1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional
(Mesa Redonda)
Em 6 de Novembro de 2019 (Quarta-Feira)
às 14 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
15:06
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Bolsonaro. PSL - SP) - Boa tarde a todos os presentes.
Informo que esta sessão vai ficar registrada também na Internet, através de transmissão ao vivo que a Câmara dos Deputados disponibiliza.
Em nome da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, dou as boas-vindas aos nossos convidados, que gentilmente aceitaram o convite para participar deste importante debate. Dou as boas-vindas igualmente aos Srs. Parlamentares e ao público aqui presente.
Informo que foram chamados para atuar como debatedores nesta mesa-redonda os seguintes convidados, os quais já convido a compor a Mesa: Deputado Eduardo Barbosa, Ouvidor-Geral da Câmara dos Deputados e ex-Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (palmas) — já é prata da Casa; Sr. Johann Georg Michael Witschel, Embaixador da República Federal da Alemanha no Brasil (palmas) — tivemos a satisfação de nos encontrar, no passado, além de reuniões bilaterais, eu lembro ainda, em um jantar oferecido pelo Embaixador da Espanha, na sua residência, e também no encontro da CNI em Natal, mais recentemente; Prof. Carlos Federico Domínguez Avila, doutor em História e professor da UNIEURO (palmas); e Prof. Paulo Velasco, doutor em Ciência Política e professor adjunto de Política Internacional da UERJ. (Palmas.)
Destaco que a iniciativa para realizar esta mesa-redonda é do Deputado Nilson Pinto, que presidiu, com muita competência, esta Comissão Permanente no ano passado.
Pretende-se, nesta tarde, refletir acerca dos 30 anos da queda do Muro de Berlim e seus impactos na ordem internacional. A derrubada daquela barreira física, iniciada no dia 9 de novembro de 1989, representa, sem dúvida, um dos mais relevantes e marcantes acontecimentos da história recente, com impactos geopolíticos significativos. Alguns deles serão singularizados nesta mesa de debates, tais como: o fim da Guerra Fria e o redesenho da ordem internacional; a Europa pós-Muro de Berlim, uma união em construção; como o Brasil acompanhou a derrubada do muro e as suas consequências; os impactos da queda do Muro de Berlim na geopolítica internacional contemporânea.
Antes de dar início às exposições, esclareço aos senhores convidados e aos Srs. Parlamentares que a reunião está sendo gravada para posterior transcrição, e por isso solicito que sempre falem ao microfone.
Informo ainda que a reunião está sendo transmitida em tempo real pela Internet, bem como está sendo gravada para inserções na grade de programação da TV Câmara, alcançando um público bastante expressivo em todo o Brasil.
Após a exposição dos convidados, abriremos para as perguntas. Oriento os que desejarem participar dos debates a se inscrever com a assessoria da Comissão. Eu serei um deles.
Antes de passar a condução dos trabalhos ao Deputado Nilson Pinto, permitam-me fazer algumas considerações sobre tão simbólico acontecimento, a queda do Muro de Berlim.
No dia 13 de agosto de 1961, os alemães de Berlim Oriental despertaram cercados. O que começou com um alambrado tornou-se um muro de separação e converteu a cidade da Alemanha comunista numa ilha rodeada por uma imensa prisão.
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Em 9 de novembro de 1989, 28 anos depois, o comunismo ruía e com ele o Muro de Berlim. Incapazes de frear as mudanças que culminariam com a dissolução da então União Soviética, os comunistas, por trás da Cortina de Ferro, assistiram à derrubada de um símbolo da repressão e da contenção das liberdades.
A queda do Muro de Berlim encaminhou o fim da Guerra Fria com o colapso da União Soviética e, um após outro, dos seus satélites na Europa do Leste, mas também distante dele, como Cuba, que esteve no centro da principal crise desta época, a Crise dos Mísseis de 1962, que deixou o mundo muito próximo da Terceira Guerra Mundial.
O colapso do comunismo, na esteira da queda do Muro de Berlim, também nos ensina muito acerca de um modelo de governo que não funcionou em lugar algum e que, contraditoriamente, enaltecia governos “democráticos” que, na verdade, não passavam de Estados totalitários. Estados estes que subjugavam seus cidadãos e os condenavam em nome de uma ideologia fracassada.
Entre 13 de agosto de 1961 e 9 de novembro de 1989, 86 pessoas foram assassinadas quando tentavam cruzar do lado oriental para o lado ocidental de Berlim. Esse número poderia chegar a quase 300, sem contar aqueles que foram afetados diretamente pela imposição comunista e morreram de desgosto.
O Muro de Berlim é resultado da Operação Rosa, implementada pelo então ditador comunista Erich Honecker, numa decisão desesperada por conter os orientais que buscavam melhores condições de vida do lado ocidental. Honecker ordenou que 10 mil pessoas construíssem o muro.
Ele também foi o grande responsável pela implementação do sistema cultural do Estado-Partido, onde educação e propaganda raramente se diferenciavam.
A queda do Muro de Berlim começa com os movimentos na Hungria em 27 de junho de 1989, quando os Ministros de Relações Exteriores desse país e da Áustria reúnem-se em Sopron, na fronteira entre os dois países, e cortam, juntos, um pedaço da cerca que os separava.
É importante observar que o último grande líder soviético, Mikhail Gorbachev, não deu a liberdade aos países do leste, estes a tomaram. A decisão da Hungria desencadeou o início do fim.
Destaco aqui também a presença do Embaixador Zoltán, com quem temos uma próxima relação. Muito obrigado pela presença, Embaixador.
O número de alemães orientais que cruzaram a sua fronteira para chegar à Áustria colapsou ante o elevado fluxo de imigrantes que não se tinha como conter.
Antes mesmo da queda do Muro, cerca de 616 mil pessoas abandonaram a Alemanha Oriental e menos da metade o fez através de processos legais. Enquanto Honecker vaticinava que o Muro de Berlim duraria 100 anos, crescia vertiginosamente o número de pessoas que abandonavam o seu país e outros como a então Chescoslováquia e a própria Hungria.
Com a União Soviética em ruínas, Erich Honecker cai e, logo, é preso para responder por haver ordenado disparar contra aqueles que desafiavam o regime, o último deles o jovem Chris Gueffroy, em fevereiro de 1989. Ele morreria no exílio em maio de 1994, no Chile.
Também não podemos esquecer o papel desempenhado pela Stasi, a polícia política do regime comunista alemão oriental. Do terror à perseguição de todo aquele que não rezasse na cartilha comunista, a Stasi foi o monstro onipresente que atuava de acordo com suas próprias regras.
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Nenhum país ou regime vivenciou, na prática e tão bem, o mundo desenhado por George Orwell, no livro 1984, como a Alemanha Oriental. E a Stasi representava o Big Brother, o Grande Irmão imaginado por Orwell, dispondo de uma parafernália de câmeras e escutas que espionavam todos, absolutamente todos, incluindo os membros do próprio regime.
De acordo com o escritor e jornalista Joseph Koehler em seu livro Stasi: the untold story of the East German secret police ou Stasi: a história não contada da polícia secreta da Alemanha Oriental, em 1989, a Stasi empregava 90 mil agentes e mantinha 175 mil informantes para monitorar 17 milhões de habitantes. Havia um espião para cada 63 habitantes da Alemanha Oriental. Apenas a título de ilustração, a Gestapo nazista contava com cerca de 40 mil oficiais para vigiar 80 milhões de pessoas. E estamos nos referindo à então República Democrática da Alemanha.
A queda do Muro de Berlim representou a libertação da Europa do regime comunista, mas, hoje em dia, vemos que certas práticas ainda vigoram, como na Venezuela, onde as pessoas são perseguidas por uma polícia secreta do regime chavista, ou em Cuba, onde não há liberdade nem democracia. Hugo Chávez tratou de exportar a sua Revolução Bolivariana para outros países, como Nicarágua, El Salvador, Equador e Bolívia.
E estamos assistindo a como estes países, que mantém os laços com o socialismo do século 21, encontram-se. El Salvador e Equador, livraram-se das amarras do comunismo e vão, pouco a pouco, construindo estabilidade. Os demais continuam afundando e relegando seus cidadãos a uma história sem futuro.
Dessa maneira, passo agora então a condução dos trabalhos ao ilustre Deputado Nilson Pinto, proponente da realização desta mesa-redonda, a quem parabenizo pela iniciativa.
Que tenhamos todos uma excelente tarde de debates!
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Boa tarde a todos. Quero cumprimentar os nossos palestrantes, os membros desta mesa-redonda, agradecendo a cada um pela aquiescência ao nosso convite para participar desse debate certamente muito importante.
Antes de passar a palavra aos nossos expositores para que possam se apresentar, eu gostaria de fazer algumas brevíssimas considerações.
Primeiro, eu quero registrar a minha satisfação pessoal por estarmos realizando hoje esta mesa-redonda, em alusão aos 30 anos da queda do Muro de Berlim. Na qualidade de Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-Alemanha, e por ter tido a grata satisfação de ter estudado por 4 anos naquele país, a Alemanha, na mesma universidade em que estudou o meu nobre amigo Embaixador da Alemanha, em pleno auge da Guerra Fria, para mim é muito especial e gratificante poder fazer o balanço de como está o mundo hoje, após a queda das barreiras que dividiam não só a Alemanha, mas também o mundo.
Há 30 anos, no dia 9 de novembro de 1989, o Muro de Berlim, um dos principais símbolos da Guerra Fria, foi posto abaixo de forma pacífica, inaugurando um período que, acreditava-se, seria extremamente promissor para todo o mundo.
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Permitam-me contextualizar, de forma didática, o que foi o Muro de Berlim: uma construção física, com 155 quilômetros de extensão e altura de até 4,20 metros em alguns trechos. Foi erguido da noite para o dia. No dia 13 de agosto de 1961, os berlinenses despertaram com uma cerca que os impedia de cruzar para o lado ocidental. O muro não dividia as duas Alemanhas, como muitas vezes as pessoas ainda pensam. Eu encontro aqui e ali pessoas que acham que o muro dividia as duas Alemanhas, mas não dividia. O muro circundava a cidade de Berlim, que se encontrava dentro do território oriental, isolando, portanto, o setor, aliado do restante do território. Era um enclave ocidental e capitalista dentro do território da Alemanha Oriental.
A fronteira entre Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental é uma outra coisa. Tem cerca de 1.400 quilômetros de extensão. Vinha lá do norte da Baía de Lübeck até próximo de Hof, na fronteira com a Tchecoslováquia. Então, é bem diferente do que era o Muro de Berlim. Apenas na Região Metropolitana de Berlim, o muro tinha 43 quilômetros de comprimento e, ao longo de seu percurso na cidade, interrompia 8 linhas de trens urbanos, 4 de metrô e 193 ruas e avenidas. Em sua extensão, atravessava 24 quilômetros de rios e cruzava 30 quilômetros de bosques.
Nos 28 anos em que o Muro de Berlim separou os blocos capitalista e comunista, houve — já foi dito aqui — 5.075 fugas bem-sucedidas, apesar de uma vigilância 24 horas por dia, realizada por soldados armados, em mais de 300 torres de observação. O número de vítimas fatais ficou entre 270 e 1.065, dependendo da fonte consultada. O fato é que os soldados estavam autorizados a impedir qualquer fuga, usando todos os recursos disponíveis.
