1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 399, de 2015, do Sr. Fábio Mitidieri, que "altera o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação"
(Reunião Deliberativa Ordinária)
Em 3 de Dezembro de 2019 (Terça-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:46
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Boa tarde a todas e a todos.
Havendo número regimental, declaro aberta a 9ª Reunião Ordinária da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 399, de 2015, do Deputado Fábio Mitidieri, que altera o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação.
Encontram-se à disposição dos Srs. Deputados cópias da ata da 8ª Reunião, realizada no dia 26 de novembro de 2019.
Não havendo discordância, fica dispensada a leitura da ata.
Não havendo quem queira retificá-la, coloco-a em votação.
Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A Ordem do Dia de hoje prevê a realização de audiência pública e a deliberação de requerimentos. Vamos começar pela audiência pública.
Na nossa audiência pública, teremos cinco participantes. Portanto, sugiro compor a Mesa de dois em dois, para todos poderem acompanhar o debate.
Anuncio todos os participantes da nossa audiência pública: Sr. Ivo Bucaresky, ex-Diretor da ANVISA e Especialista em Regulação Sanitária e Economia da Saúde; Sra. Camila Teixeira, Fundadora e Diretora Executiva da INDEOV; Sr. José Bacellar, Diretor Executivo da VerdeMed; Sra. Viviane Sedola, Fundadora e Diretora Executiva da Dr. Cannabis; e Sr. Eder Fernando Maffissoni, Diretor-Presidente da Prati Donaduzzi.
Eu queria sugerir ao Ivo Bucaresky e à Camila Teixeira que já viessem para a mesa. Começaremos seguindo essa ordem. Depois chamaremos o José Bacellar, a Viviane e o Eder.
Esclareço que esta audiência cumpre decisão do colegiado, em atendimento aos Requerimentos nºs 21, 32, 34 e 37, de autoria dos Deputados Marcelo Calero, Bacelar, Luciano Ducci, nosso Relator, e Alexandre Padilha, este que preside a audiência.
Para melhor andamento dos trabalhos, esclareço que adotaremos os seguintes procedimentos: o tempo concedido a cada um dos palestrantes será de 15 minutos, prorrogáveis a juízo da Comissão, não podendo haver apartes durante a exposição. Os Deputados e as Deputadas interessados em interpelar o palestrante deverão inscrever-se previamente na mesa de apoio. As perguntas deverão restringir-se ao assunto da exposição e ser formuladas no prazo de 3 minutos, dispondo o palestrante de igual tempo para as respostas. Serão facultadas a réplica e a tréplica, pelo prazo de 3 minutos.
Informo, ainda, que esta audiência pública interativa está sendo transmitida pelo portal e-Democracia. Comentários e perguntas enviados serão lidos ao final e são extremamente bem-vindos. Então, queremos convidar quem nos acompanha a fazer comentários e perguntas para serem apresentados aos nossos palestrantes.
Feitos esses esclarecimentos, vamos dar início à audiência.
Começaremos com o Sr. Ivo Bucaresky e com a Sra. Camila Teixeira.
Concedo a palavra ao Sr. Ivo Bucaresky.
O SR. IVO BUCARESKY - Primeiramente, boa tarde, senhoras e senhores presentes. Boa tarde, Srs. Deputados.
Cumprimento o Deputado Alexandre Padilha, meu querido e dileto amigo e ex-Ministro da Saúde, com quem tive o prazer de trabalhar quando eu era Diretor da ANVISA. Cumprimento o Deputado Luciano Ducci e todos os Parlamentares aqui presentes.
14:50
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Quero agradecer o convite da Câmara para participar deste debate.
Nos últimos anos, eu tenho participado bastante desse debate, primeiramente como Diretor da ANVISA. Eu já estava lá quando nós começamos a debater sobre a Cannabis medicinal, algo que nos pegou de surpresa à época, pois não estava no radar da agência. O debate foi muito interessante, porque foi uma das poucas vezes em que o tema veio da sociedade para a ANVISA; não do setor regulado ou do Estado para a ANVISA. A sociedade civil se mobilizou e chamou a agência para se pronunciar. Esse debate tem mobilizado bastante a sociedade.
Depois da minha saída da ANVISA — inclusive, falo dos meus conflitos de interesse —, eu trabalhei como consultor de uma empresa canadense na área de Cannabis medicinal, a MedReleaf. Não faço mais consultoria para eles. Com isso, eu também consegui acompanhar muito o debate sobre o plantio no Canadá, o que nós estamos vendo aqui, e a industrialização.
Eu não vou me ater muito à discussão sobre as qualidades e as possibilidades do uso medicinal, porque acho que já foram feitos comentários por vários palestrantes e outros ainda vão fazê-los. Mas temos a clareza de que se trata de um medicamento eficaz, que pode ser utilizado no tratamento de várias patologias. Há seguranças conhecidas, mesmo que ainda tenhamos que aprofundar algumas pesquisas. Isso já está sendo reconhecido mundialmente. O mundo todo — ou pelo menos o mundo ocidental inteiro — já parte para a utilização e a regularização da Cannabis medicinal. Isso já está sendo feito em países da Europa, no Canadá, nos Estados Unidos, na Austrália, no Japão e em grande parte da América Latina. Esse é um movimento mundial.
Deixo claro que se trata de um medicamento de grandes usos terapêuticos, que, portanto, tem grande impacto na saúde da população. Isso levou a ANVISA, à época, a começar uma discussão sobre a aprovação da importação, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada nº 17, de 2015, que eu tive a honra de assinar. Este é o debate que continua ocorrendo na ANVISA.
Hoje nós tivemos a aprovação da nova RDC de registro. Com eventuais restrições e críticas que eu possa ter ao que foi aprovado, já é uma clara demonstração de que temos que tratar da Cannabis medicinal de maneira específica — e temos que tratar em parte, porque existe um preconceito trabalhado conjuntamente. Se não houvesse o debate sobre o uso recreativo da maconha, se não tentassem contaminar esses dois debates... O uso medicinal não tem nada a ver com o uso recreativo. Dizer que o uso medicinal da Cannabis é igual ao uso recreativo é o mesmo que dizer que o suco de uva e o vinho são a mesma coisa, ou que o açúcar e a cachaça são a mesma coisa. Como a discussão é sobre não se permitir o plantio, é o mesmo que dizer que, se criássemos uma Lei Seca no Brasil, iriam mandar destruir todas as plantações de cana-de-açúcar no País. É um absurdo.
Eu quero tratar de um aspecto que tem muito a ver também com a minha trajetória profissional como economista. Refiro-me ao impacto econômico e ao impacto na saúde da população. Por exemplo, quando a ANVISA vai discutir sobre qualquer medicamento, falamos muito de eficácia e segurança, mas acesso também é uma questão importante no debate da ANVISA. Acesso é ter o medicamento disponível na farmácia, no hospital; é ter preços acessíveis para a população; é ter garantia de abastecimento.
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Há uma coisa que nós temos que lembrar, infelizmente: apesar de nós termos uma indústria farmacêutica poderosa, forte, nacional, além de muitas multinacionais, grande parte dos medicamentos que nós utilizamos tem a matéria-prima importada do exterior. O desenvolvimento desses medicamentos brasileiros é feito quase todo lá fora. Não temos uma cadeia produtiva totalmente nacional. A Cannabis é um dos casos em que nós podemos ter isso. Se nós garantirmos o plantio e o registro, nós poderemos ter a produção nacional completa, a cadeia de produção completa. Isso significa mais emprego, mais renda e mais investimento em tecnologia no País. Isso significa que a nossa agricultura poderá ter mais uma possibilidade de uso das terras brasileiras. O Brasil, juntamente com a Colômbia, com certeza, é um dos lugares do mundo com a melhor capacidade de plantio.
Nós temos que perceber o seguinte: os dados das empresas de pesquisa em economia da saúde dizem que, em 2018, foram comercializados, no mundo, 12 bilhões de dólares em medicamentos de Cannabis. A previsão é que isso chegue a 40 bilhões de dólares em 2024. Desses 40 bilhões, se nós tivermos o registro desses medicamentos no Brasil, comercializaremos algo em torno de 1 bilhão a 2 bilhões de dólares internamente. Esse é o potencial do mercado brasileiro pelos dados de hoje. Algo em torno de 4 bilhões a 8 bilhões de reais podem ser comercializados em medicamentos de Cannabis com os preços atuais.
Se nós conseguirmos ter o registro, a produção, o plantio, a cadeia completa, em primeiro lugar, teremos a possibilidade de não precisar importar produtos, o que é importante para a nossa balança comercial; em segundo lugar, nós teremos a possibilidade de exportar e de participar de parte desse mercado internacional, que está estimado em 40 bilhões de dólares. A indústria farmacêutica brasileira, a agricultura brasileira, a farmacoquímica brasileira podem ter uma parcela grande nesse mercado e podem exportar para vários países. O próprio Canadá, que hoje é um dos grandes produtores, faz sua produção basicamente indoor, num clima que não é favorável à plantação da Cannabis. Se nós plantarmos, talvez o Canadá pare de plantar e venha comprar de nós ou da Colômbia, certamente.
Hoje o que se percebe, Deputado Alexandre Padilha, é um movimento mundial de fundos de investimentos que estão investindo na Colômbia, comprando terras, plantando, debatendo a produção dos IFAs e, eventualmente, do medicamento final na Colômbia, porque é um grande lugar — o plantio eles autorizam. O Brasil poderia estar participando desse movimento, o que poderia estar gerando emprego e renda, o que poderia estar gerando renda para a agricultura.
Uma coisa sempre me preocupou quando eu estava na ANVISA: nós dependemos fortemente da importação de matérias-primas de outros países, principalmente da China e da Índia. A dependência, na saúde brasileira, de medicamentos importados, de IFAs importados é muito grande. Qualquer problema que aconteça nesses países, como uma epidemia, uma catástrofe natural ou uma guerra que interrompa as rotas comerciais, nos fará ficar sem cerca de 60% dos medicamentos que consumimos hoje. Se nós temos a possibilidade de desenvolver um medicamento em que a linha de produção pode ser toda nacional, não podemos perder essa oportunidade.
Por isso, este debate está sendo feito aqui. Nós estamos vendo que talvez a ANVISA avance um pouco na questão da regulação, mas, na questão do plantio, ela provavelmente não vai avançar. Vamos ver como é que vai estar a votação hoje. Eu acho importante que o Congresso debata a situação. Volto a dizer: debater sobre o uso medicinal não tem nada a ver com debater sobre o uso recreativo.
Podem dizer que há perigos, há riscos. Há riscos em todos os medicamentos. A ANVISA está aqui exatamente com essa função de avaliar qual é o risco, quais são as seguranças e dizer aquilo que pode e o que não pode em qualquer medicamento. Isso se faz com um paracetamol, uma dipirona, se faz com a morfina e com o oncológico. Esse é o papel da ANVISA.
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Eu quero ressaltar que — eu me esqueci de falar isso no início da minha fala — nós temos uma das melhores agências sanitárias do mundo. Isso é uma coisa da qual o Brasil tem que se orgulhar. Hoje a ANVISA é considerada uma das cinco melhores agências sanitárias do mundo. Nós sentamos de igual para igual com a FDA, com a agência europeia, com a agência canadense.
Portanto, não há risco à segurança da população brasileira em permitir o registro do medicamento. Nós temos uma agência com total capacidade de dizer o que pode e o que não pode e registrar medicamentos com absoluta segurança, como nós já fazemos hoje. Há aqui antigos servidores da ANVISA, que trabalhavam muito e comprovam que temos servidores de primeiríssima qualidade e somos uma agência totalmente capaz. Portanto, não há risco. Essa história de dizer que há risco ou que pode haver risco não é verdade. O que nós temos que discutir é o que pode e o que não pode para cada tipo de patologia, o que pode ser feito para uso pediátrico, o que não pode ser feito para uso pediátrico, o que vai precisar ter mais restrições ou menos restrições. A ANVISA é plenamente capaz.
Tínhamos que transformar a Cannabis em um medicamento normal, como os outros. Tínhamos que fazer as nossas pesquisas clínicas e debater algumas diferenciações. Na verdade, se não houvesse a questão da maconha, ela seria um fitoterápico de uso tradicional — era onde ela deveria ter sido enquadrada normalmente. Não pode ser enquadrada por questões sociais e políticas, mas nós podemos enquadrá-la e criar regras que eram da proposta original, do Presidente Dib, da ANVISA.
