Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Mauro Nazif. PSB - RO) - Boa tarde a todos e a todas. Declaro abertos os trabalhos da presente audiência pública destinada a discutir A Liberdade Religiosa no Âmbito do Trabalho: Audiência Pública para Discutir o Projeto de Lei nº 3.346/2019.
A realização deste evento atende ao Requerimento nº 87/2019, de autoria dos Deputados Mauro Nazif, Relator, e Wolney Queiroz, proponente da matéria, aprovado pelo Colegiado desta Comissão do Trabalho no dia 14 de agosto.
Informo que esta audiência pública está sendo gravada em áudio e vídeo e ficará disponível para posterior consulta no site desta Comissão. Lembro também que esta reunião pode ser acompanhada de forma interativa através do portal e-democracia.camara.leg.br.
Convido para tomar assento à mesa o Sr. Hélio Carnassale, Diretor da Associação Internacional de Liberdade Religiosa no Brasil; a Sra. Silvana da Silva, Procuradora do Trabalho e Vice-Coordenadora Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, representando ainda o Sr. Alberto Bastos Balazeiro, Procurador-Geral do Ministério Público do Trabalho; a Sra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão; o Sr. Uziel Santana dos Santos, Presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos; o Sr. Girrad Mahmoud Sammour, Presidente da Associação Nacional de Juristas Islâmicos; a Sra. Ana Maria Santos Fidélis, especialista em Políticas e Indústria, da CNI, representando o Sr. Robson Braga de Andrade, Presidente da Confederação Nacional da Indústria; o Sr. Antônio Lisboa Cardoso, advogado da Divisão Sindical da CNC, representando o Sr. José Roberto Tadros, Presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.
(Palmas.)
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Vamos pedir para que fiquem aqui na frente, porque houve mudança de auditório, então houve um imprevisto.
Convido ainda o Sr. Luigi Braga, Diretor Jurídico da Igreja Adventista do Sétimo Dia para a América do Sul. S.Sa. ainda não chegou.
Foram encaminhados convites ao Sr. Carlos Fernando da Silva Filho, Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho; e à Sra. Noemia Garcia Porto, Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, que justificaram ausência devido a conflito de agenda. Também foram convidados o Sr. Fernando Lottenberg, Presidente da Confederação Israelita do Brasil; e Dom Walmor Oliveira de Azevedo, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que justificaram a ausência devido a data coincidir, respectivamente, com o ano judaico e com a preparação para o Sínodo para a Amazônia, do Vaticano.
Peço a atenção dos senhores presentes para as normas internas da Casa. O expositor disporá de até 10 minutos para as suas explanações — se houver necessidade, nós poderemos prorrogar, mas, a princípio, ficarão em 10 minutos as explanações sobre o tema proposto —, não podendo ser aparteado. Os Srs. Deputados interessados em interpelar o expositor deverão inscrever-se previamente na Secretaria. Após o encerramento da exposição, os Deputados inscritos para interpelar o expositor poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, vedado ao orador interpelar qualquer dos presentes.
Antes de passar a palavra aos debatedores, quero destacar que a questão da liberdade religiosa precisa ser discutida no contexto do direito laboral, razão desta audiência. E nós fizemos questão de convidar todas as partes interessadas, os empresários, as pessoas voltadas aos segmentos religiosos e o trabalhador, para que todos nós, através desta audiência pública, possamos trabalhar de uma maneira mais simples e com o entendimento de que unindo as forças poderemos fazer um desenvolvimento melhor.
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14:31
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O fato de um empregado ser subordinado ao poder diretivo do empregador, tendo o dever de acatar todo e qualquer comando a ele dirigido, não significa ter que abandonar suas convicções e direitos invioláveis, pois este trabalhador traz consigo suas convicções e crenças religiosas, as quais devem ser respeitadas e previstas no contrato de trabalho por parte do empregador.
Partindo do pressuposto da previsibilidade e do respeito mútuo, vários focos conflitantes na relação laboral podem ser solucionados, e mesmo evitados, levando-se em consideração o direito das partes envolvidas e das boas tratativas que possam advir da observação ao direito que assiste a ambas.
Em decorrência disto apresentamos, para tentar melhorar ainda mais o projeto do Deputado Wolney, três emendas e, ao final, um substitutivo a esse projeto.
A primeira emenda visa tornar claro o sentido do caput do § 2º e do seu inciso I, da proposição, que é o de garantir, a critério do empregador e por acordo entre as partes, que o trabalhador possa desfrutar do descanso semanal a que tem direito, sem ferir a sua liberdade religiosa, quando o período do seu labor coincidir com dias ou turnos que são considerados sagrados por sua religião.
A segunda emenda retira a palavra "indireta", constante no § 3º do projeto de lei, por considerar que, lá na frente, ela pode trazer algumas divergências em suas análises.
A última — e aqui é uma emenda que nós propomos, acrescentamos —, que é a terceira emenda, inclui na proposição o § 5º, para garantir a proteção ao uso de indumentárias e adereços, objetos que guardam em si simbolismos identitários de forte ligação ao credo de inúmeros de trabalhadores, como é o caso do véu para as mulheres islâmicas, do kipá para os judeus, do crucifixo para os católicos, das guias de proteção para os praticantes de culto afrodescendente, bem como de outros acessórios que transformam-se, pela fé, em parte integrante da própria identidade religiosa do trabalhador ou trabalhadora.
Neste contexto, relembro aos senhores que a razão texto audiência pública é para colher manifestação e sugestão quanto o texto em tramitação — deixo claro que somos o Relator e nós não fechamos o texto, ele fica em aberto para que as proposições apresentadas possam ser discutidas e avaliadas e, se couberem no texto, certamente farão parte — e apresentar as referidas emendas ao Projeto de Lei nº 3.346/2019, com o intuito de garantir, de forma prática e efetiva, ao trabalhador ou trabalhadora brasileira a sua plena liberdade religiosa, independentemente de seu credo, seja ele cristão, seja judaico, seja muçulmano, seja afro-brasileiro, seja outro.
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Dessa forma, peço o apoio dos senhores e senhoras, bem como dos nobres pares Deputados e Deputadas aqui presentes, para a aprovação da referida proposição quando esta for submetida à deliberação.
Ante o exposto, apresentamos três emendas a esse projeto de lei. Nós cumprimentamos muito seu proponente, o qual justifica a dificuldade de estar presente alegando a necessidade de estar em seu Estado neste momento.
Espero que, na presença das senhoras e dos senhores, nós possamos apresentar aqui uma ideia em que seja respeitada de uma forma mais clara a questão da empresa, do empregador, do empregado, da empregada, respeitando sempre o seu credo religioso. E, certamente, uma lei que venha nesse sentido será benéfica para todos nós; todos nós seremos beneficiados. Dentro do triângulo empregado, empregador e credo religioso, esperamos que ao final desta audiência nós possamos ter aqui a melhor formatura dentro deste projeto.
Quero agradecer ao Adiel e ao Sr. Barbachan, que não se encontra aqui, pelo apoio que estão dando à Comissão de Trabalho.
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Gostaria muito de parabenizar os componentes da Mesa pela presença e gostaria de registrar que para o Ministério Público do Trabalho esse tema é muito caro. Nós temos a Pasta da cor, da igualdade, que trata justamente de pontos relacionados à discriminação e à inclusão no trabalho. E, quando falamos de discriminação, de não discriminação e de preconceito, o tema religião está muito em voga, principalmente nos dias de hoje, quando vemos na sociedade algumas práticas que estão permeadas pelo que chamamos hoje de intolerância, de projeção de uma religião em detrimento de outra, de imposição de um credo em detrimento de outro, enquanto a nossa Constituição é pautada pelo princípio da igualdade, pela igualdade de oportunidades, pelo acolhimento.
Então, eu acho que esse tema, essa iniciativa de lei está muito de acordo com o que prega a nossa Constituição, a nossa Lei Maior, no sentido de acolhemos todo e qualquer cidadão com suas crenças, com seus anseios, com suas verdades, porque temos que acolher também as diferenças de cada um. Quando falamos de religião no ambiente de trabalho estamos falando da pessoa numa condição de vida melhor no local de trabalho, que esteja no local de trabalho sentindo-se mais realizada, mais afagada, mais definida e disposta. Quando, no ambiente de trabalho, o empregador acolhe a religião, a opção, a identidade do trabalhador de uma forma sem discriminação e com aceitação, permitindo essa flexibilização que o projeto prevê, eu acho que ganham o empregador, no sentido de ter um trabalhador mais bem disposto e com maior disponibilidade para o trabalho, e ganha o trabalhador também, porque ele vai ter essa flexibilização que está de acordo com as necessidades pessoais dele.
Eu acho que esse projeto está vindo num momento muito oportuno. Nós passamos pelo Setembro Amarelo, quando tratamos de questões como suicídio e depressão. Essas questões estão relacionadas com insatisfação pessoal, insatisfação com a vida, insatisfação com a crise econômica, insatisfação com a posição de vida. Então, sabemos que a religião, o credo, a oração trazem esse conforto, essa satisfação pessoal. A religião tem como significado semântico religare, que é religar o homem à divindade. Então, esse projeto está abarcando a responsabilidade social da empresa com a vida, a melhoria da condição de vida do trabalhador. Está tendo esse foco na não discriminação e na possibilidade de ele professar sua fé, participar de cultos religiosos e usar indumentárias. Também faz prevalecer a aceitação do espaço de cada um no exercício e nas atividades de culto que cada religião implica.
Temos que pensar que, no mundo de hoje, não podemos viver com tolerância, temos que viver com aceitação. São posições diferentes. Tolerar é permitir que uma coisa aconteça, mas na realidade a nossa sociedade é plural, é um caldeirão cultural, como qualquer sociólogo prega. Somos formados por diversas nações, por diversos povos, para que cada um cresça. Isso também ocorre no bojo da empresa. Uma empresa, um empregador tem que ser plural, tem que ter diversas visões, para acolher toda a sociedade e retratar a sociedade tal qual ela é. O projeto está atento a essas questões, há essa aceitação, e ele está trazendo isso para o mundo do trabalho.
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Já existe isso também na legislação trabalhista, na Lei nº 9.029, que veda qualquer discriminação, veda a dispensa discriminatória por diversos fatores. O STF já declarou que essa lei pode ser interpretada de uma forma ampla quanto a diversos tipos de discriminação. Portanto, também poderia ser acolhida a discriminação religiosa.
O Projeto de Lei nº 3.346/2019 já trata o assunto de forma mais ampla, no parágrafo 5º, que foi aditado. Ele trata do preconceito na fase pré-contratual, e isso é importantíssimo. Ele pede que se fundamente o não acolhimento do trabalhador, quando ele preenche os aspectos objetivos para aquele cargo. Pede que se fundamente, porque, preenchidos os aspectos objetivos, não caberia o aceite desse candidato. Digamos que seja observado o aspecto religioso. Ele teria que provar incompatibilidade para flexibilização num horário ou outro. Por certo, há muitas atividades que têm que ser exercidas continuamente. Há casos específicos que não poderiam admitir essa flexibilização de horário, como o projeto prevê, mas ele também dispõe que toda essa questão tem que ser debatida, tem que ser analisada caso a caso.
Eu acho que não haveria nenhuma dificuldade de encaminhar o projeto, porque ele permite esse debate no âmbito da relação empregatícia. Ele permite que se analise se é cabível a compensação por meio de horas extras ou de descanso semanal. Então, há diversas formas de tentar atender esse trabalhador que tem uma peculiaridade de afastamento que não esteja prevista nos feriados santos, que já estão contemplados no ordenamento pátrio, no sentido de acolher outras religiões que não têm tantos adeptos no País. Hoje, há religiões que predominam mais, em termos de adeptos, mas em grau de importância todas têm a mesma relevância. Em determinada localidade, uma religião tem mais adeptos ou menos que outras religiões.
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Então, elas têm que ser analisadas de acordo com a pessoa individualmente considerada e o quão importante é para aquela pessoa o afastamento naquela data, o quão importante vai ser para ela estar presente numa cerimônia, o que aquilo vai trazer de conforto para aquela pessoa, de bem-estar. Ela estará insatisfeita no posto de trabalho, naquele local, porque estará com a cabeça pensando noutra atividade, pensando no que estaria ocorrendo na cerimônia.
Eu acho que é de uma sensibilidade bastante grande trazer esse tema a debate, principalmente no mundo do trabalho. O traço característico das relações empregatícias é a subordinação. Por isso, há necessidade de prever essas questões por lei — não é de somenos que ela esteja sendo prevista na legislação — e de propiciar esse diálogo entre empregado e empregador. Eu acho isso bastante válido. Para os dias atuais, esse tema é preponderante para toda a sociedade brasileira. Eu faço votos para que o projeto de lei seja acolhido na Casa.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Mauro Nazif. PSB - RO) - Ouvidas as palavras da Dra. Silvana da Silva, agora concedemos a palavra ao Sr. Hélio Carnassale, Diretor da Associação Internacional de Liberdade Religiosa — IRLA no Brasil.
O SR. HÉLIO CARNASSALE - Cumprimento o Deputado Mauro Nazif, Relator do projeto e Presidente desta reunião. Saúdo os colegas da Mesa e todos os presentes para uma reunião que consideramos de grande relevância e importância. O tema será debatido e discutido para que se encontre um caminho de consenso, para que minorias, especialmente as minorias religiosas, possam ter mais segurança no exercício das suas atividades profissionais.