Trata-se, sem dúvida, de um dos principais símbolos da Guerra Fria. A sua derrubada, consolidada em 13 de junho de 1990, ao final, marcava o início de uma nova era, uma era sem muros, sem cercas, sem barreiras físicas e com a liberdade de circulação de pessoas e bens. Pelo menos assim se pensava. O mundo via romper-se, definitivamente, a ordem bipolar, para ingressar no sistema multilateral de concertação política.
No entanto, o que vemos hoje, passadas três décadas da queda do Muro de Berlim, há algo diferente. Eu queria chamar atenção para isso e colocar como ponto de provocação para os nossos expositores, para os nossos debatedores.
O que se vê, na verdade, hoje é um mundo voltado para dentro de si, com retorno do nacionalismo em detrimento do internacionalismo.
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Poucos sabem, poucos se dão conta, mas, dentro de alguns anos, a Europa poderá concentrar mais muros, cercas e barreiras do que jamais houve durante a Guerra Fria. Hoje temos separações entre a Grécia e a Macedônia; entre a Macedônia e a Sérvia; entre a Sérvia e a Hungria. Recentemente, a Eslovênia deu início à construção de uma cerca na fronteira com a Croácia. A antiga Iugoslávia está dividindo-se toda, separando-se, isolando-se com muros, com cercas. Os austríacos mantêm cercas entre si e a Eslovênia; a Suécia ergueu barreira para impedir a migração vinda da Dinamarca, enquanto a Estônia, a Letônia e a Lituânia estão fortificando suas fronteiras defensivas com a Rússia.
Não é apenas na Europa que está acontecendo isso. Os Emirados Árabes Unidos construíram uma cerca ao longo da fronteira com Omã, e o Kuwait seguiu o exemplo na fronteira com o Iraque. O Iraque e o Irã, que nos anos 80 travaram uma guerra de 8 anos, mantêm uma divisão na fronteira comum. O Irã também construiu uma barreira de 700 quilômetros na fronteira com o Paquistão.
Na Ásia, o Uzbequistão, um país sem litoral, fechou-se completamente em relação aos seus cinco vizinhos: Afeganistão, Tadjiquistão, Cazaquistão, Turcomenistão e Quirguistão. Barreiras separam o Brunei e a Malásia; a Malásia e a Tailândia; o Paquistão e a Índia; a Índia e Bangladesh; a China e a Coreia do Norte; esta e a Coreia do Sul. A todas essas barreiras, acrescentamos o imponente muro de separação entre Israel e Palestina, com todos os seus simbolismos e efeitos práticos.
Eu citei muitos muros, nem vou abordar o muro entre os Estados Unidos e o México, tão comentado por todos. É mais um dos tantos que estão sendo ou já foram erguidos. No entanto, não são esses muros físicos que me parecem os mais relevantes. Preocupam-nos os muros que ganham força com a onda nacionalista em todo o mundo. Esta é uma visão pessoal. Essa onda nacionalista é que coloca em risco o multilateralismo, a cooperação e a fraternidade entre os povos. As barreiras físicas são lamentáveis, mas aquelas que estão a dominar o mundo alimentando o isolacionismo são ainda mais tristes. O mundo imaginado a partir da queda do Muro de Berlim deveria ser integrado, diverso, onde as diferenças deveriam unir ao invés de separar.
Ao celebrarmos os 30 anos da queda de um símbolo da Guerra Fria, devemos ter em mente a importância da temperança nas relações internacionais, com foco naquilo que nos aproxima, e não naquilo que nos divide. Vivemos uma época de crises e conflitos que cobram serenidade e diálogo, em prol de algo muito maior que os projetos ideológicos ou de poder. Não podemos esquecer jamais que o Muro de Berlim foi posto abaixo de forma pacífica e que a Guerra Fria só chegou ao fim graças a doses enormes de sensatez, que está faltando em muitas partes do mundo.
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Gostaria de finalizar esta breve introdução destacando que este evento também marca algo muito importante para quem trabalha na área das relações internacionais no Brasil: marca o 15º aniversário de fundação do InfoRel — Instituto de Relações Internacionais e Defesa, dedicado a informações e análises dos temas geopolíticos estratégicos.
Sediado em Brasília e criado pelo competente jornalista Marcelo Rech, que está ali, o InfoRel já realizou coberturas especiais em mais de 30 países, incluindo regiões conflagradas, e já organizou, em cooperação, dezenas de eventos, como seminários, audiências públicas e mesas-redondas, aliando a produção do conhecimento com a discussão dos principais temas que afetam as nossas relações internacionais e de defesa.
O InfoRel nos ajudou a organizar esta mesa-redonda — por isso, a citação especial. Parabéns ao trabalho do Marcelo nessa área tão importante. (Palmas.)
Feitas essas breves considerações, passarei a palavra agora aos nossos ilustres convidados, a quem agradeço a presença e o apoio para a concretização deste evento.
Gostaria de passar a palavra inicialmente para o nosso companheiro ex-Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Brasil/União Europeia, o nosso colega Deputado Federal Eduardo Barbosa.
O SR. EDUARDO BARBOSA (PSDB - MG) - Boa tarde a todos. Para nós é uma satisfação muito grande poder estar aqui ao lado do Embaixador, ao lado dos nossos acadêmicos, nesta iniciativa do Deputado Nilson Pinto, que é membro da Comissão de Relações Exteriores, mas foi seu Presidente no ano anterior e também, com muita alegria, no nosso entendimento, assumiu a Presidência do Grupo Parlamentar de Amizade Brasil/Alemanha.
Isso tem um sentido não só porque ele teve um período de formação na Alemanha, que trouxe para nós, enquanto Comissão de Relações Exteriores, uma visão daquele que lá viveu e estudou e está em mãos realmente competentes para poder ser um facilitador da aproximação, ainda mais competente, desses nossos dois países.
Eu, antes de fazer o meu pronunciamento efetivo e formal, queria também expressar o meu sentimento, a minha percepção daquilo que eu pude ver numa visita que fizemos, enquanto Presidente da Comissão de Relações Exteriores, à Alemanha, a convite do governo alemão, quando aqui saiu um grupo de Parlamentares na missão de podermos ver de perto uma das grandes proposições de ousadia da Alemanha como exemplo para o mundo inteiro: o investimento na energia limpa. Tivemos ali a oportunidade de visitar diversas universidades. Também, conversando com o cidadão comum, percebemos o quanto a Alemanha define, nos seus objetivos, algumas visões que são incorporadas numa cultura do País. E todos os alemães se sentem responsáveis por alcançar metas ali estabelecidas. Isso me chamou muito a atenção quando lá visitamos, porque mostra um aspecto de uma nação que, no meu entendimento, tem tido um papel fundamental no mundo contemporâneo.
15:30
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Eu, particularmente, tenho uma admiração muito grande por Angela Merkel, por tudo que ela representou ao longo desses anos para a garantia de alguns preceitos fundamentais de direitos humanos, numa Europa que, em alguns momentos, tem questões conflituosas, principalmente com o processo migratório. E ela, com sua visão estadista, compreendendo que a Alemanha tinha um papel fundamental para contrapor momentos históricos às vezes tensos, teve posições muito claras na garantia de acolhimento das pessoas que tinham problemas nos seus países. Se não fosse a Angela Merkel, no meu entendimento, nós teríamos ali uma questão muito mais complexa e caótica.
Apesar de termos influência alemã na nossa cultura, principalmente no Sul do País, onde temos uma convivência — também temos gratidão ao que eles deram para a economia e para a cultura brasileira —, o brasileiro comum, de uma forma geral, vê o alemão como aquele cara turrão, com a cara fechada, como aquele que às vezes não tem o humor necessário, apesar de as músicas, principalmente na época dos festivais de chope, serem as mais contagiantes. Eu as tenho, inclusive, nas minhas playlists. Na hora em que precisamos levantar o astral é muito gostoso ouvir as músicas de vocês.
Mas eu observei que nessa visita, Deputado Nilson, os alemães fizeram questão de contrapor essa visão, no meu entendimento, equivocada. Os alemães são extremamente afetivos, acolhedores. Talvez a língua, pela sua raiz, mais objetiva, pode aparentar essas questões. Mas eu vi também um país alegre, acolhedor, que faz questão de contrapor qualquer preceito histórico que tiveram no passado, principalmente em relação às guerras mundiais, mostrando que a Alemanha evolui cada vez mais, inclusive como defensora dos direitos humanos no mundo inteiro.
Eu queria primeiro ressaltar esta minha visão. Eu acredito que a Alemanha tem um papel fundamental daqui para frente, numa época de acirramento, de polarização que o mundo todo está vivendo — e o nosso País, também. Precisamos muito de vocês, pela liderança que exercem no mundo, pela potência econômica que são. Antes de tudo eu quero colocar isso.
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Antes também de entrar no meu pronunciamento, eu quero colocar que o discurso do Deputado Nilson Pinto valoriza esta nossa audiência. Ele traz uma leitura histórica dos muros, além do Muro de Berlim. Talvez seja extremamente pertinente refletirmos justamente esse raio-x que você faz de situações que, ainda no século XXI, são muitas vezes apontadas como soluções, mostrando a ambiguidade da evolução do mundo, onde tantos e a ciência preconizam visões novas, justamente num processo de acolhimento da diversidade e da riqueza desse compartilhamento. E ainda temos, às vezes por interesse de poder, esses limitantes, que impedem o estabelecimento de relações profícuas, respeitosas e acolhedoras entre as nações.
O seu discurso, no nosso entendimento, Deputado Nilson, traduz por que este encontro é muito mais do que comemorar os 30 anos de queda do Muro de Berlim. É um significado histórico. E precisamos dizer: estamos ainda ameaçados por novos muros.
Parabéns! Fiquei muito feliz por você ter iniciado esse processo dessa forma.
Europa e Brasil sempre estiveram juntos de alguma forma. Algumas de nossas marcantes características étnicas resultam dos movimentos imigratórios vindos do Velho Mundo, que fizeram aportar a estas terras brasileiras, e aqui permanecem, além de portugueses, nossos patrícios — o Brasil deve muito à sua cultura, à unidade pela nossa língua principalmente, o que é um fenômeno —, também espanhóis, gregos, alemães, poloneses, italianos, entre outros.
Cultivamos uma tradição de boas parcerias comerciais, que remontam ao Brasil Colônia, quando, no início do século XIX, o então Príncipe Regente promulgou a Carta Régia de Abertura dos Portos às Nações Amigas. Então é uma relação histórica. Desde os primórdios de sua formação como nação livre — e para a elite, até mesmo antes, ao longo do período colonial —, o País sempre bebeu da fonte da erudição, ciência, arte e intelectualidade, características da Europa, culta e civilizada.
Temos na relação Brasil e Europa, enfim, uma base sólida comum de apreço à relevância dos valores ocidentais, entre os quais a liberdade, a soberania das nações, os direitos humanos e a democracia. Seria portanto irrefutável a conclusão a que chegaram Brasil e União Europeia quanto às muitíssimas similitudes — obviamente sem embargo das diferenças — de que, não sendo poucas, haveriam de exigir boa vontade nas negociações e alinhamento nas decisões.
Seria, assim, possível empreender muito, juntos, numa complementariedade em tudo salutar e extremamente profícua.
