Aqui em cinza, é a média de 2011 a 2018 e, em vermelho, é o que aconteceu em 2019. Vemos que em propriedades privadas houve um grande aumento do número de focos de fogo, em assentamentos rurais também. Mas, em áreas não destinadas e áreas sem informação, foi aquilo que realmente chamou bastante atenção, além das TIs, das UCs e das áreas de APA.
Vale muito a pena ressaltar, e depois eu vou mostrar também, que tanto nos assentamentos, quanto nas TIs, quanto nas UCs — não sei se a Mariana vai falar sobre isso — os eventos são muito localizados. Não são todas as UCs, não são todas as TIs, não são todos os assentamentos. No caso dos assentamentos específicos, apenas 2% contribuíram para 50% do número de focos de fogos nesse período, 2% de 2.000, mais de 2.200 assentamentos. Então, são eventos localizados nos assentamentos.
10:19
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E quando comparamos, aqui vemos a distribuição das categorias fundiárias da Amazônia e aqui, o número de focos que ocorreu, por categoria fundiária. Então, grande parte ocorreu em propriedades privadas. Mas temos aqui 30% que ocorreram em terras públicas não destinadas, e em área sem informação cadastral, ou seja, basicamente ilegal e basicamente grilagem. E nem estou entrando no ponto de que pode ser que haja uma grande parte ilegal nesses 33% aqui, e nesses 18% também. Mas quando olhamos para o desmatamento, esse número assusta, porque significa que 40%, ou seja, aqui foram 30%, mas 40% do desmatamento estavam acontecendo nessa área. Isso significa que o fogo reduziu, mas o desmatamento aumentou.
Eu vou passar, rapidamente, porque não tenho muito tempo, mas aqui vemos a situação por Estado. Por exemplo, no Amazonas, tivemos muito mais fogo em assentamentos não destinados. No Mato Grosso, muito mais em propriedades privadas. Então, este quadro mostra, realmente, em cada Estado, onde houve aumento do fogo. E isso nos ajuda muito a direcionar, a tentar entender o que aconteceu.
O importante é que o fogo reduziu. Depois de agosto, com toda a comoção, talvez com os decretos, enfim, com tudo o que aconteceu, o fogo reduziu bastante. Então, se eu comparo aqui com os últimos 2 anos, em que o pico é em setembro, o que é comum na série histórica de fogo, vejo que reduziu muito, mas depois voltou a aumentar. Então, hoje, a ocorrência de fogo está maior do que, por exemplo, no ano passado. Este gráfico mostra o cumulativo. Então, o cumulativo de 2018 e 2019, no geral, foi maior do que em 2018.
Agora, gente, olhem os dados do desmatamento. Este, para mim, é o gráfico que demonstra claramente a importância de não só combater o fogo, mas de combater também a ilegalidade do desmatamento. Então, quando tudo aconteceu aqui, em agosto, o desmatamento continuou. Ele estava muito alto, e continuou alto, comparado aos outros anos. E se eu coloco o resto da série, vou ver que grande parte do desmatamento acontece aqui, e não aqui (aponta para gráfico). E quando colocamos o cumulativo do desmatamento, o acumulado do desmatamento de 2019, comparado com o de 2017 e 2018, vemos que, realmente, há uma grande área da Amazônia que teve desmatamento e que ainda não foi queimada.
Mostro um pouco, no caso, dados de 2019, já do PRODES, por categoria fundiária. Nós vemos que aumentou o desmatamento, como esperado, nas áreas não destinadas e sem formação cadastral, e um pouco nas áreas de assentamento também, e de propriedades privadas. O interessante é que me parece — e aí eu não sei, realmente, se a Mariana vai falar sobre isso — que nessas áreas há um processo de ocupação de terras indígenas, invasões de terras indígenas, e de unidades de conservação, que continuaram no mesmo processo, de 2018 para 2019.
Esta é outra forma de mostrar o gráfico que o Cláudio apresentou. Realmente o tamanho do desmatamento voltou a crescer. Então, os polígonos do desmatamento voltaram a ser maiores em 2019.
10:23
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Há mais alguns assuntos, mas eu posso terminar aqui, mostrando que os principais vetores que...
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Fique à vontade. Pode terminar.
A SRA. ANE AUXILIADORA COSTA ALENCAR - Posso terminar? Haviam dito que o tempo era de 15 minutos. (Risos.)
Os principais vetores do desmatamento estão entre três coisas: a questão da especulação de terras, a infraestrutura que facilita e incentiva a especulação de terras numa área aparentemente sem governança e também a extração de recursos, como madeira, etc. Esse desmatamento é ocupado por estas três coisas principalmente: a agricultura de subsistência, a pecuária e a agricultura de larga escala.
Esse é o dado do DETER deste ano. Quando colocamos o fogo deste ano, vemos claramente que existem algumas áreas que não queimaram ainda e que elas precisam ser passíveis de investigação para se conter o fogo do ano que vem. Nós basicamente sabemos onde o fogo vai acontecer no ano que vem.
Para finalizar, se queremos combater pelo menos o desmatamento ilegal — e nem nos preocupamos tanto com o que acontece em terra privada —, conseguimos pelo menos combater 2 mil a 3 mil quilômetros quadrados, só considerando terras públicas não destinadas e áreas sem informação cadastral. Isso já elevaria a nossa taxa, se combatêssemos só desmatamento em terras públicas — que são patrimônios dos brasileiros, não são patrimônios privados de ninguém, são patrimônios do Brasil —, e já teríamos uma redução de quase um terço do desmatamento em outros anos. Então, é importante que isso seja uma prioridade deste Governo.
Eu tenho mais esse eslaide mostrando o papel de infraestrutura, por exemplo, no caso da BR-163. Quando a pavimentação BR-163 foi anunciada, não tinha um processo de ordenamento territorial ali. Vemos em escurinho que, em 2000 mais ou menos, essas eram as únicas áreas protegidas que tinham na região. Em 2005, começaram a ser criadas algumas áreas e, em 2010, já estava tudo de certa maneira ordenado.
Quando olhamos a dinâmica do desmatamento na região, vemos claramente o processo de especulação e de grilagem de terra que aconteceu nessa região nesse período do anúncio da pavimentação em que nada foi feito. Então, a questão do licenciamento de obras, mesmo estradas que já foram abertas, é fundamental para evitar que esse tipo de coisa aconteça. Nos assentamentos, só 2% deles contribuem realmente com metade do desmatamento.
Por fim, quero falar da importância das áreas protegidas do ponto de vista climático e do ponto de vista de regulação local, do microclima local. Essa é uma amostra das cabeceiras do Rio Xingu. Esse é o Parque Indígena do Xingu. E essa é uma foto da temperatura. Vemos claramente que, onde existe floresta, é muito mais frio, a temperatura é muito mais baixa do que nos locais em que não há. Isso tem um impacto na agricultura, que é um dos grandes motores da nossa economia.
10:27
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Vou parar por aí dizendo que a questão das mudanças climáticas, da mudança de paisagem, do aumento do desmatamento, isso tem um impacto importante no fogo. O principal fogo da Amazônia vem do desmatamento e do manejo de pastagem. Mas há o fogo acidental em áreas agrícolas e os incêndios florestais. As mudanças climáticas e esse efeito de retroalimentação podem fazer com que existam mais incêndios florestais e com que percamos as nossas áreas agrícolas com os incêndios, etc.
Por fim, temos que realmente tratar essa questão da destinação das áreas públicas — isso é fundamental. Temos que combater o desmatamento ilegal nessas regiões e trabalhar na consolidação de TIs.
É preciso também tratar a questão do incentivo ao privado, aquele que pode desmatar legalmente a sua área e ainda não o fez, e da produção sustentável nos assentamentos. É fundamental mantermos o Estado realizando a sua função de comando e controle, principalmente nas regiões de fronteira, e combatendo a ilegalidade no patrimônio dos brasileiros, que é a nossa floresta.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Ane.
Antes de passar ao próximo expositor, convido para fazer uso da palavra o Deputado Airton Faleiro.
O SR. AIRTON FALEIRO (PT - PA) - Presidente, peço desculpas aos expositores por esta fala intermediária.
Hoje é quinta-feira, e quase todos têm agenda fora. Tenho agenda em Alter do Chão. Além de morar lá, preciso tratar daquele assunto. Depois vou pedir ao Deputado Tatto 2 minutos para falar um pouco disso, mas, antes, vou tratar desse assunto aqui.
Primeiro vou falar da importância de um evento como este aqui na Comissão de Meio Ambiente — o Deputado Nilto Tatto coordena a Frente Parlamentar Ambientalista —, quando se traz o que vou chamar de capital técnico-científico para nos ajudar.
Parto do princípio de que estamos vivendo um novo ciclo na Amazônia, especial, com novas batalhas, não só nesse campo do desmatamento e queimada, como disse a Ane, mas também no campo das narrativas junto à opinião pública.
Tenho condições de dizer que em diversos momentos vencemos a guerra pela comprovação científica de que não era verdadeiro o que se estava dizendo, ou que era verdadeiro o que o outro lá estava dizendo. Isso aqui é fundamental para a nossa estratégia. Ainda bem que esta exposição ficará no Youtube para assistirmos depois. Não é só minha assessoria, também vou assistir depois ao restante da palestra e ao debate.
10:31
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Eu tenho uma leitura macro sobre o que está acontecendo, e queria compartilhá-la com vocês. Eu acho que não é uma coisa minha; é uma opinião mais coletiva. Eu vou tentar fazer uma síntese aqui do que acho que está ocorrendo.
Quando eu falo de um novo ciclo, nós estamos vivendo uma tentativa, vamos dizer assim, um encorajamento dos setores do capital, e eu vou classificá-lo aqui. Há o capital mais inteligente, que quer fazer o bom uso dos recursos; que sabe que, se exagerar, perde contratos, etc. E há o capital que não acredita. Gente, eu falo com pessoas que não acreditam que seja verdade que, se desmatarem a Amazônia, o clima altera! Para eles, não altera nem o clima aqui no Brasil. Eles acham que isso nem tem impacto no clima global. Eles não acreditam nisso. Eles acham que podem desmatar tudo, que podem destruir tudo. Acham que essa é uma tese equivocada. Digo isso para vocês terem noção de que capital nós estamos falando. Nós estamos falando de um capital que está vendo uma oportunidade de desconstruir o macroordenamento territorial e ambiental feito na Amazônia.
Eu sou de Santarém, no Pará. Então, conheço toda aquela história de BR-163, Transamazônica. Eu era Deputado Estadual na época do ordenamento a que a Ane se referiu. Esse povo nunca aceitou isso! Eles não querem regramento. Eles não querem ordenamento. Eles não querem que, digamos, a coisa esteja regulamentada. Quanto mais solta ela estiver, melhor será a atuação deles.
Esse capital predatório, na minha avaliação, está muito encorajado pelo discurso oficial do Governo brasileiro. É por isso que não adianta! Eu concordo! Olha, o aumento do desmatamento e queimada se deve... Não é uma questão cultural. Cultural é o que o ribeirinho, o que o extrativista faz na sua rocinha. Não é uma questão cultural. Não é uma questão climática. É uma investida desses setores — vou falar para mim e para vocês a expectativa deles —, que pensam que vai haver a anulação do decreto das reservas extrativistas.
Vai haver um evento, nesta Casa, pedindo a anulação do decreto da Verde para Sempre. Vai haver! Eles querem anular os decretos que criaram as reservas extrativistas, que, de acordo com as minhas informações, representam 22 milhões de hectares, coisa assim, ou 22% de área de conservação. Eles querem invadir os territórios indígenas de diversas formas. Para eles, o que foi ordenado do ponto de vista ambiental e fundiário tem que ser desconstruído. E esse encorajamento os leva a fazer as maluquices que fazem.
Esse é o cenário. E não é um cenário para se apropriar... É aí que nós temos que entender a dimensão da questão. Uma coisa é se apropriar, digamos, dos territórios ou não destinados ou já destinados para o uso da terra. Mas não é isso. O projeto é bem maior!
10:35
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Esses territórios que estão protegidos ou por uma ação dos órgãos de fiscalização e controle ou pela população local que preservou isso são detentores de ativos da natureza em que eles estão de olho. Por isso essa investida na mineração em terra indígena, nas madeiras, na água, etc. Então, é um ataque aos territórios, às terras, mas também é um ataque a esses ativos. Essa é a guerra.
Nesse sentido, eu queria trazer um componente novo aqui. Além da narrativa que se disputa, do tipo "o que está em debate"... O Governo brasileiro foi muito inteligente. Ele faz todo esse incentivo e faz um discurso nacionalista: "O que está em jogo é se nós vamos entregar a Amazônia..." É muita esperteza. Vemos que o minério, a madeira, o ferro, tudo está indo para o exterior, mas o que está em jogo é a soberania.
Além de fazer isso, eles estão com a estratégia de disputa de base. Eu estava falando com a Soninha Guajajara agora. O nosso colega Deputado Nelson Barbudo foi lá propor aos guajajaras uma cooperativa de produção, para que eles arrendem as terras. Então, há uma disputa de base, de divisão dos indígenas e das organizações. Há uma disputa de base.
Eu queria chamar a atenção aqui, porque acho que a nossa luta não pode se reduzir à briga apenas para combater o desmatamento, para combater as queimadas. Ou avançamos para fazer uma proposta que também envolva a parte social de quem preserva a Amazônia... Como esse nosso povo pode melhorar de vida? Quais são os nossos projetos para esse povo lá? Então, o debate é socioambiental, não é só ambiental. Eu queria deixar esta mensagem.
Queria pedir a V.Exa. que me desse 2 minutos para eu falar um pouquinho sobre Alter do Chão, pode ser? (Pausa.)
Bom, eu moro lá. Eu tenho um sítio chamado Mapinguari na região da APA. Eu não faço só discurso, não, eu pratico agroecologia. Quem for lá está convidado a ir ao Sítio Mapinguari. Foi lá que nasceu a ideia do Pró-Ambiente.
Vou fazer uma leitura política do que está acontecendo. Na minha avaliação, o Governo brasileiro, que disse que quem estava botando fogo na Amazônia eram as ONGs... Lembram que ele disse isso? Ou era o ICMBio, etc. Eles trabalharam para construir um sujeito responsável, uma vítima e uma narrativa. Eles buscaram um lugar que tem destaque nacional e internacional: Alter do Chão. Houve uma divulgação muito grande do que ocorreu. E eles montaram... Essa é minha leitura. Até que me provem o contrário, vou afirmar isso. Eu não acredito que aqueles meninos tenham botado fogo. Não passa pela minha cabeça! Isso não tem lógica! O que eles fizeram? "Vamos pegar essa brigada e transformá-los em criminosos." Ontem o Bolsonaro — estranho, não é? — postou no Twitter dele: "Eu não disse que eram as ONGs que botaram fogo na Amazônia?"
10:39
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Então, para mim, isso é uma armação para comprovar a tese do Governo sobre as queimadas.
Outra coisa: se o problema era da brigada, o que tem a ver o Projeto Saúde e Alegria para haver busca e apreensão lá? O Saúde e Alegria não passou dinheiro, não passa dinheiro para aquela ação da queimada, em que pese o apoio deles.
Portanto, é criminalizar as ONGs. Essa é a jogada. Ou entendemos o que está acontecendo, solidarizamo-nos com eles, como todo mundo está fazendo, ou, então, hoje serão eles, amanhã um de nós. É isso o que está em jogo.
Eu queria então dizer a vocês que acho que começamos a desmascarar essa armação. "Ah, mas é a Polícia Civil do Estado do Pará, não é uma ação nacional." Gente, vocês acham que não há os adeptos, dentro da Polícia, dessa tese do Governo Federal? Vocês conhecem, inclusive, Parlamentares do Pará da área de segurança que são bolsonaristas ao extremo. Há gente lá no Pará, na Polícia e no Judiciário, ideologicamente ligada a essa turma. E até que nos prove o contrário, é armação para comprovar a tese de que quem estava botando fogo eram as ONGs e para esconder os verdadeiros responsáveis.
Ali no Pará não ocorreram queimadas apenas para fazer área produtiva. Ocorreram queimadas nas áreas de proteção para depois serem ocupadas e fazerem essa apropriação ou uma tentativa de apropriação.
Eu queria pedir desculpas porque me alonguei um pouco, mas tinha que me socializar com vocês neste momento. Eu estou indo para Santana, onde o clima está muito tenso, porque a primeira versão foi jogar a brigada e o Saúde e Alegria contra a sociedade. Vocês ouviram aquele áudio. Aquilo foi uma montagem! Quando pegamos todo o áudio, já o desmontamos. Parecia que eles estavam armando ali. Não têm nada a ver. Então, para mim, enquanto não se prove o contrário, é montagem para afirmar a tese do Governo.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Deputado Airton Faleiro. Leve a nossa solidariedade a todo o pessoal, tanto da brigada quanto do Saúde e Alegria.
Com a palavra Paulo Barreto, pesquisador associado do Instituto Imazon. (Pausa.)
Antes, eu gostaria de aproveitar a apresentação da Ane, que colocou como última imagem as cabeceiras do Parque Indígena do Xingu, mostrando claramente o papel das terras indígenas na conservação da floresta, dos parceiros, para dizer que nos chegou a notícia — já está na imprensa — que o Presidente Jair Bolsonaro foi denunciado, nessa quarta-feira, no Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de povos indígenas no Brasil. Trata-se de uma representação da Comissão Arns e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos. Então, gostaria de compartilhar essa notícia, que já está aí na imprensa.
Com a palavra o Paulo Barreto.
10:43
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O SR. PAULO BARRETO - Obrigado. Quero agradecer o convite para participar desta reunião. Acho que o trabalho desta Comissão é superimportante. Historicamente, em outros países democráticos, o Legislativo sempre tem o papel de verificar e fiscalizar o que o Executivo está fazendo. Não é seu papel apenas aprovar leis, mas também fiscalizar, o que é super importante, e isso não deve ser feito só aqui, nas Comissões, mas também no Tribunal de Contas da União, que tem o papel de fiscalização. Isso é muito importante.
Quero agradecer ao INPE pelo seu trabalho. Ele sempre disponibiliza os dados, e eu vou usá-los também.
Eu vou mostrar um pouco do passado, do que tem acontecido com o desmatamento, e vou falar um pouco também do presente.
Acho que é importante também o que o Deputado Airton Faleiro falou sobre a importância de não só reagir a propostas ruins, mas também pensar em propostas para evoluir.
Primeiro, vou concentrar em algumas lições. As pessoas dizem que é difícil controlar o desmatamento e tal, mas o Brasil tem uma trajetória de reduzir desmatamento. Reduziu, entre 2004 e 2012, 83% da taxa de desmatamento, com um conjunto de políticas acertadas. Isso é baseado em pesquisa científica que mostra o efeito dessas políticas.
(Segue-se exibição de imagens.)
Aí temos uma série. Algumas pessoas vão dizer depois quais são essas políticas. Mas nós sabemos, sim, o que é necessário para reduzir o desmatamento.
Outra lição que nós sabemos, desse período, é que nós conseguimos reduzir o desmatamento e fazer crescer a economia rural da Amazônia. Nós conseguimos descolar a taxa do desmatamento, que vocês veem aí em vermelho, do valor da produção agropecuária da região. Houve uma queda forte do desmatamento naquele período e um aumento no valor da produção. Isso é possível porque há muita área desmatada mal utilizada. O desmatamento especulativo cria muita área mal usada e que pode ser usada de forma adequada.
Essa área que mostra a foto é uma área que foi desmatada. Não há nada acontecendo lá, não há gado, não há agropecuária. Dados do INPE e da EMBRAPA mostram cerca de 12 milhões de hectares nessas condições em 2014.
No Brasil, há 52 milhões de hectares nessas condições. Então, existe muita área para nós produzirmos de uma forma melhor.
A outra grande lição de quando olhamos a taxa de desmatamento e as políticas é que anistiar e premiar criminosos incentiva o crime.
Depois de 2012, houve uma sequência de políticas, inclusive a de perdoar o desmatamento ilegal, o que aconteceu a partir de medidas do Congresso validadas pelo Governo. Outra coisa que se fez foi legalizar a ocupação, o roubo de terras públicas. Está muito claro que é preciso combater esse tipo de coisas.
Os grileiros sabem o que querem e como fazer.
A seguir, reproduzirei um áudio de pesquisa da Polícia Federal.
(Reprodução de áudio.)
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O SR. PAULO BARRETO - Esse áudio mostra claramente que as pessoas estão roubando terra pública — o Deputado Airton falou disso também — e há todo um movimento de legalização desse roubo de terra pública.
Uma coisa que aconteceu no ano passado foi a aprovação de uma regra que deu mais tempo para regularizar essa grilagem. Há uma tentativa de fazer isso ainda mais fácil.
Nós estimamos, no IMAZON, o quanto vamos perder, se esse tipo de lei, que já está aprovada, for aplicada. Há cerca de 19 milhões de hectares sujeitos a esse tipo de grilagem. Dependendo do que o Governo faça, o Brasil vai perder entre 66 e 108 bilhões de reais, se vender essas terras de acordo com a lei, que dá um desconto para o grileiro comprar a terra.
Uma lição que este ano deixa sobre o que está acontecendo com o desmatamento é que o setor do agronegócio começa a ficar mais vulnerável a riscos, uma vez que acontece o desmatamento.
Nós já sabemos, pelas pesquisas científicas, e está ficando cada dia mais claro, que o aumento do desmatamento reduz as chuvas. O trabalho deste ano mostra que, de 1998 a 2012, a estação de chuvas foi encurtada em 27 dias na região mais ao sul da Amazônia. Isso pode pôr em risco o que é chamado de safrinha. Uma parte da vantagem do Brasil na produção é conseguir duas safras agrícolas. Com essa redução de época de chuvas, isso começa a ser ameaçado, e há um risco muito grande quanto ao que pode ser produzido no Brasil.
Já na área comercial, este ano o desmatamento estimulou um boicote contra o couro. Gestores de 74 trilhões de reais, o equivalente a 11 anos do PIB brasileiro, assinaram uma carta dizendo que o Brasil tem que cuidar da Amazônia. Por que eles pensam isso? Eles não vão investir num lugar que não tem segurança, no longo prazo, para ter retorno daquele investimento. Quem investe — por exemplo, os fundos de pensão — está pensando no longo prazo.
O Carrefour, por exemplo, que é influenciado por esse mercado financeiro, já demandou informação das empresas no Brasil sobre o que estão fazendo contra o desmatamento. Isso já é um sinal desse tipo de pressão. Outras empresas e também entidades da sociedade civil já perceberam que isso é insustentável. Esse movimento de grilagem traz todos esses riscos.
Parte do setor privado aderiu à campanha que pede ao Ministro da Justiça e ao Procurador-Chefe do Ministério Público Federal que fortaleçam as ações contra a grilagem. Esse é um exemplo claro de que essas entidades já viram que é muito grande o risco de o desmatamento continuar.
10:51
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Além de olhar para o passado e ver o que podemos aprender com essas lições, nós temos que ter algumas inovações. Na área de incentivos, seria preciso pensar em títulos verdes, que estão ficando cada vez mais comuns. Algumas empresas já começaram a buscar esses recursos. Empresas chinesas e também brasileiras já emitiram, recentemente, 15 bilhões de reais para investir em agropecuária mais sustentável. Isso tem se concentrado mais no Cerrado, e é preciso levar para a Amazônia essa prática.
A Ministra da Agricultura, recentemente, concordou com a ideia de estudar como isso pode ser feito e assinou um projeto nesse sentido. Acho que é papel do Congresso acompanhar e incentivar esse tipo de iniciativa.
Outra área em que deve haver inovação é o turismo. O turismo ecológico tem aumentado no Brasil com as visitas às unidades de conservação, mas, em grande parte, isso tem acontecido fora da Amazônia.
Nesse mapa, nós podemos ver que a visitação está concentrada em áreas protegidas, e há um vazio na Amazônia.
Nesse outro mapa, nós vemos onde estão as unidades de conservação: a grande maioria está na Amazônia. Acho que existe uma grande oportunidade de estimular esse tipo de investimento.
Vou falar um pouco sobre crenças.
Há uma crença de que vai faltar terra para termos alimentos. Quase todo mundo que vai incentivar o desmatamento diz: "A FAO projeta que vai haver X bilhões de pessoas, e nós vamos precisar de mais terra". Só que tem gente que já está trabalhando para nós não precisarmos de tanta terra como se imaginava.
Essas duas figuras, que são pessoas da área de tecnologia — o Bill Gates, da Microsoft, e o Jeff Bezos, idealizador e principal proprietário da Amazon —, estão investindo em um cenário diferente. Qual é esse cenário? A produção de alimentos que não dependa tanto da pecuária. A pecuária é a grande ocupadora de terra no mundo e a grande ocupadora de terra no Brasil. Eles investiram, e outras pessoas também estão investindo, por exemplo, na produção de um hambúrguer feito de planta, mas que tem várias características da carne.
As duas principais empresas nesse setor já valem 37 bilhões de reais, o equivalente a 60% do valor de mercado, hoje, da JBS, que é o principal produtor de proteína animal no mundo. Portanto, podemos ver como isso está crescendo. E, se continuar assim, como é previsto — os resultados recentes mostram isso —, a demanda por terra vai reduzir muito. Então, nós estamos nessa corrida para querer desmatar, dizendo que vai-se precisar de mais terra, mas tem gente que já fez as contas e está dizendo: "Isso é insustentável. A gente tem que ir por outro caminho". E isso já começa a avançar.
Eu sugiro que vocês vejam esse relatório que saiu na semana passada. Ele traz projeções que podem parecer muito otimistas, mas é preciso entender esses tipo de projeções. Eles veem que até 2035, por exemplo, nos Estados Unidos, vai haver uma redução de 60% da área de terra usada para a pecuária por causa dessas tecnologias voltadas para a produção de alimentos de outra maneira.
Acho que o Brasil tem que pensar nisso, no que está acontecendo no mundo e em como isso pode afetar a nossa economia.
Aqui, temos um exemplo bem interessante do que está acontecendo agora, no qual o Congresso pode ter um papel. Há essa grande ideia de que nós precisamos abrir mais infraestrutura na Amazônia e ocupar novas fronteiras. Será que isso é verdade? Nós vamos precisar mesmo dessas terras?
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Existem planos para abrir novas zonas que hoje estão intactas, mas esse mapa mostra onde está a concentração das pessoas e qual é a utilização da terra. Nessas regiões que já estão ocupadas, existem 500 mil quilômetros de estradas secundárias que estão, em geral, em péssimas condições. Se nós quisermos melhorar a produtividade e a qualidade de vida das pessoas que vivem nesses locais, precisaremos, por ano, de pelo menos de 400 milhões de reais só para manutenção dessas estradas — não estou falando de pavimentar, mas somente de melhorar os locais onde está a maioria da população. Então, por que abrir novas fronteiras, se a maioria da população está em torno dessas áreas em condições muito ruins?
Acho que esse é um tipo de planejamento estratégico que o Congresso — e o Tribunal de Contas também — pode forçar o Governo a fazer, de modo que ele pense sobre essas coisas, e, assim, coibir essa ideia de que temos que abrir mais a Amazônia, em vez de melhorar os locais onde a população vive.
É por isso que eu falo em combater a crença de que é preciso abrir mais a Amazônia para o desenvolvimento, quando, de fato, o que nós precisamos é melhorar a área que já está desmatada.
Obrigado pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Paulo Barreto, pesquisador associado do IMAZON.
Passo a palavra à Sra. Mariana Napolitano Ferreira, Gerente de Ciências do WWF.
A SRA. MARIANA NAPOLITANO FERREIRA - Bom dia a todos.
Queria agradecer o convite e parabenizá-los pelo evento. Acho que nós precisamos de mais debates embasados em ciência e em informações técnicas sobre a Amazônia.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu vou falar um pouquinho sobre áreas protegidas e desmatamento. Depois, vou falar também sobre como o desmatamento impacta os recursos hídricos do bioma.
Nós vimos os números de desmatamento. Como a Ane e o Paulo disseram, apesar de as unidades de conservação e as terras indígenas serem ainda barreiras importantíssimas a esse driver — apenas uma pequena parcela do desmatamento ocorre nessas áreas, e são algumas áreas isoladas que têm números elevados de desmatamento —, nós vemos que a área desmatada, nessas unidades de conservação e terras indígenas, vem crescendo ao longo dos anos.
Esse gráfico mostra a área desmatada dentro de unidades de conservação. Hoje, uma matéria do jornal O Globo estava falando que o aumento em terras indígenas foi de 84%.
Algumas áreas foram bastante impactadas este ano, como aconteceu com a APA Triunfo do Xingu, terras indígenas que tiveram 8% de todo o seu território desmatado em apenas 1 ano.
Os motivos e os drivers já foram mencionados aqui, mas o que eu gostaria de contar para vocês e falar um pouquinho é que pelo menos 15 das 20 unidades de conservação com maior área desmatada já tiveram algum processo ou proposta para redução ou alteração dos seus limites.
Existe, portanto, uma clara relação entre grilagem, atividades ilegais, desmatamento dentro de áreas protegidas e, depois, projetos, propostas, por meio de PLs e outros processos legais, para alteração dos seus limites. Isso é muito grave.
10:59
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Aqui está a lista das áreas. Existem outras.
Esse processo é conhecido fora do Brasil pela sigla PADDD. Aqui eu vou falar PADDD, mas basicamente estamos falando de recategorização dessas áreas — geralmente para áreas de menor status de proteção; por exemplo, propõe-se que uma reserva biológica vire uma APA —, da redução dos seus limites e da sua total extinção. Esses fenômenos vêm aumentando.
Estudos em outras regiões, e no Brasil não é diferente, mostram que áreas que já sofreram esses processos vão ter um aumento do desmatamento e da emissão de carbono muito maior até que o verificado em áreas que nunca foram protegidas. Isso mostra que, uma vez que se diminui a proteção legal dessa área, vão-se perder, sim, os ativos dela. Não dá para dizermos que vai haver uma redução dos limites, mas vai-se fazer ali um uso adequado da área. Não! Se há uma pressão para reduzir a área, é porque vamos perder a floresta ali protegida.
No Brasil, já aconteceram 90 eventos desse tipo, e nós temos, pelo menos, mais 162 propostas, muitas delas ativas. A área impactada ultrapassa 10 milhões de hectares. Estamos falando de áreas, na maioria das vezes, na Amazônia — 55% dos casos ocorreram na Amazônia, em 80% da área —,que foram criadas recentemente, até, com embasamento científico, com consulta pública, com solicitação da comunidade local, no caso de reservas extrativistas. Recursos públicos foram investidos na criação, na implementação dessas áreas, que agora estão sendo desmanchadas, na maioria das vezes, para acomodar interesses de poucos.
Aqui está a lista das áreas.
E esse gráfico mostra como esse processo vem acontecendo no Brasil. A partir de 2008, observamos um boom nesse fenômeno de redução e alteração das áreas protegidas, e, no último ano e meio, o boom é maior ainda. Então, esse fenômeno não vai deixar de acontecer, se algo não for feito de fato. Tínhamos aquela visão de que as áreas protegidas eram uma parte da paisagem permanentemente fixa, e isso está sento alterado.