Vou falar uma palavra breve sobre a International Religious Liberty Association, a quem chamaremos de IRLA. Ela é uma organização não-governamental fundada em 1893 e está sediada em Silver Spring, Maryland, na região metropolitana de Washington. Ela tem 13 áreas regionais mundiais, entre elas a América do Sul, da qual tenho o privilégio de ser Secretário-Executivo.
A IRLA promove a liberdade de religião e crença, conforme se encontra definida no art. 18 da Declaração Universal de Direitos Humanos, e acredita que a liberdade religiosa é um direito fundamental de todos e que está intimamente ligada aos demais direitos humanos. Portanto, a IRLA acredita, defende e promove uma liberdade religiosa inclusiva, para todos, independentemente dos conteúdos doutrinários e litúrgicos.
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Quanto a sua posição com este projeto de lei, por não ser uma entidade especializada em Direito do Trabalho e nem mesmo no Direito geral, minha opinião, que reflete na verdade a opinião da Associação, será baseada neste pilar de sustentação que é a defesa da liberdade de religião e crença. Ela é uma promotora dessa liberdade, e como tal ela organiza, apoia eventos, congressos, fóruns, simpósios, e também atua como intermediadora em situações de conflito, seja em âmbito regional ou mesmo mundial. Nós acreditamos na união de esforços por parte de todas as áreas interessadas na discussão da liberdade religiosa, como ONGs, entidades governamentais, denominações religiosas, entidades de outros perfis. E nos colocamos sempre à disposição para debater, defender, promover e proteger a liberdade religiosa, a liberdade de religião e crença.
A IRLA é a mais antiga entidade do mundo em defesa, promoção e proteção da liberdade religiosa. Essa é uma marca que nós carregamos, que surge nos Estados Unidos, na década de 1880, em decorrência da conhecida Lei Blair, do Senador Blair. A emenda dele procurava impor a todos os estadunidenses um dia de culto fixo, um dia fixo de adoração. Um grupo de pessoas amantes e defensoras da liberdade religiosa, ainda não existindo como IRLA, colocaram-se de pé para defender que as convicções quanto a um dia religioso de guarda deveriam e poderiam variar. Defendiam ainda que estabelecer um dia religioso para uma nação seria contrariar a essência da nação norte-americana. Essas pessoas foram bem-sucedidas nessa tentativa, e pouco depois, no final da década, elas se organizaram como uma entidade nacional e, logo em seguida, como entidade internacional.
Nesse contexto, eu faço aqui algumas considerações. A IRLA mantém os seus princípios estabelecidos na mesma consonância, na mesma linha da ONU, nos seus pressupostos, especialmente no art. 18 da Declaração Universal Direitos Humanos. É importante relembrar que a ONU trabalha com três grandes pilares: paz e segurança; justiça e desenvolvimento; e direitos humanos. No pilar dos direitos humanos se localiza a liberdade de religião e crença, dentro das liberdades individuais, da igualdade e da dignidade proposta para todos os seres humanos. Nesse terceiro pilar entra a liberdade de religião e crença. A garantia da liberdade de religião e crença assegura a todo indivíduo a sua dignidade. Todas as vezes que um poder determina que religião um indivíduo tem que seguir e a quem deve adorar; todas as vezes que a opção de não ter uma crença ou de não adorar nenhuma divindade é repudiada com violência ou, ainda, a mudança de religião implica em violência social, em perdas sociais e em alto risco de vida, tira-se do ser humano a sua dignidade, que é o bem mais precioso.
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Num mundo onde quase 80% da população mundial vive em países cujo conjunto de leis impõe altas ou muito altas restrições a liberdades religiosas, países onde o Estado determina a religião oficial, diz que religião os cidadãos devem seguir, é um privilégio para nós brasileiros estarmos reunidos aqui nesta Casa, que é a Casa do povo, para discutir um aperfeiçoamento legal num ambiente de grande liberdade religiosa. Já vou fazer um comentário sobre onde o Brasil está posicionado nessa questão. Para nós, então, é um privilégio enorme estar discutindo um aperfeiçoamento legal.
Considerando-se os 25 países mais populosos do mundo, entre os quais o Brasil é considerado o quinto país mais populoso, nós ocupamos a 22ª posição em intolerância religiosa, e isso é ótimo — aqui, quanto mais distante do primeiro lugar melhor. De acordo com o Pew Research Center, que há 10 anos faz uma grande investigação em 198 países a respeito da liberdade de religião e crença, nós ocupamos a 22ª posição, ou seja, estamos entre os melhores, entre os países com um conjunto de leis que mais favorece a liberdade religiosa.
Já no quesito hostilidades sociais, que é o outro pilar dessa pesquisa, nós lamentavelmente vimos crescer, nos últimos anos, uma exacerbação da animosidade de grupos religiosos, que estão hostilizando minorias religiosas. No nosso País, lamentavelmente, as minorias religiosas de matrizes africanas são aquelas que mais sofrem essas hostilidades sociais. Ainda que os conceitos doutrinários e princípios litúrgicos das religiões, entre elas as cristãs, não tenham pontos em comum, temos o grande ponto em comum que é o respeito às diferenças e o respeito às liberdades.
No item das restrições governamentais, esta pesquisa do Pew Research Center, que completou 10 anos em 2017, nos mostra uma tendência assustadora. O instituto começou a pesquisa com 198 países no ano de 2007, e o trabalho, que em 2017 completou 10 anos e foi publicado em julho deste ano, nos faz perceber que há uma elevação de 20% para 26% na quantidade de países onde o conjunto de leis é altamente restritivo à liberdade religiosa, um aumento de 40 para 52 países. Na questão das hostilidades sociais, a situação não é diferente: elas estavam muito presentes em 20% dos países no início da pesquisa, e hoje aparecem em 28% deles, um aumento de 39 para 56 países.
Dessa forma, a tendência nos preocupa, principalmente quando nós vamos verificar qual é a população desses países. Diante do número de 198 países, não parece tanto o percentual de 26% ou de 28%, num caso e em outro, mas mais de 75% da população mundial vive em países onde o conjunto de leis é altamente restritivo à liberdade religiosa e onde há muitos movimentos hostis para com as minorias religiosas.
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Já me encaminhando para o final, porque o meu tempo se foi, o nosso pensamento, uma vez que o Brasil é signatário dos tratados internacionais estabelecidos pela ONU e como somos uma instituição cujos princípios também se baseiam neste Artigo 18 da Declaração Universal, é o de que sempre defenderemos o direito à liberdade de religião e de crença. Quando defendemos o direito à liberdade de religião e de crença, estamos pedindo dos nossos legisladores não privilégios, mas igualdade de direitos. Jamais vamos lutar por privilégios — a nossa Carta Constitucional é muito clara nisso, e essa não é a área da minha apresentação, então, não vou me ater a detalhes quanto a esse aspecto.
A nossa defesa e o nosso apoio a este projeto baseiam-se em dois pontos distintivos que cremos que esse projeto tem: a não discriminação de minorias religiosas quanto ao seu dia de guarda e quanto às suas indumentárias e também regras para a restrição do acesso ao ambiente do trabalho por algum elemento previamente entendido como impeditivo para se assumir a posição de trabalho. Eu fiquei muito feliz de ouvir a Dra. Silvana, uma profissional dessa área, da Procuradoria do Trabalho, dar o seu pronunciamento de apoio a isso, o que me deixa extremamente confortável.
Eu finalizo aqui, Deputado, agradecendo a oportunidade de fazer parte do debate de um tema tão relevante. Agradeço à Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público por organizar a audiência pública e a V.Exa. e ao Deputado Wolney Queiroz por serem, respectivamente, Relator e autor deste projeto. Que possamos juntos trabalhar por um Brasil mais justo, mais magnânimo, por um país que, muito mais do que ser tolerante, seja acolhedor, aceite e reconheça as diferenças que fazem desta Nação o que ela é.
O SR. PRESIDENTE (Mauro Nazif. PSB - RO) - Agradeço as belas palavras do Sr. Helio.
Eu quero saudar o Deputado Mauro Nazif e dizer também do meu entusiasmo em relação a este projeto. Eu gostaria de partir um pouquinho para o lado do direito, de uma forma mais ampla, porque eu entendo que o projeto é absolutamente compatível com o direito e atende a imperativos éticos da modernidade.
A separação entre igreja e Estado e a liberdade religiosa são dois lados de uma mesma moeda, nascem juntas e também inauguram, de certa forma, aquilo que se chama de modernidade ocidental, lembrando essa liberdade surge com a Paz de Vestfália, em 1648, e depois é incorporada nos principais documentos de libertação.
Ela faz parte da primeira emenda à Constituição norte-americana, de 1787, e também consta da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, declaração francesa, de 1789. Depois ela vai constar também da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Em 1966, ela vai constar tanto do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos como do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. E, finalmente, em 1981, ela vai constar da Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções.
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É interessante notar que o Comitê de Direitos Humanos da ONU, que é o órgão responsável pela interpretação do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, fez uma observação geral, de 30 de junho de 1993, a respeito de liberdade religiosa, e o objetivo foi exatamente estabelecer o que eram religiões. Ele diz: "Crenças ou religiões devem ser entendidas em sentido amplo, não se limitando à aplicação do art. 18 do pacto" — que é o mesmo da declaração — ", às religiões tradicionais ou às religiões ou crenças com características ou práticas institucionais análogas às de religiões tradicionais". Ou seja, tal como previsto aqui no projeto de lei, a concepção de liberdade religiosa é a mais ampla possível, de modo a garantir esse direito por parte de todas as religiões, independentemente de elas assumirem ou não o formato das regiões mais tradicionais, principalmente no âmbito ocidental.
No direito brasileiro, a laicidade do Estado e a liberdade religiosa vão ter dimensões objetivas e dimensões subjetivas. No âmbito da dimensão objetiva, há aquilo que todo mundo sabe, a neutralidade do Estado em face das religiões, a sua não confessionalidade. Mas o direito brasileiro vai além, ele determina que o Estado também colabore, coopere com todas as religiões. Isso significa que é preciso, sim, elementos de indução para que o Estado estimule a sociedade a fazer práticas de diversidade e inclusão religiosas.
No âmbito da dimensão subjetiva, há uma interna, cada pessoa internamente crê no que quer, e há uma externa, que é exatamente facultar a todas as pessoas se comportarem conforme as suas crenças e religiões. Esse é o único aspecto em que se admite certa ponderação de interesses. E aí é que nasce a possibilidade da objeção de consciência.
O que é objeção de consciência? A objeção de consciência é um conflito entre uma ordem legal que é feita de modo genérico e uma ordem moral em que, seguindo os preceitos da minha religião, eu devo me comportar de maneira contrária à ordem legal. E aí surge o conflito: ou eu sigo a ordem legal e contrario um preceito religioso meu, causando um dano à minha personalidade de dimensões impossíveis de avaliar, ou eu obedeço à minha religião e arco com as consequências de descumprir uma ordem legal.
É nesse sentido que surgem as possibilidades de acomodação entre as normas legais e as múltiplas normas religiosas que cada indivíduo carrega em si.
Este caso é muito engraçado, porque estamos discutindo isso no Brasil agora, mas ele chegou, tanto no direito norte-americano quanto no direito canadense, exatamente ao âmbito do direito do trabalho. É interessante como ambas as legislações passam a tratar da liberdade religiosa no ambiente do trabalho. Os Estados Unidos têm um ato específico, o ato por igualdade de oportunidades no emprego, de 1972, e o Canadá também, na década de 70. E eles vão gerar um dispositivo legal, que é o da adaptação razoável: todos os espaços privados têm que, com ônus que não sejam excessivos, garantir que todas as pessoas caibam ali e que tenham possibilidade de exercer os seus direitos de personalidade.
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Então, isso surge, num primeiro momento, no ambiente do trabalho e com relação à liberdade religiosa, e depois isso vai se ampliar para todas as outras formas de discriminações históricas, de gênero, de raça, de orientação sexual, enfim.
Lembro que o Brasil tem esse conceito de adaptação razoável internalizado no âmbito constitucional. Ele surge — olhem que interessante — exatamente na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi internalizada no direito brasileiro com status constitucional. É a única convenção internacional aprovada com aquele quórum que a Constituição prevê, que admite que determinados documentos internacionais, tratado ou convenção, tenham status de norma constitucional. E ela fala especificamente na adaptação razoável exatamente com o mesmo conceito que deram o direito norte-americano e o direito canadense.
Na convenção, há dois conceitos que convivem: um é o do desenho universal, em que os espaços públicos têm que ser pensados para ali caber o maior número de pessoas, para que todas elas ali convivam, e o outro é o da adaptação razoável, que é uma perspectiva individual, no sentido de que cada sujeito, cada singularidade, traz os seus aportes e, tanto quanto possível, com um ônus razoável, se procure atender também às aspirações individuais.
Temos entre nós, por exemplo, algumas formulações desses princípios. Uma é o ENEM, que já começa a realizar provas para adventistas do sétimo dia, e acho que também para judeus. Depois do horário do pôr do sol, eles ficam aguardando em salas reservadas; mantêm o seu feriado religioso com a possibilidade de fazer prova em outro horário. E, fora do aspecto religioso, cito um caso no Supremo Tribunal Federal em relação à eficácia dessas disposições para o plano privado, que está fora de discussão. O direito brasileiro, enfim, os direitos fundamentais têm uma eficácia horizontal, e nas relações de emprego mais ainda porque essa eficácia é vertical.