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No entanto, faz-se necessário voltarmos um pouco na história para entendermos que esta é uma união em construção. O embrião que deu origem à atual União Europeia, um dos modelos de integração mais exitosos — apesar do Brexit, que está sem achar o fio da meada, mas esperamos que isso se reverta com a antecipação das eleições —, surge na esteira da queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. No início de 1992, os sistemas comunistas colapsaram, a União Soviética desapareceu, tivemos a reunificação da Alemanha e a assinatura do Tratado da União Europeia. Vislumbrava-se um espaço europeu radicalmente distinto daquele caracterizado pela Guerra Fria. Claro, a complexidade era muito grande. Era preciso, por exemplo, redefinir os papéis no novo marco continental, como a posição a ser assumida pela Alemanha, a posição a ser ocupada pela segurança continental, a diversidade e o elevado número de países que aspiravam formar parte desse novo sistema.
A Europa pós-Muro de Berlim era conflituosa com a crise nos Balcãs, o fim da Iugoslávia, e a novas relações com a Rússia. Mas, a unificação alemã representou o estímulo que contribuiu na redefinição do sistema de segurança europeu, incluindo o fim do Pacto de Varsóvia, que seguiu as tendências de então. A unificação da Alemanha pôs fim às ameaças à estabilidade da Europa. E isso só foi possível com a queda do Muro de Berlim.
Destaco ainda a relevância do Programa PHARE — Polônia-Hungria: Ajuda à Reconstrução Econômica —, implementado a partir de 1990, com o objetivo de estimular a reconstrução econômica dos antigos países socialistas. A Cúpula de Copenhague, de 1993, e o Conselho Europeu de Essen, de 1994, também representam importantes marcos na expansão para Leste da União Europeia. Neste momento, Bruxelas se deparava com o desafio de apoiar a democratização de um grande número de países sem provocar um colapso do bloco. A União Europeia lidava com economias sovietizadas onde o comunismo havia dinamitado as formas capitalistas de produção e da mentalidade de trabalho associadas a ela.
Décadas de ausência de liberdades em todos os âmbitos dificultavam os processos de transição. Os critérios de Copenhague obrigavam a ser Estados de Direito, garantes das liberdades e com economias abertas e instituições democráticas suficientemente sólidas, como para aplicar de forma correta o acervo comunitário.
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Não podemos, por outro lado, ignorar que o período entre 1991 e 1999 foram especialmente difíceis com as guerras nos Balcãs e a dissolução da Iugoslávia. O otimismo pelo fim pacífico da Guerra Fria na Europa rompia com um conflito sangrento e limpeza étnica pelo caminho.
Em definitiva, em 1989, extinguia-se a ordem bipolar na Europa, difuminando-se até desaparecer a implacável lógica de dominação e dependência imposta pelas superpotências após 1945. A livre circulação na Europa, estabelecida pelo espaço Schengen, e as modernas infraestruturas de comunicação facilitaram estes movimentos.
A queda do Muro de Berlim, o final da União Soviética e a desintegração da Iugoslávia encerraram definitivamente a Guerra Fria na Europa. Resultava evidente que o estrepitoso fiasco do modelo comunista ensaiado durante décadas em seu solo preludiava um tempo novo.
Celebrado em Roma, em março de 1957 e, portanto, completados 62 anos, o Tratado, que instituiu, em sua concepção original, a Comunidade Econômica Europeia, previa a criação de um mercado comum, de uma união aduaneira, bem como o desenvolvimento de políticas comuns.
Esse mercado comum deveria se assentar nas quatro "liberdades de circulação”: de pessoas, de serviços, de mercadorias e de capitais. Criava-se igualmente um espaço econômico unificado, que instaurava a livre concorrência entre as empresas. Estava lançada a semente do que hoje conhecemos como a Comunidade Europeia. Mas, o mais importante: a União Europeia chegava para pôr fim às hostilidades e prover paz e segurança com estabilidade.
A Europa e o Brasil. Em 2007, nascia a Parceria Estratégica Brasil-União Europeia e com ela novas formas de diálogo e cooperação. A União Europeia reconhecia o Brasil como um dos seus principais parceiros mundiais. E nós observamos esse reconhecimento a cada visita que temos de delegações da Europa, inclusive de Parlamentares. Até pelo nosso MERCOSUL foi evidenciado interesse em todos os momentos que tivemos com as autoridades da União Europeia. O Estado brasileiro despertara para uma nova consciência, compreendendo os grandes impactos da globalização sobre as relações internacionais. Ele sabia que a notória e crescente interdependência entre os países, do ponto de vista tanto da integração das economias quanto das sociedades, passara a exigir mais intercâmbio de pessoas, mercadorias e serviços, mais segurança aos mercados, mais trocas de conhecimento, informação e experiência.
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Eu vi isso muito de perto na Alemanha, porque vi, em várias universidades alemãs, estudantes brasileiros totalmente integrados e o interesse, inclusive das universidades, em estabelecer elos e vínculos com esses estudantes para que, quando voltassem, pudessem continuar sendo aquelas referências para estreitar relações entre instituições acadêmicas.
Para o Brasil, a Parceria Estratégica com a União Europeia constitui, de fato, um movimento desafiador, contudo, necessário — desafiador e necessário, quero crer, também para a Europa.
E hoje, 12 anos depois, percebemos a mesma vontade de lutar por interesses comuns, sabendo que ambas as partes têm a ganhar. Especialmente importante a ênfase a ser dada no enfrentamento de problemas relativos a alterações climáticas e meio ambiente, educação e cultura, transportes marítimo e aéreo, energia sustentável, ciência, tecnologia e inovação.
A boa parceria é aquela que procura entender o outro e oferecer a sua contribuição. Do lado brasileiro, há um apelo para a diminuição da pobreza e desigualdades sociais — nossa grande mazela —, o incremento das relações comerciais com o MERCOSUL, a solução da crise venezuelana, assim como a estabilidade política e a prosperidade econômica na América Latina.
Acredito que o pacto por uma Europa coesa é irreversível. O continente permanecerá unido. Para a maioria, a integração regional deu certo e continuará dando.
Europa e Brasil continuam sendo dois mundos, duas realidades, em momentos diversos, nos respectivos ciclos históricos. Séculos de civilização nos distanciam no tempo; muitos quilômetros nos distanciam no espaço de um oceano. O que separa, no entanto, pode unir.
Neste momento, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, representada aqui pelo Deputado Nilson Pinto e pela minha pessoa, porque continuo membro desta Comissão, estaremos desempenhando tudo que pudermos para que o estreitamento das nossas relações possam ser um exemplo para outras relações entre países.
Agradeço a presença do Embaixador Johann, que só enobrece a Comissão de Relações Exteriores e a Câmara dos Deputados.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Obrigado, Deputado Eduardo Barbosa.
Tenho agora a satisfação de passar a palavra ao Embaixador da Alemanha Johann Georg Michael Witschel, com um grande agradecimento. Eu sei do esforço que S.Exa. fez para estar aqui agora. Ele estava no Rio de Janeiro, em programação oficial, pegou um avião, veio para cá e chegou há pouco para estar aqui conosco e participar deste evento. E eu lhe agradeço em nome da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.
Passo a palavra, com muita satisfação, ao Embaixador Johann Georg Michael Witschel.
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O SR. JOHANN GEORG MICHAEL WITSCHEL - Muito obrigado, Deputado Nilson Pinto, Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-Alemanha. Muito obrigado também ao Deputado Eduardo Barbosa.
Vou lembrar, brevemente, um pouco o evento do dia 9 de novembro de 1989, que, na história alemã, europeia, na verdade, é um dia abençoado, porque o Muro de Berlim caiu. A Berlim dividida, a Alemanha dividida, a Europa dividida havia chegado ao fim. Então, o dia 9 de novembro de 1989 é abençoado. Mas também é um dia maldito, porque, em 9 de novembro de 1918, o imperador alemão abriu mão do cargo e renunciou. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, houve muitas mudanças na Europa. Com certeza, isso foi a raiz do próximo conflito.
Em 9 de novembro de 1923, 5 anos depois de o imperador alemão abrir mão do cargo, Hitler fez a primeira tentativa de golpe, como um general de Kapp. Então, no dia 9 de novembro de 1923, houve uma tentativa de golpe em Munique. Uma centena de pessoas foram mortas, mas a polícia conseguiu oprimir essa primeira tentativa de Hitler de assumir o poder.
O dia 9 de novembro de 1938 foi um dia maldito, porque os últimos sinais de inibição do regime nazista caíram por terra. Naquela noite, cidadãos judeus foram espancados e mortos na Alemanha. Sinagogas foram incendiadas, lojas judaicas foram saqueadas. A partir daquela noite, o caminho para o inferno da guerra e do holocausto foi curto.
Há 80 anos, em setembro de 1939, a Alemanha nazista invadia a sua vizinha Polônia. Poucas semanas depois, tropas soviéticas invadiram o leste da Polônia. A Polônia havia se tornando vítima de um pacto diabólico entre o líder da extrema-direita da Alemanha nazista, Adolf Hitler, e o líder da extrema-esquerda da União Soviética, o comunista Joseph Stalin. Então, a Segunda Guerra Mundial havia começado.
Há 75 anos, soldados brasileiros lutaram contra tropas alemãs na Itália.
O final dessa história todos conhecem. Em 1945, a Alemanha estava militarmente derrotada, politicamente aniquilada e moralmente falida. A Alemanha foi dividida. Alguns anos depois, em 1949, dois Estados alemães foram fundados: a República Federal da Alemanha, do lado ocidental, que, graças à pressão das potências ocidentais, estabeleceu uma constituição democrática e liberal; e, do lado oriental, emergiu uma ditadura comunista, a RDA — República Democrática Alemã. Muitas pessoas do lado oriental, os cidadãos da RDA, opuseram-se ao regime fugindo para o lado ocidental, para a República Federal da Alemanha. Eram tantas que a RDA finalmente construiu o muro, em 1961, que o Nilson já mencionou. Depois desse momento, quem procurava a liberdade, ou seja, quem queria ir para o lado ocidental geralmente só tinha escolha entre a morte na fronteira e a prisão. Porém, em 1989, o desejo por liberdade venceu. Os cidadãos da RDA, antes e juntamente com os da Polônia, da Checoslováquia, da Hungria e de outros Estados da Europa Central e Oriental, derrubaram os regimes comunistas de forma pacífica, sem tanques, sem tiros, sem armas.
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O importante é que o muro não caiu do céu. Foi uma consequência triste e brutal dos regimes ditatoriais, do nazismo, da guerra. A queda do muro, por outro lado, foi um triunfo da democracia e do poder dos povos europeus, da vontade de liberdade e de movimentos de paz. A consequência, para nós, é o dever lutar contra os extremos da Direita e da Esquerda. Para nós, é um dever lutar pela paz, pela liberdade, pela democracia e pela justiça, na Alemanha, no Brasil, na Europa, na América Latina e no mundo inteiro.
Essa é uma pequena lembrança. Pois, só falar sobre a queda do muro não é suficiente, porque o muro tem raízes profundíssimas! Sem elas, não se pode compreender a imagem e o desenvolvimento da nossa história. Então, talvez, um pouco do olhar para o futuro, com os impactos da queda do muro de Berlim.
