Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Boa tarde.
Vamos começar a nossa reunião. Inicialmente, eu quero me apresentar. Meu nome é Luiz Ovando e sou o coordenador da reunião temática do Grupo de Estudos Atenção Primária à Saúde no Brasil, deste Centro de Estudos e Debates Estratégicos — CEDES, voltada para a atenção primária do Sistema Único de Saúdo — SUS.
Quero agradecer ao Fábio Gomes por sua persistência e perseverança na discussão desses temas. Quero também agradecer aos nossos expositores por terem aceito o convite do CEDES: Natália Batista, pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica — FIPE, da USP; Dr. Fernando Postali, professor da Faculdade de Economia e Administração — FEA, da USP também; Luciana Servo, que tem nos assessorado; e Marcos Reis. Agradeço igualmente ao pessoal que compõe o apoio técnico do CEDES.
Inicialmente, vou fazer uma síntese sobre o assunto, especialmente para os que estão entrando em contato pela primeira vez, o Fernando e a Natália. Claro que aqui o assunto já é bastante comum. Eu sou Deputado Federal por Mato Grosso do Sul e sou médico há 44 anos. Sempre trabalhei com a área de clínica médica, como nós chamamos, embora haja uma certa confusão entre clínica geral e clínica médica. Isso tem uma definição muito bem clara, estabelecida na última demografia médica de 2018, do Conselho Federal de Medicina. Clínico é aquele indivíduo que integra praticamente a medicina como um todo. Ele não trata tudo, mas ele tem a obrigação de fazer o diagnóstico de tudo. Além disso, sou cardiologista e professor universitário aposentado e agora licenciado para a Câmara dos Deputados. Uma coisa que sempre me inquietou foi a eficiência e o desaparecimento do clínico, daquele que faz o diagnóstico, que resolve o problema.
Aqui chegando, eu procurei o CEDES e apresentei essa inquietação. Na época, o Fábio nos assessorou, começamos a promover o assunto e trouxemos essa proposição para cá. Foi aceita como uma busca de avaliação da eficiência daquilo que é tomado como atendimento primário à saúde no SUS. Associado a isso, nós temos a ideia de um projeto, que até já foi escrito e mandado à frente. De uma maneira geral, nós temos percebido que tem havido uma interposição entre o médico e o paciente. O paciente está cada vez mais distante do médico, e o médico também, muito embora pareça que estejam próximos. Exemplificando, percebemos isso exatamente quando o paciente chega ao ambulatório.
Ele não sabe quem vai encontrar, qual será a influência daquele método do ponto de vista emocional, porque isso é importante para o tratamento, e, de uma maneira geral, não se prioriza a arte médica no que diz respeito à anamnese e às caracterizações sintomáticas. Rapidamente, o médico, por sua deficiência ou premência de número de pacientes a serem atendidos, faz uma solicitação de exame sem os mesmos estarem direcionados. Isso leva tempo, porque o paciente vai ter que buscar um local para fazer o exame. Às vezes, são exames caros e sofisticados, que não estão bem aplicados naquela situação. E o problema do paciente não é destacado, não é caracterizado. O paciente continua naquela situação. Eu digo sempre que as doenças são relativamente autolimitadas, 20% delas não, e as coisas vão continuando. O paciente agravando nesses 20% acaba procurando os prontos-socorros, ou seja, as Unidades de Pronto Atendimento — UPAs.
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O que temos percebido é que nesse modelo, em termos de emergência e urgência, que é eficiente, isso não podemos negar, pronto e eficiente, a medicina tem se esquecido da base. O paciente fica sofrimento. O médico sabe que, se não tiver jeito, se a sua precisão não for o importante no caso, não for o destaque, o paciente vai procurar a UPA ou vai telefonar para o SAMU, porque o SAMU vai vir e levá-lo. Chamamos a isso de urgencialização da medicina, e isso encarece, isso dificulta, isso protela, isso estigmatiza e isso leva a sequelas.
Então, a intenção é exatamente discutirmos vários aspectos em várias frentes, para que, na verdade, possamos chegar a um ponto de aproximar o médico do paciente com resolubilidade.
É por isso que nós estamos aqui. Nós temos uma sequência, temos uma cronologia. Hoje, estamos fazendo uma reunião técnica com representantes da academia. Nós já tivemos a reunião técnica com representantes dos órgãos do Governo na área de gestão da saúde. E a próxima será uma reunião técnica com representantes de sistemas de informação e monitoramento do controle.