Fizemos um estudo sobrepondo as unidades de conservação federais e estaduais na Amazônia aos principais vetores que vêm historicamente gerando alteração dos seus limites, para olhar para o futuro e ver, então, o que vai acontecer. Então, olhamos os projetos de desenvolvimento logístico, os projetos de geração e transmissão de energia — não os existentes, mas os planejados —, a produção agropecuária, o desmatamento, os requerimentos de mineração e a sobreposição ao CAR, Cadastro Ambiental Rural. Esses são alguns dos resultados. Das 300 áreas, mais ou menos, que foram alvo desse estudo, um terço, 110 áreas protegidas, está ameaçado por projeto de infraestrutura. Muitas áreas têm registro de desmatamento. Algumas delas têm mais de 50% da sua área desmatada.
O caso da mineração é um absurdo. São 219 unidades de conservação com processos minerários ativos. Pelo menos 118 dessas áreas são restritas à mineração. Vale dizer que esse estudo é de 2018. Em 2019, o número de requerimentos para pesquisa e lavra em áreas protegidas — unidades de conservação e terras indígenas — aumentou significativamente.
E o mais absurdo é que esses processos ficam ativos na Agência Nacional de Mineração, quando deveriam imediatamente ser eliminados. Por que há um processo ativo de requerimento de mineração dentro de uma área protegida, a qual não permite isso? O que se está esperando acontecer?
Além disso, há a sobreposição ao CAR, que demonstra que existe uma pressão por ocupação dessas áreas.
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Por conta disso, a WWF e parceiros lançaram no mês passado um site que se chama padddbrasil.org.br para monitorar e reportar esses processos. É importante que vejamos que quando há caso, conforme o Deputado falou, como o da RESEX Verde para Sempre, agora, temos uma discussão sendo aberta para a RESEX Chico Mendes e outras. Não são casos isolados. Isso está acontecendo como um fenômeno muito assustador de uma redução de área significativa na Amazônia.
Eu sugiro que todo mundo olhe e contribua, se houver coisa errada, se houver outras que não estamos acompanhando. É muito difícil acompanhar isso também nas esferas estaduais. Então, é muito importante que os parceiros e que as comunidades nos ajudem a monitorar esses fenômenos, para que nós possamos agir como uma rede.
O que eu acho que nós precisamos olhar em relação às áreas protegidas: a primeira coisa é que o planejamento setorial não é integrado ao MAPA e à existência dessas áreas no planejamento de diferente setores.
As áreas protegidas não podem ser alteradas para legalizar ilicitudes. Isso não faz o menor sentido, e acontece. Muitas vezes, as propostas têm motivos extremamente nobres, apresentados na sua redação, mas que não são os reais motivos que estão por trás delas.
Precisamos de transparência, participação e subsídio técnico na discussão desses processos.
No gráfico que o Paulo mostrou em que há o desmatamento caindo e a produção agropecuária subindo na Amazônia, poderíamos incluir mais uma curva, que é o aumento da área protegida. Nesse momento em que temos o desmatamento caindo e o valor de produção da Amazônia subindo, também houve o maior boom de aumento da área protegida no bioma. Estou dizendo isso para mostrar que esse discurso de que as áreas protegidas são um empecilho ao desenvolvimento não para de pé.
Enfim, eu tenho mudarei um pouco de assunto — mas, na verdade, está tudo relacionado —, para falar um pouco também de água. Falamos muito de ambientes terrestres, de perda de floresta, e nos esquecemos de falar de como o desmatamento e os seus drivers também impactam os ecossistemas de água doce na Amazônia.
Desmatamento, construção de hidrelétricas, mineração, mudanças climáticas, todos esses são fatores que vão impactar a biodiversidade aquática do bioma. Existem dados globais que mostram que a redução de populações de áreas tropicais e populações de espécies aquáticas são as mais dramáticas entre todas do mundo ao longo dos últimos anos.
Além disso, há o impacto na segurança alimentar, na disponibilidade hídrica e na produção de energia.
Um estudo feito por pesquisadores do IMAZON, WWF e outros tentou reconstruir a história dos corpos hídricos na Amazônia nos últimos 30 anos. Então, foi desenvolvido um algoritmo que pudesse olhar não só a calha do rio, mas também outros ambientes, como ambientes em que há uma inundação temporária, áreas úmidas, e como esses ambientes estão se comportando ao longo desses 30 anos. O que vimos foi assustador. Em média, 350 quilômetros de superfície hídrica na Amazônia foram perdidos por ano desde 1980. Isso dá mais de 11 mil quilômetros quadrados nos últimos 30 anos.
Aqui, o que nós vemos é que há uma flutuação natural por causa de cheias e secas, mas, depois de 2010, especialmente, a curva é descendente; não há recuperação. Então, houve uma redução dos corpos hídricos da Amazônica, um bioma sobre o qual sempre temos aquela visão de que tem água abundante e de que não vai faltar. Existe uma redução bem forte nessa superfície de corpos hídricos que impactou, especialmente, essas áreas. Áreas úmidas de inundação e pequenos rios são áreas importantíssimas, por exemplo, para a reprodução de várias espécies de peixe, que são a base da alimentação no bioma.
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Além disso, esse estudo também conseguiu olhar a antropização dos corpos hídricos que tiveram alguma alteração, especialmente provocada por pequenas barragens, mineração e reservatórios de hidrelétricas.
Todo esse azul claro que também acompanha o arco do desmatamento são pequenas barragens. São mais de 50 mil pequenas barragens no bioma que geralmente passam por processos de licenciamento extremamente simples, ou nem passam, e que têm um impacto cumulativo assustador na dinâmica e no fluxo hídrico da região.
Sem falar de mineração, e nem estamos falando da parte da qualidade, dos milhões de estudos mostrando a contaminação, seja de peixes, de botos, de comunidades ribeirinhas, com mercúrio, por causa da mineração e do garimpo ilegal na região.
E o que está em risco? Os estoques pesqueiros e a vida útil das hidrelétricas. Se nós temos um absurdo de redução de corpos hídricos, de superfícies hídricas todos os anos, a vida útil de grandes hidrelétricas na Amazônia, com certeza, não vai ser aquela prevista.
Também está em risco o regime de chuvas, porque a Amazônia também já gera suas próprias chuvas, o que vai impactar a produção de commodities em outras regiões do Brasil.
É disso que estamos falando: de uma sociodiversidade absurda, de um potencial de geração de renda, de clima, de mudanças para o mundo que não dá para ser dissociado.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Mariana.
Quero agradecer aos componentes desta Mesa: o Cláudio e o Sérgio, da coordenação do seminário, o Paulo Barreto, a Ane e a Mariana.
Eu estava pensando em ir para a próxima Mesa, por causa do horário. Eu não tenho inscritos que queiram fazer perguntas para esta Mesa. Se houver alguém, por favor, manifeste-se. Mas eu também não queria prolongar muito, para não avançar no horário, porque nós temos mais três Mesas grandes para o dia de hoje.
Então, eu pergunto se há alguém da plateia que gostaria de fazer alguma colocação ou alguma pergunta.
O SR. FLÁVIO MONTIEL - Sou Flávio Montiel, da Internacional Rivers.
Queria agradecer ao Deputado Nilto Tatto pelo fato de ter apresentado o requerimento, e à equipe técnica da Comissão de Meio Ambiente, que também se esforçou bastante para organizar o seminário.
Eu gostaria de fazer uma pergunta talvez mais dirigida à Ane e ao Cláudio.
Falaram muito das áreas não destinadas, das áreas não definidas e das áreas privadas. A minha dúvida — e eu queria ver se há um dado mais específico sobre isso — é se nessas áreas, durante o período de 2009, as queimadas incidiram mais em áreas de pasto ou em áreas novas de floresta.
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Mais alguém?
Para a Mesa, três questões chegaram pela Internet.
O Bruno Reis pergunta: "(...) quais são as estratégias para a mobilização e formação de populares como gestores do entorno das áreas protegidas e de terras indígenas mais ameaçadas?"
Isaque Mlak de Carvalho manda esta outra questão: "Em regiões em que a madeira é o meio predominante de movimentação de dinheiro e desenvolvimento, qual seria a alternativa para a substituição dessa monopolização?"
E a Roberta pergunta: "Crimes ambientais são cada vez mais frequentes. A lei de crimes ambientes é branda. Não seria interessante melhorar o conteúdo da lei de crimes para proporcionar melhor reparação?"
Depois de responderem as perguntas, vocês, que compõem a Mesa, já fazem as considerações finais, para nós começarmos a outra Mesa.
Concedo a palavra à Sra. Ane e, em seguida, ao Sr. Paulo Barreto. Na sequência, à Sra. Mariana, ao Sr. Cláudio e ao Sr. Sérgio.
A SRA. ANE AUXILIADORA COSTA ALENCAR - Nós estamos preparando outra nota técnica que faz essa análise sobre o fogo e o que está queimando, e é muito interessante observar que a coisa que mais saltou aos olhos foi o fato de muitas áreas de pastagem terem sido queimadas este ano — mais do que nos anos anteriores. Então, o incentivo ao uso do fogo não foi só relacionado ao desmatamento, mas também à manutenção de áreas de pastagem, etc. Houve um aumento também nessa área. Portanto, foi um incentivo geral ao uso do fogo sem licença, por exemplo.
O SR. PAULO BARRETO - Há aqui, também, uma pergunta sobre crimes ambientais: se a legislação é branda e o que poderia ser feito.
Acho que não é necessariamente branda, se nós pensarmos, por exemplo, no valor das multas, que é ser relativamente alto. A grande questão é a aplicação da lei. Além de haver penas mais altas, elas devem aplicadas rapidamente. Acho que esse é um problema, e isso piorou. Foi feita uma intervenção na forma de cobrança, foi criada uma espécie de câmara de negociação, o que vai tornar mais difícil ainda a arrecadação de multas ambientais. O trabalho do Tribunal de Contas já mostra que a arrecadação era de menos de 5%. Portanto, a cobrança das multas é ridícula. Então, eu acho que tem que melhorar essa aplicação.
Outra coisa é que, baseado na legislação atual, muitas vezes, o crime ambiental está associado a outros crimes, como lavagem de dinheiro, formação de quadrilha. Então, a investigação de casos, especialmente de grandes casos que envolvem esses outros crimes, também é uma forma inteligente de se ter uma penalização mais dura. Quando isso acontece, há mais eficácia.
Em relação à madeira, a produção da madeira pode ser feita de forma sustentável. A grande questão é que há muita ilegalidade e falta de aplicação do que é aprovado, inclusive, falsos planos de manejo para roubar madeira de outras áreas, como terras indígenas e unidades de conservação. Então, é importante aplicar essas penalidades e fazer com que, de fato, o manejo seja mais sustentável.
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Há outra questão aqui que é mais ligada à estratégia para mobilização e formação de populares como gestores. Eu acho que é importante, mas é preciso ter cuidado para saber o que se quer com isso. Muitas vezes, cria-se a expectativa de que essas pessoas do entorno serão fiscais. Sem de fato haver estrutura policial, elas vão se tornar alvo da ilegalidade.
O entorno tem também um papel grande ligado às oportunidades econômicas. Eu falei ali de turismo. O trabalho do ICMBio mostra que o investimento de cada 1 real no turismo gera 7 reais de retorno para o entorno. Então, é uma atividade que poderia ser fortemente incentivada na região, beneficiando essas comunidades locais.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Passo a palavra à Mariana.
A SRA. MARIANA NAPOLITANO FERREIRA - Eu posso comentar também a questão da mobilização popular, mas eu iria por essa linha das oportunidades. Cada área protegida tem seu conselho gestor, que fomenta a participação das comunidades na gestão daquela área. E algumas áreas — especialmente, reservas extrativistas, terras indígenas, reservas de desenvolvimento sustentável — possuem projetos de desenvolvimento sustentável, a partir do uso de produtos da sociobiodiversidade, que fomentam um modo de vida que já existia, mas que se torna cada vez mais importante nesse contexto. Vamos ouvir muito sobre isso nas próximas mesas. Temos cadeias, como do açaí e da castanha, ganhando cada vez mais valor.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Passo a palavra ao Cláudio.
O SR. CLÁUDIO APARECIDO DE ALMEIDA - Sobre a pergunta, nós não fizemos um estudo direto para separar o que foi pastagem do que foi floresta. Temos aquele indicativo que a própria Ane já mostrou também. Já tínhamos feito isso no INPE. Dentre os dez Municípios que mais queimaram, nove foram os que mais desmataram, segundo dados do DETER, confirmados depois pelo PRODES. Então, nós mostramos que existe um nexo direto na relação dessas duas coisas.
Eu queria aproveitar a palavra para abordar dois itens, em termos de considerações finais.
Primeiro, quero agradecer pelo convite — eu cheguei correndo e não consegui agradecer naquela hora — e pela oportunidade de estar aqui conversando com a Câmara e com a sociedade. Eu acho isso superimportante. E quero agradecer muito especialmente à posição que a Câmara e todas as entidades aqui presentes sempre tiveram de defender o INPE, defender essa liberdade para o INPE produzir dos dados. Isso é muito importante. O INPE continua fazendo um trabalho muito sério, contamos sempre com o apoio de vocês para fazermos nosso trabalho. Eu gostaria de deixar aqui, publicamente, meu agradecimento a todos.
Para finalizar, quanto a essa questão de produção, quero dizer que minha formação inicial é agronomia. Sou engenheiro agrônomo e converso muito com meus colegas de trabalho e de turma, que já se formaram há muito tempo. Está ficando cada vez mais claro que a rastreabilidade é ponto-chave para mercado. Já tive a oportunidade de falar aqui na Câmara há um tempo, em uma apresentação, que estamos cada vez produzindo mais e melhor, a um custo menor, mas, se não investirmos em rastreabilidade, não vamos conseguir vender isso para fora. As normas de acesso ao mercado estrangeiro são cada vez mais restritivas com relação à rastreabilidade de produtos. Então, se queremos continuar produzindo bem e vendendo bem, vamos ter de investir seriamente em rastreabilidade. E a rastreabilidade é a chave para o desenvolvimento sustentável. Aquele que produz bem, em conformidade com a lei, vai ter tranquilidade; aquele que não faz isso vai ter muita dificuldade em vender seu produto.
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Era isso que eu queria reforçar.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Passo a palavra ao Sérgio Guimarães.
O SR. SÉRGIO GUIMARÃES - Eu acho que, na sequência do seminário, uma coisa fundamental que esta Mesa como um todo traz é a informação de qualidade. Todo trabalho que busca defender a Amazônia, seus povos, sua cultura, seu modo de vida, deve ter a qualidade, como a que foi apresentada aqui por todos apresentadores. O trabalho do INPE é fundamental, e as análises que foram feitas e trazidas aqui pelas três organizações IPAM, IMAZON e WWF são fundamentais também para que possam ser colocadas na mesa e, como foi falado, não só ficar reagindo ao que é colocado, mas também fazer propostas a partir de análises consistentes e robustas. Eu acho que isso é fundamental.
O que me chama a atenção é que muitos dados e informações nos permitem encontrar caminhos tanto técnicos quanto sociais e políticos, para que possamos fazer o que é mais fundamental neste momento: virar esse jogo de devastação da Amazônia, por todos os malefícios que ele tem causado para o meio ambiente, para toda sua população, para o Brasil e, inclusive, para as atividades econômicas.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Sérgio.
Agradeço à Mesa e já vou convidar os palestrantes da próxima Mesa.
Antes, porém, eu quero fazer uma consideração. O Paulo Barreto citou aqui esse decreto que trata de conversão de multa. Nós apresentamos um PDL, um projeto de lei, uma iniciativa do Legislativo, para anular o decreto do Bolsonaro. Na verdade, aquele decreto vai criar outro fundo privado para o Salles, o “desministro”, fazer o que quiser com as multas. Além de poder dar isenção e desconto, pode colocá-las numa espécie de fundo privado, cuja utilização não passa por controle público social nenhum. Então, na verdade, é outro o caminho que eles querem fazer. Esse projeto para anular esse decreto do Bolsonaro tem a relatoria do Deputado Capiberibe. É bem provável que o relatório fique pronto na próxima semana e venha para a pauta da Comissão de Meio Ambiente. Informo isso para quem quiser acompanhar.
Também quero aproveitar aqui para dar um informe, como temos muita gente acompanhando de fora e aqui há um conjunto de atores, de organizações da sociedade civil, de movimentos que trabalham no campo na Amazônia. Nós aprovamos aqui na Comissão de Meio Ambiente uma proposta de fiscalização e controle que tem prerrogativas quase de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e tem uma agenda para trabalhar durante 6 meses.
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E nós estamos organizando, com apoio, inclusive, das Forças Armadas e da Polícia Federal, algumas diligências a serem feitas em algumas áreas. Então, é importante que o Parlamento vá lá. Como nós sabemos que há um processo de perseguição e de desautorização de servidores que estão lá na ponta fazendo atividades, às vezes, colocando em risco a própria vida, em virtude da ação de criminosos, há esse processo de criminalização e de perseguição também para os movimentos e para as organizações no campo. Chegam denúncias para nós aqui de queimadas criminosas em que o próprio IBAMA não pôde fazer a autuação. Enfim, é importante que façamos essas diligências.
Na verdade, quero provocá-los no sentido de nos ajudar a pensar em roteiros e locais, dentro dessa estratégia de cumprirmos o nosso papel de Parlamentares, no sentido de exigir que se cumpra a lei, e a pensar em políticas para aperfeiçoarmos todo o sistema de monitoramento e controle de desmatamento.
Obrigado, Mariana, Ane, Paulo, Sérgio e Cláudio. (Palmas.)
O SR. SÉRGIO GUIMARÃES - Obrigado, Deputado Nilto Tatto.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Para compor a próxima Mesa, que vai tratar do tema Dinâmicas e Impactos, quero convidar o Sr. Josep Iborra Plans, o Zezinho, da Comissão Pastoral da Terra.
É mais fácil assim — não é, Zezinho?
Quero convidar também o Sr. Kleber Karipuna, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira — COIAB; o Sr. Jackson de Sousa Dias, do Movimento dos Atingidos por Barragens — MAB; o Sr. Edilberto Francisco Moura Sena, da Aliança dos Rios da Pan-Amazônia; a Sra. Alessandra Cardoso, Assessora Política do Instituto de Estudos Socioeconômicos — INESC; e Alexandre Bahia Gontijo, Presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente — ASCEMA.
Tem a palavra o Josep Iborra Plans, o Zezinho.
O SR. JOSEP IBORRA PLANS - Enquanto abre a minha apresentação, eu quero dizer que morei em Rondônia e vou apresentar mais dados de Rondônia. Eu contei com dados da Comissão Pastoral da Terra sobre violência e conflitos na região e também com ajuda do Departamento de Geografia da UNIR, a Universidade Federal de Rondônia.
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Muitas coisas apareceram aqui, e nós vamos fazer uma apresentação mais de casos concretos.
(Segue-se exibição de imagens.)
Tem-se a impressão de que a floresta ficou como uma galinha dos ovos de ouro, cuja história os senhores conhecem. Agora, com a crise econômica, há alguns anos, parece que o pessoal se voltou novamente para a floresta como fonte de recursos. Este é um fenômeno que nós temos visto. O mecânico que acha que tem pouco trabalho, o que faz? "Vou arrumar um lote e abrir em tal lugar... Que tal lá dentro da área karipuna?" Ah, meu amigo, isso é uma fria. Ao final, foi para onde? Para os Soldados da Borracha, que é outra área que nós vamos ver aqui.
Entre os efeitos do desmatamento, eu quero destacar o da degradação do solo, porque ele mostra a insustentabilidade da colonização, do jeito como está sendo feita, e tem o efeito de círculo vicioso. Aqueles que desmataram há alguns anos voltam a procurar as florestas para avançar.
Nesta imagem está o ciclo conhecido da madeira: as derrubadas, as queimadas, a pecuária e as monoculturas. A ponta de lança é a madeira. A madeira é a ponta de lança do agrobanditismo. É um autêntico agrobanditismo que estamos vendo, o que provoca o desmatamento na Amazônia. Até planos de manejo de madeira estão despejando seringueiros no Acre. Os madeireiros não desmatam, mas são os que estão entrando, fazendo estradas e fragilizando as comunidades, acabando por expulsar o pessoal da floresta.
Aqui nós temos uma amostra, que é a famosa Estrada do Chaules, em Rondônia, no Município de Cujubim, próximo a Porto Velho. Chaules é um grande madeireiro da região de Cujubim, que foi preso recentemente, coisa inédita. Dizem que ele tem mais de 120 madeireiras. A estrada tinha uma porteira pela qual só entrava quem eles deixavam entrar. Era um lugar perigoso na área conhecida como Soldados da Borracha. Lá dentro, tentaram criar uma área de conservação estadual, o que foi rejeitado pelos Deputados Estaduais. Está comprovada também a sua relação com o narcotráfico.
A grilagem de terras é a primeira causa do desmatamento. Faz 25 anos que eu estou em Rondônia e tenho visto isso. Pode ter multas, pode multar se quiser, mas quem desmata acaba virando dono da terra. Enquanto não acabarem com isso, vão continuar desmatando, porque quem desmata tem um prêmio, e o prêmio é virar o dono da terra. Mais cedo ou mais tarde, quem desmata acaba sendo o dono da terra. Esta é uma coisa que vem desde a época do Teixeirão, da época da ditadura, que dizia: "Quem derruba o pau é o dono do toco".
Atrás da grilagem, vem a pecuária. Muitas vezes, a pecuária é só uma desculpa, porque o que interessa é a especulação imobiliária. Mas o preço da carne também não é desprezível, sobretudo depois que conseguiram fazer uma área de liberação da febre aftosa.
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Esta é uma matéria da Anistia que apareceu esses dias. Eles fizeram visitas a cinco áreas, comprovando o papel principal da pecuária. Essa é uma amostra onde se pergunta: "Por que isso acontece?" Por causa do aumento da demanda de alimentos no mundo, sobretudo de carne e, portanto, de terras agricultáveis. A Amazônia é considerada uma das últimas regiões que tem muita terra agricultável.
Esse é um mapa feito pelo Ricardo Gilson, que é um professor da UNIR. Ele mostra a demanda de terras no mundo e que o Brasil é uma das áreas que tem mais demanda. Essa demanda se concentra onde? Em vermelho são as áreas que têm título de propriedade, áreas regularizadas fundiariamente. Onde está a maior parte das áreas de conservação da natureza? Nessas partes que não estão regularizadas. Então a demanda se concentra na Amazônia.
Mas a regularização fundiária é como uma faca de dois gumes: por um lado, cria uma ordenação jurídica sobre as terras, mas, por outro lado, incentiva o desmatamento e a grilagem de terras.
Antes houve o Terra Legal, depois a Lei nº 13.465 foi vendida lá em Rondônia como a lei que ia acabar com os conflitos agrários. Estavam falando até em medida provisória de regularização por autodeclaração. Essa é a conversa que existe por aí. Acaba sendo dono da terra quem está em cima dela. Faz anos que o tema do conflito agrário não é mais a luta por assentamentos, é a luta pela posse da terra. A briga é pela posse.
Isso aqui são dados do Caderno de Conflitos, da CPT do ano passado, sobre as áreas em disputa. Uma coisa que custa muito é recolher os dados e dizer qual área estão disputando. Curiosamente, uma das áreas que mais apareceu foi Roraima. Mas, quando se analisam os dados do Brasil todo, vê-se que a Amazônia tem mais conflitos que o resto do Brasil. Há uns 60% dos conflitos que correspondem, mais ou menos, à área. Mas quando você analisa qual é a área que está em disputa, vê que quase 97%, no ano passado, são área da Amazônia. O resto do Brasil briga por mixaria de terras. Na Amazônia se briga pelas grandes extensões de terra.
Uma coisa que estamos constatando: se uns anos atrás houve um desvio da reforma agrária, pela ditadura militar, para a colonização da Amazônia, o atual Governo está reeditando essa estratégia. Houve uma audiência pública sobre regularização fundiária em Porto Velho. O que mais se ouviu foi esta frase da ditadura: "Ocupar para não entregar". Repetiu-se isso muito. Então, além da paralisação da reforma agrária, estão de novo incentivando a invasão das florestas.
Aqui está uma estatística dos decretos de desapropriação para reforma agrária. Foram acabando totalmente. Agora se diz que há mais de 66 assentamentos prontos, falta só a assinatura do Presidente, mas ele não faz. Não falo só da reforma agrária oficial, mas também da ocupação de terras pelos movimentos sociais, que está completamente criminalizada. Quando um movimento ocupa uma fazenda, agora não se espera nem a ordem de reintegração de posse, no outro dia está lá um exército, um monte de policiais, com helicóptero e tudo, retirando, prendendo e processando todo mundo, como aconteceu nesta fazenda do italiano, em Alvorada. Está ocorrendo essa situação, que criminaliza totalmente e persegue a ocupação de terras de latifúndio. Por outro lado, em áreas que há anos estavam consolidadas, mas que não tinham sido legalizadas, muitas vezes, por situações judiciais, por processos, agora as pessoas estão sendo despejadas. Áreas de 18 anos, de 20 anos, estão com processo de reintegração de posse.
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Aqui é mostrado onde é um pouco tolerada a ocupação de terras de latifúndio: nos últimos remanescentes de floresta, não apenas em reservas. Este é um caso que acompanhei, na chamada Fazenda Trianon, perto de Ouro Preto, onde havia quatro acampamentos de sem-terra independentes. Toleraram as ocupações nestas áreas de floresta, enquanto há um grande processo de expulsão de famílias, de despejo. Neste ano, em Rondônia, foram despejadas quase 800 famílias, quase o dobro do ano passado. Então não há regularização fundiária para os pequenos agricultores, apenas para os grandes grileiros.
Por outro lado, houve a promessa, rumores de campanha, de que se liberaria mais 1,5 milhão de hectares de terras de reservas, motivo pelo qual ocorreram muitas invasões de reservas em Rondônia. Aqui está uma dessas reservas, a FLONA do Bom Futuro, mas há muitas outras.
Por outro lado, essa autorização para expansão da cana-de-açúcar já estava planejada, era anunciada antes de acontecer. Isso incentiva o desmatamento. E o trabalho escravo também incide sobre o desmatamento. Eu não poderia deixar de citar esse fato.
Pediram que eu falasse um pouco do garimpo. O garimpo também tem tido um incentivo geral, há uma corrida para o garimpo. Este mapa — isso já foi citado aqui antes — mostra a superposição das concessões de áreas para mineração, pelo menos para pesquisa, em áreas indígenas, em reservas. Em que resultam? Em garimpos ilegais.
Ainda faz pouco... Aquela foto de cima não foi o delegado que postou, foto prendendo o pessoal do garimpo, com cocar. Nesta foto, em terra uru-eu-wau-wau, há uma secretária do Governo incentivando e participando da invasão, do loteamento de áreas. Isso se faz apenas com violência, pistolagem e milícias armadas, em geral.
E também vemos que boa parte da violência que registra a CPT está na Amazônia. Não há mais conflitos, mas 80% da violência dos últimos anos acontecem na região amazônica, muitas vezes em áreas de floresta, como mostram estas fotos.
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Aqui está citado esse fato, os assassinatos. Em 2019, já foram registrados 19 assassinatos na Amazônia, de um total, eu acho, de 23. Por exemplo, em Rondônia, temos que confirmar as causas agrárias de alguns, mas acho que vamos ter mais dois.
Esta imagem aqui embaixo mostra um velório no Seringal São Domingos, na Ponta do Abunã, onde já houve outra morte este ano. Ela ocorreu dentro do Estado do Amazonas, mas na região de divisa entre o Acre, Rondônia e o Amazonas.
Este aqui é o mapa do sul do Amazonas, no qual vemos a dinâmica de desmatamento, por um lado, junto com o avanço da fronteira agrícola. E este aqui é o Atlas de Conflitos da Amazônia, que fizemos há 2 anos e que agora estamos reeditando. Aqui também vemos onde acontece a maior parte dos conflitos. E o que vemos? Vemos que a maior parte dos conflitos acontece junto com o arco de desmatamento, uma coisa está junto com a outra.
Sobrou tempo. Está bom, não é? (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Zezinho, da Comissão Pastoral da Terra.
Convido agora o Kleber Karipuna, da Coordenação das Organizações indígenas da Amazônia Brasileira — COIAB.
O SR. KLEBER KARIPUNA - Obrigado, Deputado.
Eu estou aqui na Mesa representando também a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil — APIB, da qual a COIAB é membro. Nós formamos a rede de articulação do movimento indígena em nível nacional para defesa dos direitos dos povos indígenas.
Eu queria reforçar, no começo da minha fala, que acompanhei uma parte da exposição da Mesa anterior, e são bem interessantes os dados que os companheiros trazem. O Zezinho também traz alguns dados mais locais da região de Rondônia, mas os companheiros da Mesa anterior trouxeram vários dados recentes da última divulgação sobre os números do desmatamento na Amazônia. Chamou-nos muito a atenção o quanto o desmatamento próximo ou até mesmo dentro das terras indígenas cresceu ao longo desses 10 anos. Eu queria reforçar muito isso. Praticamente 42% dos desmatamentos, nos últimos 10 anos, pioraram nas terras indígenas nesse período.
Enfim, a fala dos companheiros da Mesa anterior, e, agora mesmo, do próprio Zezinho nos trazem o quanto é preocupante o cenário que está posto neste Governo, principalmente para o estrondoso crescimento desses dados. Queria reforçar também que a grande maioria das terras indígenas que se encontram com um número crescente de desmatamentos está em Estados que, de fato, mais desmataram na Amazônia brasileira. Como cabeça, puxando esses Estados, está o Estado do Pará.
Isso está muito atrelado à fala do Deputado que se manifestou aqui, lá de Alter do Chão, de cujo nome não me recordo.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Deputado Airton.
O SR. KLEBER KARIPUNA - O Deputado Airton.
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É superinteressante que ele reforça o quanto isso está atrelado... Fala-se do Estado do Pará, o Estado que mais desmatou na Amazônia. Em número de terras indígenas, as que mais foram desmatadas estão concentradas nesse Estado do Pará. Vê-se o caso emblemático agora e recente de Alter do Chão, com essa prisão dos companheiros ali e a apreensão de documentações e, enfim, de equipamentos do Projeto Saúde e Alegria.
Toda essa região está dentro do Complexo da Bacia do Rio Tapajós, que está sofrendo uma grande pressão econômica para o desenvolvimento econômico nessa região. Há vários empreendimentos sendo executados e planejados para essa região toda do Complexo da Bacia do Rio Tapajós.
Isso reforça ainda mais, de fato, essa tese de estarem buscando criminalizar lideranças e criminalizar as organizações da sociedade civil, para que o avanço do agronegócio e dos empreendimentos em unidades de conservação em terras indígenas venha mais vezes e mais forte, com essa pressão para cima desses territórios.
Atrelado a isso, há uma política totalmente anti-indígena nesse cenário que vivemos, pelo menos nestes últimos 10 ou 11 meses agora de 2019, principalmente. Era um cenário que já vinha crescendo, em anos anteriores, de usurpação dos direitos e, enfim, negação dos direitos.
E uma das discussões que fazemos é a de não reconhecimento do direito à demarcação das terras indígenas. Isso ficou muito claro nesses últimos 3 ou 4 anos, principalmente, quando temos garantido esse direito na Constituição Federal.
De um tempo para cá, praticamente 100% dos processos de regularização de demarcação de terras indígenas estão paralisados. Não adianta repetir aqui o que este Governo já tem posto na mídia claramente e qual é a sua verdadeira vontade em relação aos processos de regularização territorial dos povos indígenas neste contexto atual.