É preciso criar regras que nos permitam ter mais celeridade no registro dos medicamentos, sabendo que ele trabalha de uma maneira diferente. Ele não parte, como os medicamentos tradicionais, de fases pré-clínicas 1, 2 e 3; ele parte ao contrário, até porque a sabedoria tradicional já sabia dos usos e foi reincorporada. Essa sabedoria, nos últimos anos, havia sido perdida muito por conta do debate sobre a maconha.
Temos um medicamento que tem toda a capacidade de ser registrado, de mostrar eficácia e segurança, sem problema nenhum, com regras, como o mundo inteiro está fazendo, como o Canadá fez, como países da Europa estão fazendo, como vários Estados americanos estão fazendo. Volto a repetir: isso tem um impacto econômico extremamente positivo para o País, um impacto positivo na ciência e na tecnologia, um impacto positivo na agricultura. Se nós permitirmos que toda a cadeia possa ser feita no Brasil, sem os preconceitos, com outro debate, há plenas condições de nós criarmos regras que não vão gerar desvios para o uso recreativo, para outras coisas. Nós trabalhamos no uso medicinal.
Acho que essa era a minha fala. Depois, quando houver perguntas, nós retornaremos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Sr. Ivo.
Eu lhe agradeço muito por trocar conosco a sua experiência de ter sido o Diretor da ANVISA responsável por todo o processo de regulamentação e autorização da importação. Eu me lembro muito bem de todo esse debate, da intensidade do processo. Além de ser o Diretor, no dia da aprovação, calhou de o Ivo estar respondendo como Presidente da ANVISA, inclusive. Foi uma grande coincidência.
O Ivo já trouxe alguns elementos importantes, assim como farão a Sra. Camila e os nossos outros debatedores e debatedoras. O Ivo já trouxe alguns elementos da primeira parte, do primeiro capítulo do debate, na reunião da ANVISA hoje.
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Eu sempre vejo isso como um passo além, obviamente. Foi como aconteceu com a regulamentação da importação. Naquele momento, a principal demanda da sociedade era a regulamentação da importação, que nós víamos como um passo além do que tínhamos. Mas é muito restritivo. A impressão inicial — ainda não temos o texto final da resolução — é que é extremamente restritivo. E o fato de ser restritivo em relação a como fazer o procedimento, a que perfil de indústria pode ter acesso, ao que nós estamos falando, isso pode significar a restrição ao acesso das pessoas e, sobretudo, uma insegurança.
Se estamos pensando em incorporar esses medicamentos ao SUS — e essa é uma característica do nosso País que esta Casa construiu, no sentido de que a assistência farmacêutica é um direito das pessoas —, nós temos que ter segurança na produção, garantia na produção, sustentabilidade na produção, para garantirmos o acesso às pessoas. Nós não estamos falando de um país cuja expectativa é de 100 mil pessoas, 200 mil pessoas. Nós estamos falando de um mercado público de 200 milhões de pessoas. Se é um medicamento que pode aliviar o sofrimento de tantas pessoas, que todas as pessoas tenham acesso a ele! Isso significa produção garantida e segurança do País para produzir.
As pessoas acham, como o Ivo, que a segurança de um país no acesso a um medicamento parte, em certa medida, da sua capacidade de produzir esse medicamento. É só pegarmos exemplos muito claros de medicamentos que temos em uso há muito tempo no SUS. A penicilina benzatina, chamada de benzetacil, é uma descoberta da primeira metade do século XX. Nós chegamos a ficar 6 meses sem a garantia da penicilina benzatina no Brasil. Um dos motivos da explosão dos casos de sífilis no nosso País tem a ver com isto, com essa interrupção: por uma decisão estratégica, a empresa que detinha a produção parou de produzir. Nós não conseguimos alternativa para produzir.
Nós estamos vivendo hoje uma situação muito concreta, por exemplo, de não oferta da vacina pentavalente. Eu estou falando de coisas simples, de tecnologias absolutamente assimiladas há décadas no nosso País. Temos uma dificuldade de oferta da vacina pentavalente. O Ministério da Saúde interrompeu o fornecimento por conta exatamente de uma falha na produção de um componente da pertússis por parte de um laboratório indiano. E o Brasil não tem produção disso aqui. Nós estamos falando disso. Se queremos aliviar, de fato, o sofrimento das pessoas, o País precisa, do ponto de vista da saúde, do direito à saúde, garantir que se produza aqui no Brasil, sobretudo se temos condições tecnológicas, clima, cultura, para assumirmos o conjunto da cadeia. Além disso, há os aspectos econômicos, não é, Ivo?
Então, Deputado Luciano Ducci, eu estou comemorando, de certa forma, mais um passo, mas estou muito preocupado com o que pode ser a decisão final da ANVISA, com o que caminha para ser. Estou feliz por estar nesta Comissão. Confio em V.Exa., Deputado Ducci, nosso Relator, que é médico e está se apropriando cada vez mais desse tema, porque reforça ainda mais o papel deste Congresso. Eu não tenho dúvida nenhuma de que a existência desta Comissão contribuiu para que a ANVISA pudesse tomar uma decisão. Agora isso reforça ainda mais o papel do Congresso Nacional, porque esta Casa vai poder legislar sobre o tema sem as amarras que possam existir com pressões deste Governo ou dos votos de diretores.
Fiz essa introdução porque perguntei para a Sra. Camila Teixeira se ela estava à disposição, inclusive, para comentar algumas coisas e trazer alguns pontos do debate que a ANVISA trouxe hoje de manhã. Ela disse que não seria o caso de comentar exatamente, até porque ninguém teve acesso ainda ao texto final — estamos dialogando sobre o que temos pela imprensa a respeito do voto de um dos diretores. Mas eu introduzi alguns pontos, até porque não temos como formar uma Mesa como esta sem dialogar também sobre a decisão da ANVISA e talvez sobre quais serão os desafios da Comissão a partir de hoje, querido Relator, Deputado Luciano Ducci.
Passo a palavra à Sra. Camila Teixeira.
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A SRA. CAMILA TEIXEIRA - Senhoras e senhores, boa tarde a todos. Gostaria de saudar o Presidente da Mesa, Deputado Alexandre Padilha, por meio do qual cumprimento as demais autoridades presentes. Cumprimento, em especial, o Deputado Luciano Ducci pelo convite e pela autoria do requerimento desta apresentação.
Tratar de Cannabis medicinal hoje é colocar o Brasil como um player importante. Vou seguir um pouco a fala do colega Ivo para trazer a perspectiva econômica, a importância desta discussão em relação à cadeia produtiva, principalmente, com a possibilidade de distribuição de renda e de arrecadação de tributos. Nós sabemos que isso só fará bem ao sistema.
(Segue-se exibição de imagens.)
Estamos num dia importante. Estar aqui presente é uma honra para nós. O meu nome é Camila Teixeira. Sou CEO da INDEOV, a primeira empresa especializada no acesso à Cannabis medicinal no Brasil. Temos uma frente em consultoria para empresas internacionais do ramo — hoje atendemos a quatro países —, bem como uma representação comercial. Nós trabalhamos com os principais players americanos, como CW e Elixinol. Eu sou formada em relações internacionais. Tive uma trajetória, antes de entrar em Cannabis, na parte de internacionalização de empresas e produtos em diferentes mercados e países. Inclusive, trabalhei junto à APEX em alguns setores da economia brasileira. Entrei em ação inicialmente prestando consultoria para empresas americanas, mas depois da RDC 17 vim para o Brasil, para apresentar algumas soluções aos problemas identificados.
Falar de Cannabis é tratar do impacto em diferentes frentes. Estamos falando aqui na perspectiva econômica, social, política e ambiental. Trouxemos como solução aos problemas identificados inicialmente, em 2015 — dificuldade no acesso à informação nesse setor, burocracia para a aquisição legal desses produtos e indisponibilidade de produtos à época —, a educação de pacientes, médicos e sociedade civil, a facilitação do acesso a produtos e, claro, produtos de qualidade.
Nós nascemos com o propósito de ajudar esses pacientes, os quais, à época, precisavam desse apoio em todas as partes da cadeia. Isso começou em 2015. Foi, inclusive, por meio da nossa iniciativa de trabalho de impacto que fomos convidados a participar do programa de aceleração das Nações Unidas. Essa foi uma contribuição muito importante, uma validação do trabalho de seriedade que vimos desenvolvendo no Brasil. De iniciativa do Impact HUB e do PNUD, atende ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 3 — ODS 3, que tem como propósito apoiar empresas em desenvolvimento, em crescimento numa perspectiva global. Fomos a primeira empresa de Cannabis do mundo a ter esse apoio.
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Trago hoje, numa perspectiva rápida, as possibilidades de aplicação, embora isso já tenha sido debatido aqui anteriormente, o potencial econômico, o panorama da Cannabis na saúde brasileira, o mercado no Brasil, os desafios de empreender no Brasil e o impacto social.
Vou fazer alguns comentários à luz do que foi hoje liberado pela ANVISA. Como possibilidades de aplicação, a principal planta que está em discussão aqui também é o cânhamo, que tem menos de 0,3% de THC e atende a diversas oportunidades econômicas. Também vou trazer à discussão produtos com mais de 0,3% de THC cujo uso seria possível, que atendem a fins nutracêuticos e farmacológicos. São diversos produtos disponíveis a partir do cânhamo, que, pela Farm Bill, dos Estados Unidos, no ano passado, foram entendidos como commodities. Logo, não há restrições e esse produto é disponibilizado em qualquer lugar.
Vamos pensar só em algumas oportunidades que o Brasil teria: fibras, que precisam de menos água para produção e rendem mais por metro quadrado, e sementes, que têm diversos benefícios, na perspectiva agrícola também e até de saúde, porque são extremamente proteicas, ricas em aminoácidos, entre outros benefícios. Há alguns exemplos de produtos possíveis. Não vou demandar muito tempo aqui, mas há até aviões feitos à base de cânhamo. Também é importante a descoberta do sistema do canabinoide na perspectiva de saúde. Temos hoje algumas evidências estabelecidas em epilepsia, esclerose múltipla e dor crônica. Está em estudo ou em uso uma lista considerável de outras indicações.
A respeito de dados, eu trouxe aqui uma apresentação rápida do Joint Economic Committee Democrats, que traz a perspectiva de mercado nos Estados Unidos. Em 2017, tiveram um total de 8 bilhões de dólares em vendas. Até 2022, são esperados 23 bilhões de dólares. Hoje esse mercado emprega de forma direta aproximadamente 120 mil pessoas. Como esse é um dado de 2018, isso aumentou um pouco, mas sabemos que, em empregos diretos e indiretos, hoje há, aproximadamente, 300 mil pessoas nesse mercado.
Hoje, aproximadamente 30 países permitem que agricultores cultivem cânhamo. A China é o maior exportador. Em 2016, foram utilizados 80 mil acres na produção de cânhamo em países europeus. Isso é muito importante, porque demonstra os avanços que estamos tendo. Dados dos Estados Unidos novamente: 33 Estados hoje operam de alguma forma com esse mercado. São 10,4 bilhões de dólares em vendas em 2018. Em 2040, está previsto um mercado de 630 bilhões de dólares. A título de comparação, em 2017, o faturamento da indústria farmacêutica foi de 996 bilhões de dólares. É claro que são períodos diferentes, mas são números interessantes.
Nos Estados Unidos, esse produto está disponível em muitos lugares, como na Amazon, por exemplo. Recentemente, a rede Walgreens disponibilizou esses produtos em mais de 1.500 locais de venda. Então, realmente é muito fácil o acesso. Em Israel, essa é uma política pública. O governo, inclusive, apoia os 46 mil pacientes que já tiveram acesso ao produto em algum momento — é um país de 8 milhões de habitantes.
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Em relação à CAGR dessa indústria, nos últimos 4 anos, começou com 38% e, em 2018, alcançou 12 bilhões de dólares. Para os próximos 4 anos, temos a previsão de 26%, com 32 bilhões de dólares.
Em termos globais, o mercado de Cannabis, lícita e ilícita, em 2018, chegou ao total de 334 bilhões de dólares. A previsão até 2024 é de 103 bilhões de dólares. Lembro que, em termos de arrecadação de impostos, em 2018, os Estados Unidos arrecadaram mais de 1 bilhão dólares, e isso também é utilizado em políticas públicas, tão importantes.
