1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Conjunta das Comissões CDHM e CLP)
Em 12 de Setembro de 2019 (Quinta-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nós declaramos aberta a reunião de audiência pública destinada a discutir o tema A situação da educação no Brasil.
Eu ressalto que o presente evento decorre da aprovação do Requerimento nº 78, de 2019, aprovado na Comissão de Legislação Participativa, e do Requerimento nº 100, de 2019, aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Ambos são de minha autoria, Deputada Erika Kokay.
Esta audiência é, portanto, uma realização conjunta das duas Comissões, da Comissão de Legislação Participativa e da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Eu queria agradecer, imensamente, a presença de todos, particularmente dos nossos convidados.
Informo ainda que este evento está sendo transmitido via Internet. Aqueles que desejarem participar, enviando perguntas aos expositores, podem acessar o e-Democracia, pela página da Câmara dos Deputados.
Vou apenas estabelecer as normas para que possamos coordenar os trabalhos de forma organizada.
Vamos chamar os expositores que vão compor a Mesa. Os membros da Mesa terão um tempo de 10 minutos para fazer suas considerações.
A Débora Cristina Goulart, representante da Rede Escola Pública e Universidade, irá participar desta audiência através de videoconferência.
O Daniel Cara, Coordenador-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, não vai poder participar, e justificou a sua ausência
O Gustavo Henrique de Sousa, representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior— ANDIFES, ainda não se encontra, mas, assim que chegar, está convidado para compor a Mesa.
Convido para compor a Mesa Rosilene Corrêa Lima, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. É um prazer tê-la aqui.
Convido também o Sr. Luis Antonio Pasquetti, Presidente da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília — ADUnB.
Convido ainda a Neuma Rodrigues, Diretora do Departamento de História da UnB.
O Gustavo Henrique, o Marcelo Acácio, que é Diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, e a Maria Machado Malta ainda não se encontram. Quando adentrarem a este recinto, eles irão compor a Mesa.
Nós vamos dar início, portanto, à nossa audiência, que visa elaborar o diagnóstico de uma área que tem sido extremamente atacada. A educação, por si só, é um contraponto a toda lógica autoritária. Ela é construtora e alimentadora dos direitos da liberdade e da própria democracia.
Nós estamos vivenciando um ataque deliberado, seja através da CAPES, que, depois de um grande esforço, recebeu a promessa de recomposição de algumas bolsas, ou seja através do CNPq, que não recebeu a suplementação orçamentária necessária, embora isso tenha sido acordado com os representantes do próprio Governo, no que diz respeito à ciência e tecnologia.
Nós estamos vendo uma tentativa de silenciamento, uma tentativa de considerar como adversários todas e todos que ousam se contrapor a todas as demonstrações de arbítrio que nós estamos vivenciando.
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É neste sentido que nós estamos fazendo esta audiência sobre educação, para que ela também componha o relatório alternativo que nós iremos apresentar à ONU, em Genebra, ainda no começo da próxima semana. Então, nós queremos aqui acolher contribuições para aprimorar este diagnóstico. Mais de 20 pontos foram considerados no relatório que nós iremos apresentar. Estarão presentes tanto o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Helder Salomão, como eu, para levar uma agenda que denuncia o nível de violações de direitos que há no Brasil.
Como a educação é direito básico para o conjunto de outros direitos e talvez seja a política pública mais generosa, que mais tem possibilidade de transbordar, que é estruturante para a qualidade de outras políticas públicas, nós não poderíamos deixar a educação, com todos os ataques que tem sofrido, fora deste relatório. Esta audiência visa aprimorar esse processo.
Então, vamos começar. Assim que os demais membros que confirmaram presença chegarem, eles também se incorporarão à Mesa.
Nós vamos passar a palavra aos expositores que compõem a Mesa, por 10 minutos. Em seguida, nós vamos abrir, por 3 minutos, para quem desejar fazer uso da palavra. E, depois, encerramos essa construção.
Eu começo passando a palavra para Neuma Rodrigues, Diretora do Departamento de História da UnB.
A senhora detém o prazo de 10 minutos.
A SRA. NEUMA RODRIGUES - Bom dia a todos e a todas.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Desculpe, mas, só para que os expositores possam se situar, informo que há ali um cronômetro, que vai apontando o tempo.
Com a palavra a Diretora do Departamento de História da UnB, Neuma Rodrigues.
A SRA. NEUMA RODRIGUES - Eu estou aqui representando o grupo de trabalho que foi montado pela reitoria da Universidade de Brasília, para analisar o projeto Future-se, no momento em que ele foi apresentado.
Esse grupo de pesquisa teve como objetivo apresentar um relatório que fosse discutido no Conselho Universitário da Universidade de Brasília — CONSUNI. Eu estou aqui como representante desse grupo.
Nós procurarmos fazer uma análise, naquele contexto, usando a própria proposta, o projeto de lei, e também alguns documentos que foram apresentados pelo MEC para os reitores e para a imprensa. Mas focamos principalmente no projeto de lei.
O que avaliamos ao longo do texto é que o que marca o projeto Future-se é a articulação do binômio gestão e financiamento privado. Na verdade, eles propõem, a partir da ação de OSs da iniciativa privada, uma grande alteração na política educacional do ensino superior brasileiro das universidades públicas.
A despeito do Future-se ser um programa, como todo programa, ele parte da ideia de que é algo conjuntural, de que é uma proposta que tem objetivos específicos e vai ter uma existência determinada no tempo, e propõe tantas mudanças em termos legais, em termos da dinâmica das universidades, que deixa muito claro que se trata, na verdade, de uma política educacional que pretende moldar o ensino superior brasileiro a partir de uma modelo absolutamente diferente do que nós temos hoje.
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A nossa grande preocupação diz respeito, primeiro, à ausência completa de referência ao financiamento público. Ele é apresentado como um complemento ao financiamento das universidades, mas, em nenhum momento, é colocado no debate a condição atual das universidades. São públicos a falta de recursos e os cortes que estamos sofrendo. A universidade já vinha passando por uma situação bastante complicada, desde a PEC do Teto dos Gastos, e agora se encontra em situação dramática, a partir da política deste ano do MEC.
Então, primeiro, não há preocupação, não há clareza sobre as obrigações do Governo quanto à manutenção das universidades. Há imposição de uma lógica de mercado muito agressiva dentro das universidades. A universidade passa a atuar, principalmente nas áreas de inovação e internacionalização — são os dois focos do programa —, a partir de uma lógica para responder ao mercado, com preocupações muito imediatistas, que é algo que nos preocupa muito. Há uma diferença muito grande entre responder ao mercado e fazer políticas de inovação propriamente ditas. A inovação não tem esse imediatismo que o mercado espera.
Então, a despeito de ser colocado como uma possibilidade de avanços, em termos de tecnologia e em termos de inovação, na verdade, vemos um horizonte bastante reduzido nesse sentido.
Por outro lado, o Future-se apresenta-se também como uma ameaça muito direta à autonomia universitária, no que diz respeito à administração, diretamente pela ação das OSs. O projeto é muito aberto. Em alguns momentos, coloca como se a ação das OSs fosse muito pontual, e, em outros momentos, essa ação se amplia. Isso é muito explícito, por exemplo, no momento em que se fala das políticas de internacionalização, que diz que as universidades seguirão um projeto de internacionalização elaborado pelo MEC, que tira das universidades essa capacidade de planejamento e de atuação.
Isso é um ponto específico, é um exemplo que estou dando, mas perpassa várias partes da ação da universidade.
Outro elemento que mostra que isso é bem mais do que um programa é a exigência de que as universidades adaptem a suas normas internas ao planejamento do Future-se num prazo de 180 dias, podendo ser ampliado por mais 180 dias, pensando que os estatutos das universidades são documentos que se propõem a ter uma longa duração, aprovado dentro da instituição e também pelas instâncias superiores da educação.
Ele se apresenta, como eu disse, como uma proposta que visa ampliar os recursos, o financiamento da universidade. Só que ele ignora completamente a ação das fundações, que hoje já atuam de forma sistemática — elas têm amparo legal para essa ação —, e também ignora a questão dos limites do uso dos recursos de arrecadação própria.
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O Future-se se apresenta como uma proposta que viria aproximar a universidade da sociedade, principalmente do mercado, como forma de ampliar a capacitação de recursos. Contudo, a realidade da universidade é que temos uma parte dos recursos captados sendo juntados à questão do crédito primário, do superávit primário. Então, no caso da Universidade de Brasília, nos últimos 3 anos, nós tivemos uma parte significativa do que arrecadamos, por meio de convênios e outras formas, incorporada aos recursos da União. Isso é uma coisa incoerente.