Isso tudo está atrelado, de fato, a esse conjunto de pressão econômica desde o Governo até os grandes empreendimentos das grandes empresas que têm seus interesses por trás disso em relação à exploração desses territórios.
Há um dado importante que trago também reforçando esses dados que saíram recentemente sobre o desmatamento das terras indígenas. Falo do absurdo do avanço da porcentagem de desmatamento nesses territórios, já que, em 30% dessas terras indígenas com maior número de avanço no desmatamento, estão concentrados os povos indígenas em isolamento voluntário de recente contato.
Essa é uma informação importante e preocupante para que fiquemos alertas, sejamos nós movimentos sociais das nossas organizações parceiras, seja o movimento indígena, seja esta Casa, o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal.
Precisamos lutar em relação a essa questão, porque nós estamos correndo um risco sério. O Brasil, o Estado brasileiro, está correndo um risco sério de retomar a imagem — e isso já está ficando muito feio dentro e fora do País — de assassino dos povos indígenas.
11:47
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Temos um número crescente, num cenário de 10 anos, em relação a dados sobre o desmatamento. Em 11 meses de 2019 apenas, tivemos um aumento muito acima da média no desmatamento. E, em 30% das terras indígenas que estão impactadas com o desmatamento, segundo informações que tenho, vivem povos indígenas ainda isolados ou recentemente contactados. Diante desse quadro, corremos o risco de reproduzir a época da ocupação, da invasão do País, quando vários povos indígenas foram dizimados. Isso é alarmante. Nós corremos um risco muito sério de isso acontecer.
Pelos dados que constam na FUNAI, esses povos existem ali naquela região. Ainda não há uma comprovação 100% de que haja essa circulação. Mas, existindo a informação, existe a responsabilidade do Estado brasileiro de averiguar e confirmar ou não essa informação sobre a existência desses povos.
Corremos um risco muito grande de eles serem dizimados, antes mesmo de esses povos serem contactados e de ser confirmada a sua existência em determinada região de uma terra indígena.
A política, na verdade, de não querer constatar que existam esses povos lá se agrava mais ainda com o crescimento do desmatamento, com o crescimento da política anti-indígena deste Governo, uma política que visa dizimar os povos indígenas, seja por meio do avanço de empreendimentos do agronegócio nos territórios indígenas, nas terras indígenas, seja por meio da supressão de direitos conquistados, seja por meio da não regularização fundiária dos territórios indígenas. Essas são formas com que este Governo está conseguindo avançar no assassinato não direto desses povos em relação à sua existência. Esse é mais um dado preocupante em relação a isso.
Nesse cenário todo, vamos ver a situação que aconteceu recentemente com a prisão dos brigadistas em Alter do Chão. Nos territórios indígenas, na grande maioria das vezes, o princípio do combate aos incêndios e às queimadas é feito pelos próprios povos indígenas. Temos exemplos de brigadas indígenas em várias terras indígenas no País, principalmente na Amazônia. Essas brigadas funcionam para combater esses focos de incêndio, por meio, por exemplo, do trabalho dos Guardiões da Floresta, experiência que nós temos em algumas regiões. Posso citar o trabalho na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, onde tive a oportunidade e o prazer de trabalhar e atuar por algum tempo.
Especificamente em 2015, houve o maior incêndio na Terra Indígena Arariboia. E quase 80% do combate aos focos do incêndio naquela área indígena, naquele ano, foram feitos pelos indígenas, seja por meio de brigadas indígenas organizadas formalmente, oficialmente, seja por meio dos Guardiões da Floresta, que estavam ali e fazem um trabalho que vai além do combate aos focos de incêndio. Eles fazem um trabalho de proteção e vigilância territorial. Na ausência do Estado brasileiro, para proteger esses territórios, os povos indígenas criam iniciativas próprias para controlar ou, pelo menos, tentar minimizar a invasão dos seus territórios. E qual é a resposta do Estado brasileiro, até mesmo de parte da sociedade, para esses povos? É a que vimos recentemente, com o assassinato de Paulo Paulino Guajajara. Essa é a resposta do Estado brasileiro. A resposta que parte da sociedade, principalmente os grileiros invasores que cobiçam as terras indígenas, dá aos povos indígenas é assassinar, matar os defensores das floretas. O caso de Paulo Paulino Guajajara está aí para provar a negligência do Estado quanto à vigilância, ao monitoramento e à proteção dos territórios indígenas e o quanto se está vulnerável hoje em relação a isso.
11:51
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O caso de Paulo Paulino Guajajara, assim como vários outros que ocorreram com pessoas que trabalhavam na proteção de territórios indígenas, nos preocupa mais ainda, porque pode vir a ser o estopim para assassinatos em série, se ele não for investigado a fundo, se não descobrirem como foi esse assassinato e quem são os verdadeiros responsáveis. Não foram os pistoleiros, os madeireiros que estavam lá que o mataram. Foram outras as pessoas que apertaram o gatilho. Indiretamente, outras pessoas apertaram o gatilho para matar Paulo Paulino Guajajara, assim como já vêm apertando por anos e anos. Se isso não for investigado a fundo, se não enfrentarmos de fato essa política anti-indígena que está enraizada no âmbito do Governo atual, o caso de Paulo Paulino Guajajara pode ser apenas o estopim de vários assassinatos que poderemos ter ao longo dos próximos 4 ou 5 anos. Então, acho que é importante reforçarmos isso.
Estou falando muito do trabalho dos Guardiões da Floresta porque muitos deles fazem esse trabalho de proteção do território voluntariamente e recebem do Estado esse tipo de tratamento. Esse é um trabalho que, no contexto de hoje, pode ser muito criminalizado, tentando-se inverter a lógica da proteção do território. O caso recente, por exemplo, dos brigadistas de Alter do Chão e da apreensão das documentações no Saúde e Alegria traz muito forte o quanto temos que estar alerta. O Deputado que falou anteriormente ressaltou muito isso. Hoje foi o Saúde e Alegria, daqui a pouco pode ser qualquer outra organização da sociedade civil, indígena ou indigenista ou ambientalista, a ver adentrarem nos seus escritórios, ilegalmente ou injustamente, numa manhã dessas, as ditas autoridades do nosso País para tentarem fuçar ou até mesmo implantar provas que criminalizem o trabalho feito pela sociedade civil, pelos povos indígenas, pelos ambientalistas e pelos indigenistas de proteção do território, de proteção da vida, de proteção do meio ambiente. E isso está mais claro ainda no cenário atual, quando estamos próximos de ter uma segunda CPI das ONGs.
11:55
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Esta Casa, Deputado, tem que trabalhar, primeiro, para tentar eliminar a possibilidade de se ter uma CPI dessa, porque já sabemos que, por trás, já existe o relatório final dessa CPI escrito. O objetivo principal dela é, novamente, como foi o da primeira CPI das ONGs, tentar criminalizar o trabalho das organizações da sociedade civil e dos seus militantes na luta pelo meio ambiente e na defesa dos direitos dos povos indígenas, dos quilombolas, dos ribeirinhos, enfim, de todos aqueles que precisam de apoio na defesa de seus direitos. Então, esse é um alerta importante que trazemos aqui.
Talvez eu já tenha passado um pouco do meu tempo, mas quero citar que, atrelada a essa questão do avanço das queimadas, está forte também a pressão em relação ao garimpo. Sabemos o quanto está sendo feito de lobby para se aprovar o garimpo em terras indígenas. E o discurso do Governo é no sentido de que a legalização da atividade ilegal vai melhorar a atividade, vai coibir o impacto ambiental. Isso é balela! Não vai acontecer.
Nós temos mineradoras que exploram próximo ou dentro de terras indígenas e que são legalizadas, e o impacto ambiental ocorre do mesmo jeito ou é até pior, porque a exploração aumenta, Então, vão continuar envenenando os rios, envenenando as pessoas, prejudicando a saúde das pessoas e dos peixes. Portanto, é uma mentira, e uma mentira das grandes, dizer que legalizar a atividade ilegal vai diminuir o impacto ambiental e social. Nunca! Tentam convencer os movimentos indígenas quanto a isso, mas não é isso o que vai acontecer.
Na verdade, o posicionamento do movimento indígena brasileiro é claro. E trago isso em nome da APIB e da COIAB, organizações que estou representando aqui. Nós somos contra qualquer tipo de mineração em terra indígena e vamos continuar debatendo isso, discutindo isso e atuando dentro desta Casa. Para isso pedimos o apoio de todos os Parlamentares para conseguirmos fazer esse debate em todas as audiências, sejam audiências para debater a possibilidade de haver mineração em terra indígena, sejam audiências para debater a questão ambiental, para trazermos a mensagem de que mineração em terra indígena não nos interessa.
Não adianta o Governo, o Estado brasileiro, cooptar lideranças indígenas, como está fazendo agora, de maneira muito forte, para irem contra as lideranças que estão historicamente lutando em favor dos povos indígenas, pela demarcação de territórios indígenas, contra qualquer empreendimento que venha a impactar as terras indígenas.
O que este Governo está fazendo agora é colocar lideranças indígenas que atuam fora do movimento indígena para trabalhar contra o movimento indígena. É o que este Governo está fazendo. Nós estamos vendo, constantemente, em vários locais do País, o quanto ele está atuando em conjunto com algumas lideranças indígenas que nunca estiveram junto na luta do movimento indígena e agora estão se pondo contra todo esse cenário.
O movimento indígena organizado, através das organizações de base, como APIB, COIAB, APOINME, ARPIN-SUL, ARPIN-SUDESTE, ATY GUASU, está sempre firme junto com as organizações parceiras indigenistas e ambientalistas, lutando fortemente contra isso.
Vou finalizar agora para não me estender muito e deixar também um tempo para a plenária fazer algumas perguntas.
Obrigado. (Palmas.)
11:59
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Kleber.
O Kleber lembrou bem — e repito só para situar quem está acompanhando pela Internet — que, quando Bolsonaro fez aquela acusação leviana às ONGs sobre o aumento das queimadas e do desmatamento, assim que a nuvem de fumaça chegou a São Paulo e a coisa explodiu para toda a sociedade brasileira e também no âmbito internacional, no dia seguinte, setores da base do Governo, puxados principalmente por aqueles que têm vínculo com a bandidagem que comete os crimes da mineração e do desmatamento de forma ilegal na Amazônia, conseguiram coletar as assinaturas necessárias para criar mais uma CPI das ONGs.
Eu perdi a conta, nos últimos 20 anos, de quantas CPIs foram criadas para apurar a atuação das ONGs.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Foram quatro, não é? Além daquela do ano passado — ou retrasado —, a CPI INCRA/FUNAI, que também era para atacar e criminalizar os movimentos populares e as ONGs. E eles querem instalar já essa CPI. Estão aguardando os nomes para fazer isso, justamente para poder fazer essa criminalização.
É importante que todos saibam que eles têm maioria aqui dentro da Câmara, como também no Senado. E o episódio de Alter do Chão ontem, a armação feita para criminalizar os brigadistas e as ONGs que atuam lá na região, vem para alimentar o discurso e colocar a CPI em funcionamento aqui. Então, eu chamo atenção para isso.
Eu tenho dito inclusive que, quando da liberação ou quando da anulação do decreto que anula o zoneamento do cultivo da cana nos Biomas Pantanal e Amazônia, setores do agronegócio — e eu sou testemunha de que, pelo menos nas últimas três conferências do clima, estavam vendendo o etanol brasileiro como sustentável —, setores que inclusive apoiaram o movimento para que o cultivo da cana não entrasse na Amazônia, falaram muito pouco agora contra esse decreto. Por isso, eu quero chamar a atenção para esse fato inclusive dos parceiros, daqueles que sabem da importância desses produtos no mercado internacional e que, neste momento, quando veem esses casos, não têm a solidariedade e não fazem o embate necessário, ou não têm a leitura correta do que está acontecendo neste País com a agenda do desmonte ambiental.
Bom, quem tem que falar mais aqui são os convidados, por isso, concedo a palavra ao Sr. Jackson de Sousa Dias, do Movimento dos Atingidos por Barragens — MAB.
O SR. JACKSON DE SOUSA DIAS - Bom dia. Meu nome é Jackson. Sou paraense. Nasci e moro em Altamira.
Pelos dados trazidos nas apresentações, percebemos que o Pará é o Estado que mais desmata e o que mais mata, é o Estado onde mais se morre e onde a Floresta Amazônica é mais saqueada. Altamira é o retrato disso. Aliás, em Altamira, que é o maior Município em extensão territorial, nesse último período, intensificaram-se as ocorrências de desmatamentos e de assassinatos de pessoas tanto na zona rural, como na zona urbana. Um dos indicadores disso é a construção de Belo Monte, que ontem se tornou a maior hidrelétrica no território brasileiro, com maior potencial, que contou com a presença de Bolsonaro na inauguração da última turbina.
12:03
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Recentemente, nós, o MAB e cerca de 30 organizações realizamos em Altamira o encontro Amazônia Centro do Mundo, por entendermos que a Amazônia brasileira e a Amazônia dos outros países são centrais para o equilíbrio do clima no mundo. No encontro, nós tivemos a participação de muita gente, de muitos ribeirinhos e de muitos indígenas — o próprio Raoni esteve presente —, bem como da população urbana, dos agricultores, de vários segmentos da sociedade da Amazônia atingidos. Foi interessante para nós debatermos o que nós queremos para a Amazônia, algo que vai além de denúncias.
No entanto, grupos de produtores e ruralistas, grupos contrários, tentaram tumultuar o evento. Nós tivemos que interceder por meio da Polícia Federal, da Polícia Militar e do Governo do Estado, para que não acontecesse algo mais grave. Quando nós falamos "algo mais grave" na Amazônia, estamos falando de assassinatos, de tiros, de balas. O grupo de ruralistas que estava lá estava preparado para tudo, e nós tivemos que enfrentá-los. Muitos jovens também participaram.
Este é o retrato do que acontece na Amazônia como um todo. Em Altamira, aconteceu isso porque a cidade está no epicentro. As instituições mostram o aumento do desmatamento em Altamira, o Município mais desmatado na Amazônia, não só por ser o maior Município do Brasil, mas também pela presença de Belo Monte.
Reportagem de hoje do G1 diz que, entre as dez terras indígenas mais desmatadas da Amazônia, cinco estão na área de influência de Belo Monte. Três unidades de conservação da Amazônia estão entre as dez unidades de conservação mais desmatadas. Belo Monte é, portanto, um fator que influencia.
Belo Monte, inaugurada ontem novamente, pela terceira vez, além de tudo, tirou muitos agricultores, muitos jovens, muitos ribeirinhos e muitos pescadores das suas áreas e os levou para a cidade, inchando o Município e a cidade de Altamira. Recentemente, aconteceu outra tragédia no Município, um massacre, quando foram mortas 58 pessoas. Boa parte delas não teve julgamento nem em primeira instância. Eram jovens pretos das periferias, vários dos quais das margens do rio e da floresta, porque foram trazidos por Belo Monte para dentro da cidade. São várias tragédias decorrentes de grandes projetos, como o de Belo Monte.
Um novo projeto, o projeto da mineradora canadense Belo Sun, agora ameaça a Bacia do Rio Xingu. Eles pretendem instalar o maior projeto de mineração de ouro a céu aberto do Brasil no mesmo local que está sendo impactado diretamente por Belo Monte, a Volta Grande do Xingu. Esta área em que a Belo Sun quer se instalar está em conflito e, com a chegada da mineradora, o conflito aumentou. Trata-se de uma área próxima à terra indígena ituna-itatá, de que aqui se falou, a terra indígena mais desmatada, próxima a vilas garimpeiras como a Vila da Ressaca e a Ilha da Fazenda.
A instalação dessa mineradora tem causado diversos conflitos, apesar de o Governo dizer que as mineradoras passam por um processo de licenciamento ambiental e que recebem licenças quando cumprem as tais condicionantes. Essas mineradores causam diversos conflitos. Um dos maiores conflitos na Bacia do Rio Xingu se dá por causa da instalação da canadense Belo Sun. Os ribeirinhos, indígenas e garimpeiros já estão sendo atingidos pela especulação imobiliária, e moradores da área urbana sofrem pressão para irem para a região da Belo Sun. Qual é a leitura do MAB em relação a estes conflitos, principalmente no Estado do Pará? A instalação destes grandes projetos acaba aumentando a especulação imobiliária, o valor dos imóveis e das propriedades rurais, o que gera o aumento da grilagem de terras e do desmatamento. Agora há uma nova vertente na Amazônia: o tráfico de drogas. Digo "nova" porque somente agora tem sido mencionada, mas é algo antigo, que data dos últimos 30 anos. A fronteira da Bolívia com a Amazônia brasileira é muito ruim por acesso terrestre. O que eles fazem lá? Compram grandes propriedades para construir pequenos aeroportos para aviões trazerem a droga da Bolívia para o Brasil.
12:07
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Recentemente, no dia 22 de março deste ano, no Dia Mundial da Água, a companheira Dilma Ferreira Silva, do MAB, foi assassinada em Baião, Município também atingido pela Hidrelétrica de Tucuruí, outro grande projeto. O mandante do assassinato mandou matá-la porque a terra dela era uma área perfeita para fazer uma pista de pouso para avião traficar droga do exterior. Agora nós temos que contar com esta nova vertente. Além da mineração, da hidrelétrica, da soja e do gado, agora é o tráfico de drogas, que expulsa os agricultores das suas propriedades e, ao mesmo tempo, recruta para o tráfico de drogas nossa juventude mais carente e mais pobre, a juventude das médias e das grandes cidades da Amazônia. Com isso, nós estamos vendo o aumento da violência e das facções.
Por outro lado, não só as facções, mas também as milícias disputam as áreas próximas dos grandes projetos. Isso acontece na Volta Grande do Xingu, na área atingida por Belo Monte e por Belo Sun. Há uma disputa para ver quem consegue grilar e vender aquelas áreas e, depois, receber indenização pela mineradora. Parece que as formas de desmatamento e de incêndio da Amazônia vão sendo aperfeiçoadas cada vez mais. O tráfico tem esta nova configuração.
Três elementos nos preocuparam muito neste ano: primeiro, o aumento da liberação de agrotóxicos pelo Governo brasileiro — mais de 200 tipos de agrotóxicos foram liberados; o glifosato, um dos piores agrotóxicos, usado no plantio da soja, mata todo tipo de planta que estiver ao redor: só sobrevive a semente da soja modificada. Segundo, o Governo Federal quer liberar o plantio da cana-de-açúcar na Amazônia, o que vai acabar forçando a disputa por terra, o conflito e o extermínio, porque os agricultores não querem os pequenos; são os grandes que os querem; com isso, acontecem a expulsão e o extermínio dos pequenos agricultores. O terceiro elemento é o aumento do preço da carne, por causa da doença que está atingindo as vacas na China. Com isso, aumentou a exportação da carne brasileira para os chineses e, em consequência, aumentou o preço da carne para os brasileiros, o que está incentivando os pecuaristas a produzir mais carne no Brasil. O que vai acontecer? O aumento do desmatamento e das queimadas, para a criação de gado para exportação, sobretudo para a China. Como eu disse, estes elementos nos preocupam, como preocupam aqueles que estão no epicentro da Amazônia. Como membro da Coordenação Nacional do MAB, eu acompanho alguns Estados, como o Amapá. No Município de Tartarugalzinho, as famílias atingidas pela hidrelétrica de Ferreira Gomes também reclamam muito do avanço da soja. Trata-se de uma das fronteiras que os ruralistas estão ampliando para o Amapá. Aliás, eles querem ampliar os portos do Amapá para melhorar a exportação da soja para a China, entre outros países. Isso também tem acontecido na região do Tapajós, com a construção de dezenas de portos. Eles querem construir portos em Santarenzinho e em Miritituba. Para quem não conhece Itaituba, no Campo Verde, mais de mil carretas levam, por dia, soja para os portos, soja que vai para a China. Eles querem ampliar os portos, querem fazer ferrovia e, como eles dizem, ferrogrão. No Estado do Pará, o Governo quer construir uma grande ferrovia para atravessar o Estado. Este projeto de infraestrutura, de certo modo, influencia diretamente o aumento do desmatamento e dos focos de incêndio na Amazônia. O MAB, como outras organizações que estão na Amazônia, luta para denunciar e propor uma nova forma de enxergarmos a Amazônia.
12:11
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No encontro que nós realizamos recentemente em Altamira, o Amazônia Centro do Mundo, foram formados seis grupos de trabalho. Nós elaboramos uma carta sobre o encontro e um documento oficial para ser levado para a COP, que acontecerá na Espanha, para que este assunto seja tratado com este olhar dos indígenas, dos ribeirinhos e da população urbana, que também sofre muito por causa do aquecimento global. Nós vemos as ruas asfaltadas e os reassentamentos urbanos coletivos que a Norte Energia criou para os ativistas do Belo Monte. Eles não têm árvores. Com isso, a cidade fica muito quente.
Nós queremos denunciar uma série de elementos, para mostrar um pouco deste estudo de caso de Altamira, não só por morarmos lá e por sermos de lá, mas também por estarmos no epicentro do desmatamento, das queimadas e, sobretudo, do aumento da violência. Nós temos que caminhar juntos, em prol de uma medida única.
O MAB defende que a agroecologia é fundamental como proposta dos nossos debates, mas não a agroecologia como forma de plantar na varanda das casas. Nós defendemos a agroecologia com a reforma agrária. Não é mais possível vivermos numa sociedade em que, além da soja, querem colocar a cana para a Amazônia. Portanto, a agroecologia é fundamental, na medida em que representa um incentivo às energias alternativas.
Para termos uma ideia, nos últimos leilões de energia elétrica da ANEEL, a energia solar já está mais barata do que, por exemplo, a energia hidrelétrica. Esta é uma forma de trabalharmos numa nova perspectiva, lembrando que não basta mudar a matriz de produção agrícola para a matriz agroecológica ou a matriz de produção hidrelétrica para a matriz solar. É preciso, também, que esta matriz seja para a soberania, mas não a soberania que Bolsonaro pensa, ou seja, um nacionalismo exacerbado que mira o fascismo. Nós precisamos da soberania popular para as populações da Amazônia, uma soberania que promova a distribuição da riqueza e o controle popular. Muito obrigado. (Palmas.)
12:15
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Jackson.
Convido o Sr. Edilberto Francisco Moura Sena, da Aliança dos Rios da Pan-Amazônia.
O SR. EDILBERTO FRANCISCO MOURA SENA - Bom dia.
Eu estou aqui pela Aliança dos Rios da Pan-Amazônia. Eu fui pego quase em cima da hora porque o Iremar, um dos líderes da aliança, pegou uma tal de malária e ficou lá. Então, eu tive que vir. Mas eu sou do movimento Tapajós Vivo, de Santarém do Pará.
Eu queria começar com um pensamento do Papa Francisco. Preocupado com o que está acontecendo na Pan-Amazônia e com a destruição que se acelera, ele começou a introduzir na moral católica a ideia do pecado ecológico. Esta é uma coisa nova: olhar para o que está acontecendo com o ecossistema como uma coisa que vem de Deus para o bem da humanidade e que a humanidade está transformando em sacrilégio.
É curioso que, na religião católica, a pedofilia era considerada só um pecado, até que a Justiça passou a focalizar o crime de pedofilia. Agora, o Papa Francisco está fazendo o contrário, em se tratando de ecologia. A destruição do meio ambiente, considerada crime, é agora considerada um sacrilégio, um pecado ecológico.
Quando falamos da nossa Amazônia, onde está o foco maior? O companheiro acabou de dizer que Altamira é um foco da desgraça na Amazônia. Eu pensava que era Santarém; outros pensam que é Manaus. Por que eu penso que é Santarém? Do ponto de vista da logística, do tal desenvolvimentismo extrativista, Santarém é ponto-chave, por estar localizada na frente de dois rios navegáveis para navios de até 60 mil toneladas. Por isso, a Cargill se instalou em Santarém. Com a instalação da Cargill em Santarém, a desgraça começou a chegar à nossa região, já que se tornou a nova fronteira agrícola do desenvolvimento já no tempo de Lula, depois no da Dilma, de Temer e dessa coisa... Eu já ia dizer uma coisa para ele.
Desde que a Cargill se instalou em Santarém, houve um aumento do plantio de soja — nós não conhecíamos a soja como planta em Santarém —, que hoje chega a 70 mil hectares plantados na região de Santarém, Mojuí e Belterra, do Planalto. Um foco está ali.
Na logística do agronegócio, não basta pensar no Porto da Cargill. A logística pensa no Porto da EMBRAPS, que é outro porto que querem construir no outro lado da cidade. Na luta contra a Cargill, nós éramos um grupinho pequeno, com o apoio do Ministério Público Federal. O Dr. Felício Pontes nos ajudou muito, mas considero que perdemos a guerra. A Cargill se instalou contra tudo e contra todos, continua ilegal na Justiça Federal, mas está funcionando com cara de pau desde 2003. Agora vem a EMBRAPS, outra grande empresa, querendo se instalar do outro lado da cidade. A luta está um pouco melhor e a consciência social já melhorou. Estamos tentando embargar.
12:19
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Além dos dois portos que o companheiro mencionou, entre Santarém e Itaituba, estão previstos 23 portos graneleiros. Atualmente, na frente da cidade de Itaituba, em Miritituba, já há quatro instalados. Olhem só a estupidez com que o capital trata a nossa Amazônia: como o Rio Tapajós é raso naquela região, eles resolveram usar dragas para desentupir a frente dos portos do outro lado do rio, jogando o lixo para a frente da cidade de Itaituba. O que me deixa inquieto é ver que ainda estamos passivos diante dos que estão agredindo a nossa região, e continuam as desgraças.
Vamos considerar o ponto de vista da saúde. Com 70 mil hectares de soja na região, já estendendo até o Mato Grosso, houve aumento do uso de veneno agrícola — acabaram de mencionar isso. Só neste ano, este Governo liberou mais de 200 agrotóxicos. Santarém tem um hospital regional. Fizemos uma pesquisa sobre o número de casos de câncer no hospital. Só neste ano, 750 pessoas doentes de câncer foram atendidas no hospital regional. Entrevistamos um médico neurologista do hospital e perguntamos se havia uma explicação sobre causa e efeito entre a entrada da soja na região e o aumento dos casos de câncer. Ele respondeu o seguinte: "Infelizmente, não temos ainda uma pesquisa para comprovar a causa e o efeito. No entanto, desde que a soja entrou na região, aumentou o número de casos de câncer no hospital". Já se fala até em transformar o Hospital Regional de Santarém num hospital apenas oncológico, dado o aumento da incidência de casos de câncer.
Foi levantada uma questão sobre a região do minério. No Rio Tapajós, calcula-se que já há mais de cem dragas escavacando o rio de maneira mais tecnológica, comparando-se com a bateia, o barranco, a balsa. Agora as dragas, os navios estão praticamente dentro do rio escavacando, jogando lixo. O Tapajós não é mais azul como era antes. Mas não é só isso: ele está envenenado com o uso do mercúrio, com o veneno agrícola da soja. Todos esses fatores estão agredindo as populações locais.
Foi mencionada também pelo companheiro — posso chamá-lo de companheiro? — a questão da invasão do garimpo nas terras munduruku, criando um conflito gravíssimo entre o próprio povo munduruku.
Eu queria levantar uma questão: no nosso movimento social, nós estamos tentando salvar aquilo que ainda temos. Especificamente quanto à Bacia do Rio Tapajós, nós estamos tentando juntar os lutadores de Juruena e de Teles Pires conosco, do Tapajós. Já conseguimos dar alguns passos. No entanto, é impressionante a desgraça que as hidrelétricas estão fazendo na Bacia do Rio Tapajós. No Rio Teles Pires, em Sinop — os senhores devem ter lido isto —, 13 toneladas de peixes apodreceram por causa dos impactos da barragem de Sinop. Isso é um exemplo do que está acontecendo no Rio Juruena, no Rio Teles Pires. Isso está na iminência de ocorrer também na Bacia do Rio Tapajós. Eu estou falando só da Bacia do Rio Tapajós. Para quem não sabe, ele é composto do Rio Juruena e do Rio Teles Pires. Os dois se juntam na fronteira entre Pará e Mato Grosso. Portanto, as águas desses dois rios abastecem o Tapajós. Só no Tapajós, no Pará, estão previstas sete grandes hidrelétricas.
12:23
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Quero concluir com a questão recente dos brigadistas, mas antes quero dizer que, caso nós da sociedade permitamos que os governos façam só a Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, sem pensar nas outras, só essa hidrelétrica vai causar um impacto violento de Itaituba a Santarém, porque o Rio Tapajós é um rio baixo. Ele tem uns canais que vão serpenteando, mas é um rio baixo. Então, se eles fizerem a Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, imaginem o impacto não só em Alter do Chão, a grande "Veneza de Santarém", como eles chamam lá pelo turismo, mas também no próprio ribeirinho. Daí a necessidade de nós juntarmos forças do Brasil e do mundo para impedir isso.
Lamentavelmente — eu vou dizer isso com tristeza —, a Dilma Rousseff estava decidida a fazer a Hidrelétrica São Luiz do Tapajós. Quando ela foi "impichada", na véspera de cair fora, então, fez aquele embargo. Eu estou esquecendo o nome no momento, mas houve o mesmo com o Xingu, quando, depois de embargarem de novo, fizeram Belo Monte. Isso não quer dizer que esteja proibido, mas só embargado no momento.
Agora, com este Governo que está aí, que não tem o mínimo sentimento para com a Amazônia e seus povos, estamos na expectativa negativa de que os chineses, que acabaram de chegar ao Brasil oferecendo grana para o Governo Bolsonaro, reiniciem a tentativa de construir a Hidrelétrica São Luiz do Tapajós. Imaginem o estrago não só ambiental, mas econômico e social na região do Tapajós!
Quando eu aceitei vir aqui, foi para partilhar as preocupações que nós temos. Existem tentativas de barrar a desgraça ampliada. No entanto, o capital está indo com força na questão da soja, na questão da logística dos portos. O companheiro mencionou a Ferrogrão, outra desgraça, não apenas porque é uma ferrovia que passa de um Estado para outro, mas também vai atingir áreas de proteção ambiental no caminho entre Mato Grosso e Miritituba. São várias as áreas de proteção ambiental, as áreas indígenas por onde vai passar.
12:27
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Eu estive fazendo as contas por causa de uma experiência em Juruti, onde fizeram uma ferrovia entre a mina de bauxita e o Porto de Juruti. Eles tinham que abrir 100 metros para um lado e 100 metros para o outro e foram comprando as terras dos agricultores e dizendo: "Nós só vamos comprar 100 metros. Vocês ficam com um lado, e nós, com o outro". No entanto, quando se abre uma ferrovia, não se pode mais transitar no entorno pelo risco, pelo perigo que há. Imaginem que a ferrovia que eles querem fazer — e estão decididos a fazer — entre Mato Grosso e Miritituba vai empacar tanto terras indígenas como também o caminho dos agricultores. Então, isso tudo é violência contra os nativos.
Diante dessa situação, eu quero concluir com o que aconteceu recentemente e já foi falado aqui — inclusive o Deputado Faleiro mencionou — em Alter do Chão. Nós nos surpreendemos com aquilo e ficamos nos perguntando: "O que está por trás?" Aí começamos a fazer alguma ligação. Está acontecendo uma pressão popular na Colômbia, na Bolívia, lá em cima, no Chile, e o Governo brasileiro, que tem destruído na marra a nossa região, começa a se preocupar, porque, mais cedo ou mais tarde, vai ter que levantar a população, como em outros países. E eles estão fazendo esse jogo de começar a assustar.