Se apenas 10% do universo de pacientes crônicos começasse a fazer uso dessa terapia, 100 milhões de pacientes poderiam ser beneficiados.
Em termos de geração de empregos, mais de 1 milhão de empregos foram criados no mundo.
A Organização Mundial da Saúde recomenda que não haja controle internacional de produtos ricos em CBD com menos de 0,2% de THC.
Este é um panorama da América Latina. O Brasil ainda precisa avançar. Os países que estão à frente são Uruguai, Paraguai e Colômbia. Hoje, no Brasil, já é possível a pesquisa com a perspectiva de registro. Há vendas em farmácia de produtos já registrados e há importação de produtos pela RDC.
Em relação à cadeia verticalizada, também comentada pelo Ivo, há potencial de que teríamos de percorrê-la de ponta a ponta, desde a genética à distribuição.
Este é um rápido panorama do mercado: há mais de 40 empresas hoje atuantes no Brasil, mais de 50 pessoas que já receberam HC para plantio, mais de mil médicos prescritores, num contexto de 470 CRMs ativos cadastrados, e mais de 20 associações de pacientes.
O ecossistema no Brasil, como se configura hoje, é dividido entre produtores em larga escala e em menor escala. Inclusive aqui já há um, a ABRACE, numa condição especial. Em termos de canais de vendas, mencionamos o marketplace, os próprios fabricantes e as farmácias. Como novos entrantes, há indústrias farmacêuticas, novos produtores de Cannabis, que utilizam esse modelo da RDC, de fora, e investidores. Como parceiros e influenciadores estão médicos, universidades, associações médicas, associações de pacientes e Conselho Federal de Medicina. Os clientes pagantes são os próprios pacientes. O Governo também é pagante, assim como os convênios médicos e as associações de pacientes. Quanto à regulação, temos a ANVISA e políticos em outras frentes.
Em termos de estimativa relativa ao Brasil, pensando nestas principais indicações — autismo, epilepsia, mal de Parkinson, mal de Alzheimer e dor crônica —, mais de 10 milhões de brasileiros de todas as idades poderiam ser beneficiados. Isso nos traz o panorama de 21 bilhões de dólares ao ano, em termos do potencial de mercado brasileiro.
Tivemos um crescimento considerável, com a RDC 17, no número de autorizações de importação, começando com 782 pacientes, em 2015, passando para 3.222, até agosto de 2019, o que representa 312% de aumento.
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Em relação aos desafios, eu apresento aqui um panorama geral de empreendimentos nessa área. Não há regulamentação financeira clara sobre a Cannabis no Brasil e as empresas de pagamento têm medo de entrar nesse setor. Há ainda insegurança jurídica para empresários e investidores. Sabemos, portanto, da importância deste debate para fazer com que avancemos nessa área.
Tivemos agora uma RDC com algumas mudanças previstas, e vou trazer os pontos principais. Como é muito recente, só coloquei alguns pontos tratados. Os produtos com THC de até 0,2% vão ser liberados apenas para pacientes terminais. A rotulagem de produtos importados será exigida. A renovação será feita a cada 60 dias, o que é um retrocesso em comparação ao processo atual, pois, hoje, cada documento tem prazo de 1 ano para que o paciente possa importar.
Os produtos com concentrações de THC superiores a 0,2% só poderão ser prescritos a pacientes terminais. É necessário, nesse caso, apresentação de receituário para prescrição, que vai ser do tipo A — semelhante à da morfina, por exemplo.
Também vamos ter logística de distribuição para viabilizar o monitoramento integral dos lotes de produtos, que tiveram pontos de entrada limitados em território nacional.
Em relação ao modelo de empresas, a comercialização poderá ser feita somente por drogarias e farmácias, mediante prescrição médica.
Eu gostaria de trazer para reflexão a questão de como seguir com essa resolução daqui para frente nessa nova perspectiva. É de extrema importância esta discussão. Acredito muito que podemos fazer a diferença com o apoio dos senhores. Mais uma vez, estamos precisando agora de um respaldo legal nesse setor, que já existe de fato, para trazer seriedade, profissionalismo, ética e responsabilidade social, já que temos uma área com impacto direto em diversos aspectos. Vamos falar, principalmente, no sistema de saúde. Por exemplo, nessa proposta de impacto, já beneficiamos 10 mil pessoas direta e indiretamente. E é uma responsabilidade, como sociedade, contribuir da melhor forma também sistemicamente.
Mais uma vez, agradeço aos senhores a colaboração e a liderança nesse assunto. Muito obrigada a todos.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Sra. Camila Teixeira.
Enquanto a Camila estava falando, saiu a notícia de que a ANVISA rejeitou a autorização para o plantio. É mais uma atitude obscurantista. Há uma gincana pelo obscurantismo, Deputado Paulo Teixeira. Outro dia eu falava que é o obscurantismo ostentação. Há uma disputa por isso, infelizmente. E o voto do diretor que sustenta essa decisão, inclusive, faz questionamentos a todo o processo de consultas que a ANVISA fez, dizendo que a ANVISA não consultou os Ministérios. Nós somos testemunhas do esforço da ANVISA em consultar os Ministérios, no sentido de se posicionarem, solicitando ainda notas técnicas dos Ministérios. Quantas vezes foram debatidas em audiências públicas as posições que os Ministérios trouxeram?
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Sem dúvida alguma, para além dos aspectos econômicos, eu quero repetir e reforçar que a não autorização ao Brasil para que possa ter o domínio completo da cadeia de produção coloca, sim, em risco o acesso das pessoas aos produtos finais, aos medicamentos, porque faz com que o Brasil não tenha segurança completa sobre a produção. Como disse aqui o Ivo, e reforçou a Camila, é o País que tem a oportunidade de garantir o acesso a milhões de brasileiros e brasileiras, que poderão ficar dependentes, por exemplo, da importação e da chegada desses insumos. E há os aspectos econômicos que envolvem o risco da importação, assim como existiu e existe em um conjunto de outros medicamentos e insumos na área da saúde.
Eu quero aproveitar o momento para passar a Presidência ao Deputado Paulo Teixeira, que tão bem conduz os trabalhos, e convidá-lo a assumir a Presidência da audiência pública, da nossa reunião da Comissão Especial.
E já convido o Sr. José Bacellar para se juntar à Mesa.
Camila, fique à vontade para acompanhar a audiência daqui ou do plenário. O Sr. José Bacellar virá compor a Mesa para darmos continuidade à audiência pública.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Inicialmente, até onde tomei conhecimento, considero muito limitada a decisão da ANVISA. Ela é limitada porque, em primeiro lugar, me parece que só autoriza os medicamentos à base de canabidiol, aqueles que têm THC em quantidade muito pequena, permitidos apenas para pacientes terminais. Essa é uma limitação que, na minha opinião, não tem sentido. Em segundo lugar, ela é muito pró a grande produção farmacêutica, mas não autoriza as cooperativas que hoje têm dado resposta à doença no Brasil. E, terceiro, se realmente não é permitido o plantio, é praticamente uma resolução sem nenhuma importância. Imaginem o Brasil importar Cannabis de outros países, se pode produzi-la aqui!
Até me solidarizo com quem esteve na ANVISA, porque eles foram alvo de uma pressão ideológica tamanha que eu acho que não puderam ir muito longe, não é? Isso, na minha opinião, dá o sentido da continuidade desta Comissão. Se tivesse sido uma regulamentação correta, não teria mais sentido esta Comissão funcionar. A regulamentação já teria acabado com o objeto a ser regulado por esta Comissão, mas me parece que não o fez, e nós teremos que ir para além dessa medida.
Por último, eu acho que a regulamentação que eles fizeram encarecerá demasiadamente os custos do SUS. O SUS vai pagar mais caro por um produto que ele poderia obter de forma mais barata. A regulamentação tem que atender ao interesse nacional, ao interesse da sociedade brasileira. O que eles estão fazendo atende a uma parcela dos grandes laboratórios. Eu estou entendendo assim.
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Por isso, temos que prosseguir na tentativa de uma regulamentação mais ampla, evidentemente, e mais consensual, mas não tão restrita quanto essa que a ANVISA fez sob pressão imensa do Governo. O Governo trocou, inclusive, dois conselheiros, dois diretores da ANVISA para incidir sobre essa regulamentação, que, então, ficou desse tamanho por ter sido produzida diante de grande pressão. E é por isso que considero importante prosseguirmos.
Nós vamos amanhã, eu e o Deputado Luciano Ducci, conhecer a experiência uruguaia. Eu espero que conheçamos também a colombiana e a israelense, e que possamos, como era o objetivo, entregar o relatório no mês de março. Mas eu me sinto extremamente confortável em prosseguir com o nosso processo, tendo em vista que, pelo pouco, repito, que eu conheço da regulação da ANVISA, achei seu tamanho muito menor do que o Brasil precisa.
O que eu tenho em mente é como o Sistema Único de Saúde vai absorver o resultado dessa regulação, que, na minha opinião, é caro. Nós devíamos ter um resultado mais barato para o Sistema Único de Saúde.
Passo a palavra agora para o Sr. José Bacellar. Eu até achei que estava errado o quadro, porque o Deputado Bacelar é Vice-Presidente desta Comissão. (Pausa.)
Ah, o Deputado Bacelar é com um ele só, e o senhor tem o nome com dois eles.
Então, passo a palavra a V.Sa. para sua apresentação.
O SR. JOSÉ BACELLAR - Obrigado. Quero agradecer ao Presidente Paulo Teixeira, ao Deputado Luciano Ducci e, em especial, ao Deputado Marcelo Calero, que encaminhou o convite para eu estar presente aqui na Comissão hoje.
Boa tarde a todos, Sras. e Srs. Deputados, demais autoridades presentes.
A Verdemed é uma empresa de Cannabis medicinal com atuação na América Latina, especificamente, na Colômbia e no Chile. No Brasil, vínhamos nos adequando à regulamentação de importação, paciente por paciente, para poder também oferecer produtos que hoje são fabricados nos Estados Unidos, para que os pacientes pudessem utilizá-los.
Pensando sobre a contribuição que poderíamos dar neste depoimento, eu acho que a maior delas é transmitir a nossa experiência internacional sobre as diferentes legislações de cada país. Nós vivemos isso. Há um detalhe importante: sempre se fala na “empresa canadense de Cannabis”, e isso é um acidente geográfico, porque eu moro no Canadá, por isso ela foi fundada lá. Mas nós pensamos na Verdemed como uma empresa brasileira. Apesar de ela estar lá, em razão inclusive do mercado de capitais, o nosso sonho, a nossa ambição, a nossa vontade é estar presente no Brasil como uma empresa brasileira. Por isso, todas as pessoas que participam da empresa são, essencialmente, brasileiras, mas há colombianos também.
Voltando ao tema da contribuição, eu preparei alguns eslaides que, coincidentemente, vão ao encontro do que estamos falando.
(Segue-se exibição de imagens.)
Basicamente, eu cobri os aspectos de regulamentação. O que estou trazendo aqui hoje é uma sugestão, é uma maneira de ver, contribuindo com o desafio que a Comissão tem de regulamentar não só o medicamento, como a ANVISA acabou de fazer, mas também o plantio e o acesso aos produtos naturais de Cannabis.
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Eu acho que esse dado todo mundo já tem, e eu assisti a todas as reuniões da Comissão anteriormente. O evento da Cannabis medicinal é global, mais de 1 bilhão de pacientes já têm acesso a ela nos países em que há essa regulamentação. Nós estamos de fora, mas se o Brasil entrar, vamos adicionar 220 milhões de pessoas. Então, nós ainda somos muito importantes no que está acontecendo globalmente. Depois que a Índia e a China regulamentarem, naturalmente, nossa importância relativa diminui. Isso é importante, porque há muitos países que já legalizaram, já estão atuando economicamente em toda a cadeia produtiva da Cannabis.
Esse tema até hoje tem sido recortado pelas duas principais moléculas, e hoje isso novamente aconteceu na regulamentação da ANVISA, que são os produtos que têm baixíssimo teor de THC e os produtos que têm mais THC. E ressalto que, no Brasil, nós estamos atrás, tratando o THC como produto controlado, ao contrário dos nossos parceiros da América Latina. Os senhores, nobres Deputados, podem ir ao Uruguai para ver a experiência uruguaia de perto, e o México está para aprovar uma regulamentação — já está no Congresso — em fevereiro.