Esta introdução vai deixá-los mais à vontade para se manifestarem aqui. Os nossos problemas são basicamente estes, principalmente o meu problema: sobre a eficiência do modelo que está em vigor, sobre a distância entre o médico e o paciente e sobre a possibilidade de tornar concreto um projeto de lei que nós temos em mente, que é exatamente no sentido de credenciar clínicos que resolvam o problema no País, em de canalizarmos basicamente para as UBSs, como tem acontecido hoje.
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O nosso trabalho aqui basicamente se desenvolverá com a apresentação dos convidados. Discutiremos o tema posteriormente. No final, faremos uma síntese. Eu vou coordenando a Mesa.
O SR. FÁBIO DE BARROS CORREIA GOMES - Vou usar a palavra muito brevemente para agradecer a todos a presença e ao Deputado Dr. Luiz Ovando por permitir esse formato de reunião, que tem sido bastante interessante, porque tem propiciado um debate muito bom com os convidados. Nós realmente precisamos das informações que os senhores têm para podermos debater o tema desse estudo com evidências.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Os senhores têm preferência para a ordem da apresentação ou podemos seguir?
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Prefere se apresentar primeiro, Natália?
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Cada palestrante terá 15 minutos para sua apresentação, com uma pequena tolerância. Não iremos cortar a palavra de ninguém, mas pedimos síntese e conclusão. Ao final, faremos uma discussão, um debate. Mas isso pode ser alterado porque há apresentador que gosta de debater o tema assim que termina sua apresentação, porque ficam mais frescas na mente as dúvidas.
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Esse estudo é financiado e faz parte de um grupo de economia da saúde global. A Universidade de York financia estudos em vários países, principalmente nos em desenvolvimento. Atualmente, a gente está fazendo esse estudo sobre o Brasil, há um sobre a África do Sul, que não é a gente que faz, mas outras pessoas da África do Sul que estão nesse grupo, e um outro sobre a Indonésia. Cada um deles é focado em pontos específicos dos seus respectivos países.
Para a gente é importante estar aqui, porque, como a gente visa fazer estudos que deem subsídios para o setor público tomar as suas decisões, mais do que apresentar, a gente quer ouvir vocês para saber do que o setor público neste momento está precisando na área de saúde, quais são os seus anseios e em que frente do setor público o Governo quer atuar de maneira mais robusta ou com prioridades.
(Segue-se exibição de imagens.)
A apresentação vai ser sobre o impacto da Estratégia Saúde da Família na mortalidade de adultos, que tem uma diferença. Eu vou falar do contexto, do objetivo, da implementação, dos dados e dos resultados de maneira bem resumida.
O programa Saúde da Família foi lançado em dezembro de 1993 e já vinha de projetos anteriores que visavam muito à questão da saúde materno-infantil. Vários estudos já analisaram o impacto desse programa, mas boa parte da literatura é focada em indicadores da saúde materno-infantil.
O nosso anseio aqui é analisar o impacto desse programa em pessoas adultas, mesmo porque a gente vê que a pirâmide etária do País está mudando. Esse programa começou lá atrás com um foco materno-infantil e já faz um tempo que precisa ser disseminado, precisa incluir algumas idades específicas, focando não só em crianças. Foi nesse contexto que o programa surgiu, onde se situa a nossa dúvida.
A gente vai analisar, como eu falei anteriormente, devido à mudança do perfil demográfico no Brasil, como o programa impacta na mortalidade de doenças não transmissíveis. Depois, eu vou mostrar o grupo de doenças que a gente analisou. Se o programa tem um impacto bom, provavelmente vai diminuir a mortalidade não só de crianças como também de adultos. A faixa etária analisada é de 25 a 64 anos e o período é de 1999 até 2016. Quando se analisa essa faixa etária, percebe-se que várias pessoas já eram adultas quando o programa foi implementado. Se o programa lá atrás tinha como foco as crianças, essas pessoas não foram, desde o início, quando o programa foi implementado, alvo específico do programa.
Mas nós acreditamos que existem transbordamentos, que o programa tem transbordamentos. Por isso, nós acreditamos que provavelmente tenha algum impacto, sim, na saúde de adultos.