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Houve um caso muito interessante no Supremo Tribunal Federal ao julgar a Lei Brasileira de Inclusão, que determinava que todas as escolas fizessem espaços de acessibilidade para pessoas com deficiências físicas. As escolas entraram na Justiça contra a lei, dizendo que, a prevalecer o enunciado legal, teriam que acrescentar essas despesas nas mensalidades escolares. O Supremo falou: "De jeito nenhum! A escola é o espaço próprio da pluralidade, do diverso; e ela tem que acolher todas as crianças, todos os jovens, todos os adultos, com todos os seus credos e todas as suas particularidades". Essa é uma orientação muito importante para nós.
Mais uma vez eu quero saudar esta iniciativa, pelo seu último dispositivo. O Brasil é um Estado laico, um Estado que segue a laicidade, ou seja, é um Estado distante de todas as religiões, mas não é um Estado que prega o laicismo, como França e Turquia, que impedem as pessoas de estarem em determinados espaços públicos — principalmente em escolas, mas também em ambientes de trabalho — com o véu islâmico, por exemplo. Então, eu quero saudar e dizer da importância da iniciativa. Ela só reforça aquilo que já existe no direito brasileiro, mas, em termos simbólicos, pelo fato de estar incluída no âmbito da Consolidação das Leis do Trabalho, ela é de uma simbologia ímpar.
O SR. PRESIDENTE (Mauro Nazif. PSB - RO) - Agradeço as palavras da Dra. Deborah Macedo.
Neste mesmo tempo está acontecendo algo aqui na Casa: estão ocorrendo plenárias e votações em outros plenários. Em decorrência disso, eu gostaria de questionar aos senhores — só vou sair se houver a complacência de todos — se poderíamos suspender esta sessão por 20 minutos para que possamos registrar a presença e votar. Após, voltaríamos para cá. Só faremos isso se houver o acordo de todos, senão permaneceremos e continuaremos tocando a reunião. Este é um tema muito rico para nós pararmos essas discussões, mesmo que neste momento esteja ocorrendo votação nos plenários.
(A reunião é suspensa.)
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15:15
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(A reunião é suspensa.)
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O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Boa tarde a todos e a todas.
O SR. UZIEL SANTANA DOS SANTOS - Obrigado, Deputado Wolney Queiroz. Cumprimento V.Exa. por esta audiência pública tão relevante para o nosso contexto atual.
Cumprimento todos que fazem parte desta seleta Mesa, principalmente os que já nos antecederam com suas falas, certamente com argumentos importantes para termos em conta nas discussões pertinentes ao PL 3.346, de 2019.
A ANAJURE é uma associação que existe desde 2012 no Brasil, e o nosso trabalho é defender as liberdades civis fundamentais não apenas do segmento evangélico, notadamente dos chamados protestantes históricos, mas da sociedade em geral. Aliás, uma das heranças da reforma protestante é essa visão de que, para desenvolver o bem comum, as liberdades civis fundamentais devem ser defendidas e promovidas a todos, pelo simples fato de que — aí é um conceito teológico — todos foram criados, na nossa cosmovisão, à imagem e semelhança de Deus e, portanto, gozam de dignidade, que é intrínseca à alma humana. Nessa perspectiva, nos últimos anos, temos tentado colaborar no nosso País promovendo direitos humanos fundamentais, e entre eles está a liberdade religiosa. Portanto, esse é um tema que nós estamos bastante à vontade para debater. Nesse sentido, eu diria que esta audiência de hoje é uma espécie de resgate histórico.
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Recentemente, por iniciativa da ANAJURE e de outros setores, nós discutimos aqui no Parlamento a liberdade religiosa no âmbito educacional, e houve um avanço significativo, com alteração da LDB. Por exemplo, possibilitou-se a acomodação dos chamados sabatistas, não apenas dos adventistas, mas de todas as minorias religiosas que guardam o sábado, quando ele é considerado dia letivo. Então, existem alternativas.
Há menos de 1 mês, houve outra alteração na LDB, e tivemos oportunidade de trabalhar nisso. Eu discutia isso com a Dra. Ana Maria, representante da CNI. Agora, as escolas que estão organizadas na forma empresarial também têm a possibilidade de serem confessionais, na forma da Constituição e da LDB. Não era assim. Segundo a ideia anterior, só seria confessional se fosse sem fins lucrativos, se fosse filantrópica. Na verdade, dentro da umbrella da livre iniciativa, o setor empresarial pode promover determinados valores que são intrínsecos à sua liberdade individual e, por conseguinte, deveriam ser da sua empresa.
Deputado Wolney, são importantes esses avanços que nós temos tido aqui no Parlamento. Falar sobre liberdade religiosa no âmbito do trabalho talvez seja a próxima a fronteira a ser desbravada.
Não se discute isso só nos Estados Unidos. Eu me recordo de um julgado muito importante de 2006 do tribunal de direitos humanos europeu, em que se discutiu um caso, que se tornou um living case, de um trabalhador da Macedônia, salvo engano, que foi demitido no contexto do trabalho porque faltou num dia ao trabalho alegando motivos religiosos. Eu acredito que a decisão do tribunal naquele momento foi correta, quando a empresa demitiu o funcionário. Segundo o tribunal naquele momento, o art. 14 da Convenção fala em liberdade religiosa etc., mas existem responsabilidades que são inerentes à relação jurídica entre empregador e empregado, e não se estava querendo criar superdireitos ou privilégios, como ressaltou o Dr. Hélio Carnassale, representante da IRLA. Naquele contexto, o funcionário faltou, mas não comunicou, não houve um prévio acordo com a empresa, e o tribunal disse que não havia violação naquele caso.
Inclusive, tanto no PL quanto nas emendas sugeridas, fala-se que o acordo entre empregador e empregado é importante e deve ser realmente estabelecido em lei. Eu conversava isso com a representante da CNI. As empresas não podem simplesmente arcar sozinhas com o ônibus de sofrerem uma mudança radical no seu funcionamento diário.
Então, eu acho que, quando se fala em acomodação, todos esses elementos são importantes.
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Faço um resgate histórico também, porque tramita nesta Casa, desde 2015, o texto de um PL chamado Estatuto Jurídico da Liberdade Religiosa, que foi escrito pela assessoria da ANAJURE, mas compartilhado com vários religiosos do País. Nós chegamos a um consenso sobre um texto, e foi criada uma Comissão Especial naquele momento. Esse texto foi bastante discutido. Nós pensávamos que aquele PL seria aprovado de imediato, mas se findou a legislatura, e ele não foi votado. Temos, porém, uma ótima notícia. Recentemente, o atual Presidente da Frente Parlamentar Mista da Liberdade Religiosa, o Deputado Roberto de Lucena, negociou com o Presidente da Câmara, o Deputado Rodrigo Maia, e foi reinstalada a Comissão Especial. Aquele texto mais amplo protege a liberdade religiosa exatamente nos termos que propõe a legislação de tratados internacionais, seja o Artigo 18 da Declaração Universal, seja o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, sejam, enfim, tantos outros documentos que protegem efetivamente a liberdade religiosa.
Eu conversava há pouco com a Dra. Madalena, assessora que trabalha com o Senador Zequinha, sobre os altos índices de perseguição religiosa que existem no mundo atualmente. É válido mencionar também, quando se fala em liberdade religiosa, que existem países que são, lamentavelmente, promotores da perseguição religiosa de minorias.
O Brasil não é assim. Nós não temos histórico de violência real, que venha, digamos, a assustar, como em casos envolvendo minorias religiosas em países, por exemplo, no Oriente Médio, no norte da África ou na Ásia. Mas existe no nosso País — aí nós fazemos uma distinção acadêmica importante — aquilo que, na perspectiva de um autor francês chamado Pierre Bourdieu, é chamado de violence symbolique, violência simbólica, e, é lógico, também algum resquício de violência real. Foram mencionados aqui os casos de violência real que acontecem no Rio de Janeiro com as comunidades que têm cultos afro. Isso é realmente algo a ser combatido e denunciado, assim como deveria ter sido feito no passado, quando os primeiros missionários batistas e presbiterianos chegaram ao País e foram, alguns, afundados na Baía de Guanabara. Houve ainda algumas igrejas protestantes foram derrubadas e Bíblias que foram queimadas. Tudo isso nós precisamos realmente superar.
No tocante especificamente à proposição legislativa, Deputado Wolney, nós gostaríamos de trazer à consideração desta seleta audiência algumas proposições — algumas delas simplesmente endossam o projeto e também as três emendas que o Deputado Nazif apresentou —, assim como algumas contribuições. Então, o § 2º do art. 67, que se quer modificar, fala:
I - escolher o dia da semana em que desfrutará do descanso semanal remunerado quando este coincidir com os dias ou turnos nos quais, segundo preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de atividades laborais;
II - optar por acréscimo de horas diárias ou troca de turno até a compensação do quantitativo de horas de trabalho, definidas no contrato de trabalho, quando essas não forem executadas por razão de coincidirem com o dia comunicado como sagrado pelo empregado.
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Veja aqui a importância de não se repetir o mesmo erro do Tribunal Europeu, não do Tribunal. É que, naquele caso específico, o trabalhador, de fato, deveria ter o seu direito humano de liberdade religiosa assegurado, mas ele não comunicou a empresa. Evidentemente isso é uma falta trabalhista.
No tocante a esse dispositivo, nós concordamos com a emenda redacional do Deputado Mauro Nazif. A redação do inciso I seria: "escolher o dia da semana em que desfrutará o descanso semanal remunerado quando o período de seu labor coincidir com os dias ou turnos nos quais, segundo preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de atividades laborais." Então, essa é uma modificação que nós entendemos importante.
Do mesmo modo, no § 3º, que fala da comunicação da ausência, ao nosso entender, o empregador tem o ônus de comprovar a incompatibilidade entre as obrigações religiosas e o exercício laboral ou o dano substancial que o empregador sofrerá se acomodar a reivindicação do empregado. Concordamos com a necessidade de regulamentar esse aspecto na lei trabalhista. Por outro lado, consideramos que os dispositivos, nos termos em que está proposto, carece de algum aprimoramento redacional para evitar dúvidas na sua interpretação, bem como para equilibrar os interesses do empregado e do empregador.
Fazemos aqui uma sugestão, com uma modificação ao final: "A comunicação da impossibilidade de participar de atividades laborais devido ao credo religioso deverá ser feita antecipadamente pelo empregado ao empregador. Se esse não aceitar o pedido de acomodação sem apresentar justificativa e disso resultar a demissão do empregado, essa será considerada sem justa causa, assegurado ao empregado o direito de haver do empregador uma indenização, sem prejuízo do tempo trabalhado e dos direitos assegurados." Então, digamos, há um certo aprimoramento na técnica redacional.
§ 4º Fica proibida, durante a entrevista de emprego, a apresentação de questionamento que não tenha relação direta com as qualificações profissionais específicas para o cargo a ser preenchido, devendo a seleção limitar- se a averiguar a qualificação, o potencial, a técnica e a motivação do candidato ao emprego, não sendo permitido realizar pergunta que impute discriminação de qualquer natureza, cabendo ao empregador justificar a dispensa do entrevistado se comprovada a atividade específica do labor como essencial e a impossibilidade de execução do serviço em horário alternativo.
Existe um conceito moderno das chamadas empresas de tendência, que são empresas que se caracterizam, que são formadas tendo em vista um conjunto de valores específicos.
Nesse caso, chama-se empresa de tendência — e isso não existe apenas na iniciativa privada, na área empresarial; falo aqui do terceiro setor em geral —, porque a ideia é que esses empregadores querem pessoas que pensem econômica e religiosamente de acordo com as ideologias ou com os valores que aquela determinada empresa trabalha e defende. A ideia é que as atividades que ela desenvolve são indissociáveis dos valores que levaram aquele segmento a criar aquela empresa.
Nesse sentido, eu lembro exatamente que a LDB agora dá a possibilidade de que uma escola formada com natureza jurídica empresarial seja confessional. A condição de confessional agora é um qualificativo de uma escola privada ou de uma escola sem fins lucrativos em geral. Então, se eu sou um empresário cristão que criou, por iniciativa própria ou familiar, uma escola nesses termos, que qualifico, de acordo com a LDB — lógico, de acordo com os documentos que a lei exige —, como confessional, e a própria LDB já protegia isso, então, todo o conjunto de valores que aquela escola abraça são valores confessionais.
Em princípio, os pais que vão botar alunos ali são pais que vão respeitar aquela confessionalidade. Se um funcionário, um professor ou um colaborador vai para aquela empresa, sabe que ali existe um conjunto de valores que devem ser respeitados. Então, qual é o problema? Nós conversávamos sobre isso aqui. Eu sempre falo com a Dra. Ana Maria, porque ela representa um segmento empresarial importante. Nas escolas confessionais, que até então eram sem fins lucrativos — ou seja, não estão aqui diante dessa situação —, a maioria dos funcionários são ligados àquela condição religiosa. Isso é natural, é absolutamente natural.
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Então, questionamos esse dispositivo na forma como está. Agora, lembro que uma escola-empresa confessional tem que reportar isso. Qual é o problema de, na sua entrevista ou no seu momento de conhecimento entre empregador e empregado, perguntar-se sobre valores, sobre o conjunto de princípios morais, etc.? Então, nós já trazemos uma sugestão, nesse caso, de que o disposto no parágrafo anterior não se aplique necessariamente a organizações religiosas, instituições privadas de ensino confessional, seminários de formação religiosa, empresas de tendência e qualquer outra entidade sob administração de natureza religiosa ou que se vincule a uma posição religiosa específica.