Os Estados Unidos são importantes, porque hoje são o maior mercado do mundo. Eles têm um dilema muito grande, pois o país é muito dividido no tema da Cannabis medicinal, com THC ou sem THC. O tema é complexo na sociedade americana, mas basicamente a regulamentação foi delegada aos Estados.
Eu trouxe aqui, há duas semanas, quando estive na Comissão de Agricultura, e vou deixar com os senhores, uma ficha técnica que o Congresso norte-americano preparou, para ilustrar aos congressistas, com um sumário da regulamentação da Cannabis.
Então, quando falamos de plantio, primeiro, é possível, sim, regulamentar separadamente o cânhamo da maconha. Há sempre o argumento de que o cânhamo não dá para ver, é diferente. São plantas diferentes, não é só a Cannabis sativa, mas se consegue, através da composição química, como vemos aqui, obter a regulamentação específica.
Posso dar o testemunho da Colômbia. Ali, a Verdemed tem licença para plantio de psicoativo e de plantas que não são psicoativas. O manejo agrícola é diferente, a maneira de extração é diferente, os órgãos que fiscalizam são diferentes. Mas existem os dois cultivos na Colômbia, e o país, sim, está mirando o mercado Internacional, especialmente o europeu.
Temos que entender muito dos Estados Unidos. Lá é um produto natural, e todos esses produtos são acessíveis à população. Quando se usa a Cannabis medicinal da maneira como é vendida nos Estados Unidos, a população tem acesso a toda essa gama de canabinoides que ainda não temos desenvolvidos no Brasil.
Nos Estados Unidos, como eles resolveram esse problema? Os Estados regulamentam, mas é um movimento que também já está indo adiante. São 47 Estados, e só não está regularizada em Idaho, Dakota do Sul e Nebraska, que são aqueles representados em cinza. Todos os Estados representados em verde neste mapa autorizaram o plantio do cânhamo, que, lá, é a Cannabis classificada com menos 0,3% — aqui, a ANVISA estabeleceu a classificação de menos 0,2%. Os Estados representados em verde-escuro têm as duas plantas, tanto a Cannabis com THC quanto a sem THC. Têm o cânhamo e a Cannabis com THC. E os Estados representados em azul já têm a Cannabis de uso adulto recreativo.
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Sobre a regulamentação específica, eu acho o Brasil tem uma vantagem. Apesar de estarmos atrasados, temos que tirar vantagem de não estarmos tão presentes no jogo. Qual é a grande vantagem? Nós podemos olhar o que aconteceu, o que os parceiros fizeram, o que os outros países regulamentaram. Trata-se de fazer não uma cópia, mas sim uma adaptação específica à nossa necessidade e ao nosso potencial econômico. Eu me refiro não só a acesso a saúde mas também a desenvolvimento econômico.
Vou agora dar um passo para trás. Quando falamos de Cannabis medicinal, sempre há uma confusão a respeito de medicamento natural, que vem da planta, e medicamento farmacêutico. A diferença é tempo e acesso. Quando se fala em produto farmacêutico, tira-se o IFA, o princípio ativo da planta, o API da planta, há o processo farmacêutico, que está relacionado a formulação, pesquisa clínica, aprovação. Leva de 5 a 10 anos esse processo a partir de uma molécula velha. Essas moléculas têm mais de 30 anos.
Quando falamos da Cannabis medicinal, estamos dizendo que reconhecemos que a planta, como um fitoterápico, tem potencial terapêutico, e tem que haver semente, tem que haver plantio, tem que haver extração, para que possa haver esse resultado. Essas duas coisas não precisam se chocar, elas são complementares. Nós já temos o Mevatyl aqui, o Sativex lá fora, mas poderíamos ter também os produtos de Cannabis medicinal que nós mesmos fabricaríamos no Brasil.
O Brasil pode se beneficiar dessa discussão. Estamos chegando agora. Essa é uma discussão que, no Canadá e nos Estados Unidos, vem acontecendo há 20 anos. No Canadá, as pessoas tinham o direito de mandar uma receita para o Ministério da Saúde de lá e fazer o plantio em casa para uso medicinal. Assim foi ocorrendo a evolução, até se chegar à Cannabis medicinal hoje comercial.
Os Estados norte-americanos fizeram o mesmo. No Congresso norte-americano, está para ser votada — há uma proposta na Câmara e outra no Senado — a regularização da Cannabis em todo o país.
Na América Latina, a questão não foi diferente, só que aconteceu mais tarde, nos últimos 5 anos. Em 2013, tomou a decisão o Uruguai; depois, o Chile, a Colômbia e a Argentina, onde era tudo proibido. Agora o Paraguai também ingressou no negócio de cânhamo. Todos os países a nossa volta estão desenvolvendo plantações de cânhamo e de Cannabis com THC. Eu acho que essa é uma enorme oportunidade para o Brasil.
Quando eu estive na Comissão de Agricultura, um pesquisador da Universidade Federal de Viçosa — corrijam-me se eu estiver errado — me mostrou o potencial agronômico, a quantidade de áreas que o Brasil poderia utilizar para plantar Cannabis e produzir os medicamentos. Acho até que foi essa discussão que o Deputado Padilha e o Deputado Paulo Teixeira levantaram.
A missão desta Comissão é difícil. Temos que equilibrar os Deputados. Os senhores têm que definir o grau de acesso que vai ser dado à população. O Deputado Paulo achou que o acesso que a ANVISA deu agora foi muito restrito, poderia ser ampliado; poderia haver custos e preços mais baixos, se fizéssemos a produção aqui; poderia haver respeito aos direitos individuais, aos direitos das associações que querem fazer o plantio, as associações de pacientes. No Canadá, todas as modalidades coexistem. Pessoas têm a receita médica, plantam uma ou duas mudas em casa e fazem o uso diretamente. Existem associações de pacientes e existem as empresas que produzem. Não há por que essas modalidades de atendimento à saúde não serem permitidas e regulamentadas. É uma questão de regulamentação. A regulamentação passa necessariamente pela definição de produtos. Hoje a ANVISA definiu a primeira coisa, que são produtos farmacêuticos, mas estamos falando de algo que vai além dos farmacêuticos. Estamos falando dos medicamentos naturais, de produtos de saúde e de bem-estar. E um terceiro tema é este: quem vai regulamentar o quê? Como o tema é muito complexo, tem que haver primeiro a definição do tipo de Cannabis. Segundo, é preciso saber se vamos permitir o uso do CBD e de todos os demais canabinoides em todos os medicamentos. No caso do plantio e da extração, as regulamentações são complexas. Que órgão federal, quem vai realizar a fiscalização?
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O que eu fiz aqui foi montar um quadro-resumo em que foram separadas as duas atividades: a atividade produtiva primária, desde a semente até a extração do óleo e a geração de um produto que pode ser exportado (esse é um modelo); e a regulamentação dos produtos para o consumidor.
Primeiro, eu acho que, no caso da pesquisa clínica, não há razão nenhuma para não liberarmos isso totalmente, a fim de que as universidades, os institutos de pesquisa possam, de fato, avançar nos estudos científicos sobre a Cannabis. É preciso que haja respeito. A Comissão tem um desafio — não estou dizendo que é um desafio simples — a respeito de como acomodar as associações de pacientes e permitir que eles tenham acesso, da maneira em que acreditam, ao produto natural. Essa regulamentação positiva poderia ser desenhada nos moldes que vimos no Chile e na Colômbia.
Novamente uso como exemplo aqui essas legislações. Entreguei este material para o Relator. Todos os senhores e as senhoras terão acesso a isto, que vai ser disponibilizado pela Secretaria, as legislações da Colômbia e do Peru traduzidas para o português. Podemos tentar ver o que funciona lá e o que não funciona.
Não vejo razão para não haver plantio comercial e extração no País. Deveríamos estar fazendo o plantio, por causa não só do abastecimento, da garantia do suprimento, mas também da inserção da economia brasileira nessa oportunidade global. Da maneira como estamos fazendo, além de ficarmos isolados, estamos perdendo a oportunidade de exportar, de ser um país produtor, como a Colômbia escolheu ser, como o Peru escolheu ser, como o Paraguai escolheu ser. Estamos ficando isolados da economia mundial.
O tema relativo a produtos é muito mais restrito, está mais na alçada das agências reguladoras. Como disse o Deputado Paulo Teixeira, a ANVISA tratou destes dois últimos tópicos: a produção de medicamentos — o IFA mais ou menos está na regulamentação — e os produtos farmacêuticos. Eu acho que esta Comissão pode, sim, Deputado, agregar muito no que diz respeito à regulamentação das outras coisas que não foram feitas, dos produtos naturais. É preciso saber se vamos permitir uma grande linha de negócios, na área de cosméticos, por exemplo, com produtos de CBD; definir como vão se dar as outras comercializações desses produtos naturais, a exportação e a importação. O Brasil tem uma vocação. Deixamos o THC exatamente como está hoje, mas plantamos as duas. Temos plantio com THC e sem THC.
Como é o funcionamento em outros países, particularmente nos Estados Unidos e no Peru? O papel da agência reguladora é de fiscalização. A regulamentação foi feita pelo Ministério da Agricultura e pelo Congresso Nacional. É assim que funciona nos Estados Unidos. A agência reguladora — no caso dos Estados Unidos, a FDA — toma conta apenas dos medicamentos. Eu acho que o grande desafio vai ser exatamente o de equilibrar essas coisas. Como os senhores e as senhoras vão definir a regulamentação do uso medicinal e do plantio da Cannabis no Brasil? Como vai se dar o acesso dos pacientes a esses produtos? Se estabelecermos uma definição muito restritiva, os pacientes não vão ser atendidos. Acredito que o Brasil poderia, sim, inserir-se competitivamente no mercado internacional da Cannabis, tanto do cânhamo, do CBD, como da Cannabis com THC, porque esse é um negócio global em que o Brasil tem uma enorme vantagem competitiva. Por que vamos deixar para a Colômbia ser o maior fornecedor de óleo de CBD do mundo? Eu acho que a Comissão precisa discutir isso.
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Era isso.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, José Bacellar.
Eu estava conversando com o Relator sobre convidar a ANVISA para vir a uma das próximas reuniões, a fim de que ela dê clareza e publicidade quanto ao que aprovou e participe do debate. Na minha fala anterior, eu disse que acho que têm que conviver as diversas formas de produção: industrial, cooperativa. Essa é minha opinião, não é opinião do grupo. Ainda teremos que ver o que o Relator vai propor. A meu ver, a ANVISA restringiu muito a questão.
Se ela aprovou que se pode obter esse medicamento aqui sem que se possa plantar... Foi isso que ela aprovou ou não?
O SR. JOSÉ BACELLAR - Foi.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Age-se como se fôssemos um bando de irresponsáveis. Os paraguaios podem plantar, os colombianos podem plantar, os uruguaios podem plantar, os americanos podem plantar, os canadenses podem plantar, os israelenses podem plantar, e o Brasil não.
O SR. JOSÉ BACELLAR - Mas deveria.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - O Brasil terá que importar essa substância para formular os seus medicamentos. Eu não vejo sentido nisso, não vejo nenhum sentido.
E o Brasil é um país bom de regulação. Em todas as regulações nessa área de fármacos, o Brasil vai bem. Mesmo na área de substâncias que alteram a consciência, como a do cigarro, o Brasil vai superbem. Então, nós temos grande experiência de regulação de remédios controlados, em relação aos quais se exige receita médica. Não vejo por que restringir no Brasil a produção para fins medicinais.
Fica a sugestão para talvez transformarmos uma das próximas reuniões numa conversa com a ANVISA, para que ela venha explicar o que eles regulamentaram. Eu tenho comigo que a ANVISA sofreu todo tipo de pressão possível e imaginável. Até do Presidente da República ela sofreu pressão em relação a esse tema. É por isso que vem uma regulação restritiva, na minha opinião, inadequada para o País, e isso vai requerer que prossigamos.
Portanto, fica a sugestão de se fazer isso na próxima reunião, no dia 10 — hoje é dia 3 —, ou em fevereiro. O Relator acha que não é adequado realizar a audiência no dia 17 porque não haverá muitos Deputados presentes. Assim, poderíamos realizá-la no dia 10 ou em fevereiro, no dia 11 de fevereiro, com a ANVISA, para esclarecimento e debate. Chamaríamos mais especialistas que conhecem o tema e podem fazer a leitura e a crítica dessa regulação.