Esse caso lá em Alter do Chão, com essa invenção deles de acusar o Saúde e Alegria e acusar os três rapazes, é uma forma de dizer a nós lá do Tapajós Vivo e a outros: "Vocês se cuidem, porque também vão ser ameaçados". Eu não ficarei surpreso se, em breve, chegar a polícia lá no nosso movimento querendo fazer o mesmo. Foi bonito o que nós fizemos até agora em apoio ao PSA, mas nós precisamos nos juntar mais para que o Governo sinta que, de fato, nós somos capazes de defender a nossa dignidade, a nossa terra e a nossa Amazônia.
É nesse sentido que eu penso que nós precisamos acordar e não ficar apenas olhando de fora, lendo jornal, ouvindo televisão. Precisamos começar a ter mais unidade na defesa do nosso patrimônio, que é físico, mas é humano também, como na questão dos indígenas, dos quilombolas e de nós caboclos da região.
Por enquanto, basta. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Sr. Edilberto.
Passo a palavra agora para a Sra. Alessandra Cardoso, do Instituto de Estudos Socioeconômicos — INESC.
A SRA. ALESSANDRA CARDOSO - Boa tarde.
Eu sou a Alessandra do INESC e gostaria de agradecer imensamente o convite para estar aqui compondo esta leitura coletiva sobre o que está acontecendo em relação ao desmatamento e às queimadas na Amazônia.
12:31
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Quero dizer também que nós somos parte da organização do evento e achamos muito importante haver espaços qualificados de debate e de discussão política como este.
Há um turbilhão de más notícias todos os dias. Muito tem saído no debate público, mas muito tem se perdido. Reunir, como no evento aqui, INPE, pesquisadores e movimentos sociais para trazer uma reflexão aprofundada sobre o tema é muito importante nesse momento.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Sra. Alessandra, peço só 1 minuto, porque me perguntaram aqui por que o Ministério do Meio Ambiente não está presente neste debate muito importante.
Eu quero registrar que o Ministério do Meio Ambiente foi convidado para estar aqui presente, mas não mandou nenhuma representação.
A SRA. ALESSANDRA CARDOSO - Infelizmente.
Uma das contribuições que pensamos para este debate, para este seminário — coube ao INESC fazer essa reflexão com os senhores — é exatamente essa questão do orçamento público, das políticas de enfrentamento ao problema das queimadas e do desmatamento na Amazônia, além da relação entre isso e o orçamento público. Os dados de 2019, principalmente, já revelam ou reforçam esse cenário a que assistimos e que estamos discutindo aqui.
(Segue-se exibição de imagens.)
O tema da minha apresentação é: O orçamento público e o aumento das queimadas e do desmatamento.
Antes de passar para os dados em si — o que há de mais interessante —, também trouxemos um pequeno resumo de alguns dados ainda preliminares que levantamos para um estudo que o INESC está fazendo sobre a execução do orçamento do Ministério do Meio Ambiente neste ano de 2019, com atenção para alguns temas, entre eles o das queimadas e do desmatamento. Quanto aos dados que vamos apresentar, a execução vai até 26 de novembro. São dados os mais recentes que temos. A ideia é fechar a análise da execução deste ano. Então, são dados preliminares, mas que resolvemos trazer, disponibilizando-os por meio de um folheto que está circulando.
É importante dialogar sobre o que tem aparecido e sobre como o próprio Ministério do Meio Ambiente tem reagido aos dados já divulgados sobre o desmatamento. Só para lembrar, no começo do Governo Bolsonaro, já no dia 2 ou 3 de janeiro, se eu não me engano, foi feita uma medida de reestruturação da gestão dos Ministérios. Chamou bastante atenção que a Secretaria de Mudanças Climáticas tenha sumido da estrutura do Ministério do Meio Ambiente. A mudança do clima e o combate ao desmatamento sumiram do Ministério do Meio Ambiente de Bolsonaro. Isso foi no dia 2 de janeiro, quando houve uma das primeiras medidas deste Governo. Depois, mais recentemente, o Governo disse que o País vai ter que pedir verba para combater o desmatamento na Amazônia, que, por sinal, é uma questão cultural. Não cabem mais considerações sobre isso, pois já tem sido bastante dito.
Quando olhamos para essas falas e ações concretas e materiais de desmonte da estrutura do Ministério e desmonte do orçamento — depois dizem que não há recursos — e para os dados do orçamento, do que está previsto ou deveria estar sendo executado em 2019, o que vemos? Por exemplo, considerando-se o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, em que há, entre várias ações, apoio e financiamento a projetos de mitigação e compensação de mudanças climáticas, dos 357 milhões de reais de dotação prevista, nenhum centavo foi aplicado até agora. Então, esse é um elemento.
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O Ministério do Meio Ambiente tem um orçamento que gira em torno de 3 bilhões de reais — já foi de 6 bilhões de reais. E, possivelmente, no próximo ano, se nada for feito, a proposta do Governo é que vá para 2 bilhões de reais. Boa parte desse dinheiro vem de fontes — aquelas que alimentam o Ministério do Meio Ambiente — que destroem o meio ambiente, que extraem recursos como petróleo e minério. Posso citar ainda a própria compensação pela utilização dos recursos hídricos.
Quando consideramos os recursos do Ministério do Meio Ambiente que vêm dessa fonte — é uma fonte preciosa, até pela sua origem, e deveria estar sendo 100% executada, e muito bem executada, pelo órgão —, vemos que, dos 298 milhões de reais disponíveis para o orçamento do Ministério este ano, 296 milhões de reais simplesmente não vão ser gastos. Por quê? Porque são para compor a reserva de contingência. O gasto é interditado para gerar caixa para o Governo. Então, não é para ser executado.
No caso do Fundo Amazônia, praticamente desmontado, quase nenhum projeto foi aprovado este ano. Continuam lá 103 projetos. Entre esses projetos, por exemplo, foi aprovado um, no começo de fevereiro, para o Estado do Amazonas fazer a regularização fundiária e implementar o CAR — Cadastro Ambiental Rural de 54 mil pequenas propriedades de até 4 módulos fiscais, referentes à agricultura familiar. Dos 29 milhões de reais, nenhum recurso foi desembolsado.
Então, quando vemos esse cenário e olhamos depois para os dados da execução orçamentária, percebemos que há uma decisão política deliberada de não executar o recurso — no final vou falar um pouco mais sobre isso —, que já é, por si só, absoluta e historicamente insuficiente para enfrentar o desafio gigantesco, não de um governo, mas da sociedade, do mundo, de preservar o meio ambiente, a Floresta Amazônica inclusive.
Neste levantamento preliminar que fizemos dos dados do orçamento — os dados da execução, como eu disse, são até dia 26 de novembro —, vemos que existe uma correlação muito evidente, quase óbvia, mas é bom que a reforcemos, entre o aumento do desmatamento, conforme os dados que o PRODES tem disponibilizado, e o comportamento do orçamento público. Aqui nem estamos falando de execução orçamentária, o que de fato foi gasto daquilo que havia disponível. Aqui ainda estamos falando só de recurso autorizado, quer dizer, aquele que, em tese, é o orçamento disponível, ao longo do ano, para ser executado por determinado órgão ou política pública.
Estes dados são do Ministério do Meio Ambiente e estão completos. Ali dentro está o IBAMA, o ICMBio, o próprio Ministério do Meio Ambiente e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. O que vemos é que existe, então, a correlação muito óbvia entre os dados do PRODES e os dados do orçamento. Aqui eu nem estou tratando do orçamento anual fechado de janeiro a dezembro. Fizemos um levantamento que considerou o mesmo período do PRODES, que é de agosto a julho. Então, de agosto a julho de 2019, o que vemos é uma queda drástica do orçamento autorizado. Depois vamos mostrar os dados do orçamento executado.
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O cenário que nós temos é o de um orçamento sistematicamente estrangulado ao longo de anos. Esse não é um processo recente. Pelo menos desde 2014 o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, assim como o de outros órgãos e de outras políticas públicas essenciais, tem sido sistemática e drasticamente cortado, num contexto de tentativa de ajuste fiscal absolutamente fracassado. Em 2019, para todas as áreas, também para o Ministério do Meio Ambiente, isso atinge níveis críticos e dramáticos, que repercutem e têm relação com esse cenário não trágico, mas criminoso, que estamos vendo.
Com relação à PLOA, nós estamos em novembro e o Congresso Nacional está discutindo o Orçamento para 2020. Então, é importante verificarmos como está o orçamento do meio ambiente para enfrentar o problema de desmatamento e queimada na Amazônia. Mas o que vemos na proposta do Governo para o orçamento do Ministério do Meio Ambiente em 2020 é o menor da série histórica, no valor de 2,7 bilhões de reais.
Vemos que o Ministério do Meio Ambiente tem todas as políticas e os programas ligados ao meio ambiente, mas, quando olhamos para as questões específicas de cada programa ou quais ações orçamentárias são destinadas à prevenção e ao controle do desmatamento, verificamos que esse cenário se torna ainda mais crítico.
Como eu disse, no começo do Governo, já houve um desmonte da institucionalidade capaz de executar e coordenar uma política de suma importância, que também não é só do Ministério do Meio Ambiente, como já mostraram algumas falas — e isso vai ser forçado à tarde. O próprio PPCDAm, uma iniciativa de fiscalização, monitoramento, controle e estímulo à preservação da floresta, envolve vários órgãos e várias políticas. Então, ter no Ministério uma institucionalidade capaz de executar e coordenar essa política é extremamente essencial. E também ter uma ação deliberada para não executá-la resulta no que estamos vendo aqui: de um orçamento para o Programa de Mudanças Climáticas de 446 milhões de reais de dotação inicial, valor que poderia ter sido gasto agora, já próximo ao final do ano, foram gastos, na verdade, apenas 40 milhões de reais. Para 2020, a proposta é que isso caia ainda mais.
Dentro desse programa, uma das principais ações orientadas mais especificamente para enfrentar o problema é a ação de prevenção e controle de incêndios florestais, que está a cargo do IBAMA. Vemos aí também o mesmo cenário: de um orçamento autorizado de 47 milhões de reais, foram executados 25 milhões de reais até agora, já muito próximo do final do ano. Para 2020, a proposta é que essa ação disponha de apenas 29 milhões de reais. O que estamos vendo é a insuficiência disso e o que significa em termos de escolha política. Há outros dados que estamos levantando, também no fact sheet.
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Mas o fato é que, sim, está em processo de tramitação tanto o Plano Plurianual — PPA para o período de 2020 a 2023 quanto o próprio Orçamento. E no PPA há várias emendas que tratam da criação de um programa específico de prevenção e controle do desmatamento e dos incêndios nos biomas, com o objetivo exatamente de reduzi-los. Termos esse programa é importante — é claro que, para isso, tem que haver uma decisão política e institucional, uma estrutura de órgão —, até para que possamos, depois, fazer o monitoramento e cobrar metas. Não adianta termos um programa vazio. É necessário termos metas, termos programa e termos orçamento para ele. Foram feitas emendas — três ou quatro —, e eu acho muito importante ficarmos de olho e reforçarmos a importância da aprovação delas.
No PLOA 2020, há emendas substantivas propostas pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e pela Comissão Mista sobre Mudanças Climáticas para a ação de prevenção e controle dos desmatamentos, cuja dotação inicial é de apenas 29 milhões de reais. Há propostas de 40 milhões de reais em emendas, de 116 milhões de reais em emendas e de 100 milhões de reais em emendas. É um recurso muito substantivo até historicamente, pelo que temos visto, para essa ação. Mas não adianta apenas termos o recurso. Ele precisa ser aprovado, e nós defendemos que ele seja aprovado. É importante também cobrarmos que haja capacidade institucional e que o Governo execute esse recurso. Então, o próprio monitoramento do recurso torna-se, hoje, uma estratégia importante para termos um indicador, nesse cenário trágico e criminoso que estamos vendo, que mostre como está sendo a execução dele.
O meu tempo já acabou? (Pausa.)
Eu queria falar, bem rapidamente, de algo que dialoga muito com os tópicos das Mesas. Nós estamos tratando aqui de orçamento. "Olha, o Ministério do Meio Ambiente, como um todo, vai ter no próximo ano, de acordo com a proposta do Governo, 2 bilhões de reais." Já foram 6 bilhões de reais, 7 bilhões de reais poucos anos atrás. Nós ficamos falando de questão fiscal, orçamento, mas é importante politizarmos a discussão. Por que têm que ser 2 bilhões de reais, e não podem ser 10 bilhões de reais ou 20 bilhões de reais para o orçamento do Ministério do Meio Ambiente? Qual é o valor político, social ou ambiental da escolha política de se colocar um orçamento de 2 bilhões de reais, e não de 10 bilhões de reais? Ele não existe. Este é o ponto com o qual eu queria terminar: essa é uma questão política, uma escolha política. Não é uma lei da física, uma lei da gravidade. Não é tão certo, quanto é certo que a terra é redonda, que não pode haver um orçamento 10 vezes maior ou 20 vezes maior para se garantir proteção para a floresta, para a Amazônia e, fundamentalmente, para garantir o direito de quem vive na Amazônia e protege a floresta.
Então, esse discurso político de que não há dinheiro, seja por conta da crise fiscal, seja porque o meio ambiente é um órgão periférico, é extremamente equivocado, desastroso. Ele contribui para esse cenário que estamos vendo de dificuldade de se encontrar saídas para o que esta Mesa está discutindo: o que nós queremos, como povo, como sociedade, como Nação, para a Amazônia? O que a Amazônia quer para a Amazônia? O que os povos da Amazônia querem para a Amazônia?
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Essa discussão é muito importante, porque o orçamento é uma escolha política e também econômica. Se hoje houvesse 20 vezes mais brigadistas qualificados, ou 100 vezes mais brigadistas qualificados, ou se houvesse Bolsa Floresta, ou se houvesse uma economia da sociobiodiversidade com recurso público, essa seria uma opção econômica de se gerar renda, gerar ocupação e proteger a floresta.
Nós não podemos ficar reféns de 2 bilhões de reais ou de 30 bilhões de reais para a ação de prevenção e controle do desmatamento. No contexto atual, precisamos ousar mais e realmente refletir sobre o destino da Amazônia e o nosso, como povo, como sociedade. O debate que está acontecendo aqui é muito importante.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Alessandra Cardoso, do INESC.
Eu convido para fazer uso da palavra o Sr. Alexandre Bahia Gontijo, Presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente — ASCEMA.
O SR. ALEXANDRE BAHIA GONTIJO - Gostaria de agradecer o convite e fazer só uma correção: eu sou Presidente da ASIBAMA-DF, e vim aqui a convite da ASCEMA Nacional. A ASIBAMA-DF representa os servidores da carreira de especialista em meio ambiente no Distrito Federal, que engloba IBAMA, ICMBio, Serviço Florestal e Ministério do Meio Ambiente. A ASCEMA é a nossa associação em âmbito nacional.
Eu trouxe uma apresentação que já fiz aqui na Câmara, para me guiar, mas vou falar de assuntos mais atuais. Nela conta-se um pouco sobre o desmonte institucional da pasta ambiental do Governo — e é bom esta apresentação vir depois daquela feita pela Alessandra, que tratou da parte orçamentária, e eu vou complementá-la com as questões institucionais — e como os servidores estão sofrendo com isso. Eu quero também chamar a atenção para alguns acontecimentos bem recentes em relação à exploração de madeira no Brasil.
Eu sou servidor do Serviço Florestal, pesquisador do laboratório de produtos florestais. Trabalho diretamente com pesquisas sobre como se utilizar a Amazônia de maneira sustentável. Nós temos algumas coisas a ponderar. Todo mundo que está preocupado com o desmatamento na Amazônia tem que ter muita atenção para o que pode vir a acontecer — e já está acontecendo —, piorando muito o cenário de desmatamento.
(Segue-se exibição de imagens.)
Neste eslaide temos a estrutura que havia no Ministério do Meio Ambiente: as autarquias ICMBio e IBAMA, o Jardim Botânico e o Serviço Florestal, todos vinculados ao MMA. No começo do ano, através da Medida Provisória nº 870, nós tivemos o início do desmonte do Ministério do Meio Ambiente. Desde a campanha presidencial, o Presidente já vinha falando de maneira bastante agressiva sobre o meio ambiente. Ele chegou a ponderar o fim do Ministério do Meio Ambiente, o que não aconteceu por pressão da sociedade. Mas, de maneira ainda mais perversa, o Ministério foi totalmente paralisado, e várias de suas atribuições foram perdidas.
Eu vou passar alguns eslaides bem rapidamente, porque já me estendi muito e tenho muita coisa para falar. Queria só mostrar as notícias sobre os ataques e algo mais.
O que aconteceu? O Serviço Florestal é um órgão que trabalha diretamente com a exploração florestal sustentável. Ele propõe um modelo de exploração sustentável da Amazônia. Inclusive, o nosso laboratório pesquisa produtos que podem ser explorados e gerar recurso e renda para as pessoas sem derrubar florestas. Ele foi, então, deslocado para o Ministério da Agricultura, o que levou a uma série de mudanças nos rumos desse órgão e várias coisas acabaram se perdendo. Nós temos visto que esse processo continua, mas ainda estamos observando, já que a situação no Ministério do Meio Ambiente não é muito melhor — na verdade, é até bem pior em termos de paralisia e desmonte.
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Outras partes do Ministério do Meio Ambiente também foram removidas ou eliminadas. Por exemplo, a Secretaria de Mudanças Climáticas foi extinta, a Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental foi deslocada para o Ministério do Desenvolvimento Regional e a de Extrativismo foi para o Ministério da Agricultura. Isso acabou retirando algumas atribuições e diminuindo muito a capacidade do Ministério do Meio Ambiente em responder a problemas que inclusive estamos enfrentando hoje, desde o desmatamento na Amazônia até a questão do petróleo na nossa costa. Isso começou no início do ano, e estamos vendo como tem afetado atualmente.
Para falar um pouco de floresta, eu não vou me delongar, mas nós já discutimos bastante sobre a importância das florestas para o mundo e a importância da Amazônia em termos locais, regionais e globais. Até temos visto o pessoal do Governo dizer que a Amazônia não é o pulmão do mundo, é o oceano. Isso não é incorreto. De fato, a maior parte do oxigênio vem do oceano. No entanto, se a Amazônia não é o pulmão, eu diria, como cientista, que é o coração, já que ela é uma usina hídrica. Ela bombeia água para o resto do continente americano. Como já foi citado aqui, boa parte das chuvas que caem no Centro-Oeste e no Sudeste vem da Amazônia. A ausência da Amazônia teria como consequência a diminuição de chuvas, o que afeta toda a produtividade do agronegócio e toda a economia brasileira. Portanto, se ela não é o pulmão, eu diria que é o coração. Ela bombeia água, que é a essência da vida neste planeta.
É fundamental que tenhamos noção disso, da importância que essa floresta tem em pé. Isso já está demonstrado cientificamente. Nós temos vários trabalhos que falam sobre os rios voadores. Esses rios voadores deslocam um volume de água maior do que o do Rio Amazonas. Imagine perder um rio dessa magnitude, que traz água para o resto do continente. Além disso, eles têm um papel central na regulação climática do planeta como um todo.
Aqui está um pouco da missão do SFB no MMA e como as coisas têm mudado no Ministério da Agricultura. Nós trabalhamos bastante com o pessoal do IBAMA. Eu sou especialista em identificação de madeira, e nós treinamos o pessoal da fiscalização em identificação de madeira, desenvolvemos ferramentas de rastreabilidade em madeira para tentar fomentar um setor florestal saudável. Como já foi dito, é possível produzir madeira na Amazônia sem perder floresta. O problema é que temos um contexto do setor bastante complicado.
Eu vou passar um pouco mais rápido para chegar aonde eu acho que vai ser importante.
Isso é um pouco do que fazemos lá no laboratório.
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Este é o Inventário Florestal Nacional, que também é desenvolvido pelo Serviço Florestal e é parte do que nós tememos que possa mudar.
Este é o Cadastro Ambiental Rural, no qual muita coisa já mudou de lá para cá.
Eu quero focar um pouquinho no caso das concessões florestais e nas possibilidades que nós temos na Amazônia.
A Amazônia é uma região com recursos imensos, de valores inestimáveis, começando pelos serviços ecossistêmicos que ela desempenha, como as chuvas, que caem na região como um todo. Isso ocorre só por ela estar lá, ela faz de graça. Só por ela existir, já há uma quantidade diferenciada de chuvas, o que permite termos duas safras ao ano, uma das maiores produtividades agrícolas do planeta.
Esse é um ponto. Os outros pontos são sobre o que ela tem em termos socioambientais, lá dentro.
A Amazônia tem uma série de produtos que vão desde a madeira, passando por fármacos, cosméticos, alimentos e uma série de coisas as quais podemos explorar sem perder floresta, com valores agregados extremamente altos, muito maiores até do que carne ou soja, se soubermos investir, como a Alessandra muito bem colocou. Se tivermos investimentos e decisões políticas nesse sentido, teremos condições de ter um setor florestal de altíssimo nível, com valores agregados enormes, gerando empregos de qualidade e renda para a população local.
No entanto, o que temos hoje? A maior parte do setor florestal madeireiro é ilegal. Como órgão ambiental, é até difícil de dizer qual a porcentagem dele que é ilegal, mas sabemos que é muito grande. Isso faz com que seja muito difícil para aqueles que querem fazer as coisas direito. Como alguém que quer explorar a Amazônia de maneira sustentável, respeitando o meio ambiente, que quer ter tudo certo, pagando seus impostos, que quer contratar as pessoas com dignidade, oferecer EPI e tudo o mais vai competir com o setor ilegal, que não paga imposto, que não tem preocupação nenhuma com o meio ambiente, que muitas vezes usa mão de obra semiescrava, que não tem EPI e tem equipamentos precários?
Sendo assim, é impossível competir com esse setor, mas nós temos um modelo muito interessante nas concessões florestais.
O que são as concessões florestais? São áreas em florestas nacionais concedidas para empresas e monitoradas pelo Serviço Florestal Brasileiro. Essas empresas têm que cumprir uma série de regras, que vão desde os trabalhadores terem condições adequadas de trabalho até a exploração de maneira sustentável.
Como eles conseguem competir? Essas concessões acabam conseguindo mercados internacionais, que pagam muito melhor pela madeira, pagam valores super altos, porque nós temos a maior diversidade de madeira do planeta e as melhores madeiras do planeta. Esses são mercados em que o ilegal não entra. Basicamente, o ilegal está no mercado interno brasileiro.
Qual é o grande desafio? Tornar esse mercado legal. Para isso, tem que haver a coibição do ilegal. O problema é que, aqui no Brasil, parece que agora o crime ambiental não tem sido visto como crime. O que temos observado é um ataque direto aos órgãos ambientais, um ataque às ONGs, um ataque aos servidores do meio ambiente. Já temos percebido perseguição em vários níveis dentro dos órgãos ambientais. Por exemplo, no ICMBio, toda a chefia foi mudada, com o pessoal da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que trouxe uma cultura totalmente diferente do que é uma instituição civil, ou seja, as pessoas ali estão acuadas, estamos com dificuldade de comunicação. Toda a comunicação do ICMBio e do IBAMA foi cortada. A assessoria de comunicação está toda centralizada no Ministério do Meio Ambiente com o Ministro. Os servidores de carreira não têm mais voz. A única voz que temos é através das associações. E é isso que tentamos trazer aqui.
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E, para falar um pouco disso, como está a situação? Tudo o que discutimos aqui demonstrou muito bem como que as falas do Governo têm incentivado os problemas na Amazônia, em especial o desmatamento, que está relacionado às queimadas, à violência e tudo o mais. Isso afeta não apenas as ONGs, os ambientalistas e os servidores do meio ambiente — também as empresas que estão trabalhando em concessões estão sob ameaça.
Em Rondônia, tivemos uma FLONA onde uma empresa de concessão teve equipamentos queimados. Em uma das situações, o motorista do caminhão estava dormindo dentro do caminhão, quando foi colocado fogo no caminhão. Ele conseguiu sair, mas com um trauma horrível.
Então, há ameaças a não só isso que discutimos, mas também até a empresas que querem fazer a exploração de maneira correta. Isso é uma coisa surreal de se pensar, porque economicamente não faz sentido. Se o discurso contra o meio ambiente é em prol da economia, como empresas que economicamente são mais saudáveis estão sendo prejudicadas nessas situações?
Para finalizar, eu quero chamar atenção para duas coisas que estão acontecendo. A primeira é uma mudança nos procedimentos do IBAMA com relação às multas das serrarias ou de quem compra madeira ilegal. Então, quem comprar madeira ilegal, se essa madeira tiver um DOF, mesmo que fraudulento, essas empresas, essas serrarias não mais serão multadas. Antes, elas eram multadas. Na verdade, boa parte da fiscalização do setor florestal passa pelas serrarias, que são um gargalo que facilita um pouco o trabalho de fiscalização do desmatamento, que já é quase impossível, desumano, com o tamanho que a Amazônia tem, dentro da capacidade que os órgãos têm. Então, agora, essa possibilidade também não vai existir, o que vai certamente impactar o desmatamento na Amazônia. Nós sabemos que muitas serrarias têm relação direta com o desmatamento ilegal e, se elas tiverem algum DOF fraudulento, agora serão isentas de multa.
O outro fato a que quem está preocupado com o desmatamento na Amazônia também tem que ficar muito atento é o pedido do Presidente — é também uma demanda da parte mais predadora do setor — de exportação de madeira em toras brutas. Isso vai afetar não só o meio ambiente, porque a exploração vai aumentar certamente — há países, como a China, que compram massivamente toras brutas, porque têm toda a capacidade industrial instalada e fazem todo o beneficiamento lá —, mas também vai afetar socialmente a região, onde já que não vai haver mais o beneficiamento da madeira, tirando o valor agregado da madeira, tirando empregos e tornando a madeira mais uma commodity com impactos ambientais monstruosos para o País.
Para usar a metáfora da galinha dos ovos de ouro, é isto o que eles veem: a Amazônia é como se fosse uma galinha dos ovos de ouro. Ela é capaz de produzir realmente ovos de ouro porque ela tem um valor inestimável. Mas o que querem agora é matar essa galinha e tirar todos esses ovos lá de dentro, sem nenhum tipo de racionalidade nem humanidade. Isso é muito sério. Para finalizar, o que foi feito de desmatamento, o que perdemos da Amazônia até agora não tem volta. É uma floresta que demorou milhares de anos para evoluir e chegar a ter a forma que ela tem hoje, e o que se perde não volta mais. Então, resguardar o que nós temos é fundamental não só para o País mas para o planeta como um todo.
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Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Alexandre.
Quero, como temos feito aqui na Comissão do Meio Ambiente, mais uma vez prestar a nossa solidariedade e apoio a todos os servidores de todo o Sistema Nacional do Meio Ambiente, em especial àqueles servidores que estão lá na ponta fazendo seu trabalho, cumprindo a legislação, cumprindo a Constituição, e que são, volta e meia, desautorizados pelo Presidente da República, que é o primeiro a incentivar o banditismo e as atividades ilegais na Amazônia. Então, registo a nossa solidariedade e o nosso apoio.
Quero também chamar atenção daqueles que prezam o Estado mínimo e que às vezes se portam em defesa da pauta ambiental, mas que aqui votam propostas que vão desestruturando a capacidade do Estado. Falo sobre aquela coisa de Estado mínimo para atender ao mercado. Aqui no Brasil atender ao mercado é atender ao banditismo que vem fazendo o desmonte e o desmatamento na Amazônia.
Eu vou pedir permissão ao Plenário para não abrirmos para as perguntas, porque nós já avançamos meia hora. Pode ser? Assim poderemos retomar no horário combinado para a próxima Mesa, às 14 horas.
Obrigado, Alessandra, Jackson, Alexandre, Edilberto, Kleber e Zezinho.
Voltamos então às 14 horas em ponto aqui, neste plenário.
(A reunião é suspensa.)

28/11/2019
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Boa tarde.
Retomamos o seminário Desmatamento e queimadas na Amazônia: tendências, dinâmicas e soluções, uma realização da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, com o apoio da Frente Parlamentar Ambientalista, da International Rivers, do GT de Infraestrutura, do INESC, do WWF, do Instituto Socioambiental, em parceria com a Aliança dos Rios da Pan-Amazônia, o IPAM, o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental e o IDS — Instituto Democracia e Sustentabilidade.
Quero convidar para a próxima Mesa, que tem o tema Estratégias de prevenção e controle: inovações e aprendizagem, a Adriana Ramos, Coordenadora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental; o Brent Millikan, Diretor do Programa Amazônia da International Rivers — Brasil; o Marcio Astrini, Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace; e o André Lima, Coordenador do projeto Radar Clima e Sustentabilidade do Instituto de Desenvolvimento Sustentável — IDS.
Enquanto os convidados compõem a Mesa, eu preciso partilhar com quem está acompanhando o debate pela Internet e também com os presentes que agora mesmo, na primeira reunião da Comissão Parlamentar para apurar o vazamento de óleo na costa brasileira, um Deputado desta Casa, o Deputado Marcel van Hattem, do NOVO, fez proselitismo, dando voz àquela fala de ontem do Presidente Bolsonaro acusando os brigadistas e as ONGs que vêm trabalhando há um bom tempo, com o Corpo de Bombeiros, com o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais — PREVFOGO, para combater o fogo lá em Alter do Chão. Digo para todos que estão nos acompanhando que, depois que o delegado comandou essa operação lá em Alter do Chão, ato contínuo se produziram algumas fake news, e a Deputada Joice Hasselmann foi uma que também colocou acusações na sua rede, dando vazão às fake news.
Essa armação que foi feita em Alter do Chão vai na linha de criminalizar quem está fazendo alguma coisa pela Amazônia. Inclusive, já estamos apurando isso aqui. Parece que também já foi pedida e aprovada em uma Comissão — vamos verificar aqui e trazer a informação — uma proposta de fiscalização e controle para apurar a responsabilidade das ONGs nesse episódio. Digo isso só para que vejam como é o clima nesta Casa.
Então, ao mesmo tempo em que se faz discurso de ódio e se desestrutura o sistema que, à custa de dinheiro público, foi construído para controlar o desmatamento da Amazônia, também se faz uma disputa no campo ideológico para criminalizar aqueles que vêm fazendo alguma coisa.
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Tem a palavra a Adriana Ramos, Coordenadora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental.
A SRA. ADRIANA RAMOS - Muito obrigada. Boa tarde.
Considerando o foco da Mesa, eu queria começar comentando um pouco uma coisa de que a Ane Alencar falou quando passou aqui de manhã: o papel da sociedade civil nesse processo todo de estruturação do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento, que começou quando os dados do INPE passaram a ser divulgados, permitindo o tipo de análise que a Ane comentou e permitindo uma coisa que até então era muito difícil de fazer, que era cruzar as informações do que se via pelo satélite com as informações do que se via no chão. E essa interação, que foi possível a partir da abertura dos dados, reunindo não só organizações da sociedade civil, mas também representações de movimentos sociais e de pesquisadores de diferentes instituições, contribuiu de uma forma bastante significativa para se compreender a dinâmica do desmatamento na Amazônia, possibilitando o desenvolvimento de políticas mais adequadas e mais focadas, não só de comando e controle, mas também na linha de monitoramento, desde o desenvolvimento do DETER até todas as diferentes estratégias de destinação de terras, que foram ajudando a conformar essa experiência que o Brasil conseguiu desenvolver para contribuir para a redução do desmatamento da Amazônia.