Por um lado, você diz que vai estimular a capacitação própria das universidades; por outro lado, não se pensa na situação atual de permitir o gasto desses recursos já captados hoje. No caso da UnB, nós temos uma situação um tanto atípica por conta do contexto da criação da universidade. A UnB já chegou a arrecadar 40% dos seus gastos por meio de arrecadação própria. Já temos esse trabalho, mas isso não está sendo usufruído pela universidade. E isso não é questionado pelo Future-se.
No ano passado, esta Casa produziu um documento, o Estudos Estratégicos nº 11, que fala sobre o financiamento da universidade pública e coloca como uma das proposições a criação de uma PEC, o que tiraria esses recursos de arrecadação própria do teto. O Governo conseguiria aumentar efetivamente a nossa arrecadação apoiando, por exemplo, essa PEC aqui dentro. Isso resolveria significativamente essa questão.
De uma forma geral, o que nós percebemos no Future-se é que, de um lado, temos um desconhecimento muito grande da realidade de boa parte das universidades. Várias coisas que eles propõem como grandes novidades, na verdade, as universidades fazem há muito tempo. No caso da UnB, algumas das propostas tidas como muito inovadores acontecem há pelo menos 30 anos dentro da universidade, por exemplo, a criação de empresas, de incubadoras, programas de internacionalização.
Por outro lado, tem-se esse discurso, a batalha dos discursos sobre a desqualificação da universidade. O Future-se é apresentado, desde o seu nome, como o que projeta para a frente, o que é o moderno, enquanto as universidades que não aderirem a ele estarão abraçadas ao passado, ao conservadorismo, à manutenção de privilégios.
Então, nós estamos no meio de uma disputa narrativa muito forte. E as universidades precisam pensar na resposta ao Future-se no contexto dessa disputa de narrativa. Uma coisa que me preocupa, particularmente, é que precisamos propor coisas agora.
Eu acho que o Future-se tem sido bastante discutido. Não sabemos como é que vai ser agora, a partir da inclusão do que foi colocado na consulta pública que acabou agora no final deste mês, e ainda não temos informações sobre os seus resultados. Mas eu acho que a grande preocupação daqui para adiante é como responder e como apresentar propostas que realmente resolvam vários problemas que nós temos hoje na universidade, vários empecilhos que a universidade enfrenta, mas que não se parta dessa lógica de uma resposta imediatista ao mercado.
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Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, professora.
Passo a palavra à representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação — CNTE, a Sra. Rosilene Corrêa Lima.
A SRA. ROSILENE CORRÊA LIMA - Bom dia a todos e a todas. Bom dia aos que estão nos acompanhando. Quero cumprimentar a Deputada Erika Kokay e agradecer a oportunidade da participação da CNTE nesta Casa mais uma vez. Fazer um debate tão necessário... Acho que o País vive uma crise na educação, e essa crise tem razão de ser, é proposital, é um projeto. Então, é nossa obrigação mesmo fazer este debate. E que possamos contar com o Parlamento para reverter esse quadro.
É muito preocupante também quando olhamos aqui para dentro e vemos o quanto, infelizmente, nós temos Parlamentares comungando com esse projeto que está em curso e com os ataques à educação. Quando falamos do ataque à educação, vemos um crime sendo praticado. Ouvimos os relatos das universidades e dos institutos sobre os ataques, especialmente na área de pesquisa, e sobre a retirada de recursos. Isso é condenar as futuras gerações, é transformar o Brasil em um país que vai oferecer muito pouco. Do que nós estamos falando? Que sociedade, de fato, nós queremos ter? De que futuro nós estamos falando?
Com relação ao ensino superior, é imediato o efeito. E aí, Deputada Erika, existe a nossa preocupação também. A CNTE tem uma relação mais direta com a educação básica. É claro que temos alianças, parcerias e somos educação, mas o efeito para a educação superior é imediato, gritante. E todo mundo já está percebendo, porque as coisas acontecem imediatamente.
Na educação básica, também é extremamente delicada a situação, e o efeito é lento. Você vai tirando, e isso não é percebido de imediato. Mas o que estão tentando fazer — e isso vem acontecendo a cada dia — preocupa-nos muito pelo que está deixando de ser oferecido e o que deixará de ser oferecido às nossas crianças. De que profissionais, de que pessoas nós estamos falando aqui?
Quando se tem um currículo extremamente conservador, que é o que querem impor... E V.Exa. acompanhou conosco a luta que foi para aprovar o Plano Nacional de Educação, mas conseguimos sobreviver a tudo aquilo. É claro que não ficou exatamente como nós buscávamos, mas hoje aquilo que foi conquistado está sendo colocado na gaveta ou no lixo. Isso está acontecendo desde o currículo não só de financiamento, mas do currículo do que querem impor para ser trabalhado dentro da sala de aula, das limitações para transformar o nosso processo pedagógico, a nossa atuação pedagógica.
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Querem criminalizar a nossa ação pedagógica exatamente no tratamento de conteúdos que são extremamente necessários para a formação, para a cidadania. Isso acontece quando tratamos do combate ao racismo. Como é que vai se falar disso? Como é que vai se tratar o ensino religioso, falar das religiões? E hoje há uma tentativa de proibir isso ou, no mínimo, de inibir.
Quando vão tratar de sexualidade nas escolas, os professores são tachados de doutrinadores ou acusados de estarem incentivando as crianças a fazerem opções que não são aquelas que a família acha corretas. Diz-se que estão contrariando os seus princípios religiosos. Isso tudo é muito grave. Que cidadão e que cidadã essa escola vai formar? Isso sem falar na militarização, que é outro ataque à democracia, é uma tentativa de acabar com a gestão democrática, é uma tentativa, sim, de impor um novo modelo.
Aqui no Distrito Federal, nós estamos enfrentando isso. Mas não é privilégio do Distrito Federal. Outros Estados já têm ou estão ensaiando. É determinação do MEC ampliar a militarização nas escolas da rede pública, e essa também é uma forma de minar o trabalho dos profissionais em educação. Outro tipo de profissional é levado para dentro das escolas. Não é só a imposição da dita disciplina. É isto o que eles vendem para os pais, a oferta é de segurança e disciplina. E nós sabemos que não é exatamente essa a intenção. De que modelo de educação nós estamos falando que eles estão pretendendo?
Sobre o nosso Plano Nacional de Educação — ao que eu já me referi —, as metas estão sendo abandonadas. Antes nós tínhamos uma perspectiva de melhorias e de avanços com os royalties do petróleo, mas também estamos vendo tudo o que está sendo feito com as riquezas que poderiam ser destinadas à educação. E as OSs não são só para o ensino superior.
Aqui no Distrito Federal, isto também já está aprovado, mas o modelo é para ser seguido no Brasil inteiro. Em alguns Estados e Municípios, o processo já está bem avançado. Trata-se da ideia da privatização, que é uma coisa meio disfarçada. O prédio continua sendo público, o Estado acaba assumindo uma parte disso, mas a gestão... Eles querem atacar exatamente o modelo que nós temos. É preciso mudar isso! É essa a intenção, senão esse projeto não dá certo.
Então, a gestão precisa ser alterada. E, na lógica de que vou oferecer o melhor, porque o ataque tem sido feito ao serviço público, ao Estado, passa-se para a sociedade uma ideia de que o Estado não funciona bem, custa muito e não atende bem. Por isso, a sociedade aceita de bom grado que ele possa ser privatizado, que posso ser terceirizado. Ela não entende que, ao fazer isso, está se fragilizando e retirando o papel do Estado.
Então, o que está acontecendo é mesmo uma tentativa de invasão do Estado brasileiro, uma ocupação do Estado brasileiro e a omissão do Estado. Esse é fortemente o projeto do atual Governo.
O Governo Bolsonaro vem exatamente com o propósito de cortar. É muito doído ouvir na televisão, nos programas de rádio, nos noticiários que com isso vão ser cortados tantos milhões de gastos ou vão ser economizados tantos milhões, retirando o que para nós é investimento. E eles tratam isso, claramente, como gastos, como despesas. Então, temos a nossa velha luta de que a educação não é gasto, não é despesa, mas é investimento. Mais do que nunca, fica evidenciado que para eles é gasto.
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Estamos falando de uma parcela da população que depende do Estado. E é uma população que depois estará no mercado de trabalho, mas é um mercado de trabalho que também está sucateado. Com a reforma trabalhista, fomos colocados nessa submissão, no subemprego. Esse é o modelo.