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Defendo a ideia de que todos os segmentos convivam: indústria, cooperativa. Há possibilidade inclusive de a pessoa, quando bem orientada, fazer plantio para uso medicinal. Eu lembro que universidades estavam orientando o plantio no Rio de Janeiro, estavam fazendo algo associado com orientação, mas o que já foi aprovado me parece muito restritivo, principalmente ao não se permitir o plantio no Brasil.
Convido a Sra. Viviane Sedola para que inicie, em seguida, a exposição e chamo o Sr. Eder Fernando Maffissoni para que faça parte da Mesa.
Antes de eu conceder a palavra à Sra. Viviane Sedola, passaremos à análise dos requerimentos constantes da pauta, pois já há quórum para votação.
Requerimento nº 51, de 2019, da Deputada Carla Zambelli, que requer a realização de audiência para se discutir a comercialização e a produção de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis medicinal, com a seguinte convidada: Ângela Maria da Silva.
Algum Parlamentar deseja encaminhar a votação? (Pausa.)
Em votação o requerimento.
Os Srs. Deputados que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Requerimento nº 52, de 2019, de autoria do ilustre Relator, o Deputado Luciano Ducci, que requer a realização de audiência pública para debate, com representante do Ministério da Justiça, sobre a regulamentação de medicamentos formulados com Cannabis.
Algum Parlamentar quer fazer uso da palavra? (Pausa.)
Não havendo quem queira falar, coloco em votação o requerimento.
Os Srs. Deputados que o aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Passo a palavra à Sra. Viviane Sedola.
A SRA. VIVIANE SEDOLA - Boa tarde.
Agradeço aos colegas que já fizeram sua exposição aqui. Vou me valer disso para buscar ser um pouco mais sucinta.
Quero agradecer também ao Deputado Bacelar, que me convidou para participar desta reunião. Acho que ele está em outra audiência, não pôde vir aqui. Agradeço também à Mesa.
Pretendo ser sucinta, mas não quero negligenciar pontos importantes. Também quero salvar tempo para podermos debater. Eu acredito que é na troca que criamos algo.
Já tive a chance de participar de debates similares a este. Eu participei da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado sobre o uso medicinal da Cannabis. O clima era bem diferente do que o que vemos aqui. Fico contente. Em São Paulo, na Universidade Mackenzie, tive a oportunidade de compartilhar uma mesa de debates com os Deputados Alexandre Padilha e Eduardo Costa. Vejo que o Legislativo está muito esclarecido sobre o tema, o que é bastante animador. Há 2 anos, quando comecei a Dr. Cannabis, que é uma plataforma para dar acesso a pacientes, para educar, para informar, eu não imaginei que estaríamos neste momento hoje. É muito gratificante, eu o vejo com bons olhos. Entendo que ainda não estamos no lugar ideal, mas temos dado passos muito importantes.
15:50
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Eu trouxe alguns dados sobre a judicialização do acesso à saúde, para entendermos o impacto que isso vem tendo nos cofres públicos. O Ministério da Saúde gastou, só em 2018, 617 mil reais aproximadamente para comprar remédios à base de Cannabis, o que equivale a mais do que o dobro do que gastou no ano anterior. No Estado de São Paulo, o número é ainda mais impactante. Cresceu quase 18 vezes em 4 anos o número de decisões que oneraram os cofres públicos em favor desses pacientes. Só entre janeiro e junho deste ano, foram gastos mais de 4,6 milhões de reais para se dar acesso aos pacientes. Somam-se a isso também as decisões judiciais favoráveis a pacientes que pedem habeas corpus preventivo para o cultivo em seu domicílio.
Notamos, portanto, que o Judiciário vinha legislando. Entendo que esta Casa foi muito feliz ao estabelecer esta Comissão Especial para discussão do tema, porque ele precisa sair daqui.
Hoje vemos a ANVISA aprovando registro de produtos, com a intenção de facilitar, de flexibilizar, enfim, de ampliar o acesso. A intenção é muito boa, vai ao encontro do PL 399, que é o que está em pauta aqui hoje, segundo o meu entendimento. Eu queria citar alguns trechos da Lei nº 11.343, que esse projeto de lei visa alterar. Ela diz, em seu art. 2º, o qual deve ser alterado com a aprovação desse PL, que "ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas" — vem agora a parte importante que eu queria salientar —, "ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971 (...)".
Em março deste ano, quase 50 anos depois, na 62ª Sessão da comissão das Nações Unidades sobre o tema, muito foi discutido. Durante essa sessão, a Organização Mundial da Saúde pediu a reclassificação da Cannabis como substância de menor grau de controle, por considerar que "seus medicamentos não estão associados a problemas de abuso ou dependência e não divergiram para o propósito de uso não medicinal".
Quero citar um comentário muito feliz feito por Ivo Bucaresky. Ele disse que não vamos proibir a produção de cana-de-açúcar no caso de, amanhã, não quisermos mais ter cachaça. Entendo que quem estuda o assunto de forma isenta não consegue ser contrário a essa pauta. Estima-se que o potencial de arrecadação tributária passa de 1 bilhão de reais ao ano, se regularmos isso da maneira correta.
Então, venho aqui prestar meu apoio, agradecer à Casa e estimular o debate. Contem comigo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Viviane Sedola.
Passo a palavra ao Sr. Eder Fernando Maffissoni, Diretor-Presidente da Prati-Donaduzzi.
O SR. EDER FERNANDO MAFFISSONI - Estes são nomes difíceis, Deputado: Maffissoni, Prati-Donaduzzi.
Primeiramente gostaria de agradecer o convite do nosso Relator, o Deputado Luciano Ducci. Agradeço ao Deputado Paulo Teixeira a oportunidade. Obrigado pelo convite. Estamos muito felizes hoje em poder estar aqui para apresentar um pouquinho do nosso projeto.
Gostaria de iniciar a nossa fala de hoje dizendo que não temos nenhum tipo de conflito de interesse, embora nos enobreçam muito os comentários feitos hoje pelo nosso Ministro Osmar Terra. Esta é a minha segunda participação em uma plenária política. A primeira foi numa reunião com ele, e a segunda é esta de hoje. Nas duas eu estive presente a convite da Casa.
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Volto a dizer — também digo isto em vários meios de comunicação que me dão essa oportunidade — que o nosso projeto se encontra em pesquisa clínica. Até hoje não foi comercializada uma caixa sequer do produto. Nenhuma caixa do nosso produto foi comercializada.
O Dr. Ivo e o Deputado Padilha comentaram que o Brasil hoje sofre um dilema. Não produzimos praticamente nenhuma matéria-prima para a indústria farmacêutica. Somos dependentes da Ásia, como boa parte do mundo. Vivemos um recente problema com a falta de losartana — a Ásia chacoalhou o mundo.
Temos um grande problema no Brasil: as indústrias multinacionais não se sujeitam mais a produzir medicamentos de baixo custo. É difícil que uma indústria produza losartana a 4 centavos o comprimido e ainda obter lucro, produza hidroclorotiazida para ser vendida ao Governo a 1 centavo ou a 1 centavo e meio e ainda obter lucro. É muito difícil. Um dos motivos da falta de penicilina e benzatina foi a limitação de preço. Hoje temos problemas semelhantes com o fenoterol. Apenas duas indústrias produzem a substância, com prejuízo, só para manter o que a população precisa. Temos um problema hoje com um produto chamado digoxina, que é um cardiotônico, que sofre o risco de ficar escasso. O preço do produto hoje está muito baixo, o que inviabiliza a sua produção. As multinacionais passam a não ter mais interesse nele.
(Segue-se exibição de imagens.)
A Prati-Donaduzzi é uma indústria farmacêutica genuína. É uma empresa familiar. Hoje, dia 3 de dezembro, completa, com muito orgulho, 26 anos de existência no mercado farmacêutico. Somos hoje, em Toledo, no Paraná, mais de 4.400 colaboradores diretos, trabalhando num único site, produzindo medicamentos para a população brasileira. Somos especializados em produção de medicamentos de baixo custo.
Hoje, atendemos praticamente toda a malha do Governo, nas esferas federal, estadual e municipal, com os produtos de cesta básica, produtos baratos. Nossa média de preço hoje é de apenas 9 centavos o comprimido. Temos hoje 365 produtos em comercialização. Atendemos aproximadamente 55 mil farmácias no Brasil e mais de 36 mil UBSs. Elas possuem medicamentos da Prati-Donaduzzi. Atendemos hoje, no total, mais de 23 milhões de pessoas no País — 4,2 milhões delas são diabéticas e 7,8 milhões são hipertensas, e consomem produtos nossos todos os dias.
Somos uma empresa genuinamente brasileira, lutando para sobreviver e trabalhando dia a dia para prover saúde à população brasileira com medicamentos de baixo custo. Nosso grande desafio, nossa razão de existir é promover acesso. Acho que este é o ponto central do tema que estamos discutindo nesta Casa: acesso. Em relação a canabidiol, THC, o custo ainda é muito elevado.
Estou aqui hoje para lhes mostrar um pouquinho do que estamos fazendo em Toledo na área de pesquisa e a nossa visão de futuro. Eu não estou aqui para descredenciar nenhum outro tipo de estudo, nenhuma outra molécula ligada à maconha que seja objeto de estudo. Estou aqui apenas para demonstrar o estudo que estamos realizando, os seus resultados e as nossas visões de futuro em relação ao aumento de acesso para a população brasileira.
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No início do nosso projeto, nós nos deparamos com algumas dificuldades, como acho que aconteceu com todos que passaram por esta Casa. Assistindo a audiências passadas, percebi que todos tiveram e continuam tendo problemas.
Como faríamos, num passado distante, para enquadrar um medicamento à legislação brasileira? Como faríamos para lançar um produto à base de canabidiol atendendo à legislação? Em 2014, nós não tínhamos a menor pretensão nem o poder de mudar a legislação da ANVISA. Bastava que nos adequássemos a ela. Naquele momento, existia um arcabouço legal que dizia que os produtos produzidos à base de maconha — no nosso caso, o canabidiol foi a molécula escolhida — deveriam ser controlados pela Portaria nº 344. Era um produto específico, não necessariamente fitoterápico, que necessitava de estudo clínico. Isso era o que a legislação nos dizia naquele momento.
Tentamos fazer via literatura, tentamos fazer o enquadramento como fitoterápico. Nada foi possível. Depois de n discussões com a ANVISA, nada foi possível. Seguimos o único caminho que havia naquele momento, o estudo clínico. Essa foi a diferença entre o nosso projeto e projetos que algumas outras empresas têm seguido. Escolhemos um caminho que, teoricamente, nos deixou sozinhos naquele momento. Em 2014, várias pessoas que passaram por aqui tiveram iniciativa. Não estávamos unidos para discutir o tema de forma mais ampla, para mudar os caminhos da legislação. Resolvemos apenas seguir a legislação existente naquele momento.
Dando andamento ao nosso projeto, tivemos alguns problemas pelo caminho. Tivemos que nos preocupar com o ingrediente farmacêutico ativo naquele momento. Existe uma padronização, existe uma legislação que rege a produção do medicamento — diz como deve ser um insumo farmacêutico ativo, diz como deve ser a formulação do medicamento, diz qual é a legislação que deve ser atendida.
Seguimos nesse processo, então, ao longo do tempo. Em 2014, para escolher os caminhos que definiríamos como ideais, nós nos debruçamos sobre a legislação e sobre toda a literatura existente. Os dados que vemos nesta imagem são do Web of Science, são recentes, do mês de novembro. Eles dizem que, no mundo, existem 2.972 publicações sobre o tema. Nelas, pasmem, acha-se justificativa para quase qualquer caminho — o uso de um ou outro produto, um medicamento faz mal, outro faz bem. É impressionante o que é possível achar no meio desse arcabouço. O que nos surpreendeu, na verdade, foi que, no caso desses 2.972 artigos, o Brasil não está tão atrasado assim. O Brasil é responsável pela maior parte das publicações mundiais a respeito de Cannabis medicinal. Nós descobrimos que 18% das 629 publicações mundiais em neurociências são do time da USP de Ribeirão Preto.
Começamos então a desenhar um pouco os caminhos a respeito de como deveria ser esse medicamento, atendendo à legislação, atendendo às tendências a respeito de como deve ser esse produto.