Então, quando vemos o debate acontecendo hoje de uma forma que tem como objetivo desqualificar o trabalho técnico e científico do INPE e de outras instituições, desqualificar a ação da sociedade civil, vemos um retrocesso. Não é um retrocesso do tamanho da curva do desmatamento, que voltou a crescer desde 2012. É um retrocesso que remonta há 30 anos, é um retrocesso que vem lá da Rio 92, quando se começou a construir o consenso de que tínhamos que mudar o padrão de ocupação da Amazônia, saindo de uma lógica em que o desmatamento era caminho para o desenvolvimento e passando ao entendimento de que o desmatamento era uma coisa que deveríamos evitar. E o que vemos hoje é principalmente uma mudança de paradigma: não existe mais um consenso — pelo menos, o Governo Federal não compactua com este consenso — de que o desmatamento não é um caminho para o desenvolvimento, o que traz para a agenda política todo um fortalecimento de ações que são ilegais e que pressionam os territórios tradicionais e o uso sustentável da floresta, voltando-se a defender o chamado direito de desmatar. É um pouco isso que está acontecendo.
O que aconteceu esta semana nessa história dos brigadistas lá em Alter do Chão demonstra que o patamar de lógica com o qual estamos trabalhando neste assunto é zero. Não existe lógica, não existe compromisso com a verdade, não existe compromisso com a ciência. O que existe é compromisso com a ilegalidade. E vale tudo para se tentar legitimar esse tipo de ação, em primeiro lugar, criminalizar a sociedade civil.
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Nós já vimos de um processo bastante crítico de pressão sobre as lideranças dos movimentos sociais em geral. Esse processo agora avança com essa abordagem contra as organizações não governamentais. E a fixação na desmobilização da sociedade chega ao ponto de o Governo paralisar o principal instrumento financeiro para viabilizar qualquer política na Amazônia, que é o Fundo Amazônia, sob a justificativa de que uma parte dos recursos vai para as organizações da sociedade civil.
A experiência do Fundo Amazônia é extremamente rica, pelo fato de ter sido, digamos assim, um processo construído a partir de toda a discussão da efetividade do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento. Então, quando o fundo é criado, discutem-se como linhas principais de financiamento aquelas que dão base às ações do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento. Ele segue as mesmas linhas de ação, mas com o reconhecimento de que é o conjunto de estratégias que são implementadas complementarmente no território que pode fazer a diferença.
É claro que o fundo não consegue dar conta da política. Então, são feitas críticas ao Fundo Amazônia, críticas com as quais nós compactuamos, de que o fundo sozinho não vai dar conta. Ele, inclusive, foi criado para ser adicional, no sentido de que o Fundo Amazônia não deveria financiar aquilo que é obrigação do Estado. A obrigação do Estado deveria ser assegurada pelo orçamento público. Essa regra é flexibilizada no processo. Quando o Brasil começa a entrar numa situação de crise orçamentária, em que não tem recursos, a regra do fundo muda para se poder atender a demanda do Governo Federal, financiando fundamentalmente a fiscalização do IBAMA, já alterando, de certa forma, o que seria a situação ideal do fundo.
E a paralisação do fundo hoje impede qualquer tipo de nova ação, quer dizer, o próprio Governo diz que não tem recurso, que quer ir à convenção do clima para reivindicar recursos que deveriam estar vindo para o Brasil — fala-se em 50 milhões, 100 milhões —, mas hoje o Governo brasileiro tem à sua disposição, já no BNDES, com as doações que já foram efetivadas, 1 bilhão e 200 milhões de reais para uso na agenda de combate ao desmatamento na Amazônia. Então, o fato de o Governo não fazer esforço para garantir as condições contratuais de funcionamento do Fundo Amazônia demonstra que isso não é uma prioridade. Portanto, a questão da falta de recursos não pode ser considerada um argumento real para que não haja ação de combate a desmatamento no chão. Lembro que a paralisação do Fundo Amazônia se deu pela opção do Governo brasileiro de extinguir o comitê orientador, que é a instância de participação da sociedade nesse processo.
Não é que este Governo não saiba o que tem que fazer para combater o desmatamento; ele não quer combater o desmatamento, desmobiliza as ações nesse sentido e tenta jogar a responsabilidade sobre a sociedade civil. Eu acho que acaba voltando para nós um pouco a necessidade de reforçar cada vez mais o que é que a sociedade civil tem feito, historicamente e atualmente, nas agendas que de fato contribuem para o combate ao desmatamento da Amazônia. E lembro que nada do que foi feito no período de lá para cá veio de graça, veio por vontade própria dos Governos ou veio sem algum tipo de disputa política, de pressão da sociedade. Então, caracterizar a ação da sociedade como uma ação ideológica, como uma ação que não tem um propósito de interesse público e benefício coletivo, é só mais uma das formas de tentar confundir a cabeça das pessoas para parecer que se está querendo fazer alguma coisa que não se quer.
14:22
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Quando combinamos o desenho do seminário, tínhamos a perspectiva de ter participando nesta Mesa a representação da Associação Terra Indígena Xingu, que ia falar sobre o projeto do manejo integrado do fogo no Parque Indígena do Xingu, exatamente como uma forma de mostrar que o nosso problema hoje não é não saber como fazer. Esse virou um argumento muito comum nos debates públicos, principalmente nesses espaços multissetoriais, com o setor privado, sobre questões de controle do desmatamento. Chegou-se a um ponto em que a grande questão para as empresas passou a ser dizer: "A gente quer fazer, mas não sabe como". Isso, no que diz respeito à essa agenda do desmatamento na Amazônia brasileira, está muito distante de ser realidade. Existem dificuldades? Existem, mas toda vez que temos uma dificuldade, quando existe a decisão política de que queremos fazer, a construção da solução se dá nessa interação dos diferentes atores sociais.
Nós, do ISA, por exemplo, estivemos envolvidos com as populações do Parque Indígena do Xingu no debate sobre a necessidade da restauração florestal dos rios que formam o Xingu, cujas cabeceiras estão todas fora da terra indígena. De um grande seminário, que aconteceu há mais de 10 anos, para discutir as prioridades daquela região, saíram alguns indicativos. Um deles, da parte do setor privado, foi que a demanda era baratear o custo de restauração florestal. Teoricamente, todos concordavam que havia o interesse de fazer a restauração florestal, principalmente das áreas de preservação permanente, até porque isso era obrigação legal, mas havia muita reclamação de que era muito caro fazer essa restauração com base em mudas, em viveiros, a manutenção disso tudo. Considerando que havia de fato uma demanda instalada e alguns fazendeiros da região realmente interessados em buscar uma solução, nós começamos a trabalhar. Chamamos vários especialistas, discutimos várias maneiras e chegamos à conclusão de que seria preciso desenvolver uma nova metodologia de restauração florestal, chamada de plantio mecanizado de sementes florestais, que é um processo com base na estratégia da permacultura, em que nós trabalhamos com a muvuca de sementes florestais plantadas com as máquinas que plantam soja.
Portanto, a partir de um objetivo, de um desejo realmente compartilhado, da vontade de encontrar a solução, nós construímos uma solução. Testamos, erramos, fazemos de novo, abrimos diferentes frentes de tentativa e conseguimos encontrá-la. Então, nós precisamos resistir a esse discurso genérico de que o grande problema para enfrentar o desmatamento é que ele é tão complexo que ninguém sabe como fazer: "A gente quer fazer, mas não sabe como". Não é verdade. Quando nós queremos, nós encontramos como fazer.
(Segue-se exibição de imagens.)
Muito rapidamente, falando um pouco da questão do fogo, considerando não só essa tentativa de criminalização das ONGs, mas a própria ideia de que desmatamento e fogo são questões culturais e, portanto, são questões não controláveis, impossíveis de enfrentar, eu quero mostrar a vocês um mapa dos focos de incêndio de 2019. Eu quero mostrar, na verdade, objetivamente, as estratégias de controle e manejo integrado de fogo que têm acontecido. Dentro do Parque Indígena do Xingu, que é essa área de transição cerrado-floresta, a incidência de fogo tem sido a cada ano muito maior, muito grande.
14:26
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Nós até lançamos, alguns anos atrás, um vídeo chamado Para Onde Foram as Andorinhas, porque a pergunta é exatamente esta: para onde foram as andorinhas? Elas não estão mais parando no Xingu por causa do fogo.
A incidência do fogo é grande, já ameaça inclusive a segurança alimentar, porque afeta as roças e porque há o descontrole pelas condições climáticas. Mas há um esforço imenso das comunidades em fazer um trabalho de manejo integrado do fogo, de discutir não só a preparação para lidar com a situação, mas também a prevenção e as diferentes técnicas que os próprios povos indígenas têm desenvolvido para prevenir e controlar o fogo.
O engajamento das comunidades tem sido um esforço extremamente positivo do ponto de vista dos resultados. Então, apesar do quadro ser, a cada ano, mais grave do ponto de vista das condições climáticas e da incidência do fogo, as condições de resistência, de preparação, de enfrentamento e de adaptação que as próprias comunidades desenvolvem têm sido uma das ações mais importantes naquela região para essas comunidades.
Acho que, diante do quadro que estamos vivendo, é superimportante demonstrar e fortalecer a ideia de que as comunidades, com apoio e com as condições objetivas para desenvolver as suas iniciativas, não só contribuem para reduzir a sua própria vulnerabilidade no processo do manejo do fogo, mas também contribuem, num um processo regional mais amplo, com outros agentes da região de fora da terra indígena no desenvolvimento de outras estratégias e ações para que o manejo integrado do fogo se espalhe além das ações dentro do Parque Indígena do Xingu, ou seja, para fora.
Enfim, não sou a pessoa envolvida, então não vou me arriscar a fazer uma apresentação detalhada. Mas não queria deixar de mostrar aqui nesta Mesa não só o esforço das comunidades que estão não só sofrendo com os impactos diretos que as mudanças climáticas já trazem e com o uso do fogo descontrolado do lado de fora, mas também as condições e as capacidades que elas desenvolvem de enfrentar essa questão, que é totalmente desproporcional às condições que são dadas a outros agentes privados da região, que muitas vezes sequer se mobilizam para enfrentar essa questão.
Com isso, ressalto a importância fundamental de garantir às organizações da sociedade civil, às organizações indígenas e a todos os movimentos sociais, o espaço de intervenção e incidência com relação a essa temática, porque a restrição de condições de trabalho para essas organizações é a pá de cal para qualquer tipo de estratégia de controle e combate aos desmatamentos.
Então, espero que a gente não se deixe de jeito nenhum se desmobilizar em função da situação política que estamos vivendo. Que continuemos fazendo o trabalho que a sociedade civil veio fazendo até aqui, para que possamos resistir e garantir as condições de retomada de uma estratégia, de fato, de enfrentamento quando este tempo passar. Obrigada.
14:30
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(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Adriana.
Antes de passar a bola para o Brent, quero fazer uma sugestão, Adriana, quanto àquele mapa dos focos de incêndio, para os caras que produzem fake news, da turma do Salles. Ele é um mapa interessante para fazer fake news de que o comunismo está tomando conta da Amazônia. Está tudo pintado de vermelho. (Risos.)
Mas vamos lá.
Com a palavra o Sr. Brent Millikan, Diretor do Programa Amazônia, da International Rivers.
O SR. BRENT MILLIKAN - Boa tarde. Inicialmente, quero agradecer à Comissão de Meio Ambiente pela iniciativa desta parceria, deste evento tão importante.
Esta Mesa tem muito a ver até com o surgimento da ideia deste evento, porque, no pico da discussão ou das notícias que estavam saindo sobre o aumento das queimadas na Amazônia, em torno de julho, uma coisa que chamou a atenção de muita gente era assim: parecia que havia uma espécie de amnésia sobre uma série de iniciativas que já houve na prevenção e no controle do desmatamento. É importante manter essa memória coletiva e essa aprendizagem, para enfrentarmos novos desafios, sem esquecer das lições do passado, o conhecimento acumulado. Então, vou falar um pouco nesse sentido.
Inicialmente, falarei sobre algumas iniciativas que eu conheço de perto em virtude do tempo em que eu vivi em Rondônia, do POLONOROESTE e do PLANAFLORO. Em seguida, vou falar sobre algumas iniciativas mais recentes, sobre o Programa Piloto e o PP-SEDAM.
(Segue-se exibição de imagens.)
Rondônia, eu diria, é uma espécie de laboratório para muitas iniciativas de desenvolvimento e ordenamento territorial e para iniciativas ligadas à questão do enfrentamento do desmatamento, desde os anos 80. Então, nos anos 80, havia um projeto, à época ainda do Governo militar, de pavimentação da BR-364, entre Cuiabá e Porto Velho, com a ideia de ser financiado pelo Banco Mundial, na região que já era uma fronteira desde os anos 70, uma área foco do INCRA de assentamento, de regularização fundiária, com problemas de dinâmica de expansão da fronteira conhecidos.
E aí havia toda uma polêmica sobre o que fazer e se o Banco deveria se envolver, em função dos riscos socioambientais, inclusive em relação aos povos indígenas. Em função de um longo processo de negociação, o Banco acabou aprovando a pavimentação da estrada dentro de um programa que incluía uma série de outras ações, digamos, de consolidação da fronteira, de desenvolvimento rural integrado. Isso foi em meados dos anos 80.
Nessa época, já era evidente que existia uma distância grande entre o planejamento e o que acontecia na prática. Alguns problemas daquela época eu acho que são importantes de serem lembrados hoje em dia.
14:34
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Havia o problema da defasagem entre a obra de pavimentação da estrada e uma série de ações de ordenamento territorial, de apoio ao desenvolvimento sustentável e de enfrentamento das dinâmicas de expansão do desmatamento. Havia problemas em assentamentos existentes. Um exemplo foi a tendência de pecuarização e concentração fundiária em assentamentos do INCRA, o que tinha muito a ver com as dificuldades de sobrevivência dos colonos que foram assentados e com o modelo de culturas perenes, diga-se de passagem, em geral de monoculturas de café, cacau e seringueiras. Havia as vantagens da pecuária, as dificuldades de sobrevivência e a tendência de se ter um retorno maior pela venda da terra do que pela produção, bem como a tendência de consideração fundiária nos assentamentos.
O outro fenômeno se deu com os novos assentamentos apoiados pelo POLONOROESTE, por serem em lugares muito isolados, já com solos muito piores e desencadeando, a exemplo de Machadinha, no Norte de Rondônia, uma dinâmica de ocupação que afetou uma área muito maior, inclusive com tendência de grilagem em toda a região. Então, o impacto foi muito maior do que o previsto.
Outra região também, ainda em Rondônia, foi a da Rodovia entre a BR-364 e Costa Marques, no Vale do Guaporé, também desencadeando toda uma dinâmica de ocupação e conflitos socioambientais, que impactaram, inclusive, as populações tradicionais e etc.
Então, já em 1985, virou uma polêmica, houve questionamentos. O POLONOROESTE era inclusive um caso de questionamento da política ambiental do banco. O banco, inclusive, em função desse e de outros projetos, como Três Gargantas, na China, e da Armada, na Índia, até fez uma mudança na sua política ambiental. O POLONOROESTE, inclusive, foi suspenso naquela época.
Nessa mesma época, o importante foi a experiência do Movimento dos Seringueiros no Acre, em que uma das constatações era de que a pavimentação de uma estrada, nesse caso, entre Porto Velho e Rio Brando, financiado pelo BID, e não pelo Banco Mundial, para não repetir o mesmo processo de pressão, de perda de território, de conflitos socioambientais, a proposta dos seringueiros com as reservas extrativistas era de reconhecer, garantir o reconhecimento de um espaço territorial coletivo, não como propriedade privada, com um modelo de gestão baseado na floresta, respeitando os meios de vida. Acho que todo mundo conhece. Mas, enfim, acho que foi importante nessa época o movimento liderado por Chico Mendes — aqui há uma foto dele ao lado da pavimentação da BR-364, continuação entre Porto Velho e Rio Branco —, o movimento que já reunia os povos da floresta e os seringueiros, junto com o movimento dos povos indígenas.
Em seguida, em Rondônia, o sucessor do POLONOROESTE foi o PLANAFLORO, baseado no modelo de zoneamento socioeconômico e ecológico — acho que o André vai falar isso depois —, que, em geral, parecia interessante no sentido de consolidar a ocupação das áreas já abertas e procurar valorizar a floresta, empenhar de outras áreas, o que inclusive incorporou a ideia das reservas extrativistas, e trabalhar com outras áreas.
O problema foi basicamente que as dinâmicas de expansão do desmatamento da fronteira não foram alteradas na sua essência. Um grande exemplo disso foi a política fundiária do INCRA, tanto no sentido de política que facilitava a grilagem, a ocupação de terras públicas, inclusive reconhecendo o desmatamento e pastagem como benfeitoria para fins de alienação de terras públicas, quanto no da criação de assentamentos em áreas que entravam em choque com o zoneamento em função de vários fatores, inclusive a questão de superfaturamento e desapropriações de seringais e de outras grandes propriedades, envolvendo políticos que controlavam o INCRA naquela época.
14:38
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Enfim, é uma lição aprendida, porque até hoje em dia se fala novamente em zoneamento — nós ouvimos o Ministro Salles outro dia —, de como isso seria uma grande receita de bolo. Mas vemos que não é tão simples.
Aqui temos um exemplo de uma publicação que nós fizemos com o IMAZON, mostrando um pouco a dinâmica da ocupação da fronteira em Rondônia e como alterou em relação ao que estava previsto no zoneamento.
Aqui temos a FLONA do Bom Futuro, um exemplo também da ocupação que desconsiderava as unidades de conservação, por um lado pela falta de implantação efetiva de uma unidade de conservação, por outro lado por toda uma série de fatores pela regularização de posse, pela impunidade, por incentivos, etc. Depois, acabou com algo que virou onda em Rondônia e depois parece que contaminou aqui, que era a questão que a Mariana colocou: a desafetação da unidade de conservação ou mudança de categoria meio a toque de caixa, sem nenhuma transparência sobre quais seriam os interesses que justificavam isso, inclusive que garantissem que os remanescentes da área não sofressem o mesmo problema.
Então, isso foi superimportante. Eu acho que é uma lição aprendida, ou não aprendida talvez, naquela época, em relação à desafetação de unidade de conservação.
O Programa Piloto, que basicamente foi lançado na Rio-92, foi um exemplo de cooperação internacional envolvendo vários países e com bastante protagonismo de populações locais. Por exemplo, houve um projeto sobre reserva extrativista, outro sobre a questão de reconhecimento da marcação de territórios indígenas, inclusive o apoio a iniciativas locais ligadas ao bem viver; o fortalecimento de órgãos estaduais de meio ambientes, uma série de políticas estaduais; um programa ligado à questão de gestão de várzeas, que é um ambiente muito específico, junto com as populações locais, com iniciativas como os acordos de pesca, bastante inovadoras; revitalização da ciência e tecnologia, um componente nesse sentido; a mobilização comunitária em relação à prevenção e controle de incêndios.
Havia um projeto também ligado à coordenação que eu comandei, que era um projeto de monitoramento e análise voltado à questão de aprendizagens e apoio ao monitoramento e à disseminação de lições em políticas públicas.
Um exemplo disso foi o PP-SEDAM, cuja elaboração começou em 2003. O Flávio, que está trabalhando conosco, foi uma das pessoas do IBAMA, naquela época, importantes para essa elaboração. Mas foi realmente uma construção coletiva, dialogando com a ciência e com a sociedade civil, focando muito em fazer um tipo de análise como a que foi feita hoje de manhã: uma discussão da dinâmica do desmatamento, entendendo as causas e criando uma estratégia efetivamente voltada ao enfrentamento dessa dinâmica, como a Adriana estava colocando.
Então, os componentes principais que havia nesse programa era o ordenamento fundiário e territorial, com ações específicas, inclusive de combate à grilagem. Foi superimportante também a questão relacionada a quilombolas, unidade de conservação, territórios indígenas e monitoramento e controle ambiental, trabalhando muito com inteligência, com pesquisa. Depois, nos debates, nós podemos falar mais sobre isso. O Flávio pode falar como foram as operações de fiscalização, como foi a Operação Curupira, que saiu disso. Também vemos o fomento às atividades produtivas sustentáveis voltadas à melhor utilização de áreas já abertas e à valorização da floresta em pé para produtos não madeireiros e madeireiros de forma adequada às características locais. Também havia um componente de infraestrutura sustentável –– talvez pouca gente saiba disso ––, havia uma série de diretrizes interessantes para se pensar a obra de infraestrutura na Amazônia, inclusive se pensando melhor nos impactos, nos riscos socioambientais, nas alternativas, no que fazer em termos da governança local, na questão da importância de uma espécie de licença social para se operar, ou seja, dialogando-se com as comunidades locais. Havia também a discussão de alternativas.
14:42
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Quanto às iniciativas do PPCDAm, naquela mesma época, no Ministério do Planejamento, havia um comitê de monitoramento de grande obras, ligado ao PPA, no sentido de fazer triagem de grandes obras, para ver se eles preenchiam esse tipo de critério, inclusive do ponto de vista da aceitação social.
Um caso foi o da BR-163, como a Adriana estava colocando, que ocorreu com um processo realmente de diálogo, com um processo de mobilização que já havia na região com os movimentos sociais e entidades da sociedade civil, parceiros como o IPHAN, IMAZON e outros. Foi um trabalho de diagnóstico e de discussão do que queremos para o nosso território, em cima da situação de uma rodovia que foi aberta nos anos 70, com uma série de problemas, mas que influenciou todo o processo de ocupação territorial. Havia fortes argumentos para melhorar as condições da rodovia, mas simplesmente pavimentar a estrada, numa situação de desgovernança territorial ou da ausência de Estado, não era aceitável. Então, tinha que se pensar numa agenda positiva.
Nessa linha do PPCDAm, vê-se que há muitas correlações –– havia outros componentes de saúde, de educação, etc. ––, como uma estratégia de prevenção e controle do desmatamento que dialogava muito fortemente com uma estratégia de desenvolvimento regional sustentável, com uma base participativa muito forte.
O Plano BR-163 Sustentável foi lançado em junho de 2006. Seis meses depois foi lançado o PAC, em fevereiro de 2007. Infelizmente vimos que começou a haver um desvio em relação à linha que vinha se construindo desde então, principalmente a partir do PPCDAm, do programa piloto, em que se voltava ao modelo das grandes obras desvinculadas a um processo de análise mais apurada dos seus riscos socioambientais, de um processo de diálogo, de consulta prévia às populações locais –– o Felício depois pode contar mais sobre isso. Daí surgiram obras como a de Belo Monte, as grandes barragens do Madeira, etc., ou seja, era um paradigma bem diferente dentro de um contexto. Daí saiu a ideia dos corredores de exportação de commodities, como os de mineração, de soja.
Na época do PPCDAm, esse componente de obras de infraestrutura foi retirado do plano sob a ideia de que seria tratado num plano mais global para a Amazônia, que seria o Plano Amazônia Sustentável. O problema é que o Plano Amazônia Sustentável foi lançado em maio de 2008, já em outro contexto, em plena execução do PAC, de retrocessos, e já não cumpria aquele papel que se esperava que pudesse ter se estivesse sido lançado, por exemplo, no início do primeiro mandato do Governo Lula.
Nesse contexto, houve uma série de conflitos socioambientais.
Aqui cito um exemplo do Rio Teles Pires, onde quatro barragens foram construídas simultaneamente, naquela época de Belo Monte, o que levou a uma série de problemas que foram menosprezados pelos planejadores e financiadores. As populações locais se mobilizavam para protestar contra as violações de direito, que foram de fato criminalizadas.
14:46
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Quanto aos retrocessos, depois várias pessoas colocaram isto: a questão da grilagem; o uso indevido do CAR para legitimar posse em terras públicas; a desafetação de unidade de conservação; as mudanças no Código Florestal; e a flexibilização do licenciamento ambiental, uma coisa em curso.
Em termos de conclusões, ainda tenho uns 2 minutinhos, vou falar um pouco dessas 4 décadas de experiência na Amazônia.
Superar a "emergência crônica" — emprestando um termo do amigo Zé Terra, o Mauro Armelin está aqui — do desmatamento e queimadas na Amazônia requer atuação coordenada de governo, a exemplo do PPCDAm, um plano coordenado pela Casa Civil, por meio de um grupo de trabalho interministerial. Não se tratava de relegar a questão do desmatamento, é um gueto da área ambiental do Governo, mas de se colocar no centro da ação do Governo. E essa ação integrada e efetiva pressupõe a superação de velhas dicotomias de desenvolvimentismo versus política ambiental, senão, não há como ter uma política coordenada. Eu acho que é algo que continua como um desafio.
Ainda sobre as conclusões: necessidade de sistemas robustos de planejamento estratégico, monitoramento e avaliação, inclusive envolvendo organizações da sociedade civil, INPI, etc.; parcerias com os Governos Estaduais e Municipais e com o setor privado; importância da transparência e participação da sociedade civil, o que já comentei.
Eu acho que o programa piloto foi um exemplo de que a cooperação internacional pode apoiar significativamente soluções brasileiras inovadoras. Muitas vezes, é colocado como se isso fosse necessariamente uma intervenção e comprometimento da soberania. Eu acho que o programa piloto foi um exemplo de protagonismo de governos locais, de vários atores da sociedade, da ciência, etc.
Uma coisa que eu acho que fica clara na minha apresentação é que a grilagem de terras públicas tem sido um elemento comum entre os drives do desmatamento ao longo das últimas décadas. Aí a pergunta que fica é: será que não é uma lição aprendida e perdida? Por isso, a sua persistência, não é?
A regularização fundiária de propriedades privadas só deve ocorrer se articulada a ações efetivas de combate à grilagem de terras públicas. O Tasso Azevedo, do MapBiomas, e outras pessoas têm frisado isso.
Eu acho que isto ficou claro bastante no terceiro item: os povos indígenas e populações tradicionais desempenham papeis fundamentais na manutenção dos serviços de ecossistemas da região, do bioma que beneficia toda a sociedade. Portanto, assegurar os seus direitos territoriais é fundamental.
O zoneamento pode ser uma ferramenta para a gestão territorial, mas não é uma panaceia, e existem riscos.
As agendas positivas, para geração de emprego e renda, que incentivam a melhoria da base de subsistência, da segurança alimentar, de uma forma apropriada, valorizam a floresta em pé.
Em termos de ciência e tecnologia, houve a valorização do diálogo entre os saberes da academia e das comunidades tradicionais.
Ainda sobre as conclusões: as ações de fiscalização requerem inteligência e ação coordenada entre os órgãos de fiscalização, com recursos e estruturas adequadas, com autonomia política; as mudanças nas regras dos jogos, por exemplo, no caso da fiscalização, dão sinais de que impunidade incentiva novos delitos, novos atos de depredação, degradação, desmatamento e queimadas.
Enfim, daí a importância de se valorizar o conhecimento acumulado, resgatando aprendizados, e de se dar continuidade a iniciativas bem-sucedidas, como o PPCDAm, não apenas como um programa de governo, mas sim como política de Estado. E eu acho que até há propostas legislativas nesse sentido.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Brent.
Tem a palavra o Sr. Marcio Astrini, Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.
14:50
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O SR. MARCIO ASTRINI - Boa tarde, Deputado Nilto. Boa tarde a todo mundo. Obrigado pelo convite. Parabéns pela iniciativa!
Eu queria agradecer aos organizadores do evento, mas queria fazer uma referência especial aos amigos do Projeto Saúde e Alegria, que são baseados em Santarém, por tudo o que vem acontecendo.
Eu acho que este é um debate da democracia. É um debate que, desde janeiro deste ano, invadiu o setor do meio ambiente. Não existe luta pelo meio ambiente, pela Amazônia, pelos rios, pela biodiversidade sem espaço democrático. E o que estamos vendo no Brasil, há 11 meses, é um ataque sistemático, de perseguição e de declarações levianas contra quem ousa falar a verdade neste setor e em muitos outros. Infelizmente, não é um privilégio desta área.
O que aconteceu em Santarém eu gostaria muito de dizer que nós não encaramos como um fato isolado. Isso acontece na esteira de uma série de situações difamatórias, que, inclusive, fizeram-nos processar no Supremo o Ministro do Meio Ambiente por acusações contra ONGs; acontece no mesmo momento em que o Presidente da República manda para esta Casa um projeto de lei de excludente de ilicitude, para atirar em manifestantes que ousam criticar o Governo; acontece no mesmo momento em que o Ministro da Economia tenta normalizar a fala do AI-5, que deveria ser uma expressão proibida no Brasil.
Então, é assim que nós recebemos essas notícias e essas situações. E isso não é normal. E eu digo a vocês que não é normal inclusive por experiências passadas. O Greenpeace, em alguns países do mundo — vou citar aqui especificamente a Índia —, viveu uma história muito parecida não só com a nossa, mas também com a de outras organizações, como a Anistia Internacional, por exemplo, quando fomos expulsos do país. E tudo começou assim: com campanhas difamatórias, perseguições, com um fato isolado policial ocorrendo ali. Depois vieram as novas legislações, vieram os decretos que barravam os financiamentos internacionais, até o momento em que o poder do Estado começou a perseguir individualmente as pessoas que lutavam pelo meio ambiente, pela democracia naquele país.
Então, eu acho que temos que prestar muita atenção no que está acontecendo. Isso não é normal. Não podemos normalizar, não podemos aceitar isso de forma corriqueira, como se fizesse parte da paisagem. Não é parte da paisagem. Precisa haver uma reação. Precisa haver uma reação desta Casa.
Eu soube agora que o Deputado Ivan Valente protocolou um requerimento de criação de Comissão Externa, para bater à porta das autoridades do Estado do Pará a fim de saber o que está acontecendo. Eu acho muito devido e bem-vindo fazer isso. Eu acho que o Governador do Estado do Pará deve explicações sobre o que a sua polícia fez 48 horas atrás na cidade de Santarém. Isso porque foi a Polícia Civil da cidade de Santarém que tomou aquela iniciativa de o Estado atuar em Santarém.
14:54
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Está todo mundo querendo saber o que aconteceu. Está todo mundo querendo saber por que aqueles quatro meninos foram presos e tiveram a cabeça raspada numa penitenciária. Está todo mundo querendo saber por que a polícia entrou na sede de um programa, de um projeto, de uma ONG, armada de fuzil, de metralhadora, segundo relatos deles próprios, e simplesmente fez uma limpa em todas as documentações, em tudo que existia lá dentro. Por que isso aconteceu? Qual foi o crime que eles cometeram? O que está acontecendo? Enquanto não houver explicação sobre isso, vai restar indignação. Eu acho que a indignação tem que ser violenta, na mesma proporção com que foram as ações de lá.
Saí totalmente da pauta, mas, para terminar, eu queria só dizer que, há 11 meses, essa situação vem se desenhando, agravando-se, etc. Há 11 meses, alguns de nós provavelmente já têm os seus telefones grampeados. Eu não falo com a Adriana ao telefone, não mais. Mas, dentro...
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - É por isso que o que você acabou de falar não saiu da pauta.
O SR. MARCIO ASTRINI - Exatamente.