A educação tem um papel estratégico, porque nós estamos diariamente em contato com uma grande parcela da população, não só de alunos, mas também dos seus familiares. Então, não é por acaso que eles atacam, estão atacando tão fortemente a educação. É preciso calar, é preciso silenciar a educação. Mas, por ser educadora, sei que não será tão fácil assim. Eu acho que temos uma tarefa que se diferencia, e por isso somos alvos. Por isso a educação foi escolhida para ser atacada. Eles sabem o que significa isso.
Ontem, eu conversava com um motorista de Uber. Ele teve oportunidade de ter um passageiro que é do Governo, e ele perguntou por que estão tirando tantos recursos das universidades. Ele estava preocupado, porque tem um filho. E a resposta foi: "É porque ali tem uma concentração de vermelhos, então é preciso eliminar. Sabemos que por aí se consegue avançar".
Hoje, existe uma condição de financiamento, e sabemos que sem financiamento não há como sustentar a qualidade. Sabemos que isso é estratégico. Mas existe uma coisa grave, que é essa imagem que querem implantar. Quem somos nós, professores e professoras, neste País? Estão tentando passar para a sociedade que nós somos ameaças. De repente, nós nos tornamos ameaças. Para isso, precisamos ter também uma estratégia de como fazer com que essa ideia que está se desenhando e tomando corpo não se sustente. Não há outro caminho, senão muito diálogo, muita resistência. É isso que já temos feito. Nossos atos têm sido exitosos ao mostrar a situação para a população, que começa a entender o que está em jogo. Há muita gente nas ruas nos atos que nós temos feito. Toda a educação, desde a educação infantil ao ensino superior, e especialmente os nossos estudantes, estão indo para as ruas. Eu acho que isso tem sido uma demonstração que nos enche de esperança de que dias melhores virão, porque a educação sempre sobreviverá. Paulo Freire já dizia que nós somos realmente pessoas da luta.
Estamos à disposição, Erika, para esse debate. Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Rosilene.
Passo a palavra ao Luis Antonio Pasquetti, que representa a ADUnB. Depois, nós vamos por videoconferência escutar a nossa outra convidada.
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O SR. LUIS ANTONIO PASQUETTI - Bom dia a todos.
Cumprimento a Deputada Erika Kokay, que é uma grande defensora da educação.
Parabenizo a Comissão de Legislação Participativa e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias por esta iniciativa.
Cumprimento também a minha colega de universidade, a Profa. Neuma, e a Rosilene, do CNTE. Nós temos realizado juntos várias manifestações, porque o momento assim exige.
Quero cumprimentar também o nosso colega Lima, que é Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília — SINTFUB, que está aqui representando os técnicos administrativos.
Como todos sabem, a ADUnB é o sindicato dos professores da UnB. Nós representamos lá 2.400 professores. Entendemos que nós estamos num momento ímpar e, talvez, sem precedentes na sociedade brasileira, para discutir a situação da educação no Brasil, como foi proposto aqui por estas duas Comissões. É ímpar porque a educação pública vem sofrendo nos últimos 8 meses um processo sistemático e deliberado de desconstrução, de desmonte, de destruição por parte daqueles que deveriam defendê-la. Esse processo de desconstrução, especialmente das universidades públicas, tomou forma no final do ano passado, quando uma enxurrada de fake news com conteúdos negativos e destrutivos foram lançados para a sociedade. Em seguida, ocorrem ataques que visam desmontar e destruir as instituições públicas de ensino superior, de ensino médio, as escolas do ensino básico. Ocorrem ações do MEC interferindo no processo democrático de escolha dos reitores, a proibição de determinados conteúdos nos livros didáticos, a tentativa de interferir na liberdade de cátedra dos professores, o desprezo às Ciências Humanas. São ataques deliberados que vêm do Ministério da Educação, o que é espantoso. Nós sabemos que a ciência, a tecnologia, enfim, o avanço da sociedade só é possível quando se reúne uma diversidade de conhecimentos, quando se consegue fazer a inter-relação, a interdisciplinaridade desse conhecimento.
Eu estava agora no Sete de Setembro, aqui na Esplanada, vendo a Esquadrilha da Fumaça, que é uma obra de engenharia interessante e extraordinária, que encanta todos pela tecnologia. Mas, desde o Grito dos Excluídos, onde estávamos, olhamos para o céu e questionamos quanto de Pedagogia têm esses aviões, quanto de Geografia, de História, de Administração. Ou seja, não se consegue fazer um produto altamente sofisticado com inserção e agregação de tecnologia sem levar em consideração tudo aquilo que foi investido desde o ensino básico. Sem Matemática, sem linguagem, sem as artes, não teríamos produtos sofisticados na sociedade como os que vemos.
No início deste Governo, foi substituído o Ministro da Educação, e a ênfase desse segundo Ministro são cortes orçamentários baseados em critérios subjetivos. Ele se refere constantemente às universidades de forma pejorativa, debochada e desrespeitosa. É um Ministro que desonra o cargo que ocupa, que se utiliza de ameaças, de brincadeiras de mau gosto, como a dança do guarda-chuva, ameaça aos estudantes, a ridicularização ou tentativa de ridicularizar Paulo Freire, patrono da educação brasileira, um intelectual respeitado no mundo todo e desprezado pelo atual staff do MEC e desse Governo.
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Acabou de sair o índice THE das melhores universidades do mundo. Recebi da Deputada Erika Kokay a informação de que 28 universidades federais constam desse ranking das melhores universidades brasileiras, 11 são estaduais e 7 são privadas. Isso demonstra que, de fato, a educação pública superior, de longe, é a melhor formação para a população brasileira, para o desenvolvimento nacional.
Então, em vez de defender a sua própria pasta, o MEC vai fundo nos cortes. O orçamento aprovado de 2019, que era de 122 bilhões, sofreu corte de 7,4 bilhões. Então, não foi efetivado. Nas universidades, o contingenciamento médio supera os 30%. A grande maioria das universidades não tem como concluir o segundo semestre deste ano. Persistindo essa situação, para 2020 o cenário é pior. O orçamento foi reduzido de 122 bilhões para 101 bilhões. E a previsão de cortes nas universidades federais se mantém. Nas três maiores universidades, como UnB, UFRJ, UFMG, a perda será de 24% nas despesas discricionárias.
E o que faz o Ministro? Ele continua com seu sarcasmo, sórdido, infantilizado, dizendo que os recursos serão alocados para a educação básica. E tão bem falou aqui a Rosilene, da CNTE. Não é verdade que o dinheiro está sendo investido na educação básica, porque o orçamento de 2020 vai aplicar apenas 1% a mais e vai cortar 400 milhões da área de infraestrutura da educação básica. Então, não há uma realocação de recursos de um nível para outro. O que há é um corte transversal nas ações mais importantes do MEC.
No entanto, está havendo reação, resistência e indignação por parte da sociedade, de maneira geral. Temos tido apoio de muitos segmentos da sociedade, que têm levado milhares de estudantes, professores, técnicos administrativos para os protestos de rua em diferentes edições: 8 de março, junto com a comemoração do Dia Internacional da Mulher; 15 de maio; 30 de maio; 12 de junho, a greve geral; 12 de julho, com a UNE e as organizações estudantis; 13 de agosto.
Ao mesmo tempo, constatamos que há um clima de tristeza, de perplexidade e desânimo nas universidades. Nós temos visto, ouvido e sentido dos pais, dos professores e dos estudantes sinais de preocupação, porque eles temem não se formar, eles temem não conseguir completar a sua graduação, seguir seus sonhos, seus projetos de vida. Muitos deles são os primeiros da família a entrar na universidade e se perguntam: "E o meu irmão, o meu vizinho e os nossos colegas terão essas mesmas oportunidades?" Então, há um clima bastante preocupante, Deputada, com as pessoas em relação ao seu futuro na educação pública.
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E as notícias não são nada animadoras, porque, no caso da pesquisa, a CAPES cortou 11 mil bolsas, e o Ministro anunciou um corte de mais 5.613 bolsas. O CNPq tem sofrido uma perda orçamentária significativa. E são duas instituições de ponta da pesquisa e da educação brasileira, criadas em 1951. Elas completam 68 anos neste ano, sem saber como terminar este ano.