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Como eu já falei anteriormente, o programa nasceu em dezembro de 1993, com base em algumas experiências que já estavam em andamento, focado na saúde materno-infantil. Desde 1998, o programa passou a ser a principal estratégia na estruturação dos sistemas de saúde municipais.
Nós vamos mostrar como evoluiu a cobertura do programa através do tempo. Nós medimos a cobertura por número de equipes. Não conseguimos uma base de dados de pessoas efetivamente cadastradas desde 1999 até 2016, porque parece que o SIAB para em 2012, 2015, ou antes até. Então, o que chamamos aqui de cobertura do programa é o número de equipes que cada cidade tem, dividido pela população dessa cidade.
Nós temos aqui dois movimentos. Temos o movimento do Município que adere ao programa. Então, nem todos os Municípios aderiram ao programa no mesmo período de tempo. A partir do momento em que o programa é implementado, os Municípios vão aderindo pouco a pouco a esse programa. E, mesmo depois que o Município adere ao programa, a intensidade com que ele implementa o programa na sua cidade também muda. Por exemplo, um Município adere ao programa, mas ele só tem, no primeiro ano, duas equipes e passa a ter, no segundo ano, quinze equipes. Ou seja, a intensidade do programa também vai mudando dentro do Município.
Portanto, vai ficar claro, com os mapas que vamos mostrar, que não é só aderir ou não aderir ao programa, como se, a partir do momento em que eu aderisse ao programa, 100% da minha populasse estivesse coberta, e, se eu não aderisse ao programa, ninguém estivesse coberto. Eu tenho o momento de adesão e, ao longo do tempo, eu vou intensificando a cobertura.
Temos aqui os mapas. Atenção: eu disse que, nas nossas regressões, a cobertura é o número de equipes por população, mas no mapa é o contrário. No mapa, é o número de pessoas por equipes. Então, quanto mais claro, menos pessoas por equipe, cada equipe está atendendo menos pessoas, ou seja, a cobertura, a princípio, é melhor. Existe na literatura esse valor, uma sugestão de que cada equipe deveria cuidar, no máximo, de 3.450 pessoas. Então, aqui vemos que, quanto mais claro, há menos pessoas por equipe.
Vemos o preto aqui. Em 1998, vemos que quase ninguém ainda tinha, efetivamente. A adesão era muito pouca. Quanto mais escuro, pior. Aqui vemos que já melhorou, há alguns espaços mais claros, mas ali há um pouco de vermelho. Aqui vai melhorando. Então, esse mapa também mostra a intensidade da evolução do programa ao longo dos Municípios brasileiros.
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Natália, só uma ênfase: você disse que menos pessoas por equipe. Isso significa menos pessoas da população sob a responsabilidade da equipe?
A SRA. NATÁLIA NUNES FERREIRA BATISTA - É aquilo que o senhor estava falando anteriormente. Por exemplo, uma coisa é um médico cuidar de cinco pessoas e outra coisa é o mesmo médico cuidar de quinhentas pessoas. Eu vou conseguir dar uma atenção maior para esses cinco do que para os quinhentos. E foi com isso que nós, a princípio, trabalhamos nas nossas regressões. O nosso estudo vai de 1999 até 2016, em todos os Municípios do País. Eu já, já vou citar as causas de mortalidade que nós analisamos e como a implementação desse programa... Então, em cada Município, em um ano, eu tenho uma determinada razão de equipe por população; no outro ano, outra razão; no outro ano, outra razão. Vemos, portanto, como a mudança dessa razão interfere, impacta na mortalidade dos adultos.
A SRA. NATÁLIA NUNES FERREIRA BATISTA - No próximo gráfico, eu vou mostrar quantos Municípios tinham cobertura em cada ano, somando, para mostrar como a adesão dos Municípios foi se alterando ao longo do tempo. Em 1998, eram 1.182, foi aumentando, e percebemos um salto muito grande aqui, entre 2000 e 2003, quando passou de quase 3 mil para 4.500 e, depois, para 5 mil. Atualmente, 98% dos Municípios do País têm alguma equipe. No Brasil, temos 5.570 Municípios e, até dezembro de 2016, temos mapeados 5.480 Municípios como Municípios que efetivamente têm equipe. Para alcançarmos 5.570, está faltando muito pouco. Ou seja, são 98% dos Municípios.