Dou um exemplo. Aqui nós temos os nossos amigos da Associação Nacional de Juristas Islâmicos. O que fará um professor de teologia evangélica numa escola de confissão islâmica? Se a escola disser "Eu quero aqui um embate de ideias", tudo bem. Mas qual é o problema se a escola disser: "Eu não tenho interesse nisso"? É algo a se pensar, para evitar conflitos.
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Por fim, há o parágrafo § 5º, em que se garante ao empregado o direito de uso de vestimentas e adereços religiosos no local de trabalho, salvo comprovada — e é essa a nossa sugestão de texto — incompatibilidade da prática para a realização da atividade laboral, observados os critérios de proporcionalidade, adequação e acomodação razoável, porque, logicamente, existem ene situações em que o empregador, dentro da sua livre iniciativa, considerada a razoabilidade e a proporcionalidade, pode estabelecer alguma coisa. O empregado não pode, porque é religioso, resolver, por exemplo, que usará farda branca todos os dias, se, digamos, a indumentária da empresa exige algo que é absolutamente razoável. Então, sugerimos apenas esse acréscimo dos critérios de proporcionalidade, adequação e acomodação razoável.
Por fim, Deputado Wolney, queridos da Mesa e todos da audiência, os casos que envolvem liberdade religiosa no ambiente de trabalho nos últimos anos infelizmente desembocam nos tribunais. A Ana Júlia acompanha alguns no TST, no Supremo Tribunal Federal. Nós esperamos que nos próximos anos isso não seja necessário, que exista uma lei que não busque privilégio para religiosos, mas que a qualquer minoria religiosa se dê direitos, dentro de regras de acomodação e, lógico, de proporcionalidade, porque ninguém quer trazer danos a empresas de pequeno porte, por exemplo.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Muito obrigado, Dr. Uziel.
Eu vejo que o nosso Deputado Mauro Nazif voltou de uma votação. Quero agradecê-lo por ter iniciado esta audiência pública.
Dr. Uziel, eu escutei atentamente as suas observações. A primeira sugestão eu já acolho de imediato. Na terceira eu vou dar uma examinada. A segunda me inquieta um pouco, pela possibilidade de que um projeto de lei que visa justamente abolir a discriminação religiosa dê a volta e permita o agravamento dessa discriminação por outra via, pela via inversa.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Foi a sua sugestão, não foi?
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - A segunda.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Exatamente. Isso.
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O SR. UZIEL SANTANA DOS SANTOS - A nossa ideia, na verdade, é acrescer ao projeto um dispositivo, assegurando que empresas de qualquer segmento religioso que tenham uma ideologia específica... Permita-me lembrar, Deputado, que no caso de escolas confessionais isso já é texto de lei. A LDB fala que a escola confessional tem uma ideologia específica, e ela é montada nesses termos. O objetivo é evitar conflito. E, veja, na prática é assim. Não sei como é entre os islâmicos ou judeus, mas na escola batista e no segmento protestante em geral, a maioria dos professores e funcionários que está ali tem um vínculo afetivo, religioso com sua igreja. A ideia é que isso que na prática já acontece venha para o texto da lei como exceção. É lógico que se pode aprimorar aqui o dispositivo, mas a ideia é acomodar uma situação que já é existente.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Eu entendi perfeitamente a razão de ser da proposta. Entretanto, quando estamos elaborando aqui uma lei, nós temos medo de que a exceção, que é o menor caso, termine influenciando a regra geral.
E o que fazer para nos proteger ou para evitar que essas escolas confessionais, as escolas que têm já um contexto religioso determinado, que são a minoria no conjunto das empresas, terminem abrindo uma brecha para que haja discriminação contra a religião alheia? Ou seja, é preciso cuidar para que um sujeito, porque tem uma empresa e é evangélico, não possa fazer algum tipo de pergunta capciosa para evitar que um espírita trabalhe lá. Eu não queria nem denominar. Estou só dando um exemplo. É um receio que tenho em acolher essa segunda sugestão.
Mas eu diria aqui, sem querer me alongar, porque quero ouvi-los, que eu sou Deputado há seis mandatos — cheguei aqui em 1995 — e, cada vez que eu participo de uma audiência pública ou de uma sessão de debates da Comissão, é que eu vejo o enriquecimento que o processo legislativo dá aos temas.
Um Deputado propõe, com a melhor das intenções, um projeto, e acha que esgotou o assunto. Ele estuda, propõe, elabora, enxuga e deixa aquilo num ponto adequado, a seu ver, para o projeto de lei ser colocado. E aí o debate na Comissão traz um aprimoramento que não se esperava. Alguém traz uma palavra, outro traz uma sugestão, e aquilo vai se enriquecendo. O tema se esgota na Comissão, e o projeto vai para outra Comissão, onde o viés da abordagem já é outro, até chegar à Comissão de Constituição e Justiça — a maior parte dos projetos deságua na Comissão de Constituição e Justiça —, que avalia juridicidade, tecnicidade, enfim, um conceito mais jurídico da lei. Aí vem esse outro burilamento. No fim, o projeto fica muito mais aperfeiçoado. Isso é típico do processo legislativo.
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“(...) a liberdade religiosa está associada ao bem-estar de toda a sociedade. Um estudo recente, realizado em 101 países, conduzido pelo Hudson Institute's Center para Liberdade Religiosa, concluiu que a liberdade religiosa em um país está fortemente associada às outras liberdades (incluindo a liberdade civil e política, liberdade de imprensa e liberdade econômica) (...) Eles verificaram que, onde quer que a liberdade religiosa seja alta, melhores são os dados sobre saúde, mais elevados são os níveis de rendimento da população, democracia mais duradoura e melhores oportunidades educacionais para as mulheres. Além disso, a liberdade religiosa está associada com os mais elevados níveis de desenvolvimento humano, como mensurado pelo Índice de Desenvolvimento Humano (...) Em particular, a pesquisa e a teoria sugerem que a liberdade religiosa pode, direta e indiretamente, contribuir para a concorrência global, o crescimento econômico e melhores negócios de diversas formas, incluindo: I - melhoria do desenvolvimento humano e social; II - redução da corrupção; III - fortalecimento das instituições democráticas; IV - diminuição de conflitos e guerras; V - crescimento econômico; VI - ambiente de trabalho amistoso e favorável; e VII - encorajamento de pessoas de negócio e de fé para que compartilhem as suas motivações para a excelência. (...) Em um mundo cada vez mais religioso e diversificado, o tema religioso ocupará o centro do desafio deste século, que consiste em fazer com que a comunidade global dos negócios seja mais amistosa e produtiva. A Liberdade religiosa permite transformar o que poderia ser motivo de divisão em união de forças."
Acho que essa justificativa que nós trouxemos à baila sintetiza o desejo que nos norteou quando apresentamos esse projeto de lei.
Fico feliz com as manifestações. Infelizmente, eu não cheguei a tempo de ouvir as falas do Sr. Hélio Carnassale e da Sra. Silvana da Silva, mas vou pedir as notas taquigráficas depois — a assessoria também deve ter feito anotações — para saber quais foram as sugestões, quais foram as ponderações que foram feitas com relação ao projeto de lei.
O SR. GIRRAD MAHMOUD SAMMOUR - Cumprimento todos com a saudação islâmica Salaam Aleikum — que a paz de Deus esteja com todos vocês.
Deputado Wolney Queiroz, autor do requerimento, querido Deputado Mauro Nazif, Relator, cumprimento V.Exas., os demais colegas da Mesa e todos os presentes.
A ANAJI — Associação Nacional de Juristas Islâmicos é recente. Sua criação tem 2 anos. Seu objetivo não é somente defender a comunidade islâmica propriamente dita, mas também estar em parceria com outras entidades, na busca da tolerância, na busca da prevenção, na busca do diálogo e, principalmente, de acordo com a nossa Carta Magna, a nossa Constituição Federal. Então, o nosso objetivo principal é um trabalho conjunto.
Quando nós falamos de respeito, como a Dra. Silvana bem ressaltou, o termo "tolerar" seria inapropriado.
O termo "aceitar" é melhor aproveitado. A própria religião islâmica nos mostra, em seu livro sagrado, que Deus criou povos, tribos e nações para se conhecerem. Isso está num versículo do Alcorão. Outro versículo diz que "não há imposição quanto à religião". Assim, não há a obrigatoriedade de a pessoa se tornar muçulmana ou não. Então, nós estamos de acordo com a nossa Constituição: o Estado laico de respeito, de aceitar o outro. A partir do momento que a minha religião não respeita o outro, eu não pratico a minha religião. E o islã vem com esse princípio.
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Vemos que os muçulmanos que estão neste País estão contribuindo, desde bem antes do descobrimento, há 500 anos, não impondo a religião a ninguém e não transformando qualquer igreja em mesquita, muito menos na própria Espanha, onde os muçulmanos dominaram por 500 anos e não transformaram nenhuma igreja em mesquita. Então, o islã vem para o diálogo, para a cooperação. E nós, da ANAJI, queremos isso.
Parabenizamos este projeto de lei, que vem somar. Não vou entrar no mérito de vários artigos de lei, pois o querido Dr. Hélio já abordou alguns pactos de que o Brasil é signatário, assim como a Dra. Deborah nos passou com brilhantismo o que havia antes da Constituição de 1988 a que o Brasil aderiu. Mas lembro que recentemente, em 2001, havia o Projeto de Lei nº 16, de 2001, de Portugal, nosso país-irmão, cujo inciso I do art. 14 diz: "os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos e horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nas seguintes condições". Daí entram a flexibilização do trabalho, a questão do estudo, etc. Então, vemos que um país-irmão, recentemente, há 18 anos, veio colaborar com esse brilhante projeto de lei, que os nobres Deputados aqui estão para somar também.
Quanto ao art. 67 da CLT, que fala de "folga preferencialmente aos domingos", devemos lembrar também da Lei nº 605, de 1949, que é posterior àquele artigo. Ou seja, enquanto o art. 67 dizia que a folga deveria ser aos domingos, essa lei, que é posterior, diz: "preferencialmente aos domingos", revogando-se assim parcialmente o próprio dispositivo legal que busca aqui algumas alterações. Então, vemos que essa folga deve ser pautada de acordo com cada religião. E, quando falamos de um empregado feliz, satisfeito, nós temos um patrão, um empregador também satisfeito, nós temos produção, tranquilidade, uma sociedade sadia, por conta de aquela empresa estar produzindo, motivando os seus funcionários para que eles estejam tranquilos para praticar o seu credo e folgar naquele dia que é sagrado em cada religião.
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Então, vemos com brilhantismo esse projeto nessa questão, porque o empregado não é uma máquina, ele não pode ser visto como uma máquina. E o Estado Democrático de Direito, como bem ressaltou o Dr. Hélio, deve ser pautado pela igualdade, que, por sua vez, vai proporcionar aquela tranquilidade. Não há privilégio aqui para cada religião, mas há, sim, a prática no dia a dia do art. 5º, que inclui os direitos e garantias de cada cidadão. Então, não há privilégios, mas, sim, apenas benefícios para todas as pessoas envolvidas.
Quando nos referimos aos artigos que foram alterados e propriamente aos parágrafos, quanto ao brilhantismo e ao enriquecimento que cada palestrante nos passa, vemos que o § 5º, que foi incluído, cita os adereços religiosos. Eu conversei a respeito com o querido Adiel, que nos recebeu e cadastrou a Associação para vir aqui. Citamos o véu islâmico, mas em outras religiões existem outros adereços. Por que isso? Porque infelizmente as pessoas são discriminadas no ato da contratação, são discriminadas no dia a dia laboral por conta de usar um simples véu, ou uma quipá, ou uma taquia, independentemente do termo que a pessoa utiliza de acordo com sua fé. Isso é grave! E vemos, com grande valia, a inclusão desse § 5º: agora, neste ano de 2019, o STJ julgou favorável a freiras cristãs o direito de ter a foto na CNH com véu! Então, hoje, nós não temos um dispositivo legal que proteja essas minorias que desejam utilizar esses adereços. Então, esse § 5º, que foi incluído nesse projeto de lei, vem somar e dar mais sustentáculo às decisões recentes, que agora estão surgindo por conta desses atos de discriminação que infelizmente estamos vivenciando.
Portanto, cabe a nós repudiar qualquer ato de intolerância, buscar essa igualdade que o Estado Democrático de Direito nos assegura, para que as pessoas estejam em paz praticando seu credo livremente, não impondo ao outro, respeitando, aceitando e somando junto à sociedade. Nós rogamos que esse projeto seja aprovado e que tenhamos cada vez mais benefícios e mais luz nos caminhos, sejam eles no trabalho, sejam eles na sociedade em que vivemos.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Muito obrigado ao Sr. Girrad Mahmoud.
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A SRA. ANA MARIA SANTOS FIDÉLIS - Inicialmente, gostaria de cumprimentar o Deputado Wolney Queiroz, autor do projeto, o Deputado Mauro Nazif, que é o Relator, todos os integrantes da Mesa, os expositores da tarde de hoje, as senhoras e os senhores e todo o público aqui presente. Agradeço também o convite à Confederação Nacional da Indústria para participar deste debate e contribuir com um tema tão importante para a nossa sociedade, para cada um de nós cidadãos.
