1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Centro de Estudos e Debates Estratégicos
(REUNIÃO ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL)
Em 17 de Outubro de 2019 (Quinta-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Bom dia.
Eu quero inicialmente me apresentar. Sou Luiz Ovando — meu nome Parlamentar é Dr. Luiz Ovando —, do PSL do Mato Grosso do Sul. O PSL está em evidência, por várias razões, como vocês estão vendo. Mas esses altos e baixos, sem dúvida, fazem parte da vida, não é?
Eu quero agradecer a todos, indistintamente, e destacar a importância da presença dos representantes das respectivas instituições.
Nós os conhecemos pelo nome, mas não pessoalmente. Quero pedir desculpas por alguma falha nominal que possamos cometer aqui. O nome está aí colocado, mas às vezes não conseguimos precisão.
Quero agradecer ao Cláudio; ao Dr. Reinaldo; ao Nulvio; e ao nosso consultor legislativo Fábio de Barros, que tem conduzido esta discussão de uma forma técnica e administrativamente bastante eficiente e contribuído para o nosso aprimoramento. Quero também agradecer à Juliana, que nos assessora de forma bastante eficiente nestas discussões. Deixo também o nosso agradecimento ao Bruno.
Talvez os senhores estejam se perguntando qual o propósito desta reunião. Ela já faz parte de várias outras que aconteceram. Eu quero apenas apresentar algumas questões, de forma bastante rápida e objetiva.
Eu disse para os senhores que sou médico. Já sou antigo, formado há 44 anos, e tenho experiência em todos os níveis da medicina. Conheço a realidade brasileira; conheço a realidade americana; conheço a realidade do ensino e do treinamento do residente. E uma das coisas que me angustia sempre, diante de tudo aquilo que é colocado no cenário nacional em termos de saúde, é exatamente a falta de dados de efetividade, ou seja, uma condução técnica daquilo que você aplica e dos resultados que você obtém.
Nós já tivemos aqui discussões interessantes nesse aspecto. Foram apresentados números pelo DATASUS, pelo DENASUS, pela CGU, mas nenhum deles apresentou números visando exatamente a esse resultado. Por quê?
De uma maneira geral, nós aqui na Câmara, que é o lugar do debate, ficamos expostos a uma série de informações. Temos a responsabilidade de tê-las com precisão — temos o direito de tê-las com precisão. E a população tem ainda muito mais direito. Mas isso não é verdadeiro em alguns aspectos, principalmente no que diz respeito à efetividade, à resolubilidade da atenção primária em saúde. Nós levantamos essa questão, e o Fábio abraçou-a. Nós a temos discutindo aqui, para aprimorá-la. Nós os estamos ouvindo porque queremos uma síntese para elaborar uma proposição que possa vir a fazer diferença e até nos ajudar nos rumos do atendimento primário em saúde no País.
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Eu digo aos senhores que trabalhei em cidade de interior. Fui cirurgião, operei, fiz parto, atendi emergências, depois trabalhei em unidade de terapia intensiva. Eu sou especialista desde aquela época e, hoje, sou superespecialista dentro da minha especialidade, mas continuo abraçando a área clínica. Nós não abrimos mão da atividade clínica, em princípio. E isso é algo que, no País, de uma maneira geral, estamos vendo que não está acontecendo mais.
Então, esta reunião visa exatamente a isto: primeiro, detectar a efetividade do atendimento primário em saúde; segundo, discutir a formação do nosso clínico que estará na linha de frente; terceiro, conseguir resultados que venham a fazer diferença no diagnóstico precoce, no tratamento efetivo, sem iatrogênese e com custo baixo; quarto, fazer oposição no sentido de informação, não oposição pura e simples, dos resultados que são colocados em várias frentes, com várias formas de se entender e interpretar a realidade brasileira.
Normalmente, aqui, fazemos apresentações que duram em torno de 15 minutos, com alguma pequena tolerância, quando se faz necessária. Cada um apresenta o seu ponto de vista, nós o anotamos e, depois, fazemos perguntas, questionamentos. No fim, sintetizamos tudo aquilo que foi colocado.
Eu gostaria que cada um se apresentasse. Depois, pela ordem — os senhores, naturalmente, já se conhecem —, podem se manifestar.
Antes disso, gostaria de passar a palavra ao nosso consultor legislativo Fábio, que pode também sugerir alguma coisa.
O SR. FÁBIO DE BARROS CORREIA GOMES - Bom dia. Agradeço ao Deputado e a todos os demais presentes.
Ficou bastante clara a apresentação do Deputado. Estamos aqui apenas com a disposição de participar do debate.
Obrigado.
O SR. BRUNO GANEM SIQUEIRA - Meu nome é Bruno. Eu sou cardiologista e estou envolvido na saúde suplementar há 15 anos, com experiências nas áreas de operadoras, rede própria verticalizada e home care. Atualmente, estou numa empresa de medicina diagnóstica de âmbito nacional que tem investimentos em atenção primária, motivo pelo qual o Breno Monteiro, da Confederação Nacional de Saúde — CNS, nos convidou para representá-lo aqui nesta reunião.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Muito obrigado, Bruno. Seja bem-vindo.
O SR. NULVIO LERMEN JUNIOR - Meu nome é Nulvio. Sou médico de família e comunidade. Trabalhei desde a ponta, tanto em Florianópolis, cidade onde fiz minha formação, como no Nordeste, onde por um tempo também estive fazendo a minha formação.
Estive muito tempo na gestão pública. Trabalhei durante 15 anos na gestão pública. Trabalhei na Prefeitura de Florianópolis. Aqui, no Ministério da Saúde, durante 4 anos, atuei como Coordenador de Atenção Primária na antiga Coordenação-Geral de Gestão da Atenção Básica — DAB, que hoje virou Secretaria. Depois, também trabalhei implantando a atenção primária no Rio de Janeiro. Voltei para Florianópolis, onde fui Secretário-Adjunto de Saúde por alguns anos. Agora estou na Amil, onde nós estamos fazendo uma grande mudança na atenção primária da empresa. Hoje estou representando aqui também a Associação Brasileira de Planos de Saúde — ABRAMGE.
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Acho que esta vai ser uma oportunidade boa de debate.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Obrigado. Realmente vai ser muito interessante.
Tem a palavra o Ricardo.
O SR. RICARDO COSTA DE SIQUEIRA - Bom dia a todos. O meu nome é Ricardo Siqueira.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RICARDO COSTA DE SIQUEIRA - Acho que nós vamos procurar a família aqui. Há outro Siqueira na mesa. (Risos.)
Eu sou enfermeiro de família e auditor de saúde. Há 23 anos venho atuando na atenção primária, tanto na assistência como na gestão. Hoje sou membro da Câmara Técnica de Atenção Básica do Conselho Federal de Enfermagem.
Nós estamos aqui como parceiros, para tentar melhorar a atenção primária da população e principalmente a condição de formação e trabalho dos profissionais de saúde que atuam nessa área.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Ricardo, seja bem-vindo.
O SR. REINALDO CAMARGO SCHEIBE - Bom dia, Deputado. Obrigado pelo convite.
Meu nome é Reinaldo Scheibe. Sou o atual Presidente da ABRAMGE — Associação Brasileira de Planos de Saúde. Não sou médico, mas estou na área de saúde há mais de 40 anos.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Sabe quase tudo de Medicina.
O SR. REINALDO CAMARGO SCHEIBE - Só numa operadora eu trabalhei 33 anos. Ajudei a construir uma grande operadora.
Este é um assunto extremamente importante, e a ABRAMGE o apoia com muito fervor. Vejo nesta reunião uma mudança de paradigma em relação aos últimos anos, tanto que nós convidamos o Dr. Nulvio, que é um médico, para nos ajudar na ABRAMGE. Nós temos certeza que daqui irá surgir um grupo de trabalho, um grupo de informações, para que isto tenha continuidade e, principalmente, saia da Câmara dos Deputados sem que haja, como ocorreu nos Governos anteriores, uma questão de briga ideológica entre público e privado.
A nossa bandeira, há muitos anos, é a integração dos sistemas público e privado. O mundo faz isso. Eu estive recentemente fora do País participando de um seminário na Europa em que falaram representantes de vários países. Se nós não integrarmos isso e não começarmos a fazer realmente uma assistência básica, uma atenção primária, não haverá recurso nem no público, nem no privado, diante do desperdício que nós vemos. Assistimos hoje ao que é jogado de dinheiro fora.
Então, eu estou aqui para prestigiar este evento. Depois o Dr. Nulvio vai comentar com especialistas. Se daqui sair um estudo, nós acabaremos com essa questão de ficar batendo cabeça entre as ideologias e dizendo que, quando se quer organizar uma rede de assistência, está-se restringindo a atenção. Muito pelo contrário, o paciente hoje está perdido na rede de atenção: ele chega ao consultório, segundo os médicos nos contam, com pacotes de exames, com os quais ele não sabe o que fazer. E isso tem custo.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Reinaldo, quero só abrir um parêntese. Eu continuo atendendo no consultório, e agora virou moda os pacientes chegarem com aquele carrinho de exames. Parece carrinho de feira comum, porque os exames de tomografia e ressonância vão ficando pesados, e o paciente idoso já não os consegue carregar.
Então, o pessoal agora está carregando carrinho para mostrar os exames. Os pacientes me dizem: "Doutor, eu trouxe os exames". Eu falo: "Guarde isso aí que eu não quero saber. Vamos conversar". Eles se assustam. Aí, eu pergunto, no fim: "Tem tal exame?" "Não, não tenho." A coisa mais simples às vezes eles não têm.
Mas, por favor, continue.
O SR. REINALDO CAMARGO SCHEIBE - Quando eu falo de público e privado, é só para lembrar o senhor de algo. Por muitos anos se tentou fazer troca de informações entre o SUS e a iniciativa privada. E nós vivemos um caos financeiro nos dois lados. Quando o paciente que está no SUS, sendo atendido ou não, com dificuldade, passa a ter um plano de saúde, ele não traz uma informação do tratamento que ele fez, a não ser alguns exames. Então, ele começa tudo de novo na iniciativa privada. Se ele volta ao SUS porque perdeu o emprego ou por alguma outra razão, o SUS não aceita na porta de entrada nenhum documento da iniciativa privada. Se ele está prestes a fazer uma cirurgia ou um tratamento mais especializado, o SUS o manda para o final da fila, e ele começa tudo de novo. Se nós não corrigirmos isso...
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Isso é insano, é um absurdo.
O SR. REINALDO CAMARGO SCHEIBE - Mas é o que nós vivemos.
Na atenção primária, se nós fizermos uma parceria público-privada com orientação da Câmara, que é o legislador, nós podemos ganhar muito tempo. A população do País vai ganhar muito tempo na sua atenção de saúde.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Perfeito.
Tem a palavra o Ricardo, como primeiro apresentador.
O SR. RICARDO COSTA DE SIQUEIRA - Posso falar daqui mesmo, sentado?
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Pode.
O SR. RICARDO COSTA DE SIQUEIRA - Primeiro, bom dia. Quero saudar o Deputado Dr. Luiz Ovando e agradecer-lhe pelo convite, em nome do Presidente do Conselho Federal de Enfermagem, o Dr. Manoel Carlos Neri da Silva, que sempre se colocou como um parceiro da Câmara e do Congresso como um todo na tentativa de contribuir de uma forma positiva para a melhoria da qualidade de assistência à saúde da população, já que hoje nós somos mais de 210 milhões de habitantes no País.
Como já disse, sou mestre em enfermagem, tenho residência e especialização em saúde da família, sou auditor em saúde e membro da Câmara Técnica de Atenção Básica do Conselho Federal.
(Segue-se exibição de imagens.)
Em todo o mundo os sistemas de saúde vêm enfrentando desafios diversos na força de trabalho, principalmente na atenção primária, à qual nós temos necessidade, como uma questão constitucional, de dar acesso universal à população, com equidade, porque, na estratégia e no sistema de saúde, nós temos hoje uma realidade de populações muito carentes, muito pobres, em especial no Nordeste, de onde eu venho.
Há escassez e desequilíbrio geográfico na distribuição dos profissionais. Eu vou mostrar para vocês a realidade da enfermagem brasileira, que não é diferente da realidade das outras categorias profissionais — os colegas médicos podem depois corroborar isso —, porque nós temos uma grande concentração de profissionais em determinadas regiões geográficas e uma carência ou ausência completa em outras.
Médicos e enfermeiros na APS lutam, de fato, com dificuldade para o provimento de cuidados de saúde no dia a dia. Além da escassez de recursos, muitas vezes há barreiras administrativas. Nós vamos conversar aqui um pouco sobre isso.
Há taxas crescentes de condições crônicas da população, que hoje está cada vez mais envelhecida, vivendo mais, o que intensifica a necessidade de prestadores de cuidados primários no futuro. Hoje, muitas vezes, essa área é desacreditada, e a formação de novos profissionais é até mesmo desestimulada.
Novos modelos de atendimento são requeridos, justamente pela necessidade de adequação a essa nova realidade do País e do mundo.
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Então, a APS hoje se torna a porta de entrada preferencial do sistema de saúde, que, como nós sabemos, é de baixo custo. O custo para prevenir doenças e promover saúde é muito menor do que o custo para manter um paciente em um hospital de alto custo. Um paciente hipertenso mal acompanhado, mal assistido, por exemplo, vai com certeza necessitar de um atendimento de UTI, de uma neurocirurgia e de uma internação prolongada, fora o período de reabilitação desse paciente.
A enfermagem tem um papel relevante no cuidado e assistência à saúde da população, porque nós somos parceiros, estamos presentes em todo o território nacional, em todas as unidades básicas de saúde.
Nós trabalhamos em equipes multiprofissionais, e a enfermagem desempenha um papel de grande importância, sendo copartícipe no cuidado e na assistência ao paciente.
Também é preciso entender que essa é uma profissão autônoma. Hoje no Brasil, Deputado, muitas equipes estão funcionando sem um profissional médico por várias situações, e o enfermeiro está lá segurando as pontas tanto na questão da gestão como na questão da assistência. Esse profissional precisa, merece e deve ser valorizado também.
Nós temos uma regulamentação muito ampla, que embasa de forma muito consistente essa assistência, esse cuidado, tendo como atividades específicas a consulta de enfermagem, a prescrição de medicamentos padronizados pelos programas de saúde pública e também a solicitação de exames. Isso contribui para o acompanhamento conjunto dos pacientes que estão ali na atenção primária de saúde, na qual cerca de 80% dos problemas são resolvidos.
É importante destacar que, na reorganização do serviço, boa parte dos gestores do sistema de saúde hoje é de profissionais de enfermagem, que têm uma visão ampliada, não somente na atenção primária, mas também em vários níveis superiores.
Os profissionais da enfermagem precisam de valorização profissional, como todos os profissionais da atenção primária, porque trabalham muito, têm uma carga horária muito extensa, de 40 horas, e uma demanda explosiva. Muitas vezes, doutores, algumas gestões ampliam a parcela da população atendida pela equipe na tentativa de dar uma melhor cobertura, mas isso aumenta a pressão da população por serviços de saúde.
Houve um avanço na qualificação desse profissional: hoje existem mais de 160 especialidades de enfermagem, e mais de 60 especialidades têm subespecialidades. Então, é uma categoria que estuda, que se prepara muito. Na atenção primária, nós também estamos muito preparados para atender.
Hoje estamos lidando com práticas avançadas. A enfermagem precisa ser melhor aproveitada. Ela tem todo um conhecimento e um escopo legal para, junto com a medicina, trabalhar na assistência da população. Essas práticas precisam ser consolidadas e ampliadas no sentido de trabalhar na questão da multiprofissionalidade.
Estes são alguns atos regulatórios da nossa legislação profissional. Nós temos uma lei e um decreto que regulamenta o exercício profissional: a Lei nº 7.498, de 1986, e o Decreto nº 94.406, de 1987. Então, nós temos mais de 40 anos de regulamentação profissional. Já temos uma consolidação do cuidado desse profissional. A Lei nº 8.080, de 1990, regulamenta a saúde, e a Portaria nº 971, de 2006, aprova a questão das práticas integrativas e complementares também como algo que pode ser desenvolvido na atenção primária. A Portaria nº 4.279, de 2010, estabelece diretrizes para a organização de redes de atenção do SUS, e a Portaria nº 2.436, de 2017, regulamenta a Política Nacional de Atenção Básica, que hoje rege as atividades das equipes de saúde da família.
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Este é o desenho da enfermagem no Brasil. Vocês podem ver que hoje nós somos um grande contingente profissional, de mais de 2 milhões de profissionais: há 2.151.114 enfermeiros. Estes dados são de abril de 2019, mas estamos consolidando um dado mais atual. Hoje temos cerca de 524.625 enfermeiros graduados no País. Isso é uma força de trabalho incrível. Além disso, há outros profissionais da área: há mais de 1 milhão e 200 mil técnicos de enfermagem e mais de 412 mil auxiliares de enfermagem. Nós estamos vendo que está havendo um movimento de qualificação, em que auxiliares se qualificam como técnicos, e técnicos se qualificam como profissionais de enfermagem de grau superior, o que amplia mais ainda a nossa expertise.
Há uma grande concentração desses profissionais na Região Sudeste. Quase metade dessa população de trabalhadores está superconcentrada nessa única região, o que também não é diferente da realidade de muitas outras profissões da saúde. A concentração na Região Norte representa 7,4%; na Região Nordeste, 23,7%; na Região Centro-Oeste, 8,2%; na Região Sul, 13,1%. Nós observamos que a enfermagem está distribuída no País, mas está concentrada em duas regiões que têm uma densidade populacional muito grande, a Região Sudeste e a Região Nordeste, que é um celeiro de políticas públicas e de avanços para a atenção primária. O Brasil tem hoje 210 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE de julho de 2019.
Este é o nosso pano de fundo, o nosso cenário. A enfermagem historicamente vem desenvolvendo um papel muito grande. Estes são dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do período de julho de 1998 a julho de 2015. Nós tivemos somente esse recorte, por questão de impossibilidade de uma atualização de dados. Em 2018, no Brasil, havia 42.755 equipes de saúde da família, e hoje esse número aumentou, foi atualizado.
Quero apresentar para vocês a contribuição da enfermagem. Deputado, nesse período, a enfermagem brasileira fez mais de 1 bilhão e 100 milhões de consultas, atendendo pessoas de todas as faixas etárias e programas. Mais de 125 milhões de mulheres foram atendidas com consulta pré-natal — houve um pico anual de quase 11 milhões de consultas. Este é o número de consultas na puericultura: quase 250 milhões de crianças foram atendidas na atenção primária e acompanhadas em seu crescimento e desenvolvimento. Em relação à hipertensão arterial, houve quase 500 milhões de consultas. Esses pacientes estão sendo acompanhados junto com a consulta do médico, e nós estamos desenvolvendo uma atividade de prevenção de agravos e promoção de saúde. Isso está evitando que os pacientes cheguem às emergências com acidentes vasculares cerebrais e outras ocorrências. Em relação ao diabetes, houve nesse período quase 150 milhões de consultas. Para prevenção de câncer de colo do útero e câncer de mama, os enfermeiros realizam no País quase 100 milhões de consultas. São muitas as mulheres que estão fazendo prevenção. As lesões estão sendo identificadas de forma precoce; o encaminhamento e o tratamento estão sendo feitos com a maior antecedência possível. Nós estamos colaborando com a saúde pública brasileira. O número de visitas domiciliares àqueles pacientes acamados que não podem sair, ou mesmo a puérperas e a crianças recém-nascidas, cuja visita é feita na primeira quinzena de vida, é de mais de 123 milhões. Cada visita dessas são consultas ampliadas, havendo o acompanhamento de toda a família. Nós fizemos um diagnóstico dessa situação. Nós da Câmara Técnica de Atenção Básica rodamos todas as cinco regiões do País visitando e conversando com profissionais, com gestores e com conselheiros de todos os Estados brasileiros. Nós identificamos muitas coisas positivas, que precisamos comemorar, mas também identificamos algumas situações em que precisamos atuar.
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A relação de trabalho é precária. Hoje não temos, no Brasil, segurança profissional — e todas as categorias profissionais estão nessa situação. São baixos os salários. E há diferentes realidades: profissionais concursados; profissionais com cargo comissionado; profissionais com seleção; profissionais com serviço prestado. Então, são várias as situações, e muitas vezes há a precarização do trabalho.
Há ausência de piso salarial. Há um projeto de lei tramitando desde 2000 nesta Casa — e nós pedimos, desde já, aos Srs. Deputados e mandantes com cargo eletivo que nos apoiem —, o Projeto de Lei 2.295, de 2000, que trata da redução da carga horária. Considerando que a maioria desses profissionais é de mulheres, mães de família que precisam de dois ou três empregos e têm baixos salários, isso é uma questão de justiça, de reconhecimento.
Quanto às condições de trabalho, vou tratar aqui das equipes, não só dos profissionais de enfermagem. O nosso amigo Nulvio, como médico de família e de comunidade, também lida com essa realidade. Eu rodei o País e pude visitar as casinhas lá no Amazonas, Deputado. São casinhas de madeira sem estrutura nenhuma, e o profissional médico e o enfermeiro estão lá desenvolvendo suas atividades sem recurso algum. Quando há algum caso de urgência, de emergência, sendo inevitável que se procure uma unidade básica, esse paciente fatalmente vai ter uma condição muito ruim. Há unidade de saúde em zona rural sem profissional de enfermagem, com presença apenas de técnico de enfermagem. Isso é uma irregularidade. Além do mais, está sendo atribuída uma responsabilidade muito grande a um profissional de nível técnico, que não tem formação adequada para isso.
Há a prática de rodízio entre profissionais de equipes. O profissional está numa equipe, depois ele vai para outra, e aí se vai contemplando o atesto e tentando fazer uma ciranda que não favorece a questão do vínculo profissional, muito menos a questão do vínculo com a população.
Há uma ausência de profissionais de enfermagem na supervisão dos serviços de enfermagem no caso também de férias e licenças. Com o médico também acontece isso. O profissional sai, e não fica ninguém atendendo. Sobra para os outros colegas que estão lá, muitas vezes, ter que segurar toda a demanda, de quase 4 mil habitantes.
Há uma mudança do perfil das unidades básicas. Hoje, está-se colocando as unidades básicas com o perfil de 24 horas. Nós identificamos unidades pelo Brasil com uma verdadeira esquizofrenia: de manhã, há a atenção básica; à tarde, a atenção secundária; e, à noite, a urgência e emergência. Então, a unidade não tem uma cara de unidade básica no sentido característico. As visitas domiciliares são comprometidas muitas vezes por falta de veículos, porque essa é a realidade nacional. Há áreas sem cobertura, e aí é preciso tratar da questão de abrangência. Há equipes incompletas, o que é uma realidade em todo o País.
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O aceite das prescrições de medicamentos pela enfermagem nas farmácias é uma grande demanda da enfermagem brasileira, Deputado, porque hoje a grande maioria dos que procuram atendimento básico é de pessoas que não podem mais adquirir medicamentos e estão atrás do atendimento e do tratamento. Não havendo o medicamento na unidade básica, aquela prescrição feita pelo profissional de enfermagem não é entregue nas farmácias populares, muito menos nas conveniadas. Esse é um programa do Governo que favorece o acesso ao medicamento pelos pacientes, principalmente aqueles com hipertensão, diabetes e outros problemas. A falta do reconhecimento da prescrição dessa área gera uma reconsulta, um aumento de custo, porque esse paciente vai precisar voltar à unidade básica e procurar o profissional médico, e muitas vezes a equipe está incompleta. Como o paciente não vai ter acesso, ele fatalmente vai ficar sem o medicamento.
Eu estou com três pacientes, Deputado, que tiveram AVC isquêmico e estão em casa. Eu tive que fazer, há 15 dias, visita domiciliar a eles justamente por conta de uma situação dessas. Eles não estavam tendo acesso à consulta médica; o enfermeiro prescreveu o medicamento, eles não o receberam, e os três tiveram AVC e estão acamados hoje. Quem vai dar resposta a esses pacientes e a suas famílias?
Há falta de segurança em muitas unidades de saúde. Hoje nós temos essa realidade.
Há alta rotatividade de profissionais.
Há também barreiras administrativas. O enfermeiro desenvolve, por exemplo, a prevenção do câncer ginecológico, identifica uma lesão ou algum nódulo mamário e muitas vezes não pode fazer o encaminhamento por questões de bloqueio de sistema. Ele vê que o paciente diabético tem uma retinopatia diabética e não pode fazer o encaminhamento para um oftalmologista — que é, por protocolo, uma consulta anual — por questões de barreiras de sistema. Nós sabemos que muito disso é questão de gestão municipal, mas atrapalha também.
Passando às potencialidades, nós temos um quantitativo de profissionais que podem ampliar a cobertura assistencial no território nacional. Hoje nós temos uma baixíssima cobertura de vacinas no País todo, porque temos um baixíssimo número de profissionais de enfermagem nas salas de vacina. Os enfermeiros não estão lá. Há 15 anos, 8 vacinas eram disponibilizadas à população; hoje, 19 vacinas são disponibilizadas. Além do mais, todas essas unidades de saúde estão tendo um processo de informatização, e a população está tendo uma demora muito maior no atendimento por questões de registro do que está sendo desenvolvido. Muitas vezes falta também um profissional para dar um reforço e ampliar a nossa cobertura. Recentemente a nossa cobertura vacinal geral estava em 35%.
Nós temos qualificação técnica profissional para atuar na atenção primária à saúde. A ampliação do escopo de práticas é algo que está sendo discutido, e a enfermagem pode contribuir com a medicina no sentido de tentar dar uma resposta positiva àquela população cujo número esteja extrapolando o máximo preconizado.
A legislação de enfermagem legitima a atuação do enfermeiro nesses programas de saúde da família.
Entre as potencialidades, há também a qualidade técnica da equipe profissional. Há a atuação efetiva desse enfermeiro como líder da equipe, com parceria com a medicina. Nós estamos ali liderando os agentes comunitários de saúde no seu trabalho de campo, bem como os técnicos de enfermagem. E também há a questão de toda a organização do sistema, coordenando programas de hipertensão, vacina, tuberculose, hanseníase, entre outros. Desafios. A defesa de vínculos efetivos de contratação na atenção primária é algo de grande importância para dar segurança jurídica e profissional a esses profissionais e a melhoria do conhecimento e do registro adequado através de educação continuada e permanente. Muitas vezes, há profissionais que passam anos sem ter uma readaptação profissional. Quanto à ampliação no escopo profissional da enfermagem, nós podemos de fato contribuir. A enfermagem brasileira é parceira nesse trabalho, e nós podemos aqui prestar um grande serviço à população.
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Também citamos o incentivo e o estímulo para que os enfermeiros ocupem cargos de gestão, porque hoje quem tem o conhecimento do sistema e dos processos de trabalho é a enfermagem. Os médicos hoje estão sobrecarregados com a questão da consulta médica interna dentro da unidade, por questão da demanda explosiva, tanto de urgência e emergência da parte da classificação de risco e também dos programas. A enfermagem pode contribuir com isso.
A legitimação da prescrição de enfermagem perante as redes de farmácias populares e conveniadas é um fator de extrema importância. Essa é uma demanda no Brasil todo, Deputado. Se isso for resolvido em nível nacional. Falta somente o reconhecimento da ANVISA e o do Ministério da Saúde no tocante a essa prática, que já se desenvolve há mais de 40 anos. Somente esse reconhecimento ajudará a população brasileira por inteiro.
O aumento do número de enfermeiros na atenção básica é uma possibilidade.
Sobre a adoção de protocolos de enfermagem, tenho a dizer que muitos deles nós precisamos atualizar na atenção primária para dar segurança jurídica, legal e técnica, ao profissional.
Também citamos o incentivo ao enfermeiro na gestão da assistência do sistema de saúde e a ampliação da enfermagem na atenção primária.
Quero agradecer a oportunidade de estar aqui e dizer que a enfermagem brasileira está, em todo o território nacional, na atenção primária à saúde. Como eu mostrei, ela está desenvolvendo um papel de grande relevância para a saúde pública.
Nós agradecemos o convite e a oportunidade de estar aqui e nos colocamos à disposição para qualquer outra situação.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Sr. Ricardo Siqueira, muito obrigado pela apresentação.
Todo mundo naturalmente foi anotando os questionamentos. Oportunamente vamos conversar sobre eles.
O próximo orador, na sequência, é o Sr. Bruno Siqueira.
O SR. BRUNO GANEM SIQUEIRA - Bom dia. Queria agradecer a oportunidade de estar aqui nesta plenária de discussão. O meu muito obrigado ao Deputado Dr. Luiz Ovando e a todos os colegas que estão aqui participando.
Como eu me apresentei anteriormente, sou médico cardiologista e tenho uma visão e uma experiência mais no meio da saúde suplementar. Não tenho muita experiência em saúde pública. Então, a minha contribuição aqui vem um pouco da visão de um profissional da área de saúde, médico, que já transitou em gestão de operadoras, teve oportunidade de criar redes interligadas de atenção primária, secundária e terciária dentro de redes próprias de operadoras e que hoje trabalha dentro de uma empresa de medicina diagnóstica. Logo, nossa participação será mais no sentido de trazer contribuições e conexões nessa cadeia de valor na área de saúde e integração, até porque se estamos falando de um sistema de saúde mais eficiente não podemos hoje continuar trabalhando da forma fragmentada como trabalhamos.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Estou aqui representando o Dr. Breno Monteiro, Presidente da Confederação Nacional de Saúde — CNSaúde.
Como eu falei, eu trabalho no Sabin, que hoje, como empresa de medicina diagnóstica, também tem investimentos em uma empresa de atenção primária, criando conexões dentro da cadeia, visando colaborar nesse processo de sustentabilidade do mercado de saúde. Talvez esse contato mais forte com a atenção primária venha através desse investimento do qual tivemos a oportunidade de participar e a respeito do qual tenho estudado bastante.
Eu quero trazer minhas contribuições em cima disso. Minha ótica não é uma ótica de saúde pública, até porque eu não tenho essa experiência. Então, a minha contribuição é por meio de reflexões dentro do mercado de saúde suplementar e da forma como podemos conectar com o sistema público e privado.
Talvez eu traga aqui só uma fotografia, um pouco da saúde suplementar hoje.
Hoje, há 47,3 milhões de beneficiários, ou seja, um número que está chegando à casa dos 50 milhões. Houve uma redução desse número, mas hoje ele está num patamar de estabilização, de tal forma que representa em torno de 24,3% da cobertura de plano de saúde.
Há um mercado que está em xeque, muitas vezes em termos de sustentabilidade, porque as nossas sinistralidades são bastante elevadas, o que faz com que repensemos novos modelos. E nós entendemos, dentro desse contexto, que a atenção primária pode fazer parte desse processo de transformação.
Quando se fala em operadoras, desde a regulamentação em 1999 nós temos observado uma redução do número delas. Hoje existem 1.024 operadoras.
Hoje há 4.267 hospitais privados. Eu estava pesquisando recentemente uma publicação da ANAHP em que se observa uma queda do número de leitos atualmente no âmbito da medicina privada, 11% nos últimos 10 anos.
Há uma quantidade importante de laboratórios, como está aí relatado, e de empresas de medicina diagnóstica.
No Brasil, existem hoje 414 mil médicos. Temos uma relação de 2,2 médicos por mil habitantes. Obviamente, há diferenças territoriais, que já foram relatadas aqui, assim como acontece com a enfermagem, com maior concentração em algumas regiões, principalmente no Sudeste. E há regiões onde esses indicadores são muito menores, como nas Regiões Norte e Nordeste, onde chegam a 1,2.
De qualquer forma, se acompanharmos a curva de crescimento do número de vagas de medicina hoje no País — eu acho que essa é uma oportunidade dentro desse contexto —, veremos que existem hoje 29 mil vagas anuais nas escolas de medicina, o que faz com que tenhamos a oportunidade de melhorar essas estatísticas de população coberta por médicos ou pela assistência à saúde, desde que tenhamos incentivo e distribuição um pouco mais igualitária pelas regiões, para que todo o País possa ter acesso a isso.
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Existe um dado que nos preocupa. Acho que esse é um dado recente. É no sentido de que investimentos na área de promoção e prevenção de saúde na saúde suplementar hoje são de apenas 0,3%. Ou seja, se estamos falando que é a base da cadeia e estamos discutindo se a atenção primária faz parte disto, eu acho que temos um caminho muito grande a percorrer e esse dado chama bastante atenção, é um dado de alerta.
Eu queria trazer uma reflexão do modelo que consideramos hoje. Nós fazemos parte dele, temos que ter reflexão em torno dele, de que é um sistema de saúde insustentável se permanecer desta forma. E há alguns fatores críticos que merecem algumas discussões. Temos hoje um sistema muito hospitalocêntrico, ou seja, que traz muita oportunidade para fortalecer a base da cadeia da saúde, e a atenção primária faz parte dela.
Eu acho que nós temos que discutir muito a questão do foco em valor — e eu vou trazer algumas reflexões em relação a isso — e sair de um modelo que temos hoje, mas com foco em desfecho clínico e resultado para o paciente, centrado no paciente. Eu acho que também estamos diante de um cenário de falta de gestão de saúde populacional, e aí as consequências são inflação médica cada vez maior, reajuste de planos corporativos cada vez maiores, muito baixa eficiência no sistema, o que faz com que haja essas discussões não só no âmbito público, mas também no âmbito privado, no sentido de tentar rever e identificar novos modelos de atuação. Isso abre porta para nossa discussão de atenção primária dentro desse contexto.
Isso aqui é só uma publicação do Saúde Business mostrando um pouco a preocupação com o aumento dos custos médico-hospitalares, a insustentabilidade do sistema, muito em função obviamente do envelhecimento populacional, inserção de novas tecnologias e talvez cenários de necessidade de maior eficiência dos recursos de saúde para poder fazer com que nós tenhamos melhores resultados ou desfechos para o paciente, ou seja, gastar de forma adequada.
E eu vou fazer algumas reflexões sobre isso na sequência.
Acho que isso é uma fotografia. Hoje, nós temos vários stakeholders na saúde suplementar. Estão elencados aqui. Não vou citar todos eles. Mas uma mensagem que é muito clara entre nós é a de que há uma baixa integração dos elos da cadeia da saúde, ou seja, esses stakeholders que fazem parte hoje da saúde têm pouca interligação. Eu vejo que existe muita oportunidade de tecnologia para isso. Eu acho que existe muita oportunidade de confiança na relação de elos da cadeia. E acho também que existe muita oportunidade de mudar as formas de relacionamento com as situações de maior transparência entre todos eles. E aqui eu não estou tomando partido do lado que eu estou hoje ou do lado que eu estive no passado.
Eu acho que a minha reflexão enquanto agente na saúde é de que realmente falta uma interlocução mais transparente, aberta, para que a gente possa evoluir nesse cenário de melhora do sistema de saúde e transformação, como eu coloquei, a partir daquelas três dores principais que eu coloquei no eslaide anterior.
Esse eslaide traz um pouquinho de uma análise de gap no sistema de saúde com a reflexão dessa questão do foco em valor. Hoje, temos uma saúde suplementar muito com foco em volume. É a ótica financeira. Se colocarmos uma lupa sobre esse processo de transformação, para que cheguemos a uma medicina com ótica centrada no paciente e em saúde e que traga valor de fato para quem é usuário, que é o beneficiário ou o nosso cliente, eu acho muito que há um caminho e muitas reflexões a ocorrerem aqui no meio do caminho, que permeiam alinhamento da cadeia, integração, quer dizer, organização do sistema. Obviamente, não podemos abrir mão da qualidade.
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Precisamos ter acompanhamento de condições clínicas de uma forma coordenada nos diversos níveis da cadeia. Para isso há várias ferramentas. São várias as estratégias para que isso possa acontecer. Então, a minha reflexão é no sentido da importância. E eu acho que a atenção primária faz parte desse processo de caminho, de algo em volume para algo em valor, a partir do momento em que se entende que nessa jornada do paciente, dentro do sistema de saúde, a atenção primária é a porta de entrada da maior parte das questões.
Aí, eu queria trazer aqui uma contextualização: nós alicerçarmos a medicina baseada em valor, nestes seis pilares: alinhamento, tecnologia, condições clínicas, desospitalização, excelência e accountability. Eu ressalto aí em negrito onde a atenção primária teria e tem efeitos importantes para poder alicerçar esses seis pilares de uma medicina baseada em valor. Então, entendendo, eu preciso ter um alinhamento de cuidados, quer dizer, alinhamento de cuidados entre atenção primária, secundária e terciária. Obviamente, a tecnologia é muito importante nisso, para que eu possa permear dentro da cadeia o ciclo completo de cuidado.
Ou seja, um paciente diabético não pode ter quebras durante a cadeia, o hipertenso, um obeso, um coronariopata. Quer dizer, é importante ter um ciclo de cuidado, uma jornada programada para esse paciente nos diversos níveis. A atenção primária é a porta. Muitas vezes, é a coordenadora de todo esse processo no trajeto dentro do sistema de saúde, o qual falta muito hoje para nós. O nosso sistema é muito fragmentado, não temos essa comunicação.
A integração entre instituições. Eu acho que hoje a atenção primária não conectada mesmo a hospitais ou a níveis secundários e terciários não vai ser efetiva se nós não tivermos essas integrações. Interdisciplinariedade, ou seja, é importante que tenhamos equipes multiprofissionais, diversas disciplinas no contexto, para uma maior excelência do atendimento, envolvendo médico, enfermeiro, nutricionista, psicólogo, principalmente no ambiente de atenção primária. E, obviamente, é importante uma relação transparente, direcionada para o desfecho clínico entre fonte pagadora e prestador de serviço.
Eu trago aqui discussões que são apenas para sedimentar.
Entende-se que tenhamos como benefícios na atenção primária — e há trabalhos mostrando isto — a redução da procura de pronto-socorro, a redução de internação, o uso mais eficiente da medicina diagnóstica, ou seja, a não utilização da medicina diagnóstica de forma over use.
Por outro lado, há um cenário do under use, que são aquelas pessoas que deveriam fazer prevenção e hoje não fazem. Muitas vezes nós as negligenciamos. Há estatísticas que mostram que hoje, por exemplo, só 30% das pessoas estariam fazendo prevenção de câncer de mama. Então, eu uso recursos onde não devo, mas deixo de utilizar recursos onde deveria. Obviamente, há redução de custo assistencial a partir do momento em que essa atenção primária é integrada dentro da cadeia. Esta aqui é só uma publicação da Organização Mundial da Saúde trazendo evidências de maior eficiência e redução de custos com a intervenção de atenção primária.
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Eu trago à reflexão aqui oportunidades que nós enxergamos dentro da saúde suplementar. Eu estava comentando aqui previamente que nós vivemos o movimento de um tsunami de discussão em termos de atenção primária dentro da saúde suplementar. Existe muito apetite hoje de investimentos dentro da saúde suplementar. Nós vemos muito isso. Todo mundo está discutindo, existem iniciativas individuais, de empresas, de operadoras. Novas empresas estão trabalhando para que se possam fazer investimentos na atenção primária. Como eu falei, há uma grande sensibilização e motivação da cadeia em relação ao tema.
Existem oportunidades de ferramentas tecnológicas que hoje estão entrando no mercado, no sentido de apoiar a atenção primária e permitir a sua massificação. Nós entendemos que, se formos considerar a atenção primária só no atendimento físico, nós não vamos conseguir massificá-la. Eu acho que o importante é nós termos auxílio de ferramentas tecnológicas que nos permitam ter contato com o paciente fora do ambiente de contato físico dentro da unidade de atendimento, senão os recursos vão ser ilimitados.
É difícil abraçar toda a população. Nós temos observado o crescimento de novos médicos, isso é oportunidade, e o aumento, obviamente, à atenção primária é uma oportunidade para o aumento da acessibilidade ao sistema de saúde suplementar.
Esta é uma evidência do crescimento da curva de novos médicos, que tem uma angulação maior até que o aumento da população. Então, isso eu acho que é uma oportunidade para nós sob o ponto de vista de sensibilização de médicos para trabalhar dentro desse contexto de medicina mais generalista e atenção primária. Eu vou falar um pouquinho sobre isso no último eslaide.
Eu acho que nós temos alguns desafios. É óbvio que nós temos uma experiência consolidada dentro do sistema público de saúde. Na saúde suplementar, apesar de existirem muitas iniciativas, ainda falta know-how de operacionalização. Isso talvez seja um desafio de uniformização, de conceitualização e, consequentemente, de operacionalização, para que nós consigamos extrair os resultados mais adequados.
A integração nos níveis da cadeia da saúde eu acho que é um desafio. Acho que hoje nós trabalhamos de forma fragmentada, e é difícil construir isso. Nós lutamos contra uma cultura de especialização médica, em que 67% da nossa população médica hoje têm título de especialistas. Se eu pegar o restante, muitos fazem a atenção de especialista, mas não têm título. Nós temos aí um desafio de, obviamente — eu acho que o Nulvio tem muito mais experiência em relação a isso e pode se aprofundar —, capacitação de profissionais de modo a atender à demanda. Eu não falo só de médicos de família. Eu acho que o resgate do clínico geral, do generalista, também é um desafio. Eu vou trazer no último eslaide a questão da valorização do médico generalista.
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Obviamente, os currículos médicos mudaram, hoje eles têm uma cadeira de saúde pública, existem reflexões sobre o sistema de saúde na nossa graduação, mas eu acho que nós ainda não mudamos o mindset das pessoas que estão ali dentro. Eu acho que o médico ainda entra na faculdade em busca de uma especialidade, e nós não conseguimos persuadi-lo de forma que ele tenha o mindset da importância da figura do generalista. Então, eu acho que este é um caminho a ser percorrido, o de construir isso.
Também acho que vale o investimento na capacitação, na pós-graduação, com as residências de medicina de família, para que nós possamos ter pessoas que já estão dentro desse mindset, a na formação de generalistas de fato. Eu acho que hoje as próprias residências já estão... Quem faz residência de cardiologia já entra para a cardiologia, mas com a obrigatoriedade de fazer 1 ano de clínica médica, por exemplo. Na neurologia, é do mesmo jeito. Nós não formamos pessoas generalistas num primeiro momento, elas fazem o geral, para poder servir de base já automática para dentro de uma especialização. Então, eu acho que talvez haja algumas distorções na capacitação, principalmente na pós-graduação.
Eu acho que as condições de trabalho e o ambiente de trabalho para o médico generalista em atenção primária são uma oportunidade de valorizá-lo. Temos que criar isso, um ambiente favorável. Ele vai ficar mais integrado, mais engajado dentro do sistema de saúde, a partir do momento em que nós criarmos um sistema que tenha integração e seja resolutivo. Com isso, eu engajo o médico dentro do processo de construção desse sistema. Obviamente, a remuneração é parte disso e não só isso nesse processo de valorização do médico generalista.
Isso foi um pouquinho das reflexões que eu trouxe, e acho que depois nós teremos a oportunidade de discutir.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Muito obrigado.
Nós anotamos várias coisas aqui e oportunamente vamos discuti-las.
Sr. Nulvio, a palavra é sua.
O SR. NULVIO LERMEN JUNIOR - Primeiramente, eu queria agradecer a oportunidade de estar aqui. Este é um tema que eu gosto muito de debater, é um tema que eu vejo como o que vai trazer sustentabilidade para o nosso sistema de saúde, tanto quando nós falamos de sistema público, como quando nós falamos na saúde suplementar.
(Segue-se exibição de imagens.)
Vou fazer uma introdução breve sobre a ABRAMGE. Ela engloba — depois o Reinaldo vai poder falar melhor sobre isso — mais de 130 operadoras e representa mais de 34% do total de beneficiários de planos médicos e odontológicos. Começou em 1966 com o cuidado primário, com pequenas operadoras para pequenos grupos que faziam o cuidado primário também, e depois foi crescendo.
Aqui temos um panorama geral da saúde no Brasil. Hoje nós gastamos 9,1% do nosso PIB em saúde e geramos 6,5 milhões de empregos. Isso representa mais de 6 mil hospitais públicos e privados, mais de 331 mil estabelecimentos de saúde e 1.223 operadoras de planos de saúde. É grande o número de operadoras, então.
Quando nós exploramos um pouquinho dos gastos com saúde, nós vemos que, diferentemente de países que têm sistemas de saúde mais organizados, no Brasil o gasto privado é maior do que o gasto público. Isso é marcante quando nós falamos nos investimentos em saúde. Então, esse número tem piorado, ao invés de melhorar. Cada vez o gasto tem sido mais privado e menos público. Esse é um dado bem preocupante, porque os países organizados, com um sistema de saúde mais estruturado, têm gastos muito mais públicos do que privados. Mesmo os Estados Unidos, que têm um sistema que não tem uma organização tão ideal, têm um gasto público maior. Eles não provêm saúde diretamente pelo público. Eles contratam as operadoras para proverem a saúde, mas a origem do gasto é pública.
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Quando nós falamos um pouco do panorama de saúde e pensamos em sustentabilidade, podemos ver que nos últimos anos estamos tendo um decréscimo da quantidade de beneficiários em planos de saúde. É claro que isso tem relação com a crise econômica que nós temos passado, mas tem relação também com a sustentabilidade do sistema. Depois, eu vou mostrar um pouquinho mais isso. Cada vez menos pessoas têm tido capacidade de pagar por esses serviços. O número de operadoras também tem caído. Isso é uma lógica um pouco de mercado também, mas há esse decréscimo nos últimos anos. É claro que as maiores acabam concentrando os serviços.
Também é importante ressaltar os tipos de contratos. Cada vez mais nós temos tido contratos empresariais e cada vez menos contratos individuais ou familiares, muito pela regulação que hoje é imposta ao sistema, à saúde suplementar. Então, é algo que nós também temos que pensar nos próximos anos.
E falando também no panorama, nós vemos que o número de beneficiários tem caído. Isso foi mostrado no gráfico anterior. Então, há uma queda na comparação entre 2014 e 2018 de 6,4%. Mas nós vemos que a quantidade de exames, terapias e internações só tem aumentado, especialmente a quantidade de terapias, que aumentou 65% em 4 anos. Isso com certeza vai levar à dificuldade de sustentabilidade do sistema. E cada vez o sistema vai ficar mais caro e de difícil acesso a toda a população.
Quando nós também comparamos um pouco o cenário de 2014 com o cenário de 2018, vemos a quantidade de procedimentos per capita. Em 2014, nós tínhamos 5,4 consultas por ano; em 2018, 5,8 consultas por ano, diminui o número de beneficiários; 14,1 exames por ano, 18,2 exames por ano por beneficiário; 1,1 terapia por ano e 2 terapias por ano, quase dobra em menos de 4 anos, e o preço aumenta também; 0,15 internações por ano e 0,17 internações por ano, cresce também a quantidade de internações e o preço.
Então, quando nós vamos ver, o custo cresce 138% por ano. E isso nós chamamos de inflação médica. A inflação médica é muito maior do que a inflação comum, que é medida pelos índices de inflação. E isso bota em risco toda a sustentabilidade do sistema. Nós falamos da saúde suplementar, mas isso interfere também no sistema público.
Quando nós vamos trabalhar um pouquinho a distribuição das consultas que são feitas dentro da saúde suplementar, conseguimos ver uma grande concentração de consultas em pronto-socorro e pronto atendimento. Isso mostra também um pouco da desorganização do sistema, porque, na lógica de um sistema bem estruturado, a consulta de base não deve ser a consulta de emergência, mas sim a consulta eletiva.
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Quando nós falamos um pouquinho sobre a distribuição das especialidades, vemos que a maior é a clínica médica, seguida da ginecologia e da pediatria e das outras subespecialidades. Isso também é um dado preocupante, porque, num sistema de saúde em que nós temos uma organização melhor, a maioria das consultas são feitas por um médico de família ou um médico generalista, o que deveria ser a porta de entrada do sistema. Ele não está nem entre as 15 primeiras especialidades. Então, é algo que também nos preocupa quando vemos esses dados.
Falando um pouquinho de desperdício, esse dado da ressonância magnética mostra muito uma grande distorção que nós temos no Brasil. Quando nós falamos de saúde suplementar, acabamos dando um acesso exagerado a alguns tipos de procedimentos, de exames, quando devíamos estar concentrando nas ações mais básicas de saúde. Então, nós temos mais do que o triplo da média da OCDE, que é a média dos países desenvolvidos. Quando nós falamos dos países que têm sistemas de saúde mais organizados, como a Grã-Bretanha em especial, o número de ressonâncias é quatro vezes menor do que o nosso. E há o exemplo de um país da América do Sul, que é o Chile, que também tem um sistema de saúde mais organizado, que faz parte da OCDE, que faz treze.
Nós temos que falar um pouquinho também do que o Bruno falou, do over e do under. Eu acho que a média ideal é muito mais perto da OCDE e da Grã-Bretanha, entre 40 e 52 exames, que é o que o Canadá, um país que tem um sistema organizado, também faz. E o número do Chile é um pouquinho abaixo do que nós deveríamos esperar. Então, nós também não podemos trabalhar com under, mas devíamos estar muito mais próximos de 40, 52 do que de 167, que é um absurdo.
Os principais destinos, como são gastos esses recursos. A grande maioria, conforme dados da OMS, são gastos em internações. Nós temos as consultas ambulatoriais. A diferença é que a OMS mostra que 15% eram gastos com atenção primária e aqui está misturado, então são 18%. Há gastos com exames, despesas médicas hospitalares, terapias, comercialização, administrativa e outras despesas. Mas é importante ressaltar que o resultado operacional é só 2,6%. Então, o grande gasto realmente, o grande volume de recursos que são recebidos são novamente investidos no cuidado do paciente ou na administração de serviços para prover um cuidado de maior qualidade.
Daí chega um ponto em que nós temos que começar a falar um pouquinho mais em como mudar esse sistema de saúde. Não sei se vocês já tiveram contato com isso, mas nós temos trabalhado alguns novos conceitos na atenção à saúde, nos serviços de saúde pública e na organização de sistema de saúde que cabe também para a saúde suplementar.
Eu acho que um dos conceitos mais importantes é o da prevenção quaternária. Na faculdade, nós aprendemos muito sobre a prevenção primária, secundária e terciária, que são os níveis normais de prevenção. E há 20 anos temos ressaltado, cada vez mais, a importância da prevenção quaternária, que é prevenir a hipermedicalização. Então, normalmente, é a pessoa que tem um medo, ou sente-se doente e, na verdade, ela não está doente, e isso acaba gerando uma cascata que chamamos de cascata negativa. Uma pessoa que acaba fazendo um exame, ou acaba fazendo um procedimento que é desnecessário, que leva a uma cascata de novos procedimentos, novos exames e, muitas vezes, até a gastos catastróficos na saúde.
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Como evitamos isso? Temos que trabalhar essa questão da atenção quaternária com grandes campanhas, que vão envolver todos os médicos, mas também com a organização do sistema de saúde, e através da atenção primária.
Quando falamos de campanha, já temos muitas iniciativas internacionais trabalhando isso, em várias especialidades. É muito forte na atenção primária, mas também é muito forte em várias áreas da clínica e da cirurgia uma campanha mais conhecida, a Choosing Wisely, que podemos traduzir por "escolha com consciência". Ela envolve os médicos pensarem de uma forma mais racional na hora de solicitar exames ou procedimentos, uma maior transparência no que está sendo feito nessa relação médico-paciente, um envolvimento da atenção primária nesse movimento. E eu trabalho junto aos consumidores, porque os consumidores que são pacientes estão envolvidos em uma sociedade que cada vez mais estimula, temos uma indústria que está agindo fortemente para estimular cada vez mais exames e mais tratamentos. Então, temos que trabalhar todos esses ciclos.
Na questão da organização do sistema de saúde, a organização é dada, e já há experiências internacionais. A primeira vez que foi desenhado um sistema de saúde mais organizado foi na década de 20, com o Relatório Dawson. Esse relatório deu origem ao primeiro grande sistema de saúde, o National Health Service — NHS inglês, o sistema da Inglaterra, da Grã-Bretanha, que nada mais é do que a estruturação de uma atenção primária que está próxima à comunidade dentro dos preceitos do relatório, mas já envolvendo, englobando preceitos mais novos, de que eu vou falar adiante.
Isso foi na década de 40, na Inglaterra. Logo no pós-guerra, em 1947, iniciou-se o NHS. E, a partir daí, vimos os países mais desenvolvidos da Europa Ocidental — temos os exemplos da Holanda, Espanha, Portugal, de alguns países anglo-saxões como Canadá e Austrália — organizando-se de uma forma em que a atenção primária é a base do sistema de saúde. Isso trouxe a esses países resultados de saúde muito superiores e com investimento muito inferiores. Se considerarmos investimentos em saúde da Grã-Bretanha e compararmos com investimentos em saúde dos Estados Unidos, veremos que a Grã-Bretanha investe menos da metade do que os Estados Unidos investem per capita, e tem resultados muito superiores. Todos os indicadores de saúde são muito melhores. Essa organização, ao longo do tempo, acaba trazendo muito bons resultados.
Quando falamos em atenção primária, todos os países que trabalham dentro de um sistema que tenha base forte em atenção primária, base bem estruturada, usam quatro conceitos básicos e três acessórios. Eu vou focar aqui nos quatro conceitos básicos. Esses quatro conceitos foram descritos por Barbara Starfield, grande pesquisadora, que começou isso na década de 80, mas a publicação foi feita na década de 90. Ela trabalhava na Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Ela mostra que esses princípios estruturam o sistema de saúde. Então, o primeiro deles é o acesso, que tem que ser fácil e geográfico. Quando nós falamos de acesso, não é só estar próximo, mas estar aberto a receber a população.
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O segundo grande conceito é a coordenação do cuidado. Então, a partir do momento em que a atenção primária existe, ela tem que ser responsável pelo cuidado do paciente, mesmo quando ele vai para outros níveis do sistema. Ele ressalta a importância de uma integração com outros níveis do sistema.
O cuidado tem que ser integral ou cuidado abrangente. Então, tem que dar resolução dos casos, dentro da atenção primária, e ele tem que ter um cuidado longitudinal. Quanto mais tempo houver essa relação entre médico, equipe, enfermagem e paciente melhor os resultados para o sistema de saúde.
Além desses quatro, há três princípios acessórios, que são: o cuidado familiar, o cuidado comunitário e o bom conhecimento da comunidade de onde se está envolvido. Mas aqueles quatro são os mais importantes.
Na atenção primária à saúde, na saúde suplementar... Eu vou falar especificamente da empresa que eu estou trabalhando, da Amil. Até 2016, nós tínhamos o modelo tradicional, centrado no hospital e centrado nas especialidades. De 2016 para cá, nós começamos a investir na atenção primária. Daí nós falamos de um cuidado focado na equipe de atenção primária, que eu vou falar em sequência, e na especialidade em medicina de família, em vez de se ter multiespecialidades, tendo sempre uma unidade que seja a mais resolutiva possível para resolver os problemas do paciente no momento da consulta.
Sempre que vamos falar de atenção primária, nós não falamos do médico sozinho, a equipe é sempre multiprofissional. Então, a equipe básica que nós trabalhamos é muito parecida com a equipe que nós vemos nesses países que foram descritos, que nós vemos nas melhores experiências em saúde suplementar, tanto no Brasil como no exterior.
Então, a especialidade é um médico de família, com formação específica em medicina de família, porque essa formação trabalha muito aquilo que eu falei antes, que é a da prevenção quaternária, de um método clínico centrado na pessoa, que aproxima muito o paciente desse cuidado médico.
Nós sempre temos o enfermeiro com o perfil muito mais clínico. O enfermeiro da atenção primária, quando nós vemos nos outros países, também tem um papel de resolução clínica. O técnico de enfermagem faz o papel de coordenador do cuidado. Ele faz muitas vezes contato telefônico ou mensagens com os pacientes para ver se estão seguindo o tratamento e os exames recomendados.
Daí chegamos aos resultados. Hoje nós temos mais de 300 mil pessoas vinculadas a equipes de atenção primária na Amil. Nós temos já mais de 3 anos de evolução e conseguimos medir o que está acontecendo com essas pessoas. Nós comparamos com pessoas que têm o mesmo perfil e estão fora da atenção primária.
Então, alguns resultados nós temos aqui. Quando nós vamos falar em consultas eletivas, aqui está dividido por níveis de complexidade. São pacientes dos mais complexos até os menos complexos, mas nós vemos que nós temos resultados em todos os níveis de paciente.
Nós temos uma resolutividade muito grande. A resolutividade média da atenção primária deve estar entre 80% e 90%. Na Amil, como nós trabalhamos com médicos qualificados, todos com residência em medicina de família e comunidade, nós conseguimos atingir sempre de 89% a 90% de resolutividade. Então, o paciente não precisa ser encaminhado para outros médicos na maioria das vezes. Isso diminui muito as consultas eletivas. Nesse período de tempo em que foi medido, em torno de 1 ano, 82 mil consultas eletivas foram evitadas com essa estratégia. Quando nós vamos para consultas de emergência, nós trabalhamos muito a questão do acesso. Temos uma estratégia que chamamos de acesso avançado, que é aumentar a disponibilidade para a demanda espontânea dessas equipes. A partir do momento em que o paciente é engajado numa equipe de atenção primária, ele sabe que o lugar que ele deve procurar para uma pequena emergência não é o PA e não é a emergência do hospital. Ele deve procurar sua equipe de atenção primária. Então, casos como gripe, resfriado e até pequenos ferimentos em que se faz sutura, pequenos procedimentos como lavagem de ouvido e outras coisas, tudo isso pode ser resolvido facilmente por uma equipe de atenção primária, que é o primeiro lugar de procura. Só nesse período medido, nós tivemos uma redução de 15 mil consultas em PA e em PS. Então, isso já reverte para o paciente e para a sustentabilidade do sistema.
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Quando nós vamos falar de internações hospitalares, nós vemos que praticamente em todas as populações, tirando o H2, que é uma população um pouco mais complexa, nós temos uma diminuição de internações hospitalares quando o paciente é ligado à atenção primária. Por quê? Porque o paciente é cuidado de uma forma a se evitar a hipermedicalização e a se evitar internações desnecessárias.
Nós temos um conjunto de internações que são chamadas de internações por causas sensíveis de atenção primária, um indicador internacional. São aquelas causas que, se o paciente for bem manejado, ele não vai internar, como descompensação de diabetes, descompensação de insuficiência cardíaca congestiva, pequenas infecções comunitárias. Então, quando essas causas são bem manejadas na atenção primária, essa pessoa acaba não sendo internada. Nós conseguimos ver e medir isso.
Nós vemos que o nosso resultado na Amil, quando vemos em população geral no Brasil... Os melhores resultados em população geral geram entre 50 a 90 internações por 10 mil habitantes. O melhor resultado brasileiro, que é de 50, é o da cidade de Florianópolis, que já tem uma atenção primária mais organizada.
O resultado dentro da nossa população de coordenação de cuidado da Amil é abaixo de 30 internações por conta das internações por causas sensíveis de atenção primária. Então, nós conseguimos diminuir muito o número de internações.
Quando nós vemos o conjunto dessas ações todas, consegue-se trazer uma sustentabilidade maior para o sistema, e isso pode reverter também como benefícios para a população em geral, não só benefícios clínicos, como também benefícios de ela poder ter condições de manter o pagamento e a sua vinculação ao plano de saúde.
Existe um mito de que, com a atenção primária, está se restringindo o acesso à saúde. Então, a pessoa não gosta da atenção primária. Nós medimos muito, no sistema privado, a satisfação do usuário. Chamamos isso de Net Promoter Score — NPS. Uma parte está em inglês, porque o programa gera já em inglês, mas são as distribuições. Normalmente, nós fazemos essa mensuração trimestralmente. E nós vemos que serviços de qualidade, normalmente serviços bons, têm pontuação acima de 50 e que serviços de excelência têm pontuação acima de 70. Esse é o nosso escore do serviço de atenção primária da Amil. No último ano, em todos os meses, ficou acima de 70. São serviços considerados de excelência pelo usuário. Todo usuário recebe uma pesquisa, logo depois que vai à consulta. Ele nos dá uma nota, e nós conseguimos acompanhar se o nível do serviço está sendo adequado. Então, está sendo considerado pelos usuários como um serviço de excelência. Ali embaixo, há uma comparação — acho que cortou, infelizmente — entre as pessoas que são vinculadas à atenção primária, a satisfação delas com o plano de saúde, e as pessoas que não são vinculadas. Em todos os meses, isso é acompanhado todos os anos, as pessoas que estão vinculadas à atenção primária têm uma satisfação, em média, 20 pontos maior com o plano de saúde do que as pessoas não vinculadas. Isso mostra que a questão da satisfação do usuário é muito um mito. Quando há uma vinculação efetiva com a atenção primária, o usuário não sente essa falta de acesso, essa restrição. Ocorre o contrário, ele vê aquilo como uma equipe que está preocupada, que está realmente olhando o seu cuidado, e passa a se sentir cuidado por essa equipe. É claro que, quando ele precisa, vai para os outros níveis de atenção. O médico de família não prescinde das outras especialidades, ele trabalha juntamente com as outras especialidades. Então, esses resultados, cada vez mais, fortalecem que o caminho que nós estamos traçando dentro da Amil é um caminho que pode ser trabalhado dentro da saúde suplementar como um todo. Há alguns assuntos nos quais depois podemos evoluir um pouco mais, principalmente sobre a questão da formação médica, que considero um assunto-chave. O médico, para trabalhar lá, e também o enfermeiro... Houve uma evolução nos últimos anos em relação à questão da residência em enfermagem, e há agora associações específicas. Há a Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade — ABEFACO, que tem trabalhado a enfermagem na saúde da família. A formação do profissional é essencial para trazer esses resultados. Nós também temos certeza de que esses resultados não viriam se não tivéssemos investido nos profissionais certos. Acho que esse é um tema em que nós podemos evoluir na hora dos debates.
10:27
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Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Muito obrigado, Sr. Nulvio.
Vamos ao próximo orador.
Agora falará o Sr. Reinaldo.
O SR. REINALDO CAMARGO SCHEIBE - Eu não tenho uma apresentação. Deixamos o espaço para que um especialista, que é quem conhece, estuda um tema tão importante, falasse mais.
Sr. Deputado, como eu disse anteriormente, isso é uma mudança de paradigma. A Associação Brasileira de Planos de Saúde — ABRAMGE apoia essa alteração. Os números que estão sendo colocados mostram que o sistema está indo para um estrangulamento, e não há mais recurso. Hoje nós vivemos o excesso regulatório na área da saúde privada. Só há uma opção de produto: ou se compra uma Mercedes-Benz, ou não se compra uma Mercedes-Benz. Não há outras opções.
Nós não trouxemos esses dados, mas nos colocamos à disposição para disponibilizar mais números ao grupo de assessores de V.Exa., ao grupo de consultores e mesmo aos Deputados deste Centro de Estudos. O mercado de saúde público e privado está concentrando. Se o senhor olhar a publicação do SUS e as publicações da iniciativa privada, verá que a concentração nas grandes cidades e nos grandes centros é muito forte, como também foi, em parte, demonstrado aqui.
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Em conversa com as Santas Casas — eu participei de evento recente com eles —, soube que estão fechando os hospitais pequenos, porque não há ninguém que vá para aquele lugar, nem o médico, nem a iniciativa privada, nem o SUS. Os Prefeitos estão aqui nesta Casa em busca de recursos para manter os seus pequenos hospitais, porque muitos deles não têm viabilidade econômica, não se mantêm. Mas, se nós começarmos a facilitar a entrada da atenção primária de saúde nesse interior todo com produtos que caibam no bolso do consumidor, podemos reverter essa lógica que vivemos hoje de concentração da assistência e dos hospitais só nos grandes centros, nas cidades maiores, e também de crescimento da ambulância terapia, que é uma consequência da falta de recursos.
Então, se não fizermos alguma coisa para permitir que esses grupos... A iniciativa privada pode perfeitamente apoiar a formação do médico, junto com o apoio a cursos de formação de profissionais para toda a atenção primária. A iniciativa privada pode, sim, participar disso. Eu conversei com o Ministro Mandetta, que sente a necessidade. Nós sentimos essa falta de interiorização da assistência com apoio e com integração público-privada.
Uma segunda discussão que nós propomos também é referente ao fato de que o nosso País hoje tem um excesso de equipamento médico, de tecnologia médica. Há equipamento de ressonância em excesso nos grandes centros. Ninguém põe um aparelho em qualquer lugar do mundo para fazer benevolência. Esses aparelhos têm que dar resultados, têm que ser mantidos, têm que funcionar. Para fazer ressonância, é preciso um quadro de profissionais. Então, o que acontece? Como o País não tem controle da entrada desses equipamentos, há excesso de exames, excesso de internações, um monte de excessos, e o recurso tem fim. Dessa forma, não se consegue melhorar nem a remuneração do hospital nem a remuneração de médico porque o recurso é um só, a pizza é uma só, e ela só anda de lado. Pagam-se exames muitas vezes desnecessários ou há internações desnecessárias porque o paciente está mal orientado. Quando ele chega ao pronto-socorro e é internado, repete todos os exames que fez, por exemplo, há 1 mês.
Então, nós temos que pensar. E eu acho que este Centro de Estudos e Debates Estratégicos pode ver a situação e juntar isto: estímulo ao médico, interiorização da nossa assistência, presença de atenção primária onde for possível e controle do excesso de equipamentos no País, porque recurso não há mais. Nós sabemos, inclusive, que as verbas do sistema público estão no limite e, por alguns anos, vão continuar nesse limite do Orçamento. Quer dizer, não há como esticar o recurso nem no setor público, nem no privado. Então, a tendência hoje, se nós não trabalharmos e não buscarmos soluções, é a desse quadro piorar.
Coloco-me à disposição, assim como a ABRAMGE, para fornecer mais material. Temos muitas informações.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Dr. Reinaldo, muito obrigado.
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Nós vamos agora tentar fazer aqui uma síntese. Se eu der alguma escorregada, vocês anotem aí e me cobrem. Nós vamos abrir espaço para colocações e perguntas, inclusive com a participação dos consultores legislativos também.
O enfermeiro Ricardo chamou a atenção para algumas questões básicas relacionadas ao ponto de vista operacional. Uma dúvida que o Ricardo colocou, de forma política, foi a situação da enfermagem. E nós entendemos isso, Ricardo. Você não podia perder essa oportunidade, naturalmente. É natural que isso seja feito.
Eu digo isso porque eu fui de um grande hospital, a Santa Casa de Campo Grande, que é a terceira maior Santa Casa do Brasil. Eu tive a minha formação médica na Santa Casa na década de 70. Depois que concluí a minha formação, parte no hospital universitário, parte na Santa Casa, fiz pós-graduação em cidade do interior, onde havia um único médico. Fazíamos o que era possível para resolver os problemas. Hoje vemos a atuação de enfermeiras. Mas, naquela época, não havia enfermeiro, apenas enfermeira. E a médica não podia passar na frente, quer dizer, a mulher era enfermeira e o homem, médico. Então, eu tinha alguns colegas na época. E o interessante é que na minha turma éramos 48 alunos — isso foi em 1970, quando nós entramos na faculdade: 26 moças e 22 rapazes. Era totalmente diferente do que era comum na época. E essas várias moças, depois de formadas, quando passavam na frente da enfermaria, todos as chamavam: "Enfermeira! Enfermeira!"
Então, essa concepção de enfermeira é realmente antiga. As enfermeiras eram figura rara. Quase não havia enfermeiras. Havia muito o auxiliar de enfermagem e a atendente na época. Trabalhamos muito com isso. E havia também os curiosos que aprendiam, pois era necessário fazer alguma coisa.
Hoje a realidade é diferente, e a qualidade subiu significativamente. A enfermagem faz parte do processo do atendimento de saúde, faz parte da equipe. Nós não questionamos isso. É sempre importante destacarmos algumas questões do ponto de vista até burocrático, como você bem colocou, Ricardo. Por exemplo, eu atendo em consultório e atendo em hospital. Atualmente, estou um pouco afastado. No consultório, de uma maneira geral — a Constituição garante isso —, as pessoas têm direito à medicação. Quando elas vão à consulta, geralmente o médico faz a receita da medicação específica. Mas, quando elas vão à Unidade Básica de Saúde ou ao Posto de Saúde, o pessoal diz: "Essa receita não serve. Essa receita tem que ser do médico daqui". "Então, deixe-me passar pelo médico daqui". "Não, não pode. Você tem que marcar". "Mas o que eu preciso para marcar?" "Você tem que entrar na fila. Não há outro jeito de marcar". Aí, o indivíduo vai no dia seguinte, de madrugada, é aquela coisa. Então, há uma burocratização para desencorajar.
10:39
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Sobre a questão da receita por parte da enfermagem, como você bem colocou e defende, isso é uma coisa importante. Entendemos que seria mais fácil, naturalmente, que há disponibilidade, mas que ainda se faz necessário manter o processo hierárquico dentro do sistema. Isso não é porque eu quero, e sim porque a natureza é assim e, é claro, porque a enfermagem é fundamental.
O grande drama que enfrentamos hoje é exatamente a complexidade. Aliás, nem é a complexidade — é até difícil dizer isso —, é a dificuldade imposta por uma aparente necessidade tecnológica. Nós vemos isso. O indivíduo chega e começa o processo de complicação da vida do paciente. Então, é preciso descomplicar isso.
A Conferência de Alma-Ata, de 1977, estabeleceu quatro princípios básicos de prevenção, porque o grande problema está exatamente na prevenção. Falamos em prevenção hoje, mas as pessoas chegam ao consultório tentando fazer diagnóstico precoce, o que é diferente de prevenção. O Nulvio deve enfrentar muito isso, bem como o Reinaldo. Por quê? Porque, de uma maneira geral, a pessoa diz assim: "Doutor, eu vim aqui para fazer a prevenção. Eu quero fazer o teste de esforço, quero fazer os exames tal, tal e tal". O cara está lá com a barriga desse tamanho, fuma, não faz absolutamente nada e diz: "Eu vim fazer a prevenção". "Está bom. Vamos fazer os exames para ver se detectamos algum problema". Isso fica muito mais marcante na questão das doenças neoplásicas. Não há a intenção de fazer a prevenção; há a intenção de se detectar precocemente.
Então, o relatório de Alma-Ata dizia o seguinte: a pessoa precisa de aleitamento materno, hidratação oral, alimentação adequada e imunização, basicamente disso. E eu digo sempre em qualquer lugar que isso não precisa de médico. A comadre da beira da cerca pode fazer isso, se ela souber fazer. Mas hoje temos disponível qualidade profissional e podemos ter perfeitamente uma equipe de enfermagem atendendo. O médico não precisa estar lá. Mas o médico, de tempo em tempo, precisa acompanhar e ver. Daí o processo de hierarquização, porque a responsabilidade no processo continua sendo dele. E assim é a organização universal, sem nenhum problema. Porém, isso não é feito. E é a mesma coisa, por exemplo, em relação ao técnico de enfermagem. É preciso que ele seja supervisionado por alguém que conheça mais, no caso, o enfermeiro.
Eu fiquei aqui assustado com aquilo que você falou, de que existem aproximadamente 160 especialidades. É isso mesmo ou eu entendi mal? É isso mesmo ou não?
10:43
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O SR. RICARDO COSTA DE SIQUEIRA - Isso! São 62 especialidades... (inaudível.)
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Exatamente, dentro da enfermagem. Eu, sinceramente, não vou questionar. Sou ignorante em relação a isso. Eu vou questionar sobre aquilo que discutimos, o atendimento primário. É claro que cada um tem ambição e projetos de vida, que precisamos de um superespecialista em qualquer área. "Isso aqui é o fulano que vai resolver, porque ele tem experiência nisso". Mas, para mim, realmente foi uma surpresa. Na verdade, podemos perfeitamente entender isso diante das solicitações que vão aumentando.
Você falou sobre a questão do trabalho não valorizado, da ausência do piso salarial, do PL 2.295/00, que já vem há muito tempo. Sempre, no hospital, o corpo de enfermagem solicita isso, eu tenho falado isso sempre, porque o que vemos recentemente é a falta de prevenção de saúde do corpo de enfermagem.
Como eu disse, quando era acadêmico, eu dava plantão na Santa Casa. E havia uma senhora que dava plantão à noite, todas as noites. Eu fiquei velho, e ela continuou dando plantão. Até recentemente — agora aposentou — ela continuava dando plantão todas as noites. Eu me questiono como é que alguém pode manter uma saúde física, mental e conviver socialmente fazendo esse tipo de atividade.
O que percebemos? Este é um aspecto que eu vou falar para você, é o que sentimos. O pessoal não está preocupado em, naturalmente, ter 30 horas para ir para casa ficar com a família, cuidar do filho, cuidar do marido, se for mulher, cuidar da esposa, se for homem, assim por diante. Isso aqui é uma divagação, mas é importante, porque há repercussões inclusive na valorização. O pessoal nunca leva em conta isso! Então, percebemos que tem havido aumento de suicídio no corpo de enfermagem, aumento de hipertensão, de insuficiência coronária, morte súbita e excesso de peso. O pessoal tem trabalhado excessivamente, realmente.
Então, esse é o padrão que a sociedade estabelece, em termos de prevenção e de qualidade de vida, para os quais não atentamos. Isso eu estou apenas levantando aqui. Você é uma pessoa de influência nacional. Uma das coisas em que temos que insistir, Ricardo, é exatamente olhar para essa qualidade. Mas isso aí está à parte do processo, é só para discutirmos posteriormente.
Quanto à questão da vacinação que você colocou, sem nenhuma sombra de dúvida está muito baixo. Na verdade, temos que ter esse tipo de valorização. O médico não pode ficar com medo da enfermagem, ele tem que abraçá-la. A enfermagem tem que entender que, num processo hierárquico, é preciso realmente sentar, reunir. O grupo, a equipe tem que discutir.
Eu concordo com a maioria das situações que você colocou. Apenas fiz esses destaques, porque a puericultura, o cuidado da hipertensão, o controle do diabetes, precisa do serviço da enfermagem sem dúvida — concordamos com isso. Esses cuidados não precisam obrigatoriamente passar pelo médico. Grande parte dos problemas poderiam ser, basicamente, resolvidos pela enfermagem, é claro, num processo hierárquico, olhando, observando e aprimorando essa relação médico-paciente-enfermeiro e o resto da equipe, inclusive em termos terapêuticos.
10:47
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O Bruno Siqueira... Vocês são irmãos, parentes, ou não?
O SR. BRUNO GANEM SIQUEIRA - Não.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Não. Bruno Siqueira e Ricardo Siqueira, não é?
O Bruno chama a atenção para a questão da baixa integração dos elos da cadeia de saúde. Sabemos disso. Como já foi colocado pelo Reinaldo, o indivíduo sai dali, com todo um portfólio, vai para outro lugar, e começa tudo de novo. Chegando lá, é como se ele fosse penitenciado, castigado. "Você não trouxe. Você vai lá para o fim da fila". Não há uma preocupação em resolver o problema do paciente em si.
Percebe que, à medida que isso se instala, vamos dizer assim, nos serviços de saúde particularizados, no caso, na medicina de grupo, como se chamava anteriormente... Como disse o Reinaldo, você não está na casa da mãe Joana nem numa casa de caridade. Ninguém investe dinheiro para perder; investe para ganhar, aumentar seu lucro, de uma forma sensata, sábia, aceitável, ética e moralmente, para dar continuidade ao processo, senão vai fechar as portas, não vai ter jeito. Então, é importante que isso aconteça.
Percebemos que, felizmente, está começando a haver uma preocupação, como o Nulvio mostrou, com o atendimento primário em saúde, nos planos de saúde. Como disse o Reinaldo, não haverá sustentabilidade. Eu tenho falado isso há muito tempo. Vão fechar as portas. Todos vão falir, a continuar sem essa separação, sem essa, vamos dizer assim, sabedoria na separação verdadeira do atendimento primário do atendimento secundário, terciário e da terapêutica aplicável.
Nós que estamos na linha de frente, inclusive na condição de especialista, também lidando com a parte básica, com o atendimento primário mesmo em hospital, vemos a quantidade de problemas que são gerados pela não detecção precoce na hora certa, pela falta de informação, pela não integração. O paciente ainda se submete ao médico, lamentavelmente, sem questionar absolutamente nada! Muitas vezes é gente instruída, às vezes é até parente de médico! "Mas a senhora não perguntou para o doutor o que ele achou do seu caso?" "Doutor, ele falou, mas eu não entendi!"
E há trabalhos, inclusive um norueguês, que mostram que, quando você está na frente do médico, a sua ansiedade compromete a sua compreensão. E o médico tem que saber disso! "D. Maria, a senhora entendeu o que eu falei?" "Entendi". "Então, repete". Eu faço isso com o paciente. "Repete, por favor". E aí, quando repete, distorce o que eu falei. "Não, não é bem assim. Vamos conversar de novo".
Então, o processo médico também passa pela pedagogia. Temos que instruir, para poder economizar, senão não economiza. Nós vamos cada vez mais para uma situação que vai levar tudo à falência.
10:51
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A grande questão você mostrou, Nulvio: por que o paciente vai para o pronto-socorro? Essa é uma pergunta que nós temos de responder: porque ele não confia no sistema básico de saúde. Aí a pergunta é: por que ele não confia no sistema básico de saúde? Ele não confia no sistema básico de saúde porque o doutor não ouve; o doutor gasta menos de 3 minutos; o doutor já tem a receita pronta. Muitos têm lá um monte de remédios. Eles só põem um "x" e escolhem lá: de 8 horas em 8 horas; de 12 em 12 horas; a cada 24 horas, e assim por diante.
Então, vejam que nós divagamos em várias frentes, e voltamos ao mesmo problema: qualificação. A qualificação vem pela valorização. A valorização vem por uma política de Estado — não é de governo; é de Estado. Por isso, nós estamos discutindo aqui que tem que haver uma política de Estado. Senão, não adianta boa vontade. A política de Estado passa pela qualificação, pelas escolas médicas, pela valorização do profissional.
"Você quer ser clínico?" "Eu quero ser clínico." "Então, você vai ganhar 'x', vai ter uma carreira e vai ser reconhecido." Sabem por que digo isso? Porque eu tenho experiência com residentes que fizeram residência comigo e que foram excelentes residentes. Eles eram inteligentes, hábeis, faziam todo o procedimento em clínica, mas saíram e foram fazer outra especialidade. Um virou cardiologista. Quando voltou, perguntei: "Veio trabalhar na clínica médica? Você fez cardiologia, mas trabalha na clínica médica?" Ele disse: "Deus me livre, doutor. Eu quero esquecer o dia em que eu fui clínico. Ninguém reconhece, somos sobrecarregados, vivemos sujos, ganhamos pouco, e os outros acham que você não sabe nada. Eu não quero saber disso!" O cara falou isso para mim, foi meu residente. Alguns são bem sinceros, outros escamoteiam para cá, para lá, e a coisa não vai. Então, nós precisamos de uma política verdadeira de saúde, envolvendo todas essas situações.
Nulvio, isso que você coloca como quaternário é interessante por aquilo que comentamos. Além de o indivíduo gastar desnecessariamente... Por quê? Primeiro, porque o médico não ouve, transfere tudo para o exame, acha que o exame vai resolver. O paciente chega e diz assim para você: "Doutor, o que eu tenho?" Essa é a grande pergunta. Não é assim que falam? Depois você diz para ele o que ele tem, baseado na anamnese, no exame físico, na habilidade de se concentrar tudo. Aí você diz: "Você tem tal coisa." Ali você já fez toda a cadeia etiológica, a patogenia, a patologia, a fisiopatologia e a semiologia, ou seja, a expressão dos sintomas. Aí ele pergunta para você: "Doutor, o meu caso é grave?" Isso revela a experiência que você tem em diagnosticar aquilo ali. Dali para frente, ele pergunta: "Doutor, o meu caso tem jeito?" "O seu caso é grave, mas tem jeito." Essa é a sua experiência, esse é o prognóstico. Mas isso não precisa de exame, precisa de uma boa conversa, direcionada. O exame é a semiologia, a anamnese, o fundamento, a formação.
Então, o doente que mais consome seu tempo é o quaternário, é aquele que quer a prevenção, como você falou. "D. Maria, venha cá, você não tem nada. Eu fiz isso, eu pesquisei a sensibilidade, você viu o reflexo. Você sentiu a agulhadinha que eu lhe dei na perna?" "Senti". "Você não tem nada aí. Você está preocupada. Vamos conversar um pouco aqui sobre o marido, sobre a família e tal". Num tempinho que você dá ao paciente, a coisa já aparece. Mas o médico não está mais voltado para isso, ele não faz mais isso, infelizmente. Aí, ele diz: "Vamos fazer aqui uma eletroneuromiografia". Pensa: "Vou mandar fazer e me livrar dessa chata aqui ou desse chato aqui". Manda e vai embora, e fica caro, porque custa. O paciente volta e não se resolve o problema. Na cardiologia, Bruno, vemos muito isso. O indivíduo está com dor de cabeça e vai ao neurologista, que pede uma ressonância. Não tem nada. E não vai ter nada mesmo. Aí, ele diz: "Rapaz, eu acho que você precisa ir ao cardiologista". Ele vai ao cardiologista, que pede uma série de exames e tal, esteira, ecocardiograma, etc. Volta e ouve: "Você não tem nada, não. Você está com a pressão 14 por 10, realmente, mas não tem nada, não. Eu acho que você tem de ir ao clínico". E aí o clínico, se realmente for um bom clínico, conversa, avalia e diz: "Você tem uma contratura cervical, por isso você está tendo dor de cabeça no fim do dia. O seu problema é posição". O clínico resolveu o problema. Quer dizer, fez-se o inverso, gastou tempo e dinheiro e poderia ter sido resolvido bem antes.
10:55
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Então, isso é para mostrar que nós precisamos voltar à qualidade. Esse é o grande drama. A qualidade é fundamental tanto para os planos de saúde como para o serviço público. O que percebemos hoje é que o serviço público está cada vez mais distante.
Agora, para nós Deputados, é época das emendas. O que acontece? Há uma romaria e 50% de o todo dinheiro disponibilizado para as emendas dos Deputados é para a saúde. Então, você tem a emenda e você dá 50% para saúde, quer dizer, o Ministério da Saúde não está financiando aquilo que tem de ser financiado.
Como é que nós vamos lidar com isso futuramente? Nós temos de lidar através da instrução dos planos, do esclarecimento, do estudo, da divulgação, influenciando meios de comunicação, novela, colocando um bom clínico lá para resolver problemas. Vocês inclusive têm esse poder de influenciar. Falamos isso na tribuna, enfim, mas são poucas pessoas que veem. Vamos continuar insistindo, mas temos de ir para a comunicação de massa, para dizer que o clínico faz a diferença, que o médico de família faz a diferença. Não adianta eu ter um plano de saúde com gente inexperiente e o Médicos pelo Brasil, que o Ministro Mandetta, que é da minha terra, defende. Alguma coisa tem de ser feita. Se você não tiver gente experiente na linha de frente, a coisa vai à falência.
Era isso.
A palavra está aberta.
Fábio, você tem a palavra para comentar alguma coisa.
O SR. FÁBIO DE BARROS CORREIA GOMES - Obrigado, Deputado.
Eu gostaria de começar perguntando para o Ricardo, pela ordem, se ele acha que os profissionais de enfermagem, apesar do número importante que existe no País são, de alguma forma, subutilizados na atenção primária, na saúde.
Achei muito interessante os dados do SIAB que você detalhou. Você acha que a qualidade desses dados está adequada? Refiro-me aos dados do SIAB.
10:59
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Sobre a questão das prescrições pela enfermagem, esse tema estaria judicializado? Como está a regulamentação dessa questão das prescrições pelos profissionais de enfermagem?
Também achei bem importante a informação que você mencionou de que nas salas de vacinação não há uma presença muito frequente de profissionais da enfermagem. Então, quem é que está nessas salas, principalmente agora nesse período em que nós estamos observando problemas nas coberturas vacinais?
Bruno, eu achei bem importante a sua informação de que apenas 0,3% dos investimentos ocorrem na área da atenção primária. Eu gostaria de perguntar, então, se vocês teriam estratégias para aumentar esse investimento.
Tenho mais uma questão para o Bruno, que é sobre a Telessaúde. Vocês estão trabalhando com estratégias para ampliar o uso da Telessaúde na atenção primária? Quais seriam as barreiras para uma adoção maior da Telessaúde e da Telemedicina na atenção primária?
Essa mesma pergunta eu também dirijo para o Nulvio, a respeito do uso da Telessaúde.
Em relação às estratégias para a ampliação da atenção primária no setor privado, já deu para observar que vocês estão com uma estratégia nesse sentido. E aí eu pergunto: essas equipes que realizam consultas de atenção primária estão localizadas em um serviço específico? A adesão, é claro, é voluntária, mas qual seria a proporção de adesão dos usuários a esses serviços? Vocês têm observado um aumento na proporção dos idosos no seu conjunto de usuários? É claro que esperamos esse aumento por causa da transição demográfica no Brasil, mas vocês estão observando a velocidade de aumento ano a ano?
Foi mencionada a questão dos princípios da atenção básica e a importância da coordenação do cuidado. Eu sei que este é um princípio muito caro ao Deputado, ter um profissional médico que gerencie o cuidado dos pacientes.
Para finalizar, eu queria comentar o que foi colocado a respeito dos equipamentos de ressonância magnética, que o Sr. Reinaldo também colocou. Eu tive a oportunidade de fazer uma pesquisa com dados da OCDE, comparando indicadores do Brasil e de Israel. Chegamos, então, aos indicadores de recursos na saúde.
11:03
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Há um indicador de número de equipamentos de ressonância e de equipamentos de tomografia computadorizada. Em ambos os indicadores, o Brasil tem um número bem maior do que Israel, que é um país que está na OCDE e tem um nível de saúde em geral superior ao do Brasil em termos de indicadores.
Eu achei interessante conhecer a percepção de vocês no sentido de que haveria um excesso de equipamentos. Isso porque aquele indicador tinha me alertado de que haveria um número grande, mas eu não sabia se aqueles equipamentos estavam sendo efetivamente utilizados.
Aí, surge uma preocupação com a ineficiência no sistema, tanto privado quanto público, porque talvez esses equipamentos também estejam sendo muito utilizados no setor público. Não sei, mas acho que deveria que haver um estudo maior sobre isso.
Eram essas as questões.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Alguém gostaria de comentar ou de fazer alguma pergunta? Fiquem à vontade.
O SR. CLÁUDIO VIVEIROS DE CARVALHO - Obrigado, Deputado, pela oportunidade. Obrigado pelas apresentações.
Uma questão que me chamou a atenção é que vários de vocês falaram sobre os cuidados, mas pensando no cuidado médico, no cuidado de saúde. Existe alguma preocupação de vocês com o cuidado naquele sentido mais amplo, por exemplo, com as ILPI — Instituições de Longa Permanência para Idosos, que misturam um pouco a questão de saúde e a questão social de ajudar o idoso que não obrigatoriamente esteja doente ou a pessoa com deficiência? Os planos pensam de alguma forma em abarcar esse tipo de coisa? É uma coisa que está começando a entrar em discussão na área pública, mas na área privada eu não tenho noção de como vocês veem isso.
Para o Ricardo pergunto: como está a questão de relacionamento dos profissionais de enfermagem com os agentes comunitários de saúde? Ano passado e ano retrasado houve alguma tramitação aqui na Casa, e vimos que havia certo embate até um pouco por questões de diretrizes do Ministério. Como é que vocês estão resolvendo isso?
Para vocês todos pergunto: vocês pensam em alguma figura que se assemelhe ao agente comunitário de saúde nos planos de saúdes? As suas equipes vão ser só com os profissionais clássicos mesmo? O que vocês imaginam?
Não sei se vocês têm algum comentário a fazer sobre o Programa Mais Médicos e o Programa Médicos pelo Brasil, comentado pelo Deputado. Como a atenção privada vê esse tipo de coisa? Existe algum tipo de possibilidade de articulação principalmente para a questão dos Municípios menores, como o Sr. Reinaldo comentou? Com relação a eles também, vocês pensam alguma coisa semelhante à regionalização como o SUS pretende ter? Ele tem, mas deveria ter melhor.
Sobre a questão da cobertura vacinal, esse dado de 35%, Ricardo, você estava se referindo a um padrão geral? De onde você tirou esse indicador? Esse dado é sobre vacinas específicas? Essa é uma questão que discutimos ontem, a dos indicadores.
Eu acho que basicamente seriam essas as questões.
Obrigado.
11:07
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Cláudio, obrigado.
Agnaldo, gostaria de perguntar mais alguma coisa? (Pausa.)
Não. E você, Marcos? (Pausa.)
Então, quer começar, Ricardo?
O SR. RICARDO COSTA DE SIQUEIRA - Eu acho que eu fui o mais demandado aqui.
Primeiramente, em relação à qualificação profissional, se ela está preparada para desenvolver essa atividade, a enfermagem basicamente é vocacionada para a atenção primária, para o trabalho educativo, a parte da prevenção, do cuidado, da questão da promoção da saúde, porque a prevenção tem diversos níveis. Por exemplo, você promove a pessoa a não fumar. Para aquela que fuma você faz prevenção para que não tenha um problema mais sério, mas, se ela tiver um problema sério, você previne o agravamento do problema. Então, são vários níveis de prevenção.
Sobre a enfermagem, basicamente fizemos uma pesquisa em 2015, Deputado, promovida pelo Ministério Público, incentivada pela demanda. Dentro dessa pesquisa nacional sobre o perfil da enfermagem no Brasil, de 2015 a 2016, nós vimos que 58% dos profissionais de enfermagem do País trabalham na saúde pública, trabalham em instituições públicas. E isso representa muito o impacto dessas atividades nessa área, em especial na atenção primária à saúde.
Em relação aos dados do SIAB, eles são oficiais, são dados do TABNET, do Ministério da Saúde. Em 2 de Julho de 2015, foi encerrado esse sistema, em que o enfermeiro se reunia com todos os agentes de saúde que faziam visitas e acompanhamento individual de todas as pessoas que habitavam aquele território adscrito àquela equipe. E verificava em cada um quantas crianças nasciam, qual era o percentual de aleitamento materno, quantas gestantes, se elas estavam com as vacinas em dia, se estavam fazendo pré-natal, se os hipertensos eram acompanhados ou não. Assim, todas essas informações eram agrupadas. Existem várias outras, e eu trouxe algumas principais para mostrar aos senhores. Então, são dados oficiais, são dados reais.
Em relação à prescrição pela enfermagem, nós temos isso regulamentado na nossa lei de 1986. Então, faz 43 anos que a enfermagem desenvolve essas atividades. Desenvolvia bem antes no tratamento de tuberculose, de hanseníase e de outras patologias, como copartícipe do tratamento e da assistência junto ao médico, porque é bom lembrar que, na legislação de enfermagem, nós não somos atrelados à hierarquia. O enfermeiro não precisa da presença de outro profissional para desenvolver sua atividade, porque trabalhamos em equipe. É o engenheiro e o arquiteto: quem manda em quem? Os dois têm a sua expertise, o seu conhecimento. Os dois têm a sua área de trabalho. É o que ocorre com a enfermagem e a medicina. Nós trabalhamos com o mesmo produto, vamos dizer assim, com a mesma matéria-prima, que é o ser humano. Então, cada um dentro está do seu escopo de prática, respeitando os limites legais, profissionais e técnicos. Por exemplo, um hospital existe porque tem uma equipe de enfermagem. Se tirar essa equipe de enfermagem, não será um hospital; será uma clínica, porque os pacientes não receberão cuidados. Portanto, é um trabalho em equipe, em conjunto. É dessa forma que vemos isso.
Quanto à questão da prescrição pela enfermagem, há regulamentação, não há nenhum óbice. É somente uma questão de ajuste de sistema da ANVISA e do Ministério da Saúde sobre o reconhecimento desse profissional. É claro que o enfermeiro não faz a instituição de tratamento; ele faz o acompanhamento. O paciente passa pelo médico, o médico faz a consulta, faz o diagnóstico, institui o tratamento, e o enfermeiro dá sequência. O grande problema é que, nessa sequência, se não houver o medicamento, esse paciente obrigatoriamente vai ter uma reconsulta médica, muitas vezes desnecessária, porque não se vai mudar a conduta. Ela ocorre somente pela questão do acesso à medicação. É nesse sentido que eu falo, Deputado, para ficar bem claro.
11:11
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Em relação à sala de vacina, antes do início da Estratégia Saúde da Família, em meados de 1994 e 1998, havia em toda sala de vacina o enfermeiro da vacina. Ele realmente gerenciava, administrava. Havia um técnico de enfermagem ao lado. Fazia-se um trabalho de relevância. Com a entrada da Estratégia Saúde da Família, foi retirado esse profissional de dentro da sala de vacina. A Organização Mundial de Saúde coloca a vacinação como algo importantíssimo, como já foi citado aqui pelo Deputado. E a responsabilidade da sala de vacina foi atrelada a esse enfermeiro, que está desenvolvendo todo tipo de atividade na Unidade Básica de Saúde. Portanto, quem fica na sala de vacina é o técnico de enfermagem, sob a supervisão do enfermeiro, que faz o acompanhamento mensal. Mas isso é diferente de se estar dentro de uma sala fazendo a identificação até mesmo dos casos necessários, ampliando o quantitativo de vacinas administradas e também prevenindo possíveis reações adversas ou iatrogenias em relação a erros ou a possíveis negligências, omissões ou imprudências, no sentido do ato da vacinação em si. Portanto, precisamos rever isso.
Esse dado relacionado à vacinação, de 35%, foi apresentado. Eu faço parte do Comitê Técnico Assessor de Imunizações do Ministério da Saúde, em que é tratada toda questão política do sistema de imunização nacional, como calendários e mudanças vacinais. Esse foi um dos dados colocados.
Um dos fatores foi a ampliação do escopo de vacinas. Nós tínhamos oito vacinas administradas há quase 20 anos, e hoje nós estamos com quase 20 vacinas administradas na Atenção Básica, sem considerar a rede de referência. São quase 59 vacinas hoje aplicadas na rede, colocando todas aquelas vacinas especiais. São 20 vacinas a serem administradas em crianças durante um certo tempo de vida, ou mesmo em adultos ou idosos que procuram a sala de vacina. Então, há uma grande demanda na Unidade Básica. Essa sala de vacina não dá vazão, muitas vezes, a essa grande demanda.
Eu trabalho no posto de saúde há 23 anos. Tenho 22 anos na mesma Unidade de Saúde e vi essa transformação. Vi uma população à qual dava para se prestar assistência. Hoje essa população fica esperando, por causa de questões burocráticas, porque o processo de imunização não é simplesmente a pessoa chegar, entrar e fazer a vacina, não. Você entra, identifica quais são as vacinas, faz o registro do sistema, faz o registro no cartão, faz o registro no sistema manual, porque no sistema informatizado as anotações são feitas no prontuário da criança. O profissional se levanta, vai fazer todo o preparo, como lavar a mão, fazer a diluição da vacina; chama o menino com a mãe, administra a vacina; descarta tudo isso e volta para atender o segundo paciente. Esse é um trabalho muito complexo e precisa de mais gente, infelizmente, porque a demanda populacional do sistema público hoje é muito maior.
Eu falo do sistema público, mas o sistema privado está se adaptando. E é importante que vejam isso, porque realmente, como o Dr. Reinaldo falou, existe o estrangulamento do sistema. As pessoas procuram o hospital porque muitos planos de saúde realmente colocavam o hospital como base de referência. Que bom que estão vendo essa parte da atenção primária, porque realmente é um olhar avançado!
11:15
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Quanto à questão de haver mais idosos, com certeza há. A população está envelhecendo. Hoje boa parte da população que procura os postos de saúde é idosa, com doenças crônicas degenerativas. Há mulheres buscando prevenções, diagnósticos precoces e também atendimento delas com os filhos, porque são elas que cuidam, muitas vezes, dos filhos pequenos.
Em relação às equipes de Saúde da Família, os profissionais desenvolvem visitas em instituição de longa permanência de idosos, fazem vacinação e visitação. É claro que não são todas, porque nas instituições privadas, muitas vezes, até o acesso é um pouco diferenciado. Mas até as instituições privadas solicitam o serviço público, a presença do enfermeiro, do médico, da equipe, para ir lá e fazer algum atendimento.
Quanto à questão da enfermagem com os agentes comunitários de saúde, o grande problema é o seguinte: a enfermagem tem, dentro da sua legislação, um quadro que é composto por profissionais que possuem o nível superior, que é o enfermeiro, que faz a graduação de 5 anos; o nível técnico, que é o técnico de enfermagem. E há também o auxiliar de enfermagem, que faz o curso de 6 meses a 1 ano. Hoje somente um Estado brasileiro faz essa capacitação, que é São Paulo. Estamos tentando realmente dirimir, para que os profissionais tenham melhor qualificação técnica de um curso técnico, que vai para 1 ano e meio, com 1.800 horas de formação.
A questão é que pegaram atribuições que precisam de níveis de conhecimentos para os quais é preciso que haja um preparo muito maior e atrelaram essa atribuição ao agente comunitário de saúde, que muitas vezes é um profissional que mora no território, que não tem formação profissional para isso. Jogaram a responsabilidade para o agente comunitário de saúde, que já tem muito o que fazer. Eles não querem essa responsabilidade. Por outras situações, quer-se atrelar essa atribuição ao agente comunitário de saúde.
Foi colocada a possibilidade de formação desses profissionais em técnico de enfermagem. Eu não sei se isso também vai resolver o problema. É muito melhor já colocar o técnico enfermagem com uma função, para desenvolver esse tipo de atividade quando necessário.
Eu acho que é só o que tenho a dizer.
O Conselho de Enfermagem está aqui fazendo o diálogo, mas entrando também com a defesa da profissão, porque há necessidade, de fato, de haver qualificação para que se desenvolvam essas atividades. Imaginem que em vários pontos do território nacional há pessoas, por exemplo, com lesões de pele, seja por escaras por decúbito, seja por feridas de outro tipo, e está sendo colocada a responsabilidade de fazer o curativo a um agente comunitário de saúde que muitas vezes não tem nem o ensino fundamental. É muita responsabilidade.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Obrigado. Nós vamos voltar a este tema no fim, para não monopolizarmos a palavra. É importante debatermos isso, é bom.
Com a palavra o Dr. Bruno Ganem Siqueira.
O SR. BRUNO GANEM SIQUEIRA - Vou responder a algumas perguntas.
Em relação àquela questão do investimento baixo em prevenção, como se observa hoje no sistema de saúde suplementar, realmente é uma coisa que chama bastante a atenção. Hoje há 0,3% do gasto com saúde. Isso é algo sobre o qual precisamos refletir. É preciso realmente contribuir com estratégias para melhorar isso.
Acho que por trás disso há um sistema ainda deturpado, como foi dito aqui. Muitas vezes, é hospitalocêntrico. Na prática, os gastos com saúde estão direcionados de forma muitas vezes equivocada. Hoje, muitas vezes, não temos um plano de saúde propriamente dito, mas um plano de doença. Estou alicerçado no tratamento da doença, e não da prevenção. Trata-se de uma questão de modelagem, em relação a isso.
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Contudo, nós, que estamos vivendo dentro da saúde suplementar, vemos um drive, atualmente, um incentivo positivo no sentido de maiores investimentos para que esse número cresça. E acho que as iniciativas surgem de diversos agentes da cadeia ou de diversos stakeholders da cadeia. Nós vemos várias operadoras fazendo movimentos nesse sentido, construindo suas próprias iniciativas ou juntando-se a prestadores de serviços, dentro de objetivos comuns em relação a isso. A Amil faz isso. E nós temos visto outras operadoras também fazendo isso no mercado. Nós temos visto iniciativas de prestadores de serviços de se integrarem dentro dessa cadeia com um produto, com a atenção primária integrada à cadeia de saúde, com o apoio de operadoras, com o apoio de empresas. Nós vemos empresas que hoje são as grandes financiadoras dos planos de saúde também se preocupando com isso. De forma colaborativa, ou com a operadora, ou com algum prestador de serviço específico, estão montando isso para os seus colaboradores propriamente ditos.
Portanto, eu vejo uma onda virtuosa dentro do sistema de saúde suplementar hoje para que tenhamos maiores investimentos em relação a isso. E a expectativa é a de que esse número cresça, até para que saiamos de um plano de doença para um plano verdadeiramente de saúde, como o próprio nome diz.
Eu fiz algumas reflexões. Não digo que isto acontece com todos, mas o imediatismo de troca de carteiras dentro de um plano de saúde também ou mudanças de carteiras de quem provê a saúde ou dá acesso à saúde, muitas vezes isso inviabiliza essas iniciativas de cuidado preventivo, e os resultados não surgem a curto prazo, mas a longo prazo. Muitas vezes o sistema, ou o próprio usuário, ou a empresa, ou a própria operadora preveem um imediatismo no resultado com a prevenção, e podemos não colher esses resultados, pois isso depende muito do grupo que você está selecionando e do nível de risco que se tem. Mas o usuário de saúde hoje também é pouco propenso a isso, porque nós, enquanto usuários de saúde, não estamos ainda doutrinados, ou não fazemos parte desse sistema de saúde integrado, ou não aceitamos fazer parte dessa prevenção.
Em relação ao Telessaúde e à telemedicina, acho que não podemos ser omissos. Hoje nós precisamos muito de tecnologia para dar mais acessibilidade. Nós precisamos muito de tecnologia para poder capilarizar e dar acesso mais remoto à saúde. A telemedicina existe é praticada hoje de várias formas. Há interconsultas remotas. Muitas vezes, um médico de família está com o paciente na sua frente e quer fazer uma consulta remota com o neurologista, com o cardiologista, com um subespecialista pediátrico, e assim por diante. Existe essa possibilidade hoje, e a legislação permite isso. Já existem iniciativas no mercado que ocorrem dessa forma. Eu já tive a oportunidade de participar disso. Havia pessoas de sobreaviso, vamos dizer, remotamente, que congregavam um grupo grande de atenção primária e que se socorriam desses médicos especialistas a distância para resolver o problema do paciente naquele ato do atendimento. Acho que hoje não há isso em larga escala, mas é algo que acontece dentro de algumas iniciativas. Já tivemos oportunidade de participar disso. Existe hoje o cenário de telemedicina de laudo a distância, de diagnóstico a distância, como eletrocardiograma, Raios X, mesmo em situações remotas. Por exemplo, você está lá na Amazônia e, sem necessidade de um médico naquele local, você tem condição de ter laudos para fazer diagnósticos que podem fazer um diferencial muito grande para a vida de determinadas pessoas que estão ali. O eletrocardiograma é um deles, e é barato. Isso hoje é muito comum. E existe unidade centralizadora de laudo a distância, 24 horas, que permite isso.
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Agora, eu acho que o grande ganho com a telemedicina, que ainda não está legalizado — existe toda uma plataforma de discussão em que nós estamos atualmente —, é verdadeiramente o acesso do paciente, independentemente de onde ele estiver, a um médico no local, de forma virtual, ou seja, por telemedicina, por videoconferência, para consultas e orientações. Obviamente, isso tem que ser feito de uma forma coordenada. É preciso haver registros para que isso possa acontecer, não pode ser uma videoconferência como outra qualquer. Há a necessidade de que aquele ato seja legalizado, tenha registro de prontuário e haja rastreabilidade completa daquele atendimento. Obviamente, eu acho que isso faz muito sentido. E não há como nos privarmos disso. Isso já é comum em vários outros países. É uma missão da evolução da tecnologia, que apoia o que existe atualmente.
Eu queria fazer uma reflexão em relação ao que foi dito aqui sobre o papel do médico ou da equipe de atenção primária enquanto gestor da saúde. Foi colocado muito bem por V.Exa., Deputado Dr. Luiz Ovando, a questão da comunicação. A equipe de atenção primária tem que ser encarada hoje como um gestor da saúde, um coach da saúde, um tutor de saúde, uma pessoa que permite ao nosso paciente navegar pelo sistema de saúde. Ele exerce um papel muito importante, através da relação de confiança que estabelece ao longo do tempo. E não é só o médico, mas também a enfermagem exerce um papel muito importante nesse processo. Por trás disso está a comunicação e a relação de confiança adquirida ao longo do tempo.
Eu acho que hoje o paciente, na cadeia de saúde, tem pouca intimidade com a maioria dos profissionais de saúde com os quais se relaciona. A partir do momento em que ele cria contatos mais sólidos dentro de um ambiente de atenção primária — é o motivo da nossa discussão — com o médico ou com o enfermeiro, esses profissionais têm uma capacidade de interlocução muito grande para fazer com que o paciente navegue melhor pelo sistema de saúde, mesmo que o médico de família não consiga resolver determinados casos mais complexos ou que a enfermagem não resolva.
Quanto à provocação em relação ao Mais Médicos, eu vejo que o programa é um incentivo para que haja médicos em locais mais remotos do País, obviamente. Acho que, nessa discussão, a parceria público-privada pode contribuir para que eu possa ter essas pessoas prestando serviço bilateralmente, vamos dizer assim. Mas também vejo hoje que na própria saúde suplementar, por exemplo, no Sistema Unimed, há uma capilaridade muito grande que pode permitir acesso a profissionais de saúde nos mais diversos locais. O Scheibe pode aprofundar um pouco essa discussão, que acontece bem dentro do setor de saúde suplementar. O sistema de saúde suplementar tem certa capilaridade que pode, em somatória com parcerias público-privadas, dar acesso à saúde em locais mais remotos, potencializando o acesso à saúde. Esta era a minha contribuição.
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Muito obrigado, Dr. Bruno.
Por favor, Dr. Nulvio, tem V.Sa. a palavra.
O SR. NULVIO LERMEN JUNIOR - Primeiro, eu queria registrar que achei os comentários do Deputado muito pertinentes. Foram direto ao ponto, principalmente quando dizem que a chave é a qualidade. Se não fornecermos um serviço de qualidade, não há como revertermos esse quadro. E realmente a qualidade passa, totalmente, pela formação específica dos profissionais para atuar naquele ambiente e, é claro, pela valorização. A valorização faz parte. E temos visto que, depois que a saúde suplementar começou a investir mais na atenção primária, há uma valorização cada vez maior desses profissionais, tanto na área médica como na área de enfermagem.
Contudo, V.Exa. tem toda razão quando diz que, se não tivermos uma política de Estado, não há como mudar isso, pelo menos a médio prazo. Vai demorar muito tempo. E quando falamos em política — vou responder juntamente à questão do Mais Médicos, vou misturar um pouquinho as coisas, o Mais Médico e o Médicos pelo Brasil —, eu acho que o Mais Médicos foi um programa que pode ter respondido um pouco ao que diz respeito ao provimento emergencial, mas foi uma grande oportunidade perdida na questão da formação. O que previa para a formação médica não era viável, era uma proposta inviável, principalmente na questão do primeiro ano de residência, em relação a todo mundo fazer o primeiro ano de residência em medicina de família, porque não tínhamos áreas de prática para isso e não havia preceptores qualificados para tal.
Agora, com o Médicos pelo Brasil, há um potencial de mudança na formação médica, no estímulo da medicina de família. Eu conheço bem o Erno Harzheim, atual Secretário de Atenção Primária. Ele já deve ter vindo conversar com os senhores. Temos conversado com ele. Sei que a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade tem conversado muito com ele. Existe um grande potencial, que não devemos perder.
E acho que o foco, é claro, tem que continuar sendo o provimento, porque as cidades, muitas delas, estão sem médicos, mas também há a formação. Não pode ser um programa de curto prazo, que vá se perpetuar; tem que ser um programa com uma certa evolução do formato de carreira, e esse programa pode levar a isso. Acho que há um potencial grande nesse sentido.
Eu gostaria de registrar que os países que fizeram essa grande mudança na atenção primária trabalharam fortemente com dois pontos. Houve a regulação das vagas de residência médica. Quem determinava e ainda hoje determina as vagas de residência médica na Inglaterra, no Canadá, em Portugal e na Espanha, países com os melhores exemplos, é o governo. O governo vai dizer quantas vagas haverá em cada especialidade, porque é o governo que financia essas vagas. A bolsa de residência médica, na grande maioria dos casos, é do governo. Algumas vezes é do setor privado, mas na grande maioria dos casos é do governo.
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E há o estabelecimento de um prazo para a residência ser obrigatória, para a pessoa ter uma residência. É claro que aqueles médicos que já estão trabalhando, já estão no mercado e não têm residência, podem continuar da forma como estão. Podem procurar formação alternativa ou fazer prova de título. Mas esses países estabeleceram que, num prazo de 5 a 10 anos, todos os médicos que se formassem a partir desse prazo tenham que fazer residência médica. E estabeleceram uma porcentagem "x" de vagas é de medicina de família. Assim, conseguiram prover os profissionais de que precisavam para construir o sistema de saúde adequado para o país. No Canadá, 40% das vagas de residência são de medicina de família; na Grã-Bretanha, 30%; na Espanha, também em torno de 30%. Portanto, grande parte dos profissionais vão para lá porque têm a vocação para a medicina de família, mas muitos vão porque, para atuar, precisam ter uma residência, e a residência que eles vão ter é a de medicina de família.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Eles são valorizados, e há um apelo econômico.
O SR. NULVIO LERMEN JUNIOR - Sim, há a valorização econômica e também a valorização social.
E chegamos à questão do investimento público. Também é preciso que haja investimento na comunicação, como V.Exa. bem colocou, perfeitamente.
Eu diria que, além da comunicação, temos que trabalhar junto ao Governo a questão das normas regulatórias. As normas da ANS, hoje, ainda estimulam muito a busca de especialistas, quando estabelecem prazos para o plano de saúde oferecer as especialidades básicas e as outras. Deveríamos ter prazo para fornecer o médico de família. E o médico de família pedindo, ou seja, dizendo que a pessoa precisa de determinado especialista, o prazo deveria ser até mais curto, porque, se passou pelo médico, já está atestado que a pessoa realmente precisa da especialidade. Eu acho que podíamos trabalhar muito mais essa questão das normas.
E eu queria entrar um pouco na parte do papel da enfermagem, embora a questão não tenha sido direcionada a mim.
Entendo também que, quando falamos de formação, a formação da enfermagem é muito importante. Durante muitos anos, a formação da enfermagem esteve muito voltada para a área hospitalar — o senhor deve conhecer bem — e também para a administração de serviço, e pouco voltada para a parte ambulatorial e consultas. Em outros países, boa parte dos serviços, por exemplo, de pré-natal, de monitoramento de crônicos, de rastreamento de doenças, é feita por enfermeiros. No Canadá, há enfermeiros que fazem todo o cuidado do diabético, tirando a parte de prescrição. Realizam inclusive cuidados pré-diabéticos e outras especificidades de rastreamento de doenças. Isso é tocado pelo enfermeiro porque ele tem uma qualificação clínica para tal. Trata-se de algo que no Brasil, na formação, aos poucos está mudando, mas é preciso investir muito na questão da residência. Acho que a residência em enfermagem de família pode trazer essa qualificação. Temos visto isso nos profissionais que têm saído da residência.
Perguntou-se sobre a telemedicina, comentada pelo Bruno. Existe a questão da teleconsultoria, que é a telemedicina médico-médico. Isso já está bem desenvolvido. A própria Amil tem um pouco disso. É importante, porque evita a peregrinação do paciente. Algumas vezes, ele tem que ir para especialistas, pois resolvemos na mesma hora o problema do paciente. Pode ocorrer de forma síncrona, na mesma hora, ou de forma assíncrona, quando precisamos dizer ao paciente: "Olha, eu vou conversar com um colega meu, e vou dar a você uma resposta". Isso tem dado resultados muito bons. Assim, nós podemos trabalhar também com tecnologia assíncrona, que é muito mais barata do que deixar um médico à disposição lá, o tempo todo, para dar uma resposta. Há um serviço de Telessaúde no Rio Grande do Sul que se desenvolveu muito nessa questão da telemedicina assíncrona.
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Quando falamos em telemedicina paciente-paciente, na Amil nós temos pensado muito em desenvolver isso com a atenção primária, mas dentro das normas regulatórias do CFM, que estabelecem que deve ser feita com pacientes que já têm uma relação com o médico. Então, a partir do momento em que já existe a relação médico-paciente, em que ele já está vinculado com uma equipe de atenção primária, nós temos fornecido consultas, não com médicos ainda, mas já de enfermagem, para tirar dúvidas e para aproximar os pacientes da equipe.
O Fábio falou um pouquinho da distribuição entre idosos e outras faixas etárias. Nós temos uma distribuição que abrange quase todas as faixas etárias, um pouco menos as crianças, porque ainda há muito a questão de o cuidado da criança estar vinculado ao pediatra. Mas o que observamos é que os resultados são bons para todas as faixas etárias. Nós temos resultados muito bons na faixa etária jovem também e resultados consistentes para os idosos. E, quando falamos dos idosos, os resultados são melhores quando eles têm múltiplas morbidades, porque há uma pessoa que está olhando o idoso como um todo, e não fragmentado. Ele vai, é claro, aos especialistas quando precisa, mas há uma pessoa para juntar o que os especialistas estão fazendo e entregar um cuidado mais individualizado.
O senhor perguntou sobre adesão. Nós temos uma adesão muito grande. Das pessoas que vão a uma primeira consulta, a adesão tem sido de 70% a 80%, pessoas que ficam vinculadas a essa equipe. Nós temos um lugar específico a que chamamos de Amil Espaço Saúde, que são ambulatórios, são clínicas específicas. Mas também temos trabalhado isso com a rede ambulatorial, que chamamos de consultórios integrados. São parceiros que seguem o mesmo modelo que nós fazemos em nosso consultório próprio, são consultórios parceiros. É o caso da Amparo. O Sabin tem um investimento na Amparo. Temos credenciados vários desses consultórios. Eles usam o mesmo modelo que nós usamos, com os mesmos profissionais, entregando um cuidado muito parecido, com a mesma qualidade.
Falou-se um pouco da coordenação do cuidado. Para a coordenação do cuidado, nós temos lá um técnico de enfermagem. E já vou respondendo à questão do agente. Nós preferimos trabalhar com um profissional qualificado, para que tivéssemos uma segurança de qualificação técnica. Por isso, nós colocamos para fazer o papel de agente o técnico de enfermagem. O técnico de enfermagem ajuda na coordenação do cuidado. Assim, depois que o paciente passa pela consulta com o médico ou com o enfermeiro, ele vai sempre ser monitorado por esse agente de saúde, que é um técnico de enfermagem, que pode responder, também, a algumas questões técnicas. E vai ver se o paciente está fazendo os exames que foram recomendados. O médico faz toda a orientação, mas esse coordenador do cuidado, esse agente, verifica se a pessoa está tomando os medicamentos conforme o médico recomendou. Então, ele ajuda a equipe médica de enfermagem na coordenação do cuidado.
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Sobre a questão dos equipamentos médicos, que o Fábio abordou, nós temos claramente um excesso no Brasil. Existe uma regra, que é a regra mundial: onde ele existe, é utilizado. Por quê? Ninguém faz investimento e não vai atrás de que isso tenha retorno. Isso se dá no âmbito privado, como claramente já foi dito aqui, mas acontece no sistema público também. Essa regra de colocar o equipamento vai gerar uso desnecessário. E nós vemos, quando falamos de emendas parlamentares — trabalhei alguns anos no Ministério —, que por muitos anos foi bloqueado que as emendas parlamentares fossem utilizadas para alguns equipamentos, exatamente porque eles já existiam em excesso. Eu não sei se hoje continua bloqueada essa destinação, mas sempre temos que pensar duas vezes antes de investir os recursos de emendas na compra de equipamentos.
O Cláudio falou um pouco sobre como prover o cuidado. Nós tentamos, sim, prover um cuidado cada vez mais individualizado. E nós trabalhamos sempre com uma equipe multiprofissional. A equipe mínima tem o médico, o enfermeiro e o técnico, mas nós temos muitos nutricionistas, psicólogos e outros profissionais que trabalham em conjunto com a equipe.
E nós trabalhamos para os nossos profissionais, principalmente para o médico, uma técnica que se chama Método Clínico Centrado na Pessoa, que é muito parecida com a formação médica antiga. O método pegou o que vinha da formação médica antiga — que é saber ouvir o paciente, aprender a examinar o paciente, a ver o contexto em que o paciente está inserido, tanto familiar como comunitário — e traduziu isso em sete passos básicos. Todo residente de medicina de família é treinado nesses sete passos. Quando entra um paciente pela primeira vez no consultório do médico de família, a ideia do médico é entender o paciente dentro do contexto geral em que ele se encontra. A primeira coisa é ouvir o paciente, e só fazer as perguntas depois de o paciente haver expressado o motivo da sua consulta, e daí começar a explorar esta questão comunitária e familiar que cada paciente tem. Portanto, quando falamos sobre a formação de médicos, acho que a formação do médico de família traz alguns pontos e algumas ferramentas que a formação das outras especialidades, muitas vezes, já deixaram um pouco de lado.
E até acho que vale a pena, num outro momento, Deputado, trazer a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade aqui para uma conversa, porque eles podem expor um pouco mais sobre isso. Podem falar sobre essas técnicas e sobre como a formação em medicina de família pode trazer bons resultados, tanto para os pacientes quanto para o sistema de saúde como um todo.
Eu acho que era isso que eu tinha a dizer. Fico à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Obrigado.
Tem a palavra o Dr. Reinaldo.
O SR. REINALDO CAMARGO SCHEIBE - Deputado, eu vou fazer apenas alguns comentários, porque muito já se falou e nós concordamos com o que foi dito.
Eu gostei muito de ouvir V.Exa. falar em política de Estado. Como ABRAMGE, nós já escrevemos artigos sobre isto, sobre esta necessidade, devido ao que nós passamos nos últimos anos. Quando foi feita a Lei dos Planos de Saúde, a medicina era outra e a cobertura era outra; não existia a metade desses equipamentos médicos e tecnologias novas que há hoje. Contudo, nós temos um excesso regulatório, microrregulações que amarram o sistema, causam dúvidas e dificultam a assistência.
Nós passamos uma fase, inclusive, com pessoas que falavam em televisão por aí de forma consumerista, defendendo a tese de que o paciente era o hipossuficiente e poderia escolher o médico, e os planos de saúde teriam que liberar a porta. Ele poderia buscar um neurologista e tal. Está provado, o mundo já provou que isso não funciona. Com apoio de um Centro de Estudos como este, nós podemos perfeitamente caminhar — e estamos caminhando — no sentido do médico de família e da prevenção. Isso é importante.
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Voltando a falar em política de Estado, nós sentimos também que não há uma integração entre a necessidade do País no âmbito do Ministério da Saúde e o currículo do Ministério da Educação. Não há integração. O Ministério da Educação caminha ao largo, com seus currículos de formação de mão de obra, sem prever a necessidade do País. Esse é um fato importante.
Complementando o que o Fábio perguntou em relação à questão da qualificação da mão de obra, como também já foi dito pelo Nulvio, sobre o médico e a enfermeira — e também o Ricardo falou disso —, não há problema nenhum de integração das equipes. O plano de saúde não é contra, muito pelo contrário, é favorável a essa integração. É favorável a que a enfermagem atenda, porque inclusive falta enfermagem no Brasil. Quando nós falamos em enfermagem e falamos em médicos, a concentração está ali. O resto do País não tem cobertura.
E emendo com a questão da telemedicina e da telecobertura. Eu viajo pelo Brasil e há um esporte que pratico, a pesca. Quem vai para o interior do País pescar, vê em todo lugar, pelas cidades por que passa: "Eu sou ortopedista, passo nesta cidade e atendo aqui a cada segunda semana do mês". O oftalmologista faz isso, o neurologista faz isso. Contudo, a regulação que existe hoje na saúde não nos permite fazer essa assistência no interior, porque, se eu não der uma consulta básica em 7 dias, a multa é 80 mil reais. Isso virou uma indústria, no INSS, de multas em cima de planos de saúde. Eles divulgam que o INSS multou em milhões os planos de saúde. Estão fazendo um desserviço, porque é dinheiro que deveria estar sendo investido em prevenção e em programas, e está sendo pago em multas, porque os prazos não são possíveis de serem atendidos. O Nulvio inclusive explicou que, se você entrou num programa, não tem que ter prazo. Aquele grupo, o plano de saúde, não tem interesse em que a pessoa fique internada, que tenha infecção hospitalar, que faça exame, muito pelo contrário.
E vem a questão do idoso. A faixa do idoso dentro dos programas só cresce, a partir de 60 anos. Todo ano, cresce um pouco. O que acontece, se você não tiver atenção básica na parte inicial da cadeia, se o País não tiver jovem que esteja entrando para alimentar essa cadeia do financiamento da saúde, e a faixa de idosos continuar aumentando? O plano de saúde vive hoje o mesmo problema da Previdência Social. Não há recurso que você consiga tirar daqui para pagar tudo aquilo e a vivência lá na frente. Temos colocado isso em outros debates.
A telemedicina para o idoso é importantíssima. Nós, que viajamos por este Brasil e para fora do País, vemos no Japão ou nos Estados Unidos, em países que têm neve, como o Canadá, em que as pessoas ficam isoladas, vemos que hoje isso é um fator relacionado a salvar vidas, a resolver problemas, um fator de grande importância. Por que você vai tirar de casa um idoso ou uma pessoa que tenha alguma deficiência e levá-la ao pronto-socorro de um hospital, onde corre risco de infecção? Ele tem que ter esses núcleos, ou precisa ser atendido primeiramente.
Eu já passei por isso lá nos Estados Unidos, recentemente. Fui atendido por uma enfermeira, que me fez um check-up e disse: "O senhor está bem. A medicação de que o senhor precisa, o senhor compra na farmácia. Não precisa nem de receita". Quando cheguei ao Brasil, depois de aproximadamente 10 dias, eu recebi um e-mail, em que perguntavam do serviço. Perguntaram qual foi a minha percepção do atendimento, como ocorreu, se eu tinha melhorado, se eu não tinha melhorado. O que isso demonstra? Estava em outro país, paguei uma consulta e recebi na minha casa uma pergunta sobre o atendimento. Toda essa tecnologia tem que ser usada, realmente, para facilitar. Por que tirar um idoso de casa, em um lugar em que está nevando, para colocá-lo em um carro e rodar durante 4 ou 5 horas, para ir a um serviço, se ele pode ser orientado por uma equipe médica, por uma equipe de enfermagem, em relação ao problema dele?
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Quanto aos indicadores, eu havia conversado sobre isso, e o Fábio referendou. Precisamos, sim, que esta Casa crie, dentro de uma política de Estado, um controle sobre o excesso de equipamentos e tecnologias no País. Nós estamos caminhando para ter tudo do bom e do melhor, e se está morrendo no básico. A pessoa morre por falta de atenção primária, por falta de vacina, e nós estamos dizendo que temos toda a cobertura.
No que se refere ao Mais Médicos, à integração entre público e privado, não há problema algum. Eu acho que tem que passar pelo currículo do MEC, em relação à questão da revalidação e tal. O que há de brasileiro estudando lá na divisa entre Brasil e Bolívia, onde há um monte de escolas médicas! E há no Paraguai também. E são brasileiros que estão lá. É preciso trazer essa população para trabalhar aqui, para vir para o interior, mas é preciso, sim, que haja um controle curricular.
E vivemos alguns dramas no nosso País — o senhor, que é de Campo Grande, Deputado, tem essa experiência —, em relação às consultas. Na época do inverno, falta pediatra. Aí é aquela briga com a emergência, é multa da ANS, etc. Quando termina o inverno, sobra pediatra. O pediatra não tem paciente para atender. Há dezenas de especialidades médicas em que se vive isso. Em algumas especialidades novas, que são colocadas no rol, é impossível ser atendido, nem que se queira pagar 10 mil reais por uma consulta naquela região. Não há o médico, não há aquela especialidade. Portanto, há alguns descompassos muito grandes.
Nós passamos por um drama, há alguns anos, quando a ANS colocou no rol a obrigatoriedade de os planos de seguro de saúde oferecerem a cirurgia por videolaparoscopia. O que se vendeu de aparelho! A indústria vem para cá, despeja a vender aparelho e qualificar médico para fazer cirurgia de laparoscopia. Quantas pessoas morreram por causa disso? Quantas cirurgias desnecessárias foram feitas? Quantos diagnósticos errados saíram? Ocorre aquilo que o senhor falou: não há qualificação. Há produção, não há qualificação.
Mais uma vez, nós nos colocamos à disposição. Nós temos muita informação, para cooperar com esses estudos em que o senhor está pretendendo avançar. O senhor está de parabéns!
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Muito obrigado, Sr. Reinaldo.
Eu quero apenas fazer um comentário final. O Sr. Ricardo falou que foi muito solicitado. Digo que nós estamos sempre debatendo com as enfermeiras e os enfermeiros, com a categoria.
Quanto à questão que o Sr. Cláudio trouxe, Sr. Ricardo, ela também se estende à questão do receituário. Nós temos agentes de saúde distribuídos no País inteiro. É um volume muito grande de dinheiro que o Estado gasta, e esse pessoal não tem sido eficaz. É um desperdício, não por causa deles, mas exatamente por essa briga de categoria. E eu entendo perfeitamente, nós temos que defender a nossa categoria. Você defende a sua, o outro defende a dele, e assim se chega a um equilíbrio, a um consenso, àquilo que é possível. No Parlamento costumamos dizer que se conquista aqui o que é possível, não o ideal. Esse é um processo, em que a coisa vai acontecendo.
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Falo, por exemplo, da enfermagem. Eles implicam com o fato de o indivíduo verificar glicemia lá na ponta, ou verificar a pressão arterial, conforme o senhor colocou. Existem essas demandas, e nós entendemos, mas é possível chegar a um consenso. O médico implica com o fato de a enfermagem fazer a sua prescrição, diz que não pode. O que é que pode? Tem que se chegar a um consenso nisso. O agente de saúde pode verificar a glicemia? Ele não vai tratar; ele vai ver, vai detectar, ele é o técnico. Agora, ele não deve fazer curativo, porque isso implica uma série de outras situações, aparentemente muito simples, mas que não são simples. Isso precisa verdadeiramente ser muito bem avaliado.
Sobre a questão que foi colocada a respeito do enfermeiro na sala de vacinação, pergunto: é preciso enfermeiro na sala de vacinação? O técnico não pode fazer isso sob supervisão? A vacina já vem prescrita ou já está dentro de uma programação que, às vezes, nem precisa passar pelo médico ou pelo pediatra, e assim sucessivamente, ou por quem quer que seja, em determinadas circunstâncias. É uma defesa da categoria do ponto de vista, vamos dizer assim, profissional, mas são questões em que se pode chegar a um consenso, futuramente, com benefício de todos. Vai limitar, naturalmente, o plano ou a influência profissional, o quinhão do mercado de trabalho, mas são situações em que os senhores ganharão em outras circunstâncias.
Em relação à telemedicina, Sr. Reinaldo, em fevereiro deste ano, o Conselho Federal de Medicina baixou uma portaria — não me lembro bem o número — liberando-a. No dia seguinte, estava tudo no mercado: telemedicina para cá, telemedicina para lá. O que temos visto? O grande drama a que eu, de início, sou contra e sobre o qual temos discutido — este é meu posicionamento, mas não sou contra a telemedicina — é que a ambição humana atropela os verdadeiros propósitos das coisas.
Outra questão é o EAD, o estudo a distância. O pessoal quer forçar o EAD na área da saúde. Nós tivemos uma audiência pública em que um professor de veterinária disse: "O curso de veterinária foi liberado, e nós temos uma faculdade com 1.500 vagas para EAD". Um absurdo! Há mais de 380 escolas veterinárias no País. Não há necessidade disso.
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Aí ele fez uma relação mostrando que, nos Estados Unidos, há 60, na Inglaterra, há 40. Enfim, alguma coisa assim. Então, há um excesso, uma ambição, as pessoas querem: vou ser veterinário, vou ser médico, vou ser enfermeiro, vou ser nutricionista, e vou fazer o EAD.
O EAD é fantástico, é fundamental ser divulgado e alcançar onde quer que seja. Mas existem coisas que ele não vai substituir, que precisam ser feitas presencialmente. São habilidades. Não há jeito. A pessoa vai ver uma, duas, três, dez vezes como faz e, se não fizer, não vai saber. A teoria ela sabe. Aí vem a ambição humana. Essa é a questão. Então, há que se modular isso.
Eu tenho uma paciente, eu sempre digo isso, que tem 108 anos. Toda vez que faz aniversário, ela me convida e eu vou. Há pouco tempo, ela caiu em casa e a filha me ligou desesperada. Eu disse: "Você está fazendo o quê? Eu vou por você para cuidar de uma tartaruga, porque como você deixa uma senhora de 108 anos cair?" Aí correu para o pronto-socorro. Felizmente, foi para a Santa Casa e eu estava lá com os residentes. O que foi feito? Perguntei como ela estava. D. Angelina me disse que estava bem. Perguntei o que estava sentindo. Ela me disse que sentia dor nas costas. "Mexe a mão". Mexeu. "Aperta minha mão". Apertou. "Mexe a perna". Mexeu. "Levanta a perna". "A senhora sabe onde está?" "Sei". O que foi pedido? Raios X do crânio, do tórax, da bacia, pélvis, tomografia do crânio. Pediram para chamar ortopedista, neurologista. Dei uma olhada e disse: "Suspende tudo. Eu só quero raios X de tórax porque ela está com dor nas costas". Ela estava no corredor, com o pronto-socorro cheio. Foi feito o exame de raios X e vi aquela osteoporose intensa, aquela coisa complicada e tal. Mas ela vive daquele jeito, e não tem dor nas costas. Ela estava com dor nas costas porque caiu e tinha uma contratura muscular, uma equimose e tal. Mandei embora e tomar analgésico, fugir dali. Senão a coisa complica, entendeu?
Vejam, se essa senhora ficasse lá fazendo tomografia, daqui a pouco: "Ah, não dá para ver, tem que pôr contraste. Lá vai a insuficiência renal, lá vai a velhinha desidratar". Aí vem o neurologista: "Não, tem que ficar em observação". E deixa ela lá por 6 horas encostada num canto. E as coisas vão complicando. Então, é preciso ter experiência.
Quando falamos em telemedicina, conseguimos resolver o problema por telefone. "O que você está tendo?" "Eu estou tendo isto e isto". "Então faz assim, assim, assado e pronto".
Eu tenho uma enfermeira que trabalha comigo no consultório. Ela me liga e diz: "A dona fulana chegou aqui e está assim, assim". "Veja a pressão dela e faça isso e isso". "O que você achou?" "Eu acho que ela está bem." "Então manda embora, manda seguir". Acabou. Ela me ajuda uma barbaridade. Nós temos que ter essa visão de interação e temos que realmente insistir nesse tipo de atitude.
A tecnologia é fantástica. Ainda em relação à telemedicina, por exemplo, o eletro. A pessoa está lá no interior, faz o eletro e manda para o cardiologista. "O que deu?" "Teve dor no peito e tal, assim, assim assado, mas o eletro está normal". Aí o cardiologista tem que deduzir: "Olha, eletro não mostra tudo". O eletro está normal, mas, se houve dor típica, deixa em observação.
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Então, há um monte de detalhes em que é preciso verdadeiramente experiência, qualificação. E não se adquire experiência num estalar de dedos. A experiência que tenho hoje, eu não a tinha quando terminei o curso, nem depois de 10 anos.
Portanto, dentro de um processo hierárquico, temos que valorizar isso. Daí a importância daquilo que estávamos discutindo. Por exemplo, o técnico. Eu estive um tempo nos Estados Unidos e lá era o técnico quem fazia o exame de ecocardiografia. Vai lá e faz a eco. Aí eu disse: "Eu quero fazer". "Mas por que o senhor quer fazer? Aqui ninguém faz". "Mas eu quero aprender a fazer". E aprendi a fazer ecocardiografia lá na Universidade de Minnesota. E eles achavam estranho. Eu dizia: "Lá no meu país não tem técnico para fazer. Eu vou fazer, depois ensinar para a pessoa, se for o caso". E eles sabem tudo. Só que os detalhes da anatomia, da fisiopatologia, etc., eles não sabem. Então, o médico é que tem que interpretar dentro do quadro clínico. Enfim, temos que evoluir nisso daí.
Essa regulação de que você fala, Reinaldo, é uma forma de cercear o excesso. Quer dizer, não está proibida a compra do aparelho, mas está proibido usá-lo, porque é usado de forma indevida. Aí nós temos que realmente chegar a essa situação, felizmente ou infelizmente.
Hoje temos lá o tal do SISREG — Sistema Nacional de Regulação. O indivíduo está com problema lá numa cidade do interior. Ele liga e dizem: "Não tem vaga". Meu amigo, o Estado tem que resolver o problema. Faz alguma coisa. Mas, às vezes, também não há como e o médico não está muito envolvido e o pessoal fica desesperado: "Ah, eu vou pôr na ambulância". "Não põe porque não tem vaga. Não traz. Espera ter vaga". E tem que renovar. Então há todo aquele processo, infelizmente.
São com os percalços do sistema que vamos evoluindo. Tudo isso, em síntese, pode melhorar muito pela qualificação do médico de saúde da família. Precisa-se do programa, precisa-se da qualificação e precisa-se de política, porque, recentemente, 75% das vagas de residência não estavam preenchidas, estavam livres, vagas, porque não há política. Ninguém quer ser médico de saúde da família. Há pouco mais de 5.400 registrados na demografia médica do Conselho Federal de Medicina. E os clínicos estão aí. O programa do Deputado Mandetta condiciona o clínico. Mas há que se formar e ter esse, vamos fizer, perfil, essa habilidade. Ele tem que desenvolver.
Terminando, agradeço a todos. Foi uma satisfação poder conversar.
Deixo a palavra aberta para quem quiser fazer suas considerações finais objetivamente, porque nós já passamos do horário. (Pausa.)
Obrigado.
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