O time de pesquisa tinha maiores evidências naquele momento para a epilepsia refratária. Realmente, está mais do que comprovado — concordo com a maioria —, tem efeito sim. O efeito é fantástico. Quando se analisam os pacientes — nós temos muitos pacientes em nosso estudo clínico —, vemos que é fantástica a história de vida dessas pessoas, como o produto mudou a vida delas.
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Decidimos, por uma questão técnica, optar pelo CBD isolado. Sei que existem muitas críticas, mas foi a nossa opção de como seguir com o estudo. Desenhamos todos os protocolos clínicos, e, a partir daí, começou o nosso desafio. Ainda em 2014 começamos a procurar ao redor do mundo fornecedores de matéria-prima para o medicamento. É claro que não existia. Não existiam medicamentos propriamente ditos registrados com estudo clínico. Desenvolvemos nosso primeiro fornecedor de matéria-prima europeu, adequando-nos às regras de boas práticas de fabricação, BPF, exigidas pela ANVISA naquele momento, adequando toda a parte de documentação, a estabilidade de produto e toda a questão de purificação para obter o grau de pureza que tínhamos determinado no escopo do nosso projeto. Isso levou algum tempo.
A partir daí, começamos a desenvolver a nossa formulação, com alguns desafios, é claro, porque o produto tem apenas CBD. Ele tem 99,99% de pureza; ele deveria ser isento de álcool, porque a grande população que necessita desse produto por ter epilepsia são crianças, e o álcool, na formulação, não é bem-vindo para esse público; ele deveria ser de fácil administração; e a tecnologia de produção do medicamento deveria maximizar a absorção dessa matéria-prima pelo corpo humano, porque apenas 6% do total da matéria-prima que uma pessoa ingere é absorvido pelo corpo humano. Nós tínhamos o desafio de aumentar essa absorção de modo que necessitasse de menos produto possível na administração diária para a pessoa e que esse produto fosse estável ao longo do tempo. Esses são os desafios, essas são as necessidades que nós tivemos para desenvolver o medicamento propriamente dito. O pessoal da Verdemed, que tem desenvolvido o produto também, percorre exatamente os mesmos passos do desenvolvimento de um produto e o estudo clínico relativo a ele.
Um pouquinho da cara do nosso produto. Este aqui é o Myalo, fruto de algumas polêmicas. Gostaria de salientar que, embora não nos manifestemos publicamente — nossas manifestações são pequenas e escassas, raras —, nós estamos muito antenados com o que a mídia fala e com o que acontece em todo o contexto que gira em torno desse medicamento hoje.
Vale dizer que, nos estudos clínicos que nós iniciamos no ano de 2015 e 2016 — começamos em fase 1 e hoje nos encontramos em fase 3 —, nós fizemos algumas descobertas científicas interessantes, inclusive com publicações relevantes para o meio. Naquele momento, um artigo publicado na mesma revista, Cannabis and cannabinoids research, dizia que o canabidiol se convertia em THC no corpo humano. Para nós isso era um problema. Quem publicou isso foi uma empresa americana chamada Zynerba, que estava desenvolvendo um produto transdérmico naquele momento, que depois foi reprovado em fase 2. Mas existe um artigo dizendo isso. Esse artigo foi publicado baseado num estudo in vitro. A quem quiser saber como ele foi desenvolvido basta abrir o artigo que está disposição.
Nós desenvolvemos, em fase 1, um estudo do nosso em 120 voluntários humanos e conseguimos comprovar que a nossa formulação, além de estável, não se interconverteu em THC no ser humano. Nosso estudo virou referência agora, inclusive foi publicado recentemente nessa revista internacional que é relevante para o nosso meio.
Descobrimos também, com comprovação em estudo clínico, que, se ele for administrado por alimentação, a absorção do corpo humano chega a ser cinco vezes maior. A meia-vida do medicamento, que é o tempo de permanência dele no organismo, é maior. Tivemos essa descoberta, que também está sendo utilizada e vai ser a referência em bula do nosso produto. Como é o nosso estudo clínico? Hoje se encontra em fase 3. Ele é um estudo clínico para a população pediátrica, de 2 a 18 anos, pacientes portadores de epilepsia. É um estudo clínico multicêntrico, como rezam as melhores práticas de estudo clínico internacionais. Hoje esse estudo clínico está sendo ministrado pela USP de Ribeirão Preto, pela USP de São Paulo e pelo Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba.
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O que temos hoje de medicamentos? Estão todos calejados de saber que nós temos o Sativex, que é o Mevatyl registrado no Brasil, que é quase 50% THC e 50% canabidiol. Conforme sua bula, o Mevatyl é um produto da empresa GW desenvolvido mediante estudo clínico, cumprindo todos os protocolos clínicos. Eles depositaram no Brasil e auferiram o registro aqui no Brasil. Mas a bula dele tem um fato relevante que nos preocupa bastante: ele não é indicado para epilepsia. Isso está na bula do Mevatyl. Há uma explicação da ANVISA, um relato da ANVISA, que está em seu site: ele possui alto grau de THC. Então, o que acontece? Hoje nós temos um outro produto, que também está em fase de estudo clínico no mundo e é da mesma empresa GW. É um produto chamado Epidiolex, que foi recentemente registrado nos Estados Unidos e na Europa. É um produto também isento de THC para epilepsia refratária, mas com foco apenas em duas síndromes da epilepsia refratária, que são a Lennox-Gastaut e a Dravet.
Nosso estudo clínico com o Myalo é para epilepsia ampla refratária. Nós estamos em fase final de estudo, fase 3. Nossos estudos prévios apontam para a redução de 66% das crises de epilepsia. Lembro que os dados que estou apresentando aqui são dados auditáveis disponíveis para qualquer corregedoria, para qualquer perícia judicial, em qualquer meio que seja necessário investigar. Nós temos uma paciente emblemática, cujas iniciais são S.D.A., uma menina de 9 anos que, no período pré-basal, estava sendo tratada com Topiramato e Valproato, ácido valproico. Ela tinha 852 crises por mês. Não preciso dizer para os senhores qual era a condição clínica dessa criança, ela não conseguia sequer conter a urina. Ela foi há 6 meses introduzida no nosso estudo clínico e é hoje nossa paciente emblemática. Mas diga-se: a nossa média é de 66% de redução; essa paciente, com 6 meses de tratamento, veio a zero, não tem mais nenhuma crise, sendo tratada com o Myalo. Ela hoje não tem mais problema de incontinência urinária, ela está na escola, ela está vivendo uma vida quase normal.
Esse é o resultado prévio do nosso estudo clínico com o canabidiol, com o produto chamado Myalo. Esse produto foi recentemente exposto na CPhI Worldwide, que é a feira mais respeitada do setor farmacêutico mundial, em Frankfurt, no mês passado, e nós tivemos 30 empresas, de 39 países, interessadas em licenciá-lo.
Como todos sabem, o Brasil tem os seus entraves. Nós estamos tentando nos adequar a todos esses entraves, mas eu gostaria de trazer um recado a todos aqui: mesmo com as dificuldades, vamos continuar acreditando que é possível. Temos efeito no produto, sim. O que precisamos é de mais iniciativas para desenvolvimento. Nós, na verdade, estamos hoje nos tornando referência mundial, junto com a GW, empresa britânica que também já realizou seus estudos clínicos. Nós temos todos os países interessados, inclusive os países que já têm o produto legalizado. O país com o maior número de interessados é o primeiro da lista que está indexado, os Estados Unidos, e — pasmem! — a Alemanha é o segundo. O Brasil pode fazer a diferença. Nós acreditamos nisso. Permite-me mais 5 minutos, Deputado? Há uma polêmica relativa ao canabidiol sintético que eu gostaria de explanar na sequência. O nosso produto é um produto de origem vegetal purificado que se encontra em fase III. Quais são os desafios de preço desse produto? Hoje o plantio é restritivo, o que encarece o produto, mas a parte mais cara está na purificação, no nosso caso, que é um medicamento. Purificar um produto não é fácil: podem ser necessárias mais de duzentas etapas de purificação. O equipamento utilizado para purificação é um fluido supercrítico da marca Waters. O equipamento custa uma verdadeira fortuna e é pouco produtivo. A partir desses detalhes, nós visitamos também praticamente o mundo todo, visitamos empresas com a tentativa de comprar uma empresa nos Estados Unidos, no Colorado, e chegamos à conclusão de que, pelo meio purificado, nós não íamos conseguir baixar o preço desse produto. Daí, como temos uma farmoquímica ligada ao nosso grupo, tivemos a iniciativa de desenvolver o canabidiol na forma sintética. Nós conseguimos esse desenvolvimento, a nossa indústria existe, esse produto encontra-se em fase I de estudo clínico ainda e está longe de ser lançado. Atenção para este detalhe, que gera muita confusão: nosso estudo clínico do canabidiol de base sintética ainda está em fase I de estudo clínico. Mostro a cara do produto aqui.
16:10
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O que são o canabidiol de origem vegetal purificada e o canabidiol de origem sintética? Vocês conseguem reconhecer os dois? Os dois são um pozinho branco. Eles são exatamente a mesma molécula, exatamente o mesmo produto, só que nós acreditamos que, na forma sintética — esse é o grande desafio do mundo hoje, o grande desafio do Brasil é conseguir viabilizar a indústria farmoquímica —, nós conseguimos a produção em maior escala e com menor custo, possibilitando um medicamento ao preço que a população merece.
Portanto, motivos para o desenvolvimento do canabidiol sintético seriam sobretudo a redução de custo e a escalabilidade: existe pouca disponibilidade de matéria-prima com grau farmacêutico para quem quer desenvolver o produto como medicamento. Nós temos um plano estratégico de desenvolvimento em insumos farmacêuticos ativos no Brasil, e o canabidiol é um deles. Iniciamos este projeto em 2015, e o fato é que neste momento os estudos se encontram em fase I. É fato também que a matéria-prima já existe na forma sintética.
Esta é a foto real da unidade industrial em Toledo, onde é produzido o canabidiol. Essa unidade industrial tem o certificado técnico-operacional da ANVISA. Também nós fizemos apresentação do IFA sintético na CPhI Worldwide, quando vimos metade do mundo se interessar no produto para o desenvolvimento de medicamentos.
Enfim, realmente é difícil fazer inovação no Brasil, mas é possível.
Dr. Ivo, já apresentamos para o senhor no passado, na época da ANVISA, o projeto. Ele está quase se tornando realidade. Registro a nossa expectativa em relação ao Myalo, medicamento à base de canabidiol purificado. O último paciente ingressou em estudo clínico ainda neste mês de dezembro. Nós conseguiremos submeter a registro até o final do semestre que vem e aguardaremos a fase de registro na ANVISA para iniciar a comercialização. Essa é nossa expectativa em relação ao nosso produto. Desculpem-me ter estourado o tempo. Obrigado.
16:14
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Eder.
O Sr. Bernardo Costa pede para fazer uso da palavra agora, mas estamos com limitação de tempo, em função de votação muito importante na Casa. Assim, peço a ele que encaminhe seu pedido de participação a um de nossos Parlamentares, para que seja convidado para uma das próximas reuniões, e lhe agradeço a compreensão.
Indago se os Parlamentares, se a Deputada Natália Bonavides ou o Deputado Assis Carvalho querem fazer uso da palavra.
A SRA. NATÁLIA BONAVIDES (PT - RN) - Sr. Presidente, quero apenas me solidarizar de público com o Deputado Luciano Ducci, que foi alvo de ataques por parte do Ministro Osmar Terra nas redes sociais, com acusações similares às que ele fez aqui na Comissão, dizendo que o Deputado, imaginem, queria liberar as drogas ou coisa do tipo.
Como eu disse ao Deputado, acho que a pior forma de tentar interferir no Parlamento é fazendo um debate desonesto. Nós da Comissão somos as maiores testemunhas do trabalho qualificado e sério que o Relator vem fazendo. Então, repudio as declarações do Ministro e me solidarizo com o Deputado Ducci. Como conversamos antes, vamos seguir nos baseando na melhor ciência para conduzir os trabalhos desta Comissão.
Obrigada, Sr. Presidente, pelo tempo cedido.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - O Deputado Luciano Ducci tem todo o apoio desta Comissão. S.Exa. faz um trabalho muito sério, consistente, equilibrado.