A ciência e a pesquisa são fundamentais para o desenvolvimento de um país soberano, que controla suas riquezas, seus recursos naturais, seu potencial ainda inexplorado. E nós temos experiências significativas na história brasileira dessas instituições. Quando nós tivemos um grande surto de febre amarela e problemas sanitários no Rio de Janeiro, especialmente, foi criada a FIOCRUZ, que é uma referência nessa área. No caso de petróleo e energia, foi desenvolvida a PETROBRAS; aço e metalurgia, a CSN. A EMBRAER foi criada depois da percepção de que, após a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, precisávamos desenvolver tecnologia nessa direção. A EMBRAPA foi desenvolvida para ampliar e diversificar a produção de agropecuária de maneira geral. E o que vemos? Os grandes e prestigiados institutos, como o IBGE, IPEA, INPA, ITA, sofrendo interferências e ataques.
Em relação ao futuro, vou, sim, corroborar as palavras aqui tão bem ditas pela Profa. Neuma. Nós fizemos uma assembleia unificada dos três segmentos da UnB e nos posicionamos contrários a esse programa. A maioria das universidades já disse não ao Future-se em suas assembleias também, com base nesses estudos, nas assessorias jurídicas.
Nós vamos continuar na defesa de uma educação pública gratuita e de qualidade, socialmente referenciada. Nós resistiremos contra esse Ministro destruidor de sonhos.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigado, Luis Antonio Pasquetti.
Eu queria registra a presença do Deputado Célio Moura, que é do PT de Tocantins. É um prazer tê-lo aqui. Quero dizer que o senhor, na hora em que quiser fazer uso da palavra, terá a prevalência prevista no Regimento.
Vou passar a palavra agora para a Débora Cristina Goulart, que está conosco por meio de videoconferência.
Débora, você nos escuta? Nós estamos sem áudio. (Pausa.)
(Segue-se participação por videoconferência.)
A SRA. DÉBORA CRISTINA GOULART - Eu tinha tirado o microfone.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Está nos escutando? Tudo bem agora?
A SRA. DÉBORA CRISTINA GOULART - Sim.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agora nós te escutamos também.
Então, nós estamos nesta audiência pública sobre a situação da educação no Brasil para elaborar diagnósticos e contribuir com a construção de um relatório que será entregue pela Comissão de Direitos Humanos ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Esta é uma audiência que conta também com a Comissão de Legislação de Participativa.
Queria que você participasse desta discussão e fizesse suas considerações.
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(Segue-se participação por videoconferência.)
A SRA. DÉBORA CRISTINA GOULART - Obrigada. Bom dia a todos e a todas. Agradeço à Deputada Erika Kokay pelo convite e a parabenizo pela iniciativa desta audiência pública, sobretudo neste momento. Nos últimos meses, esse é um tema candente no Brasil.
A minha contribuição aqui é tentar, a partir do que temos estudado na universidade — sou professora da Universidade Federal de São Paulo — UNIFESP, no campus de humanas de Guarulhos — e também dos estudos que temos realizado no grupo que se chama Rede Escola Pública e Universidade... São professores das escolas, das universidades públicas e do Instituto Federal de São Paulo, junto com professores das redes públicas daqui do Estado também.
Então, a tentativa é falar um pouco sobre esse processo que temos verificado sobretudo a partir do ensino médio. Eu queria destacar isso, porque é uma etapa da escolaridade que justamente faz a relação entre o ensino fundamental e o ensino superior. E a nossa leitura é de que os últimos acontecimentos, do ponto de vista legislativo e de política educacional para o ensino médio, impactam não só na continuidade do ensino fundamental como também na entrada no ensino superior. Eu vou tentar falar um pouco sobre como é que isso tem acontecido.
Não vou discorrer aqui sobre os elementos legais que dizem respeito ao acesso à educação: a Constituição Federal e a Emenda Constitucional nº 59, de 2009, que amplia a educação básica desde a educação infantil até o ensino médio, ou seja, expande a possibilidade de os estudantes passarem por todas as etapas da escolarização entendidas como uma escolarização básica.
Quero jogar um pouco de luz para pensarmos sobre a última reforma, que é a reforma do ensino médio. Primeiro, temos que pensar o seguinte: em 2009, a partir da emenda constitucional, tenta se garantir que os programas suplementares de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde sejam estendidos para o ensino médio como parte do ensino básico. O Plano Nacional de Educação também vai além com a tentativa de universalizar, até 2016, o atendimento dessa população de 15 a 17 anos, aumentando a taxa líquida de matrícula para 85%. O que isso significa? Significa que até 85% dos jovens na idade de 15 a 17 anos estejam cursando o ensino médio. Esse é um dado importante, porque, no Brasil, o ensino médio ainda é um gargalo. O que nós avaliamos é que ele vai se tornar muito pior, daqui para a frente, com a implementação da reforma do ensino médio. E isso tem relação com o processo de ataques que as universidades têm sofrido.
Então, temos que pensar o sistema educacional não como um fragmento, que é uma coisa que o Governo tem feito: a educação superior contra a educação básica ou a educação básica sendo privilegiada em relação à educação superior. Mas nós só conseguimos pensar a educação como um processo integrado que vai da infância até a vida adulta. Não dá para pensar desse ponto de vista separado. É isso o que eu estou tentando mostrar.
Em 1991, por exemplo, nós tínhamos 3,7 milhões de matrículas; em 2004, 9 milhões; e, em 2014, o número cai para 8,3 milhões. Em 2018 — todos os dados são do Censo Escolar —, chegamos a 7,7 milhões de matrículas. Isso significa uma queda, em relação ao ano anterior, de 500 mil matrículas no ensino médio. Ao mesmo tempo, temos uma ampliação da matrícula do ponto de vista da taxa de matrícula líquida, ou seja, mais jovens na idade de 15 a 17 anos estão no ensino médio.
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E, para pensarmos qual é o tamanho da rede pública entre esses jovens, quanto a rede pública atende, temos, a partir do Censo de 2018, 87,9% dos jovens brasileiros atendidos na rede pública. Por que estou frisando esse dado? Para entendermos que só é possível pensar a formação do jovem no Brasil a partir da rede pública. Ela é esmagadoramente responsável pela formação desse jovem. O que acontece? Ao mesmo tempo, temos em 2018, nos últimos 5 anos, um crescimento do número de jovens que não trabalham, não estudam e não têm qualificação.
Como esse quadro encontra a reforma do ensino médio? Primeiro, ela foi realizada via de MP. Aí eu quero chamar a atenção para o fato de que essa história se repete agora com a tentativa do MEC de fazer o Future-se via MP novamente. O Governo tem usado esse instrumento com o argumento de que a questão é absolutamente candente, necessária e urgente, então não é possível esperar, ou seja, o Governo, melhor do que ninguém, melhor do que a própria sociedade, sabe o que é melhor e, portanto, faz isso via MP. Então esse argumento está sendo usado novamente.
O que a Lei nº 13.415, de 2017, a reforma do ensino médio, coloca? Primeiro, esse já era um tema controverso. O Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio já vinha questionando uma proposta de reforma do ensino médio que vinha de 2015 e 2016. O ponto fundamental que eu quero destacar aqui é a subordinação do ensino médio como um direito, e, com a extensão da obrigatoriedade do direito a uma formação integral que possibilite que os estudantes tenham conhecimento de todas as áreas do conhecimento no ensino médio, ou seja, um ensino médio universalizante, isso vai ser atacado diretamente pela reforma do ensino médio.
Como isso acontece? Pela ruptura de um lado com uma BNCC — vou falar daqui a pouco qual é o ponto fundamental que quero destacar; não é possível falar tudo, mas quero destacar um ponto fundamental — e a possibilidade da divisão em percursos formativos. Qual é a grande questão que se coloca aí? Primeiro, se temos o ensino médio de 3 anos, temos 2.400 horas de um ensino universalizante, que atinge a todos e que possibilita a continuidade dos estudos ou a vida laboral após o ensino médio. A BNCC vai atingir apenas 1.800 horas. Depois disso, os estudantes vão para os percursos formativos.
Qual é a questão? Primeiro, diminui-se a formação geral de todos os estudantes. Segundo, a reforma possibilita que os sistemas de ensino, as secretarias de educação estaduais escolham os percursos formativos que elas vão oferecer. A lei sequer obriga que os sistemas de ensino ofereçam os cinco percursos formativos. Elas têm que oferecer pelo menos dois. Essa é outra questão. Aí já se começa a perceber a fragmentação do ensino médio.