Mas, dentro desses 11 meses, eu queria dizer para os senhores que as coisas que temos, do ponto de vista da esfera criminal que andou neste País, são: a manutenção da condenação por fraude ambiental do Ministro do Meio Ambiente; a abertura do inquérito por enriquecimento ilícito, com quebra do sigilo bancário, do Ministro do Meio Ambiente; e um processo em que interpelamos o Supremo Tribunal Federal sobre a difamação do Ministro do Meio Ambiente. Portanto, as únicas coisas que andaram na esfera criminal, dentro da área ambiental, são com relação ao Governo.
Feita essa breve...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MARCIO ASTRINI - O.k. Então, temos aqui já uma notícia.
Quer falar, Adriana?
A SRA. ADRIANA RAMOS - O Governador publicou recentemente um tuíte dizendo que está mudando a presidência do inquérito, entregando-o à Delegacia de Meio Ambiente.
O SR. ANDRÉ LIMA - Quem mandou foi o Paulo Barreto. Ele tem que citar a fonte. Ele está lá no fundão.
O SR. MARCIO ASTRINI - O Paulo Barreto, que é do Pará, o que eu acho bom. Eu acho que a indignação e a pressão têm que surtir esse tipo de efeito. Por isso, não podemos nos acostumar.
Bom, eu não trouxe uma apresentação, porque eu sabia que ia gastar metade do tempo só falando dessa situação que aconteceu em Santarém, mas eu queria falar um pouco das tendências que nós temos, que são a parte deste seminário.
O que vai acontecer com a área ambiental? O que podemos observar a partir da leitura de hoje na área ambiental?
Como vários colegas da Mesa e os que estão nos ouvindo ou nos assistindo hoje, a primeira coisa que eu acho é que muitos de nós cobrimos os números, a declaração ou o lançamento dos números do desmatamento, anualmente, por mais de 1 década — nesta Mesa aqui, com certeza. Alguns cobriram duas, o Brent, três. O Brent é jovem há mais tempo do que alguns aqui. São sempre números da derrota. Você nunca tem uma notícia boa. Quando você tem os números do desmatamento, são números de prejuízo, são números de quanto perdemos de floresta. São sempre esses números. Mas estamos sempre discutindo os números do desmatamento e procurando o que não funcionou para o desmatamento acontecer. O que não funcionou? Foi a fiscalização? Foi a política pública? Foi a falta de verba? Alguma coisa não funcionou. Desta vez, houve aumento do desmatamento, porque as coisas funcionaram, todas elas, porque a agenda do Governo não é de aumentar o desmatamento. Só tivemos aumento do desmatamento, porque as coisas deram certo, porque tudo o que o Governo se propôs a fazer foi eficiente. Por isso o desmatamento aumentou na Amazônia. E não aumentou apenas 30%, aumentou 30% e carregou consigo um espírito de emponderamento do crime ambiental, carregou com ele o aumento da violência. Nesses 3 meses que temos da medição do desmatamento do próximo período, o DETER já nos confere uma perspectiva de aumento de 100% em agosto, setembro e outubro. Está dando certo a política do Governo. Os invasores de terra estão sentindo confiança em invadir terras, os madeireiros estão sendo agraciados, aqueles ilegais, para continuarem suas atividades. A violência está ganhando mais corpo na Amazônia contra as pessoas, as armas e as florestas.
14:58
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Essa é a análise do aumento do desmatamento que eu poderia fazer. Inclusive, fizemos, e sugiro aos senhores consultarem ou usarem, junto com o Observatório do Clima, o ClimaInfo, do qual quase todos nós aqui fazemos parte, uma Linha do Tempo, a Timeline, que vai dando desde o dia 1º de janeiro tudo o que o Governo vem fazendo na área de floresta. E olha que aí já são dúzias e dúzias de ações reportadas que levaram o aumento do desmatamento. A prova está ali, falamos inclusive na campanha eleitoral. Ali podemos verificar dia a dia o que foi feito. Infelizmente, é muita coisa. Não há semana que não haja notícia ruim para a floresta e notícia boa para quem quer desmatar ou para quem aposta na impunidade.
Esse é o caminho que viemos até aqui e que está nos levando a esse incremento da destruição ambiental, incremento da confiança dos destruidores.
Quando olhamos para frente, seja em promessas ou em atividades que já acontecem, o cenário é cada vez pior. Veja bem, se fizermos aqui a lista rasa e por cima dos planos do Governo, temos um pacote absurdo de agressões às terras indígenas e aos direitos dessas populações. Não é uma questão ambiental, é uma questão, antes de tudo, de direito humano e de desrespeito absurdo à Constituição, e o Presidente da República fala como se fosse a situação mais natural do mundo.
Temos um pacote anunciado pelo Ministro do Meio Ambiente de diminuição da proteção, seja em nível ou em tamanho, das Unidades de Conservação, com uma lista de 67 Unidades de Conservação que ele planeja simplesmente diminuir. Temos propostas nesta Casa de alteração do Código Florestal às dúzias inclusive apoiadas pelo Palácio do Planalto e pelo Ministro do Meio Ambiente. Temos anúncio de uma medida provisória da grilagem de terras feito pelo Presidente e por pessoas ligadas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Temos a liberação da cana-de-açúcar na Amazônia, toda discussão do licenciamento ambiental que há anos não anda aqui dentro. Não é por falta de proposta, não, é por excesso de proposta, proposta ruim.
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Nós sentamos há anos para discutir isso, e as coisas empacam exatamente porque o que se quer não é modernizar o licenciamento, mas a distribuição dele. Houve o anúncio, depois da reunião com garimpeiros da Amazônia, de que se vai mexer no decreto que regulamenta a lei de crimes ambientais e que permite a queima ou a inutilização de equipamentos utilizados pelo crime para destruir a Amazônia. Isso daí vai comprometer e muito as operações do IBAMA e do ICMBio dentro das áreas protegidas, principalmente dentro das terras indígenas. O IBAMA, que muitas vezes vai lá para fazer o trabalho dele de defender a terra pública e as populações que vivem nela, é recebido à bala. Portanto, essa é uma questão de segurança dos agentes do Estado. O que vai acontecer é a impossibilidade de muitas dessas operações.
Temos um pacote de benefícios para madeireira na Amazônia. Acabaram de dar um excludente de ilicitude para madeireira envolvida na cadeia de lavagem de documento de madeira ilegal! Agora, querem realizar a possibilidade de extração de madeira em tora. É um setor que opera quase todo na ilegalidade. Se vocês virem um caminhão de madeira passando pelas estradas da Amazônia com três toras, podem ter certeza de que duas são ilegais — às vezes, as três são. A possibilidade de termos essa contagem é imensa.
O fim da moratória da soja, o Fundo da Amazônia, toda a agenda é de destruição, é uma agenda para pegar esses números de aumento do desmatamento, empacotar e jogar fora junto com a floresta. É uma agenda para jogar fora todas as conquistas, tudo que foi construído até agora. Essa é a agenda que vamos ter que enfrentar, com o plus de todos esses ataques à democracia.
E eu pergunto a vocês — e ao Deputado Nilto Tatto, que esteve aqui em várias oportunidades com o Ministro do Meio Ambiente — se em algum momento viram um plano do Ministro do Meio Ambiente para combater o desmatamento na Amazônia. Onde é que ele está? Está no site? Está no Diário Oficial? Está no bolso do paletó dele? Em algum momento alguém viu esse plano? É disso que se trata quando se fala de proteger a Amazônia. É disso que se trata quando se fala da reação aos números de aumento do desmatamento.
Não existe um plano. O plano que existe é o que foi lido, aqui, agora, um plano de destruição da Amazônia, algo que vai custar caro aos direitos de todos; algo que vai custar — já está custando — caro à imagem do Brasil. Nós temos diversas reações, reações vindas inclusive de lugares dos quais nós não esperávamos que viessem. A cidade de Nova Iorque, por exemplo, aprovou uma lei pedindo — pedindo, não —, determinando que as suas empresas não comprem produtos que estejam envolvidos com o desmatamento da Amazônia. Los Angeles... Mais de duas dúzias de Senadores dos Estados Unidos, inclusive quatro são candidatos à Presidência da República, assinaram cartas no mesmo sentido, com a mesma preocupação. É isso. Essa é a imagem do País, hoje, no mundo.
Deve haver alguém lucrando com isso. Deve haver alguém se dando bem nessa situação. Com certeza, não é a população brasileira, não é o desenvolvimento do nosso País, não são os povos da Amazônia, não é a democracia do Brasil e não é a floresta.
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Portanto, a situação é ruim. E nessa situação ruim é que eu acho que temos que redobrar o nosso espírito de defesa da Amazônia, redobrar as nossas convicções, porque é para isso que nós existimos, é para este tipo de momento que eu acho que nós recebemos a confiança de uma parte da sociedade, para não achar que isso é normal e para dizer que a defesa da Amazônia é muito maior do que esse Governo e que a defesa da Amazônia vai ganhar.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Marcio.
Fomos provocados.
Marcio, nós trabalhamos e fizemos várias ações de responsabilidade com relação ao Ministro como também ao Governo Bolsonaro, em função de tudo isso que você provocou. Portanto, estamos tratando o Sr. Salles como criminoso, como bandido. E também estamos dizendo que o Brasil precisava voltar a ter Ministério e Ministro do Meio Ambiente.
Tem a palavra o Sr. André Lima, coordenador do Projeto Radar Clima e Sustentabilidade, do Instituto Desenvolvimento Sustentável — IDS.
O SR. ANDRÉ LIMA - Boa tarde, meu amigo Deputado Nilto Tatto, Marcio Astrini, Adriana Ramos, Brent Millikan, todos os amigos e amigas aqui presentes.
Eu estava olhando aqui as faces e interfaces e pensei que o Bolsonaro pode resolver metade dos problemas e das dificuldades dele se prender todos os que estão dentro desta sala.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - André, 1 minuto.
Chega aqui a cobrança de que o Ministério do Meio Ambiente não está nesta Mesa. Quero enfatizar que o Ministério do Meio Ambiente como também o Ministério da Defesa foram convidados para participar deste seminário.
O SR. ANDRÉ LIMA - Muito bem lembrado.
Como eu estava dizendo, ele poderia resolver metade das dificuldades que pode estar tendo com a agenda de meio ambiente prendendo todo mundo que está aqui dentro.
O SR. MARCIO ASTRINI - Não dá a ideia.
O SR. ANDRÉ LIMA - Você acha que eles precisam de ideia? (Risos.)
Eu preparei uma apresentação um pouco na linha do que o Brent estava trazendo, ou seja, de nos lembrarmos um pouco de coisas que foram feitas recentemente. Assino embaixo todas as críticas e comentários em relação aos abusos e crimes que estão sendo cometidos e aos atropelos da democracia e da cidadania socioambiental. Então, não vou repetir tudo que foi dito aqui. Vou tentar fazer uma fala um pouco mais técnica, digamos assim, com algum nível de proposição, se é que é possível propor alguma coisa neste ambiente em que estamos.
É importante ter um norte, porque é na hora da tempestade que precisamos dele. Quando está tudo mais ou menos numa boa, tanto faz estar indo para o norte, leste ou oeste. Você dá meia-volta e retoma o caminho. Mas, no meio dessa confusão, é bom termos um horizonte. Pelo menos eu vou apresentar aquele que eu tenho e que estamos tendo no IDS.
(Segue-se exibição de imagens.)
Então, está aí: "Controle dos desmatamentos na Amazônia: A lição a gente já sabe. Só nos resta aprender?"
A principal contribuição brasileira para a redução global de CO2. Isso, mais ou menos, foi dito aqui. Mostro só alguns dados: mais de 75% de redução dos desmatamentos. Portanto, como eu disse, a lição foi feita. Houve redução superior a 3,8 bilhões de toneladas de CO2, usando cálculos que se usavam no Comitê Fundo Amazônia. Numa contabilidade de advogado, mais ou menos 15 bilhões de árvores adultas na Floresta Amazônica deixaram de ser derrubadas nesse período.
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E eu imagino que esta apresentação será distribuída depois. Aí tem todos os links, com fontes, para quem quiser questionar e tal, porque, com certeza, esses números não são exatos.
E eu também fiz mais uma conta aqui, com a certeza de advogado, não consultei os economistas, mas quem quiser que coloque os seus números. Tudo o que nós economizamos de floresta que deixou de queimar e jogar para a atmosfera equivale a tudo o que o Ministro Paulo Guedes pretende economizar com a reforma da Previdência.
Eu vou apresentar aqui só alguns numerozinhos. Vocês vão acompanhando aí e, depois, quem quiser pode questionar: média de desmatamento entre 1996 e 2005 de 19,5 mil Km²; média de desmatamento entre 2006 e 2015 de 8.100 Km²; redução total de desmatamento no período de 11,47 mil Km², que resulta em 11,47 milhões de hectares de florestas em 10 anos.
Com uma média muito baixa de 500 árvores adultas por hectare, nós temos 5,5 bilhões de árvores. Eu joguei bem para baixo aqueles 15 bilhões, porque muitos dizem que é entre mil e 2 mil. Considerando 2,5 m³ por árvore adulta, portanto bem abaixo dos cinco e seis que dizem, na média, os cientistas, nós estamos falando 14 bilhões m³ de madeira que deixou de ser torada e queimada. Num preço médio do mercado do Pará para a madeira mais baixa, que é a madeira branca, a que eles chamam de C4 — existem C1, C2, C3 —, que não considerei nem vermelha, nem nobre, nem especial, a 10 dólares o metro cúbico, com o dólar de 2011, nós estamos falando em 573 bilhões de reais em 10 anos que deixaram de ser queimados e deixaram de ir para a atmosfera.
Se nós jogarmos 8 dólares, aquela ficção que nós gostamos, a tonelada de carbono, o que é muito abaixo do que se diz aí, eu já vi pessoas falando em 30, 15, 20, se jogarmos mais 120 bilhões, então, nós estamos falando de 693 bilhões de reais em 10 anos. A Previdência eu acho que vai economizar isso em não sei quantos anos, não são só 10. Ou seja, são 15% a mais do que os 600 bilhões salvos pela reforma da Previdência.
Por que eu estou trazendo isso? Além de gostar de fazer contas e entrar na seara alheia, esta não é a minha, eu sou advogado, nós vamos estudar isso. Nós estamos chamando economistas para fazer um cálculo mesmo econométrico disso tudo, para dimensionarmos qual é a contribuição efetiva de um plano desta magnitude. A ideia aqui é entrar um pouco na dimensão da importância disso, do ponto de vista econômico. Então, se existe o pré-sal lá no oceano, nós estamos falando de um pré-sal florestal e da importância de um plano destes, para podermos dar um encaminhamento econômico para esta discussão também.
Este gráfico todo mundo conhece. Nós estamos falando aí da aplicação e da efetividade do plano de combate ao desmatamento. Lembro que — isto também deve ter sido apresentado hoje pela manhã, eu não pude estar aqui — nós estamos falando de um período de queda de desmatamento em que PIB, PIB da agricultura, preço etc. estavam aumentando descoladamente da questão econômica. Ou seja, o desmatamento caiu enquanto a economia crescia. Aliás foi um dos momentos recentes em que a economia mais cresceu. Foram várias medidas: a criação de milhões de hectares de unidades de conservação e reconhecimento de terras indígenas, a famosa lista dos Municípios críticos — depois irão, inclusive, os links para quem quiser dar uma olhada nos instrumentos jurídicos — ; a resolução do Banco Central cortando crédito para detentor de imóvel ou produtor rural que constava na lista de áreas embargadas; o recadastramento obrigatório nos Municípios críticos — o INCRA fez uma varredura, cancelando e bloqueando o cadastro nos Municípios críticos. Lembro que, dos mais de 950 Municípios da Amazônia, a primeira lista indicou 36 Municípios responsáveis por 50% dos desmatamentos. Portanto, não era preciso agir na Amazônia inteira; era preciso agir com foco e fiscalização.
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Aliás, eu parabenizo o nosso amigo Flávio Montiel não só pela organização deste evento aqui. Eu acompanhei, ainda que de longe, todo o trabalho para chegarmos a este dia de hoje e também acompanhei o trabalho difícil coordenado por ele à frente da Diretoria de Proteção Ambiental do IBAMA. Ele foi um braço forte para a implementação disso tudo que eu estou apresentando aqui.
Outra medida foi o embargo obrigatório das áreas ilegalmente desmatadas. Até aquele momento, o IBAMA embargava o desmatamento — "O desmatamento está embargado." O cara já havia desmatado 10 mil hectares e no dia seguinte ele punha lá boi, etc., e continuava a vida. Só o desmatamento estava embargado. Então, o IBAMA passou a embargar o uso econômico da área desmatada ilegalmente, e isso passou a constar de uma lista que os gerentes de banco tinham a obrigação de consultar antes de viabilizar o acesso a crédito.
Tudo isso está explicitado no Decreto nº 6.321, que, cá para nós, está em vigor. Este Presidente ignora um decreto em vigor.
Avaliações independentes. GIZ, IPEA, IPAM, Universidade de São Paulo, por meio de Paulo Artaxo, entre outras instituições — basta consultarmos —, fizeram avaliação da implementação do plano de combate ao desmatamento, mostrando que ele teve, sim, efetividade e que foi responsável, em boa medida, por esta redução expressiva de mais de 70%, 75%. Isto aqui no gráfico era o que estava projetado para 2020, um desmatamento abaixo de 3.925 quilômetros quadrados. Nós estamos muito longe dessa estimativa.
Riscos efetivos e ameaças prováveis para 2020 já foram citados aqui. Alguns eu vou destacar.
Antes faço uma brincadeira, chamando a atenção de alguns amigos e de alguns não tão amigos que colocam Ele acima de todos. A pergunta é: o que será que Ele, com esse "e" maiúsculo, está querendo dizer a todos nós, ou aos que n'Ele creem, com três desastres ambientais de magnitude global no mesmo ano, no mesmo país? Que nos perguntemos o que Ele deve estar querendo dizer a todos nós! Digo isso com todo o respeito. Eu também sou cristão, sou espírita, tenho a minha crença.
Vamos lá! Vou destacar algumas ameaças reais.
O MMA afirma que a solução é regularizar o irregular. Então, vão acabar com o desmatamento ilegal. Como? Tudo o que foi desmatado passa a ser legal. Pim! Num passe de mágica, acaba-se com o desmatamento ilegal.
IBAMA legitima parecer desresponsabilizando comprador de madeira com DOF ilegal. Uma medida importantíssima — inclusive o Ministério Público foi um dos proponentes — foi a responsabilização da cadeia produtiva, de quem compra ou comercializa produtos oriundos de desmatamento ilegal. Agora, está aí o próprio IBAMA, com todo um juridiquês que faz sentido, legitimando o fim disso.
Vem por aí medida provisória ou PL de regularização de garimpo em terra indígena.
Aumento da exportação de boi em pé. Hoje eu vi uma foto — não sei quem postou — de um frigorífico grande do Pará que dizia que não tem mais carne para o pessoal de Belém porque tudo está sendo exportado em pé. A China voltou a comprar boi do Brasil, o preço está lá em cima, e obviamente isso vai significar, aliás, já está significando, uma pressão relevante por abertura de novas áreas.
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Retomada da exportação de madeira em tora. Ponho uma interrogação aqui, porque isso foi um anúncio. Após muitos dos anúncios, o Governo, às vezes, recua. Entretanto, só o anúncio já traz um impacto, porque, obviamente, dá o recado. Um Presidente da República falando, tuitando, etc., dá o seu recado para as suas bases.
Revogação do ZEE da cana. Não sei quem aqui conhece o ZEE da cana. (Risos.) Está revogado. Ele proibia a expansão de plantio de cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal.
Ameaça de fim da moratória da soja. A própria Ministra agora está num cabo de guerra com o Nabhan Garcia. É o agronegócio versus o "ogronegócio". Mas a própria Ministra do agronegócio está criticando e dizendo que é contra a moratória da soja.
Regularização fundiária autodeclaratória do Secretário Nabhan Garcia, que foi ao Senado. Não sei se ele veio à Câmara também e disse isso, Sr. Deputado, mas ele esteve no Senado duas vezes dizendo que está sendo gestada uma medida provisória cuja centralidade é uma regularização fundiária autodeclaratória.
Vamos botar tudo isso num pacote e vender para os gringos. Será que a solução é alugar o Brasil, como dizia Raul Seixas? Eles já estão vendendo. Não vai dar nem tempo de alugar.
Há também o PL de vendas de terra para estrangeiros. Vamos botar tudo isso num pacote.
Juntamente com isso, o Ministro Bento defende um licenciamento ambiental autodeclaratório total flex, em que não há responsabilização pelo que ele chama de impactos indiretos de obras de infraestrutura. Obviamente, com a abertura de uma nova estrada na Amazônia ou uma duplicação, o impacto direto mais evidente está nas chamadas áreas de influência indireta, que são os milhares de quilômetros quadrados no entorno dessas rodovias. Pelo projeto de lei do atual Ministro de Infraestrutura, esse impacto deixará de ser considerado no licenciamento ambiental, portanto, deixará de ser dimensionado, e deixará de haver medidas preventivas mitigadoras e compensatórias no âmbito desses licenciamentos.
Não pude estar aqui ontem, quando a Frente Parlamentar Ambientalista fez uma avaliação do ano de 2019 no Congresso. Neste ano, conseguimos, bem ou mal, com o nosso exército de Brancaleone de poucos e bons Deputados, segurar boa parte das tentativas de mudança na lei e na Constituição. Infelizmente, isso aconteceu com a ajuda de toda essa conjuntura muito triste dos acidentes e dos crimes que ocorreram, como o petróleo no mar, o aumento das queimadas na Amazônia e, no começo do ano, Brumadinho. Mas, do ponto de vista do Legislativo, de certa forma, conseguimos empatar o jogo.
Contudo, no Executivo, a coisa continua, e continuam sendo dados sinais de que o ano que vem será de muita pressão, inclusive sobre esta Casa. Medidas provisórias começam a ser novamente gestadas, como a Medida Provisória nº 901, de 2019, que trata da doação ou da transferência de terras da União para Roraima e Amapá. Já há nela quase uma dezena de emendas mudando a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, criando até mesmo a possibilidade de mineração em terra indígena, entre outras coisas. Para não ficar só no reativismo, o que estamos trabalhando, formulando e, enfim, propondo? Como resultado de um processo de avaliação do ano todo na Comissão de Meio Ambiente do Senado — inclusive, o relatório está sendo finalizado nesta semana e deve ser levado à COP —, está se propondo uma PEC do clima, que insere, no art. 170 da Constituição, que trata da ordem econômica e financeira, o enfrentamento e a mitigação das mudanças climáticas como princípio fundamental da ordem econômica e financeira nacional.
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Juntamente com esse relatório vem a proposta do projeto Brasil Carbono Neutro 2050. Todo ele é lastreado nos debates que aconteceram nos últimos 2 ou 3 anos no Fórum Brasileiro de Mudança do Clima. Ele adapta ou atualiza o art. 12 da Política Nacional sobre Mudança do Clima, já que a meta ali constante vence em 2020.
Reforma tributária. Estou chamando a proposta de reforma tributária verde, sustentável. Trata-se da inserção de variáveis de sustentabilidade na reforma tributária. Esse é outro componente fundamental. Lá no Estado do Pará, por exemplo, chegou-se a inserir a variável redução do desmatamento na distribuição de ICMS, mas isso provavelmente deve estar sendo atropelado por uma série de medidas que foram adotadas simultaneamente. A ideia é discutir, seja junto com o IBS, seja junto com o IVA, enfim, junto com toda essa discussão tributária, as metas do Acordo de Paris ou da proposta Brasil Carbono Neutro 2050. Isso é fundamental. Deve haver formulação objetiva para isso.
Suspensão ou bloqueio de regularização fundiária de áreas desmatadas ilegalmente. Isso não é nenhuma invenção, está na Lei de Gestão de Florestas Públicas, no art. 72: "As florestas públicas não destinadas a manejo florestal ou unidades de conservação ficam impossibilitadas de conversão para uso (...) até que sua classificação (...) esteja oficializada e a conversão seja plenamente justificada". Então, com base em lei em vigor desde 2006, nós vemos que é fundamental trabalhar a suspensão de regularização. Por quê? Porque a expectativa de titularidade, com todos esses anúncios explícitos, gera, obviamente, as invasões e as ocupações, com a expectativa de regularização com o desmatamento. É o velho discurso de que, para comprovar posse legítima, é preciso desmatar.
Há um projeto de lei que foi proposto hoje no Senado institucionalizando tudo isso que falei em relação ao Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Para boa parte dessas medidas que foram discutidas aqui, o plano não pode ser estabelecido por decreto, não pode ser um plano de Governo. Se o Brasil quiser de fato chegar aonde diz que quer chegar — não este Brasil de hoje, mas o País que veio sendo construído desde a Constituição de 1988 até bem pouco tempo atrás —, é fundamental que esse plano seja uma obrigação. Ele já o é pela lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima, que diz que é necessário haver um plano setorial, e um dos planos setoriais é o PPCDAm, mas não há nenhuma diretriz em relação ao que seria esse plano. Então, a ideia é detalhar isso um pouco e a política passar a ser de Estado, obrigando seja lá qual for o Governo de plantão. Por isso, há o projeto de lei, que ainda não ganhou número, porque foi protocolado hoje.
Obviamente, não se tem uma grande expectativa avanço em boa parte dessas medidas com este Governo, mas o Congresso tem dado sinais de que não pactua e não compactua com muito do que está sendo dito e feito por este Governo. Então, é preciso que coloquemos, com alguma ousadia, o objetivo de articulação dentro deste Congresso Nacional, para sairmos do corner e da defensiva com propostas consistentes — avaliamos que algumas delas são as que estamos apresentando hoje aqui. Por fim, mas não menos importante: ação popular, ou civil pública, responsabilizando o Governo Federal. Eu acho que está mais do que na hora disso. Há muita representação para o Ministério Público, que avaliamos ser importante, mas também não temos expectativa de que esse Procurador-Geral da República vá fazer alguma coisa em relação às autoridades políticas deste País. Então, é preciso que se pense e se trabalhe objetivamente numa ação popular civil pública de peso, porque o que não faltam são indícios, provas, ações, discursos, elementos objetivos. O conjunto da obra, obviamente, leva ao que está acontecendo em nosso País e ao que foi colocado aqui pelo Marcio. No ano que vem, teremos, no mínimo, o dobro de desmatamento deste ano, e isso não é obra de ficção, isso não é obra de acaso, isso não é simplesmente obra do mercado. É evidente que tudo isso que está sendo feito tem correlação direta com a retomada do aumento expressivo do desmatamento na Amazônia, que resulta em centenas de milhões de toneladas de CO2 jogados na atmosfera de uma só vez; dezenas de milhares de quilômetros quadrados ou milhões de hectares queimados, torrados; biodiversidade perdida. Isso é gravíssimo. E é inadmissível que o Judiciário não responda.
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É claro que isso tem que ser feito com inteligência, com fundamento, com consistência, e temos inteligência, fundamento e consistência. Inclusive, não precisamos nem ir muito além desta sala para nós, de fato, fazermos um enfrentamento no Judiciário, responsabilizando o Presidente da República, o Governo Federal, o Ministro do Meio Ambiente.
Que fiquemos 15 anos lutando no Judiciário, como ficamos quando, em 2000, pelo ISA, nós entramos com uma ação suspendendo toda a exploração de espécies ameaçadas de extinção na Mata Atlântica. Nós lutamos 15 anos no Judiciário e, em 2016, ganhamos em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Estabeleceu-se a obrigação de o IBAMA indenizar em centenas de milhões de reais a exploração de Mata Atlântica nessa área de extinção. Isso acabou virando um acordo e um projeto de reflorestamento, mas o Judiciário deu a sua resposta. Então, que fiquemos 15 anos lutando no Judiciário e, daqui a 15 anos, quando eu estiver para lá dos meus 60 anos, possamos gritar uma vitória contra este Governo e, se possível, até pessoalmente contra o Presidente da República e o Ministro do Meio Ambiente, para que assumam a responsabilidade pelo que estão fazendo não só conosco, mas com os nossos filhos, com o nosso País.
Muito obrigado, Deputado Nilto. Fico à disposição de vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, André Lima.
Obrigado Brent, Adriana, Marcio Astrini.
Vamos já montar a próxima Mesa.
Vamos combinar de, ao final, fazermos uma rodada de conversa juntando as Mesas? Podemos fazer isso? (Pausa.)
Obrigado.
Assim, vocês vão ficar aqui em solidariedade.
Próxima Mesa: Olhando para Frente: Ameaças, Oportunidades e Desafios.
Convido o Dr. Felício de Araújo Pontes Júnior, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal; Pedro Martins, Assessor Jurídico da Terra de Direitos; Mauro Armelin, Diretor Executivo da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira; e o sempre Deputado Federal Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental – ISA.
15:30
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Tem a palavra o Sr. Pedro Martins, Assessor Jurídico da Terra de Direitos.
O SR. PEDRO MARTINS - Boa tarde a todos e todas. Meu nome é Pedro Martins, sou assessor jurídico de uma organização de direitos humanos chamada Terra de Direitos e venho de Santarém, no oeste do Pará, ali da região do Tapajós.
Este seminário, como já foi demostrado em outras falas, é uma oportunidade não só para os movimentos que debatem a questão do meio ambiente, mas também e principalmente para nós que, ali no contexto do Tapajós, ainda vivemos nesse cenário de pesada criminalização, como já foi ressaltado aqui em várias falas, especialmente na do Padre Edilberto Sena, da cidade de Santarém.
Eu estava ontem acompanhando a audiência de custódia dos quatro militantes, dos quatro presos políticos que, por terem essa iniciativa importantíssima nesse contexto político, sofreram esse processo de criminalização, com uma violência muito grande, pois, já em prisão preventiva, tiveram que se apresentar na Justiça frente ao mesmo juiz que decretou a prisão preventiva deles para uma audiência de custódia com uma esperança, mesmo que mínima, de poderem ter a liberdade. Mas, ao final da audiência, tiveram que retornar ao presídio.
Nesta Mesa temos a oportunidade de refletir sobre qual o papel do Estado diante de todas essas políticas, apesar disso já ter sido trazido amplamente, porque nós estamos num rico debate desde a manhã. O Legislativo e o Executivo já demonstraram ao longo do tempo que estamos vivendo um fascismo para o meio ambiente, que, nesse momento, nós estamos conhecendo uma política fascista para o meio ambiente que envolve a criminalização, que desconsidera direitos étnicos, que desconsidera direitos territoriais, que vem com braço armado, que vem com braço violador, que pode inclusive ter uma armação por trás de vários processos que foram colocados.
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Salientamos, neste momento, que a operação de criminalização desses quatro presos políticos ocorre uma semana antes da Convenção do Clima, que, apesar do Chile estar sediando, vai acontecer em Madri, na Espanha, para reforçar a narrativa, que já conhecemos, do Bolsonaro, de que as ONGs são os principais sujeitos que tacaram fogo, que incendiaram a Amazônia neste último período. Isso destaca também uma política fascista, porque o fascismo depende de eleger um inimigo, e o inimigo está muito claro, não só no discurso de ideologização que acontece, mas também por estar abertamente ligado às organizações não governamentais.