A queda do muro foi em 9 de novembro de 1989, aconteceu por acidente e surpreendeu a todos. Até o último minuto, havia receio de que a abertura e os movimentos pró-democráticos pudessem ser reprimidos de maneira sangrenta. E, por favor, lembrem-se do que aconteceu em Beijing poucos meses antes da queda do muro, com os pretextos de estudantes na praça Tian'anmen: 4 mil mortos sem liberdade. Com a queda do muro, os eventos assumiram uma aceleração inusual e quase revolucionária. Dentro de poucas semanas, os países do Leste Europeu derrubaram os regimes comunistas de forma pacífica, todos mais ou menos em alguns meses. A Alemanha foi reunificada em menos de 1 ano, sem que um único tiro fosse disparado. A Guerra Fria e a confrontação ideológica acabaram. A aliança militar do bloco do leste, o Pacto de Varsóvia, poderoso, com blindados e milhões de soldados, dissolveu-a quase silenciosamente, em março de 1991, e 500 mil soldados soviéticos retiraram-se de maneira pacífica do Centro e do Leste Europeu e também da Hungria. Em dezembro de 1991, a União Soviética também se dissolveu, de maneira pacífica, em 15 repúblicas soberanas, formando uma comunidade de estados independentes. E, finalmente, essa ordem global bipolar, as duas potências Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, deixou de existir. Então, o final da Guerra Fria e da confrontação ideológica entre capitalismo e comunismo resultou em mudanças inéditas no mundo inteiro. Regimes comunistas no mundo inteiro desapareceram ou se reinventaram, como na China e no Vietnã, com reformas econômicas e com uma maior abertura comercial, não necessariamente abertura política. As únicas exceções notáveis são Cuba e a Coreia do Norte, cujos regimes continuaram firmes contra todas as expectativas de um colapso iminente após a retirada do apoio econômico e político da ex-União Soviética.
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Mas não foram só os regimes comunistas que caíram. No mundo inteiro, houve um movimento rumo à democracia e a mais liberdade. Na África do Sul, por exemplo, sob imensa pressão internacional, o Presidente Frederik Willem de Klerk começou a negociar, em 1989, com o então prisioneiro político Nelson Mandela, libertado no ano seguinte e eleito o primeiro Presidente pós-apartheid daquele país, em 1994. Aqui, na América Latina, o processo da redemocratização já havia começado sucessivamente desde o final dos anos 1970, mas culminou talvez aqui com a nova Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, e com as primeiras eleições presidenciais pós-ditadura, em 15 de novembro de 1989 e, finalmente, em dezembro de 1989, entre Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. Então, foram mudanças globais. No Paraguai, foi o fim do ditador Alfredo Stroessner, também de raízes alemãs, mas não sou responsável por ele. No Chile, em 1990, o ditador Pinochet perde um referendo sobre um novo mandato, o que deu início a uma transição democrática. Eu poderia continuar essa história de mais democracia e mais liberdade. Já falei sobre a União Europeia, mas gostaria de mencionar que, depois do Tratado de Maastricht, assinado em 1992, a União Europeia foi ampliada e ganhou 16 novos membros. Então, infelizmente perdemos o Reino Unido. Mas, nas últimas décadas, nós ganhamos como amigos e parceiros da União Europeia: Áustria, Finlândia, Suécia, em 1995; em 2004, Polônia, Hungria, República Tcheca, República Eslovaca, Eslovênia, Malta, Chipre e os países bálticos Estônia, Letônia e Lituânia; em 2007, Romênia e Bulgária; em 2013, Croácia e, oxalá, um dia, também os nossos amigos de Macedônia e (ininteligível), mas sabemos que é um forte desejo dos nossos parceiros do sudeste da Europa aderirem à União Europeia. Agora, uma última observação. Essa abertura da Cortina de Ferro levou a uma propagação de modelos econômicos baseados no livre mercado e a uma queda de barreiras comerciais entre os países. Oxalá, esse processo vai continuar e não será derrubado por novas barreiras. Isso também foi, digamos, o início de uma nova fase de globalização e de digitalização, então, o início de uma aldeia global.
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Vou encerrar com mais uma observação: a cooperação política internacional no âmbito dos Estados e das Nações Unidas, no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, que alcançou novos patamares com a Cúpula da Terra ECO-92, no Rio de Janeiro, em 1992, quando os Chefes de Estado debateram os problemas ambientais do mundo. Alguns dos principais resultados foram: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Agenda 21. Não vou falar sobre os anos seguintes, sobre a guerra no Oriente Médio e o desenvolvimento muito menos positivo. Mas parte do sonho que surgiu no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990 continua a existir, e temos que defender isso, temos que lutar em prol de mais cooperação, menos ultranacionalismo, menos barreiras, mais ligações, mais elos entre nossos países. Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Obrigado, Embaixador Witschel.
Eu tenho a satisfação de passar a palavra agora ao Prof. Carlos Frederico Domínguez, da UNIEURO, agradecendo sua exposição e sua participação, que abrilhanta a nossa mesa-redonda. Tem a palavra o Prof. Carlos Federico Domínguez.
O SR. CARLOS FEDERICO DOMÍNGUEZ AVILA - Boa tarde, Srs. Deputados Nilson Pinto e Eduardo Barbosa, Sr. Embaixador, e meu colega já há algum tempo Paulo Velasco, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Agradeço à Comissão e ao Sr. Marcelo Rech pelo convite. Para mim, é motivo de grande alegria e satisfação estar aqui com vocês nesta tarde tratando de um assunto que para mim é muito importante, principalmente porque sou historiador especializado em relações internacionais.
Durante muito tempo, tentei fazer uma pesquisa científica sobre esse assunto, e afortunadamente há 10 anos eu decidi trabalhar com documentos diplomáticos brasileiros sobre o tema. Por esse motivo, fiz pesquisa no arquivo do Itamaraty, especificamente sobre documentos vindos da embaixada brasileira em Berlim Leste. Espero não cansar os senhores, mas um historiador tem que trabalhar com documentos primários, e eu trouxe aqui cinco ou seis.
(Segue-se exibição de imagens.)
Peço desculpa se, em algum momento, eu tiver que citar diretamente algum documento primário procedente — repito — da embaixada brasileira em Berlim Leste. Os documentos da antiga Alemanha Ocidental, cuja capital é Bonn, não foram trabalhados, e eu foquei esses documentos. Muito do que vou falar aqui tem a ver com o que meus predecessores já comentaram, tanto o Deputado Nilson quanto o Embaixador.
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O convite que eu recebi foi para tratar este assunto, especificamente o período de maio a novembro de 1989. Para isso, eu fiz uma pesquisa no Itamaraty que resultou numa publicação em revista científica e tudo mais.
A queda do Muro de Berlim na correspondência diplomática brasileira. A primeira parte da apresentação será relativamente breve, porque muito do que está aqui já foi mencionado...
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Professor, eu posso interrompê-lo?
Eu quero colocar à disposição dos membros da Mesa aqueles lugares. Se quiserem, podem passar para lá, para poderem ver melhor a apresentação. Estão liberados. Eu também vou para lá.
O SR. CARLOS FEDERICO DOMÍNGUEZ AVILA - Inicialmente, eu tinha previsto falar sobre todos estes assuntos, mas vou focar somente o segundo tópico: a queda do Muro de Berlim, olhares da embaixada brasileira em Berlim Leste. Acho que os meus colegas, inclusive meu amigo Paulo, vão tratar dos outros temas anteriores e posteriores. Então, não vou focar tanto esses assuntos, vou trabalhar somente o segundo tópico, que está aqui.
Aqui está a origem da situação do muro. Como o Deputado Nilson comentou, o muro não dividia as duas Alemanhas, ele era basicamente como um enclave para cercar a região ocidental de Berlim, que também tinha sido dividida entre as grandes potências que ocuparam a Alemanha no setor oriental, que era soviético, e o setor ocidental, que era das potências vencedoras da Segunda Guerra: França, Inglaterra e Estados Unidos. O muro era basicamente para circundar a cidade de Berlim.
Aqui estão os dirigentes da antiga Alemanha Oriental. O Sr. Honecker foi particularmente importante, porque ele foi considerado uma espécie de pai do muro. Aqui está o perímetro do muro, que foi iniciado em 1961. Considera-se que a ideia era controlar a saída de cidadãos da antiga RDA para a Alemanha Ocidental, para Berlim Ocidental em particular. O Governo comunista afirmava que existia uma fuga de cérebros, principalmente de técnicos, de profissionais — isso está nos documentos — para o setor ocidental da cidade, que até essa época era uma espécie de enclave no território da Alemanha Oriental.
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Aqui temos alguns dados do muro. Como meus predecessores comentaram, mais ou menos 200 pessoas foram mortas, houve muitas vítimas. O muro virou uma espécie de símbolo da Guerra Fria, de símbolo não só da divisão da Alemanha, da divisão especificamente da cidade de Berlim, mas também do continente europeu e do mundo.
Honecker governou a Alemanha durante quase duas décadas. É interessante lembrar que a Alemanha Oriental era um país relativamente pequeno, mas em termos econômicos e industriais era uma das doze ou quinze maiores economias do mundo. Era um país que tinha alguns aspectos que têm que ser lembrados. É curioso que, entre os países do antigo bloco comunista, em termos econômicos, a Alemanha Oriental era considerada o país com maior renda per capita de todos, inclusive a União Soviética.
Existia uma competição entre Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental, e nesse aspecto alguns documentos, inclusive dos diplomatas da Alemanha Oriental em Brasília, destacavam... Aqui está um documento com uma conversa do Embaixador da Alemanha Oriental em Brasília com diplomatas brasileiros, aqui em Brasília, segundo a qual realmente existia uma crescente diferença entre ambas as Alemanhas e que, para a população jovem da Alemanha Oriental, a escassez que às vezes se observava em Berlim e na Alemanha Oriental era algo que dificilmente podia ser entendido por essa população.
Eu vou concentrar minha fala, minha exposição, nessa cronologia básica de maio a novembro de 1989, que resultou na queda do Muro de Berlim. Não vou comentar, porque temos pouco tempo, sobre os efeitos e as consequências da queda do muro.
No dia 2 de maio de 1989, o Governo da Hungria decidiu desmantelar as barreiras que tinha com a Áustria, como o Sr. Embaixador comentou. Isso facilitou a saída de germanos orientais, que procuraram refúgio na Alemanha Ocidental. É interessante comentar que em outubro de 1989 estavam previstas as comemorações do 40º aniversário do surgimento da Alemanha Oriental. Para as autoridades da Alemanha Oriental, era uma data que ia ser comemorada para demonstrar o que eles tinham conseguido até a época.
O Embaixador brasileiro em Berlim Leste chega a falar que se tratou do "baile da Ilha Fiscal da República Democrática Alemã" — eu acho muito interessante essa frase. O que significa ser o baile da Ilha Fiscal? No final da monarquia brasileira, em 1889, quando o movimento para substituir a monarquia era muito forte, o Imperador e a família real brasileira fizeram uma festa no Rio, que, na verdade, resultou posteriormente na saída da Monarquia e na Proclamação da República.
16:18
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Em 6 e 7 de outubro, o 40º aniversário da Fundação. O próprio Mikhail Gorbatchov, que era o Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética, participou em Berlim. E é curioso que Honecker era um dos governantes da antiga Alemanha Oriental que era considerado de linha dura, não aceitava muitas das propostas da reforma impulsionadas, inclusive, pelos soviéticos.
Assim era a situação, por exemplo, na Romênia, com Ceausescu. Então, se tratava de um Governo bastante rígido em termos ideológicos.
Existia a possibilidade de um massacre similar ao que aconteceu meses antes, em junho, na China. Todos nós nos lembramos do massacre na Praça da Paz Celestial. O Governo de Honecker chegou a assinar documentos autorizando o uso da força da repressão para reprimir os opositores. E lá, especificamente, mais de 50 mil pessoas se manifestaram nos dias 8 e 9 de outubro e isso quase resultou em uma saída chinesa, em uma repressão massiva dos opositores ou em uma guerra civil.
Finalmente, nos dias 17 e 18, Honecker, que estava doente, com câncer, renunciou ou foi destituído, e assumiu outro senhor que governou o país durante 2 meses depois.
Eu trouxe alguns documentos. Não sei se vou ter tempo para falar de todos eles. Em todo caso, gostei muito das apreciações que o Embaixador Ernesto Ferreira de Carvalho encaminhou para o Itamaraty, para as autoridades do Ministério das Relações Exteriores do Brasil na época.
É interessante lembrar o Brasil e a Alemanha Oriental estabeleceram relações diplomáticas em 1973, e essas relações continuaram até a dissolução da RDA.
Então, quais eram as alternativas de Egon Krenz continuar na linha dura e impulsionar uma política reformista mais ou menos como a que Gorbatchov estava impulsionando na União Soviética, com a Perestroika e a Glasnost etc., ou uma espécie de "finlandização" da República Democrática Alemã.
Aqui temos, por exemplo, alguns documentos. Acho melhor passar um pouco mais rápido esses.
Não houve tempo para Krenz tentar alguma reforma, pois a população da Alemanha Oriental não aceitou essas alternativas. Massivas manifestações continuaram ocorrendo. E a queda do muro de Berlim, especificamente ocorrida no dia 9 de novembro de 1989, esteve relacionada com os direitos civis, com a possibilidade de ir e vir, de sair do país, porque, até o momento, a população do leste da Europa, do leste da Alemanha, da Alemanha Oriental não tinha autorização para sair para ir para Alemanha Ocidental, etc.
Nesse eslaide estão algumas fotos históricas.
16:22
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Esse documento me parece interessante mencionar, porque é do próprio dia da queda do muro.
O Embaixador Carvalho informa ao Itamaraty: "Acabo de passar pelas duas fronteiras, onde vi movimento inusitado de viaturas a caminho do outro lado e centenas de pessoas curiosas, na sua maioria acompanhando o movimento".
Então, ele foi testemunha direta e isso está documentado. Acho que isso é importante.
Há outras informações aqui.
Esses são uns dos últimos dirigentes da Alemanha Oriental. É interessante comentar que eles, em princípio, tentaram manter a Alemanha Oriental como país independente, mas a população da Alemanha não aceitou essa possibilidade, e, de alguma forma, a partir de dezembro, ou janeiro de 1990, a ideia da reunificação da Alemanha se tornou predominante.
É interessante comentar também que a queda do muro de Berlim, no dia 9 de novembro, antecedeu uma semana, mais ou menos, as eleições brasileiras. O Embaixador comentou que as eleições brasileiras foram no dia 15 de novembro 1989, no primeiro turno, entre Collor e Lula.
Nesses eslaides estão algumas personalidades também.
Para concluir, é interessante comentar que reunificação da Alemanha se deu em quatro níveis. O primeiro nível foi na própria cidade de Berlim, porque, após a queda do muro, foi necessária uma reorganização urbanística da cidade de Berlim. Outro tema é que Berlim ia ser a capital da Alemanha unificada, e isso implicava desafios, porque mais de 100 embaixadas do mundo que estavam em Bonn e em outros lugares teriam de ser transferidas para Berlim, e isso é algo que também aparece na documentação.
Algumas pessoas chegaram a comentar a possibilidade da existência de um muro psicológico, porque, curiosamente, a taxa de matrimônios entre os habitantes dos antigos setores ocidental e oriental ainda é muito baixa.
Houve a reunificação do país que, de modo geral, é considerada bem-sucedida. A Alemanha atualmente é a quarta ou a quinta economia do mundo, o quarto ou quinto país com maior IDH do planeta. Foi um processo bastante custoso em termos financeiros.
Neste eslaide cito a reunificação alemã em termos de questões da Europa. Já se mencionou, e acho que o Prof. Velasco vai comentar o efeito da reunificação em termos europeus.
Quero somente comentar que, talvez, um ponto importante para os soviéticos, em particular, é que esse tema foi bastante complexo e delicado, porque significava não só aceitar a Alemanha unificada como membro da OTAN, como também algumas outras consequências geopolíticas. Ainda na atualidade, os herdeiros, os russos demonstram alguma preocupação.
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Ontem mesmo eu li uma entrevista de Gorbachev sobre esse tema. Ele considera que talvez para os russos essa questão da unificação da Alemanha ainda provoque algumas preocupações geopolíticas. Sem esquecer que o Wladimir Putin, durante a época dos anos 80, trabalhava justamente em Berlim, como membro do Governo soviético.
Cito o fim da Guerra Fria, a globalização.
E, antes de terminar, ressalto que a queda do Muro de Berlim foi um momento histórico comparado à Tomada da Bastilha, por exemplo, e, quiçá, aos acontecimentos de 2001 nos Estados Unidos. Sua transformação pacífica, que o Embaixador comentou, é realmente importante, em comparação com todos os outros episódios da história contemporânea. A revalorização da qualidade da democracia existente na Alemanha é algo importante. E, finalmente, a questão de que realmente ainda existem "muros", sobre os quais é necessário comentar e discutir.
Um livro muito importante para todos os interessados nessa temática, do Moniz Bandeira, que faleceu recentemente, é A Reunificação da Alemanha.
É isso.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Muito obrigado, Prof. Carlos Federico Domínguez Avila, pela sua disposição, muito esclarecedora.
Eu tenho a satisfação de passar agora diretamente a palavra para o Prof. Paulo Velasco, para fazer sua exposição.
O SR. PAULO VELASCO - Muito boa tarde a todos.
Falar por último é um drama, porque muito já foi dito.
Eu queria começar agradecendo aos Deputados, ao Deputado Nilson Pinto especialmente, pela iniciativa de fazer uma audiência pública para discutir tema tão destacado, e ao Deputado Eduardo Barbosa também. E é um prazer dividir a mesa com o Embaixador alemão e com o Prof. Carlos Domínguez.
A minha ideia é tentar, de alguma maneira, caracterizar a queda do muro como o último grande marco até aqui das relações internacionais. Quando pensamos a política internacional, vemos que ela tem grandes marcos que vão, de alguma maneira, mudando um pouco o que é a realidade geopolítica mundial, como a Paz de Vestfália, no século XVII; o Congresso de Viena, no século XIX; o Tratado de Versalhes, depois da Primeira Guerra Mundial; a Conferência de São Francisco, que cria a ONU depois da Segunda Guerra Mundial. Quando pensamos nos grandes marcos da política Internacional ao longo da história, indiscutível e inevitavelmente incluímos o dia 9 de novembro de 1989, que pode ser considerado, certamente, o último grande marco até aqui.
E por que digo isso? Porque a queda do muro vai simbolizar uma mudança muito profunda na realidade da política internacional. Havia uma realidade mundial antes e outra depois do Muro de Berlim. A queda do muro vai mudar, de fato, muito o modo como pensamos inclusive o globo e o modo como os Estados passaram a pensar a sua inserção internacional.
Temos que reconhecer, e vários colegas já comentaram, que a criação do Muro de Berlim, em 1961, na verdade é uma consequência imediata pós-Segunda Guerra Mundial. Quando termina a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha e Berlim ficam ocupadas pelos aliados. Há uma ocupação aliada tanto em Berlim quanto na Alemanha; são quatro áreas de ocupação, sendo uma soviética. E lembro da importância da União Soviética para a libertação da Alemanha. Nós não podemos nos esquecer desse ponto.
16:30
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Muitas vezes, sobretudo quando acompanhamos os filmes americanos, nós temos a impressão de quem ganhou a Segunda Guerra, sozinhos, foram os Estados Unidos, e não foram. A União Soviética foi fundamental para derrotar o nazismo. Quem liberta Berlim, quem chega primeiro ali é a União Soviética.
Então, há uma divisão da Alemanha, uma divisão de Berlim, com a União Soviética ocupando uma parte, e França, Reino Unido e Estados Unidos ocupando uma outra parte, tanto no que era Berlim quanto no que era Alemanha. E desde aquele momento, no final dos anos 40, havia dificuldade no relacionamento entre a parte ocupada pelos aliados, França, Reino Unido e Estados Unidos, e a parte ocupada pela União Soviética.
Ainda naquele cenário inicial, nós temos o famoso de Bloqueio de Berlim, com os Estados Unidos lançando a ponte aérea sobre Berlim, que fica completamente bloqueada pela União Soviética. Isso muito antes da construção do muro, sem que houvesse a possibilidade de levar mantimentos, alimentos. E os Estados Unidos começam a fazer uma ponte aérea, levando aviões para justamente jogar, na parte de Berlim ocupada pelos aliados, os mantimentos, alimentos, remédios e tudo mais.
Berlim sempre foi um cenário crítico, de queda de braço, de disputa de interesses geopolíticos, já desde o final da Segunda Guerra Mundial. Vale lembrar que a aliança Estados Unidos e União Soviética, uma aliança superimportante para derrotar o nazifascismo, tinha os pés de barro. Já em 45, aquela aliança claramente não continuaria mais.
A Conferência de Yalta, na Crimeia, no início de 45, é um sinal inequívoco de que essas duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética, não se entendem mais. E a divisão da Alemanha vem justamente no final daquele ano, de 45, na Conferência de Potsdam, que é um símbolo muito importante para nós pensarmos a política internacional naquele contexto.
O muro não é construído do nada. Nós temos, na verdade, uma divisão geopolítica, uma divisão político-ideológica do mundo, desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos e a União Soviética começam a pensar a realidade internacional de uma maneira diferente e começam sobretudo a querer projetar seus interesses sobre áreas de influência. Há a lógica ali muito clara de áreas de influência. E começam a dividir o mundo nessas áreas de influência. É a lógica da bipolaridade.
Então, a bipolaridade é muito anterior à construção do Muro de Berlim. Esse é um dado importante. A bipolaridade vem do final da Segunda Guerra Mundial. Já em 47, temos uma guerra fria. O muro só vai ser construído em 61, mas acaba sendo o grande símbolo da Guerra Fria. Ele acaba sendo justamente o simbolismo físico. Não é uma barreira ideológica, não é uma barreira filosófica, é uma barreira física. Aquilo tem muito impacto: o mundo dividido em dois simbolizado a partir da construção do muro. Mas a Guerra Fria e a bipolaridade são bem anteriores.
Quando o muro cai, no dia 9 de novembro de 89, nós temos a queda de um símbolo. Isso é muito importante. Aquele símbolo vai ruir, de maneira pacífica, a partir de um movimento de dentro da Alemanha, um movimento que começa a partir dos próprios alemães, influenciados, evidentemente, por uma realidade internacional, na qual, temos que conhecer, percebe-se uma União Soviética declinante e decadente.
Não podemos desconsiderar o contexto em que ocorre a queda do Muro de Berlim. Já desde o final dos anos 70 e sobretudo ao longo de toda a década de 80, percebe-se uma União Soviética decadente e declinante que em nada se comparava àquela grande potência tecnológica, militar e econômica que havia sido em décadas anteriores.
Então, quando nós temos a ascensão do Gorbatchev como Secretário-Geral do Partido Comunista em 85, ele já ascende ao Governo da União Soviética disposto a promover reformas. E aí estão as reformas citadas rapidamente pelo Carlos, como, por exemplo, a Perestroika, que significa uma abertura econômica, e a Glasnost, que significa uma abertura política. Há um processo reformista que acaba sinalizando, na verdade, para os países do Leste Europeu, a possibilidade de buscarem um caminho livre do jugo da União Soviética, um caminho finalmente sem a opressão da União Soviética, como havia acontecido ao longo de algumas décadas.
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Começamos a ver, na verdade, uma espécie de efeito dominó por todo o Leste Europeu a partir daquele contexto, com uma União Soviética decadente e declinante. É bem verdade que alguns movimentos no Leste Europeu haviam começado antes. Não podemos nos esquecer, na Polônia, por exemplo, do movimento do Lech Walesa, da solidariedade, que começa ainda no início da década de 80. Mas, de fato, o impulso reformista do Gorbatchev na União Soviética vai ser um sinal para todo o entorno geográfico da União Soviética, notadamente do Leste Europeu, de que podiam buscar um caminho próprio, livre da opressão da União Soviética. Justamente quando isso chega à Alemanha, o resultado é a queda do muro. Esse movimento reformista chega à Alemanha, justamente com a reforma iniciada por Gorbatchev, percebendo uma União Soviética decadente e que não teria mais como controlá-los a ferro e fogo, como haviam feito no passado. E não houve — podemos reconhecer — falta de tentativas no passado. Tivemos inúmeras tentativas. Basta lembrar, por exemplo, da Hungria em 56 e da Checoslováquia em 68. Houve muitas tentativas de se livrar do jugo soviético, só que havia uma União Soviética muito forte em décadas anteriores. Agora não há mais.
Então, temos ali um processo influenciado pela realidade soviética que acaba chegando à Alemanha e resulta na queda do muro. É claramente um símbolo que vai ruir. E esse símbolo, claro, ao ruir, vai indicar para todo mundo, até para os leigos, o fim de uma era bipolar. Depois de 40 anos de Guerra Fria, de 47 a 89, temos agora uma mudança brutal na realidade geopolítica internacional. E o que é mais curioso para aqueles que acompanham um pouco mais de perto os estudos de Teorias das Relações Internacionais — evidentemente, no meu caso, é por dever de ofício — é que reconhecemos que os teóricos foram todos pegos de surpresa.
Nenhum teórico de peso, na área de Relações Internacionais, conseguiu prever o fim da Guerra Fria naquele contexto. Muito pelo contrário, todos os teóricos de Relações Internacionais pontuavam que a Guerra Fria ainda continuaria por um longo tempo. Claramente, numa lógica bipolar, há dois polos. É uma lógica de equilíbrio e de poder. É como se fosse um polo positivo e um polo negativo que se equilibram mutuamente e se neutralizam reciprocamente.
Então, os teóricos de Relações Internacionais, os mais importantes que havia, não conseguiram prever a queda do Muro de Berlim, não conseguiram prever o fim da Guerra Fria. É um movimento simbólico muitíssimo importante e que pega boa parte da comunidade acadêmica absolutamente de surpresa. Só para citar um exemplo, um dos maiores teóricos da história das Relações Internacionais é o Kenneth Waltz. Poucas semanas antes da queda do muro, esse teórico norte-americano previa que a Guerra Fria e a bipolaridade ainda continuariam por um longo tempo. Não foi o que aconteceu.
A queda do muro vai sinalizar, verdadeiramente, uma mudança brutal na geopolítica internacional. Há alguns pontos que o Embaixador destacou que eu queria resgatar. Um primeiro ponto importante é a percepção no mundo, no globo todo, de que estávamos livres, finalmente, da ameaça de uma hecatombe nuclear. Ao longo de décadas e mais décadas — lembrem-se de que, desde 1945, os Estados Unidos são uma potência nuclear, e de que, desde 1949, a União Soviética é uma potência nuclear —, o mundo viveu sobressaltado, na iminência de uma Terceira Guerra Mundial, o que seria, senhoras e senhores, uma guerra termonuclear. Essa guerra termonuclear, muito provavelmente, teria proporções apocalípticas.
Então, finalmente, o mundo se livrava do temor imediato de uma Terceira Guerra Mundial e de um conflito termonuclear. O mundo consegue respirar um pouquinho aliviado naquele momento, e isso tem um impacto importantíssimo sobre a agenda de relações internacionais, sobre a agenda da política internacional. Percebemos finalmente, nessa agenda, a abertura de espaço para a inclusão de outros temas, não apenas de questões de segurança internacional.
Ao longo de muitas décadas, o único tema que se debatia e se discutia na agenda de política internacional eram questões ligadas à segurança. A segurança internacional sequestrou a agenda internacional justamente diante do temor e da possibilidade de uma guerra nuclear.
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A partir da queda do muro, o que simboliza muito claramente o fim de uma guerra fria, temos a abertura de espaço, por meio do multilateralismo e por meio das Nações Unidas, Embaixador, da incorporação de outros temas chamados, inclusive nas relações internacionais, de novos temas, como o meio ambiente, como os direitos humanos e como o desenvolvimento.
A década de 90 é caracterizada na ONU como a década das conferências, senhores, porque não houve só a conferência na cidade do Rio de Janeiro, a famosa Rio 92. Tivemos, em 93, a conferência em Viena sobre direitos humanos. Tivemos, em 95, uma conferência em Copenhague sobre desenvolvimento social. Tivemos, em 94, um pouco antes, uma conferência sobre população no Cairo. Em 96, houve uma conferência em Istambul sobre habitat, sobre assentamentos humanos.
Então, vejam só que interessante. É a ONU que, de alguma maneira, com a queda do muro, o que representa o fim da Guerra Fria, busca resgatar um pouco do protagonismo perdido, senhores e senhoras, durante a Guerra Fria. A ONU, que foi criada em 45 para reger a ordem internacional, ficou à sombra de uma disputa bipolar e acabou caindo na mais absoluta irrelevância. Lembrem que a ONU não teve, por exemplo, papel algum na Guerra do Vietnã. Deus meu, como é possível isso? A ONU cai na mais absoluta irrelevância ao longo de 4 décadas de guerra fria.
Quando o muro rui, no dia 9 de novembro de 89, e quando a ONU, a partir desse momento, busca resgatar suas credenciais e seu protagonismo, passamos a perceber a ordem internacional de uma outra maneira. É a ascensão do multilateralismo que ganha força. O multilateralismo ganha musculatura, a partir da década de 90, em paralelo ao avanço de um processo econômico caracterizado como globalização, o que, na verdade, é um processo muito mais do que econômico, é um processo cultural, é um processo político. Essa é a década de 90. Isso acaba criando, vejam só, grandes expectativas.
Havia a expectativa de que viveríamos uma era de prosperidade. Havia a expectativa, senhores e senhoras, de que viveríamos uma era de paz. Alguns teóricos importantes na área de política internacional, como Francis Fukuyama, chegam a pregar o fim da História. Havíamos chegado ao ponto mais elevado da evolução histórica. Tínhamos chegado ao cume da evolução histórica em função do fim da Guerra Fria e da queda do Muro de Berlim. A partir daí, não haveria mais para onde evoluir. Chegamos ao topo da evolução histórica. A percepção dos neoliberais, como Fukuyama, era de que todos os países no mundo caminhariam inexoravelmente, repito, inexoravelmente, para a condição de democracias liberais capitalistas.
Passados 30 anos, senhores, não é isso o que verificamos no mundo. Aquele sonho, aquela expectativa, aquela percepção otimista de mundo não se concretizam ao cabo de 30 anos. Na verdade, o que vemos no mundo hoje é um retrocesso. Estamos caminhando para trás tal qual caranguejo, como foi muito bem colocado pelos Deputados e pelo Embaixador aqui na mesa hoje.
Vivemos uma realidade internacional que caminha em sentido um pouco contrário. Volta a haver uma ênfase muito clara na lógica da geopolítica. E a lógica de fronteira? Podemos perceber um cenário e uma realidade caracterizados por uma desglobalização. Olhem que curioso! Este termo já começa a ser mobilizado na literatura: desglobalização, onde o que importa é dividir, é separar.
Senhores e senhoras, para que existem as fronteiras? A fronteira existe para dividir, para separar, para excluir, para discriminar. A fronteira é muitas vezes usada — na hora em que se constrói um muro — para deixar de fora, deixar de fora aquele que é diferente, aquele que eu não quero acolher.
Quando olhamos para a Europa — e temos aqui Deputados que lidam com a realidade Brasil-Europa, com a realidade da União Europeia ou da Alemanha, nós percebemos um retrocesso muito grande. Reparem como, durante a crise de refugiados e de imigrações, até mesmo o importantíssimo Espaço Schengen, que é a alma da integração europeia, a livre circulação de pessoas, foi colocado em xeque e foi minando. Isso é um retrocesso e tanto. E eu não preciso nem dizer, evidentemente, que não se confirmou aquela expectativa de termos um mundo composto por democracias liberais capitalistas.
Temos um mundo marcado por violações de toda a sorte: contra direitos humanos, contra liberdades individuais, ataques diretos à perspectiva democrática e o avanço perigoso, em muitas partes do mundo, de uma perspectiva ultranacionalista, de ultradireita. Chega a assustar vermos na Europa, em alguns países que foram assolados pelo nazifascismo — a exemplo do que vemos na Alemanha — o AFD, Embaixador, como a terceira força do Parlamento alemão. Isso, a mim particularmente, assusta enormemente.
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Então, é um cenário que temos que observar com cuidado, porque, sim, temos que celebrar enormemente o que a queda do muro representou — e representou, sim, a abertura de uma expectativa muito promissora para o mundo. Mas, passados os 30 anos, estamos vivendo uma realidade que caminha um pouco em sentido contrário.
Senhores, obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Obrigado, Prof. Paulo Velasco. Parabéns pela brilhante exposição e síntese.
Nós, agora, estamos à disposição para o debate, para quem quiser fazer uso da palavra e se estender em algumas das provocações feitas aqui — e foram muitas.
Consulto a Mesa e o Plenário para saber se alguém gostaria de se manifestar. Nós ouvimos todos os nossos palestrantes. Acho que foi muito rica a exposição. (Pausa.)
A senhora poderia se apresentar declinando seu nome, por gentileza. Primeiro, falará a senhora. Depois, concederei a palavra ao Deputado Rubens Bueno.
A SRA. JULIANA - Boa tarde a todos.
Meu nome é Juliana. Sou mestre em Relações Internacionais e doutora em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília.
A questão do muro de Berlim é muito cara em minha vida. Eu decidi estudar no curso de Relações Internacionais com base no que eu vi, pela TV, acontecer no final da década de 80 e início dos anos 90. Então, foi bastante importante a decisão de entrar nesse curso. E a minha pergunta é mais no sentido de uma provocação, porque tinha-se a perspectiva do fim da guerra, mas, na verdade, da continuidade dos elementos de guerra dissimulados dentro do ambiente multilateral.
Por exemplo, tivemos a Guerra do Iraque, assim como houve a guerra na Iugoslávia e inúmeras guerras na África durante a década de 90.
Então, como esses projetos de corações e mentes, de unidade, de diversidade, de consenso contribuíram para, na verdade, mascarar o que se entende por guerra. Até então, a guerra era perceptível a partir de uma oposição entre forças conflagradas militares. E, também, como capitaneado por todo um discurso da ONU, passaram a integrar esse conceito de guerra elementos de diplomacia, de defesa e de desenvolvimento. Quer dizer, o que era uma perspectiva de desenvolvimento passou a ser mais um elemento da continuidade da guerra.
É só uma provocação que faço. Agradeço muito.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Vou pedir para quem quiser fazer mais alguma observação que a distribua aqui entre os membros da Mesa.
O Deputado Rubens Bueno está com a palavra.
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O SR. RUBENS BUENO (CIDADANIA - PR) - Caro Deputado Nilson Pinto, é de importância muito grande esta audiência pública que V.Exa. promove aqui na nossa Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Meus cumprimentos ao nosso Ouvidor, eterno membro da Comissão de Relações Exteriores, Eduardo. Aos convidados digo que é um prazer muito grande tê-los nesta Comissão. Ouvi há pouco aqui o professor da Universidade do Rio de Janeiro. Não ouvi os demais. Embaixador, Jorge, é prazer muito grande vê-los aqui.
Sou casado com uma alemã — 100% alemã. Não preciso dizer mais nada, né. E sou cidadão italiano. Então, tenho esse espírito europeu.
Estive na Alemanha em 1989, no mês de março, 6 meses antes de cair o muro. Eu era Secretário do Trabalho e da Ação Social e nós tínhamos alguns eventos na então Alemanha Oriental. Eu fui a Leipzig e a Dresden e conheci aquela região. Lá estive em vários eventos com o Vice-Ministro do Trabalho, enfim. E pude observar, naquele momento, que já havia uma tensão muito grande com relação à questão política da separação das Alemanhas. E também observei que havia uma vontade, um desejo grande nesse sentido.
Eu fui ao Teatro Nacional de Leipzig, para ver a Orquestra de Leipzig — uma coisa maravilhosa. Fiquei impressionado. E até hoje isso está muito vivo na minha memória.
Mas, enfim, o que eu queria dizer rapidamente é isso: como é que nós saímos de uma situação como aquela do pós-guerra, após a queda do muro de Berlim, que mantinha as Alemanhas separadas? As Alemanhas, com toda dificuldade política de então, foram buscar sua unidade e conseguem sua unidade. Elas montaram o sistema político do voto distrital misto — para unir a federação e unir a união em torno desta federação — e fizeram o sistema político adequado àquela realidade. E, hoje, a Alemanha volta a ser uma grande potência, admirada e respeitada não só na Europa, mas em todo o mundo. E nós continuamos nos debatendo aqui...
De repente, estamos dividindo aqui com a Argentina, agredindo; estamos dividindo com o Chile, agredindo; estamos dividindo com não sei quem, agredindo; estamos dividindo com a Venezuela, agredindo... E não encontramos o lugar comum de uma boa convivência que mostre claramente o nosso desejo — nós, os brasileiros — de que queremos essa boa convivência.
Então, aposta-se sempre no quanto-pior-melhor. Isso é ruim para o Brasil; ruim para a América do Sul; ruim para o mundo. Refiro-me a esse tipo de pensamento extremista, tanto de um lado como de outro. E é exatamente desse mundo que nós temos que sair.
Temos que encontrar o que chamamos de equilíbrio e bom senso, para construir uma Nação que seja não só digna, mas respeitada no mundo inteiro.
Então, minha palavra aqui é apenas para agradecer a presença dos convidados. O nosso estimado Deputado Nilson Pinto é sempre atuante, mostrando que esse é um trabalho que vem fazendo desde quando era Presidente desta Comissão, quando fez um belo trabalho — que continua fazendo, agora como Presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Alemanha.
Portanto, é muito bom discutirmos o tema, inclusive é bom para refrescarmos a memória também.
Quando o professor fala sobre tudo o que aconteceu lá em 1992, quando da queda do muro de Berlim, não se imaginava que, 30 anos depois, de repente, isso começasse a cair sobre nós nossa cabeça, como caiu o muro para os comunistas lá atrás.
Então, temos que realmente repensar. Acho que o momento agora é muito fértil para repensarmos o estágio em que nos encontramos, do ponto de vista econômico, social — e não é aquela economia liberal da década de 70, que levou o Chile à situação em que está hoje. Devemos começar a repensar isso, para que possamos ter efetivamente algo novo. E esse algo novo é o respeito aos direitos humanos — que parece que saiu de moda —; é o respeito às políticas sociais de emancipação daquele que precisa de atividade pronta e de ações políticas de Governo.
16:50
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Enfim, tudo isso é um repensar desse mundo novo está aí depois de 30 anos da queda do muro.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Obrigado, Deputado Rubens Bueno.
Alguém gostaria de se manifestar?
O SR. JORGE MOTA - Boa tarde. Meu nome é Jorge Mota, sou assessor aqui na Câmara Federal. Eu queria deixar duas perguntas para a Mesa, sendo primeira delas a seguinte: quais foram os países responsáveis pela Primeira Guerra Mundial? Segunda: as forças armadas americanas já deixaram o território alemão?
É só isso. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Passo a palavra ao Vice-Presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Alemanha, Deputado Marcel Van Hattem.
O SR. MARCEL VAN HATTEM (NOVO - RS) - Muito obrigado.
Caro amigo, Deputado Nilton Pinto, Presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Alemanha. Eu lamento muito não ter podido estar mais cedo nesta Comissão para acompanhar a exposição dos painelistas. Como gosto muito de história e, em especial, de relações internacionais — que é minha formação —, vou recuperar tudo o que já foi transmitido pela TV Câmara.
Eu quero me desculpar, porque estávamos em audiência com o Vice-Presidente da República, audiência anteriormente agendada; portanto, não pude estar aqui.
Mas quero saudar esta iniciativa, que, aliás, apoiei desde o primeiro momento quando protocolada na CREDN. Quero saudar, em nome do Embaixador Georg Witschel, toda a Mesa, todos os demais palestrantes.
O Embaixador da República da Alemanha está aqui conosco hoje para comemorar também essa grande vitória da liberdade para toda a humanidade — refiro-me àquele momento em que caiu o muro de Berlim, ou melhor, em que foi derrubado. É importante dizer isso: falamos da queda do muro de Berlim, mas ele não caiu sozinho. O muro caiu porque foi derrubado. E ele foi derrubado principalmente por causa da busca da felicidade das pessoas que queriam se reencontrar com outras pessoas; que queriam garantir que a democracia não valesse só para alguns, mas para todos; que queriam garantir que a liberdade, que é um direito natural nosso, como indivíduos como seres humanos, fosse também um direito garantido pelos políticos, pelas lideranças de ambos os lados daquele muro que foi derrubado.
Portanto, é muito importante sempre celebrarmos esse dia, até porque tem muita gente que gostaria de fazer de conta que ele não aconteceu. Ele aconteceu e está muito presente. E todos os dias precisamos derrubar novos muros; todos os dias nós precisamos derrubar novas divisões que se fazem entre cidadãos e que não são saudáveis.
É claro que nós somos todos diferentes, nós somos todos dotados de vocações, de capacidades, de aptidões e de vontades divergentes, às vezes, entre nós, como cidadãos. E é isso mesmo: nós temos, no Estado de Direito, os limites da lei para exercermos uma das nossas liberdades.
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Nós temos no Estado de Direito os limites da lei para exercermos as nossas liberdades, mas esse limite precisa compreender qual é a nossa natureza, a natureza humana, a natureza que busca, como disse no início desta curta fala, a sua felicidade.
Portanto, parabéns a todos. Quero me regozijar. Na época tinha 4 anos e 1 dia quando aconteceu a derrubada do muro. Então, será meu aniversário na próxima sexta-feira, 8 de novembro. Apesar de não ter vivenciado aquilo, digamos, de forma lúcida e consciente, entendo a grande importância histórica daquele momento, porque vivemos num mundo muito mais livre do que aquele mundo que existia antes da derrubada do Muro de Berlim. E com as consistentes e contínuas derrubadas de outros muros que vamos fazendo, por meio do diálogo e do entendimento, como é de praxe, dentro deste Parlamento, que tem inclusive um grupo parlamentar de amizade entre dois países, Brasil e Alemanha, e tantos outros grupos de amizade entre outros países, nós vamos chegar cada vez mais perto do nosso grande objetivo, que é o de garantir liberdade e democracia em todo o mundo.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Obrigado, Deputado Marcel Van Hattem. Há uma nova questão a ser levantada.
Por favor, a palavra está com...
A SRA. KAMILA ZARDINI GRAFETTI - Na realidade, não é questão nenhuma. Eu queria somente parabenizá-los pela iniciativa. Também sou da área de relações internacionais. Eu tive a honra, o prazer, na realidade, de ser aluna do Prof. Paulo Velasco. Então, vim prestigiá-lo. Tive a honra também de ser colega do Marcelo, que é um dos que ajudou nessa iniciativa.
Quero dizer que, como o Deputado falou, diariamente temos que lutar para destruir muros, enquanto muitos estão tentando construir novos muros. Vivemos numa sociedade cada vez mais bipolarizada, em conflito. Isso só afasta as pessoas, e a política não está aqui para afastar ninguém. Ela está aqui para aproximar as pessoas. Ela está aqui para aproximar o debate, para levar o debate à sociedade. A partir disso, poderemos construir um país melhor. Então, que esse dia não seja esquecido, porque faz parte da história, da história global, da história internacional, que faz parte da vida de cada um no Brasil também.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Passo a palavra ao Igor.
O SR. IGOR - Boa tarde. O meu nome é Igor, sou assessor de Deputado. Farei três questionamentos bem rápidos.
Queria saber se as relações que o Brasil tinha com a República Democrática Alemã eram diretas ou se havia intermédio da União Soviética ou algo assim.
Eu queria saber se, no processo de reunificação, existia algum movimento de independência da RDA ou se sempre foi a intenção essa reunificação.
E como foi o dia a dia dessa reunificação, porque houve o 9 de novembro, todas as festividades, mas, como também foi comentado, as transferências das embaixadas... Quais foram os maiores desafios da reunificação?
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Concluído, então, este bloco de perguntas, eu gostaria de passar a palavra para os debatedores e expositores, para que eles possam se manifestar. Algumas provocações foram feitas, umas questões diretas foram lançadas aqui para a Mesa.
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Eu peço que, na ordem de apresentação, quem puder responder às provocações, às perguntas, por favor, comece. Eu gostaria de passar a palavra, então, ao primeiro convidado que se habilitou aqui, ao nosso Prof. Paulo Velasco.
Peço ao Paulo que faça os comentários que quiser e faça também sua despedida, porque estamos chegando à finalização da nossa audiência.
O SR. PAULO VELASCO - Eu vou passar por algumas perguntas que foram feitas aqui. Depois, os colegas poderão completar. Eu não peguei o nome da primeira pessoa a fazer a pergunta. Qual é o seu nome?
A SRA. JULIANA - Juliana.
O SR. PAULO VELASCO - Juliana, eu acho que é por aí. Eu acho que a sua pergunta tem muito a ver com que eu coloquei. Quer dizer, ao final da Guerra Fria e com a Queda do Muro de Berlim, criou-se uma expectativa muito grande de que teríamos um mundo mais estável, mais pacífico, mais próspero e uma era de paz. E não foi isso que tivemos. Na verdade, nós tivemos inclusive a percepção de novos desafios, de novas ameaças na literatura de relações internacionais, que você conhece, porque fez mestrado na área. Fala-se em novas guerras, em novas ameaças. A Profa. Mary Kaldor tem essa ideia de novas guerras, guerras provocadas por nacionalismo, por xenofobia, por rivalidades étnicas, tribais, pelo próprio terrorismo. Então, é uma realidade internacional muito conflitiva, muito desafiadora. E o único caminho para lidarmos com esses desafios — e aí eu reitero o meu ponto — é via multilateralismo. Como é que se consegue lidar com o terrorismo transnacional em bases unilaterais? Impossível! Como é que pode haver uma lógica de cada um por si? Não há como. Não podemos fechar os olhos para o fato de que muitas crises nacionalistas e muitos conflitos decorrentes de rivalidades tribais e xenofobia resultaram do fato justamente de querermos isolar o outro, discriminar o outro, espoliar o outro.
Então, eu acho que, se resgatarmos um pouquinho os princípios que estavam por trás da Queda do Muro de Berlim, de solidariedade, de parceria, de cooperação, de multilateralismo, certamente estaríamos melhor para lidar com essas ameaças que você acabou de levantar, de pontuar.
Sobre o que o Deputado Rubens Bueno pontou, equilíbrio e bom senso, eu acho que é isso. Acho que o caminho para a política externa, não só do Brasil, mas de qualquer Estado, é por meio de equilíbrio e bom senso. Temos que lembrar que política externa não pode ser medida no curtíssimo prazo. A política externa naturalmente tem suas conquistas medidas a médio e longo prazo. Então, o ideal é que não haja grandes oscilações, mudanças muito bruscas, e que não haja uma contaminação, como você bem colocou, nem muito à Direita nem muito à Esquerda. Que os princípios que orientam o Brasil na cena internacional, aqueles princípios que foram usados para construir a identidade internacional do Brasil, Deputado, sejam observados e preservados. Então, esse é o caminho para o Brasil se colocar na comunidade das nações, pela via do equilíbrio.
O embaixador está aqui, e me parece que na Alemanha existe a mesma percepção. A política externa tem que ser tratada com muita cautela. Usou-se uma expressão na história da política brasileira, cunhada por um ex-chanceler dos anos 60, que equipava os chancelares a almirantes, porque um almirante que comanda um navio não pode buscar uma guinada muito brusca no navio. As guinadas têm que ser com comedimento, com cuidado, com parcimônia. O nome do livro é Diplomacia em Alto Mar, escrito pelo Embaixador Vasco Leitão da Cunha. Então, é uma referência interessante, é um paralelo para pensarmos o Brasil e para pensarmos, enfim, na política externa de modo geral.
Respondo ao Jorge, assessor da Câmara. A primeira pergunta eu não consegui ouvir. Não sei se foi em relação à Primeira Guerra, mas a Primeira Guerra Mundial foi fruto de uma série de fatores combinados, dentro os quais eu gostaria de destacar aqui, a título de provocação, o próprio imperialismo europeu, o neocolonialismo europeu do final do século XIX, que colou em disputa potências como França e Reino Unido, mais consolidadas na busca imperialista, e outras que chegaram tarde, como a Alemanha, que estava num processo de unificação no final do século XIX. Isso criou um clima de disputa. E, para completar um pouco essa equação complexa, a probabilidade de diplomacia secreta, tão usada pelos europeus no final do século XIX, que acabou empurrando o continente para Primeira Guerra Mundial.
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Sobre a presença de tropas americanas no território alemão, sim. Basta lembrarmos que a maior base da OTAN na Europa fica na Alemanha.
Obrigado, senhores. Para mim foi um prazer estar aqui com os senhores na tarde de hoje.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Obrigado, Prof. Paulo.
Eu passo a palavra para suas considerações finais e qualquer esclarecimento adicional ao Prof. Carlos Federico Domínguez Avila.
O SR. CARLOS FEDERICO DOMÍNGUEZ AVILA - Serei breve, porque já estamos na hora.
Agradeço o convite. Estou à disposição. Quero comentar que esse projeto de pesquisa histórica vai continuar entrando na época específica da reunificação. Então, quem sabe, no próximo ano, quando se comemorará os 30 anos, poderemos fazer uma nova contribuição.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Obrigado, professor.
Eu passo a palavra ao Embaixador Johann Georg Michael Witschel para seus comentários e considerações finais.
O SR. JOHANN GEORG MICHAEL WITSCHEL - Muito obrigado à Juliana.
Acho que no fim dos anos 80 e início dos anos 90 havia um sonho, talvez um sonho um pouco ingênuo, porque na Europa, na África e na América Latina existia um progresso inédito, incrível, mais democracia, mais abertura, mais mercado. Porém, as tensões, os interesses dos Estados, dos ditadores não sumiram. Então, pessoas como Saddam Hussein não estavam muito interessadas na liberdade dos cidadãos da Alemanha do leste. Eu acho que o fim da União Soviética não teve somente impactos positivos na Europa. Houve impactos negativos em outras partes do mundo. Com esse equilíbrio entre os dois grandes poderes, havia, sim, guerras representadas pelos dois lados, mas um certo controle entre os dois grandes poderes. Com o fim da União Soviética, esse controle não existia mais. Então, para mim, talvez a guerra do Saddam Hussein contra o Kuwait não acontecesse com uma União Soviética forte.
Então, infelizmente, muitas tensões, muitos problemas, conflitos, simplesmente continuavam a existir, apesar do fim da União Soviética, porque a situação do Afeganistão, no Oriente Médio e em partes da África era mais ou menos a mesma. Conflitos continuavam e precisavam de uma solução posterior, com elementos locais, regionais, etc.
Então, um sonho que se dissolveu 1 ou 2 anos depois no Oriente Médio, na Iugoslávia e em outras partes do mundo. Por outro lado, não é verdade que o número, a quantidade dos conflitos aumentou depois do fim da União Soviética. Ao contrário, melhorou um pouco.
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Quanto à presença das forças americanas você já respondeu, mas o interessante é que a OTAN sobreviveu. O Pacto de Varsóvia não sobreviveu, mas a OTAN sobrevive até hoje em dia. Por outro lado, as forças da OTAN são só deslocadas na antiga RFA. Então, as tropas americanas estavam na Alemanha, mas não a leste, na antiga RDA, não na Polônia, não na Lituânia. Há tropas em rotação, em rodízio, mas não há uma presença permanente das forças americanas a leste da antiga fronteira entre a RDA e a RFA.
Independência. Sim, havia essa ideia de uma finlandização na RDA. Havia, no início, considerações e um certo movimento político para continuar como RDA, mas num sistema democrático neutro, fora da OTAN, fora do Pacto de Varsóvia, como uma Finlândia alemã. Esse movimento só teve alguma atração talvez de outubro de 1989 até março, abril, maio de 1990. Depois disso, a ideia de reunificação ganhou força: nós somos um povo unido, um só povo alemão. Eu diria que, desde o verão de 1990, essa ideia de uma finlandização, de uma RDA independente, perdeu força e não teve um papel importante na discussão da reunificação depois.
Os desafios da reunificação são muitos. Um deles era que, apesar de todos os nossos serviços, segredos, nossos acadêmicos, partidos, etc., a avaliação da economia da RDA era completamente errada. Eu me lembro de avaliações que diziam que a economia da RDA, o lucro líquido para um Estado unificado, era de 30, 40 bilhões de deutsche mark, naquela época. Na verdade, isso era um desastre, porque a economia da RDA simplesmente era uma economia de falência, que não foi capaz de concorrer com os sistemas capitalistas. Então, era necessário — e ainda é necessário — um investimento enorme, de bilhões de deutsche mark, a fim de reestruturar e reerguer a infraestrutura, ou pelo menos amenizar um pouco o colapso da indústria e da economia da RDA.
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O outro desafio é na cabeça, um desafio que ainda existe. O progresso do partido populista de direita, o AfD, tem muito a ver com o fim da RDA e com esse muro nas cabeças que, como eu disse, ainda existe. Talvez agora esse muro na cabeça seja o maior desafio, porque o outro desafio — melhorar a infraestrutura, reerguer a economia — foi resgatado com algum sucesso.
Eu gostaria mais uma vez de dormir e ter esses sonhos dos anos de 1989 e 1990. Mas vivemos uma realidade que não é tão ruim, uma realidade que é muito melhor do que era no ano de 1985, com a Guerra Fria, essa ameaça assustadora de uma aniquilação total, cuja expressão em inglês era "mutually assured destruction", uma destruição mútua assegurada. O acrônimo de mutually assured destruction é MAD, que quer dizer louco. Era louco, mas funcionou.
A vida agora na Europa é muito melhor do que era antes de 1990, mas não é perfeita. Tampouco é perfeita no mundo inteiro.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Concedo a palavra ao Deputado Eduardo Barbosa.
O SR. EDUARDO BARBOSA (PSDB - MG) - Só me resta cumprimentar a todos e agradecer, Presidente Nilson, pela oportunidade de aprendizado neste momento. Como Ouvidor-Geral da Câmara, eu já identifico à Comissão de Relação Exteriores que esta audiência deverá ser divulgada de forma ampla nos nossos meios de comunicação, inclusive para os professores do nosso sistema educacional, que, no dia 9, quando tratarem do assunto dentro das escolas, poderiam ter esta audiência como referência, porque ocorreu aqui uma aula que a nova geração não teria condição de ter se não fosse pelo conhecimento e a vivência dos que aceitaram o nosso convite. Nós vamos sugerir à Comissão que faça esse encaminhamento à SERCOM, mas eu, como Ouvidor, já faço a indicação para que a audiência tenha outro alcance além de nós que a assistimos neste momento.
Agradeço a todos os nossos convidados.
O SR. PRESIDENTE (Nilson Pinto. PSDB - PA) - Deputado Eduardo Barbosa eu gostaria de finalizar agradecendo a todos os que participaram e contribuíram, especialmente aos nossos expositores.
Muito obrigado, Prof. Carlos Federico Domínguez Avila, pela revisão histórica importantíssima que fez. Eu, de fato, não fazia a menor ideia do nível de acompanhamento do trabalho que você fez a partir das fontes oficiais do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, a partir do acompanhamento direto do que aconteceu em Berlim.
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Obrigado, Prof. Paulo Velasco, pela síntese histórica perfeita.
Muitíssimo obrigado, Embaixador Witschel, que deu uma aula para todos nós.
Creio que todos nós crescemos muito com a participação de cada um de vocês. Agradeço a todos. Tenho certeza que agradeço também em nome dos que estão aqui e dos que pela Internet nos acompanharam.
Está encerrada a nossa audiência pública, que, para quebrar muros, se transformou em uma mesa-redonda, de modo que os presentes, e não apenas os Deputados, também pudessem fazer perguntas.
Obrigado a todos.
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