Um estudante que for fazer ciências humanas — essa é uma escolha absolutamente precoce, porque, com 16 anos, ele tem que decidir a carreira que quer seguir ou o caminho de trabalho que quer seguir — posteriormente vai ter que prestar o ENEM ou o vestibular. Ele vai ser impedido, por conta dos conhecimentos que não tem, se mudar de ideia e escolher uma carreira de saúde. Isso implica ter que voltar para o ensino médio ou ter que fazer cursinho por fora do sistema público. Ou seja, para as famílias mais pobres, para as famílias das regiões de maior vulnerabilidade, o ensino médio, portanto, vai ser apenas uma parcela da sua formação que o impede de chegar ao ensino superior. A segunda questão que eu gostaria de colocar é que, segundo o IBGE, cerca de 3 mil Municípios no País têm apenas uma escola de ensino médio. Portanto, todos os cinco percursos formativos não serão oferecidos na mesma escola, o que implica que custos de transporte vão recair sobre a família. Esse processo já vem acontecendo. Inclusive foi isso que levou os estudantes das escolas públicas estaduais a ocuparem as escolas, um processo de organização que faria justamente com que eles tivessem que se deslocar de uma escola a outra, porque os ciclos seriam mudados de escola, ou seja, haveria escola só de ensino fundamental e escola só de ensino médio, o que impossibilitaria que o estudante estudasse no seu próprio bairro.
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Como é que a medida ameniza isso? Ela ameniza isso dizendo, por exemplo, e eu vou citar, que "os conteúdos, metodologias e formas de avaliação podem ser realizados por provas, seminários, projetos e atividades on-line" e que essas atividades on-line podem ser realizadas a partir de convênios com instituições de notório reconhecimento de educação a distância. Ou seja, o que estamos fazendo é colocar para o ensino médio algo que o ensino superior privado já fez nos anos 2000, que é substituir a formação presencial, a troca nas relações escolares, o pertencimento e as relações próximas, que constituem o processo educacional, por uma educação on-line. Ou seja, recoloca novamente sobre as famílias o custo tanto do material quanto do acesso, e isso torna-se um problema, novamente, para as famílias mais pobres.
Para poder avançar, eu queria colocar o seguinte, com relação à BNCC, para não me estender demais. A BNCC do ensino médio, para terem uma ideia, coloca a palavra "gênero" apenas uma única vez na área de ciências humanas. Ela trata de gêneros textuais na área de linguagem, mas em ciências humanas fala uma única vez — por exemplo, diz que "os estudantes precisam ter noção de temporalidade, espacialidade e diversidade (de gênero, religião e tradições étnicas)". Significa, portanto, que o tema de gênero não tem qualquer importância na BNCC.
E eu quero dar um dado, que saiu exatamente esta semana, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Nós tivemos, no ano de 2018, o maior número de estupros no Brasil. São 66 mil estupros, sendo que 81,8% das vítimas são mulheres e 53,5% desses estupros ocorreram com meninas de até 13 anos. Significa, portanto, que, quando a educação não atende a elementos fundamentais e necessários para a sociedade e ela se submete exclusivamente aos interesses do mercado de trabalho, ou seja, à formação flexível do mercado, que já é precarizado no Brasil, nós perdemos a possibilidade de discutir elementos que não são simplesmente da formação humana, que não dizem respeito só à possibilidade de introdução na vida laboral. Nós estamos falando da sobrevivência e da vida de mulheres e de crianças que poderiam, sim, compreender elementos que seriam provavelmente passíveis de denúncia antes do acontecido. Eu estou dizendo isso porque, em 76% dos estupros que acontecem, as vítimas são vítimas de pessoas conhecidas, ou seja, não se trata de uma pessoa que as abordou na rua, mas, infelizmente, de pessoas conhecidas. Para pensar as escolas hoje é preciso pensar a universalização, a obrigatoriedade, a qualidade e, sobretudo, o financiamento. Quando olhamos para as escolas, dizemos que as boas escolas no Brasil, em geral, são as que têm boa infraestrutura, como é o caso dos Institutos Federais, que são os que estão sendo mais atacados com os cortes; são as que têm professores com boa formação, com carreira, com dedicação, com boa remuneração e com a possibilidade de uma relação mais íntima e democrática com as comunidades. Discutem-se as necessidades dessas comunidades e da própria sociedade por meio dos currículos que são postos em ação por esses profissionais que são bem formados e, portanto, podem fazer com que esses estudantes não só tenham uma formação melhor para que tenham continuidade nos estudos mas também para que possam ter uma atuação social mais concreta e mais ampliada.
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Então, quero chamar a atenção para que a reforma do ensino médio coloca para nós um elemento que é barrar os estudantes antes que eles pressionem pelo acesso às universidades públicas. Há uma articulação entre o Future-se e a reforma do ensino médio que tem como elemento as fundações empresariais e os fundos de investimento na educação. Nós estamos dizendo que não há só os ultraconservadores ou os reacionários com uma pauta moral. Há também um processo de "mercadorização" da educação, que passa tanto pela universidade pública hoje quanto pelo sistema básico de educação. Eu acho que temos que pensar esse conjunto de maneira articulada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada pela contribuição, Profa. Débora Cristina Goulart. Nós contamos com a sua participação.
Agora nós vamos abrir a palavra para ver se alguém que está conosco quer dela fazer uso.
Terá a palavra o Deputado Célio Moura, e, em seguida, nós a devolveremos à Mesa, para as suas considerações finais.
Concedo a palavra ao Deputado Célio Moura, do PT de Tocantins.
O SR. CÉLIO MOURA (PT - TO) - Deputada Erika Kokay, quero parabenizá-la por esta audiência pública tão importante sobre a situação da educação no Brasil.
Eu, que moro num Estado da Amazônia, tenho a preocupação muito mais com a formação das escolas agrícolas que existem naquela região. No Estado de Tocantins, por exemplo, Deputada Erika Kokay, temos sete escolas de famílias agrícolas que estão na iminência de ser fechadas por falta de recursos. Até 220 alunos por escola as frequentam em tempo integral. Elas têm tido um papel muito importante, principalmente na região mais carente, porque elas geralmente estão localizadas em regiões mais longínquas e em regiões estratégicas, porque atendem a agricultura familiar.
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Então, dado os cortes na educação em todos os sentidos, nós estamos vendo o perigo que é o corte de recursos nessas escolas no Estado de Tocantins.
Gostaria de parabenizar todos os debatedores, os representantes da UnB, a representante do CNTE e a Profa. Neuma Rodrigues. Quero dizer da minha satisfação de ver que o Congresso Nacional está preocupado com a situação da educação, principalmente a Deputada Erika Kokay, que é uma Parlamentar vigilante nesta Casa, ela que é da UnB, uma mulher que conhece a educação como poucos no País e tem manifestado preocupação com um tema tão importante, que é a situação da educação no Brasil, no que diz respeito aos cortes de recursos que têm nos causado aflição.
Parabenizo V.Exa. pela audiência pública e todos os debatedores.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputado Célio Moura.
Nós vamos seguir a mesma ordem por 3 minutos.
Passo a palavra para a Sra. Neuma Rodrigues, Diretora do Departamento de História da UnB, por 3 minutos. Em seguida falarão a Sra. Rosilene, o Sr. Luis Antonio Pasquetti e a Sra. Débora Cristina Goulart, que falará por meio de videoconferência.
A SRA. NEUMA RODRIGUES - Sem dúvida alguma, uma questão que perpassa toda esta discussão, como foi colocada pela Goulart, é a questão da mercantilização. Ela falou dos fundos de investimento que hoje estão dominando, estão cada vez mais ocupando espaços na educação básica. E isso é um dos princípios do Future-se. Todo esse recurso chegaria às universidades via fundos de investimentos, montados em parte por imóveis das próprias IFES. Ao aderir ao Future-se, a IFES se comprometeria a entregar os imóveis. O que nos causa muito desconforto, particularmente no caso da Universidade de Brasília, é que, no caso desse fundo ser dissolvido, esses imóveis seriam transferidos para o MEC e não voltariam, segundo a proposta, para as IFES.
Então, essa é uma questão que perpassa tudo e tem a ver com todos esses debates, com todas as falas, como foi comentado aqui, do nosso Ministro. Em entrevista, no dia 13 de julho para a Rádio Gaúcha, logo depois que o Future-se foi apresentado e estava sendo discutido, ele afirma basicamente que não pretende fazer a cobrança de mensalidades nas universidades, mas com relação à autonomia para as universidades teria uma reposta mais eficiente.
Na avaliação do Ministro, a lógica é que, a partir de um cálculo — e são falados muitos números, mas não sei qual é a origem desses números, pois não há um estudo técnico que mostre isso —, se a graduação de um aluno na universidade federal é, em média, 450 mil reais, enquanto nas faculdades particulares do País o custo de uma graduação não chega à metade disso, então, seria muito mais interessante para o Governo entregar um cheque de 300 mil a um jovem para se formar onde ele quiser. Então, essa é a lógica, ou seja, pensar na educação como um gasto e uma forma de tirar essa responsabilidade do poder público e passar para a iniciativa privada, a partir do financiamento dos vouchers e outras políticas. Ele falou isso explicitamente na entrevista do dia 30 de julho à Rádio Gaúcha.