Temos também, nos últimos tempos, percebido como o Judiciário tem enfrentado essa questão. Em 2019, houve a recusa do Supremo Tribunal Federal em reconsiderar o erro gravíssimo de interpretar que as unidades de conservação da região do Tapajós haviam sido alagadas por hidrelétricas, quando essas hidrelétricas nem chegaram a ser construídas. E, num constrangimento muito grande, a Ministra Cármen Lúcia, quando expomos que a decisão tomada no acórdão do STF, que dizia que as áreas tinham sido alagadas, não tinha como se sustentar, porque a construção da hidrelétrica não tinha acontecido e, logo, não havia lago para atingir essas hidrelétricas, mesmo assim, diante da interposição de embargos de declaração, ela resolveu manter. Nós tivemos apenas um voto divergente, que foi o do Ministro Edson Fachin, nessa ADI, que é a ADI 4.717, em que ele, de ofício, gostaria, digamos assim, muito simploriamente, de salvar milhares de hectares de floresta protegida na região do Tapajós, mas teve essa derrota. E nós perdemos com isso milhares de hectares protegidos na nossa região do Tapajós, chancelando o desmatamento nessas áreas, legitimando inclusive esse processo.
As investigações, daqui para a frente, sobre os casos de desmatamento, também exercerão essa mesma seletividade do Poder Judiciário? Quem foram os responsáveis pelo dia do fogo? Onde estão os responsáveis pelo dia do fogo? Essas pessoas sofreram esse mesmo processo de criminalização? Essas pessoas estão sendo perseguidas sistematicamente pela mesma polícia, pelo mesmo Poder Judiciário, ou elas estão sendo absolvidas estrategicamente, ou elas estão sendo esquecidas também estrategicamente?
Eu falo da seletividade do Poder Judiciário também porque ele elegeu esse caso e vem seguindo uma estratégia de juízes bem conhecidos da sociedade brasileira hoje em dia, que é a de vazar áudios de WhatsApp, que é a de permanecer numa investigação, requentando fatos, para que continuemos num clima de suspense, num clima de lava-jatismo ambiental, em que as pessoas vão sempre querendo saber onde vamos chegar com essa investigação, onde a polícia vai chegar para saber sobre essa rede de organizações não governamentais que pensam em tacar fogo na Amazônia, quando os verdadeiros responsáveis podem estar muito bem agora, tranquilos, por saberem que os inimigos foram eleitos e que não são eles. A região de Alter do Chão já é conhecida por ser um espaço onde avança um turismo muito predatório e passa por uma grilagem de terras fortíssima — isso foi denunciado em portais de notícias —, que eram manejadas e construídas por esses militantes que hoje se encontram presos em Santarém. Eles tiveram um papel importantíssimo para que hoje soubéssemos que a região da Capadócia, em Alter do Chão, é objeto de intensa grilagem. Apesar de ser um sistema de turismo, um grupo do setor econômico ligado a hotéis e a resorts não é menos importante na economia local do que o sojeiro, o fazendeiro de gado e o madeireiro ilegal. O potencial de lucro determina nesse caso quem vai conseguir ter sucesso e quem vai ser derrotado durante a investigação criminal.
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O que aconteceu hoje e foi anunciado pelo Governador Helder Barbalho — que inclusive nacionalmente tem se colocado como interessado nos financiamentos para meio ambiente — é que ele mudou a pessoa da delegacia responsável pelo comando do inquérito. Desde o início a Delegacia de Conflitos Agrários — DECA era a responsável. Neste momento, temos de refletir também como esses espaços especializados têm nos prejudicado, e muito.
Em relação a isso, também temos destacado o papel do Estado. Nós, organizações não governamentais, estamos caindo naquilo que eles querem, ou seja, ficamos num discurso muito defensivo, muito retraído, com medo de perseguição. Não estou dizendo que não precisamos desse receio, mas ele precisa ser um pouco mais proativo. Precisamos destacar, por exemplo, qual era a importância dessa brigada de incêndio de Alter do Chão.
Agradeço às pessoas do INESC que fizeram a apresentação aqui. Veio muito a calhar, a redução do orçamento para a prevenção e o controle de incêndios florestais, no ano passado, demostrou o quanto era importante que, em 2019, houvesse uma organização da sociedade civil pronta para atuar também nessa área, em que nunca tínhamos pensado em trabalhar.
Quem acompanhou de perto o trabalho da brigada de Alter do Chão sabe que eles envolveram as lideranças indígenas. Alter do Chão não é só um balneário, mas também é um território indígena Borari, é um espaço onde existem lugares sagrados. Eles envolveram as lideranças. Era um trabalho formidável de valorização do território, que só poderia acontecer com o reconhecimento do papel das organizações da sociedade civil nesse momento.
Se nós estamos sendo eleitos os inimigos desse governo fascista, temos de destacar também o quanto é importante, na destruição da democracia, que as pessoas, os militantes e a sociedade estejam cada vez mais organizados, sem receio dessa organização, sem receio de se formar coletivos, sem receio de estar prontamente ativos para fazer sua política diária nas ruas, se for necessário.
Entreguei para algumas pessoas esse informe do Tapajós, onde se pode olhar mais claramente essa decisão da ADI 4.717. Como já foi destacado em outras apresentações, agora também ocorre a grilagem de terras associadas.
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Eu gostaria de aproveitar essa oportunidade de estar com o microfone — já que dá para falar pelo menos mais um pouquinho — para ler a nota das organizações de Santarém.
É muito importante, ao estar em Brasília com vocês que não vivem na Amazônia, ler essa nota, pensada, construída a partir de Santarém para o Brasil e para o mundo, a fim de que tomem ciência da nossa perspectiva.
Nota de Repúdio.
As organizações e movimentos sociais subscritos expressam seu repúdio à prisão abusiva de quatro integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão. Não temos dúvidas de tratar-se de mais um caso de criminalização de movimentos sociais e ativistas ambientais, cuja liberdade foi violada com base em investigação nebulosa que não apresentou, até o momento, nenhum elemento de prova contundente que justifique a manutenção da prisão preventiva dos brigadistas.
Nós, amazônidas de berço ou por adoção, que militamos em defesa dos nossos territórios e da manutenção da floresta em pé identificamos que o latifúndio, o agronegócio, a pecuária e a mineração são os que realmente desmatam e matam as formas de vida na floresta. Alter do Chão, no coração do Pará (estado campeão de desmatamento), é uma das áreas mais cobiçadas pelos mega empreendimentos hoteleiros e condomínios privados. Esses setores, sim, grilam terras e devassam a natureza para negociar no mercado imobiliário.
A tentativa de imprimir uma narrativa que vire o jogo a favor dos distribuidores da Amazônia e criminalizar as ONGs, movimentos sociais e ativistas ambientais que historicamente se dedicam à luta pela preservação da floresta e de seus povos é um claro ataque dos adeptos do presidente Bolsonaro que precisavam repercutir a ofensa bolsonarista contra as ONGs publicizadas desde a campanha eleitoral. Justamente uma semana antes de começar a Convenção da ONU sobre clima, espaço internacional para combate ao desmatamento e queimadas, a criminalização dos brigadistas serve de factoide para desresponsabilizar o governo brasileiro pelo aumento dos focos de incêndio esse ano.
A prisão abusiva dos brigadistas fere as normas do processo criminal e viola garantias constitucionais e direitos humanos. Sofremos violências constantes em nossos territórios. Mas, não vamos permitir que o AI-5 se instale no chão amazônico. Vamos seguir lutando pela garantia do estado democrático de direito, pelas liberdades constitucionais e pela preservação da floresta que é nosso abrigo, nosso lar.
Brigadistas de Alter do Chão, Liberdade Já! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Pedro.
Mais uma vez trazemos a nossa solidariedade. Nós, assim que soubemos desse crime... Podemos considerá-lo um crime. É muito grave quando se usa a força policial e o braço do Poder Judiciário. E, quando se fala da força policial, fala-se da força de armas para uma ação política, uma ação fascista. Logo que soubemos, aqui mesmo fizemos um ato e, via Comissão de Direitos Humanos, tomamos uma série de iniciativas para tanto solicitar informação, pedir a libertação, como também a própria apuração.
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Conforme anunciado aqui, o Deputado Ivan Valente também já apresentou uma PFC — Proposta de Fiscalização e Controle para se apurar a responsabilidade. Nós sabemos que os Governos de Estado às vezes não têm controle, e é muito comum, do que essa polícia militarizada vem fazendo. E nós sabemos, inclusive, que, no Pará, a Polícia Militar tem um histórico muito grande de autonomia, mas também não se pode isentar a responsabilidade do Governador por esse episódio.
O que ele fez? Ele tirou o processo lá agora, puxou, mudou a coordenação do processo, mas acho que ele precisa fazer muito mais e dar exemplos, inclusive, a outros Governos de Estado, porque esse fascismo e uso político dessas estruturas do Estado na criminalização e na perseguição têm se espraiado por todos os cantos deste País.
Pedro, obrigado. Leve a nossa solidariedade daqui, pela Frente Parlamentar Ambientalista e pela Comissão de Meio Ambiente.
Concedo a palavra ao Sr. Mauro Armelin, Diretor Executivo da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
O SR. MAURO ARMELIN - Olá.
Enquanto estão providenciando a apresentação ali, eu gostaria, primeiro, de registrar o meu agradecimento pelo convite e de colocar uma situação de estranheza que vivo neste momento. Fui convidado aqui para debater alguns aspectos técnicos de uma cadeia produtiva que ameaça a Amazônia, mas hoje o debate é político e crítico.
Também gostaria de me solidarizar aqui com os colegas, os amigos, tanto os brigadistas quanto os do Projeto Saúde e Alegria, que nesse movimento político extremista estão sofrendo consequências terríveis por esse processo de também levar cidadania, ter participação popular naquela região. Como bem colocado pelo nosso colega Pedro, Santarém e Alter do Chão são locais com um capital social gigantesco, e é muito natural que lá a sociedade civil esteja à frente dos processos de desenvolvimento da região e não simplesmente o Governo. A sociedade tomou pé daquilo, e já há 30 anos. O que estamos vendo agora é esse processo de tentar reverter um quadro que eu considero de desenvolvimento e não de retrocesso. O que aconteceu ali, o desenvolvimento daquela região com o capital social que se formou, deveria ser um exemplo para todas as regiões, os Estados do Brasil.
Dito isso, como o tema aqui hoje era para... Vamos tentar olhar para frente, para o que nós ainda podemos fazer, quais as propostas que nós temos para o Brasil e para o desenvolvimento da Amazônia.
Eu gostaria de citar aqui o exemplo de um estudo, um relatório lançado pelo Banco Mundial em 2003, que já coloca, e não há mais dúvida: quem desmata a Amazônia? É a pecuária. Então, não precisamos ficar discutindo. E não precisamos ficar discutindo também se é a pecuária, se é a grilagem, se é a infraestrutura. É tudo junto! Não há dificuldade em ver isso.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Vamos começar a olhar para o futuro, que não é simplesmente uma previsão ambientalista. Temos aqui o exemplo do Outlook 2026 e 2028 da FIESP sobre a produção animal no Brasil, naquelas regiões, focando o caso da Amazônia. Podemos ver que a previsão da FIESP para 2026 e para 2028 é o aumento do volume de proteína animal, de carne produzida na Região Norte. Em 2028, aumenta-se ainda o tamanho da participação dessa produção da Região Norte no total da produção do Brasil, ou seja, tudo leva a crer que haverá um aumento. Sabemos muito bem que o aumento de uma cadeia produtiva que é extremamente demandante de área de forma desordenada... Como eu disse, não precisamos discutir novamente o que vai acontecer e para onde vão os nossos índices de desmatamento.
De outro lado, cito como exemplo, para colocar números nesse problema, os dados do MapBiomas. Em 2000, já eram 26 milhões de hectares as áreas de pastagem na Amazônia; em 2016, chegamos a quase 41 milhões de hectares. Depois, nem fui dar uma olhada nas novas coleções. Pena que a Ane não está aqui, senão ela poderia falar de cabeça... Ah, a Ane está ali! Depois ela poderia até dizer qual é o número de hectares de pastagem hoje na Amazônia.
O que nós temos é um problema claro, todo mundo já conhece. E o que agora precisamos, ou melhor, todo mundo tem oportunidade de participar da solução disso; não é um processo insolúvel. Como já foi dito aqui, dá, sim, para reduzir o desmatamento; dá, sim, para ordenar uma cadeia produtiva e continuar tendo lucro; dá, sim, para a sociedade e as empresas participarem disso. E nós precisamos que o Poder Público participe disso, porque o Poder Público faz o ordenamento. Não adianta simplesmente falar, como ocorreu no caso do zoneamento da cana, a derrubada para o plantio da cana na Amazônia e Pantanal, quando o setor disse: “Estamos num momento de autorregulação, em que as empresas, com seus compromissos públicos, podem assumir o papel de responsabilidade sobre aquilo”. Não dá! O básico é a regulação governamental. Depois, o que vamos fazer, como sociedade e como iniciativa privada, é melhorar a performance, a baseline colocada pelo Governo. Não dá para simplesmente dizer: “Nós não precisamos mais do Governo". Nós precisamos do Governo, nós precisamos do regramento, nós precisamos da política de comando e controle. E essa política de comando e controle vai acontecer em várias instâncias, como o nosso colega Felício vai explicar aqui.
Portanto, dá para colocar, mostrar quais são as iniciativas. Eu não coloquei as iniciativas uma por uma do Walmart, da Nestlé ou da Cargill, mas todas elas estão reunidas.
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Então, temos lá o Consumer Goods Forum e o Tropical Forest Alliance, que colocam claramente "Desmatamento Zero 2020". E esses dois reúnem os grandes da indústria de transformação alimentícia, do comércio, do varejo, ou seja, a meta está aí. Então, eles também têm essa participação; eles têm a consciência do que precisa ser feito. É nisso que nós temos que bater.
Do lado de cá, temos o setor bancário, que também, nessa iniciativa dos bancos para o meio ambiente, coloca que eles querem desmatamento zero líquido em 2020. Então, de um lado, há todo o setor de manufatura, de venda, de comércio, com os bancos dizendo: "Eu quero". De outro lado, a última, a Declaração de Nova York, que foi uma convenção da ONU, onde se coloca: "Pelo menos reduzir pela metade a conversão de florestas tropicais até 2020 e zerar em 2030". Está todo mundo ciente do que tem que ser feito, e todo mundo está ciente de que tem papel nisso. Dá para fazer. Nós precisamos reavaliar é como vamos atuar junto com esses coletivos que já assumiram o seu compromisso e estão cientes do seu papel. Como consumidores, como cidadãos, nós agora precisamos exigir que isso aconteça também.
Na esfera brasileira, eu gostaria de citar pelo menos dois excelentes exemplos. Um foi o TAC — Termo de Ajustamento de Conduta da Carne, elaborado pelo Ministério Público Federal, em que algumas pessoas dizem que os frigoríficos foram obrigados a assinar. Não foram obrigados. O Ministério Público Federal, sem querer falar em nome do Ministério Público Federal, convidou aqueles frigoríficos a tomarem parte na solução do problema, ou seja, não terceirizar a sua externalidade, e, sim, trazê-la para dentro da sua equação de preço, da sua equação de negócio, e assim formar um corpo, uma ação que reduzisse o desmatamento na Amazônia.
Com o compromisso, com o TAC, havia questões até, por incrível que pareça, muito simples, que eram: um, não comprar de propriedades com desmatamento ilegal; não comprar de áreas embargadas pelo IBAMA. Como foi dito aqui na Mesa anterior, se a área está embargada pelo IBAMA, ponto final, não compro daquela área, e não importa se aquela área específica é a propriedade inteira — a propriedade inteira ali tem um problema que tem que ser resolvido. Então, não comprar das áreas embargadas pelo IBAMA. Também não comprar daqueles CPFs ou CNPJs relacionados na lista do trabalho escravo, é óbvio; e não comprar de áreas de propriedades rurais que tenham sobreposição com unidades de conservação em terras indígenas. Portanto, não era nada de uma ciência de lançamento de foguetes; é o básico da lei. E isso já causou uma revolução.
Eu gostaria de fazer menção aqui a outra grande solução, que foi o compromisso público da pecuária, que foi algo induzido pelo Greenpeace, quase forçado, para que os três grandes frigoríficos que operam na Amazônia tivessem compromissos em relação ao desmatamento zero.
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Além dos critérios que citei do TAC, o Compromisso Público da Pecuária ia mais adiante, porque ele citava claramente o desmatamento zero líquido — o desmatamento zero não era simplesmente desmatamento ilegal, porque o TAC, com o Ministério Público, era desmatamento zero ilegal. O Ministério Público também não pode forçar a barra para aquilo que é obrigação de cumprir a lei. Nesse caso, como um compromisso público privado, ele ia além da lei. Era desmatamento zero. Se desmatou, está fora. Não pode aparecer aqui com desmatamento. E também citava o que chamamos hoje de fornecedores indiretos. Então, ele já citava a coisa do desmatamento dos fornecedores indiretos.
Aí começou o dilema, porque tanto o Compromisso Público da Pecuária quanto o TAC hoje já completam 10 anos. Naquele momento, pensou-se: "Mas como se vai fazer isso? Isso é impossível. É impossível monitorar todos os fornecedores. É impossível monitorar uma cadeia produtiva em que, com quatro plantas, se compram 600 mil animais por ano". Não! Isso é possível. É possível, dá para fazer, e nós temos exemplos aqui.
Aqui há uma tabela de comparação muito rápida entre os três maiores frigoríficos que estão presentes na Amazônia e no Brasil também, com os seus resultados da auditoria do TAC e da auditoria do Compromisso Público da Pecuária. Vamos tomar em consideração quem fez a auditoria do TAC, porque a Marfrig não assinou, e, nesse caso também, essa auditoria é do TAC do Pará, que tem sido um exemplo para todos os outros Estados em termos de diligência, de entrega de resultados e também de transparência dos processos e que já está em uma segunda rodada de auditoria.
Então, na primeira auditoria, usando os exemplos da JBS e da Minerva, dá para ver que a primeira ficou com 19% de irregularidades nas suas compras de animais, e a Minerva com zero, ou seja, a Minerva já estava aplicando os procedimentos necessários para chegar a cumprir tanto o Compromisso Público da Pecuária quanto o TAC. E a JBS saiu de 19% e passou, na auditoria passada, cujos números foram revelados há 2 semanas, a 8,3%, ou seja, há uma amostra aqui clara de que dá para fazer.
Essa outra tabela também mostra isso. Esses aqui são dados só de 2016, porque ainda estamos trabalhando com as empresas de auditoria nesses dados que foram revelados há 2 semanas, para entendermos algumas divergências que tivemos em termos de metodologia, mas é simplesmente o entendimento. Por isso, não os coloquei aqui.
Então, o que vale levar em consideração aqui é que, com uma atitude como essa, que não abarca todos os frigoríficos do Estado do Pará, nós tivemos, nesses casos, com os maiores frigoríficos que operam naqueles Estados, 9% de animais irregulares. Ou seja, dá para fazer sim, dá para fazer, e nós temos até como mostrar o que acontece, como se faz. Este aqui é um exemplo do sistema de um dos seguros. Ele faz todas as análises e daí mostra qual propriedade está liberada para o frigorífico comprar. Ele opera isso no dia a dia.
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Esta aqui é a tela que o frigorífico vê — de dois frigoríficos diferentes. Eu só coloquei as tarjetas ali para tapar os nomes.
E ali, na hora em que ele faz o cadastro do seu fornecedor, ele fala: "Esse fornecedor está bloqueado, porque ele está com problemas".
Esta aqui é a tela de um provedor de serviço para um varejista. Quando o varejista cadastra o frigorífico na sua base, ele já tem também acesso à localização das plantas daquele frigorífico em índices de irregularidade por cada planta. Ou seja, até mesmo para o varejista, dá para fazer.
Usando as palavras do Dr. Daniel Azeredo ditas há 3 semanas, e contradizendo um pouco o que eu disse agora, mesmo com tudo isso, não conseguimos garantir que não há desmatamento na cadeia pecuária. Por quê? Porque todo o sistema de monitoramento está focado somente naquela parte azul, que são os fornecedores diretos. Só que a pecuária é dividida, no mínimo, em três etapas: cria, recria e engorda. O frigorífico compra o quê? Boi gordo, ou seja, ele só compra de quem faz a engorda.
Então, antes da etapa de engorda, há outras duas etapas que não estão sendo monitoradas, e é esse o desafio que precisamos vencer. Como bem disseram aqui a Ane e o Cláudio na primeira Mesa, o perfil do desmatamento está mudando. Os pequenos polígonos estão superando agora os grandes desmatamentos, ou seja, nós temos de monitorar também a cadeia de cria e recria e, para isso, uma das alternativas que temos desenvolvido junto com frigoríficos e varejistas é um grupo de trabalho sobre os fornecedores indiretos em que, juntos, tentamos encontrar a solução. Já temos solução para isso? Algumas controversas e algumas menos controversas, mas nós já temos soluções para isso e não dá mais para simplesmente falar que não dá para fazer.
Nós temos clareza de que temos tecnologia suficiente, temos condição suficiente, temos informação suficiente para fazer esse monitoramento, seja por meio de um novo sistema que estamos desenvolvendo, que é baseado no produtor, no cadastro do produtor, e não simplesmente da propriedade, seja por meio de todos os outros sistemas de cruzamento de dados, de Big Data.
De forma muito rápida e já me desculpando pelos 20 minutos que ocupei, eu agradeço a oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Mauro Armelin.
Passo agora a palavra para o Dr. Felício de Araújo Pontes Júnior, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal.
O SR. FELÍCIO DE ARAÚJO PONTES JÚNIOR - Deputado Nilto Tatto, é um prazer revê-lo, e agradeço o convite.
Cumprimento os senhores componentes da Mesa, o Brent, o Flávio.
Eu acho que a participação do Ministério Público neste debate deve ser muito pontual, muito específica. Diante dos dados que já foram coletados aqui desde o início deste seminário, o que eu acho que vale a pena ser dito é qual estratégia nós podemos ter para que esse cenário que foi demonstrado até agora possa ser revertido. O Mauro já nos adiantou isso, com algumas pistas muito importantes.
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Eu acho que o Ministério Público deve ser visto primordialmente como um termômetro. Ele é um termômetro da situação. Qualquer plano de Governo, qualquer política pública que não seja executada de maneira eficaz faz com que haja diretamente um aumento do trabalho do Ministério Público. Quando a política ambiental não dá certo, quando a política de proteção das florestas não dá certo, quando a política de proteção das terras indígenas não dá certo, há uma demanda que, em primeiro lugar, eu diria assim, bate dentro dos órgãos do sistema de Justiça, bate à porta do Ministério Público.
Então, o Ministério Público é o termômetro disso. Nós temos exata noção daquilo que deu certo e daquilo que não deu certo, do que foi bem executado e do que não foi bem executado na área em que nós estamos trabalhando.
Eu venho do Pará, sou oriundo de lá, nascido e criado por lá. Pude acompanhar bem o retrospecto que foi feito, por exemplo, na apresentação do Brent, dos planos sucessivos que foram encampados pelos Governos que passaram pelo Planalto, aquilo em que realmente se conseguiu fazer com que houvesse um avanço e aquilo em que não se conseguiu fazer.
Mas naqueles momentos todos havia um plano. Havia um plano que atacava, Sérgio, diretamente o desmatamento. Havia uma intenção do Governo em fazer que aquilo acontecesse, ainda que aquele plano pudesse ter sido malsucedido ou bem-sucedido. Um exemplo de bem-sucedido, num primeiro momento, foi o Plano BR-163 Sustentável. Foi extremamente bem-sucedido num primeiro momento. Depois, numa segunda fase, quando houve mudança na estrutura do Ministério, na cabeça do Ministério do Meio Ambiente àquela época, o projeto degringolou, saiu do rumo. Mas, num primeiro momento, foi um exemplo de sucesso.
E como se fez aquilo? Eu fico me perguntando. O Padre Edilberto lembra bem, porque estava conosco naquele momento, eu era Procurador na região. Como se fez aquilo, para que pudesse ter algum grau de sucesso? Para mim, o segredo foi o seguinte, Mauro: o envolvimento de toda a sociedade civil no projeto. Não era um projeto em que quem tinha responsabilidade era só o Governo Federal ou só algumas agências do Governo Federal, como o INCRA e o IBAMA. Não, o projeto envolveu todo mundo. Eu me lembro de audiências que fazíamos ao longo da BR-163, com produtores rurais, com assentamentos do INCRA, com populações indígenas, todos no mesmo lugar. E era algo inédito — eu me lembro muito bem de algumas dessas audiências — porque nós estávamos em frente a madeireiros que exploravam terra indígena; o indígena explorado estava em frente ao madeireiro. Foi a possibilidade que se teve de se conversar sobre uma proposta, que era o asfaltamento da BR-163, para ver qual solução seria possível. Cada um dos segmentos pôde fazer a sua exposição.
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Eu me lembro de alguns fazendeiros e madeireiros dizendo que aquela era a primeira oportunidade, a primeira vez em que eles estavam falando e ouvindo diretamente lideranças indígenas. Eles estavam explorando áreas dentro da terra indígena. Então me parece que não há outra possibilidade de revertermos esse quadro tão dramático que nós temos hoje, se não for com o envolvimento de todos.
No início, todos esses exemplos, não só o da BR-163, mas também outros que no início foram gestados no Ministério do Meio Ambiente, em Brasília, e, depois, executados na Amazônia, tiveram algum grau de sucesso. E não tiveram mais um grau de sucesso — e aqui talvez seja o nosso grande desafio —, porque quem primeiro saiu desse quadro, do projeto, do fórum em que se discutia aquilo tudo, foi o próprio Governo Federal. Talvez, Sérgio, nisso esteja o maior desafio nosso.
Seria possível envolver o Governo Federal, Mauro, nessas ações agora?
O SR. SÉRGIO GUIMARÃES - Não.
O SR. FELÍCIO DE ARAÚJO PONTES JÚNIOR - O Sérgio já respondeu. Se nós não temos, como já foi dito até na Mesa anterior, o principal ator nesse processo todo envolvido nisso, que saídas, que desafios nós podemos ter, para fazer com que esses planos sejam colocados em prática, em ação, sem o envolvimento do Governo Federal?
Mauro, quando nós estávamos trabalhando no Carne Legal — eu, Daniel, Ubiratan e mais uns oito Procuradores que nos assessoravam e que estavam na linha de frente —, eu lembro muito bem que, embora não houvesse uma efetiva participação do Governo Federal naquele plano, havia uma sinalização de que ele estava ali para combater o desmatamento ilegal e que a pecuária era naquele momento, não sei se é ainda hoje, o principal vetor do desmatamento na Amazônia. Então, ainda que fosse forçado a isso, para que não tivesse um discurso contra a lei, o Governo Federal vinha para a Mesa, ele estava presente.
E agora, talvez, o grande desafio seja esse. Eu digo que o grande desafio talvez seja esse, porque o outro desafio que nós tínhamos neste primeiro ano, encerrando este primeiro ano do novo Governo, já se pode sentir nas ações das organizações não governamentais, pois surtiram grande efeito na sociedade civil brasileira, e também que o plano do Governo não é um plano com que a maior parte da população brasileira esteja de acordo.
Dou um exemplo disso, Sérgio, bem específico. Há mais ou menos 2 meses, o Estadão nos dizia, numa das enquetes que fez no Brasil inteiro, qual era a posição da sociedade brasileira em relação à mineração nas terras indígenas. Todos nós acompanhamos isso. Lembram-se do resultado? Noventa e três por cento eram contra a mineração nas terras indígenas. A reportagem detalhava os dados dizendo quem eram essas pessoas. Se fizéssemos o corte apenas com as mulheres, o índice ainda seria maior do que 93%. Se fizéssemos o corte só entre os jovens que foram investigados, o índice ainda seria maior do que 93%. Isso é tido como uma grande política do Governo Federal: a mineração em terras indígenas. E nós temos, Deputado Nilto Tatto, 93% da população contra isso. Talvez nenhuma outra pesquisa de opinião, nem aqui, nem nos próximos 50 anos, numa sociedade tão diversa quanto a sociedade brasileira, consiga chegar a esse índice em qualquer que seja o assunto. É um desafio que eu proponho. Nenhuma outra pesquisa chegará ao índice de 93% de um lado, e 7% do outro. Aliás, não são nem 7%, porque uma parte era dos que não opinavam, eram aqueles votos em branco.
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Vejam bem. Se nós levarmos em consideração tudo o que já foi feito, todas as campanhas que têm sido feitas de uma forma extremamente inteligente pelas organizações não governamentais, eu acho que é possível que o Ministério Público venha, no final das contas, a ter menos trabalho, para que menos se bata à porta do Ministério Público dizendo que houve violação desses direitos.
Eu sou membro da 6ª Câmara. Confesso aos senhores que não há uma semana em que não tenhamos populações tradicionais — quilombolas, indígenas — batendo à porta da 6ª Câmara, alguns com três, quatro dias para chegar até aqui, pedindo a solução de um caso que normalmente é a invasão ou o impacto de um grande projeto sobre as suas terras. Não há uma semana em que isso não tenha acontecido neste ano. Isso é um termômetro para todos nós.
Eu vejo que o nosso grande desafio é: de um lado, temos uma sociedade civil a nosso favor, uma sociedade civil a favor da legalidade; organizações não governamentais extremamente competentes e extremamente estudiosas e embasadas naquilo que fazem; desse mesmo lado, a sociedade civil brasileira, de um modo geral, conosco; e do outro lado, o Governo Federal. Essa talvez seja a balança, só que é o Governo Federal. Não é só o Governo Federal, é o Governo Federal.
Confesso, Padre Gilberto — aproveito que temos um sacerdote na plateia —, que não sei o que fazer. Não há na 6ª Câmara uma estratégia específica para que isso, de forma macro, possa ser mudado, mesmo porque não competia só ao Ministério Público Federal uma estratégia dessa magnitude, André, precisava de alguma coisa que envolvesse todos nós. Enquanto isso, nós vamos fazendo a nossa parte, e a nossa parte é levar ao Judiciário essas ações, que dizem respeito às populações tradicionais, para que os seus direitos sejam respeitados.
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Eu encerro com um índice do último ano, que para nós termina em abril, no Abril Indígena, sobre o direito das populações tradicionais, principalmente das populações indígenas, e com o índice de êxito na Justiça que nós tivemos também neste último ano. A Justiça deu, em 80% das ações que nós propusemos — recursos que foram julgados no Tribunal Regional Federal da 1ª Região —, ganho de causa às populações tradicionais.
Esse era o dado. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dr. Felício.
Convido agora a fazer uso da palavra o Sr. Marcio Santilli, do Instituto Socioambiental.
O SR. MARCIO SANTILLI - Boa tarde. Quero, antes de mais nada, agradecer o convite para estar presente neste debate, neste seminário, e também a oportunidade de compartilhar esta Mesa com as pessoas que já fizeram uso da palavra.
Tenho a impressão de que nós já estamos aos 48 minutos do segundo tempo deste evento.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Pensei que ele fosse falar do Governo, com esperança... (Risos.)
O SR. MARCIO SANTILLI - Ainda não, Deputado, ainda não. Ainda vai faltar... Estamos aí quase nos 25%.
Pelo pouco que eu pude ouvir aqui no evento — na Mesa anterior e nesta —, tenho impressão de que as questões fundamentais envolvendo o desmatamento e todo o conjunto deste contexto sinistro que estamos vivendo já foram bastante e claramente colocadas, sob diversos enfoques — enfoques mais políticos, enfoques mais técnicos — mas com uma grande confluência, eu diria assim, de análise.