Creio eu que o Ministro Osmar Terra parou no tempo, talvez no final do século passado. O Brasil não tem hoje uma política correta por uma questão ideológica, mas o fato é que não pode o Ministro, não tendo mais argumentos, atacar uma pessoa da índole do Deputado Ducci, que tem o maior respeito deste Parlamento e, reitero, todo o apoio desta Comissão.
Faço minhas as palavras da Deputada Natália Bonavides.
Concedo a palavra ao Deputado Luciano Ducci.
O SR. LUCIANO DUCCI (PSB - PR) - Primeiramente, quero agradecer a todos os Deputados que se manifestaram e à Deputada Natália Bonavides de forma muito especial.
Acho que na verdade tudo isso é uma grande estratégia política. Não é que ninguém esteja atrasado, mas está com o pensamento atual dentro de uma estratégia política de fazer uma promoção política do ser contra, como acontece em várias outras histórias que temos ouvido, como as de que o rock engravida e de que a Terra é plana. Tudo isso faz parte de um mesmo pacote, na minha opinião.
Aqui estamos tratando de um assunto muito sério. Reafirmamos várias vezes a nossa posição, não só a minha, mas a da Comissão de tratar o assunto da cannabis como um assunto de saúde pública, como um assunto de uso medicinal, de uso medicamentoso. O que aconteceu hoje na ANVISA reforça muito a posição e a importância desta Comissão. O que foi lá decidido ficou muito aquém do que todos nós imaginávamos que fosse acontecer hoje. As RDCs discutidas anteriormente já iam muito além do que foi aprovado hoje. Só para se ter uma ideia, já está autorizado no Brasil o uso do medicamento Mevatyl, que tem uma dosagem maior de THC do que de CBD. Esse medicamento, pelo que está escrito, só vai poder ser usado se a pessoa estiver morrendo, devido à dosagem de THC maior do que a proposta. Então, a verdade é que a pessoa com esclerose múltipla só vai poder usar o Mevatyl se estiver morrendo.
16:18
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Houve discrepâncias relativas a essa proposta, como a resolução que faz com que o CBD, o canabidiol que é vendido nas farmácias e até nos supermercados dos Estados Unidos e do mundo todo, seja aqui adquirido com prescrição de receita azul, bem como a de que, quando houver THC, somente em casos extremos, somente se estiver morrendo a pessoa terá acesso ao medicamento. Ora, existem muitas patologias que precisam da combinação do CBD com o THC — o Padilha, o Igor, os pesquisadores que estão aqui e também os produtores sabem disso.
Ou seja, nós podemos produzir o remédio no Brasil, mas não podemos plantar a matéria-prima, temos de importar o extrato de fora. Nós vamos importar o extrato para os laboratórios brasileiros produzirem o medicamento. O remédio vai ser produzido aqui, mas com matéria importada, mesmo nós tendo plenas condições de fazer o plantio, de produzir e de exportar o remédio e também o próprio extrato. Em resumo, estamos fazendo tudo ao contrário do que o bom senso diz.
Talvez a ANVISA tenha aprovado aquilo que ela conseguiu aprovar, não o que o Dr. Dib queria aprovar. Tenho certeza de que o Dr. Dib fazia muitas restrições ao plantio, imaginando a construção de um bunker para isso. Só que agora nem essa possibilidade existe mais.
Creio que esta Comissão, seguindo o plano de trabalho elaborado de contemplar a regulação do plantio, a regulação da produção, a regulação da pesquisa e a regulação da comercialização, estará no caminho certo. Vamos trabalhar bastante para concretizar essas questões.
Quero parabenizar os convidados, o Dr. Ivo, ex-Diretor da ANVISA, a Dra. Camila Teixeira, o Dr. José Bacellar, a Dra. Viviane Sedola e o Dr. Eder Maffissoni, da Prati-Donaduzzi, ressaltando que não fazemos restrições ao CBD sintético.
16:22
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Sempre há um processo a percorrer até que se possa colocar o produto no mercado. Entendo que, seguindo cientifica e tecnicamente todas as condições, vencendo todas as etapas e mostrando que o produto funciona, não há por que não produzir a versão sintética. Não cabe à Comissão proibir a fabricação do medicamento sintético, já aprovado até pelo FDA — vi pelo menos dois medicamentos aprovados na FDA — e também pela agência europeia. Cabe a esta Comissão aprovar a regulação de todo o processo, para que ele seja bom para o País, de modo que o Brasil possa plantar, produzir, comercializar, importar e exportar e até avançar em outras questões importantes no processo de produção.
Tenho duas três questões rápidas.
Em termos de segurança e de plantio de plantas com THC, pergunto a porcentagem adequada da substância na planta, se é 0,2% ou se 0,3%. Nos Estados Unidos é 0,3%, na Suíça é 1%. O Brasil coloca 0,2% de THC, para ser uma planta de baixo THC, ou mesmo sem THC. Indago se têm alguma visão sobre esse número exato, se 0,3%, 0,2% ou 0,1%, bem como sobre a diferença. Quais seriam os níveis de segurança?
Bem, quanto às fases dos estudos, o produto sintético está na fase I, ao passo que o de origem vegeta, purificado, já está na fase III. Creio que foi dito que a previsão para o produto purificado é julho do ano que vem. Qual seria a previsão para o produto sintético ser posto no mercado? E qual seria seu custo no mercado?
Bem, são essas as questões.
Presidente Paulo Teixeira, agradeço a solidariedade. Acho que temos um belo trabalho pela frente. Espero que até o final do mês de março possamos apresentar a base de uma lei nacional que possibilite ao Brasil avançar nesse setor tão importante e atender à demanda dos milhares de pacientes que estão aguardando uma solução para a situação que estão vivendo. Hoje milhares de pessoas já correm atrás e importam o medicamento, e outro tanto aguarda na fila a autorização da ANVISA. A nós cabe trabalhar para resolver todas essas situações.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Deputado Luciano Ducci.
Passo a palavra ao Deputado Eduardo Costa.
O SR. EDUARDO COSTA (Bloco/PTB - PA) - Saúdo o Presidente Paulo Teixeira, por quem tenho enorme respeito, ao Relator, que tem uma grande missão, bem como a todos os convidados.
16:26
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Vou fazer um comentário com base na fala do Relator.
Acredito que houve um lapso temporal muito grande entre a discussão de toda a regulamentação e a aprovação, no dia de hoje, desses quesitos. É lógico que existe uma larga defasagem no que diz respeito ao que a população, ao que os pacientes esperam: isso não supre a necessidade de grande parte dos pacientes que não têm recursos, que não têm dinheiro para comprar um medicamento de tão alto custo. Acredito que a legislação que hoje vimos aprovada não vai resolver esse problema, mas, como eu sempre digo, é um processo, e o primeiro passo já foi dado no sentido de ao menos desmistificarmos um pouco a questão. Teremos medicações, e isso vai beneficiar os grandes laboratórios e as empresas multinacionais, que terão autorização para importar e produzir seus medicamentos aqui, mas ainda não vai resolver o problema de grande parte da sociedade.
Nunca esta Comissão foi tão importante quanto está sendo no dia de hoje, com a aprovação que nos mostrou o limite a que a ANVISA conseguiu chegar. Vamos ter condições de criar um novo marco regulatório, que poderá ser totalmente alterado de acordo com a sensibilidade, com a vontade, com a dedicação desta Comissão.
Deputado Luciano, nós temos que ter coragem e examinar o que ocorre em âmbito mundial. Não podemos ter nenhum tipo de receio que nos impeça de realmente beneficiar a sociedade. Construir algo para o proveito da sociedade é o objetivo desta Comissão, cuja importância, mais do que nunca, reforço. Que possamos continuar trabalhando nesse sentido.
Meus parabéns ao Relator!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Não havendo mais inscritos, minha sugestão é que façamos uma última reunião desta Comissão na próxima terça-feira e que estabeleçamos, no mês de fevereiro, um debate sobre a decisão da ANVISA, o ponto de partida da normatização. Vamos debater a decisão com a sociedade e entender o que foi positivo e o que faltou na normatização, que é o que nós teremos que fazer.
16:30
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De certa forma, acho que é um fato que este grupo de trabalho também ajudou a que se chegasse a um resultado. Essa normatização não vem do nada. Ela estava paralisada, e este grupo de trabalho, com os seus debates, ajudou nessa regulamentação, que, eu repito, é limitada. Espero que nós possamos ampliá-la a partir deste debate. Que o mês de fevereiro seja dedicado a essa ampliação, a esse debate sobre a regulamentação da ANVISA.
Nós também vamos tentar fazer uma visita à Colômbia e possivelmente a Israel, para ver como é a regulação desses dois países. E pedimos que sejam distribuídas as traduções das regulações do Chile e do Peru, que foram deixadas aqui por um dos participantes.
Eu agora indago se alguém da Mesa quer fazer as suas considerações finais.
No e-Democracia, há duas perguntas.
O Sr. Carlos Massari pergunta: "Se o plantio da Cannabis medicinal não for liberado no Brasil, os doentes serão considerados 'foras da lei, criminosos' por adquirirem o óleo caseiro que cura dos traficantes, que certamente vão começar a produzir o óleo?"
O Tiago Silva pergunta: "Se o uso medicinal da Cannabis proporciona ao organismo o retorno ao funcionamento 'normal', equilibrado, não é contraditório classificá-la como droga? Sendo as drogas todas as substâncias que alteram o funcionamento normal do organismo, o uso abusivo de qualquer substância é droga?"
Essas são as perguntas. Vou passar a palavra aos que dela queiram fazer uso para as respostas e as considerações finais.
Indago à Sra. Viviane Sedola...
O SR. ASSIS CARVALHO (PT - PI) - Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Tem a palavra o Deputado Assis Carvalho.
O SR. ASSIS CARVALHO (PT - PI) - Eu só quero me somar às falas da Deputada Natália Bonavides e de V.Exa. e registrar nossa solidariedade ao nosso Relator, o Deputado Luciano Ducci. Acho um absurdo o que fez o membro do Governo. Ele pode até discordar, mas tem que ter elegância e respeito com esta Casa, com este Parlamento. O Deputado tem sido muito equilibrado, muito cuidadoso, e não é justo que esteja sendo agredido. Isso até me surpreende, porque a agressão partiu de alguém que foi um Parlamentar aqui também. Ele pode ter suas posições de extrema-direita, mas não tem o direito de agredir qualquer membro desta Casa, em especial desta Comissão.
Então, eu só queria me solidarizar com o Relator e parabenizá-lo pelo seu equilíbrio, pela sua tranquilidade, pelo seu cuidado com este trabalho tão sério. Nós sabemos que há vários interesses por trás disso. Muitos não querem a regulamentação porque têm outros interesses, inclusive se beneficiam do tráfico.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Deputado Assis.
Duas pessoas fizeram perguntas pelo e-Democracia.
Vou devolver a palavra àqueles que fizeram parte da Mesa, ainda que estejam agora na bancada. Vamos seguir a ordem.
Concedo a palavra ao Sr. Ivo Bucaresky, para as respostas e considerações finais.
O SR. IVO BUCARESKY - Obrigado, Deputado Paulo Teixeira.
Primeiramente, respondo à pergunta do Deputado Eduardo Costa, sobre 0,2% ou 0,3% de THC. Vou explicar como nós chegamos a isso na ANVISA. Devemos lembrar que essa agenda da Cannabis medicinal apareceu em 2015, a partir de uma pressão das famílias. Gosto sempre de repetir que a discussão da Cannabis medicinal é totalmente diferente do que costuma ser a discussão de qualquer medicamento na ANVISA, porque essa foi uma demanda que veio da sociedade civil para a agência, e não que partiu do setor regular da indústria farmacêutica ou do próprio Governo, como costumamos ver em outros assuntos.
16:34
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Portanto, foi um debate completamente diferente e, na minha opinião, muito interessante. Na época, nosso conhecimento era muito pouco. Quando nós fomos discutir essa questão de quantidade de THC possível, vimos que tinha uma regulamentação de 0,2%, de 0,3% e outra opções. Não tínhamos o devido conhecimento técnico e, como é uma tendência natural da ANVISA optar pela regra mais conservadora — na dúvida, ela opta pelo modo mais conservador, para evitar riscos —, na época nós optamos por 0,2% como limite. Mas isso não está escrito em pedra. Não necessariamente a ANVISA tem que seguir essa regra. Ela pode depois, com novos conhecimentos científicos, avaliar se o índice pode ser de 0,3% ou qualquer outro maior.