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Então, isso perpassa tudo. E, sem dúvida alguma, são formas que também respondem a essa pauta de costumes e a uma pauta autoritária. Por isso, nós das ciências humanas estamos particularmente preocupados, porque, sem dúvida, essa medida é uma forma de diminuir ainda mais os investimentos nessas áreas e ignorar o papel que essas áreas desempenham na elaboração de políticas públicas, de questionamentos sobre a nossa sociedade, sobre propostas sérias.
O Presidente da CAPES foi à UnB neste mês e revelou, com muita surpresa, que a UnB é uma das poucas universidades em que os programas de pós-graduação na área de ciências humanas são mais bem avaliados que na área de ciências exatas e que isso é raro. Isso ocorre justamente por que nós estamos em comunicação com a sociedade. Nós somos uma cidade administrativa e política e respondemos às demandas dessa realidade.
Então, nós da área de ciências humanas estamos muito temerosos, porque, sem dúvida alguma, ao limitar os recursos, há possibilidade de limitar a capacidade de pesquisa das nossas áreas.
Por fim, agradeço o convite. Acho que, sem dúvida, o Parlamento hoje é o nosso grande aliado. É uma forma de trazermos aqui as nossas ansiedades, de sentarmos à mesa e construirmos propostas alternativas. Afinal de contas, estamos aqui, conhecemos as questões, temos condições de debater o tema e propor mudanças significativas que permitam a manutenção da oferta de um ensino público de qualidade em nosso País.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Profa. Neuma Rodrigues.
Passo a palavra para a Profa. Rosilene Lima, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação — CNTE.
A SRA. ROSILENE CORRÊA LIMA - Acho que, de todas as intervenções, fica muito claro aqui que o que está posto é a intenção da privatização da educação. É esse o modelo que está aí, ou seja, a educação como mercadoria que agrada a muitos. Por que agrada a muitos? Porque, além de ser uma boa mercadoria no sentido do interesse econômico, há muitas empresas e pessoas que têm soluções para a educação no Brasil. Há tantas organizações que apresentam receitas para salvar a educação, para tudo dar certo, para ter uma educação tão desejada, que é impressionante. É incrível como todo mundo tem solução para a educação. E essa solução é sempre para tirar a responsabilidade do Estado para que outros a assumam. E, ao assumir essa responsabilidade, eles ganham muito dinheiro. Então, é a utilização do recurso público para fazer a educação.
A meu ver, tem algo que é mais grave ainda do que a utilização dos nossos recursos. Que conteúdo, que formação estão oferecendo e querem oferecer ainda mais? Para mim esse é o maior crime, além dos recursos. E formar para quê? Para quem? Para fazer o quê? Que sociedade eu quero? Quem eu quero colocar nessa sociedade? Então, eu preciso mexer na cabeça dessas pessoas, na formação desses trabalhadores em educação, para que esse trabalhador saiba que educação vai oferecer na sala de aula e da sua condição de submissão no mercado de trabalho, que a educação tem que ser vista como um subemprego e que não precisa ter bons salários.
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Nós estamos vivendo um retrocesso com relação ao Plano Nacional de Educação e com a lei do piso, que prevê carreiras. Porém, em alguns Municípios e Estados, ainda há carreiras muito precárias. E vivemos esse retrocesso, com o FUNDEB sob ameaça. Perder o FUNDEB significa uma ameaça tremenda ao Piso Nacional, que foi um grande avanço, embora ainda seja algo muito tímido, muito distante do que nós podemos ter, mas é a mínimo garantia que temos. Isso fez toda a mudança na vida dos trabalhadores em educação e, portanto, dos alunos, da sociedade.
O nosso grande desafio... Eu queria destacar algumas coisas. Foi muito feliz a Débora, ao destacar a reforma do ensino médio, porque isso é um crime à nossa juventude. Nós precisamos revogar essa reforma. O BNCC é um ataque à democracia, é um retrocesso, é um conservadorismo, é um conteúdo todo proibitivo — realmente é a coisa da criminalização.
O tempo é curto, mas eu tenho aqui uma listinha de tarefas que deveríamos ter como as mais urgentes para revogarmos, porém a PEC 95 é a grande luta. Acho que tudo começou ali. A semente foi esse congelamento. Nós não podemos permitir que acabem com a vinculação, senão ficaremos realmente numa condição ainda mais problemática.
Então, acho que nós vamos ter que atacar fortemente esse tema aqui dentro para que isso de fato não aconteça, para que a Constituição seja preservada.
Mais do que nunca, temos que estar com Paulo Freire entre nós, vivo, o tempo todo. Ele dizia: "Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo".
Eu fico pensando: de que mundo nós estamos falando? Como é que nos educamos, entre nós, e esse povo que está aí, com esse mundo que tentam nos oferecer? Mas esse mundo é nosso. Por isso, pessoas do bem é que prevalecerão.
Muito obrigada, Deputada Erika.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Rosilene.
Passo a palavra para o Luis Antonio Pasquetti, Presidente da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília — ADUnB.
O SR. LUIS ANTONIO PASQUETTI - De fato, esse debate é fundamental.
Quero parabenizar a Deputada Federal Erika Kokay, que tem marcado presença, compromisso constante não só na Universidade de Brasília mas também no Distrito Federal e em âmbito nacional, em defesa da educação pública brasileira.
Penso que cada um de nós — os Parlamentares, os professores, os cidadãos —, nos cargos que ocupamos, seja no sindicato, seja na confederação, precisamos trazer para nós a responsabilidade da defesa da educação pública brasileira.
Esse é um momento histórico fundamental, porque, se perdermos o que foi conquistado ao longo de muitas décadas, com muitas lutas, nós levaremos algumas gerações para recuperar o que foi perdido.
O Chile é exemplo do retorno da educação pública superior gratuita. Lá aconteceu isso há uns 30, 20 anos. Foi quase tudo privatizado, e a sociedade percebeu o erro que os governos cometeram nessa lógica de pensar a educação apenas do ponto de vista mercantilista. E, agora, ela foi retomada.
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Então, nós nos posicionamos contra essa política adotada atualmente pelo MEC e essa forma de tratamento aos professores, aos reitores, à educação de maneira geral, com estes três conceitos com os quais trabalham tão bem contra a educação: a desconstrução, o desmonte e a destruição.
Nós vamos resistir.
Obrigado pelo convite.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nós vamos chamar mais uma vez a Profa. Débora Cristina Goulart, representante da Rede Escola Pública e Universidade, para que possa participar.
Está nos escutando?
A SRA. DÉBORA CRISTINA GOULART - Sim, ouço.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Passo a palavra à senhora, para fazer suas considerações finais.
(Segue-se participação por videoconferência.)
A SRA. DÉBORA CRISTINA GOULART - Obrigada, Deputada Erika.
Quero agradecer também por partilhar este momento com os colegas que fazem parte dessa Mesa.
Para finalizar, eu queria chamar a atenção e insistir em dois argumentos: um deles é a fragmentação do sistema público de educação. Isso vem acontecendo nos vários níveis, seja com as creches conveniadas, que não deixam de ser creches públicas, mas passam para uma gestão privada; seja por via das OSs, como foi citado no caso do Distrito Federal; seja no caso da reforma do ensino médio, com a possibilidade de que uma parte do currículo seja feita com atividades online; seja pela forma como as escolas de tempo integral funcionam, em alguns Estados, onde têm sido usadas como vitrine de uma escola que tem bons resultados. É como se o IDEB, por exemplo, mostrasse o único índice possível de qualidade da educação, quando sabemos que educação é muito mais do que a realização de provas.
Eu quero chamar a atenção por que isso acaba acontecendo. É que nessas escolas há a impossibilidade de famílias de jovens trabalhadores estarem ali, porque os períodos noturnos são fechados. E, como não há programas suplementares para manutenção das famílias dos estudantes mais pobres, elas não conseguem permanecer nessas escolas.
Então, o que há é a criação de um nicho de escolas que têm um resultado e, por isso, acabam virando vitrine disso.
As escolas cívico-militares entram nesse projeto também, ou seja, vão ser colocadas como escolas que terão bons resultados, mas, nesse caso, não pela via da pressão da competitividade interna e externa das escolas, mas pela via da disciplinarização, que considero ainda pior.