Como premissas, que inclusive já foram tratadas aqui por alguns expositores que me antecederam, destaco que o Estado é laico e há a necessidade de haver imparcialidade em relação às questões religiosas. Quero só trazer esse registro, para não esquecermos.
A nossa Constituição assegura a liberdade religiosa, com liberdade de consciência e liberdade de credo. Nesse caso, temos todos aqueles que não professam nenhuma religião e os que professam alguma religião, sendo todos protegidos. E há a necessidade de defender essa liberdade.
Podemos identificar nesta Mesa a liberdade e a diversidade, com os diversos expositores de sociedades religiosas, os representantes do setor produtivo. Há sempre um olhar em relação ao empregado. E ficamos muito felizes com a oportunidade de haver na Casa Legislativa um debate em que possamos tratar da liberdade religiosa.
Por todas essas questões, consideramos meritória a iniciativa do PL. E, pensando a liberdade religiosa no ambiente do trabalho e as garantias constitucionais, de que já tratamos aqui, cumpre trazer também as garantias constitucionais e princípios relativos ao empregador, uma das partes da relação no trabalho. E aí nós temos o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência que conferem ao empregado o livre exercício de suas atividades sem a interferência do Estado, do poder público na atividade econômica.
Adicionalmente — e até já foi tratado um pouco aqui —, temos também o poder diretivo do empregador, que confere a possibilidade de contratar e identificar os profissionais para exercerem suas atividades, de controlar e definir qual jornada de trabalho será cumprida, conforme a sua necessidade, o seu planejamento estratégico e o negócio que ele escolheu para empreender, sendo o empregador e os segmentos produtivos os que geram empregos no País.
Trazendo esse preâmbulo, conseguimos observar que as garantias e os princípios constitucionais atendem a todos, o que é excelente. E o objetivo da Constituição é a inserção de todas as partes de uma relação. Qual seria o caminho para entrar em um consenso, para se identificar um equilíbrio e poder atender à necessidade do cidadão, à necessidade do segmento econômico da atividade produtiva e para conferir o direito à liberdade religiosa no ambiente de trabalho? O que nós pensamos, Deputado, tanto o autor, como o Relator e todos os presentes, é que a própria Constituição traz — e recentemente tivemos a reforma trabalhista — o caminho da negociação entre as partes, seja por convenção coletiva, seja por acordo coletivo, ou mesmo por acordo individual.
Dessa forma, entendemos que o tema é típico de negociação coletiva ou de acordo individual, sendo esse um dos instrumentos mais importantes nas relações de trabalho. Os benefícios que a negociação coletiva ou que o acordo individual podem trazer referem-se ao equilíbrio e sustentabilidade nas relações de trabalho, soluções adequadas e flexíveis para as partes e benefícios mútuos, além do aumento de produtividade.
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A Lei nº 13.467, de 2017, que é da modernização trabalhista, apesar da previsão constitucional do reconhecimento dos acordos e convenções coletivas, trouxe expressamente nos arts. 611-A e 611-B os pontos que podem ser negociados e o que não pode ser negociado. Especificamente sobre um dos pontos principais do projeto, que é o deslocamento do dia do repouso semanal remunerado, não há proibição para que seja negociado, ele apenas proíbe a supressão, mas não há nenhum impeditivo para que se negocie o deslocamento do dia do repouso semanal remunerado. E quanto ao que consta no artigo 611-A, que são as possibilidades do que pode ser negociado, nós temos o horário de trabalho, a jornada de trabalho e também os dias de feriado. Você pode fazer uma substituição.
Nessa visão nós trazemos ainda outro ponto importante, e daí a necessidade de equilíbrio das relações. Talvez um dos melhores caminhos — como sugestão, pois foi solicitado, no início da audiência, de que forma as partes, os expositores poderiam contribuir —, e mais uma vez reforçamos, seja a necessidade da negociação e do acordo individual. E trazemos outro ponto importante, quanto à real possibilidade de, por lei, se especificar a obrigatoriedade ou não de deslocar esses dias destinados ao repouso.
Eu trouxe aqui alguns dados do SEBRAE sobre as micro e pequenas empresas. Em nosso País, do total de empresas registradas, 99% são micro e pequenas empresas. Dessas empresas, nós temos aí 12 milhões de negócios e 8,3 milhões de microempreendedores individuais. As micro e pequenas empresas respondem por mais de 50% dos empregos do País. Então, quando a gente analisa que 75% dessas empresas têm até 50 empregados, talvez, uma imposição quanto à negociação, quando a gente trata por lei, pode em algum momento inviabilizar alguns negócios. A gente pensa que são quem mais produz, quem mais emprega no País e que talvez tenha maiores dificuldades de realizar adequações.
Então, a gente entende que um dos caminhos que já estão previstos constitucionalmente e também na lei, com a reforma trabalhista, talvez seja a negociação coletiva, o acordo coletivo e também o acordo individual. Na realidade das micro e pequenas empresas, essa conversa direta com o proprietário da empresa, com o empregador e as necessidades do dia a dia, na verdade, são a realidade. E pensando em termos de País, a gente analisa toda a diversidade das nossas regiões, os tipos de atividade econômica, a cultura local, o tipo de empresa, enfim. Então, talvez esse seja um dos caminhos para que a gente tenha uma saída de consenso e de equilíbrio.
A CNI, mais uma vez, agradece o convite para participar desta audiência e convida à reflexão, se talvez essa negociação direta que identifique a realidade das partes, principalmente considerando o nosso representativo de pequenas e médias empresas, também não venha a ser um dos caminhos para o projeto de lei.
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16:40
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O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Muito obrigado, Dra. Ana Maria.
Eu queria, antes de convidar os próximos três oradores, dizer que a palavra está facultada ao eminente Relator, à hora que quiser, para sugerir, para questionar. É só pedir o microfone.
Gostaria de chamar para compor a Mesa o Sr. Antônio Lisboa Cardoso, advogado da Divisão Sindical da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo; o Sr. Luigi Braga, Diretor Jurídico da Igreja Adventista do Sétimo Dia para a América do Sul; e a Sra. Cyntia Ruiz Braga, representante da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.
O SR. LUIGI BRAGA - Ilmo. Sr. Deputado Wolney Queiroz, que teve essa brilhante e desafiadora iniciativa, na pessoa de quem cumprimento os demais Parlamentares e demais palestrantes que estão à mesa, esta é uma oportunidade muito interessante de estar aqui, porque este ano faz 20 anos que entrei com o primeiro mandato de segurança defendendo as mais diversas religiões. Hoje eu trabalho para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, mas eu sempre tive um ministério paralelo de advogar para instituições de religião de matriz africana, para testemunhas de Jeová, judeus, muçulmanos. Sempre trabalhei em prol da liberdade religiosa, por entender, como advogado, que isso era sinônimo de inteligência da humanidade.
Inclusive já advoguei para vários ateus, para exercerem o direito de não ter uma religião. E foi muito interessante essa audiência que eu tive, porque o juiz disse: "Mas, doutor, o senhor aqui?" Eu respondi: "Por que não, excelência? Não ter uma religião também é um direito". E não se iludam, sofrem tanto preconceito como quem tem religião.
Era importante que a gente tivesse uma noção do que foi conquistado na Constituição Federal e o mais interessante disso é que, quando isso foi feito, a liberdade religiosa emprestou... Os direitos condicionais de vez em quando são cíclicos no exercício do dia a dia. Então, numa época em que nós tínhamos a liberdade filosófica e política mais fraca, a liberdade religiosa emprestou credibilidade, e agora a liberdade religiosa está buscando credibilidade na liberdade política e filosófica. E assim nós vamos lidando com isso.
O texto, em si, essa interpretação que eu vou passar para vocês agora já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal e por todos os Tribunais Regionais Federais no Brasil, então tenho jurisprudência para contribuir depois.
Inclusive, Deputado, se o senhor quiser ver um pouco dessa jurisprudência, isso pode ser útil na análise do que o senhor está fazendo.
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16:44
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Muita gente pensa que a prestação alternativa é essencial para o exercício desse direito, mas não é. Vamos ler com cuidado e vocês vão ver. Parece uma coisa simplória gastarmos um tempo com isso, mas é importante vermos o que diz o art. 5º, inciso VIII, da Constituição: "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (...)" Ponto! Essa é a regra vigente no nosso País. Você não vai perder direito pela sua convicção filosófica, pela sua convicção política e pela sua convicção religiosa.
Nós sabemos que, hoje, questões políticas, filosóficas e religiosas podem gerar conflitos no nosso País, não é verdade? Mas é para isto que existe o Poder Judiciário, é para isto que existe o Ministério Público, é para isto que existem as associações: para fazer um debate democrático. Para esse assunto ser discutido existe o Congresso Nacional. A garantia constitucional é esta: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. Ponto! Essa é a regra geral.
Só que o Estado contemplou uma exceção. A Constituição Federal contempla uma exceção, e é nessa exceção que o Estado pode agir. Ao contrário do que às vezes possa parecer — que nós estamos fazendo um trabalho em prol da liberdade religiosa só do empregado —, nós também estamos fazendo um trabalho em prol do empregador. Isso é uma confusão, Deputado.
Eu estou acompanhando de perto com um amigo meu a questão que está acontecendo na China com o direito do trabalho. Antes, havia aquele grande movimento que achava que, como na China não havia direito do trabalho, isso era uma grande vantagem. Só que agora os empregadores na China estão lamentando não existir direito do trabalho. Por quê? Porque a mão de obra ficou qualificada, ficou cara, e o indivíduo não tem compromisso com o empregador também. Está-se vendo a coisa girar. Quando falamos de liberdade religiosa, nós não estamos falando só do direito do empregado: nós estamos falando do direito do empregador também. Esse é um elemento para trazer equilíbrio na relação.
Quando dizem que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, essa é a regra geral. Agora vem a exceção, que são duas condições aditivas, ou seja, duas condutas que o indivíduo tem que ter para sofrer restrição. Quais são? Se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta — esta é a primeira condição — e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. Aí ele pode sofrer restrição à regra geral garantida no caput.
O que o Congresso Nacional está fazendo agora, através desse projeto de lei, através dessa possível lei, é trazer essa faculdade para o Estado, porque o Estado irá dizer qual é a prestação alternativa. É claro que o projeto ainda tem coisas para serem discutidas — e tenho certeza que ele vai ser aperfeiçoado, como outros projetos de autoria de V.Exa. e outros que já foram trabalhados aqui em audiências públicas —, mas este é um elemento que tem que ficar claro: a recusa a cumprir prestação alternativa fixada em lei.
O que esse projeto de lei está dando é uma possibilidade de regulamentar isso com relação à liberdade religiosa. Ali nós estamos falando de uma conduta dupla, e essa conduta precisa acontecer para o indivíduo sofrer a restrição. Esse é o entendimento que temos hoje e é o entendimento que estamos defendendo agora no Supremo Tribunal Federal.
Para vocês terem ideia da atualidade desta discussão que estamos fazendo nesta audiência pública, o Supremo Tribunal Federal hoje tem um caso muito interessante aguardando para ser julgado. Trata-se de um caso de um adventista do sétimo dia que se candidatou para fazer um concurso público. O concurso público não tinha data designada, a qual foi designada para um sábado. Vejam a ironia: era um concurso público para um tribunal; o tribunal negou a participação dele em horário alternativo na esfera administrativa; nós entramos com um mandado de segurança no mesmo tribunal, e o tribunal, na atuação judiciária, concedeu a liminar contra o próprio tribunal. Ele conseguiu a liminar para o mandado de segurança e, por ironia do destino — ou providência, como os religiosos podem acreditar —, ele ficou em primeiro lugar no concurso.
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Na segunda etapa, marcou-se novamente a prova para um dia de sábado. Novamente tivemos que entrar com um pedido, e o juiz manteve a decisão. Ele fez a prova de novo em horário alternativo e manteve o primeiro lugar. Resultado: terminou o certame, e ele ficou em primeiro lugar, mas nem ele nem ninguém foi nomeado, pois houve um recurso para o Supremo e foi declarada a repercussão geral, o que inclusive está sob a relatoria do Presidente, o Ministro Dias Toffoli. Nós estamos aguardando o julgamento dessa questão.
Vejam os senhores a necessidade e a importância disso. Um servidor público que passou em primeiro lugar em todas as etapas para trabalhar num tribunal não assumiu por uma questão religiosa que está, no caso, sub judice no Supremo Tribunal Federal. Percebam que isso não é uma coisa tão simples como pensamos. O que nós estamos propondo aqui é trazer equilíbrio para uma relação difícil. Vejam o que estamos pedindo para uma pessoa. Eu queria dizer a vocês que isso não é fácil, isso não é tão simples como imaginamos. A convicção religiosa é algo muito mais complexo do que podemos imaginar.