Como eu acho que a redundância não contribui para a defesa do meio ambiente, não vou repetir o que já foi aqui fartamente e brilhantemente colocado pelas pessoas que me antecederam. Então vou optar por fazer uma fala muito curta e grossa, resumida.
Considerando que o tema proposto para esta Mesa é olhar para o futuro, considerando que eu não tenho bola de cristal nem competência cósmica para fazer grandes previsões — aliás, todas as vezes em que eu tentei fazer isso, foi um desastre total —, eu optei por trazer para vocês um cenário relativo à situação atual em relação ao desmatamento na Bacia do Rio Xingu por poder dispor de dados atualizados que estão sendo produzidos pelo SIRAD Xingu, o sistema de monitoramento dessa bacia hidrográfica que nós temos no ISA, e, principalmente, porque o cenário do Xingu hoje é o indicativo do cenário para a Amazônia toda amanhã.
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Então me pareceu relevante que nós procurássemos focar num quadro real do que neste momento está acontecendo na Bacia do Xingu, que, como vocês sabem, é uma bacia sob forte pressão das frentes de desmatamento, das grandes obras de infraestrutura. E, a partir da constatação da situação de fato que nós temos neste exato momento nessa região do País, parece-me relevante também fazer uma reflexão sobre o que vem pela frente em toda a Amazônia se nós não formos capazes de interferir nesse processo de modo a modificar as suas preocupantes tendências.
Dentro dessa perspectiva resumida, eu vou apresentar a vocês um Power Point de um eslaide só.
(Segue-se exibição de imagens.)
Vocês sabem que existe o Samba de Uma Nota Só. Hoje vocês vão conhecer o Power Point de um eslaide só, que é esse que está aí. Esse gráfico e esse mapa representam as tendências de desmatamento na Bacia do Xingu no que se refere às áreas protegidas, às unidades de conservação e terras indígenas, especificamente.
Vocês notem o que não é nem o pulo do gato, é o pulo do leão que esse gráfico dá. Nós pegamos os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais — INPE dos anos anteriores e fomos construindo esse gráfico de modo a mostrar a gravidade do salto que nós estamos dando mais recentemente, seja de 2017 para 2018, ano de eleição, seja para 2019. Digamos que aquela ponta empinada do gráfico, que é aterrorizante, é o retrato do Jair Bolsonaro. Esse é o placar, é o resumo da ópera do Jair Bolsonaro.
E neste mapa aqui, que é o mapa da Bacia do Xingu, envolvendo do nordeste de Mato Grosso ao sudeste do Pará, o vermelho mais acentuado representa os desmatamentos mais recentes. Ele nos permite observar as tendências, observar para onde esse desmatamento está andando dentro da bacia. Não há a menor dúvida sobre o assalto já presente e a ameaça de futuro que ele representa para as áreas protegidas da Bacia do Xingu.
Eu vou acrescentar aqui para vocês alguns números especificamente sobre a avaliação desse desmatamento nas áreas protegidas da bacia entre 2018 e 2019, pegando o efeito Bolsonaro stricto sensu. Nós tivemos, na bacia como um todo, um aumento de desmatamento em 8%. Vejam vocês que nem é tão grande assim. Está abaixo da média da Amazônia em geral. Entretanto, nas áreas protegidas, este aumento foi de 60% de um ano para outro. Foi 61% nas terras indígenas e 59% nas unidades de conservação. Uma coisa pela outra, 60% no conjunto das áreas protegidas. Fora das unidades de conservação e das terras indígenas, nós tivemos uma redução de 15%. Pasmem!
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Eu não posso destrinchar com absoluta precisão esses números, mas o que parece estar indicado aqui é que, diante de uma evidente redução dos ativos florestais existentes na bacia fora das áreas protegidas, imagino eu que mais do que por qualquer avanço no sentido da governança, estamos tendo essa redução. A festa está acabando. No entanto, o assalto sobre as áreas protegidas é maiúsculo neste período mais recente que nós estamos vivenciando. Eu quero dizer a vocês que esses dados da Bacia do Xingu não são contraditórios com a Amazônia como um todo. Eles são apenas mais eloquentes, mais radicais, no sentido de mostrar esse tipo de tendência.
Imagino que a grande maioria das pessoas aqui seja da área e esteja careca de refletir sobre essa questão do desmatamento, sobre o que ele significa e no que implica. E todos aqui sabem do papel absolutamente importante que as áreas protegidas tiveram até aqui como elementos de contenção do avanço do desmatamento na Amazônia. O que esses indicativos estão sinalizando para nós é que estamos chegando a uma situação limite tão radical e a um contexto tão absolutamente pernicioso de incentivo público à detonação que esse, digamos assim, bastião que ainda segurava uma onda em relação à expansão do desmatamento está sendo gravemente fragilizado. O interessante é nós jogarmos com esse conjunto de numerologia sobre a bacia para notar que, pelo menos nesse caso específico da Bacia do Xingu, a responsabilidade é claramente do Governo Federal, que tem responsabilidade sobre as terras indígenas e sobre a maior parte das unidades de conservação que estão envolvidas nessa contabilidade. Por outro lado, fora dessas áreas protegidas, a tendência que nós temos, neste quadro aqui, é de redução.
É claro que nós sabemos que existem quadrilhas de grilagem operando nessa história, é claro que nós sabemos que tem boi entrando. Mas não dá para atribuir essa responsabilidade aqui ao setor privado, que nós sabemos que não é formado por anjos. Não!
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O quadro aqui é muito claramente de responsabilidade do Bolsonaro, do Governo Federal, de modo que, se nós queremos pensar no futuro próximo, nós não temos que ter ilusão. O Bolsonaro está aí. E, se deixar rolar, a perspectiva é de esta linha se mover até a verticalidade radical, já que essa linha não cai para trás. Então, a perspectiva é essa ou pior. E qualquer diferença que pudermos fazer para melhorar esse quadro é extremamente relevante porque essa situação é muito grave. Por isso, a questão para nós, no curto prazo, é: como melhorar a qualidade da nossa resistência, do nosso enfrentamento ao efeito Bolsonaro? Essa é a questão que temos que colocar agora para os próximos anos.
E essa não é uma questão nossa, uma questão dos que estamos aqui reunidos nesta sala, fazendo esta discussão. Essa não é uma questão de interesse específico do campo socioambiental, envolvendo movimento ambientalista, movimentos sociais e as instituições mais ligadas a esse tema. Essa é uma questão que diz respeito ao futuro do Brasil e ao futuro do mundo. Portanto, temos que construir alianças que estejam na dimensão do enfrentamento que precisa ser feito, alianças que envolvam diferentes segmentos da sociedade, que envolvam a população urbana, que envolvam os estudantes, os intelectuais, os artistas, os trabalhadores, os jornalistas, as pessoas que formam opinião, porque o barco é um só e, se essa situação não for revertida, nós vamos todos para o fundo do rio, se ainda houver rio. E o tempo é curto.
Acho que vou ficar por aqui. Tenho a impressão de que o quadro é muito claro, é muito indicativo do que temos que fazer. Vamos criar vergonha na cara e aproveitar o final do ano para aprofundar as nossas reflexões e voltar com a pilha toda, porque 2020 vai ser um ano de guerra. A guerra está declarada contra nós. E quem não se defende morre!
Este é o recado que eu queria deixar ao final desta fala.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Marcio Santilli.
Apesar da hora avançada, pergunto se alguém tem alguma questão ou quer expressar alguma coisa. (Pausa.)
Alguém da Mesa quer falar? (Pausa.)
O Sérgio quer falar.
O SR. SÉRGIO GUIMARÃES - Eu participei da Mesa de abertura e falei sobre esse processo de discussão previsto para ocorrer ao longo do dia. E eu acho, Felício, que a qualidade das informações apresentadas na parte da manhã foi muito boa, assim como na parte da tarde, período do qual você participou.
16:34
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Um tanto de informações qualificadas, um tanto de narrativas possíveis, um tanto de coisas foram colocadas neste plenário hoje, mas o desafio deste seminário é descobrir o que fazer daqui para frente. Nesse sentido, acho que o Marcio Santilli trouxe agora a questão central: como enfrentar esse desafio que está colocado?
Pegando um pouco da fala do Felício, essa não é uma tarefa só da 6ª Câmara nem é uma tarefa só do Ministério Público, é uma tarefa de toda a sociedade brasileira. Como nós vamos mobilizar a sociedade? Como nós vamos ter esses 93% que você colocou? Pesquisas feitas somente com eleitores que votaram no Bolsonaro mostram que eles majoritariamente não concordam com a atuação dele na área ambiental. Então, como nós engajamos essa opinião pública para reverter esse quadro que está sendo colocado aí, já que eles não têm a menor noção nem o menor sentido de limite? Esse é o desafio que está colocado para a sociedade brasileira.
E isso, além do que foi dito pelo Marcio Santilli agora, tem um sentido de urgência muito grande, porque a Amazônia está chegando ao limite dos 20%, que é o ponto de retorno, e isso tem um impacto tremendo no clima do Brasil e, por consequência, na economia, não só do Brasil, mas também do mundo, como colocado por vários palestrantes hoje. Isso tem consequências na economia do mundo!
Portanto, além desse engajamento da sociedade brasileira, eu acho que uma abertura dessa estratégia para outros atores internacionais é fundamental também para que se possa reverter esse quadro, num momento político delicado para o País, com uma divisão muito grande. Não temos alternativa a não ser engajar a sociedade para virar esse jogo. E muitas coisas são fundamentais. A questão é como mostrar esse nível de informação que nós temos aqui hoje para a sociedade como um todo, porque a grande maioria não sabe disso.
Eu vejo que esse é o desafio que sai deste seminário, que, na realidade, é a constatação de tudo o que vem sendo feito neste ano e que, de certa forma, já vinha acontecendo antes, como foi colocado com relação a Belo Monte. Grande parte do desmatamento verificado no Estado do Pará está localizado na área de influência de Belo Monte, que fica na Bacia do Xingu, como foi colocado pelo Marcio.
Acho que esse é o desafio. Acho que essa é a nossa reflexão. É importante sairmos daqui hoje com algumas linhas e diretrizes de atuação. Isso é fundamental.
Obrigado.
16:38
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Mais alguém do plenário quer se manifestar? (Pausa.)
Ouviremos a Mesa, começando pelo Mauro.
O SR. MAURO ARMELIN - Mesmo falando por 20 minutos, algumas coisas que tinham me pedido para colocar passaram em branco. Eu apresentei o caso da pecuária e da carne, mas todos esses sistemas aplicados nessas cadeias também podem ser aplicados nas outras commodities agrícolas, como, por exemplo, a soja. Então, hoje temos condição de fazer, sim, todo tipo de monitoramento que precisarmos, de origem e destino.
É lógico que, se houver a participação do Governo Federal, vai ser muito mais fácil, porque os dados dos documentos públicos são importantíssimos para se desenvolver qualquer sistema de monitoramento, e sistemas de monitoramento mais rápidos e baratos, porque, é lógico, se colocarmos um chip em cada animal ou carga de soja, conseguiremos monitorar essa produção, sem dúvida nenhuma, mas o custo disso pode ser proibitivo para todo o universo de produtores do Brasil, principalmente na Região Amazônica. Se tivermos, então, a participação da iniciativa privada, da sociedade civil e, principalmente, do Governo, dando acesso aos documentos públicos com transparência, isso pode ser o pulo do gato para a produção agrícola no Brasil, garantindo rastreabilidade e responsabilidade socioambiental.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Tem a palavra o Felício.
O SR. FELÍCIO DE ARAÚJO PONTES JÚNIOR - Rapidamente, puxando o pirarucu para a minha brasa, eu acho que, na área jurídica, nesse plano a que o Sérgio se referiu, que talvez seja a ação pós-seminário, nós não devemos nos esquecer da judicialização. Para mim, a judicialização é muito importante.
Eu gostaria de citar um exemplo que acabou de acontecer. Venho do tribunal exatamente por conta dessa situação. No Vale do Javari, que todos nós conhecemos, a base da FUNAI que assegura uma das entradas do Vale do Javari foi alvejada com 30 tiros na semana passada ou retrasada. Nós já tínhamos uma ação judicial para que essa base voltasse a funcionar, e agora tivemos que fazer mais um complemento para que a base voltasse a funcionar com a participação da Polícia Federal ou da Polícia Militar, enfim, de quem possa dar guarida aos agentes da FUNAI que estão lá. Foi determinado pela Justiça Federal no Amazonas que o funcionamento da base fosse retomado imediatamente com policiamento ostensivo que possa, de alguma forma, guardar aquela região, que é de índios isolados.
Nós não podemos deixar que o Judiciário fique à parte desse processo, Sérgio. Acho que nós temos que chamar o Judiciário à responsabilidade. Se há algo de ilegal acontecendo, e nós vemos do outro lado uma pretensão resistida, ou seja, o Governo resistindo para recompor a legalidade nessa região, que seja usado o Judiciário como uma dessas frentes de atuação.
O que me preocupa — e acho que o Marcio tem razão em pedir que sejamos urgentes e extremamente criativos em agir — é uma notícia que saiu hoje, divulgada pelo INPE, depois que fez a análise do desmatamento em relação às terras indígenas. Nós todos vimos isso hoje de manhã. Acordamos com a notícia de que a terra indígena mais desmatada no Brasil, na dramática situação deste último ano, foi a Ituna-Itatá, na Volta Grande do Xingu. É uma terra que eu conheço, particularmente, porque ela não estava delimitada quando atuei na região, e, agora, foi delimitada. Depois de um longo processo, conseguimos fazer essa delimitação. E me preocupa muito o fato de que todas as semanas nós temos povos indígenas e povos tradicionais quilombolas chegando à 6ª Câmara para se queixar de algumas dessas situações que o desmatamento radiografou, mas dessa área não virá ninguém. Dessa área ninguém vai bater à porta da 6ª Câmara, porque essa é uma área de índios isolados. Não vai vir ninguém.
16:42
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O apelo que eu faço é que sejamos criativos e tenhamos força de ver que ações podem ser feitas, e, de uma forma rápida, que consigamos frear isso, porque o que está em jogo aqui é a perda de uma etnia inteira, de um povo inteiro que nós nem conhecemos de modo integral.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dr. Felício.
Tem a palavra o Sr. Pedro Martins.
O SR. PEDRO MARTINS - Gostaria só de colocar algumas considerações ao final que são importantes, principalmente a partir da apresentação sobre a região do Xingu.
Quero chamar a atenção para o que pode acontecer. Estamos diante de grave ameaça no Tapajós. O grande vetor do desmatamento em 2020 provavelmente será a tensão, a especulação em torno da área da Ferrogrão, algo de que vocês já estão cientes. Isso foi, inclusive, o motivo da redução do Parque Nacional do Jamanxim.
Quem conseguiu acompanhar as audiências públicas do projeto da Ferrogrão tanto em Novo Progresso quanto em Itaituba viu que a população local, no entorno da BR-163, vê a Ferrogrão como o vetor que vai liberar áreas públicas e vai reduzir a unidade de conservação, e foi o local onde ocorreu o dia do fogo. Então, nós não gostaríamos, inclusive — aí já atuando preventivamente —, que a Ferrogrão implantasse esse processo que está acontecendo na região do Xingu, como o Marcio também já colocou. É a esse anúncio que temos que ficar alerta.
Estou colocando também algumas considerações aqui para o Deputado nesta nossa oportunidade, neste espaço da sociedade civil, porque também nos preocupa a regulamentação dos artigos do Código Florestal, a partir deste momento, em razão do que pode vir em termos de mais abertura para grilagem, mais abertura para o desmatamento desenfreado, ou seja, em razão do que esse novo parâmetro de sustentabilidade que o agronegócio e que o Governo Bolsonaro tentam impor pode trazer.
E, por último, um recado também como membro do Grupo Carta de Belém, essa rede nacional que discute as falsas soluções climáticas, e da Articulação Nacional de Agroecologia: para nós, a discussão do meio ambiente tem que estar associada à construção de uma alternativa de modelo de desenvolvimento baseado na agroecologia. Se ficarmos discutindo opções dentro de um mesmo sistema, vamos continuar seguindo nos mesmos erros e com as mesmas perspectivas. Mudar a perspectiva para nós significa também pensar nas possibilidades da agroecologia como meio de fortalecimento da agricultura familiar.
Quero agradecer mais uma vez ao Deputado a oportunidade.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Pedro.
Tem a palavra o Sr. Paulo Barreto.
16:46
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O SR. PAULO BARRETO - Obrigado, Presidente.
Eu acho muito importante a questão da judicialização que o Procurador Felício lembrou. A Justiça tem um prazo que, muitas vezes, é bastante lento.
O Deputado disse, no início, que já existe um instrumento e que pretende fazer visitas à região, iniciativa que eu acho muito importante. Enquanto a Justiça, às vezes, demora para decidir, muitas vezes as pessoas só vão para a Amazônia quando há um momento de crise: quando há queimadas e quando morre alguém. É importante que haja visitas sistemáticas para dar um rumo a esta situação. É necessário que as autoridades vão aos campos destas regiões críticas.
Já que o Poder Executivo não está presente, é fundamental que haja a presença do Poder Legislativo, para escutar a população e monitorar o que está acontecendo. Além disso, é preciso converter estas visitas em ações na área de fiscalização, em busca de soluções. Como foi demonstrado neste evento, há, sim, muitos caminhos para se chegar a soluções. O Congresso, por exemplo, pode desempenhar o papel-chave de apressar e ampliar a doação.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Paulo Barreto.
Fazia parte da minha fala, no encerramento, fazer uma provocação. Primeiro, eu gostaria de manifestar minha felicidade com o que nós ouvimos hoje durante as diversas exposições. Eu acho que isso ficou muito bem claro, diante da agenda de retrocessos e do conjunto de políticas apresentados pelo Governo Bolsonaro, bem como das ameaças que se fazem aqui no Congresso Nacional, de certa forma, articuladas com essa agenda atrasada do Governo Bolsonaro, mas também atrasada aqui dentro. No entanto, de certa forma, há uma hegemonia política quanto ao modelo de desenvolvimento para a Amazônia. Eu acho que isso precisa ser entendido.
É igualmente preciso entender que determinados setores das diversas cadeias produtivas com os quais dialogamos que abrem um espaço para dialogar conosco têm estado muito calados em relação a este atraso. Portanto, nós precisamos chamá-los à responsabilidade. Eu diria que é preciso chamar mais a atenção deles do que daqueles que precisamos combater diretamente. Digo isso porque aqueles que nós combatemos diretamente, que representam o atraso, precisam ter combatidos diversos instrumentos. Isso está mais do que claro, está nítido. No entanto, aqueles que se calam é muito arriscado deixá-los seguir.
Todo mundo conhece a composição que temos aqui dentro e sabe que há um conjunto de Parlamentares que tem usado todos os instrumentos necessários, seja na Justiça, seja no combate aqui dentro. Eles, no entanto, são minoria. Cada ação, como sabemos, tem uma reação do outro lado.
Nós fizemos, por exemplo, o que eu disse sobre a proposta de fiscalização e de controle para podermos ter esta agenda e fazer estas diligências locais quando destes episódios, que são simbólicos, pelo que o Paulo Barreto levantou. Nós sabemos o significado disso.
Aqui sempre houve um conjunto de Parlamentares, tanto na agenda dos direitos humanos, como na agenda ambiental, que tem utilizado estes instrumentos para chamar a atenção. Há, igualmente, uma reação do outro lado, que consiste no ataque e na criminalização que vêm acontecendo agora no caso das ONGs.
16:50
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É importante dizer que nós temos aqui um compromisso verbal do Presidente Rodrigo Maia. Aliás, ele tem feito um compromisso concreto, pelo menos nos últimos 2 anos, de não deixar avançar dentro deste Congresso projetos de lei que visam enquadrar os movimentos populares como movimentos terroristas. Nestes projetos, estavam mencionados explicitamente o MTST e o MST e pode vir a ser mencionada qualquer outra organização, os ativistas de modo geral. Portanto, o Presidente da Casa firmou o compromisso de não colocar em andamento esta pauta. No entanto, ele, evidentemente, deixa aberta a pauta liberal, que interessa àqueles que se dizem nossos amigos, mas que fecham os olhos para o que vem acontecendo na Amazônia e em outros biomas. Eles fecham os olhos para os retrocessos que estamos vendo acontecer na área ambiental.
O que nós vimos aqui hoje, como todos os que acompanharam o evento tiveram a oportunidade de presenciar, foi a avaliação de tudo aquilo em que se avançou, na perspectiva do controle, do monitoramento e da participação da sociedade civil, tendo em vista a importância do envolvimento das comunidades, diante do desafio de pensar alternativas econômicas sustentáveis, a produção de informação, a estruturação do sistema do Estado, bem como a importância da transparência nas informações para a mobilização dos atores. Tudo o que está em risco, tudo o que está em jogo foi colocado aqui. Tudo o que foi mencionado como perspectiva do que deveria ser representa a continuidade do que vinha sendo produzido e que, de certa forma, está interrompido.
Na esteira da provocação feita pelo Marcio e pelo Dr. Felício, quero finalizar chamando a atenção para o fato de que todos nós estamos sendo atacados, o que representa um risco. Portanto, nós precisamos nos mexer, precisamos reagir. Quando o Dr. Felício diz que se intensificou a ida dos marginalizados ou dos invisíveis ao longo da história à 6ª Câmara do Ministério Público, em busca de socorro, continua-se o exercício para ganhar a ação da grande maioria da população, que não quer esta agenda comandada pelo Governo. A população deseja outra agenda.
Está mais do que na hora de termos o mínimo de articulação, de solidariedade, de generosidade entre quem está aqui e quem não está. Refiro-me àqueles que estão na esteira da criminalização, da perseguição, da morte, pessoas que sofrem no dia a dia. Todo mundo entende o que eu estou dizendo. Às vezes, muitos se calam quando os que estão sofrendo mais diretamente — assassinados, despejados — pedem solidariedade e socorro.
Portanto, está na hora de nos sentarmos, de nos articularmos e de pensarmos pelo menos algumas agendas comuns, para salvarmos o mínimo do que nós construímos ao longo dos últimos 50 anos, ainda no período da luta contra a ditadura militar. Aqui há agendas em andamento, para as quais eu queria chamar a atenção.
16:54
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É preciso dialogar minimamente com a sociedade civil, com os diversos atores que são contra a agenda apresentada pelo Governo Bolsonaro, e, de forma mais articulada, com as instituições, seja aqui no Parlamento, seja no Ministério Público, no Judiciário. Nós sentimos falta disso.
Nós agradecemos aos muitos que vêm aqui para contribuir. São pessoas que conseguem fazer uma articulação quando tentamos nos organizar no dia a dia. Porém, às vezes, precisamos estar mais articulados, para enfrentarmos o que vem acontecendo, que é muito pesado. Todo mundo vem acompanhando os acontecimentos. Nós temos perdido nesta disputa, inclusive na sociedade.
Eu quero agradecer imensamente ao Grupo de Trabalho Infraestrutura.
Concedo a palavra ao Sr. André Lima.
O SR. ANDRÉ LIMA - Eu havia entendido que a Mesa anterior também iria se pronunciar. Por isso, eu fiquei esperando.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Eu perguntei a todos.
O SR. ANDRÉ LIMA - Desculpe, Deputado. Foi falta de atenção da minha parte.
Eu também quero parabenizar os organizadores do evento. A iniciativa vem no momento certo para fazermos uma reflexão sobre tudo o que está acontecendo, visando a identificarmos o que temos de perspectivas estratégicas.
As falas de agora foram bem fortes! Eu acho que a fala do Marcio resume bem o tamanho do desafio que nós temos pela frente, e eu concordo com as palavras do Deputado Nilto Tatto. Eu acho que precisamos ter uma capacidade de alinhamento estratégico maior. Neste ano, aqui no Congresso Nacional, todos nós sobrevivemos, bem ou mal. Que eu me lembre — posso até estar enganado —, não houve nenhum retrocesso grave, do ponto de vista legal ou constitucional, na agenda socioambiental. Portanto, não foi por falta de tentativa do Governo.
O Governo conseguiu aprovar outros temas muito mais do que quis nesta Casa, mas, na agenda socioambiental... A começar, logo no início do ano, pela agenda indígena, que eu imaginei seria a mais massacrada aqui dentro. Os indígenas, com algum apoio da nossa parte, mas, sobretudo por mérito deles, conseguiram virar o jogo aqui e manter a FUNAI no Ministério da Justiça. Hoje, embora isso não signifique grande coisa, foi muito importante, do ponto de vista da luta simbólica no Parlamento, derrubar o Governo que conseguiu aprovar a reforma da Previdência e muitas matérias mais, mas não conseguiu aprovar este retrocesso, entre outros.
Eu cito o próprio Código Florestal, em que nós levamos um baile nesta Casa. No entanto, o Deputado Nilto Tatto realizou um trabalho brilhante, assim como o Deputado Alessandro Molon e o Deputado Rodrigo Agostinho, a bancada do PSOL, a REDE, o PT, o PSB, que fizeram com que nós usássemos o famoso kit obstrução e todo o tempo regulamentar necessário para que, no Senado, não houvesse condições de aprová-lo. A verdade é que o Senado não o aprovou porque é ambientalista e porque gosta do Código Florestal, mas porque não havia condições nenhumas de simplesmente chancelar o que veio da Câmara, depois de o próprio Senado haver construído um pacto há 7 anos, que é o que está em vigor.
Eu, infelizmente, não pude estar aqui ontem na avaliação da Frente Parlamentar Ambientalista, Deputado Nilto Tatto, mas posso dizer que obtivemos êxito, mesmo com todas as dificuldades, até mesmo as dificuldades de um alinhamento estratégico maior entre as próprias organizações da sociedade civil. Existem muitas frentes, e cada uma tem um olhar maior ou menor para uma ou outra área específica. Nós estamos nos dividindo, com pouca capacidade de nos multiplicarmos e com pouca condição objetiva para isso.
16:58
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Portanto, eu quero concordar. Eu acho que em 2020 nós precisamos escolher poucas e boas. Porém, nós temos também que dar um jeito de não ficarmos só na defensiva. Se nós ficarmos só na defensiva, não dá, fica sem condição. Eu posso dizer que nós fomos bem-sucedidos nesta estratégia defensiva neste ano na Câmara, mas será que nós vamos conseguir isso no ano que vem? Será que vai haver algum desastre ambiental para ajudar na conjuntura? Eu não quero nem espero isso. Peço a Deus que isso não aconteça.
Eu acho que nós só não levamos, como se diz no popular, fumo no licenciamento ambiental, primeiro, por causa de Brumadinho, que atrasou todo o processo, e eles foram empurrando. Depois, em junho, nós tivemos aqui nove ex-Ministros do Meio Ambiente com o Presidente da Casa, que se comprometeu a não colocar a matéria em votação. Em agosto, quando voltaria o negócio, aconteceu, com as queimadas na Amazônia, uma comoção internacional e, quando eles estavam quase começando a querer sair de novo, veio o desastre do petróleo. Aí é um advoca-se superior, infelizmente, contra essa agenda retrógrada.
Eu não sei como as coisas vão acontecer no ano que vem. Nós precisamos dar um pouco mais de trabalho para esses caras, em vez de ficarmos só nós, parando o que temos a fazer, para ficarmos no gol e não levarmos uma goleada.
Nós temos um pacote de coisas interessantes. Eu mesmo apresentei três delas: uma PEC e dois projetos de lei. Há outros projetos de lei que estão sendo gestados aqui, eu sei, pelo próprio Deputado Rodrigo e pelo Deputado Nilto. Eu acho que nós deveríamos fazer um pacto entre nós, um pacto por um pacote mínimo. Vamos trabalhar. O não nós já temos. Se nós ficarmos como estamos, será "não". Vai ficar como está. Então, vamos dar trabalho, vamos votar projetos de lei, vamos tentar ganhar Relator para cá e para lá. Precisamos chamar a atenção, fazê-los correr atrás e gastar o tempo deles também na reação, não só no ataque.
Eu acho que vale a pena para quem tem interesse em aprofundar esta discussão prestar atenção em um ponto: nós precisamos pensar numa grande ação popular, uma ação assinada por personalidades que estão irresignadas com o que está acontecendo neste País, dentro do tom daquilo de que o Marcio falou aqui. Do contrário, vamos todos nau abaixo, se rio houver. Nós temos que pensar no que é possível fazer do ponto de vista judicial.
Com todo o respeito ao Ministério Público, eu não me referi aqui ao Ministério Público como um todo, mas a este Procurador-Geral da República. Nós sabemos que ele tem um alinhamento e, nestas causas socioambientais, nós já vimos que não teremos tanta facilidade. Eu gostaria de estar errado.
Portanto, fica este convite ou provocação de nos juntarmos. Não faltam bons juristas, não faltam bons dados e não faltam indícios e bons elementos de que existe uma grande responsabilidade em curso levando ao que o Marcio demonstrou, não apenas no Xingu, mas também em toda a Amazônia.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, André.
Tem a palavra o Sr. Sérgio Guimarães.
O SR. SÉRGIO GUIMARÃES - Sr. Presidente, eu quero fazer apenas um encaminhamento. Eu acho que a coisa está convergindo. A proposta de uma ação popular e de uma audiência pública talvez seja um dos elementos do chamamento que o Marcio faz para nos articularmos. Eu acho que nós voltamos àquele dito popular com que o pessoal brincava havia algum tempo: "Ou a gente se 'Raoni' ou a gente se 'Sting'". Isso é uma verdade, mais do que nunca.
17:02
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Com relação ao seminário, nós nos propusemos a fazer uma carta. Há uma minuta que já veio quase pronta, em que vamos inserir os pontos fundamentais expostos hoje neste seminário. Há muita coisa importante. Nós queremos a assinatura e o apoio das organizações que estiveram e ainda estão presentes aqui, como também o apoio de outras. Vamos circular para outras. Porém, nós estamos com o tempo extremamente curto.
Nós queremos que esta carta seja lida na COP 25, em Madrid, na semana que vem e na outra semana. Portanto, vamos trabalhar amanhã nela e fazer com que ela circule rapidamente, para vermos quais são as contribuições para que, em meados da semana que vem, na quinta-feira da semana que vem, ela esteja em Madrid e seja lida. Além da carta, será feito um vídeo sobre o seminário, as falas, os temas que foram abordados. O vídeo também vai circular neste processo como um todo.
Fica, portanto, o desafio de mobilização e de articulação de diversos segmento da sociedade. É responsabilidade da sociedade brasileira não entregar a Amazônia a essa quadrilha de criminosos que está se apoderando dela.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Sérgio. Sérgio, quando a carta estiver pronta, peço que a enviem para nós, para a disponibilizarmos, tanto quanto o vídeo.
Quero avisar que as apresentações, a partir de amanhã, já estarão disponíveis no site da Comissão de Meio Ambiente.
Quero agradecer ao Grupo de Trabalho Infraestrutura, à International Rivers, ao INESC, ao WWF e ao ISA por terem procurado a Comissão de Meio Ambiente e a Frente Parlamentar Ambientalista para realizar este seminário. Agradeço também à Aliança dos Rios da Pan-Amazônia, ao IPHAN, ao Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental e ao Instituto Democracia e Sustentabilidade, que estiveram todos juntos.
Quero agradecer a todos e a todas que vieram participar deste seminário e a todos os que o acompanharam pela Internet.
Vamos juntos nesta caminhada, na resistência, pensando no futuro, reavivando e exercitando o verbo esperançar.
Está encerrado o seminário.
Muito obrigado. (Palmas.)
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