E o mesmo movimento acontece também nas universidades. Quando a CAPES diz que vai devolver as bolsas — uma pequena parcela, diga-se de passagem — para programas de autoavaliação, ela está intensificando a competição interna nas universidades. Competição pelo quê? Pelas publicações. Os programas que ainda não conseguiram atingir as autoavaliações serão descartados.
Ao mesmo tempo, o Future-se também se dirige dessa maneira às universidades. Aquelas que têm condições de buscar, externamente, financiamento, ótimo. Aquelas que não tiverem vão sofrer à míngua, até que os próprios reitores, até que a própria comunidade universitária praticamente peça para que venha cobrança da mensalidade para que possa continuar existindo. Então, esse é um processo que vai minando por dentro também o processo de resistência.
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Então, eu considero que este é um momento importante para termos uma unidade em torno da questão educacional, da defesa da escola pública gratuita laica estatal, porque isso coloca do nosso lado a população, que sabe e tem na escola uma possibilidade de formação de seus filhos, de si própria, das famílias, inclusive pela via da educação de jovens e adultos, e para não fazermos essa luta de modo que pareça ser algo corporativo, que os professores estão defendendo seus empregos. Na verdade, eu acho que este ainda é o momento em que temos uma unidade em torno da existência da escola, da existência da universidade. Não podemos perder este momento, para que a sociedade venha conosco, como tem respondido positivamente aos nossos chamados, às nossas parcerias e à nossa forma de trabalhar, que sempre considera essa unidade muito importante.
Então, quero novamente agradecer a oportunidade de trazer os estudos que temos feito e a nossa atuação junto às escolas públicas e também à universidade.
Espero que façamos outros encontros e que o relatório tenha um bom recebimento.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu queria muito agradecer à Débora Cristina Goulart, à Neuma Rodrigues, à Rosilene Corrêa Lima e ao Luis Antonio Pasquetti.
Nós recebemos uma pergunta pelo e-Democracia. Em verdade, ela já foi de certa forma respondida, mas nós vamos entregá-la aos nossos participantes, para que, se quiserem, possam também responder com mais detalhamento.
O João Rodrigues Rosa Neto pergunta: "Diante de tantos ataques aos direitos e conquistas sociais — educação pública, SUS, SUAS, Conselhos, etc. —, o que as entidades propõem como forma de luta?"
Então, fica a pergunta, para que — nós vamos passar o endereçamento —, se vocês quiserem... De certa forma, as falas já foram feitas na perspectiva de tentar estabelecer respostas, que são sempre construídas, e não acabadas. Elas estão sempre em construção e têm que ser tecidas coletivamente, porque as grandes respostas, mais perenes, mais transformadoras, são dadas sempre na condição de sujeito coletivo. Então, nós temos uma destruição da condição de sujeito, que é uma destruição da nossa própria humanidade, e também a eliminação de espaços de construção da condição de sujeito coletivo, que se dá a partir das nossas incompletudes, do reconhecimento delas e a partir dos movimentos que se criam na perspectiva de transformação.
Por isso penso que o ataque à educação tem também essa perspectiva. Nós já não temos praças, nós já não temos noites, porque há uma cultura do medo estabelecida e um nível de violência que está muito seletivo. No último mapa que nós conseguimos obter, o último diagnóstico da violência no Brasil, de 2018, indica que houve um aumento da violência contra e dos assassinatos da população LGBT e que houve um aumento da violência sexual. Como foi dito pela professora, essa violência sexual atinge mais de 80% do gênero feminino e mais de 50% das pessoas até 13 anos de idade.
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O quadro no Brasil aponta que, a cada 1 hora, 4 pessoas com até 13 anos de idade são vítimas de violência sexual. Nós sabemos que houve um aumento dos casos de estupro, mas apenas por volta de 10% são notificados. Havia um patamar por volta de 50 mil casos; agora, mais de 60 mil. Se for verdadeiro esse indicativo de que só 10% são notificados, há por volta de 600 mil estupros no Brasil todos os anos. Muitas vezes, é um estupro que é sentido e que é silenciado, porque as pessoas se sentem vítimas, são culpabilizadas. Perguntam-se por que estavam naquele lugar naquela hora; por que estavam com essas roupas.
Houve por parte do próprio Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos alguma coisa apontando uma relação entre a não utilização de calcinhas pelas meninas e a violência sexual que existe naquela área que atinge as crianças e adolescentes de forma muito cruel. Nós já tivemos a oportunidade de estar ali na região de Breves, onde nós vamos ver que o nível de exploração sexual adquire patamares de rompimento de qualquer nível de dignidade não apenas daquelas meninas, mas de toda a sociedade.
Penso que o ataque à educação é porque ela tem capilaridade, tem possibilidade de diálogo de pessoas inteiras, em que não se lida apenas com um sintoma. Lida-se com pessoas. E quando se começa a trabalhar o rompimento da educação presencial, nós vamos tirar o sentido da própria educação, que não é só a transmissão de conteúdo, mas também é o diálogo entre pessoas, é o exercício da alteridade, a vivência da diversidade, e o Governo Federal quer eliminar toda diversidade como instrumento natural de reconhecimento imprescindível da nossa própria humanidade.
Então, a educação tem um ataque doloso, ao meu ver. Não é apenas uma questão de ajuste fiscal, é um ataque doloso. Precisamos percebemos que, sem educação, não há soberania, e que, se o conhecimento não for plural, não é conhecimento, porque todo conteúdo tem que ter estranhado, tem que passar por um critério da dúvida, para que ele possa ser esmiuçado, para que nós possamos exercer essa condição antropofágica de o conteúdo ser digerido, ser transformado e, a partir daí, construir o desenvolvimento da Inteligência humana. Nós sempre corremos muitos riscos.
Nós tivemos aqui numa audiência acerca da diminuição das bolsas do CAPS e também do CNPq. O CNPq não é contingenciamento, ele é uma crônica de uma tragédia anunciada porque tinha um déficit orçamentário de mais de 300 milhões de reais, que estava posto desde o primeiro momento. E nós fizemos um acordo aqui para descontingenciar os recursos das universidades e, ao mesmo tempo, para suplementar orçamentariamente o CNPq em função de um projeto que estava em discussão de um crédito que o Governo precisava para assegurar a manutenção da própria máquina, e o Governo não cumpriu. Não descontingenciou o conjunto dos recursos das universidades, e o cruel é que essa lógica de mercantilização que perpassou todas as falas é uma lógica que vem do ensino médio, da reforma do ensino médio, da educação básica que querem impor, e da própria universidade. Nessa audiência sobre o CNPq, um Parlamentar disse o seguinte: "Não. A gente defende a pesquisa, desde que ela se traduza em produtividade". Ou seja, a pesquisa que o Brasil tem que apoiar, segundo esse Parlamentar, é a pesquisa que irá resultar em aumento de produtividade. Então, é um critério monetário, é uma monetarização ou uma bancarização, utilizando um termo de Paulo Freire, na própria educação. Portanto, a educação tem que ser bancarizada.
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O Future-se é isso. Mas o ensino médio também é isso. Então, é a destruição de espaços onde se pode ter uma política de qualidade, uma estrutura de qualidade, como os institutos federais, que têm qualidade nas estruturas. Entra-se e rompe-se uma lógica que perpassou o Brasil tantas vezes, em que se diz que é política pobre para o povo pobre, para que ele não esqueça nunca que é pobre e para que ele permaneça pobre. O instituto federal rompe isso e traz estruturas de qualidade, profissionais capacitados para que se possa construir outro processo de elevação da consciência crítica e da condição de sujeito.
Eu me lembro de uma fala do Prof. José Geraldo que falava em verdade, citando um trecho de Rubem Alves. A história de Pinóquio é a transformação do boneco de pau, do marionete, em uma pessoa. O que Rubem Alves dizia é que nós estamos vendo o inverso: a transformação de pessoas em marionetes ou em bonecos de pau. É a mercantilização dos sentimentos, dos corpos, da água, da energia, do saber, é a mercantilização da educação. Esse processo de mercantilização vai perpassar o conjunto da atuação de um Governo que tem a intenção dolosa de desconstruir a educação.
Nós vamos acrescentar ao relatório as ideias que aqui surgiram. Nós queremos fazer essa denúncia do nível de violação de direitos que nós estamos sofrendo aqui no Brasil, que vai se expressar de várias formas possíveis. Mas, como eu disse, talvez assim, se as políticas públicas são enganchadas umas nas outras, porque os direitos os são; não há uma política pública que exista de forma solitária, como os direitos também não sobrevivem de forma solitária. Os nossos direitos não são ermitões. Eles são gregários, são grudados uns nos outros. Nós temos talvez uma das políticas públicas mais basilares e mais importantes para o conjunto de outras políticas públicas: a educação.