Eu me lembro bem de uma aluna, na Universidade Federal de Sergipe, que estava concluindo o curso. Ela era minha orientanda no trabalho de conclusão de curso dela, que era sobre transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová, um elemento complexo. Ela perguntou a minha opinião, e, num primeiro momento, eu fui contra. Ela disse: "Pois então o senhor agora vai comigo para fazermos entrevistas". Nós fomos fazer entrevistas com pessoas que estavam para receber transfusão. Ela me legou entrevistar um indivíduo que tinha recebido uma doação de sangue por ordem judicial. Ele simplesmente olhou para mim e disse assim: "A melhor coisa que poderia ter me acontecido naquele dia era ter morrido naquela cirurgia. Acabou a minha vida". Aquilo mudou tudo para mim. Ele falou: "Você não está entendendo. Se era para viver desse jeito, eu preferia não viver". Aquilo mexeu muito comigo, porque, para mim, o direito à vida por direito à liberdade religiosa não estava em questão. Ele disse assim: "O juiz disse que, para preservar o direito à vida, ele deu a ordem judicial para que eu aceitasse a transfusão. Pois a vida foi exatamente o direito que ele me tirou, porque eu não considero que eu viva mais".
E aquilo mexeu comigo. Então, o projeto que está em suas mãos, Deputado, e que vai ser levado para análise desta Casa é algo muito mais complexo do que imaginamos.
Eu acompanho esses casos de perto e sei o desafio que é para uma pessoa que passa por esses problemas em decorrência de sua ideologia. Ela está num emprego e está se esforçando para fazer o trabalho, mas é designada para trabalhar, por exemplo, num dia de sábado não judeu. Entre os judeus, nós sabemos que há vários casos. Há judeus que são mais flexíveis, que são mais liberais, mas nós temos casos de judeus ortodoxos, por exemplo, que não usam elevador aos sábados. Nós temos casos de judeus que não dão mais de mil passos aos sábados. E não é, Deputado, uma coisa de agora, não! Essa é uma questão milenar. Por exemplo, eu me lembro uma vez quando eu disse a um desses jovens judeus ortodoxos: "Olha, você tem que entender que por causa do sábado você vai ter que pagar esse preço." Ele disse: "Por causa do sábado, não! Por causa da ignorância das pessoas à minha crença." E eu percebi que é uma coisa muito mais sensível do que imaginamos.
Então, no caso dessa questão constitucional, o que nós estamos trazendo é, por incrível que pareça, a regulamentação de um limite. O senhor está propondo a criação de uma exceção de expectativa prevista em lei para trazer equilíbrio à relação entre empregado e empregador. Então, esse é um desafio muito maior do que simplesmente garantir algo para pessoas que têm uma crença, é garantir equilíbrio para essa relação.
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Por isso, o desafio de entender como isso vai funcionar em alguns parágrafos. Nós já mandamos algumas sugestões. Nós estamos trabalhando juntos com alguns aqui para que possamos trazer mais sugestões. Eu vou mandar para o senhor também o relatório. Eu posso disponibilizar, para quem tiver interesse, várias jurisprudências que nós temos sobre esse assunto, para que os senhores vejam como é que os tribunais estão discutindo isso no Brasil. Isso não é novidade. Não falamos muito disso, mas o Brasil já avançou muito nessa discussão de liberdade religiosa.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Agradeço a manifestação ao Dr. Luigi Braga e passo a palavra ao Sr. Antônio Lisboa Cardoso, advogado da Divisão Sindical da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo — CNC.
O SR. ANTÔNIO LISBOA CARDOSO - Exmo. Sr. Deputado Wolney Queiroz, Presidente da Comissão, que estava aqui presente, agradeço o convite que nos foi formulado para debater assunto tão importante.
É evidente que, em relação à questão do aspecto religioso, acho que não precisamos, não teríamos competência e nem condições para falar, dada a riqueza aqui de falas e de contribuições que vieram a este auditório hoje. Foi muito bom poder participar desta discussão, com riqueza de diversidade religiosa, fruto da tolerância religiosa que vigora, que impera em nosso País, que esperamos que continue. Esperamos que projetos dessa natureza venham reforçar ainda mais essa convivência pacífica entre todas as religiões.
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É evidente que, aparentemente, parece não haver nenhuma contradição. Todos nós convergimos para o mesmo pensamento que deve prevalecer, que é a completa ausência de discriminação religiosa, em qualquer meio, quer seja na ocupação, no trabalho, nas escolas, em qualquer localidade, sem dúvida.
O que trazemos aqui, nobre Deputado, Relator, autor do requerimento, não é uma contestação ou uma confrontação ao projeto, mas, sim, particularidades que gostaríamos que fossem levadas em consideração quando da aprovação do projeto. Nós temos, como bem colocado aqui pelo Dr. Luigi Braga, a questão da importância e da necessidade de se contemplar o direito de empregadores e também dos trabalhadores. Quer dizer, não só dos trabalhadores, mas também dos empregadores. E nós percebemos que, especificamente em relação ao projeto, esses dois princípios não estão muito bem colocados. Eu não diria que estão em confronto, mas precisam ser melhor explicitados. Por exemplo, um ponto do projeto ressalta a importância, quando é dada, da solução ao comum acordo. Perfeito! A Dra. Ana Maria, da CNI, trouxe a posição da CNI em relação à solução desses conflitos por meio da negociação coletiva, quer seja pelo acordo, pela convenção ou acordo individual de trabalho.
Então, nesse ponto, quando ela diz que o projeto caminha para estabelecer a importância do acordo, nós somos plenamente favoráveis ao projeto. Ocorre, porém, que o projeto veda ao empregador, por exemplo, que vai fazer a entrevista ter conhecimento daquela posição religiosa ou da crença daquele trabalhador, que eventualmente poderia não ter condições de trabalhar em determinado dia da semana no qual a empresa exerce suas atividades. E muitas vezes, Deputado, como a maioria é de microempresas... Por exemplo, nós temos uma gama de empresas que têm dois empregados. No caso de uma empresa que faz entrega, naquele dia em que só tem um trabalhador, como ele vai poder fazer essa alternância, essa compensação? Então, esses pontos que nós colocamos não visam confrontar ou rebater o projeto. Não! Nós queremos verificar como e quando o Congresso Nacional, que é soberano para poder encontrar saída para esses problemas, vai levar em consideração os pequenos empregadores, que não têm condições de fazer essa alternância, essa compensação em outro dia da semana. Muitas vezes a empresa não trabalha aos domingos, mas trabalha aos sábados. E às vezes isso vai trazer um eventual conflito.
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Esse dispositivo aqui, parcialmente, até caminharia para atender esse ponto. Mas como, de imediato, o empregador fica proibido, durante entrevista, de ter esse conhecimento; isso acaba cerceando o direito do empregador nesse ponto.
E também não podemos nos esquecer que a liberdade religiosa também se expressa através do direito do próprio trabalhador ou da pessoa humana mudar de religião. Eu estou sendo entrevistado e não comungo daquela fé, mas, posteriormente, eu posso vir a adotar aquela religião. E aí como o empregador teria condições de resolver esse problema do empregado que vai faltar ao serviço e, por algum motivo, alia a questão da sua religião àquele dia em que ele não poderia estar trabalhando?
Seriam exceções, mas eu as cito apenas para refletirmos sobre como aperfeiçoar o texto. Não quero dizer que o projeto não tenha sido bem estudado; mas o assunto é muito complicado. Se fosse tão fácil, acho, não precisaríamos estar em uma audiência pública, pois o nosso Deputado já teria feito o projeto e espontaneamente encontrado a saída.
São essas as questões que trazemos para reflexão, Deputado. E trazemos aqui também a questão dos números, das estatísticas, segundo as quais uma grande parte de empregados, talvez um terço das microempresas tenham até 4 empregados. E aí vamos ter empresas com um empregado.
E, então, como bem colocado pela Dra. Ana Maria, temos a questão da própria reforma trabalhista que veio privilegiando a negociação coletiva. É uma alternativa, uma saída que temos. E precisamos fazer o quê? Reforçar as entidades sindicais. E, quando falo em reforçar as entidades sindicais, não me refiro apenas às entidades patronais, mas também às de trabalhadores, para podermos levar essas preocupações quando da realização dos acordos coletivos.
Acho que esta audiência pública, quando cair na Internet, na rede mundial de computadores, já vai motivar, Deputado, tenho certeza, inúmeras cláusulas que, depois, podemos aqui estar debatendo. "Olha, o sindicato tal, ouvindo aquela palestra, resolveu levar o assunto para sua base e encontrar uma saída negociada". Eu tenho certeza de que o projeto já está contribuindo com isso.
Então, são essas as nossas preocupações. Não são contrariedades ao projeto, mas preocupações que trazemos, a fim de que sejam consideradas quando da efetiva votação do projeto, para que contemplem também a questão do microempreendedor individual ou do pequeno produtor rural — que, às vezes, têm só um empregado, e o empregado deles também têm direito à religião e o direito de professá-la. Como nós vamos resolver? O Estado é laico. Evidente que, se sou um trabalhador rural e estou sozinho, vou procurar alguma outra atividade que me permita exercer a minha religião.
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Não entro na discussão quanto ao mérito da decisão — e foi um ponto extremo aqui citado como exemplo — sobre a pessoa que preferia morrer do que receber uma transfusão de sangue. Lógico que, para mim, não faz sentido. Mas quem sou eu para julgar e dizer que o meu pensamento deve ser o prevalente?
Então, nós aqui da CNC não entramos na questão da religiosidade, apesar de ser interessante. Acho que o mundo tem sido cada vez mais violento, e nós precisamos da religião, que é importante para trazer benefícios para a alma. A mente da pessoa estará sendo trabalhada, e nós vamos ter um mundo melhor — acreditamos nisso. Mas pedimos que sejam consideradas essas particularidades que afetam — e muito — a maior parte das empresas que compõem o quadro de representação da Confederação Nacional do Comércio, que é o comércio de bens, serviços e turismo em todo o País.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Obrigado, Dr. Antônio Lisboa.
Eu acho que está claro aqui que o nosso interesse nesta audiência pública é justamente buscarmos o que disse o Dr. Luigi: o equilíbrio para elaborarmos aqui uma lei que possa acrescentar, realmente, algo na vida do povo brasileiro.
Então, não é uma tarefa simples, mas ela tem que ser enfrentada. E estamos aqui dando nossa modesta contribuição para isso.
A presidente da minha associação, Dra. Sarah Hakim não pôde estar presente hoje, mas considera de extrema importância esse tema. Ela me escalou porque sou mestranda da USP e tenho estudado bastante a questão não só da liberdade religiosa, mas também a do direito à saúde para o trabalhador religioso. Visualizo esse tema em direito comparado.
Vou buscar alinhar as falas. Infelizmente, o Deputado não estava presente, mas eu me refiro à fala da Dra. Deborah, que já se retirou. O princípio da adequação é, na verdade, mais do que a tolerância, conforme foi colocado aqui na Mesa; ele é a verdadeira aceitação, o verdadeiro respeito e já é utilizado há muito tempo, realmente, na Comunidade Europeia.
Eu trouxe alguns exemplos aqui que vão ao encontro de várias falas e podem colaborar principalmente na leitura e, vamos dizer, às sugestões de acréscimos em alguns artigos.
Mas, em primeiro lugar, eu queria até falar que a liberdade religiosa — em respeito e valorizando a nossa Constituição — está prevista no art. 5º e, principalmente, que é inviolável a liberdade de consciência, de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e, garantida na forma da lei, a proteção aos locais de culto e liturgias, conforme vimos no eslaide.
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Mas não somente o art. 5º prevê esse direito, mas a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como já colocado aqui, proclamada na Assembleia das Nações Unidas e na Comissão Europeia dos Direitos do Homem, consagra o conjunto de direitos humanos e liberdades fundamentais, em um sistema que visa garantir o respeito, pelas obrigações assumidas, pelos Estados contratantes. E o Brasil é um Estado contratante.
Portanto, a liberdade do pensamento, da consciência e da religião está prevista na Convenção dos Direitos do Homem, no art. 9º, assegurando-se também que qualquer pessoa possa mudar de religião — e falamos aqui da mudança de religião — e manifestar sua crença individual e coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, ensino, práticas e celebrações de ritos.
Mas o art. 14 dessa mesma Convenção fala que é proibida a discriminação. E o que nos falta, às vezes, é refletir sobre o que é discriminação. Lembramos que a intimidade da vida privada está prevista em nossa Constituição também — o respeito a essa intimidade.
Eu trouxe alguns exemplos do Código português, que foi colocado aqui na Mesa brevemente, mas que também entrou bastante no que estamos contemplando nos artigos. Inclusive, em uma das alterações, temos um substrato de jurisprudência europeia internacional. Trata-se do caso de uma empresa de companhia aérea que estava discutindo se poderia colocar o crucifixo em uma das aeromoças, uma vez que as demais já estavam usando turbante. Essa que usava crucifixo estava sendo discriminada no ambiente de trabalho. O pedido foi levado a duas instâncias. Na primeira instância foi negado. Em Lisboa, foi viabilizado, foi mantida a questão da liberdade dela de utilizar o crucifixo no ambiente de trabalho. Mas somente na Corte Constitucional foram realmente compatibilizados os princípios, quer sejam os da livre iniciativa, da atividade econômica, mas também da expressão coletiva ou individual daquilo que é o direito de crença religiosa. Então, se a outra a outra trabalhadora poder usar um turbante, por que ela não poderia usar o crucifixo?
Então, quando realmente pensamos de forma plural, devemos considerar esses casos. Eu posso até contribuir trazendo esse substrato jurisprudencial que justifica essa inclusão muito bem colocada aqui no § 5º. Eu, inclusive, li ontem esse dispositivo, quando estava pesquisando sobre o tema.
Em relação à Diretiva 2000/78 da Comunidade Europeia, acho interessante porque ela fala de um quadro geral de igualmente de tratamento no emprego, na atividade profissional, reforçando, depois, a Convenção nº 111, proibindo a discriminação em matéria de emprego e atividade profissional.