Eu acho muito estranho que, como o Deputado falou, a questão de só se permitir o uso acima do 0,2% de THC para doentes terminais esteja numa RDC. Isso pode constar numa bula de medicamentos, numa análise de um medicamento determinado, mas uma resolução já deixar o uso proibido ou limitado é muito estranho. Eu acho que isso tem que ir para a ANVISA, para a área técnica avaliar, caso a caso, cada medicamento e dizer quais são os usos.
Volto a repetir: a ANVISA é uma das agências sanitárias mais competentes do mundo. A nossa equipe técnica tem toda a qualificação para analisar cada medicamento e falar sobre seus limites, usos, eficácia e segurança. Nós não precisamos ter uma RDC definindo esse tipo de limite. Isso tem que ser avaliado pelo corpo técnico caso a caso. O que a RDC tem que fazer é definir alguma condição específica. "Ah, como nós temos um caso em que há vários usos e a fase 3 de pesquisa clínica não está terminada, vamos aproveitar a literatura científica, pegar medicamentos já autorizados lá fora e trazê-los aqui para irmos permitindo o acesso a eles até que esse conhecimento seja consolidado". Foi o que o Canadá, por exemplo, fez: "Vamos consolidando o aprendizado e, com o tempo, avaliando e reavaliando as análises clínicas, para vermos o que pode e o que não pode ser registrado". Na verdade, já existem muitos medicamentos cujo uso, após a fase 3, na chamada fase 4, que é quando o medicamento vai para o mercado, se avaliou que devia se restringir a determinados casos ou, inclusive, ampliar. Há muitos casos de medicamentos para os quais se descobriram novos usos ao longo da história.
Eu acho que isso é o que temos que fazer com a Cannabis. Eu acho que não temos que limitar. Eu estranho um pouco a RDC. Tenho ainda que a ler com calma, mas, pelas primeiras notícias que nós temos, ela acabou sendo bastante limitada.
E quero lamentar que a ANVISA não tenha autorizado o plantio, que permitiria que tivéssemos um ganho sanitário e econômico muito grande no País. Eu acho que essa é uma questão que nós vamos ter que debater mais vezes — e talvez esta Casa é que tenha que fazer isso.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Dr. Ivo Bucaresky. Agradecemos a presença e as contribuições.
Passo a palavra para a Sra. Camila Teixeira, para as suas considerações finais e as respostas que possa eventualmente dar às perguntas feitas.
A SRA. CAMILA TEIXEIRA - Meus comentários ficam aqui para reflexão, nessa perspectiva de curto prazo, até que se estabeleça como vamos operar, como vamos responder aos pacientes que hoje já fazem uso, muitas vezes tendo acesso no Brasil, pelas associações, ou tendo acesso aos produtos importados, que, sim, hoje estão conforme o mercado dos Estados Unidos, que têm produtos com 0,3% de THC. Esse é um ponto que preocupa, num primeiro momento, esses pacientes, porque eles naturalmente vão ser impactados no curto prazo. Sem dúvida alguma, o debate sobre este tema é muito importante.
16:38
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Também gostaria de colocar que essas tantas empresas que trouxeram até hoje uma contribuição na perspectiva de acesso naturalmente vão se adequar a essa nova realidade. Sabemos da importância desse protagonismo, com seus diversos players, e, naturalmente, como qualquer história que está sendo iniciada, tendemos a seguir esse fluxo de adaptação e adequação.
Acho que estamos com o desafio de melhorar o que está sendo colocado e debatido para impactar de forma positiva a qualidade de vida dos pacientes. Quanto mais pudermos trazer, em termos de robustez, de contribuição para essa solução que vocês vão apresentar, melhor ela será sistemicamente.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Agradeço as suas contribuições.
Passo a palavra ao Sr. José Bacellar.
O SR. JOSÉ BACELLAR - Eu concordo com o Ivo na questão do 0,2% ou 0,3%. A postura da ANVISA foi conservadora à época, naturalmente, uma vez que é papel de uma agência reguladora preservar a nossa saúde e cuidar da saúde de toda a população. O que é hoje em geral aceito é o índice de 0,3%, que é o que os Estados Unidos adotam, a Colômbia adota, o Peru adota. Acho que o índice faz diferença, como ressaltou a Camila, porque, se for de 0,2%, significa que não podemos mais trazer produtos dos Estados Unidos e também vamos ter dificuldade na venda de matéria-prima para lá.
Com relação ao tema da segurança, Deputado, na Colômbia, tudo começa no registro da semente. Há um processo, determinado por lei, por meio do qual as empresas têm que fazer o registro do DNA das sementes. No Ministério da Agricultura, o que as empresas se propõem a plantar... E essas sementes são importadas. Num primeiro momento, se permitiu o uso de sementes indígenas e, depois, a importação. Então, começa o processo de separação nesse ponto. No cultivo, as áreas com teores de THC bem maiores, 10%, 11%, 18%, são cercadas por duas cercas, uma externa e uma no perímetro interno, e são vigiadas por carros e por câmeras. Todo o processo de transporte da matéria-prima é feito com segurança, como no Canadá.
Quanto ao tratamento do cânhamo, ele é uma cultura como a da soja. Por exemplo, nos Estados Unidos, há o cânhamo legal e o cânhamo ilegal. O cânhamo legal nos Estados Unidos é aquele cujas sementes os produtores tomaram o cuidado de registrar, sendo possível rastreá-las até a prateleira. Essa é a única exigência. Hoje, nos Estados Unidos, quando o paciente escaneia os produtos que nós fabricamos, ele tem acesso a um relatório de controle de qualidade na Internet e pode conhecer a origem dessa matéria-prima.
Então eu acho que é possível, sim, legislar, regular e fiscalizar, porque os plantios são muito distintos, e a área industrial também é muito diferente.
Eu agradeço muito o convite.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado pelas suas contribuições.
Passa a palavra à Sra. Viviane Sedola, para suas considerações finais e eventuais respostas que possa dar às perguntas que foram formuladas aqui.
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A SRA. VIVIANE SEDOLA - Seguindo ainda a linha de raciocínio do Ivo Bucaresky, eu entendo que, em relação à Cannabis medicinal, já há produtos em fase 4. Nós temos milhares de pacientes que já fizeram uso, e o consenso mundial é que é muito seguro. Não existe nenhum caso de óbito por abuso de Cannabis. Então, já estamos em uma fase posterior.
Quero lembrar — sempre repetimos isto na Dr. Cannabis — que a informação é o melhor remédio. Então, o fato de amanhã o médico ter a possibilidade de prescrever um medicamento para uma criança com epilepsia refratária não quer dizer que ele se sentirá compelido a fazê-lo e não quer dizer também que esse paciente vai se sentir seguro nesse momento. É isso que vemos na prática hoje. O médico não sabe quem é o paciente que está do outro lado, qual é a sua visão política, e, com tantas influências, como já foi até citado aqui, essa pode ser uma questão.
Então, eu chamo atenção para a iniciativa do Uruguai de criar o IRCCA, se eu não me engano, que é um órgão para trazer informação, para educar tanto médicos como pacientes. Considerando a enormidade de pesquisas que temos hoje em andamento sobre o tema e as novidades que vão surgir, talvez faça sentido termos algum órgão ou algum grupo dedicado a acompanhar essa evolução, para que a nossa regulação também evolua no mesmo ritmo.
Essas são as minhas sugestões.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Dra. Viviane Sedola. Agradeço as suas contribuições.
Passo a palavra ao Sr. Eder Fernando Maffissoni, para as considerações finais e eventuais respostas às perguntas formuladas aqui.
O SR. EDER FERNANDO MAFFISSONI - Eu acho que não são muitas as considerações.
Concordo plenamente com o Dr. Ivo: cada medicamento tem sua característica e sua aplicação. Não faz sentido nenhum restringirmos por moléculas. Nós do grupo Prati-Donaduzzi investimos e doamos um prédio para a USP de Ribeirão Preto com o intuito exclusivo de pesquisa em canabinoides. Esse prédio está por inaugurar agora no próximo ano. Não faz sentido nenhum haver qualquer tipo de restrição à pesquisa de molécula A ou B, desde que ela tenha aplicação terapêutica.
Respondendo às perguntas do Deputado Ducci, a previsão do sintético depende ainda de algumas definições em relação a qual terapia será abordada, se se continua mesmo com epilepsia ou não, mas, seguindo os passos e as características da pesquisa clínica anterior, que são basicamente os mesmos, essa análise, na etapa em que se encontra, duraria em torno de 3 anos.
A questão de custo é um dilema. Existem muitos equívocos em relação a custo desse medicamento. Eu ouvi muitas críticas ao Mevatyl — vou advogar em prol do meu próprio concorrente —, que hoje é encontrado à venda na 4BIO por 2.719 reais. Esse é o preço exato do Mevatyl hoje na 4BIO. Ele possui, na sua composição, exatos 1.560 miligramas de ativo por frasco. Diga-se: cada miligrama de ativo custa 1 real e 74 centavos. Existe um produto sendo vendido no Brasil hoje por 200 reais. Muita gente compara esses preços no intuito de mostrar que o Mevatyl é um produto caro demais. Ora, esse produto de 200 reais tem 20% de extrato na sua composição. Nós tivemos o capricho de pegar esse óleo e dosar. O que realmente há ali dentro? O que encontramos nesse óleo que custa 200 reais? Nós encontramos, entre CBD, THC e CBN, 128 miligramas, custando 200 reais, ou seja, 1 real e 56 centavos por miligrama de ativo que está dentro.
Então, não são coisas comparáveis. Quando comparamos o produto que custa 200 reais com o que custa 2.700 reais, nós não estamos comparando a mesma coisa. As concentrações são diferentes. No nosso estudo clínico, podemos ter uma criança reagindo com 2 miligramas ou 3 miligramas por quilo por dia na sua posologia, como nós podemos ter pacientes mais complexos, com mais idade, que precisam de 25 miligramas por quilo por dia. Portanto, o preço é um tabu. Mesmo os produtos que estão sendo vendidos a 200 reais no Brasil têm preço equivalente ao do Mevatyl quando se compara o custo por miligrama de insumo farmacêutico ali dentro.
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Além disso, no caso do Mevatyl, paga-se imposto. Esse é um problema em que o Brasil precisa pensar também. São quase 37% de carga tributária. Medicamentos para câncer, na grande maioria, são isentos. Precisamos, Deputados, pensar na isenção tributária desse produto para melhorar o acesso a ele. Se o produto já é caro assim, mesmo no caso desse medicamento de 200 reais o frasco, se a criança precisar de 25 miligramas por dia para conter a epilepsia, ela vai tomar um frasco em quanto tempo? A cada 2 dias?
Então, o preço é um tabu, e existe muito equívoco com relação a isso. O canabidiol não é de forma alguma barato, em qualquer lugar do mundo. O que não podemos é comparar laranjas com bananas. Portanto, quanto à estimativa de preço, é um produto que não é barato. O desafio é muito grande. A tributação é altamente impactante, principalmente em Estados que têm substituição tributária, porque isso aumenta ainda mais a carga em relação aos 37% da carga tributária.
O preço é um grande tabu para todos, mas o paciente não pode esperar. Hoje, com os preços em que os medicamentos se encontram, um paciente severo que precise de 25 miligramas por dia, seja nesse frasco de 200 reais, seja no de 2 mil reais, vai gastar 5 mil reais por mês. Isso é restritivo. Precisamos pensar em mais formas de tornar esse produto acessível à população. A mais próxima eu diria que é a questão tributária. Quanto a isso esta Câmara tem como agir de imediato, e assim já se reduziria em quase um terço o custo do medicamento.
Então, o preço realmente é alto em todas as formas. Não existe forma barata de canabidiol, existem concentrações diferentes.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Sr. Eder Maffissoni.
Agradeço a todos e todas que acompanharam esta sessão, presencialmente ou pela Internet. Agradeço também às Sras. Deputadas, aos Srs. Deputados, ao Sr. Relator. Agradecemos imensamente aos que vieram fazer as suas exposições.
Nada mais havendo a tratar, convoco reunião ordinária para o dia 10 de dezembro de 2019, terça-feira, às 14 horas, em plenário a ser posteriormente informado, com a seguinte pauta: audiência pública com a participação da OAB, do Ministério da Justiça e de operadores do direito.
Está encerrada a presente reunião.
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