Aqui mostramos em tabela os gráficos. Eu coloquei o mesmo range, a mesma faixa que tínhamos nos gráficos, quantos Municípios estavam nessa situação em 1998, em 2000, em 2003, em 2008 e assim por diante, o total de Municípios. E aqui eu verifiquei em quantos desses Municípios a cobertura se refere, entre aspas, à "cobertura sugerida". Esse é um indicador de que, ao longo do tempo, vai também aumentando o número de Municípios que têm uma cobertura sugerida.
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Nesse caso se sai de uma relação de 1 para 20 para uma relação de um terço. Praticamente um terço dos Municípios tem a cobertura ideal. Antigamente era 1 sobre 20, ou seja, só 5%.
Aqui temos o total de equipes que nós temos no Brasil inteiro ao longo dos anos e a população brasileira. Então, a população brasileira cresceu no começo, agora o crescimento não está tão forte, enquanto o número de equipes vem crescendo ao longo do tempo.
Vamos aos dados: nós vamos pegar seis grupos diferentes de mortalidade, que eu vou explicar quais são, a população de 25 a 64 anos e quais são os fatores em que nós acreditamos e que vamos usar para explicar a mortalidade das pessoas. O nosso foco é a cobertura, mas, além disso, nós vamos controlar o resultado. Por exemplo: qual é o efeito sobre a mortalidade dos adultos que têm o PIB municipal, a população do Município, a arrecadação de impostos, a cobertura do Bolsa Família, do Mais Médicos e de leitos hospitalares em proporção à população. Esses são fatores em que nós vamos aqui ver o impacto da cobertura sobre a mortalidade, controlando-se por essas variáveis.
Os dados são do DATASUS. Nós temos, de 1999 até 2016, o registro de óbito para todo o País, por Município, segundo o local de residência da pessoa. Uma pessoa pode morar em Brasília, ter diabetes, mas passar as férias em São Paulo e morrer lá. Onde se conta essa morte? No atestado de óbito, temos o local em que a pessoa morreu e o local de residência dela. Aqui na base de dados nós pegamos o local de residência da pessoa.
Vemos também as taxas de mortalidade municipal por doença e o fator explicativo. Aqui eu trouxe os resultados da cobertura, como o número de equipes pela população. Também testamos para a porcentagem da população potencialmente atendida. Temos os outros fatores de controle que eu já apontei anteriormente. Usamos um método econométrico que nós chamamos de Efeito Fixo com Variável Instrumental e Tratamento Contínuo. Por que é que nós chamamos de tratamento contínuo? É porque, como eu estava falando anteriormente, o tratamento aqui é o programa. Então, eu não estou mexendo com essa coisa binária, se o Município tem o programa ou não tem o programa. Eu estou trabalhando a intensidade do programa em cada Município. Então, para quem é médico, é a intensidade, a dose do medicamento. Uma coisa é o efeito no paciente, quando ele toma o remédio, outra coisa é o efeito da dose do remédio sobre o paciente. Para nós aqui, quando nós trabalhamos com vários níveis de cobertura, estamos mexendo com a intensidade do programa, que é, no nosso caso, o tratamento.
Vamos aos grupos que nós analisamos. Uma coisa importante é que, quando se vai ver atestado de óbito, há a causa básica e as outras causas gerais.
Aqui, pegamos as causas gerais, não pegamos gente que só morreu de diabetes. Se a pessoa morreu de diabetes, mas também tinha problema cardíaco, contabilizamos os dois CIDs.
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Aqui, no primeiro grupo, temos todas as condições relacionadas à lista de intervenção, internações evitáveis.
Em 2008, o Ministério da Saúde editou uma resolução, que é a Resolução nº 221, de 17 de abril de 2008, onde ele listava várias doenças. São doenças devido ao déficit nutricional, a asma e várias outras. Várias doenças estão lá na Resolução nº 221, que têm relação com o atendimento da saúde básica. Essa lista enorme e variada de doenças que têm relação com o atendimento básico é o nosso primeiro grupo de mortalidade. Não colocamos aqui porque o número de CIDs seria muito grande, mas é essa lista da Resolução nº 221.
Depois, temos as modalidades devido à hipertensão e diabetes, que são aqueles códigos; coronária, com infarto agudo do miocárdio; insuficiência cardíaca; AVC; infarto; e complicações do diabetes. Ou seja, há seis grupos diferentes de doença, pessoas que morrem por isso. E aí vamos analisar agora como o programa impacta isso.
Antes disso, como eu não ia mostrar, achei que ia ficar muito extenso mostrar o mapa dos seis grupos, eu escolhi o primeiro, grupo 1, que é esse grupo geral da Resolução nº 221, para mostrar como evoluiu essa mortalidade ao longo do tempo. Da mesma maneira que eu mostrei como evoluiu a cobertura, e eu quero que a cobertura explique a mortalidade, eu coloquei um mapa também mostrando como evoluiu a mortalidade. A cobertura está aumentando e a mortalidade também.
Então, as duas estão num crescimento de alta. A cobertura está aumentando, e a mortalidade também está aumentando. Queremos controlar as outras variáveis para ver como essas duas conversam, porque, quando essa mortalidade aumenta aqui, ela aumenta por várias causas. Uma delas é o fato de a população, com relação à pirâmide etária no Brasil, estar vivendo mais. Quando as pessoas vivem mais, aumenta a probabilidade de elas terem doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
Agora, sim, vamos aos resultados. Há dois resultados aqui. Eu trouxe só a variável sobre a cobertura. Na regressão, eu tenho o resultado das outras variáveis, está tudo controlado aqui. Mas o que é o nosso foco... Quando pegamos o período de 1999 até 2016, não se vê nenhuma estrelinha aqui, nenhuma estrelinha nessa daqui. Ou seja, o coeficiente aqui é o coeficiente da cobertura. É como se, controlando os outros fatores, o programa não tivesse impacto em nenhum desses grupos, só aqui.
Quando pegamos de 2005 até 2016, passa tudo a ser significativo, ou seja, é importante, a cobertura tem algum impacto sobre a mortalidade. Qual é o impacto?
O impacto é negativo. Então, quanto maior a cobertura, menor a probabilidade de esses adultos morrerem deste grupo de doenças que estão aqui, de hipertensão e diabetes, de infarto, disso, daquilo e aquilo outro.
Qual é a diferença entre esse período e esse período? Eu não disponibilizei o artigo inteiro, porque é um artigo em andamento, com resultados preliminares. Nós fizemos um pedido ao Ministério da Saúde, mas nós não conseguimos dados de leitos de antes de 2005. Então, se voltarmos lá atrás, quando eu falei das variáveis de controle que eu tinha, na última constava o número de leitos hospitalares por população, e eu só tenho esse dado de leitos hospitalares a partir de 2005. O controle para leitos hospitalares é importante para nós sabermos o impacto real do programa sobre a mortalidade dos adultos. Uma coisa é eu ter uma complicação e chegar a um ponto em que eu preciso de um tratamento, preciso ficar internada, e o Município tem leito para me internar ou o Município não tem leito para me internar. Então, o que acontece? Aqui, quando não deu nada significante, é porque nessa equação aqui eu não tenho leitos antes de 2005. Então, o controle não é por leito. A partir do momento em que se começa o controle por leitos, o programa mostra que, sim, ele tem um impacto sobre a mortalidade de adultos, de 25 a 64 anos, para este grupo de doenças crônicas, e esse impacto é negativo. Ou seja, o programa está conseguindo, em algum grau, diminuir a morte dos adultos por essas causas.
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Conclusões. Os efeitos da Estratégia Saúde da Família na mortalidade de doenças não transmissíveis entre adultos são, como um todo, como nós vimos, significantes. Há uma diferença entre os períodos. Os resultados são mais robustos a partir de 2005, quando temos dados para leitos. Algumas hipóteses podem ser testadas, nós ainda estamos testando algumas especificações distintas. Nós achamos que esse impacto, também quando controlamos o leito — e eu acho que era essa a nossa contribuição para esta discussão que nós acreditamos que vai ocorrer aqui —, da mesma maneira que o programa lá atrás... Ele adveio de outros programas, inicialmente na década de 80 e início de 90, que focavam a saúde materno-infantil. Eu já falei disso no início. Dado o envelhecimento da população, nós acreditamos que talvez seja o momento, ou já esteja acontecendo, em que o programa precise também ter não um especialista, não acho que o programa tenha que ter um especialista, mas uma visão para os idosos. Da mesma maneira que lá atrás houve uma visão para as crianças, hoje é preciso haver uma atenção para os idosos, dado que a população que está envelhecendo. É importante que o programa leve isso em consideração.
Nos próximos passos, nós vamos avaliar o programa sobre a hospitalização e as inter-relações com o Programa Mais Médicos também.
Estamos controlando aqui também o Programa Mais Médicos, mas ainda não conseguimos identificar quanto dos médicos do Mais Médicos estão associados ao programa e quantos não estão associados ao programa.
Então, da quantidade de médicos que vemos que está no Programa Mais Médicos, quantos desses médicos estão efetivamente sendo utilizados e exercem as suas funções dentro do Programa Estratégia Saúde da Família e quantos não? Então, achamos que conseguindo — de alguma maneira estamos pensando em como fazer isso — levar isso em consideração poderemos elucidar ainda mais os canais pelos quais o programa afeta a mortalidade de adultos.
Era isso.
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Só a Natália?
A SRA. LUCIANA MENDES SANTOS SERVO - Primeiro, eu queria agradecer ao nobre Deputado Luiz Ovando e aos demais membros da Câmara dos Deputados. Cumprimento os colegas — alguns eu estou conhecendo agora, e o Armando Raggio eu conheço de longa data.
Eu sou do IPEA. Sou Técnica de Planejamento e Pesquisa, que é um cargo ligado à atividade-fim da instituição. Fiz meu mestrado na USP e estou terminando o meu doutorado na UFMG. Especializei-me em economia da saúde, na Inglaterra, com um projeto que o Armando coordenava no IPEA. Comecei a especialização e continuo até hoje estudando.
No IPEA, há a Coordenação de Estudos e Políticas de Saúde, que está ligada à Coordenação de Seguridade Social. Atualmente, eu estou na função de organizar a área dentro do IPEA, o que conta com outros colegas, porque esse trabalho é sempre muito coletivo.
Eu assisti aos vídeos da primeira sessão e fiquei pensando o que eu poderia acrescentar às questões que já haviam sido colocadas. Resolvi trazer uma discussão sobre esse mercado de trabalho, que é muito conhecido. Achei que para o relatório e para a discussão que vamos fazer aqui isso pode ser bem relevante.
(Segue-se exibição de imagens.)
Os pontos que vamos abordar são: a organização da atenção primária, o mercado de trabalho para os profissionais, o financiamento e os desafios que temos.
A primeira coisa, que eu acho que é muito clara para todos que estão aqui, mas não é clara para a população, diz respeito ao fato de que temos duas opções hoje na Política Nacional de Atenção Básica, na organização dessa atenção básica.
Ainda que sejam duas opções, a equipe de saúde da família e a equipe de atenção básica, na verdade, a diferença entre essas duas opções está centrada principalmente na carga horária, que tem que ser obrigatória, e na indicação para as duas opções de uma especialização em medicina da família e comunidade, mas que não é obrigatória.
Além disso, no caso da equipe de atenção básica, não é obrigatório o agente comunitário de saúde. Mas a indicação que muda é a carga horária. Por quê? Porque na equipe de saúde da família é obrigatório que todos os profissionais cumpram 40 horas por semana e que só tenham um vínculo por equipe; um profissional só pode ter um vínculo com uma equipe. No caso da atenção básica, o mínimo é de 10 horas e a composição tem que ser de 40 horas.
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A política também deixa muito claras as atribuições de todos os profissionais. E uma das coisas que chamam a atenção é que são 27 atribuições para todos os profissionais. Tem gente que tem atribuições de territorialização, de cadastramento, de cuidado integral, de acolhimento, de acompanhamento, de coordenação do cuidado, de prover informações para o sistema, de participação na regulação do acesso, de visitas domiciliares e de articulação com outras equipes. Essas são algumas. São 27 para todo mundo.
Para esses dois profissionais existem diferentes normas, diferentes protocolos e diretrizes, complementariedades maiores e coisas que eles podem fazer, só eles podem fazer, no caso a consulta médica e a consulta do enfermeiro. Os enfermeiros podem pedir exames complementares e podem prescrever alguns medicamentos, de acordo com o protocolo de diretrizes e regulação da carreira.
A questão do mercado de trabalho, que é fundamental, é uma pergunta que vem sendo feita na literatura nacional, com base em questões que estão discutidas na literatura internacional também, que é o dado que estamos discutindo o médico, a forma que vai ser nesses profissionais, mas vai ficar claro que, de fato, esta é uma questão. Trata-se de saber se temos médicos suficientes para uma política que se quer universal, se eles estão mal distribuídos no território. Então, a primeira questão é se a quantidade é suficiente — e mesmo com quantidade suficiente, eu não tenho médicos no território nacional todo — e se há escassez. A escassez é a questão relativa também à quantidade.
Essa é uma pesquisa coordenada pelo Prof. Mário Scheffer, da USP, financiada pelo CFM e vários órgãos. Basicamente ele diz que temos hoje 414 médicos com registro único no Brasil, dado de 2017, sendo que 31 não tinham nenhum título de especialista; 43 tinham pelo menos um título; 15, dois títulos; 3,2 mais de dois títulos.
Outro dado que chama a atenção nessa pesquisa dele é como é que aumenta a cobertura por habitante no Brasil, a partir do momento principalmente em que se tem um sistema universal, mas saio de 0,62 médicos por habitantes, em 1970, e chega a 2,17 médicos por habitantes, em 2017.
O Brasil forma em torno de 2 mil médicos por ano e saem 1,3 mil médicos no mercado de trabalho, ou seja, a quantidade de médicos que está entrando é muito maior do que a quantidade de médicos que está saindo. Ele faz uma projeção, considerando os cursos de medicina abertos, de que teremos 28 mil novos médicos entrando no mercado de trabalho em 2024.
(Intervenção fora do microfone.)
(Exibe gráfico.)
Esse gráfico é de distribuição da população e dos profissionais. O indicador em que vamos nos concentrar é o de médicos por habitante.
Na verdade, o que importa nesse gráfico é mostrar que existe, sim, uma concentração regional e que não é desprezível. Essa concentração faz com que eu tenha 1,16 médicos por mil habitantes — fazer a conta de cabeça, só o Armando, apesar de ser economista —, ou 11,6 por 10 mil, ou 116 por 100 mil, no Norte, enquanto tenho 281 por 100 mil na Região Sudeste. Essas diferenças entre os Estados ainda são mais marcantes.
A menor razão, em 2018, estava no Maranhão, que tinha 0,87 médicos por habitante, menos de um médico por mil habitantes; e no Pará, com 0,67 médicos. A maior razão está no Distrito federal e no Rio de Janeiro.
Além de estarem concentrados regionalmente, eles ainda estão concentrados nas capitais do País. Os médicos acabam se concentrando nas capitais. Mesmo na Região Norte, em que há baixa proporção, a menor proporção de médicos por mil habitantes, os médicos que lá estão acabam se concentrando para uma cobertura maior das populações que vivem nas capitais dessas regiões. Claramente, estão concentrados de acordo com o porte de Município, ou seja, quanto menor o Município, menor é a disponibilidade de médicos por mil habitantes.
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Por que isso importa? Queremos política universal. Queremos uma equipe em que haja médico em toda a equipe, em todo o território nacional. Há uma concentração muito significativa desses profissionais.
Há uma discussão, sim, em relação à escassez, porque existe, além da má distribuição, a escassez. Existia uma discussão entre estudiosos, um tempo atrás. Diziam que não era problema de escassez, que havia formação suficiente de médicos; o que havia era problema de distribuição. Foi o que vimos antes.
Existem duas formas de medir: uma forma clássica, que chamamos juízo de valor, em que se verifica quantos médicos há em países que têm sistemas iguais ao que queremos organizar, comparando-os com o Brasil; e a forma econômica, em que há vários indicadores possíveis.
Aqui vamos nos concentrar em um indicador da literatura: vamos olhar a demanda. Na verdade, ainda que haja aumento da oferta desse profissional, como vimos, se a demanda cresce mais do que a oferta, a remuneração média desse profissional cresce mais do que a remuneração média de outros profissionais similares na economia. Isso é um indicador de escassez. Olhem para esses dados como um indicador de escassez, não como uma discussão específica do valor da remuneração que tem que ser paga.
Os dados já mostram que, por exemplo, se eu os comparo com profissionais da área jurídica, engenheiros, dentistas, que estão com remunerações similares, considerando todos os vínculos formais e informais — porque estou usando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que não considera só o mercado formal —, eu vejo que a remuneração do médico está acima da média do mercado, indicador de que esse profissional é muito valorizado no mercado de trabalho. A remuneração de enfermeiro está abaixo da de todos eles, mas a remuneração do médico está acima da média das remunerações dos outros profissionais.
E quando eu comparo a remuneração do médico com a dos outros profissionais, verifico que todos estão crescendo. Estes dados são do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva — NESCON, que tem um grupo de trabalho sobre o mercado de trabalho. