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O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Está iniciada a audiência pública que tem como tema Medicamentos à base de Cannabis na prática clínica.
Eu vou pedir que venham à mesa a Dra. Eliane Nunes e o Dr. Salomão Rodrigues. A Dra. Eliane Nunes é especialista em psiquiatria, doutora em ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, especialista em dependência química pela UNIAD, Universidade Federal de São Paulo. O Dr. Salomão Rodrigues é psiquiatra e conselheiro do Conselho Federal de Medicina.
O tema a ser tratado aqui é o uso medicinal da Cannabis, o uso dos medicamentos à base de Cannabis na prática clínica.
Quero desde já agradecer ao ilustre Relator, o Deputado Luciano Ducci e à Ana Karina, em nome de quem agradeço às assessorias.
Eu gostaria de convidar a Dra. Carolina Nocetti. Ela fará uso da palavra na próxima rodada. A Dra. Carolina é médica com experiência internacional em Cannabis medicinal.
Também convido o Dr. Ricardo Ferreira, especialista em cirurgia da coluna e em clínica da dor. Ele é consultor técnico da ABRACannabis — Cultive e Abrace Esperança.
Indago se o Dr. Ricardo já está aqui e o convido para se sentar na primeira fileira e participar da segunda rodada, já que aqui estamos procurando uma paridade de gênero. Assim, nós teremos sempre essa regra a tentar cumprir nas nossas audiências.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Eu gosto sempre de começar falando que eu não tenho nenhum conflito de interesses. Sou uma profissional sem nenhum vínculo com nenhum laboratório e não tenho nenhum familiar que trabalhe em serviços ou laboratórios, como pede o Conselho Federal de Medicina.
Eu estou atualmente Diretora-Geral da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis — SBEC, que é uma associação científica sem fins lucrativos que atua no território brasileiro. É um grupo formado por profissionais e acadêmicos de diversas áreas, interessados na promoção, consolidação e expansão da pesquisa científica, na disseminação da informação e na formação de profissionais no Brasil. É uma entidade nova. Nós tínhamos um grupo grande que conversava pelo WhatsApp. Desde o ano passado, nós começamos a fazer vários encontros, e a associação foi registrada.
Eu sempre gosto de mostrar que, embora pareça que sim, nós não estamos falando de uma medicação nova. A Cannabis já estava na primeira edição do Merck. No último final de semana, eu estive em Rio Grande, e um professor me mostrou um livro de 1867 que já dizia para quais patologias se poderia prescrever a Cannabis. Não é uma medicação nova. A própria Lilly também a produzia. Nós temos hoje uma medicação aparentemente nova, porque houve todo um trabalho de descoberta feito neste século. No século passado, nós sabíamos que a substância era importante, mas não sabíamos ainda o porquê. Eu gosto sempre de lembrar os cigarros índios, que são bem famosos, os cigarros Grimault, que eram utilizados para asma no começo do século passado. Não estamos falando de uma medicação nova. Na farmacopeia chinesa, desde 2.900 antes de Cristo, já estava descrita. Então, não há novidades. A China sempre produziu e ainda produz grande quantidade de cânhamo. E, por conta disso, eles têm facilidade de exportar o canabidiol para outras empresas. Muitas delas compram lá e embalam nos seus países.
Foi na década de 90 que nós tivemos mais clareza do assunto, com os trabalhos de Mechoulam, quando se descobriu o sistema endocanabinoide. Mas o canabidiol, eu brinco, foi descoberto no mesmo ano que eu nasci. Já tem 56 anos. Então, não é novidade. É um medicamento bem antigo. O tetrahidrocanabinol — THC foi isolado em 1964. O que nós percebemos a partir de 1990, quando se descobriu o sistema endocanabinoide, foi que todo ser humano, e até bichos unicelulares, tem anandamida e o sistema. Então, nós começamos a perceber que estamos falando de alguma coisa que está dentro de nós. Não é um medicamento que existia e que existe fora de nós. Nós mesmos produzimos anandamida.
O CB1 é um receptor. Foi descoberto em 1988. Em 1992, foi descoberta a própria anandamida e, em 1995, o 2AG. A partir desse momento, então, pode-se dizer que se teve a clareza de como agia a Cannabis indica, que já era produzida no século anterior. Aí sim a situação fica nova, porque só na década de 90 se tem essa clareza.
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Às vezes, as pessoas dizem que não há evidência científica quanto aos benefícios do uso da Cannabis, que não há trabalhos, que não há muita coisa escrita. Aí eu sempre digo a todos: como poderia ser diferente, se o governo americano controlava a patente? Desde 2003, os canabinoides estão na patente americana. Isso caiu este ano. Se vocês procurarem no Google, vão ver a descrição de todos os trabalhos científicos que foram feitos até 2003 para validar a patente. Mas há, sim, trabalhos científicos e evidências. E nós precisamos ter essa clareza, para que possamos fazer no Brasil alguma coisa um pouco melhor ou pelo menos igual ao que vemos nos outros países.
Como eu falei, a partir do momento em que foi descoberto o sistema endocanabinoide é que começamos a entender por que o canabidiol faz efeito. Muitas vezes as pessoas falam: "Vocês tratam a Cannabis sativa como se fosse Bombril, mil e uma utilidades". Sim, nós sabemos que muitas das patologias se desenvolvem porque o nosso sistema imunológico está afetado, e os canabinoides têm um efeito muito marcante no sistema imunológico, porque têm a ver com a homeostase. Isso é muito importante. Novamente, estamos falando de uma propriedade medicinal que, para nós, é muito relevante, porque controla a temperatura corporal, o apetite, a sede, a frequência cardíaca, a pressão arterial.
O Dr. Ethan Russo, um pesquisador envolvido em quase todos os medicamentos hoje registrados, postula que existe a síndrome da deficiência endocanabinoide. Ou seja, é pelo fato de o sistema estar over ou hipo que se desenvolvem as doenças. Então, nós precisaríamos produzir mais anandamida para fazer a correção do sistema. E uma das formas de estimular a produção de anandamida seria com os fitocanabinoides. Então, é muito importante saber que existe esse desbalanceio e que é isso que está na origem de muitas patologias. Há muita literatura sobre esse assunto. O Dr. Ehan Russo, que é uma referência, traz isso com muito carinho.
Eu gosto de brincar um pouco com isso. A partir do século passado, quando se começou a demonizar a Cannabis, as pessoas falavam que era a erva do diabo — não só o LSD, mas também a própria maconha. Falavam dos maconhistas, diziam que havia ritos satânicos e etc. Mas eu acho interessante lembrar que, a partir de 1936, depois de estudos arqueológicos, se descobriu que a Cannabis ou o cânhamo fazia parte do óleo sagrado dos israelenses. Então, é bíblico. Está lá o Q'aneh-Bosm. Para quem duvida, é só entrar nos escritos do Museu da Maconha de Barcelona. Lá estão todos os dados. Isso reforça o caráter sagrado do cânhamo. Quem gosta de ler a Bíblia, como eu, que tenho origem cristã, pode ver isso em Êxodo 30: 22-23. É importante ver que não é uma erva do diabo. É uma planta, uma superplanta, uma planta de Deus. Nós precisamos acabar com esse preconceito e realmente perceber como essa planta tem uma história muito importante com o homem.
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Nós podemos dar os mais diversos nomes. Agora se fala muito em cânhamo, que é um anagrama da palavra maconha. O trabalho do Dr. Carlini fala belissimamente sobre isso, as transformações das palavras para diminuir os preconceitos.
Desse o ano 2000 existem muitas dessas discussões, principalmente nos Estados Unidos, porque muitos de seus Estados permitem o uso adulto — não é nem o uso medicinal. Washington é um exemplo. Lá um idoso pode ir no dispensário e comprar sua medicação. Não precisa passar por um médico. Isso facilita demais. E nós vemos que, nesses Estados, acaba diminuindo o número de pessoas que morrem por overdose de opiáceos, o número de medicamentos usados, como calmantes. Então, sim, a maconha, a marijuana pode nos ajudar. Há uma vasta literatura, toda ela disponível na PubMed, na Internet. Sabemos que hoje não se pode esconder a ciência. Ela não está só nas bibliotecas, está também na Internet.
Os colegas também falam que não existem evidências. Muitos pacientes chegam para mim e dizem: "Seu colega diz que não há evidência, e a senhora prescreve?" Sim, eu prescrevo. E, sim, existem evidências atualmente de várias revisões sistemáticas para náuseas, para vômito, para dor crônica, para convulsões, para distúrbios do sono. Não é a Eliane, a pesquisadora que está dizendo isso. É a literatura que nos diz que existem evidências, e nós temos que estar atentos a elas, e não simplesmente achar que elas não existem.
Eu brinco, eu falo que nós faltamos à aula. Quem se formou ainda este ano não teve em sua grade curricular o sistema endocanabinoide. Para alguém como eu, que se formou em 1987, piorou, porque o sistema foi descoberto em 1992. Então, muitos colegas dizem que não há evidência porque ainda não estudaram o tema. E não o fizeram porque o preconceito é muito grande. Como eu tinha falado, as pessoas chamavam a Cannabis de erva do diabo.
Neste eslaide, mostro outra revisão sistemática sobre a evidência canabinoide. Há muita coisa sobre dor. Não dá para dizer que não há revisão bibliográfica. Há, sim. Depois, se vocês quiserem, disponibilizo todos esses eslaides para vocês olharem pontualmente cada questão. Eu não quero nem me delongar muito. Vejam outras revisões sistemáticas neste eslaide.
Nós sabemos que principalmente na minha área aqui no Brasil há bastante pesquisa. O Dr. Crippa desenvolve bastante pesquisa junto com o seu grupo. É só entrar no site Scielo e digitar Crippa, canabinoides e psiquiatria que vocês vão ver todos os trabalhos bonitos.
Um deles compara 50 mg de CBD a 1 mg de Rivotril. Obviamente, se déssemos 50 mg a muitos idosos, eles poderiam deixar de tomar o Rivotril, que é a clínica do dia a dia. Há muitos pacientes com 20, 30 anos de uso de benzodiazepínico. Poderíamos fazer um trabalho para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas.
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Esse trabalho do Mechoulam, que é o pai da maconha, vamos dizer assim, porque foi ele que a descobriu em 1963, mostra os efeitos farmacológicos da Cannabis para muitas coisas, como, por exemplo, analgésico, antiespamódico, que nós conhecemos, antiemético, neuroprotetor, anticâncer. As pessoas falam: "Nossa, mas THC é terrível". Não, o THC é muito importante para o câncer. Os trabalhos atuais mostram exatamente isso. Quem for a Israel poderá ver os trabalhos. Eles pegam um câncer, fazem uma lâmina, fazem um teste in vitro desse câncer e dizem qual é a planta que esse sujeito tem que usar. Então, nós vemos que há muitos trabalhos científicos. Há muitos artigos não tão antigos e mais recentes sobre isso.
Há um artigo do próprio Mechoulam, que eu não coloquei aqui, que fala da importância no autismo. Eu sou uma das primeiras pessoas que prescreveu para autismo. Nós vemos que realmente melhora a qualidade de vida da criança. Ela muda realmente e melhora. Então, é importante nós termos isso na prática clínica, como eu que, em 2015, comecei a clinicar. E, ao mesmo tempo, nós vemos os trabalhos e as pesquisas científicas nos lugares onde se pode fazer pesquisa científica, porque aqui no Brasil nós ainda sofremos muito preconceito quando queremos fazer esse tipo de trabalho.
Nós vimos no último congresso de psiquiatria um decálogo apoiado pela associação e pelo Conselho Federal de Medicina. Nós fizemos um estudo, um levantamento ponto a ponto de cada item daquele decálogo com os artigos científicos contradizendo aquilo que estava se falando. Então, eu acho importante que nós, enquanto cientistas, pesquisadores, médicos, clínicos e vocês que fazem as leis, tenhamos realmente a clareza do que estamos falando e que não falemos baseado no preconceito.
Eu não vou me delongar porque esse artigo que nós fizemos tem 15 páginas, mais de 50 artigos científicos, para falar ponto a ponto cada uma das afirmativas citadas lá.
Eu acho muito importante que lembremos do efeito entourage, o efeito comitiva. Nós sempre falamos sobre isso porque as pessoas falam muito canabidiol, que talvez até seja uma forma mais bonita de falar maconha, mas não é só o canabidiol que é importante. Nós brincamos que é como um coquetel da AIDS. Se eu der uma das substâncias, não vai ter aquele mesmo efeito se eu der todas as drogas daquele coquetel. A mesma coisa percebemos quando damos um óleo mais completo, como nós chamamos de Óleo Full, com vários princípios ativos existentes na planta. Acontece uma sinergia, e esse efeito chamado comitiva faz com que usemos cada vez menos concentração. Nós utilizamos muito mais o CBD puro, o canabidiol puro, em relação ao efeito comitiva.
Os efeitos colaterais — e muitas pessoas reclamam do THC, que pode dar uma certa disforia, enfim, alguma alteração perceptual — diminuem bastante. Então, para um paciente que tem câncer isso é importante, porque o paciente que usa o Óleo Full com THC tem menos efeito colateral se usasse somente o THC. Vale ressaltar que aqui no Brasil nós podemos prescrever, mas o único que tem é o Mevatyl. Então, não temos o Óleo Full com THC. Só temos uma droga que tem o efeito comitiva de dois: CBD e THC. É por isso que funciona bem. É importante ter pelo menos duas substâncias nesse composto.
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Eu acho que não podemos desfocar que nós temos uma planta na mão. Não é o canabidiol, como muitas vezes eu vejo na mídia. Nós temos uma planta que é um mato, que é um supermato aliás, que nós precisaríamos talvez pensar nele dessa forma, porque nós temos um plano da ANVISA para plantas medicinais que seria perfeito. Então, nós trabalharíamos com ela, reconhecendo as práticas populares, porque a Cannabis veio com os portugueses para o Brasil, mas também foi muito usada pelos negros e foi a primeira droga a ser proibida exatamente com a capoeira, com o pito do pango, em 1800 e pouquinho. Nós temos uma questão histórica, mas temos que reconhecer que existe o uso tradicional.
E, dentro do Programa Nacional de Plantas Medicinais, vemos que todas as propostas são muito interessantes. Nós trabalharíamos com a agricultura familiar, aperfeiçoaríamos todos os marcos regulatórios, a produção das plantas medicinais. Eu não vou me atentar muito aos detalhes, mas o plano está inteiramente disponível na Internet. Então, nós vemos que poderíamos fazer uma adaptação a isso. E se tivéssemos, como disse o Carlini, em 2010, uma agência nacional da Cannabis medicinal, nós poderíamos discutir desde o comecinho da semente até o final do produto, a medicação. Nós acreditamos que é preciso olhar com carinho e não só simplesmente olhar como cânhamo ou como CBD ou como THC.
Nós acreditamos, dentro da nossa proposta, que seria interessante que não fosse pensado só apenas na importação, porque uma grama do canabidiol para chegar aqui no Brasil custa mais de 500 reais. Eu posso pagar um pouco menos ou um pouco mais, dependendo da marca, mas para algumas pessoas isso é inviável, tendo em vista que existem pessoas que tomam uma grama por dia. Então, como você vai sustentar isso? Nós precisaríamos, sim, ter uma produção nacional que não custaria mais que 150 reais. Isso não sou eu que estou dizendo. Vemos que há vários estudos feitos, e nós só precisaríamos ter a clareza de que, além de desenvolver no Brasil uma indústria brasileira, nós poderíamos também exportar e cobrar, como se faz no Colorado, 10% da venda. E isso seria aplicado para a saúde e a educação. Em 2017, foram vendidos 2 bilhões de dólares no Estado do Colorado, sendo que 200 milhões foram destinados para saúde e educação. Então, nós poderíamos realmente fazer uma revolução só cobrando uma taxinha dessa venda aqui.
Então, como profissional do SUS, tenho 32 anos de serviço no SUS, sou aposentada, eu gostaria muito de ver na Farmácia Viva os meus pacientes epiléticos, com microcefalia, com vários outros problemas, autistas, que pudessem ter esse acesso. Então, fica aqui o nosso pensamento para que vocês possam pensar também.
Nós só podemos prescrever, então, a partir dessa regulamentação. E aí é muito complicado. Antes eu preenchia cinco papéis. Agora eu preencho três. De qualquer forma, o meu paciente, a partir do dia 2 de outubro, precisa entrar no cadastro geral. Não é todo paciente que consegue entrar. Convido vocês a entrarem para verem como é complicado. Na minha opinião, não houve nenhuma facilidade. Nós continuamos assim: só passou de três papéis para dois. E não está mais na ANVISA, está no Governo. Então, existe todo um questionamento do porquê disso. Mas, enfim, o paciente consegue controlar de onde está indo para onde está indo.
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Nós temos, provavelmente, 10 mil autorizações e 10 mil na fila de espera, segundo conversa que vamos ouvindo. Então, se colocarmos na ponta do papel — isso foi falado até pelo colega Ricardo, numa outra apresentação —, temos, por baixo, 7 milhões e 400 mil pessoas que gostariam dessa medicação, se citarmos só dor crônica, autismo e epilepsia intratável. Então, se colocamos aí três zeros, porque é isso que a pessoa gasta ou até mais, entendemos por que está tendo todo esse problema. Onde há problema siga o rastro, porque está ali o dinheiro. O nosso problema todo é financeiro, econômico, de interesses e tudo mais.
Então, gostaríamos, sim, de discutir isso com um pouco mais de qualidade. Hoje, como eu falei, para o CBD que não tem THC, eu tenho que fazer todos os passos, eu tenho que preencher vários anexos, enquanto que, para prescrever o THC, eu só preciso preencher essa folhinha aqui, o receituário A, e não preciso mandar para ANVISA nada. O paciente faz a encomenda na farmácia e já sai com o seu THC no bolso. Será que não podemos pensar numa situação um pouquinho mais fácil? O paciente precisa disso hoje, não amanhã. Ele também não tem essa facilidade, essa inclusão digital que gostaríamos.
Nós nos preocupamos muito com informação. Portanto, faremos um evento em São Paulo para discutir um pouco sobre prescrição e direito, porque achamos importante falar isso e ver onde está o médico nessa história, porque, de certa forma, somos pressionados. Eu sou psiquiatra e estou tranquila, os neurologistas também estão tranquilos, mas a última resolução, de 2014, estabelecia que só médicos psiquiatras e neurologistas podiam prescrever, e só para pacientes de até 18 anos. Então, precisamos resolver isso. Não podemos ficar nessa berlinda. Teremos também o V Fórum de Cannabis Medicinal na Câmara. Esses são os dois eventos que estamos realizando este mês, que é o mês verde, quando há muitos eventos acontecendo, inclusive aqui.
Nós fizemos um manifesto e, desde o ano passado, estamos coletando assinaturas de pesquisadores. Eu não sei se é possível protocolá-lo aqui na Casa. Nós temos muito interesse de fazer com que se entenda que nós queremos pesquisar, que nós queremos prescrever e que nós queremos que o paciente tenha acesso. Quem tem dinheiro vai para os Estados Unidos, compra, põe na mala, volta e está tudo resolvido — é o ilegal —, com 1, 2, 3 mil. Então é muito fácil. Agora, o paciente que precisa vai buscar no mercado paralelo.
Nós temos hoje um mercado paralelo gigante, do mesmo jeito que o tráfico. As pessoas, às vezes, vão lá, pegam uma maconha do tráfico, fazem o óleo e vendem aquilo como um extrato puro da Califórnia. Nós sabemos que isso não é uma coisa interessante para o nosso País. E nós podemos, sim, ter esse assunto como uma prioridade nacional e reconhecer a importância dos nossos pesquisadores, porque também temos pesquisa aqui no Brasil. Acharmos que não temos é pouco. Como dizem os colegas, nós precisamos plantar conhecimento para colher esperança. Nós lutamos pelo uso da Cannabis medicinal para os nossos pacientes na Farmácia Viva, no SUS. Esse é o sonho. Temos que nos nortear pela utopia. Mas isso seria o ideal aqui no Brasil.
As associações parceiras, com as quais estamos sempre conversando, têm vários profissionais, e hoje elas são maiores do que ela. Há a Cultive, em São Paulo; a APEPI, no Rio de Janeiro; a ABRACannabis, no Rio de Janeiro; a Florescer, no Paraná; a Aliança Verde, no Distrito Federal; a ABRACE, na Paraíba; a Liga Canábica Paraíba, também na Paraíba; a Liga Canábica do Piauí; a Reconstruir, no Rio Grande do Norte.
Aliás, na semana que passou, elas tiveram, pela segunda vez, a liminar negada para 88 pacientes que conseguiram implantar. Então, precisamos realmente mudar.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Dra. Eliane.
Dra. Eliane, nós gostaríamos muito de ter o Dr. Carlini aqui. Nós sabemos que ele está doente, mas, se ele concordar, será uma homenagem a esta Comissão, já que, creio eu, seja ele um dos que iniciou esse debate no Brasil e deu tanta credibilidade a ele. Por favor, conduza a ele o nosso abraço e o nosso convite também para participar, se puder, de uma reunião aqui conosco.
Registro a presença entre nós da Deputada Angela Amin, Vice-Presidente desta Comissão, que também desempenha um papel fundamental para o progresso dessa temática neste Congresso Nacional. Ela é forte na Câmara e no Senado.
Eu vou procurar fazer um contraponto ao que foi trazido pela Dra. Eliane, colocando, sem preconceitos, aquilo que vivemos estritamente no eixo científico dessas questões. Eu sou psiquiatra há quase 50 anos. Eu me formei em 1971 e trabalho até hoje na atividade médica.
Eu acho que esta Casa recebe os temas polêmicos do País de todas as áreas. Na área médica, o art. 5º da Lei 12.842 delegou ao Conselho Federal de Medicina a missão de normatizar o exercício da medicina. Entretanto, os temas mais polêmicos acabam nesta Casa que representa a sociedade. E eu acho que esse tema, como outros temas médicos, por exemplo, o aborto, virão para esta Casa, e talvez sejam encaminhados a plebiscito, para que a sociedade brasileira tome uma decisão e não apenas quem está no gabinete ou quem está no exercício do seu trabalho.
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Na história da medicina e da farmácia, o uso empírico de extratos vegetais no tratamento de inúmeras doenças humanas evoluiu para o isolamento e a síntese de princípios ativos terapêuticos, e estes, submetidos a ensaios clínicos cientificamente controlados, podem expressar o seu perfil de eficácia e tolerância.
Então, de uma forma geral, nós podemos entender que o tempo empírico dos extratos vegetais passou. Hoje nós estamos no tempo do isolamento e da síntese de princípios ativos terapêuticos. E, se não é possível a síntese, a extração é sempre possível. Então, trabalhar com grupos, com óleos que não sabemos, que não conhecemos exatamente a quantidade e que podem variar de acordo com a idade da planta, com a época da colheita, se é floração ou não é floração, tudo isso vai ter uma variação, principalmente os extratos de origem doméstica, porque a capacidade técnica daquela pessoa não é suficiente para que ela cultive adequadamente e faça o extrato adequadamente.
Nós temos crianças com Síndrome de Dravet em que o canabidiol associado a anticonvulsivantes faz o controle, e a pessoa desce de 60 a 80 convulsões por dia para três, quatro ou cinco, mas ela tem uma ciclagem de aumento e diminuição de convulsões que muito provavelmente estejam relacionados à concentração dos princípios ativos existentes na planta em cada época.
A Cannabis contém, dentre seus inúmeros componentes, o canabidiol — os dois principais componentes mais estudos até hoje é o canabidiol e o THC, que é o tetrahidrocanabinol —, uma substância psicoativa que pode ser isolada ou sintetizada por métodos laboratoriais seguros e confiáveis, mas cujos efeitos ainda não estão bem estabelecidos cientificamente. Falta muito a saber ainda.
Eu adianto, principalmente para vocês que são mais estudiosos do assunto, como a Dra. Eliane, que o Conselho está na fase final de um levantamento extremamente amplo, talvez o maior estudo dentre tudo que que já foi publicado sobre maconha no meio científico médico. Eu acredito que esse trabalho, que está sendo conduzido pelo Dr. Wanderley, deve estar perfeitamente fechado até o finalzinho do ano. Isso vai poder nos dar mais segurança para decidir sobre o que fazer legislativamente, se vamos autorizar o médico a prescrever ou se não vamos autorizar o médico a prescrever. Infelizmente ou felizmente, essa é uma responsabilidade que recai sobre os médicos que estão no Conselho Federal de Medicina.
Um reduzido número de estudos tem demonstrado a ação terapêutica do canabidiol. Realmente esse número não é grande. Existem, às vezes, em alguns setores, muitos trabalhos, mas, se você pega o trabalho, você vê o número de pessoas pesquisadas, e esse número é seis, é oito, é um número extremamente pequeno. Nós temos hoje, na doença de Parkinson, uma pesquisa brasileira grande em andamento, dirigida pelo Dr. Vitor Tumas, da USP de Ribeirão Preto. Ele é neurologista e está conduzindo uma pesquisa realmente exaustiva, de fôlego, com um número bem grande.
As pesquisas do meu caro amigo Crippa são também menores, em número bem pequeno, e não nos permitem tomar uma decisão de autorizar ou não o uso de determinadas substâncias.
Foi com essas considerações e algumas outras que o Conselho Federal de Medicina regulamentou o uso compassivo do canabidiol como terapêutica médica, exclusiva para o tratamento de epilepsias na infância e adolescência refratárias às terapêuticas convencionais.
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É bom lembrar que a Fase IV, a última fase — eu vou daqui a pouco mostrar quais são essas fases de pesquisa — traz muitas vezes surpresas. Acho que todo mundo está lembrado do Vioxx, um medicamento de grande poder anti-inflamatório que, no mundo inteiro, entrou no mercado e era extremamente prescrito por toda a classe médica, principalmente pelos reumatologistas. O que se observou na Fase IV? As pessoas que tomavam Vioxx, que era um medicamento de uso contínuo, em função de tratar doenças crônicas, começaram a morrer mais de infarto. E ficou bastante evidente que ele melhorava muito a qualidade de vida dos pacientes, por fazer diminuir ou desaparecer suas dores, mas a morte se antecipava. Isso levou o Vioxx a ser retirado do mercado. A mesma coisa aconteceu com o Rimonabanto, um medicamento que prometia um milagre: a perda de peso especialmente na barriga. Ele foi lançado e realmente cumpria isso, mas as complicações que foram surgindo na Fase IV foram muito grandes.
Então, nós temos que ter consciência de que qualquer fármaco que se pretende usar ou que se usa tem os seus benefícios, mas também os seus malefícios, e, para o equilíbrio, a avaliação do risco-benefício precisa ser cuidadosamente feita.
A Fase I é o primeiro estudo universalmente aceito em seres humanos, embora em pequeno grupo de voluntários sadios. A Fase I objetiva estabelecer uma avaliação preliminar da segurança e do perfil farmacocinético do novo fármaco. Na Fase I, o voluntário é submetido a doses crescentes da droga em teste, de acordo com um cronograma predeterminado. A Fase I também envolve estudos do metabolismo e da biodisponibilidade da droga. Após estudos em voluntários normais, os ensaios iniciais em pacientes também constituirão parte dessa fase. Tipicamente, estudos de Fase I envolvem entre 20 e 80 pacientes de cada grupo de pesquisa.
A Fase II é o estudo terapêutico-piloto. Trata-se de estudo realizado com número limitado, ainda pequeno, de pacientes — pessoas afetadas pela doença, e não mais voluntários. Objetiva demonstrar a atividade farmacodinâmica e estabelecer, a curto prazo, a segurança do princípio ativo e também estabelecer as relações dose-resposta, para obter dados sólidos para consubstanciar os estudos posteriores. Raramente a Fase II é aplicada a grupos maiores que 100 ou 200 pacientes por droga.
A Fase III é o estudo terapêutico ampliado. Trata-se de estudo realizado em grandes e variados grupos de pacientes.
Objetiva determinar o risco-benefício a curto e longo prazo das formulações do princípio ativo e seu valor terapêutico relativo, além de explorar o perfil das reações adversas e características especiais: interações farmacológicas e biodisponibilidade.
E a Fase IV, que nós já citamos, é o estudo pós-comercialização. Trata-se do estudo realizado com base nas características que autorizaram o novo medicamento. Objetiva fazer uma vigilância pós-comercialização, para estabelecer o valor terapêutico, o surgimento de novas reações adversas, suas frequências e as estratégias de tratamento.
Eu vou mostrar rapidamente o abstract de alguns trabalhos que eu acho que devem também entrar na balança na hora de tomarmos decisões tão importantes para a vida da população.
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Problems with the Medicalization of Marijuana é um trabalho de Wilkinson e Deepak. Um trecho traduzido diz o seguinte: “Um significativo, mas em grande parte esquecido, problema com o movimento da maconha medicinal é a mensagem que o público assimila de sua legalização e prevalência crescente”. Esse é um artigo publicado no JAMA, o jornal da Associação Médica Americana, em junho de 2014. Ele faz uma advertência, não propõe uma vedação. O que ressalta é que nós devemos ter cuidado e saber o que é que está acontecendo, o que está fazendo a população com aquilo que nós estamos divulgando e propondo.
Esse é um trabalho da Articles sobre os canabinoides também e que mostra resumidamente que, como os canabinoides medicinais de fundo, incluindo Cannabis medicinal e canabinoides farmacêuticos e seus canabinoides medicinais derivados sintéticos, como tetrahidrocanabinol — THC e canabidiol — CBD, têm sido sugeridos para ter um papel terapêutico em certos transtornos mentais, foram analisadas as evidências disponíveis para verificar a eficácia e a segurança de todos os tipos de canabinoides medicinais nesses tratamentos. E a resposta não foi satisfatória.
Esse é o trabalho de um grupo brasileiro da UNIFESP, mas que foi publicado no British Journal of Psychiatry, o jornal de psiquiatria britânico, que mostra que o uso da Cannabis antes dos 15 anos tem o poder de impedir o desenvolvimento intelectual. O potencial de QI que a pessoa tem não alcança o seu limite, fica vários pontos abaixo. É algo importante, e há publicações internacionais sobre isso também. Resumidamente: usuários crônicos de Cannabis de início precoce apresentaram pior desempenho cognitivo do que controles e usuários de início tardio no funcionamento executivo. O uso crônico de Cannabis, quando iniciado antes dos 15 anos, pode ter efeitos mais deletérios sobre o funcionamento neurocognitivo.
Esse é um outro trabalho. É da Pharmaco Economics. Aborda o aspecto econômico, que, para nós, não é tão interessante. Mas isso também entra no jogo, porque hoje a maconha medicinal é financiada principalmente por um grande investidor internacional, que é o George Soros. E ele não esconde isso. Ele declara isso, dá entrevistas sobre isso.
E a pretensão dele é trabalhar na comercialização como se tem a comercialização hoje do tabaco.
A introdução de medicamentos — é a conclusão desse trabalho — à base de Cannabis pode oferecer alívio dos sintomas da doença. No entanto, o seu custo adicional precisa ser considerado ao lado de sua eficácia. Procuramos rever os custos e benefícios econômicos prescritos em qualquer doença crônica e as estruturas usadas para sua avaliação econômica.
E, para finalizar, eu queria fazer meu merchandising.
Nós médicos estamos vivendo um momento muito importante. A Medida Provisória nº 890, que dispõe sobre a revalidação de diplomas de médicos, está tramitando nesta Casa e vai ser votada amanhã. É uma lembrança aos Srs. Deputados e à população da importância de que esta Casa não flexibilize a revalidação de diplomas para aqueles que não têm a formação adequada e que o processo de revalidação seja um processo que está previsto na Lei de Diretrizes e Bases há muito tempo, que é capaz de avaliar se esse egresso de uma escola de medicina do exterior está capacitado ou não para exercer a medicina.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Dr. Salomão Rodrigues.
Eu peço à Dra. Eliane Guerra que se acomode ali na bancada para que possamos chamar os dois próximos convidados.
Neste momento, registro a presença entre nós da ilustre Deputada Carla Zambelli. Eu soube de grandes novidades sobre V.Exa. recentemente e fiquei feliz pelas novidades. Eu soube dessas novidades a respeito da Deputada Carla Zambelli através da imprensa, mas, como vieram pela imprensa, não cabe a mim divulgá-las. No entanto, o sorriso de V.Exa. demonstra que essas notícias...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Ah é? Foi você.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Não, mas está público já, Presidente. Então, não tem problema. Eu me casei há duas semanas e descobri que estou grávida a uma semana. Olhe só que coisa relâmpago.
(Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Então, meus parabéns. E compartilhamos da alegria de V.Exa.
(Palmas.)
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Peço desculpas a V.Exa. pela minha ausência. Essa gravidez está um pouco complicada agora no começo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Mas nós desejamos que seja uma gravidez tranquila e que o menino ou a menina venha com saúde.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Se for menina, rosa; se for menino, azul. Estou brincando.
(Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Pensei que ia se chamar Rosa.
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Passo a palavra para a Dra. Carolina Nocetti no tempo regimental. Mas, antes, peço a V.Sa. paciência, porque nós temos quórum e eu gostaria de aprovar os novos requerimentos.
Requerimento nº 43, de 2019, do Sr. Bacelar, que solicita a realização de audiência pública com os seguintes convidados: Dr. José Alexandre de Souza Crippa, Prof. Antonio Waldo Zuardi e Dr. Jaime Eduardo Cecilio Hallak para debaterem a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação.
O SR. PRESIDENTE (Luciano Ducci. PSB - PR) - Requerimento nº 44, de 2019, do Sr. Paulo Teixeira, que requer a realização de audiência pública nesta Comissão, com o seguinte convidado: Sr Richard Parrott, Diretor da Divisão de Licenciamento de Cultivo CalCannabis do Departamento de Alimentos e Agricultura da Califórnia.
Requerimento nº 42, do Sr. Paulo Teixeira, que requer a realização de audiência pública nesta Comissão, com os seguintes convidados: Dartiu Xavier da Silveira, professor livre-docente da Universidade Federal de São Paulo, tendo experiência na área de medicina, com ênfase em psiquiatria, psicologia e neurociências; e Eliseu Labigalini Junior, médico-psiquiatra, pós-graduando do PROAD/UNIFESP (Programa de Orientação e Assistência ao Dependente - Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo).
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, ilustre Deputado Luciano Ducci.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Eu estou aqui também pelo Laboratório de Estudos da Dor, da UNICAMP, que está tendo um trabalho também muito importante no estudo da Cannabis medicinal e dos canabinoides em dor. Eu sou fundadora da InterCan & InterDoc, uma empresa de educação e uma de cuidado com o paciente. Sou membro da International Association for Cannabis as Medicine, que é uma entidade internacional, e da SBED, que é a Sociedade Brasileira para Estudo da Dor. Faço parte da equipe do Laboratório de Estudos da Dor, da UNICAMP. E tenho certificação ECFMG, que é a revalidação do diploma de medicina nos Estados Unidos.
O meu encontro com a Cannabis medicinal aconteceu por uma questão pessoal. Eu fiquei nos Estados Unidos quase 10 anos, onde eu revalidei meu diploma. Eram 14 ou 15 horas. Chegou uma hora em que eu não conseguia nem comer, nem dormir. Eu estava buscando um sossega-leão para conseguir dormir e estar acordada às 6 horas da manhã no dia seguinte. As medicações disponíveis poderiam levar à morte. Aquilo me assustou tremendamente. Como assim eu não tinha uma opção segura para dormir de forma tranquila? Um colega médico me falou sobre Cannabis medicinal. Se não fosse isso, eu jamais estaria aqui conversando com vocês. Eu não tinha ninguém próximo que falasse sobre Cannabis. Ninguém nunca mencionou isso em conversas científicas. Então isso aconteceu puramente por uma necessidade pessoal. Quando fui procurar na Internet "Cannabis medicinal", fiquei muito impressionada e sensibilizada comigo mesma por ter investido tanto dinheiro no meu estudo, por estar sozinha lá nos Estados Unidos, e os livros de medicina não a mencionavam.
Vou trazer aqui um ponto. O meu objetivo aqui era fazer uma comparação entre as medicações disponíveis e a Cannabis medicinal, mas na realidade não existem estudos comparativos, muito por causa do Comitê de Ética, porque eles não querem que o paciente fique sem a medicação. Então é muito complicado fazermos esse tipo de estudo hoje.
Eu trouxe essa diferenciação entre eficácia e eficiência. Eficácia é algo que atinge um propósito, e eficiência é algo que executa esse propósito da melhor maneira possível. Temos que fazer essa diferenciação, porque existem diversas medicações que são eficazes — por exemplo, para a dor ou outras indicações —, mas elas são eficientes? Para considerar eficiente um medicamento, temos que levar em consideração o custo biológico, o custo financeiro, etc. Não é só se resolveu ou se não resolveu. E aí precisamos trazer também uma questão de adaptação individual. Cada paciente é um indivíduo diferente. Essa coisa de dar a mesma quantidade de medicamentos para todos os pacientes dentro de um protocolo, que é o que normalmente se exige para se fazer o registro de um produto, não funciona bem — não funciona bem para a Cannabis, nem para a maioria das medicações.
Também quero trazer uma questão que vai além do diagnóstico em si do paciente — por exemplo, na fisiopatologia da dor. O estresse é um importante tópico quando estamos discutindo a dor, mas não é levado em consideração em estudos científicos de registros de produtos. É "resolveu ou não resolveu?" Mas e o estresse? E a ansiedade dessa dor? Está dormindo melhor? Esses são pontos que estão sendo negligenciados pela medicina tradicional.
Eu também trago este quadro de refratariedade. Se considerarmos os casos refratários de autismo, epilepsia, Parkinson, Alzheimer e dor neuropática, temos 10 milhões de pacientes que não têm resolução nenhuma com as medicações estabelecidas que estão lá na farmácia. Lembro que o autismo tem zero medicação disponível. Cerca de 1 em 58 crianças está no espectro autista hoje, e não temos 1 medicação na farmácia.
Eles estão sendo completamente negligenciados, e a Cannabis medicinal é, sim, uma opção. O total é de 10 milhões de pacientes.
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Eu também gostaria de citar esta patente americana, a 507. Ali eles já mencionam o uso dos canabinoides em Parkinson, doença de Alzheimer, demência do HIV: doenças neurodegenerativas. É o Governo americano, não a Carolina. E não é só o Governo americano, é o Departamento de Saúde do Governo americano.
Então, os países de primeiro mundo são de primeiro mundo por um motivo: eles sentam, estudam e tomam decisões baseadas na melhor qualidade de vida do paciente, não se é melhor financeiramente para um grupo específico.
Também queria dizer que a Organização Mundial de Saúde fez uma recomendação para as Nações Unidas recentemente de que preparações contendo CBD com THC até 0,2% são tão seguras que sugerem não haver regulamentação internacional. Digo, de novo, que isso não é coisa da Carolina, mas da OMS.
Eu sou consultora técnica e, apesar de não ter nenhum conflito de interesse, não tenho exclusividade com ninguém. Hoje sou consultora técnica da primeira empresa brasileira do mundo a ser apoiada pelas Nações Unidas. Nós temos apoio das Nações Unidas, mas não temos apoio aqui dentro.
Queria dizer para quem tem dúvida sobre o sistema endocanabinoide que esse é um livro referência. Qualquer estudante de Medicina tem isto na sua mochila: Rang & Dale, Farmacologia. Está lá no capítulo 18. Então, se alguém tiver dúvidas sobre o sistema endocanabinoide ou sobre o potencial terapêutico dos canabinoides, sugiro sentar e estudar esse livro.
Vou trazer um aspecto da dor. Hoje 37% dos brasileiros são afetados por dor crônica. Essa é uma prevalência muito alta. Isso corresponde a mais do que um terço da população brasileira sofrendo hoje. Houve uma reclassificação da dor. Com essa reclassificação da dor, 42% dos brasileiros têm algum tipo de dor. Queria mencionar que os anti-inflamatórios são as medicações mais usadas nesses casos.
Se nós formos ver os 9 anos da guerra do Vietnã e compararmos, entre 90 e 99, a quantidade de pessoas que morreram por uso de anti-inflamatórios, veremos que morreu mais gente por uso de anti-inflamatório do que na guerra do Vietnã. Morreu tanta gente por uso de anti-inflamatório — esse é um estudo americano — quanto morreu por homicídio. É muito relevante esse dado.
Quero lembrar aqui também que, em 99 — agora está um pouquinho diferente o número de mortes anuais —, a terceira causa de mortes era por toxicidade por uso de anti-inflamatório. Isso é algo que se vende na farmácia sem prescrição, sem ANVISA, sem CFM, sem nada. Você vai lá, entra e compra. Trata-se da terceira causa de mortes.
A AIDS melhorou — não está matando tanto por ano —, mas é o mesmo número. As pessoas continuam tomando medicamento anti-inflamatório para dor do mesmo jeito.
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Vamos falar um pouco sobre eficiência. Eu vou colocar aqui uma lista. Isso vai estar disponível depois. Procurem minha rede social, Instagram, @dracarolinanocetti, porque eu vou liberar um link de uma pasta do Google Drive para vocês terem isso. Deem isso para seu médico, para seu familiar, para seu vizinho, sentem-se e estudem, compartilhem com quem vocês quiserem esses estudos, inclusive essa lista de efeitos colaterais. AAS? Morte. Dipirona? Pode levar à morte. Paracetamol e codeína? Vejam a lista. Ibuprofeno? Diclofenaco e ibuprofeno elevam o risco de parada cardíaca em quem os usa em 51% e 31%, respectivamente. Não são tão inocentes assim diclofenaco e ibuprofeno. Amitriptilina? Morte como possível efeito colateral. Clomipramina? Potencial fatal. Fenitoína? Risco de morte. Carbamazepina? Vejam a lista de efeitos colaterais. Ácido valproico? Casos fatais, óbito, risco de morte. Morfina? Morte. Metadona? Morte. Metotrexato? Morte súbita. Leflunomida? Uma lista de efeitos colaterais. Sulfassalazina? Morte. Penicilamina? Morte. Azatioprina? Morte. Infliximabe? Morte. Etanercepte? Morte. Rituximabe? Uma lista enorme de efeitos colaterais.
Agora vamos falar de uma medicação que tem mortalidade zero. Estamos discutindo e nos incomodando com uma medicação que tem mortalidade zero em mais de 5 mil anos de história. Então, quanto à segurança, mencionam como efeitos colaterais do THC transtornos psicóticos. Isso ocorre quando não se está usando a cepa certa, há centenas de cepas diferentes. Se estudarmos a cepa certa, veremos que é antipsicótica. Mencionam, no uso crônico, ansiedade e ataques de pânico. De novo, um médico que estuda esse assunto não vai dar uma planta que causa ansiedade no paciente. Há produtos ricos em CBD que são ansiolíticos. Então, eu acho que muitos dos dados que estão aqui devem-se à falta de conhecimento no manejo terapêutico dessa medicação. Não é que a medicação é ruim; a medicação está sendo mal gerida. Mas ela tem uma questão positiva, por exemplo: consumo agudo pode diminuir a resistência das vias aéreas. Isso é broncodilatação, isso é positivo, se usado como efeito. Se você considerar isso um efeito, ele vai ser positivo. Mencionam também aumento da atividade cardiovascular e diminuição da pressão arterial. Eu sou prescritora, e 100% dos meus pacientes têm prescrição de Cannabis medicinal. Eu não atendo nada que não tenha indicação de Cannabis no meu consultório. E eu tenho paciente que está desmamando de remédios para pressão porque faz vasodilatação, isso já é conhecido.
Outros possíveis efeitos colaterais são: sonolência, boca seca, náusea, euforia, depressão e diarreia. Não há morte. Isso dá uma segurança para o nosso consultório que nós não vimos naquelas dezenas de eslaides que eu mostrei para vocês, cheios de efeitos colaterais. Não há.
E o CBD é ainda mais seguro do que óleos ricos em THC. É ansiolítico, analgésico, anticonvulsivante, antipsicótico, antiinflamatório, imunomodulatório. Há uma lista de potenciais benefícios.
As pessoas que se utilizaram de 5 miligramas a 1,5 gramas de CBD não reportaram efeitos adversos significativos. Isso é um dado muito relevante. Está aqui. A morfina que está lá na farmácia está no topo direito acima, e a Cannabis está ali do lado esquerdo, bem mais segura.
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E as doses, as overdoses nos Estados Unidos estão ali. Opioides, número de mortes. Heroína e cocaína. E a Cannabis, zero, ali embaixo. Os tratamentos convencionais de dores não são seguros. Vocês viram ali morte em vários deles, inclusive com dipirona. Então, não são tão inocentes assim. Há alto risco de dependência, principalmente dos opioides. Tolerância, constipação, no caso dos opioides. E aí, por parte dos canabinoides, que são alternativa segura, há baixo nível de dependência, 9%. Vou só fazer uma comparação: a nicotina é 67%, o álcool é 22%. Então, o álcool é muito mais aditivo do que a Cannabis. Então, quando se diz que George Soros está querendo legalizar a Cannabis recreacional, eu, como médica, prefiro mil vezes que o paciente tenha acesso a uma medicação de Cannabis do que ao álcool, simplesmente porque o álcool mata e causa uma dependência muito maior. Esse é um dado científico, e temos que refletir sobre isso. Há vários outros pontos positivos no uso de canabinoides.
Vejam que interessante. Um estudo que mudou a minha vida foi este, publicado pelo JAMA Internal Medicine, que mostra que nos Estados americanos onde a Cannabis era liberada houve uma diminuição de 25% na morte de overdose por opioide, 25% menos de pacientes morreram. Os pacientes deixaram de morrer porque agora eles têm uma medicação mais segura. É um jornal muito respeitado o JAMA.
Uso da Cannabis medicinal como substituto de opioide. Todos esses pacientes que estão aqui em cima, essas percentagens, deixaram de usar opioides para usar Cannabis. O primeiro ali diminuiu a dose. Alguns ficaram sem o efeito colateral dos opioides. Ficou mais tolerável o uso. Os pacientes, quando têm a opção, usam muito menos opioides do que usavam antes. Isso é muito positivo.
A Cochrane Library, também uma instituição muito respeitada, fez um estudo, uma revisão metanálise extensa. Aí não participaram 30, nem 20, nem 8 pacientes. Participaram 1.750 pacientes. Então, existe, sim, evidência forte. Ali, foi superior ao placebo de forma substancial em mais de 50%. Evidência baixa, mas foi melhor do que o placebo — qualidade da evidência moderada — em 30% dos casos ou mais. E a sociedade canadense já muda de quarto para a terceira linha de tratamento. Lá no Canadá, se você estivesse lá, a terceira linha de tratamento para dor crônica seria Cannabis.
Um outro estudo mostra pacientes que usavam a medicação normal para dor comparando depois com uso de Cannabis medicinal. Este gráfico mostra que a maioria dos pacientes, aqui do lado esquerdo, melhorou muito mais quando combinava opioide e Cannabis medicinal do que quando usava só opioides. Isso é o paciente falando.
Na fibromialgia, este estudo mostra que houve uma diminuição de 9 para 5 na intensidade da dor em 81% dos pacientes. Olhem, quem trata fibromialgia sabe dessa dificuldade — é muito difícil de tratar essa doença. Mas nós estamos mostrando uma medicação que tem mais de 80% de melhora. Isso é muito importante para esses pacientes terem outra opção.
Existiram, sim, alguns efeitos colaterais. A morte não está listada entre eles. De uma maneira geral, 81% tiveram sucesso no seu tratamento. Mas não foi só isso. Desses pacientes, 92% tinham um problema de sono e 73% deles melhoraram. Então, não é só a dor da fibromialgia. Esses pacientes querem dormir melhor, esses pacientes querem ter menos estresse. Um outro dado é relacionado à depressão. Houve melhora em 80% dos pacientes que reportaram depressão. De novo, não é só a dor: é a depressão, é o sono, é a ansiedade. Esse é um medicamento que está sendo usado para fibromialgia. A pessoa ia ter que usar cinco ou seis medicamentos, mas, com a Cannabis medicinal, uma medicação, está resolvendo todos.
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De novo, no tratamento de fibromialgia — tudo bem, é um estudo menor, com 26 pacientes —, já se observa ali uma melhora: 46% diminuíram a dose dos outros medicamentos quando usaram a Cannabis. Aqui estão alguns dos escores: pentear o cabelo, andar continuamente por 20 minutos, todos eles, se vocês compararem antes de Cannabis medicinal e depois, melhoraram. E são escores difíceis de serem tratados com as medicações convencionais.
O consumo de medicamentos extremamente perigosos, que podem, sim, causar a morte, antes e depois, foram consideravelmente reduzidos. Isso se chama redução de danos, isso precisa ser considerado no consultório. A questão não é só se resolveu ou não, é se diminuíram os que estão fazendo efeito negativo. Aí os efeitos colaterais foram fome, olhos vermelhos e boca seca — morte não está aí, nem falência renal, nem falência hepática.
Esse é um estudo, uma metanálise mostrando, do lado direito dessa figura, canabinoides e placebo. Muito mais para a direita, favorecendo o placebo, há a melhora da dor com uso de canabinoides versus uso de placebos.
Olhem que interessante: nos Estados americanos, onde leis de Cannabis medicinal foram implementadas, houve uma redução de 5,88% na prescrição de opioides. Nos outros em que eram usos recreacionais e viraram Cannabis medicinal, também houve uma redução.
Há outro estudo mostrando alívio de dor em autismo, que tem tratamento extremamente caro. Hoje, nos Estados Unidos, uma criança representa um custo médio de 40 mil a 60 mil dólares por ano. Quase 10% dos pacientes nos Estados Unidos têm déficit de atenção, o que é muito prevalente nos pacientes que têm autismo.
Aí está o guideline do Estado de São Paulo para autismo. Coloquei aqui algumas das medicações. A Ritalina é uma delas — isso está sendo dada para crianças, e é muito próxima de uma anfetamina — e tem risco de morte súbita. Haloperidol tem risco de morte; risperidona, óbito; aripiprazol, morte. Isso aqui está sendo dado para criança.
Hoje, no Brasil, uma anfetamina está sendo prescrita para crianças com déficit de atenção e autismo, porque não existe medicação de autismo na farmácia. Esses pacientes todos não têm opções terapêuticas. Mas olhem a lista de efeitos colaterais de uma anfetamina para uma criança: morte e outros mais.
Aí está um estudo da Nature que a doutora mencionou mais cedo, publicado neste ano, por Raphael Mechoulam e outros colegas. Nesse estudo, 188 pacientes fizeram uso de Cannabis medicinal e quase 70% mencionaram uma melhor qualidade de vida. Aqui todo mundo conhece alguém que tem filho autista. Aí tem que colocar na balança. Você quer que ele tome todas aquelas medicações que podem levar à morte ou uma medicação que, segundo é relatado, oferece quase 70% de melhoria na qualidade de vida? Um quarto dessas pacientes voltou a se vestir e a tomar banho de forma independente. Isso quer dizer menor custo do cuidador no final do mês. Isso tem impacto financeiro para a família, o vizinho, a professora, todo mundo que está perto dessa criança.
Há aí uma lista de tópicos de melhora que essas crianças tiveram com Cannabis medicinal. Lembro que elas já estavam fazendo uso de medicações que não estavam sendo efetivas nem eficientes. Mas, se vocês compararem a melhora, por exemplo, na agitação, que é superprevalente nesses pacientes, 170 falaram que a criança tinha agitação no começo desse estudo clínico e 71 mencionaram melhora. Eles não tinham resolução antes, mas agora têm. Há uma lista bem comprida aqui.
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Há um estudo brasileiro, inclusive do Professor Renato Malcher, que é um pesquisador aqui da UnB, sobre o efeito de óleo rico em CBD, de Cannabis — é a Cannabis inteira, não são compostos isolados. Foram 18 participantes, e há vários tópicos de melhora: 60% dos pacientes tiveram melhoria de 20% ou mais em déficit de atenção, distúrbio de comportamento, transtorno de comportamento, distúrbios do sono. Então, são parâmetros difíceis de serem controlados nesses pacientes. Na epilepsia, a diretriz é essa. De novo, há uma lista enorme de efeitos colaterais.
Aqui foi uma publicação do The New England, um jornal também muito respeitado, onde houve uma diminuição do número de convulsões de 12,4 para 5,9. Então, foi uma redução bem importante. Aqui está a lista de efeitos colaterais. Alguns desses efeitos colaterais aconteceram em pacientes usando clobazam, que é uma das medicações que estão sendo usadas. Nós não temos como saber se foi o clobazam ou não. Mas nós sabemos que, quando eles diminuíram a dosagem, o paciente melhorou na maioria dos casos. Então, eu acho que é muito mais falta de experiência clínica do que um desafio com a medicação em si. O jornal trouxe outro dado importante sobre 225 pacientes, mostrando que houve uma redução na quantidade de epilepsia.
O Brasil é recordista mundial na prevalência de ansiedade: 9,3% da população tem ansiedade. Então, todo mundo aqui conhece alguém que tem ansiedade. O Brasil é o país que mais consome Rivotril no mundo. Sempre vencemos em alguma coisa — vencemos no número de Rivotril. Agora vocês querem dar uma olhadinha na no efeito colateral do Rivotril em 10% da população brasileira? Eu não estou vendo órgão de classe nenhum reclamando que Rivotril está sendo vendido na farmácia, mas nós deveríamos começar a estudar mais essas bulas. Estão ali alguns dados de crescimento, de aumento de uso de Rivotril.
Aí a Revista Brasileira de Psiquiatria nos presenteia com a informação de que o canabidiol, um componente da Cannabis sativa, é um ansiolítico. Que bom que temos uma opção mais segura!
Que bom que eles já nos provaram que funciona! São diversos artigos científicos mostrando a eficácia do uso da Cannabis medicinal, de um dos componentes da Cannabis medicinal para a ansiedade.
Olhem que interessante! Gostaria de trazer só algumas reflexões antes de concluir sobre a diminuição do uso de opioides e da ansiedade. Há alguns parâmetros. O "n" total representa os que usavam drogas de forma continua. Depois, quando eles começaram a usar Cannabis medicinal, a parte de cima, a porcentagem, representa os que diminuíram o uso. Então, depois de usar Cannabis medicinal, olhem quantas pessoas deixaram de usar opioides, olhem quantas pessoas deixaram de ter ansiedade! Isso nós conseguimos ver num formato de redução de danos. Não são compostos isolados, isso é a planta inteira!
Eu trabalho com Cannabis medicinal desde 2013. Eu voltei para o Brasil há 2 anos e pouco porque virou a minha missão de vida, foi uma obrigação moral minha voltar para cá. Depois de 10 anos, eu não tinha mais esse interesse. Agora, ver o sofrimento dessas mães, ver o quanto os colegas queriam aprender e não tinham onde aprender, isso me fez voltar. É só por isto que estou aqui hoje: por causa da Cannabis medicinal. É uma obrigação moral e é a minha missão hoje estar aqui. Por isso é que eu agradeço muito a vocês por estarem escutando e peço encarecidamente que estimulem as pessoas a sentar e estudar. Estude bioquímica, estude fisiologia se for médico. Se não for médico, sente e estude o que der. Leia livros, veja vídeos de Cannabis medicinal. Só assim vamos mudar esse preconceito, porque é puro preconceito, é ignorância pura!
Na minha visão, a Cannabis tem uma eficácia relevante. Não estou falando que é a mais eficaz, estou falando que é uma eficácia relevante. Mas ela é definitivamente mais eficiente do que qualquer outra medicação que está aí. Sabem por quê? Porque não tem morte como efeito colateral, porque não tem a dependência que os outros têm, porque não tem falência hepática, porque não tem falência renal, porque é segura, porque traz qualidade de vida. Nós não escutamos isso em relação às medicações normais.
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Só quero trazer também outro ponto. Essa é a lista dos dez medicamentos mais vendidos do Brasil: um é o Dorflex, que, na realidade, é dipirona, porque não existe relaxante muscular. Não vou entrar nesse detalhe, mas quem estuda vai entender o que eu estou falando. A dipirona é a primeira medicação mais vendida do Brasil e tem a morte como possível efeito colateral. Há algumas outras ali: Neosaldina, o relaxante Torsilax e até um antidiabético — a Cannabis medicinal pode diminuir o nível de glicemia no sangue —, o Buscopan. Dentre eles, cinco poderiam ser substituídos pela Cannabis medicinal sem levar à morte de nenhum paciente. Aí, quando vemos, os interesses são outros. Cada vez que eu vejo essa lista, eu estou mais convencida de que não é uma questão de segurança, não é uma questão de interesse do paciente, porque já está provado: são 5 mil anos de história, e morreu zero pessoa. Mas essa lista, com esses cifrões, mostra muito mais do que qualquer outro estudo que eu tenha visto de segurança de Cannabis.
Aí eu trago para a reflexão: façamos análises científicas com compaixão, sem preconceito, sem viés ideológico e sem discussões morais ou religiosas. Precisamos ter sensibilidade para o outro poder decidir o que faz com o próprio corpo, desde que seja seguro. Precisamos considerar a terapia milenar, que tem mais de 5 mil anos de história.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Dra. Carolina Nocetti, pelas suas informações muito úteis para esta Comissão.
Registro aqui a presença entre nós do ilustre Deputado Marcelo Freixo, do ilustre Deputado Alencar Santana Braga e do ilustre Deputado Assis Carvalho.
Deputado Assis, se V.Exa. puder, faça uma ponte com aquela associação piauiense, porque ela foi mencionada aqui como produtora de óleos de Cannabis de boa qualidade, sem qualquer tipo de impureza, etc. Então, eu gostaria que V.Exa. fizesse um requerimento para que a associação viesse colocar sua experiência. Agradeço aqui a presença de V.Exa.
O SR. RICARDO FERREIRA - Boa tarde a todos e todas. É um grande prazer estar aqui. Agradeço enormemente o convite do Deputado Paulo Teixeira; do Deputado Dr. Eduardo Costa, que não pôde estar aqui presente por estar em missão no seu Estado; do Deputado Luciano Ducci; e do Deputado Marcelo Freixo, que também fez o convite a mim.
Gostaria, primeiramente, de me apresentar. Meu nome é Ricardo Ferreira, sou médico especialista em cirurgia da coluna e no manejo da dor, na Clínica da Dor, na cidade do Rio de Janeiro. Eu venho estudando a Cannabis como medicamento para o tratamento da dor há aproximadamente 10 anos. O meu foco de tratamento é especialmente a dor. Então, os senhores vão perceber que na minha apresentação vai haver um viés muito grande em relação a dor, porque é o que eu sei tratar e é o que eu entendo. E eu sei também das propriedades da Cannabis como medicamento. Além da questão da dor, eu também vou falar algumas coisas sobre a questão política, sobre a questão da Cannabis como medicamento de uma forma geral.
Eu sou membro fundador, assim como Dra. Eliane, da Sociedade Brasileira de Estudo da Dor; eu represento o Comitê de Cannabis medicinal para o tratamento de dor da Sociedade Brasileira de Dor, que se chama Sociedade Brasileira de Estudo da Dor; eu sou consultor não remunerado da Associação ABRACE Esperança, que é a única associação do Brasil que tem autorização judicial para produzir extrato de Cannabis com seus associados; eu também sou consultor não remunerado de duas associações, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, as quais não produzem produtos de Cannabis, mas difundem conhecimento a respeito do uso terapêutico da Cannabis com seus associados, que é a ABRACannabis e a Cultive.
Eu não tenho nenhum envolvimento na indústria farmacêutica nem na indústria canábica no Brasil nem no exterior, mas eu estou dos dois lados da moeda. De um lado, eu sou médico prescritor, atendo pacientes que utilizam Cannabis como medicamento; do outro, sou paciente. Eu sou portador de duas patologias que são passíveis de indicação de Cannabis. Eu sou hemofílico portador de dor crônica e também sou portador de esclerose múltipla. Então, eu tenho duas patologias possíveis de indicação de Cannabis medicinal.
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Eu começo evocando a revisão no nosso juramento. Antigamente, usávamos o Juramento de Hipócrates; hoje em dia usamos o compromisso médico, que foi colocado pela Associação Médica Internacional e ratificado pela Associação Médica Brasileira. Esse compromisso médico diz que a saúde e o bem-estar de meu paciente serão as minhas primeiras preocupações.
Esse compromisso médico também diz: "Não permitirei que considerações sobre idade, doença, deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interponham entre o meu dever de cuidar do meu paciente".
Muitos aqui já devem saber, mas, para aqueles que não sabem, a Cannabis já é colocada nas farmácias do Brasil. Então, já existe a Cannabis como medicamento do Brasil, e isso foi liberado em 2017. Então, essa discussão se a Cannabis deve ser usada ou não como medicamento no Brasil já foi superada. Desde 2017, a ANVISA regulamentou e colocou no mercado um produto chamado aqui no Brasil de Mevatyl, que é um extrato natural da planta Cannabis sativa, composto tanto com THC quanto com CBD. Esse produto é vendido em vários países do mundo. E ele não é apenas CBD, mas CBD e THC, numa proporção de aproximadamente um para um. Na verdade, ele tem um pouquinho mais de THC do que de CBD. Ele é um extrato para ser usado dentro da mucosa oral.
O Mevatyl é um produto caro no mundo inteiro. No Brasil, 30 ml custa 2.800 reais. Esse é o preço máximo ao consumidor, o preço que a ANVISA regulamentou aqui no Brasil. Esse custo de 2.800 é equivalente mais ou menos ao consumo mensal de um paciente de esclerose múltipla — a mesma doença que eu tenho. Então, o custo mensal de um paciente com esse medicamento é aproximadamente de 2.800 reais.
Lembro que no Brasil o Estado tem a obrigação de cumprir o tratamento. Então, esse custo pode ser repassado para o Estado. Aos pacientes portadores de esclerose múltipla ou de outras patologias que têm indicação de usar o Mevatyl, o Estado, a princípio, pode ser obrigado a fornecê-lo. Então, o medicamento tem um elevado custo e é produzido na Inglaterra.
O Mevatyl é indicado para tratar câimbras, para as espasticidades, para as contraturas musculares relacionadas à esclerose múltipla. Então, aqui no Brasil, essa é a única indicação que o Mevatyl tem colocado em bula. Apesar disso, em outros países, onde ele é colocado com o nome Sativex, existem outras indicações, como câimbra, como distonias musculares, como câimbras não relacionadas à esclerose múltipla, como dores crônicas, mas, aqui no Brasil, a única indicação terapêutica para o Mevatyl, que é o Sativex fora do Brasil, é para câimbras relacionadas à esclerose múltipla.
Apesar disso, só podemos usá-lo para esclerose múltipla? Eu digo para vocês que não. Existe uma figura no tratamento médico chamado uso off label. O que é o uso off label? É quando o médico prescreve ou faz algum procedimento médico que é, originalmente, indicado para uma coisa para outra coisa, é a prescrição de medicamento numa indicação fora do que consta em bula. Isso não é uma invenção brasileira, isso acontece no mundo inteiro. O próprio CFM já foi provocado em parecer para falar sobre o uso off label. O próprio CFM diz que o uso off label pode ser reconhecido como uma prática médica no Brasil.
Apesar de poder fazer isso, o médico que fizer esse uso off label está passível de punição, se esse uso off label der errado. Mas isso, na verdade, faz parte da prática médica. Se eu fizer num paciente uma cirurgia consagrada e der errado, eu sou passível de punição. Se eu prescrever um medicamento consagrado para o tratamento de alguma patologia e o paciente tiver algum problema, eu também sou passível de punição. Então, estar em bula não me protege quando eu prescrever, não me assegura uma proteção legal. Então, na prática, o uso off label é corrente na nossa prática médica.
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O Superior Tribunal de Justiça, ano passado, decidiu a respeito do custeio do uso off label por planos de saúde. Então, os planos de saúde são obrigados a custear medicamentos, mesmo que eles não estejam com indicação prescrita em bula. O uso off label é uma prática corrente no Brasil.
Volto à questão do Sativex, ou Mevatyl, e da GW, que é a empresa que produz o Sativex. Será que é uma empresa artesanal? Será que é uma empresa que tem um viés canábico, de pessoas de orientação esquerdista, de pessoas de orientação criminal? Ou será que é uma empresa como qualquer outra? A GW é uma empresa que tem um valor de mercado de aproximadamente 5 bilhões de dólares, é uma grande empresa inglesa. Esta é uma foto real de suas instalações, na Inglaterra. A foto de baixo é de quando ela foi listada na NASDAQ, se não me engano em 2014. E aqui está uma foto numa revista chamada The Observer, que mostra as instalações da GW. São plantas de Cannabis. Então, não é uma empresa alternativa, é uma empresa do mundo farmacológico, é uma empresa farmacêutica como qualquer outra, como a Aché, como a Eli Lilly, como a Pfizer etc. É uma grande empresa farmacêutica.
Já que essa discussão sobre a Cannabis ser ou não usada no Brasil como remédio foi superada, cabe a nós decidir se a Cannabis utilizada vai ser importada, mandando esse dinheiro para fora do Brasil, para a Inglaterra, para outras empresas, ou se vamos criar nosso próprio meio de produção nacional, valorizando o empresariado nacional, valorizando as iniciativas nacionais, valorizando as associações que produzem Cannabis no Brasil. A discussão desse projeto de lei vai tratar justamente disso, e não da Cannabis ser legal ou não no Brasil, e não se será possível ou não usar a Cannabis como medicamento. A discussão é se a Cannabis a ser utilizada vai ser produzida no Brasil ou feita no exterior.
Outra coisa que vamos ter que discutir é se a Cannabis produzida no Brasil vai ter que ser cultivada num modelo altamente protegido, como se fosse um cofre, como se fosse um bunker, ou se vai ser produzida em cultivos mais soltos, mais liberados, se os pacientes poderão cultivar na sua casa, se os pacientes poderão fazer associações para cultivo, se os pacientes terão que comprar de uma empresa específica. Essa é a discussão que vamos ter que fazer, e não se a Cannabis vai ser ou não legalizada no Brasil como medicamento. Isso já é passado, isso já foi discutido em 2017 e já foi resolvido.
Esta é a proposta da ANVISA, que está com pedido de vista, nessa morosidade toda. Possivelmente no dia 12 vai haver nova votação a respeito disso, e os diretores da ANVISA vão dizer se vão aprovar ou não. A ANVISA propõe um cultivo altamente protegido, feito em instalações fechadas, com dificuldade de acesso, com dificuldade de descaminho do seu produto. Apesar disso, no mundo real há pessoas que utilizam a Cannabis com bom resultado.
Há associações como a Abrace Esperança, em João Pessoa, que produz Cannabis e trata centenas de pacientes, e esses pacientes melhoram. Há famílias como a da Clárian, Cidinha e Fabio, em São Paulo, e da Margarete e Marcos, no Rio de Janeiro, que têm autorização para cultivo, e funciona. Funciona. Precisamos de um modelo extremamente protegido, como o da GW? Temos que discutir isso.
Como é a demanda no Brasil? Alguns falaram que apenas a molécula do CBD deve ser utilizada, e para casos extremamente restritos, para casos pontuais. Como são patologias extremamente raras, não precisaria haver uma discussão como esta. Será que essa demanda é realmente pequena? Será que essa demanda é grande? A Dra. Eliane mostrou um eslaide justamente sobre isso, que eu fiz há algum tempo. Eu analisei apenas três patologias, que talvez sejam as de maior indicação de Cannabis no mundo inteiro: dor crônica, autismo e epilepsia intratável. Não é dor crônica comum, é dor crônica intratável. Como a Dra. Carolina mostrou, há uma incidência de dor crônica em mais de 40% da população brasileira. Em aproximadamente 2% da população brasileira, a dor crônica é de alta intensidade e refratária, quer dizer, que não responde a nada. A incidência de autismo na população mundial de aproximadamente 1%. A incidência de epilepsia intratável no Brasil é de aproximadamente 0,5% da população. Num país de 210 milhões de habitantes, qualquer 0,5% vira muita coisa. Só essas três patologias acometem quase 10 milhões de brasileiros. São 10 milhões de pessoas, o que é mais do que a população da cidade do Rio de Janeiro. É muita gente. Estamos falando de apenas três patologias, talvez das principais. Nesses 4 anos desde que a ANVISA regulamentou a possibilidade do acesso, por autorização excepcional, que é uma via trabalhosa, difícil, que poucos médicos prescrevem, já se somam aproximadamente 10 mil autorizações. Então, essa demanda é enorme. Essa demanda de 10 mil autorizações é reprimida, por causa de toda essa restrição, por ser difícil. Portanto, a demanda é muito maior do que isso.
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Estamos falando de uma jabuticaba? Estamos falando de algo que é único no Brasil? Ou é algo que existe fora do Brasil? Nós três aqui estamos inventando a Cannabis medicinal, ou é uma coisa que já existe no mundo? A Cannabis como medicamento é uma experiência de quase 20 anos fora do Brasil. No Canadá, essa regulamentação aconteceu em 2001; na Holanda, em 2003; em Israel, em 2012. Nesses anos todos, os programas de acesso à Cannabis medicinal foram expandidos, quer dizer, mais pessoas, com mais patologias, tiveram acesso à Cannabis medicinal. Se não funcionasse, esse processo seria extinguido, seria reduzido ou seria utilizado apenas para doenças raras como doença de Dravet, epilepsias extremamente raras como Lennox-Gastaut, como dores crônicas absolutamente refratárias em indivíduos com patologias raríssimas, como esclerose múltipla ou alguma coisa assim. Mas não é o caso. Cada vez mais pacientes têm acesso à Cannabis medicinal como tratamento nesses países. E não existe dúvida nesses três países? Não estou citando Estados Unidos e outros países nos quais pode haver alguma dúvida. Mas não existe dúvida de que os governos desses países, de que os departamentos de saúde desses países são comprometidos com a saúde de seus cidadãos. Ninguém tem dúvida de que o governo canadense, o Health Canada, o ministério da saúde da Holanda ou o de Israel estejam criando acesso à Cannabis medicinal para outra coisa a não ser beneficiar seus cidadãos.
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Ninguém tem dúvida de que esses governos são sérios e que não estão fazendo isso para facilitar o acesso à indústria do tráfico de drogas ou se infiltrar e oficializar o tráfico de drogas. Não é isso. É uma necessidade humana. E as pessoas se comunicam, as pessoas veem, as pessoas leem matérias no jornal a respeito disso, as pessoas se comunicam através da Internet com colegas, colegas de doença, pacientes que têm esclerose múltipla, como eu, e, de repente, veem que em Israel ou nos Estados Unidos existe um tratamento muito melhor do que o que temos no Brasil. E é justo você receber um tratamento inferior por uma questão geográfica porque você nasceu no Brasil, porque você escolheu o Brasil para morar? É justo isso? Eu vou ter que migrar para o Canadá, vou ter que migrar para Israel para fazer o meu tratamento ou outra pessoa vai ter que fazer isso? É isso o que nós temos que discutir.
Além dessas questões políticas, vamos falar agora sobre ciência. Eu não quero ser enfadonho ao mostrar milhares de trabalhos com respeito à Cannabis medicinal. Num levantamento no PubMed, atualmente, nós encontramos aproximadamente 7 mil trabalhos sobre o uso terapêutico da Cannabis. Como o Prof. Salomão falou, desses 7 mil trabalhos, muitos são de baixa relevância científica, mas existem muitos trabalhos de relevância científica de alto grau. Vou mostrar apenas três trabalhos que são bastante interessantes.
Esse aqui é a respeito da evidência científica. Não tem como falar em evidência e não lembrar da letra desta música, principalmente para o CFM: “E nessa loucura de dizer que não te quero, vou negando as aparências ou disfarçando as evidências”. Quer dizer, as evidências estão na cara, a Cannabis medicinal, a Cannabis como medicamento funciona. Em relação às evidências, nós temos uma pirâmide sobre evidência e diminuição de erro que vem desde cima: metanálise, revisão sistemática, estudos randomizados, como os estudos de mais alto grau. E nós temos isso já publicado, então, não vejo justificativa científica para dizer que não existe um trabalho de boa qualidade a respeito de Cannabis, principalmente para uma patologia que eu conheço, que é a dor crônica.
Trabalho publicado por uma revista conhecida internacionalmente — não é qualquer revista, não é revista de Cannabis medicinal do Sri Lanka, com todo o respeito ao Sri Lanka —, a revista de anestesistas dos Estados Unidos, da Sociedade Americana de Anestesiologia, mostrou que um produto à base de Cannabis que foi utilizado em pacientes alemães, e não foram tão poucos pacientes, aproximadamente 100 pacientes utilizaram uma dose única de composto de Cannabis predominantemente com THC, quer dizer, THC e CBD de 2 para 1, eles receberam uma dose entre 10 e 15 miligramas e tiveram pós-operatório muito melhor do que os outros, e eles usaram o produto apenas uma vez no pós-operatório. Então, uma revista americana, por meio de um trabalho feito na Alemanha, mostrou que a Cannabis pode ser utilizada apenas uma vez e pode haver melhora do pós-operatório de pacientes que passaram por algum tipo de cirurgia. Foi uma cirurgia ortopédica, nesse caso. Um estudo multicêntrico, ou seja, feito em vários hospitais, com aproximadamente 100 pacientes mostrou isso.
E como a Dra. Carolina mencionou, esse estudo também fala a respeito da redução de outros medicamentos perigosos. O estudo mostra que os pacientes que receberam essa dose de Cannabis conseguiram reduzir ou não fazer o uso de opioides, que são remédios de alto risco — e que, infelizmente, eu uso bastante. Como a Dra. Carolina falou, há risco de morte. Espero estar vivo até amanhã. Isso me assustou.
Outra revista de alta relevância, a Revista Pain, uma revista internacional, mostrou um trabalho realizado com aproximadamente 20 pacientes portadores de fibromialgia em que se utilizou Cannabis como medicamento.
Foram utilizadas três variedades diferentes de Cannabis: variedades ricas em THC, variedade ricas em CBD e variedade intermediária, com CBD e THC. Segundo o estudo, pacientes que utilizaram esse produto tiveram alívio da dor em quase 100% dos casos. A grande maioria dos pacientes, mais de 90%, conseguiu alívio da dor, da fibromialgia, sendo que, na parte A, ali está dizendo "pelo menos 30% de alívio", e na parte B, "mais de 50%". Então, a grande maioria dos pacientes conseguiu alívio, sendo que a grande maioria dos pacientes teve mais de 30% de alívio. Para quem tem dor crônica, 30% já é muita coisa; 30% representa poder sair de casa, poder fazer compras, poder ir ao mercado, às vezes, poder voltar a trabalhar. A melhora de 30% é muita coisa para quem tem dor crônica.
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O último, para eu não ser enfadonho, como falei, é um trabalho a respeito da segurança, com “n”, razoável —”n” significa número de pacientes. Esse é um estudo feito com 215 pacientes, no Canadá, em sete clínicas diferentes, quer dizer, é um estudo multicêntrico. Foi utilizada apenas Cannabis rica em THC, uma porcentagem de THC controlada, 12,5% de THC, por via pulmonar, vaporizada. O estudo mostrou que os pacientes estavam utilizando, em média, 2,5 gramas por dia, e a grande maioria tinha alívio da dor, tinha alívio do sofrimento. Esse estudo foi mais importante porque acompanhou esses pacientes por mais de 1 ano, e por mais de 1 ano acompanhando esses pacientes não se encontrou nenhuma alteração clínica, nenhuma alteração pulmonar e nenhuma alteração cognitiva, quer dizer, nenhuma alteração da capacidade funcional desses pacientes. Esse não é um estudo qualquer, ele foi feito no Canadá e foi publicado na Revista American Pain Society, talvez, a mais importante sobre dor no mundo.
Para concluir, pois acabou o meu tempo, deixo a mensagem final, a mensagem para levar para casa. É uma listinha que resume o que eu falei.
“É dever do MD buscar o melhor tratamento disponível para seu paciente." Então, se existe fora do Brasil um tratamento melhor do que o que temos disponível, é obrigação do médico pelo menos informar ao paciente que esse tratamento existe. É obrigação do médico lutar para oferecer esse tratamento ao seu paciente.
Não existe mais a discussão sobre liberar ou não liberar a Cannabis como medicamento no Brasil. Essa discussão já foi superada, em 2017, com a regulamentação do Mevatyl, sem falar que, em 2015, houve a regulamentação do uso excepcional de CBD, e aí, depois, o uso de CBD passou a se expandir para o uso de THC. Quer dizer, desde 2015 essa discussão já foi superada e foi batido o martelo em 2017, quando a ANVISA regulamentou o Sativex, o Mevatyl no Brasil.
Desde 2017 existem medicamentos nas farmácias. A demanda brasileira é gigantesca: pelo menos 10 milhões de pessoas têm indicação de usar Cannabis medicinal no Brasil.
O Brasil precisa escolher entre ser importador ou desenvolver a tecnologia, desenvolver o produto, desenvolver sua capacidade científica e, talvez, até se tornar um exportador dessa commodity que é a Cannabis e que está virando uma commodity mundial.
O cultivo individual e coletivo pode ser tão eficiente quanto o industrial. Então, existe um paradoxo: embora haja toda essa questão da necessidade de padronização do produto, existem famílias no mundo real que estão utilizando a Cannabis com autorização judicial e estão conseguindo melhorar sua qualidade de vida. E isso não pode ser negado, isso existe, isso funciona.
Não se trata de uma invenção brasileira, isso não é uma jabuticaba. Outros países fazem isso há aproximadamente 20 anos. Os governantes comprometidos com o bem-estar da sua população já dão esse acesso há praticamente 20 anos.
A Cannabis é mais segura do que outros medicamentos. Esse foi praticamente o foco da doutora Carolina, que analisou a segurança da Cannabis em comparação com outros medicamentos.
Outros medicamentos são seguros e eficazes, sim, mas existe uma parcela de risco. E o risco não é só a morte, como a Dra. Carolina colocou, há outros riscos também, como alterações cognitivas, alterações de sangramentos, alterações das mais variadas possíveis. Ao ler a bula do remédio, vemos todos os efeitos colaterais possíveis do medicamento. E a Cannabis pode ser mais segura do que a grande maioria dos remédios que temos disponíveis no mercado.
Não adianta negar as evidências, elas são cada vez mais robustas. O “n” é cada vez maior, a relevância é cada vez maior, as metanálises, os estudos clínicos randomizados estão sendo feitos e estão mostrando que a Cannabis funciona, não adianta negar.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Dr. Ricardo Ferreira, pelas importantes contribuições.
O SR. LUCIANO DUCCI (PSB - PR) - Boa tarde a todos e a todas.
Quero cumprimentar o ilustre Presidente Deputado Paulo Teixeira e parabenizá-lo pelo brilhante trabalho de condução que vem fazendo frente à Comissão. Acho que é uma Comissão muito importante, há uma expectativa muito grande da sociedade brasileira e V.Exa. vem conduzindo isso com muito brilhantismo.
Também quero cumprimentar os Deputados e Deputadas que estão conosco, a Dra. Eliane Nunes, o Dr. Salomão, a Dra. Carolina, o Dr. Ricardo. Cumprimento a todos e os parabenizo pela palestra.
Nós estamos hoje na terceira audiência pública. Foram três audiências públicas muito importantes e esclarecedoras. A primeira, com a ANVISA, foi muito importante para colocar a situação e saber em que pé nós estamos hoje. Na semana passada, Deputado Paulo, a audiência com os pesquisadores também foi muito relevante. E hoje temos esta audiência com os prescritores, os favoráveis e os contrários. Esse é um papel importante que temos. Na semana que vem, já adiantando, vamos ter outra audiência pública muito importante, será com a coordenação mundial da saúde, com a OPAS, com o Dr. Carlini, enfim, é uma outra discussão que faremos. Ao longo dessas audiências públicas, vamos conseguir formar um consenso na Comissão, e espero conseguirmos consenso também junto ao Plenário. Nós precisamos aprovar aqui na Comissão, mas precisamos também andar para a frente.
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Primeira pergunta: considerando que esta Comissão Especial não tem a finalidade de determinar quais seriam as enfermidades tratáveis com os medicamentos formulados com a Cannabis, para vocês, qual que é a importância de uma legislação que trate todos os aspectos que vão desde a produção desses medicamentos, cultivo, passando pela pesquisa, produção, comercialização, prescrição? Enfim, o papel que esta Comissão vai ter é o de promover essa nova legislação.
A segunda pergunta eu queria fazer para os prescritores: como prescritores de medicamentos formulados com Cannabis, que tipo de controle deveria ser implementado no Brasil no tocante à prescrição dessas medicações?
Eu queria perguntar para a Dra. Carolina, que é uma pessoa que estudou fora do País e que conhece bem também o assunto, o seguinte: no tocante ao controle da qualidade e eficácia dos medicamentos formulados com Cannabis, quais experiências internacionais de regulamentação, de pesquisa e de produção de fármacos poderiam servir de exemplo para nós no Brasil?
Aproveitando, eu gostaria de saber se existe na população algum grupo de risco que poderia ser afetado negativamente pelo uso de medicamentos formulados por Cannabis.
Eu queria falar para a Dra. Eliane duas coisas. A primeira é que nós não entendemos muito bem, doutora, a questão do cadastro geral de pacientes. Sempre soubemos que estava na ANVISA, e a senhora disse que hoje está na gestão do Governo. Então queria saber em qual gestão do Governo isso se encontra.
Também gostaria que a senhora explicasse um pouco melhor a questão da receita para comprar o Mevatyl. Não sei se há uma facilidade para comprá-lo em relação à questão dos formulários para importar o CBD. A senhora chegou a colocar essa questão.
Dr. Ricardo, queria saber também, não sei se posso fazer essa pergunta, pois ela é pessoal, é particular para você, não sei se lhe causará algum constrangimento, mas você falou que tem esclerose múltipla. Você faz uso do Mevatyl? Se não faz, qual o motivo? Você falou sobre a discussão do modelo de produção, do cultivo individual. Eu queria saber, em relação à questão do cultivo individual, como que você controla a qualidade do produto que a pessoa está extraindo individualmente e também as quantidades de THC, CBD, individualmente e em relação às associações, às cooperativas. Nesse sentido, como você faz um controle de qualidade nesses casos específicos?
Dr. Salomão, eu também queria lhe fazer uma pergunta. Parece-me que o Conselho Federal de Medicina se mostra resistente à questão do uso dos medicamentos derivados da Cannabis. Sabemos que em vários países do mundo ela já vem sendo utilizada, já está regulamentado, como é o caso do Canadá, Estados Unidos, Suíça, Portugal, Itália, Espanha, em vários países desenvolvidos ou não, como é o caso da Colômbia e também do Uruguai. Todos esses países estão com regulamentação, produção e utilização desses medicamentos e todos, aparentemente, com resultados satisfatórios ou começando todo esse processo.
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Enquanto isso, o nosso Conselho Federal de Medicina se posiciona de forma muito resistente, criando até um pouco de dificuldade, um constrangimento em relação aos médicos prescritores. Por outro lado, há famílias demandando por esse tipo de medicamento; famílias que têm filhos sofrendo com vários tipos de patologias e que vêm em busca desse medicamento. Portanto, nós temos esse tipo de dificuldade em relação ao entendimento do nosso Conselho.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Deputado Luciano Ducci. Todas as perguntas foram muito importantes.
A SRA. CAROLINA NOCETTI - Obrigada pelas perguntas. Se faltar alguma resposta, lembre-me, por favor.
Qual o tipo de controle? Eu acredito no associativo, mas acho que deva haver liberdade para as grandes indústrias farmacêuticas atuarem nesse mercado também.
Hoje, em diversos países, como, por exemplo, Israel, Canadá, Uruguai, é permitido esse tipo de cultivo. Não é com a segurança que a ANVISA está sugerindo, isso encarece muito, e hoje já há uma segurança suficiente dessa medicação para que isso possa ser feito dentro de uma associação.
O modelo que eu gosto mais é o modelo canadense, mas há outros que funcionam muito bem. Nos Estados Unidos, o óleo rico em CBD com baixo THC, até 0,3%, é uma commodity, é vendido no supermercado, é vendido na Amazon, é vendido na quitanda.
Então, pela segurança e seguindo a Organização Mundial de Saúde, eu acredito sim que isso não precisa desse controle todo que está sendo feito.
Grupos de risco. Há alguns grupos de pacientes que devem evitar certos tipos de cepas. Há centenas de cepas diferentes. Quando eu ainda estava lá, eu tinha a oportunidade de ir com meu paciente a um dispensário. Lá eu não estava atuando como médica. Eu estava fazendo desenvolvimento de produto e estratégia terapêutica. Então lá eu conseguia entrar no dispensário e escolher a cepa que esse paciente iria usar. Cada cepa tem uma atuação diferente. A proporção desses canabinoides faz diferença no efeito colateral ou no efeito da medicação. Por exemplo, pacientes que têm histórico de psicose na família ou esquizofrenia ou histórico de ansiedade devem evitar sim cepas ricas em THC. Tudo bem. Mas há cepas ricas em CBD que podem ser muito benéficas para esse paciente.
Então, eu acho que é muito mais uma questão de entendimento da planta e saber a prescrição correta do que proibir porque existe alguma possibilidade de efeito colateral de uma cepa para esse um paciente. Seria isto: histórico prévio de esquizofrenia e ansiedade generalizada. Há alguns estudos que mostram possível sangramento em ratos, com aumento de tempo de sangramento e tempo de protrombina.
Não temos esses dados em humanos, mas é um grupo que devemos ter um controle maior, ser um pouco mais conservador, mas, de maneira geral, é muito seguro.
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Papel da Comissão. Eu acredito 100% que vocês devam tomar o controle de tudo porque, claramente, quem está cuidando dos médicos não tem noção dessa planta. Nós recebemos, por exemplo, uma lista, um decálogo. O primeiro item dizia que não existe Cannabis medicinal. Eu tenho dois colegas que deram aula aqui explicando que existe o Mevatyl, que é um medicamento de planta. Então, quem está tomando decisão por nós diz que não existe Cannabis medicinal quando a ANVISA, que é um dos órgãos mais respeitados do mundo, diz que sim, porque eles registraram um produto de planta, uma planta que se chama Cannabis, que tem funcionado na medicina hoje. Então é óbvio que existe Cannabis medicinal. Agora, tem que ficar na mão de vocês porque olha quem vai tomar conta disso se não for vocês: alguém que acha que não existe Cannabis medicinal, alguém que acha que essa planta não pode ser prescrita para espasticidade da esclerose múltipla.
Hoje existe uma regulamentação que diz que pode para epilepsia refratária em crianças e adolescentes e só. Teoricamente, não podemos prescrever para nada mais. Então eles não acreditam nem na ANVISA. Portanto, se isso não ficar na mão de vocês, eu tenho muita preocupação que não vai ficar na mão de ninguém, porque não vamos poder prescrever nunca mais.
Hoje há mais de 1.200 médicos prescritores de mais de 34 subespecialidades diferentes. Quer dizer, nós vamos prescrever independentemente de qualquer coisa. Se não puder prescrever aqui, eu vou embora prescrever em outro lugar. Agora há colega que vai ficar aqui e que quer cuidar do seu paciente.
Então eu peço encarecidamente que vocês considerem um controle 100% absoluto sobre quem pode prescrever, que paciente pode usar, a forma de se fazer, senão isso vai ficar fechado no grupo que acha que não existe Cannabis medicinal. Como é que eles vão regulamentar uma coisa em que eles não acreditam?
E só um ponto a mais: com relação à estrutura, considerar sim a associação, porque vemos que as associações hoje no Brasil que estão produzindo estão tendo uma resposta muito positiva com custo muito baixo. Se só for permitido à indústria farmacêutica fazer, isso vai ficar caro, e é uma liberdade usar essa medicação dentro de um grupo de pessoas que está fazendo de forma conjunta.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Dra. Carolina.
A SRA. ELIANE LIMA GUERRA NUNES - Quando eu citei que o Mevatyl é fácil de prescrever é porque eu utilizo um receituário amarelo, no qual eu o prescrevo. O paciente já sai com um termo, que eu também tenho que fazer. Acho que hoje em dia ninguém faz isso com os remédios, só o de Cannabis, por uma questão mesmo de diretrizes da própria ANVISA. Ninguém sai com um benzodiazepínico e com um termo que o médico tem que assinar junto com o paciente. Mas, de qualquer forma, já é mais fácil porque a pessoa vai com isso na farmácia e já consegue encomendar o medicamento, porque não são todas as farmácias que têm.
O que mudou? Obviamente, os meus pacientes têm bastante dificuldade, pois são idosos, pessoas que têm dificuldades na inclusão digital. Então, eles têm que fazer um login, um cadastro geral, porque agora não está no site da ANVISA, mudou para o site do Governo. Então, se vocês entrarem no link da ANVISA para fazer um cadastro, vocês cairão num cadastro do Governo. Não é uma coisa só da ANVISA.
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Existe essa diferença. Pode ser que seja dentro da ANVISA, mas, de qualquer forma, gera medo, porque as pessoas falam: "Mas esse é o meu cadastro geral, tem toda a minha vida". Não é só da importação de medicamento, como era antigamente. Os meus pacientes mandavam por e-mail. Eu fazia questão de que eles mandassem com cópia para mim, e não só mandassem tudo o que a ANVISA pedia, mas mandassem também os exames, porque eu prescrevo uso compassivo. E, como eu prescrevo para outras patologias em que, na Resolução do Conselho Federal de Medicina, o uso não é autorizado, eu sempre fiz questão de ter tudo em duplicata para que, se alguma vez alguém me perguntar, eu teria ali o laudo de câncer, de esclerose, de pacientes com várias internações psiquiátricas que estariam fazendo uso da medicação. Então, eu acho que isso é muito importante.
Eu gostaria de ressaltar também que prescritor poderia ser veterinário e dentista. Então, teríamos de ter esse cuidado, porque fazemos os testes clínicos em bichos, e depois eles não poderão utilizar. Há muitos cachorros, muitos gatos e muitos bichos que têm cuidados paliativos e melhoram, como ocorre com o ser humano.
O Dr. Guilherme, dentista daqui de Brasília, foi o primeiro prescritor para dor crônica. Há vários tipos de dores orofaciais e o dentista também poderia prescrever. Então, também temos de pensar neles, porque os Conselhos vão tomando meio que o rumo do Conselho Federal de Medicina e acabam proibindo que esses outros profissionais prescrevam. A Dra. Carolina também aqui falou e ressaltou que lá fora é uso adulto, você compra no supermercado o CBD. E aqui o CBD é muito mais difícil prescrever do que o próprio THC, porque eu tenho de preencher um relatório, tenho de preencher um termo. Daí há a prescrição, em que eu tenho de fazer a conta para 1 ano. Em qual prescrição eu faço conta para 1 ano? Quer dizer, tudo isso já vai dificultando para o nosso paciente.
Antigamente, como eu disse, eu pedia para o paciente fazer por e-mail, então era muito mais fácil, porque ele colocava todos os documentos lá, mandava por e-mail, e o e-mail voltava. Agora ele tem de fazer todo esse trabalho de inclusão digital.
Temos, sim, de facilitar. Gostaria eu de prescrever e o paciente já ir direto a uma farmácia, a um dispensário ou até mesmo a uma maquininha, porque, se vendem Coca-Cola em uma maquininha, por que não podemos CBD, que é um remédio?
Eu, por exemplo, tenho nove pacientes que já conseguiram o habeas corpus para fazer o plantio. Então, são pessoas que estão, sim, dedilhando, fazendo cursos com peritos na área de agronomia, por exemplo, que os ensinam como fazer um cultivo orgânico. Então, seria muito bom que as universidades fizessem testes e que pudéssemos ter dinheiro para fazer a análise do que esse paciente está utilizando.
Cabe ressaltar que a Cidinha, que é da Cultive, tem uma criança com Dravet, e ela produz uma cepa na casa dela, que é a Hartley. É uma planta cânhamo que tem alto CBD e tem pouco de THC, e para filha dela é o que serviu. Então, não adianta falar que teremos muitos problemas, porque essa criança, que convulsionava em 60 vezes por semana, agora, quando convulsiona, é uma vez por mês. Então, a mãe saiu da zona de ter de ir a toda hora ao pronto-socorro.
Tenho outra paciente e o depoimento está também na Cultive, que é a Giselle Thame, paciente que tem adenoma de hipófise. Depois de 1 ano de uso da planta, o adenoma diminuiu e ela não precisa mais operar. É o THC que ela está plantando, porque é de uma planta é rica em THC que ela precisa.
Precisamos sair um pouco da ótica de avestruz, de enfiar a cabeça na terra e falar que isso não existe. Não. Precisamos encarar que existe, as pessoas estão usando e, se não regulamentar de A a Z, como ocorre no Canadá e em Israel, entregaremos esses pacientes para o mercado negro, porque os pacientes sabem que funciona, porque o vizinho conta, porque viu no Fantástico.
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Precisamos sair um pouquinho desse território de que ninguém está sabendo de nada. Hoje estamos na terceira via, todo mundo tem acesso a tudo. Estão tendo acesso a vocês, através da TV Câmara. Estão tendo acesso à TV Senado, e vão ter acesso no Youtube, porque, ressalto, são as mães as grandes pioneiras e são elas as fomentadoras. São elas que estão fazendo os médicos irem atrás da pesquisa. Está acontecendo isso nos Estados Unidos, e podem assistir o (ininteligível) 1, 2, 3, 4 que foram feitos lá pela televisão. Vocês podem ver isso em Israel. Em todos os lugares há mães, como a Mamá Cultiva na Argentina, como a Fundação Daya, no Chile.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Dra. Eliane Guerra.
O SR. RICARDO FERREIRA - Quanto à questão da regulamentação da Cannabis, não é preciso inventar a roda. Existem modelos consagrados fora do Brasil que foram se aperfeiçoando ao longo de aproximadamente 20 anos. Eu acho que esses modelos devem servir de referência para o estudo de como deve ser feito aqui no Brasil e também do que não deve ser feito. Não acredito que uma regulamentação seja terminal.
Acredito que toda regulamentação seja um processo. Precisamos começar a fazê-la. Apesar de já termos uma regulamentação que permite o uso do Mevatyl no Brasil, que já permite a importação individual, que já é alguma regulamentação, precisamos evoluir isso.
Existem formas de controle em que se consegue controlar a planta desde a semente até à venda, que se chama seed to sell, quer dizer, da semente à venda, ou seed to shelf, da semente até à prateleira. Existem rastreios eletrônicos, sistemas de computadores que fazem com que essa planta possa ser rastreada desde de quem produziu, desde a questão genética até quem está consumindo e quanto está consumindo.
Então, essa tecnologia já existe fora do Brasil. Já existe experiência internacional a respeito disso e foi feito no Canadá e em alguns estados americanos de forma diferente, e foi feito em alguns países como Holanda, Alemanha e Israel. Essa experiência mundial já existe. A questão é fazer um modelo híbrido, um modelo que se adapte à realidade brasileira.
Nós temos realidades diferentes em relação a dois fatores: um fator é a presença do SUS. Por um lado, o SUS tem todas as deficiências, mas, por outro lado, ele é uma benção.
Eu sou hemofílico. Além da esclerose múltipla, fui premiado com outra doença chamada hemofilia. Eu utilizo um medicamento chamado Fator VIII Recombinante, que é o fator de coagulação produzida através de uma modificação genética de hamsters e esse fator é extremamente seguro, eficaz e caro. Se você for comprar uma ampola de fator recombinante no mercado, ele custa por volta de 24 mil reais. Eu uso aproximadamente 4 por dia, quando eu tenho algum sangramento.
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Então, quer dizer, nós temos um sistema de saúde que funciona em algumas áreas e é extremamente deficitário em outras. Ele atende muito bem a pessoas com doenças raras — muito bem não, mas, na maioria das vezes, bem —, pessoas com patologias complicadas, com remédio de alto custo, como insuficiência renal, como doenças desmielinizantes. Por exemplo: pessoas com esclerose múltipla usam medicamentos biológicos de alto custo.
Invariavelmente, a questão da Cannabis vai impactar no SUS. Então, essa regulamentação também tem que pensar nessa questão do SUS, na questão do custo que vai ter para o Brasil.
O Brasil não pode simplesmente pegar um modelo americano, um modelo australiano ou um modelo canadense e implementar. Isso tudo tem que ser pensado, mas é viável.
Em parte, eu concordo muito com o que o Dr. Salomão falou em relação à segurança, principalmente à segurança em menores de idade. O próprio Canadá está revendo isso.
No ano passado, o Canadá fez a regulamentação do uso adulto da Cannabis a partir de 18 anos, 19 anos. Estão revendo para subir essa idade para 21 anos, talvez 24 anos, quando o cérebro já está maduro, porque existem evidências fortes de que o THC pode comprometer o desenvolvimento intelectual de menores de 24 anos. Então, essas pessoas precisam ser protegidas.
Agora, existem casos em que as pessoas só têm na Cannabis a única opção para melhorar a sua qualidade de vida, para sobreviver. Por exemplo: em uma criança que tem a doença de Dravet, que faz cem convulsões ao dia, ou outras epilepsias raras, utilizar um medicamento que pode dar um atraso no desenvolvimento do QI é tolerável, porque se tem uma doença potencialmente fatal. Agora, em uma doença que pode ser utilizada uma outra medicação paliativa até essa pessoa completar a maturidade encefálica — isso acontece acima de 24 anos — talvez seja a melhor opção.
Então, a regulamentação tem que ser vista em todos os aspectos. A Cannabis não é um medicamento para tudo. A Cannabis não é um salvador. Para mim, a Cannabis é um remédio paliativo, é um remédio que não resolve doença alguma. Não existe ainda evidência científica de que a Cannabis cure câncer. Não existe ainda evidência científica de que a Cannabis cure doença nenhuma. Mas a Cannabis melhora a qualidade de vida de muitas pessoas. Para muitas pessoas, isso basta. Para muitas pessoas, isso é o suficiente.
Então, eu acho que o caminho é criar algum tipo de regulamentação em que se dê acesso responsável e acesso criterioso a determinadas patologias. Não é fechar a porteira, mas, sim, abrir algumas lacunas, algumas possibilidades.
Eu me coloco à disposição para ajudar os Deputados a respeito disso nesse estudo. Particularmente, estudo as regulamentações de outros País há bastante tempo e será um prazer compartilhar isso aí. Também conheço outras pessoas que podem colaborar. Acho que precisamos de um conteúdo de regulamentação único, porque nós temos aqui no Brasil essa questão do Sistema Único de Saúde, o que também impacta diretamente nisso. Além disso, há a questão da proteção contra o descaminho, que é a pessoa fazer o uso indevido da Cannabis. E não fiquem achando que isso não acontece.
Países que regulamentaram a Cannabis tiveram problemas em relação ao descaminho. Esse problema em relação ao descaminho foi resolvido ao longo do tempo, total ou parcialmente, através do aperfeiçoamento da regulamentação. Nós temos que olhar essa regulamentação feita fora, aprender com os erros, aprender com os acertos e fazer um modelo brasileiro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Dr. Ricardo Ferreira.
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O SR. SALOMÃO RODRIGUES - Vou começar dizendo que o Conselho Federal de Medicina — CFM não é esse ser jurássico como foi desenhado aqui. Eu acho que o CFM é uma instituição moderna, inteligente, trabalhadora e extremamente responsável. Nós precisamos descer do palco da emoção e nos sentarmos à mesa da razão, para analisarmos e fazermos o melhor possível para a sociedade brasileira.
Da mesma forma, eu tenho grandes amigos que defendem, com muita veemência, a regulamentação e o uso do THC como terapêutica para várias doenças, inclusive médicos. Também temos um grande número de médicos — destaco aqui o nome do Ronaldo Laranjeira, que é o maior nome desta área no Brasil, sem nenhuma dúvida — que têm uma posição extremamente contrária pelas suas condições. Na Inglaterra mesmo, nós temos alguns grandes nomes da Psiquiatria que defendem a posição contrária.
Então, não estamos diante de uma situação simples. Não é uma coisa tranquila, é uma coisa polêmica. Eu acho que o que está aqui colocado é polêmico. Nós precisamos dissipar a polêmica, para agirmos de uma forma segura. E essa responsabilidade nós precisamos ter.
O meu colega, o Ricardo, falou aqui sobre suas doenças. Eu tenho uma doença, que é doença de Parkinson, que possivelmente teria uma indicação, mas que está muito bem controlada com os fármacos mais tradicionais. Não sei se daqui a alguns anos vou estar querendo tomar o canabidiol ou o THC. Se for preciso, eu vou tomar com tranquilidade. Não tenho nenhum preconceito contra isso. Acho que isso é uma coisa absolutamente normal, mas nós precisamos ter a responsabilidade de trabalhar com segurança. E eu sei que esta Casa tem responsabilidade. Nesse desenvolvimento, que muito provavelmente acontecerá em 2 meses, Luciano, nós estaremos encaminhando toda essa revisão. Isso vai dar um embasamento para darmos um start: "vamos regulamentar ou não vamos regulamentar". Como o CFM pode ser muito mais rápido — não queremos fazer nenhuma competição —, nós vamos trazer isso, discutir juntos e achar o melhor caminho. Agora, é necessário que não tenhamos dúvida.
O THC induz crises psicóticas de natureza esquizofrênica nos adolescentes e adultos jovens. Isso não é só da observação e da evidência da minha prática médica, mas está nas melhores revistas científicas do mundo. E isso é uma morte em vida. A esquizofrenia é doença grave que aniquila a pessoa, e o THC pode fazer isso, sim. Isso está bastante evidenciado.
Então, vamos trabalhar com serenidade e com cuidado. Toda medicação tem suas indicações e contraindicações. É necessário que nós saibamos para o quê vamos prescrevê-la.
A questão do off-label, que foi muito bem levantada também, tem uma característica. Quando eu prescrevo dentro da indicação registrada, o fabricante é responsável por qualquer tipo de dano que o paciente tenha. Entretanto, se prescrevo off-label, eu estou assumindo, além da minha responsabilidade, a responsabilidade da indústria, do fabricante, porque ele não colocou na sua bula aquela indicação. Então, é importantíssimo que o médico saiba disso. Assim é a legislação brasileira.
O CFM está de olhos abertos, está trabalhando. Já no início da minha fala, que foi a segunda, eu citei esse trabalho conduzido pelo Dr. Wanderley e que está na sua fase final.
Nós vamos poder chegar — eu ainda não sei exatamente qual vai ser — ao resultado disso. Não acompanhei e não estou vendo, de perto, todo o trabalho que está sendo feito de análise das metanálises existentes e dos trabalhos citados pelas metanálises. É um trabalho de fôlego grande.
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A avaliação do risco-benefício é a arte da ciência médica. O médico se destaca dos outros pela sua grande sensibilidade de estabelecer uma relação médico-paciente proveitosa para o paciente e de avaliar, com exatidão ou com a máxima exatidão — o mais próximo possível da exatidão —, o risco-benefício de um tratamento. Não existe tratamento médico sem risco.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Como não há ninguém inscrito, eu queria falar com o Dr. Salomão.
Em primeiro lugar, Dr. Salomão, nós pretendemos regulamentar. E a nossa regulamentação estará acima da regulamentação profissional, do Conselho Federal de Medicina.
Em segundo lugar, nós estamos ouvindo as pessoas aqui, ouvindo cientistas. Ouvimos a ANVISA e ouvimos prescritores. Acompanhamos estudos internacionais, vamos visitar experiências, mas aprendemos que todos os medicamentos têm seus efeitos colaterais e são indicados para pessoas com determinadas idades. Por exemplo: nos estudos aqui, eu ouvi de todos os pesquisadores que esses medicamentos não são recomendados para crianças. Ao mesmo tempo, eles são recomendados unicamente para aquelas crianças que têm inúmeras convulsões. O benefício é maior do que um eventual malefício ou um efeito colateral.
Então, nós estamos fazendo com equilíbrio. Agora, a minha compreensão, já na quarta audiência, é de que todo o meio científico, todo o meio médico... Inclusive médicos vieram aqui falar contra e, durante a audiência, converteram-se e falaram: "Não, eu sou favorável, só que com esses, esses e esses cuidados".
Pela primeira vez, eu ouvi falar que essa é uma questão do George Soros, e eu o parabenizo por isso. Quem a trouxe para nós foram mães cujos filhos têm convulsões, pacientes com esclerose múltipla, pacientes com câncer, pacientes com AIDS, pacientes com glaucoma, enfim, com uma infinidade de doenças que fazem com que a sociedade brasileira deva oferecer aos seus pacientes um medicamento que já é oferecido na sociedade americana, que tem referências científicas e controles científicos muito elevados, bem como na sociedade canadense, nos países europeus e em Israel.
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Portanto, nós estamos sentindo que há no Brasil um atraso de natureza científica, médica, e um atraso no sentido econômico. O que aconteceu com o Brasil quando adotou a legislação de propriedade intelectual? Ele a adotou imediatamente. A Índia demorou 10 anos para implementá-la e hoje é um dos maiores produtores de sais para remédios, e nós perdemos aquele bonde econômico na produção da indústria farmacêutica. Eu queria falar disso, desse sentimento.
O senhor mesmo iniciou sua fala dizendo que o Conselho Federal de Medicina não é uma instituição jurássica. Eu não sei por que o senhor iniciou assim, mas o que nós precisamos fazer é, inclusive, pedir ao Conselho Regional de Medicina que participe de uma reunião aqui conosco, porque as evidências do meio científico que nós estamos tendo aqui... Inclusive, pessoas que vieram, por requerimento, falar como se fossem contrárias disseram: "Eu acho que é preciso haver cuidados, mas o medicamento é necessário à sociedade brasileira".
A minha pergunta ao senhor é esta: o senhor é contrário aos medicamentos à base de Cannabis ou é favorável, desde que sejam tomados os cuidados necessários, como ocorre com todos os medicamentos? Quando se compra um medicamento, vê-se lá a contraindicação, os efeitos colaterais, a bula. O que a bula traz? A informação de que determinado medicamento é para determinada doença, com os efeitos colaterais indicados, com a quantidade tal, e de que, se aquilo gerar um efeito contrário, é preciso procurar o médico. Então, a pergunta que eu faço ao senhor é de duas naturezas. A primeira é se o senhor é favorável ou contrário. A segunda é se a posição do senhor representa a posição do Conselho Federal de Medicina ou é uma posição pessoal sua.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES - A posição é minha e é do Conselho Federal de Medicina, tomada em sessão plenária. Então, é uma posição oficial. Nós não somos contrários a qualquer custo nem favoráveis a qualquer custo. Nós estamos procedendo e acompanhando de perto este assunto há alguns anos. Autorizamos os médicos a prescreverem o canabidiol para indicações específicas. À medida que as pesquisas vão aumentando, a tendência é que liberemos progressivamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Portanto o senhor é favorável, com os cuidados necessários.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES - Com os cuidados, com as indicações, com o controle prescricional, com os cuidados que certamente vão ter para que esses remédios não sejam comprados para uso recreativo.
Há uma série de coisas. É como a morfina, que vem do ópio. Nós trabalhamos com morfina durante a vida toda. A morfina é um produto mais antigo e é utilizada.
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Agora, existem situações a que nós temos que estar muito atentos. Por exemplo: falou-se em autismo aqui. Todas as experiências com autismo até agora não mostraram nenhum benefício com significado. Se esse é um medicamento capaz de induzir crises esquizofrênicas, como é que o autista que tomar o THC hoje vai estar na vida adulta, o autista criança? Eu não sei. É preciso que nós acompanhemos. Ele pode estar muito melhor e passar a ter uma indicação maior.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Eu posso fazer uma terceira pergunta ao senhor?
Quando voltamos — aqui há poucos que vão se lembrar disso, talvez o Napoleão e mais um... Quem se lembra da talidomida, da geração da talidomida? A talidomida era um medicamento altamente eficiente no tratamento da tuberculose e que produziu uma geração de mutilados no Brasil. É claro que eu estou sendo extremista. É claro que estou pesando a mão. Trata-se de um caso raro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Eu entendi que os senhores são favoráveis, com todos os cuidados necessários. É isso?
A última pergunta que eu queria fazer é a seguinte: que razão faz com que os médicos americanos prescrevam em larga escala para aquelas doenças, com todos os cuidados? O Conselho Federal de Medicina tem, digamos, trocas de opiniões com os conselhos de medicina que têm a mesma formação que o médico brasileiro?
O SR. SALOMÃO RODRIGUES - Temos. Na realidade, não é utilizado em larga escala nos Estados Unidos, não. De forma nenhuma! A maior indicação do THC nos Estados Unidos, na maioria dos Estados, é no paciente terminal com doença incurável e com dor, nos quais a morfina, além de aliviar a dor, seda o paciente. E o THC alivia a dor, dá um estado de humor melhor e não seda o paciente. Então, ela tem vantagens. Essa é a maior indicação do THC em termos numéricos nos Estados Unidos.
O SR. LUCIANO DUCCI (PSB - PR) - Eu só queria complementar, Dr. Salomão, até para esclarecimento aqui. O senhor sempre tem tratado na sua resposta a questão do THC. Nós não estamos tratando só do THC, estamos tratando do CBD também. E muitas patologias se resolvem, pelo que está descrito e pelo que foi apresentado, com o CBD ou, muitas vezes, com o CBD associado a pequenas doses de THC. Isso muda o seu conceito nesse sentido?
O SR. SALOMÃO RODRIGUES - Não muda pelo seguinte: eu acho que falar em maconha medicinal é um termo muito vago para o tratamento científico. Acho que temos que falar em canabidiol ou em THC. Entre as mais de 500 moléculas canabinoides existentes na planta, na Cannabis sativa, nós temos que ter o cuidado de separar as coisas.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado.
O SR. ASSIS CARVALHO (PT - PI) - Na verdade, com a própria fala do Deputado Paulo Teixeira dirigida ao Conselho Federal de Medicina, eu me sinto até um pouco contemplado, porque esta era a minha dúvida: se a posição seria radicalizada ou se faria o tratamento em alguns casos, com os devidos cuidados.
Eu digo isso, Dr. Salomão, porque o senhor sabe que agora é que faz 100 anos que o Brasil tem universidade. Ele foi o último país das Américas a instalar universidade e foi o último país das Américas a libertar os escravos. Não quero imaginar, como bem disse aqui a Dra. Carolina, que seremos o último país a compreender que uma planta que tem 5 mil anos de uso em várias comunidades do mundo inteiro tem seus benefícios, é claro, com todos os cuidados.
Mas o que está por trás do não reconhecimento dos benefícios? São vários os estudos comprovados. Eu sou vizinho de uma criança que tem a idade do meu filho caçula. Ela chegou a ter 30 crises convulsivas por dia. Eu acompanho de perto o sofrimento daquela família. Ela foi aos Estados Unidos e voltou com qualidade de vida. Ela continua tendo as crises, mas está imensamente melhor.
O SR. ASSIS CARVALHO (PT - PI) - Não vou dizer que o problema seja o canabidiol, mas estou dizendo que acredito que não haja mais dúvidas. É um sofrimento. Eu venho falando desse sofrimento há 1 ano. Isso não é justo. Essa família consegue trazer o medicamento de lá, porque tem uma condição um pouco melhor, mas o traz com toda a dificuldade.
E volto para a fala não sei se da Dra. Carolina ou do Dr. Ricardo. Sabemos que há efeito positivo, mas há uma resistência. Mesmo já autorizado pela ANVISA, em 2017, as condições para se acessar esse medicamento são terríveis. E também não há abertura para que se possa produzi-lo, a não ser por uma decisão judicial, a não ser por uma luta imensa. Assim termina-se contribuindo para os grandes laboratórios internacionais, podendo, inclusive, facilitar a vida das pessoas.
Então, longe de mim imaginar que o Conselho de Medicina é jurássico, mas eu acho que, neste ponto, ele tem que andar um pouco mais rápido, para que não nos comparemos a um país que passou a vergonha de ser o último a libertar os escravos e o último a instalar uma universidade.
Recentemente, por falta dessa regulação, Deputado Paulo Teixeira, lá no seu Estado, um profissional pesquisador foi convocado a depor porque estava fazendo apenas uma pesquisa, exercendo o direito científico de trabalhar. Ele não pode.
Então, meu querido Deputado Paulo Teixeira, acredito que uma grande parcela dos Parlamentares desta Casa, salvo alguns excessos por preconceito... Do ponto de vista científico, vários estudos provam isso. Temos que ter uma regulamentação. Isso precisa ser regulado aqui.
Qual é o nível? Ninguém aqui está querendo fazer nada de qualquer jeito, queremos que haja todos os cuidados. Mas eu venho aqui fazer este pedido ao conselho, que se abra mais com relação a isso, dialogue mais, porque já há muita experiência.
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E eu voltaria a pergunta para a Dra. Carolina, porque, na fala do Dr. Salomão, segundo a resposta ao Deputado Paulo Teixeira, não há qualquer evidência desse trabalho sobre melhor qualidade de vida do autista. Não foi o que eu compreendi a partir da fala da Dra. Carolina. Então, se possível, gostaria que ela voltasse, porque o que eu compreendi é que ela mostrou a melhora com segurança científica, com estudos já comprovados mundialmente. Como são dois médicos respeitadíssimos, com alto nível de estudo e conhecimento, precisamos ter aqui um ponto de encontro entre o Dr. Salomão e a Dra. Carolina. Ela assegura que há, provada já, melhora na qualidade de vida dos autistas, o que é muito importante porque uma quantidade muito grande de pessoas sofre com isso.
A SRA. CAROLINA NOCETTI - Obrigada, Deputado, pela pergunta. Por isso eu acho importante sentar e estudar o material que está disponível. A revista chamada Nature é uma revista extremamente respeitada, é uma revista extremamente importante cientificamente. A Nature publicou este ano um estudo mostrando que quase 70% dos pacientes que têm autismo, que estão dentro do espectro autista, que estão nesse estudo tiveram melhor qualidade de vida. Não só isso: um quarto deles começou a ter funções que não tinha antes, como, por exemplo, trocar de roupa sozinho e tomar banho sozinho. Com isso, é possível a economia de um cuidador, por exemplo, porque agora a criança não precisa mais desse cuidador para se vestir.
Esse não é o único estudo. Há também estudos brasileiros mostrando isso — claro, em número reduzido.
Agora, precisamos considerar que o autista não tem nenhum medicamento na farmácia específico para ele. O que ele tem são medicamentos para controle de sintomas, como, por exemplo, déficit de atenção. E hoje o que se dá para tratamento do déficit de atenção é Ritalina e um medicamento com anfetamina. Então, eu acho que precisamos pesar esses dois, olhar a bula dos dois e ver quais são os efeitos colaterais.
Eu queria pedir também, Dr. Salomão, que, quando esse material for trazido a público, tenham sensibilidade científica, porque o título do último que nos trouxeram foi: "A tragédia da maconha". Eu pago o meu conselho. Então, ver o meu conselho escrever "A tragédia da maconha" num livro foi um insulto a mim, e eu acho que a muitos colegas. E, por mais que esse livrinho chamado de "A tragédia da maconha", de um Conselho de Medicina, não tenha usado um termo científico, ali dentro já se mostrava o benefício em dor. Então, eu peço só sensibilidade científica, sem tragédia, sem birita, sem maconha, mas com seriedade científica, semântica científica, e a retirada dessa palavra dos materiais, porque temos o nome científico dessa planta. Eu só peço essa sensibilidade no desenvolvimento do novo material.
E, sim, eu sugiro que vocês tenham acesso a isso. Eu posso compartilhar com vocês os estudos. A Dra. Eliane é uma das médicas que mais atendem pacientes autistas no Brasil e vê na prática clínica dela, como vemos também, que não são moléculas isoladas.
Nós vemos resposta muito melhor no consultório de plantas inteiras.
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Eu conheço isso. Não sei se a osmose vale também, a minha filha é psiquiatra da infância e adolescência e trabalha só com autistas, e tenho um filho que é um dos grandes nomes da pesquisa médica no País. Eu não estou alheio ao que está acontecendo em termos de pesquisa e de evolução, não. Eu continuo, apesar da idade, bastante ativo e trabalhando todos os dias e estudando todos os dias, todos os dias. Eu leio ainda dois artigos por semana.
A SRA. CAROLINA NOCETTI - É que a regulamentação da Cannabis medicinal hoje pelo CFM diz que somente crianças até 18 anos a podem usar. Imagine uma criança autista que tem 60 crises convulsivas por dia. Ela faz o controle, vamos dizer, até os 18 anos; saiu de 1.200 a 1.300 por mês para 1 por mês. Quando faz 18 anos, ela tem que parar, porque é assim que a regulamentação hoje do nosso conselho diz. Isso nos faz questionar a compaixão com as crianças que fazem 18 anos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado.
O SR. PASTOR EURICO (PATRIOTA - PE) - Sr. Presidente, Deputado Paulo Teixeira, nobre Relator, Deputado Luciano Ducci, ilustres convidados palestrantes, acredito que esta ou essas audiências sobre o tema estão sendo bem acompanhadas nacional e internacionalmente. Há ene jogos de interesses nesse tema.
Esta Comissão está sob a Presidência do nobre Deputado Paulo Teixeira, com quem já tivemos a oportunidade em outras legislaturas de trabalhar com temas polêmicos. Já tivemos muitos embates concernentes a drogas em outras oportunidades e, quando estou presente na Comissão, há algumas interpretações de que venho para polemizar. Essa não é a verdade.
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Quem participou e já me viu em debates concernentes ao tema, até na TV Câmara, viu que procuramos separar as coisas. Eu combato ferrenhamente o uso de drogas, acompanho casos e casos, mas há uma diferença em relação ao tema que está sendo tratado. Nós estamos tratando especificamente da substância com pessoas com nível científico. É por isso que está mais ou menos em paz esta audiência pública, esta Comissão, até porque, enquanto os senhores e senhoras aqui presentes estão defendendo o ponto de vista da área médica, preocupados com o tratamento de pacientes, existe muita gente querendo pegar carona de forma diferente. É em relação a isso que temos grandes embates, porque eu jamais daria um voto para legalização do consumo ou a descriminalização da maconha — e sobre isso nós vamos ter problemas e discussões diversas — ou de qualquer outro tipo de droga ilícita no País.
O grande problema é que eu li atentamente — já tive reuniões com a ANVISA, com representantes da ANVISA — e analisei o que está lá, o que está na letra, o que está na norma. Se eu dissesse que era algo ruim eu estaria sendo até incoerente. E não é por dizer isso que eu defendo as drogas. É que lá existem normas para se chegar ao ponto de extração dessa substância, como ser plantada e cultivada. O problema é como extrair essa substância, porque, exatamente devido à alta tecnologia, com custo altíssimo, não será qualquer pessoa que vai poder fazer isso. Terá que ser feito por meio de indústrias — e já se sabe que será preciso ser bem qualificado cientificamente para isso.
O que me preocupa é que os movimentos ativistas que lutam para legalizar a maconha no País estão pegando essa discussão agora para dizer: "Não, é só legalizar, que quem consumir a maconha vai ter a solução do problema". Não existe essa solução. Existe, sim, um mal maior que vai ser colocado nas mãos das pessoas, uma destruição maior, até porque todos sabem que a maconha, em si, é uma droga alucinógena, que causa ene problemas. E sabem disso os pais — e tantos outros — que têm os filhos que começaram pela maconha. É claro que hoje existem outras drogas, mas a maconha já foi um grande problema, tem sido e vai continuar sendo.
Eu acho que é importante discutirmos questões relacionadas a uma substância, mas fiquei admirado porque aqui ninguém falou de cura, ninguém falou de cura. Então, dizer que eu vou liberar a maconha para curar as pessoas é um absurdo, porque a própria substância está aí. Os senhores que são da área sabem. Se eu for falar o que alguns xavantes falam e usam: "Ah, a jararaca..." Há venenos aí para questões neurológicas... Tudo bem, mas ninguém toma veneno; vai usar os medicamentos extraídos de substâncias. Vejam o caso da morfina e de outras substâncias que foram citadas.
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É isso que nos preocupa. Tudo bem — entendo —, se se tratasse de filho ou neto meu ou de qualquer um de nós, iríamos querer o melhor e buscar o que pudesse e onde houvesse, porém plantar... Como é que aquela mãe ou aquele pai que quer receber uma autorização para plantar vai extrair a substância? Qual laboratório ele tem para isso?
Esse pessoal que defende o uso desenfreado da droga em si, da maconha em si, quer pegar essa carona. "Todo mundo pode plantar. Acabou. Descriminaliza. E se virem. Se alguém tiver prejuízo, isso é problema dele." Nós não podemos pensar dessa forma. Eu acho que a coisa está sendo tratada aqui com seriedade. Acredito que o nobre Relator está peneirando tudo. Depois, quando o relatório vier, vai haver a discussão.
Eu espero, Deputado Paulo Teixeira, que nós tenhamos nesta Comissão reuniões, como estamos vendo aqui, tranquilas, porque, para alguns companheiros nossos, desculpe-me — não nomino ninguém —, é fácil pagar o sanduíche, é fácil pagar o lanchezinho, é fácil encher ônibus de gente para trazer para cá para tumultuar aqui dentro e botar aqui um monte de cartazes para o libera geral. Não é isso que nós esperamos aqui.
Estaremos discutindo com os pés no chão. Não sou defensor de legalização de consumo de drogas. Vamos discutir até o final a questão substância pró-bem. Porém, se tiver que liberar a substância, abrindo espaço para os ativistas fazerem a festa, do jeito que eles querem, aí nós vamos estar na briga, respeitando um ao outro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Deputado Pastor Eurico.
Quero esclarecer que o escopo desta Comissão é o uso medicinal. E quero dizer a V.Exa. também que na semana passada tivemos aqui várias farmacêuticas, entre elas, uma do Estado do Rio de Janeiro. Ela tem assessorado mães que ganharam as liminares para a produção daquela planta, voltada para a doença da filha ou do filho. Faço essa manifestação só para dizer que isso aqui foi discutido. E aqui também tem se colocado a experiência dessas associações. Todos os três que a fizeram falaram dessas associações que hoje têm oferecido aos pacientes esse medicamento.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - É porque o senhor falou só o canabidiol. Várias dessas doenças são tratadas também com THC.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Ele tem mais THC do que canabidiol?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - O Mevatyl é um para um. Quero só apresentar essa questão, porque muitas das doenças são tratadas algumas com canabidiol e outras com THC, e o Mevatyl é um para um.
A SRA. NATÁLIA BONAVIDES (PT - RN) - Obrigada, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Inclusive, V.Exa. justificou que não poderia estar presente, porque estava na CPI das Fake News.
A SRA. NATÁLIA BONAVIDES (PT - RN) - Exato. Mas a nossa equipe estava acompanhando esta audiência atentamente, inclusive me passando em tempo real os debates aqui.
De forma que eu fiquei feliz de poder vir ainda a tempo de fazer dois rápidos questionamentos ao Sr. Salomão, que está representando o Conselho Federal de Medicina.
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Eu li o documento do CFM, o decálogo sobre a maconha, que hoje é considerado o posicionamento público do conselho em relação a esta temática, e é sobre ele que eu teria duas perguntas. A primeira tem a ver com o que V.Exas. estavam debatendo, o THC.
Por que o conselho nega os estudos sobre o THC? Quando você lê o decálogo, você vê que há mesmo a negação de que há estudos. O decálogo fala que, em termos de Cannabis medicinal, somente o CBD é estudado hoje, mas hoje há remédio que contém THC legalizado. Isso vai ser revisto? Por que o decálogo nega que há estudos? Na verdade, ele diz que o estudo da Cannabis medicinal é o estudo do CBD.
Ainda lendo esse decálogo, eu queria entender melhor o posicionamento do CFM sobre maconha medicinal. Quero saber se o conselho está considerando aí a maconha fumada, porque, nesse documento, nos dez pontos publicizados pelo Conselho Federal de Medicina, entende-se, em alguns momentos, que o conselho está falando de maconha fumada. Eu queria entender melhor qual a posição do conselho. Quando o conselho está falando de Cannabis medicinal, ele está falando também da maconha fumada? Ele está falando da maconha fumada?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Se V.Exa. me permitir, gostaria de perguntar o seguinte: se o Mevatyl tem THC, o médico pode prescrevê-lo?
O SR. SALOMÃO RODRIGUES - Se ele está autorizado no Brasil, o médico pode prescrevê-lo. Se ele não tivesse autorização, registro, o médico não poderia prescrevê-lo, mas, tendo registro, se foi dado o registro, ele pode prescrevê-lo, sim.
Deixe-me responder à senhora. A questão inicial que a senhora colocou não é assim. Nós consideramos que os trabalhos científicos existentes sobre o canabidiol são crescentes e sobre o THC são muito pequenos. Os estudos do canabidiol ainda são pequenos também. Nós precisamos aumentar mais.
Nós estamos agora fazendo um estudo mais amplo, fazendo todo o levantamento da literatura mundial. Eu já pude ver que Israel tem um número crescente de publicações. Então, estamos procurando ver as indicações, as correções e a segurança para essa prescrição, para que o conselho possa firmar uma posição diferente.
A SRA. NATÁLIA BONAVIDES (PT - RN) - Entendi. Se V.Exa. me permitir...
A SRA. NATÁLIA BONAVIDES (PT - RN) - O ponto 2 do decálogo afirma que — abre aspas — "apenas uma, o CBD, está sendo investigado com o objetivo de verificar se existe ou não potencial terapêutico".
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - V.Exa. pode repetir a outra pergunta?
A SRA. NATÁLIA BONAVIDES (PT - RN) - A outra é sobre o posicionamento do conselho em vários pontos do decálogo, que se refere, parece-me, à maconha fumada. Pergunto se é isso que o conselho considera maconha medicinal.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES - Não. Maconha medicinal para nós é um termo bastante impreciso.
Compreendemos que, quando se fala em maconha medicinal, se está falando nos óleos, no extrato da planta para uso médico, com indicação de tratamento. Não é o uso recreativo que está sendo referido, mas a uso com indicação para tratar doenças.
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17:26
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A SRA. NATÁLIA BONAVIDES (PT - RN) - Mas inclui o uso fumável?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Passo a palavra ao ilustre Deputado Marcelo Calero, embaixador, diplomata.
O SR. MARCELO CALERO (CIDADANIA - RJ) - Muito obrigado, Presidente.
Eu queria agradecer mais uma vez a liderança de V.Exa. na matéria, queria agradecer muito a presença de todos os expositores, em especial da Dra. Carolina Nocetti, com quem tive a oportunidade de ter contato há algum tempo, o que acabou resultando também nesse requerimento que apresentei junto com V.Exa.
Eu queria dizer que quando falamos, e eu repiso esse meu falar, Presidente, quando nos referimos — vou pegar a cola do nome completo da nossa Comissão — a medicamentos formulados com Cannabis, como a Dra. Carolina bem falou, devemos evitar o uso do termo maconha, porque aí, como o Deputado Pastor Eurico bem lembrou, não podemos confundir as coisas. E quem está se valendo desta Comissão para pretender resultado diverso daquele a qual ela se propõe é canalha, e canalha temos que tratar como tal.
O que eu repiso é que se trata de uma questão de humanidade. Não se está aqui falando de uso recreativo. Estamos falando do uso medicinal de famílias que estão desesperadas, famílias pobres. Mais uma vez nós estamos com esse comportamento que não leva à regulamentação — em boa hora temos a Comissão aqui para resolver isso —; mais uma vez estamos confirmando a história, a trajetória do Brasil, de uma classe oprimida e uma classe opressora, mais uma vez estamos fazendo isso. Não venham me dizer que isso é papo de esquerda ou de direita, isso é a história, porque quem é rico tem acesso ao medicamento, entra na Justiça, importa. E quem não tem dinheiro? Passa humilhação, como é a trajetória deste País. Nós criamos dificuldade para vender facilidade. Não podemos deixar que isso aconteça.
Eu tenho uma afilhada que tem uma síndrome rara não diagnosticada próxima à Síndrome de West. Ela tem convulsões permanentes. Todo logro que ela consegue por meio das terapias, muitas vezes, por conta dessas convulsões, voltam atrás. Ela não fez uso ainda da Cannabis, mas o caso dela é um dos que já foi identificado como passível de ter a utilização. Nós somos uma família de classe média. Como fazemos? Então, eu gostaria de chamar a atenção dos senhores.
Dr. Salomão, com todo respeito, quando o senhor fala que vai incluir inclusive a Dra. Carolina e a Dra. Eliana, eu diria que é fundamental que o senhor inclua, porque se à mesa estão sentadas apenas pessoas que pensam igual, essa decisão não vale de nada. Está se cristalizando no País uma tentativa de se criar bolhas autoconfirmatórias em todos os assuntos e só se coloca à mesa quem pensa igual. Como nós vamos avançar do ponto de vista civilizatório? Como nós vamos avançar do ponto de vista do contraditório?
Como vamos construir uma sociedade que, de fato, respeite a pluralidade e a diversidade, que são inerentes a qualquer sociedade? Como vamos dar as soluções aos problemas dos brasileiros se juntamos à mesa apenas aqueles que pensam igual a nós?
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Então, o apelo que faço é para que nós, ao falarmos desse assunto, primeiro, não deixemos qualquer dúvida em relação à limitação do seu escopo. Segundo, e até por conta disso, que nos lembremos da urgência que esse assunto tem, porque estamos falando de famílias que estão desesperadas. Efeitos colaterais, qualquer leigo como eu sabe que os remédios têm, por mais comum e usual que eles sejam. E, claro, não há nenhum irresponsável aqui. Precisamos lidar com isso e precisamos avançar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Deputado Marcelo Calero.
Eu gostaria de referenciar essa necessidade que nós médicos e prescritores precisamos ter no que diz respeito à segurança de continuar prescrevendo para todas as patologias, para todos os pacientes que necessitam do uso compassivo, e não só para os casos de epilepsia.
Acho muito importante fazermos pesquisa neste País, mas só conseguimos fazer pesquisa de verdade se tivermos regulamentação.
Além disso, peço ao nosso Conselho Federal de Medicina que seja sensível e chame para a mesa os prescritores e aborde as outras patologias. Invariavelmente acabam vindo profissionais que têm experiência científica na área de dependência de drogas, como foi citado, o Dr. Ronaldo Laranjeira, que inclusive foi meu professor quando fiz especialização em Dependência Química. Não vamos discutir a capacidade deles, mas não estamos aqui falando de dependência de drogas. O próprio Dr. Mechoulam, o pai da maconha, diz que, para pacientes usuários de droga, até a própria droga, a Cannabis, é boa quando a utilizamos na proporção adequada, embora aqui seja considerada uma droga ruim.
Precisamos realmente fazer pesquisas. Eu, como pesquisadora e prescritora, acredito que precisamos levar, sim, a medicação à população pobre. Como trabalhadora do SUS, estou há 32 anos trabalhando no serviço público, o que eu mais vejo é dificuldade. Se tivermos dificuldade de dar uma aspirina e não regulamentarmos isso, já haverá pessoas especializadas em fazerem processos judiciais para conseguir isso na Justiça de forma importada. Então, o SUS vai sangrar novamente. Acho que podemos reverter isso com uma ótima regulamentação.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Obrigado, Dra. Eliane Guerra. Agradeço a sua presença.
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Além disso, precisamos discutir os THC também. Quem lida com paciente autista que tenha, por exemplo, a síndrome de Tourette sabe que não conseguimos obter uma resposta tão positiva se não adicionarmos o THC no tratamento. Mas isso só sabe quem trabalha com isso, quem lança mão disso, porque não está nos livros.
Então, eu me ofereço, assim como todos que estão aqui, para participar sempre de discussões de alto nível, discussões científicas e discussões que levem à sensibilidade e à compaixão por esses pacientes, para que eles tenham escolha. Olhar a bula do medicamento, ver uma lista enorme de efeitos colaterais, saber que existe outra opção que não tem os efeitos colaterais e não dar ao paciente acesso a isso é muito injusto.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Dra. Carolina Nocetti.
O SR. RICARDO FERREIRA - Há 10 anos, quando comecei a ler e pesquisar a respeito da Cannabis como medicamento para dor, eu nunca poderia imaginar que um dia estaria sentado nesta cadeira falando sobre este tema no Congresso Nacional. Então, é uma grande honra e uma grande alegria poder estar aqui com vocês discutindo esse assunto.
Isso é apenas o começo. Há muita coisa ainda para acontecer, mas em todos os lugares do mundo em que as coisas aconteceram foi assim. Então, eu tenho esperança. Eu sei que a coisa vai demorar, sei que isso é um processo e acredito que existem pessoas no Brasil que têm a capacidade de contribuir muito para que esse processo aconteça de forma responsável, de forma segura, protegendo pacientes e crianças quanto ao desvio de finalidade. Toda essa preocupação a respeito do descaminho e do uso incorreto não acontece só em relação a Cannabis. Todos os medicamentos trazem essa preocupação para a medicina. Nos Estados Unidos, neste momento, está havendo uma epidemia de mortes devido ao uso de opioides. Várias pessoas estão morrendo por causa deles lá. Uma estatística mostra que morrem quatro vezes mais pessoas devido ao consumo de opioides nos Estados Unidos do que ao uso de drogas ilícitas. E o pior é que são remédios de prescrição, vendidos nas farmácias.
Portanto, isto deve nortear esta discussão: a responsabilidade, tanto em relação ao uso quanto à regulamentação. Fico muito feliz e satisfeito que isso esteja acontecendo no Brasil. Certamente vai produzir resultado. Alguma coisa vai acontecer no sentido de ampliar o acesso a quem precisa e ampliar a segurança para quem precisa prescrever para os seus pacientes.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Dr. Ricardo Ferreira.
O SR. SALOMÃO RODRIGUES - Agradeço ao Deputado Paulo Teixeira e ao Deputado Luciano Ducci pela oportunidade de, mais uma vez, estar aqui nesta Casa discutindo um assunto de tanta relevância para a população brasileira.
Fica aqui o compromisso do Conselho no momento em que se estiver regulamentando o que diz respeito ao exercício profissional do médico. Essas pessoas que trabalham com isso, que prescrevem o medicamento, serão chamadas, como sempre foi feito em todas as áreas, em todas as regulamentações feitas. Mas é necessário que o Conselho Federal de Medicina atue com responsabilidade, com critério, com bastante seriedade realmente, como sempre o faz.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Teixeira. PT - SP) - Muito obrigado, Dr. Salomão Rodrigues.
Agradeço aos Srs. Parlamentares e às Sras. Parlamentares, a todos que participaram desta reunião, assessores, interessados, especialistas, famílias.
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