Darcy Ribeiro fala isso. Não é fortuito. É um projeto de destruição da educação, de bancarizá-la, de associá-la, de submetê-la à bancarização, que é o Future-se. E aqui está sendo instalada a Comissão para analisar a PEC. Veja, sob qualquer ponto de vista, não há justificativas para os recursos próprios de universidades serem submetidos à Emenda Constitucional nº 95, sob nenhum ponto de vista. Ah, não é ajuste fiscal? Então, isso não vem do Orçamento Geral da União. Nós apresentamos essa emenda na discussão da proposta de emenda à Constituição, da PEC que, aqui na Câmara, era a PEC 241, que depois transformou-se na Emenda Constitucional nº 95, e foi rejeitada. Eles não admitiram isso, e nós dizíamos que não, que o recurso que é próprio da instituição não pode sofrer o limite do teto constitucional porque ele não tem impacto no Orçamento Geral da União. E aí há a Universidade de Brasília, dentre outras universidades em graus variados, porque existem universidades que têm mais condições de ter recurso próprio, mas a PEC da Deputada Luisa Canziani estabelece recursos próprios, recursos de convênios. Ou seja, não adianta fazer um convênio com instituição internacional para ter recursos, porque isso vai estar no teto, ou recursos próprios, que serão transferidos para o próprio Tesouro.
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Eu penso que temos que trabalhar em cima dessa PEC, porque ela diz respeito apenas às universidades. Há esse pleito de outros segmentos. Por exemplo, o Poder Judiciário também solicita isso, porque ele tem muitos depósitos judiciais que têm rendimentos e que são recursos próprios que não estão no Orçamento. Mas a PEC é específica para as universidades.
Eu acho que temos que trabalhar de forma muito imediata para que essa PEC caminhe de forma muito rápida, até porque o Governo já dá demonstrações de exaustão com relação à Emenda Constitucional nº 95, porque ela não resolve o problema fiscal, porque o problema fiscal não está nas despesas primárias nem nas políticas públicas, ele está concentrado nas despesas financeiras que continuam a todo vapor sem nenhum tipo de limitação e porque você não consegue, já não há mais despesas discricionárias, você está entrando nas despesas permanentes, porque as despesas discricionárias, o que poderia ser efetivado de investimento... O nível de investimento no Brasil é o menor desde 1997. Não há investimento. Aí o PIB vai crescer? Não vai. Vai resolver o problema de desemprego? Não vai.
Fizeram a terceirização, depois a reforma trabalhista; agora, a reforma da Previdência, e agora eles mesmos estão se antecipando ao fracasso anunciado e estão dizendo que a reforma da Previdência já não resolve mais os problemas do desemprego. Não vai resolver. Nós sabíamos que não iria resolver. Mas é o mesmo discurso. Se pegarmos o discurso da Emenda Constitucional nº 95 e o da reforma trabalhista e não datá-los, teremos a impressão de que ele é agora da discussão da reforma da Previdência.
Agora eles inventam um novo imposto para desonerar a responsabilidade patronal. É um imposto que o conjunto da sociedade vai pagar. Todo mundo vai pagar porque significa movimentação financeira, mas ele tem como contrapartida desonerar ou a ideia seria desonerar os encargos patronais acerca dos trabalhadores. É um imposto que a sociedade toda contribui, mas que não vai para o desenvolvimento de políticas públicas, porque ele será compensado com a desoneração. Temos um nível de desoneração fiscal que atinge basicamente 40 famílias, na sua grande maioria, que é maior do que todos os déficits que eles dizem que há da Previdência e outros déficits que eles estão argumentando, só de desoneração fiscal. É um pouco o sentido de uma sociedade que só progride se for através do empoderamento e do fortalecimento dos empresários ou da elite do Brasil. É mais uma vez dizer que é um País pensado sem o seu próprio povo. O povo não cabe no orçamento. A Dilma fala muito isso, e ela tem razão. O povo não cabe no orçamento. Para o próximo ano de Governo, o orçamento terá uma diminuição drástica de todas as políticas sociais. O povo não cabe no orçamento brasileiro. O Ministro da Educação — tirem o caráter caricato, porque ele é extremamente caricato; aliás, a caricatura é mais ou menos norma neste Governo, ela está em vários locais, inclusive na Presidência da República — diz: "Ah, não cabe todo mundo, não há espaço para todo mundo, só há espaço para os melhores". Ele fala isso para os meninos. Nós estamos lutando por uma educação universal, de qualidade, laica, e ele diz que a educação, ou seja, o Brasil não é para todos, só para os melhores, só os melhores conseguirão sobreviver. Na verdade, ele é réu confesso. Ele traz para o campo simbólico o sentido básico deste Governo. Por isso, esses são os nossos desafios. Nós vamos fazer outras discussões sobre esse assunto, inclusive esta audiência traz uma relação do Future-se com a própria reforma do ensino médio, que foi trazida aqui pela Profa. Débora, ou seja, há uma relação entre a reforma do ensino médio e a própria proposta que chamam, de forma muito injusta com o nosso futuro, de Future-se. Eu penso que há outras alcunhas. Pode ser Friture-se; Fature-se; Frature-se, mas nunca Future-se. Então, eu queria muito agradecer a contribuição e a presença da Rosilene, da Neuma, do Luis Antonio, da Profa. Débora.
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A Carmen Santiago Parrulha pergunta — depois nós vamos encaminhar essa pergunta para que vocês possam responder — como a luta pela liberdade de Lula pode fortalecer os movimentos pela educação pública gratuita, laica e de boa qualidade.
Eu tentaria responder de forma muito superficial que é só ver por que o Lula está preso. Lula está preso exatamente porque eles querem prender este movimento pela educação pública gratuita, laica, de boa qualidade, com seu caráter universal. Não é à toa que nós temos pontos muito concretos de destruição das políticas públicas e de exclusão social, como a política do meio ambiente, e tudo diz respeito à soberania. A Amazônia é soberania nacional, as empresas públicas são soberania nacional, a educação é soberania nacional, ciência e tecnologia é soberania nacional. O País não se torna soberano se ele não tiver uma educação pública gratuita, laica, e de boa qualidade. A democracia é soberania nacional, inclusive ela tem repercussão nas próprias relações. Eles falam muito que é preciso dar segurança jurídica, mas num país onde há um clã que tem relações que não podem ser escondidas com a própria milícia e que um dos representantes desse clã, sem qualquer tipo de repreensão do Presidente da República, seja como pai ou como Presidente da República, que jurou respeitar a Constituição, diz que a democracia atrapalha, a mensagem é esta: as mudanças num processo democrático são muito lentas. Então ele praticamente diz que é preciso ter rompimento democrático para que nós possamos elevar e acelerar os ritmos das mudanças. Essas mudanças que eles querem implementar de caráter antagônico ao que é a lenda e a história de Pinóquio, nós não queremos. Por isso o rompimento. Inclusive o que nós estamos vendo não apenas na prisão do Lula, sem crimes, sem provas, mas de tudo o que construiu a prisão do Lula, como é possível achar que há normalidade em vazamentos de conversas em que se pinçou o que era necessário colocar para poder contribuir com o impeachment, para poder contribuir com o golpe que o Brasil deu. Eu lembro uma fala do então Deputado Wadih Damous, que disse, logo depois do golpe, quando veio a Emenda Constitucional nº 95, que foi aprovada em um processo muito rápido: "É o coração pulsante do golpe, é o coração pulsante da ruptura democrática, é a destruição da educação, a destruição do meio ambiente". A Emenda Constitucional nº 95 elimina, impede que haja políticas públicas que assegurem a nossa dignidade. Mais uma vez, eu queria agradecer e chamar todos os membros da Comissão de Legislação Participativa para o seminário regional que será realizado em conjunto com a Comissão de Desenvolvimento Urbano e irá debater as modificações no programa Minha Casa, Minha Vida, que são veiculadas pelo MDR — Ministério de Desenvolvimento Regional. Portanto, é importante discutir. É um programa que não só assegura a cidadania, mas também é um programa que aciona uma cadeia produtiva da construção civil, que é extremamente importante para vencer a situação de desalento, de subemprego e desemprego no Brasil. O seminário vai acontecer amanhã, dia 13 de setembro, às 14 horas, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Com essas informações, e mais uma vez agradecendo a participação de todas e de todos, declaro encerrada a presente audiência pública.
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