E aí faço uma pequena distinção. Ao dar aulas como monitora na USP, fazemos uma distinção entre relação de emprego e relação de trabalho. Então, quando o artigo aqui fala em "relação" — e nós estamos falando do art. 67 da CLT — e fala de "relação de emprego"; não podemos perder de vista que temos atualmente a "relação de trabalho", que é o caso do Uber e de vários outros tipos de trabalho, inclusive a nossa chamada "pejotização".
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Isso tem que ser ponderado e verificado. Temos que ver se é esse o objetivo mesmo, se é só colocar realmente as pessoas que estão subordinadas, de forma técnica, financeira, estratégica, econômica, ou se nós vamos colocar aqui também relações de trabalho, como alguns artigos da CLT fazem menção. Essa é uma ponderação que acredito ser interessante colocarmos, pela nossa realidade de mundo, de mercado de trabalho, que está avançando e se aprimorando nesse sentido. Eu não vou considerar apenas o trabalhador, que precisa de uma proteção, aquele que tem um vínculo de contrato de trabalho. Vai além disso.
A Diretiva 2000 da Comunidade Europeia faz algumas ponderações, que eu destaco aqui, rapidamente, no art. 14. Ela fala o seguinte: "Pensando nas empresas de pequeno, médio e grande porte, há que se considerar aqueles que trabalham em regime de flexibilidade de horário". Então, é importante verificarmos que realidade de empresa nós temos, para que aquilo que vira uma proteção não vire depois um tiro no pé — desculpem a expressão —, não vire depois uma perseguição desse trabalhador. Se nós olhamos para uma multinacional, verificamos regimes, vários tipos de rotatividade, flexibilidade.
O código português, essa diretiva, ponderou três pontos: a questão do regime de flexibilidade de horário; a questão de serem membros comprovados de uma igreja ou comunidade religiosa inscrita que enviou no ano interior a membro competente do governo... Há a boa-fé tanto de empregado como de empregador. Mas, infelizmente, o trabalhador pode se dizer adventista, por exemplo, e não ser; pode se dizer membro de uma outra igreja para que não venha a trabalhar no sábado, e não ser. No Brasil, dado esse nosso respeito à liberdade religiosa, cada dia nasce uma igreja diferente. Como nós vamos proteger realmente esse trabalhador de forma que isso não vire um desprestígio social, ou, mais do que um desprestígio social, uma discriminação, que pode se acirrar. Aqui estamos falando de uma diretiva que visou o quê? A liberdade religiosa dentro da administração pública direta, que garantisse realmente que o trabalhador pudesse utilizar, seja em home office, seja em regime de jornada, outros dias para compensar aquele dia de descanso religioso dele. E, por fim, o terceiro ponto, a compensação integral, que já está sendo abordada aqui.
São pontos com que podemos aprender. Vejam bem que começaram em 2001, então provavelmente já há jurisprudências que podem nos ajudar a errar menos aqui e acrescentar.
E lembro que, quanto à questão da espiritualidade, não preciso ter uma religião, eu posso ser uma pessoa espiritualista e não ter uma religião determinada.
Faço votos, elogio muito esta iniciativa, como representante da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, porque nós temos a Constituição, mas precisamos de uma lei para reforçar, para dar uma orientação, inclusive para estar numa vanguarda que antevemos, por que não? E às vezes reparativa também.
A espiritualidade e a religiosidade são matérias que, para nós, são vistas como de saúde mental, porque, com um meio ambiente mais equilibrado, equânime, o trabalhador tende a se colocar como ser humano e não como uma máquina e o seu trabalho como um produto.
Temos que olhar um pouco para essas diretivas. Temos vários exemplos.
Inclusive temos dois casos europeus em relação à Igreja Adventista, muito importantes, que foram muito discutidos, sobre a questão da antecipação da comunicação, a possibilidade de a pessoa alterar a religião, a questão de ela realmente ser membro e aquilo não ser só uma desculpa para ela não ir ao trabalho. E aí caímos num viés perverso, contrário ao que se tentou aqui.
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Então, como nós estamos numa Casa que permite a colaboração, que permite sugestões, é melhor que nós blindemos aqui do que lá fora, para não cairmos num desprestígio total e não haja a aprovação da matéria.
Enfim, essas são reflexões de direito internacional comparado, principalmente português. Posso colaborar deixando todo o material aqui. Inclusive a Associação dos Advogados se coloca à disposição para isso, não o enviando somente a mim. Eu não participo da Comissão Religiosa, mas participo da Comissão de Direitos Humanos de São Paulo e da Comissão de Direito Individual do Trabalho também. E pratico a cidadania na Comissão OAB Campinas Vai à Escola.
Também tenho uma religião e respeito enormemente a diversidade, já passei por cinco denominações diferentes. Inclusive convivi com adventista. Eu sei das dificuldades que são sentidas na pele, e aprendemos a respeitar vendo o sofrimento do outro tão próximo de nós.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Obrigado, Dra. Cyntia.
A SRA. SILVANA DA SILVA - Eu vou fazer uma réplica a respeito de algumas colocações que pontuaram que a matéria estaria aberta ou seria própria para negociação coletiva. Elas foram feitas pela Dra. Ana e pelo Dr. Antônio Lisboa.
Eu considero que não estamos falando de direitos de categoria que estariam sendo tratados de uma forma coletiva, e sim de liberdade individual. Por isso eu quis fazer essa contraposição, porque aqui estamos tratando mesmo de individualidades, de crenças e de subjetividades. Então, eu acho que não seria apropriado versar sobre esta questão dentro de normas coletivas, dentro de interesses de categoria, porque, quando se fala em categoria, está-se tentando uma melhoria da condição de vida para aquela especificidade de trabalho, para aquela natureza de atividade, para aquela atividade peculiar. Então, eu acho muito acertado tratar esta questão dentro de um projeto de lei. E, como bem pontuou o Dr. Luigi Braga, há na Constituição uma abertura para tratar deste tema por lei.
Outro aspecto que foi colocado é o de que, quando se fala em pequenas empresas, empresas com um número menor de empregados, estaria prejudicado tratar desta questão ou contemplar um trabalhador ou outro.
Eu não vejo que estaríamos diante de uma questão de prejuízo, e sim de diálogo dentro da empresa, inclusive microempresa, pequena empresa, empresa de pequeno porte, porque o projeto de lei traz a possibilidade de o empregador, justificadamente, fundamentadamente, não contemplar com essa faculdade o empregado. Inclusive diz que, se a atividade é essencial para o desenvolvimento das atividades da empresa, vai caber, sim, um veto a essa flexibilização. Então, acho que essa questão já está contemplada pelo projeto de lei, pelo texto da lei, de ser avaliada casuisticamente.
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Eu acho que não podemos tratar a liberdade de crença, a liberdade religiosa, como uma questão ampla, até porque temos religiões de vários patamares, vários tamanhos, várias proporcionalidades, várias proporções. Então, esta questão deve ser considerada individualmente, de acordo com a natureza dela — é uma liberdade individual, uma garantia, um direito, uma liberdade fundamental.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Obrigado, Dra. Silvana.
Não faço uma tréplica à posição do Ministério Público, à sua ilustre representante aqui, mas não seria a primeira cláusula de direito individual que nós estaríamos defendendo em convenção coletiva. Por exemplo, defendemos nos nossos sindicatos a erradicação do trabalho infantil. E nós normatizamos cláusulas de que a empresa não contratará trabalho de criança, trabalho de menor de idade que não seja permitido. Isso é um direito individual e nós estamos colocando em cláusula de convenção coletiva. Então, isso é pacífico, é tranquilo, até porque nós não estaríamos suprimindo nenhum direito. Se fosse questão de suprimir o direito, concordo. Mas não é o que nós estamos fazendo aqui; estamos caminhando no sentido de assegurar aquele direito.
Outro ponto que eu gostaria de colocar — a Dra. Cyntia pontuou muito bem, mas gostaria de mostrar outro ângulo — é a possibilidade de um projeto como este vir a ser aprovado e se transformar em discriminador de pessoas que professam determinadas religiões. Hoje nós convivemos pacificamente, no âmbito de trabalho, com todas as religiões, temos conseguido resolver esses conflitos. Agora, quando nós colocarmos isso, determinados nichos de trabalhadores podem ter dificuldade e, então, pode começar a haver conflito religioso no ambiente de trabalho.
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Outro ponto que pedimos para ser considerado é que o endurecimento de uma lei que obriga a pessoa a contratar, independentemente desses riscos, pode afugentar ainda mais os investidores. As pessoas deixam de investir. Portanto, com aumento do número de desempregados, não haverá solução para a questão do desemprego, que já é grande em nosso País.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Obrigado, Dr. Antônio Lisboa.
A SRA. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Eu só queria fazer uma observação a respeito de dois aspectos.
A primeira observação é que foram invocados os princípios da livre iniciativa e da concorrência como princípios que estariam, de certa forma, no mesmo patamar da liberdade religiosa. Eu só gostaria de lembrar, como eu disse por ocasião da minha exposição, que os Estados Unidos da América, ou seja, o berço da livre iniciativa, da ampla competição e ainda de baixa legislação, têm um ato específico sobre liberdade religiosa desde 1972, exatamente com aspectos relativos ao ingresso e à acomodação no ambiente de trabalho. Então, não temos aqui princípios que estejam competindo entre si; temos, sim, a liberdade religiosa como um princípio que se sobrepõe, inclusive, à livre iniciativa e à ampla concorrência.
A segunda observação é que nós estamos vivendo numa sociedade livre de qualquer preconceito religioso, que nós temos relações muito confortáveis no ambiente de trabalho. Isso não é verdade, tampouco. Nós temos, sim, um país que, apesar de ser laico, vem historicamente se acomodando a religiões majoritárias, enfim. Por isso, nós temos o domingo como dia de descanso. Isso não é fortuito, é o endosso de algumas concepções majoritárias, apenas isso.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Obrigado, Dra. Deborah.
O SR. BERNARDO PABLO - Quero cumprimentá-lo, Deputado Wolney Queiroz, agradecendo pela oportunidade, e quero cumprimentar também o Relator, Deputado Mauro Nazif.
Eu procurarei ser breve. Nós analisamos o PL e temos algumas considerações a fazer, partindo das seguintes premissas. A liberdade religiosa é um direito fundamental, consequentemente, um direito irrenunciável e inegociável. Diante disso, para nós nos causou certa estranheza, com o devido respeito, a questão da possibilidade, no § 2º, de ocorrer... Ou seja...
"§ 2º Nos termos do inciso VIII do caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988, é assegurada ao empregado, em comum acordo com o empregador (...)"
Que ele possa usufruir o seu direito irrenunciável e inegociável. Portanto, se é um direito irrenunciável e inegociável, não há possibilidade de haver acordo. No caso dessa situação de prestação alternativa, nós já temos modelos em outras leis. Portanto, nós podemos eventualmente seguir a sistemática.
Ou seja, a pessoa apresenta o seu requerimento dizendo: "Olha, em tal dia, em tal horário, eu não posso." Perfeito. Cabe ao empregador oferecer, dentro das opções dispostas na lei, uma das alternativas, de acordo com o que for melhor para o empregador. Isso aconteceu na lei que foi aprovada no início do ano para os alunos. Ou seja, o aluno diz: "Eu não posso tal dia." Aí a escola diz: "Olha, você terá que se apresentar tal dia, tal horário para uma aula de reposição." O aluno não pode se reusar a isso. Se ele se negar à prestação alternativa, aí cairá no que diz o inciso VIII da Constituição, aí não terá direito. Ou seja, a discricionariedade do empregador está justamente na possibilidade de ele escolher, sem anuência do empregado, uma das opções que se encontram lá nos incisos. "Olha, eu quero que você trabalhe uma hora a mais por dia, quero que faça outro tipo de atividade, quero que você trabalha ou tenha o descanso em outro dia." Aí, sim, o empregado terá que aceitar isso. Ou seja, é nessa sistemática que trabalham as leis que dizem respeito a prestações alternativas. É dentro dessa lógica que nós acreditamos que isso deva ser replicado nesse caso também.
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Outra questão é que o caput do art. 67 diz que será assegurado a todo empregado um descanso de 24 horas consecutivas. Como o § 2º está subordinado ao caput, pode ser interpretado que isso só valha para o descanso semanal remunerado. E aí nós temos, por exemplo, a seguinte questão. Vamos usar o exemplo da religião judaica. Há 2 dias foi o ano novo judaico, o Rosh Hashaná, e os judeus guardam o sábado. Ele, de acordo com esse parágrafo, poderia ter o seu descanso semanal remunerado alterado de sábado para outro dia, o seu trabalho, para poder coincidir o seu descanso semanal remunerado com o sábado. Contudo, o seu direito de poder celebrar um dia sagrado como o ano novo judaico, o Rosh Hashaná, que, segundo a Bíblia, é solene e deve ser celebrado com descanso, não poderá ser amparado por essa legislação, porque ela trata de descanso semanal remunerado.
Portanto, nós temos aqui uma sugestão para incluir festividades e eventuais horários para determinadas religiões, para que em determinado horário do dia não se pode... Aí se fará uma compensação exclusivamente em relação àquele horário ou que se possam amparar também essas festividades eventualmente que são anuais ou que não são semanais. Inclusive isso contempla a ideia de que todos possam ser amparados. Nem todo mundo tem um dia de guarda destinado especificamente, mas tem outros dias sagrados que eventualmente são esporádicos. E, como a legislação, para não haver privilégio para ninguém, precisa amparar todo mundo, talvez seja importante remarcar essa questão das festividades e dos horários nos quais não possa exercer algum tipo de atividade.
Achamos interessante também acolher a sua proposta de emenda ao inciso I. Achamos interessante que seja acolhido nesses termos, para aperfeiçoar a emenda de redação.
Com relação às opções que se colocam para o empregador, também não temos nenhuma observação a fazer. Cremos que são apropriadas e conseguem contemplar.
Com relação ao § 3º, que fala que a comunicação de ausência deve ser feita antecipadamente — perfeito — pelo empregado ao empregador. E, se este não aceitar... Aqui nós vemos... E eu acolhi uma fala de V.Exa. sobre a preocupação de que a exceção não se transforme em regra.
E vemos que tem aqui uma avenida para a exceção se transformar em regra. Poderia, simplesmente, o empregador apresentar uma justificativa dizendo: "Olha, não me serve". E aí, eventualmente, o pobre do empregado hipossuficiente terá que ingressar no Judiciário, como aconteceu realmente com José Mário, cujo processo está agora no STF, que está há mais de 10 anos discutindo a matéria. Agora, provavelmente, ele já está trabalhando em outra coisa, e o resultado dessa demanda não lhe servirá rigorosamente para nada.
Então, essa questão de não se aceitar o pedido abre a possibilidade para o empregador, que é o poderoso da relação, poder simplesmente dizer: "Eu não quero. Tchau". E aqui quase se faz uma concessão, dizendo: "Ah, você fica com seu direito, você ganhará como se fosse uma dispensa sem justa causa". É quase que um prêmio de consolação o que estamos cuidando. E digo isso porque aqui o que está em jogo não é o direito à liberdade, pois a liberdade religiosa é inviolável. O que estamos tratando aqui é do direito ao emprego. E estamos aqui lidando com uma realidade de 13 milhões de desempregados. Achar que, eventualmente, alguém possa se valer disso para se beneficiar não é aceitável. É o oposto. Na verdade, precisa-se de muita coragem para chegar ao empregador e dizer: "Olha, eu simplesmente quero fazer valer o meu direito à liberdade religiosa".
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Na verdade, muitos que gostariam de exercer a sua liberdade religiosa se acanham por medo de perder o emprego. Essa é a realidade. E é nisso que temos que nos amparar. Na prática, dificilmente alguém se valerá disso para colocar, eventualmente, até seu emprego em risco; para tentar obter algum tipo de vantagem.
Por fim, a nossa sugestão seria até suprimir esse § 3º. Eu vou apresentar isso por escrito ao final da nossa fala.
Com relação ao § 4º, vemos que se trata de uma situação que já está amparada em duas leis que já se encontram em vigor: o art. 1º da Lei 9.029/95, que assim dispõe: "É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros".
Especificamente, o caput desse artigo não fala de religião; contudo, ele menciona "entre outros". Como se trata de uma lei em vigor, a expressão "entre outros", em princípio, abrangeria a matéria relativa à religião. Mas, talvez, fosse interessante destacar e fazer um acréscimo, para que essa questão de religião fique explícita.
Há outra lei também, que é a lei que define os crimes de preconceito, a Lei Caó, Lei nº 7.716, que em seu art. 4º diz: "Negar, obstar emprego em empresa privada (..)". E vamos retomar a referida lei em seu art. 1º: "Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional". E o art. 4º fala justamente de negar ou obstar emprego em empresa privada. Portanto, já existe um crime para quem nega ou obsta emprego em empresa privada, em função de matéria religiosa.
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Em princípio, para essa questão, talvez fazendo aquele acréscimo na outra lei, para se tratar especificamente da religião, eventualmente, a questão já se encontraria amparada dentro da legislação brasileira. Contudo, se não houver esse entendimento, se o entendimento for o de se manter; aí essa ideia de que é negociado, de que o empregador tem o direito de poder simplesmente dizer "Olha, não me interessa, você vai com seus direitos e fique desempregado com sua liberdade religiosa", não nos parece que seria uma opção válida.
Com relação ao §4º, há uma questão formal que diz respeito à sistemática da CLT, pois ali se está tratando de dias de descanso. Portanto, em princípio, a questão da matéria que diz respeito à entrevista para contratação, em princípio, estaria um pouco deslocada, quanto à situação geográfica, dentro da CLT.
Quem sabe a ideia seja justamente se abrir um Estatuto da Liberdade Religiosa dentro daqueles parágrafos do artigo 67? Isso não significa que essa matéria não seja relevante. Ou seja, de fato, a matéria que trata de entrevistas e tudo mais tem que ser regulamentada. Mas, talvez, a localização geográfica não seja a mais apropriada.
Por fim, com relação ao § 5º, também entendemos relevante a questão de se garantir ao empregado o direito aos seus acessórios religiosos de usos e costumes no local de trabalho, adereços associados ao seu credo, mas ali, novamente, no finalzinho, lemos o seguinte: "(...) salvo comprovada a incompatibilidade da prática para a realização da atividade laboral". Tal previsão, eventualmente, também abre uma avenida para que o empregador diga: "Desculpe, não dá. Pode ir com a sua liberdade religiosa se somar à fila dos desempregados".
Então, feitas essas considerações, eu gostaria de agradecer a V.Exa., mais uma vez, a oportunidade e a vossa atenção.
Entregaremos aqui as nossas sugestões. E o Observatório da Liberdade Religiosa também se coloca à disposição para poder colaborar e contribuir para o aperfeiçoamento do texto, pois se trata de uma excelente iniciativa. E reconhecemos a coragem de V.Exa. em entrar no tema. Pelo debate que tivemos aqui, percebe-se um tema muito espinhoso.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Obrigado pela sua manifestação, que só reforça a complexidade deste tema. Embora tenhamos todos aqui a mesma compreensão de que é um tema que deve ser enfrentado, cada um tem um viés muito próprio de enfrentamento da questão.
Peço que V.Sa. nos encaminhe as sugestões por escrito, e nós vamos fazer o possível para adequá-las.
Vejam como é interessante a minha condição aqui: ao mesmo tempo em que sou um advogado que defende a liberdade religiosa, eu também defendo 822 escolas e 12 hospitais que vão lidar com esse desafio. Vejam que a própria instituição, igreja, vai lidar com esse desafio, como mencionado aqui pelo Dr. Uziel.
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Mas nós temos que ter a visão dos dois lados. E aqui está a ANAJURE, que também conhece bem essa estrutura. É um tema complexo nesse aspecto.
Ele menciona a questão do crime. É interessante lembrar que há um crime previsto aqui. Nós estamos falando da CLT. Nós estamos falando de Direito do Trabalho. Por exemplo, o empregador vai analisar a situação e dizer: "Olhe, eu não tenho condições de manter essa estrutura". E ele vai assegurar ao empregado todos os direitos que ele tem. Agora, obrigar o empregador a manter o indivíduo só porque há uma questão religiosa é matéria de prova. Aí nós vamos para a matéria de prova. Data maxima venia, nós não vamos conseguir trazer matéria de prova para um projeto de lei. Nós vamos ter que provar que o indivíduo foi preconceituoso nessa despedida sem justa causa; nós vamos ter que provar que o indivíduo ultrapassou esses limites. Nós vamos para uma outra matéria.
Estamos discutindo a contemplação. É óbvio que, se o empregador cometer um crime, vai pagar por ele. Inclusive, essa lei acabou de ser discutida agora no Supremo, e a força dela foi multiplicada na questão da homossexualidade, em que foi acrescentada a questão LGBT. Então, o desafio dessa lei vai ser trazer esse equilíbrio, porque, às vezes, não se consegue impor ao empregador a manutenção de um empregado. Agora, a ele vai ser assegurado todo o direito. Todos nós sabemos que alguém vai pagar um preço, em algum momento.
Vejam, eu sou adventista do sétimo dia e guardo o sábado. Eu tive diálogos complexos com os meus professores na universidade. Fiz o meu mestrado na Universidade Católica. Depois de muito esforço, eu consegui que a Universidade Católica reconhecesse e retirasse a prova de admissão do mestrado do sábado e a passasse para a sexta-feira, por uma intervenção e um pedido que fiz.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Pois não.
A SRA. CYNTIA RUIZ BRAGA - A Lei 13.796, de 3 de janeiro de 2019, estabeleceu uma acomodação de tempo, uma vacatio legis, de 60 dias, para que, em 2 anos, as escolas apliquem as provas.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Muito bem. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Sim, mas eu conto com a participação de todos vocês para descascá-la.
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Queria parabenizar o nobre Deputado Wolney Queiroz, o Relator Mauro Nazif e também todas as duas mesas que falaram. Aprendi bastante hoje.
Eu represento a comunidade islâmica no Brasil e sou Vice-Presidente da União Nacional das Entidades Islâmicas.
Queria realmente parabenizá-los pelo debate. Nós sabemos que existem várias leis, só que, se o Estado, se o Governo, se o poder público não aplicá-las não servem para nada. Mas, também, aplicá-las sem uma conscientização... É de extrema importância que a conscientização acompanhe as leis. Se o empregador e o empregado não tiverem um diálogo, não é através da lei que... Não é a lei que me obriga a contratar, a aceitar alguém. Não é assim. É preciso haver conscientização. Primeiro, é preciso saber conhecer o outro, e o outro também tem que se fazer conhecer.
Há alguns anos, nós sugerimos a um shopping center... Quando eu ia com a minha família, com a minha esposa, para um shopping center, tinha que correr, ficar olhando o relógio, porque nós muçulmanos temos que orar num determinado período. Quando esse período estava terminando, eu tinha que sair, e não conseguia fazer as compras adequadamente. Minha esposa ficava muito chateada. Eu ficava contente, mas tinha que sair. Acabávamos saindo sem ter concluído as compras. Escolhíamos um shopping center que fosse perto de uma mesquita, para podermos ir e voltar. Até que um dia nós sugerimos à administração do shopping que fizesse uma sala de oração ecumênica, sem nenhum símbolo, sem nada. Eles aceitaram, e, quando nós divulgamos isso para a comunidade, até os judeus e muçulmanos começaram a frequentar aquele shopping center. Víamos mulheres de véus e muçulmanos frequentando muito ali. Mais tarde, levamos essa ideia para outros shoppings. Hoje, há grandes shoppings em São Paulo em que há um local de oração ecumênica, sem nenhum símbolo. Hoje, há um local como esse no aeroporto de Guarulhos.
Houve alguns casos em São Paulo e em outros lugares do Brasil, como o de uma estagiária de um desembargador, que se tornou muçulmana. Começou a crescer dentro dela o desejo de usar véu. Ela disse isso, de forma sutil, ao desembargador, que lhe deu a entender que não aceitaria que ela usasse o véu. O que ela começou a fazer? Ela usava o véu até chegar ao local de trabalho, tirava-o e entrava. Assim, há outros casos, como o de professoras em escolas não islâmicas, que praticavam a mesma coisa. Chegavam à porta da escola, tiravam o véu, entravam e, ao saírem, colocavam o véu, sendo que o véu não é um símbolo.
Isto é importante se fazer conhecer: o véu não é um símbolo religioso, não é igual ao crucifixo. O véu é igual à oração, é uma prática religiosa. Ele não é um símbolo religioso, é uma prática religiosa. Se não se praticá-la, é como se estivesse deixando de rezar.
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Este debate é de extrema importância. Começa-se aqui a liberdade religiosa, a prática da religião. Todas as religiões vieram para garantir algumas questões. Uma delas é a liberdade religiosa. Não há imposição quanto à religião.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - Obrigado. Muito interessantes suas observações.
Eu quero, mais uma vez, agradecer a presença de todos aqui — dos convidados, dos funcionários da Comissão, especialmente o Adiel, que nos ajudou bastante na realização deste encontro, desta audiência pública hoje.
Agradeço a todos que participaram: Sr. Hélio Carnassale, Sra. Silvana da Silva, Sra. Deborah Macedo, Cyntia Ruiz Braga, Sr. Uziel Santana dos Santos, Girrad Mahmoud, Sra. Ana Maria Santos, Antônio Lisboa Cardoso e Luigi Braga, que abrilhantaram, juntamente com o Bernardo e o Hassan, se não me engano, nossa audiência pública.
Eu peço que aqueles que puderem nos enviar por escrito as observações e acompanhar pela Internet, com o Adiel, o andamento deste tema... Não sei se vamos conseguir fazer uma outra audiência pública, mas vamos, seguramente, ter um desdobramento dessas discussões. É importante que haja esse embasamento e esses subsídios quando nós formos discutir este assunto no plenário da Comissão, quando virão outros personagens que não estão presentes: os membros da Comissão. São eles que votam, que deliberam.
Então, acho que, mais importante do que fazermos uma lei muito abrangente, muito complexa, é abordarmos o tema e fazermos com que ele avance em alguma coisa. Se fizermos uma coisa muito grande, vamos esbarrar numa coisa chamada rejeição da matéria, que se encerra por completo, e o assunto não anda. Então, é melhor conseguirmos fazer uma coisa mais restrita e darmos um passo do que ser rejeitado o assunto na Comissão e ficarmos impedidos.
O SR. PRESIDENTE (Wolney Queiroz. PDT - PE) - É, exatamente.
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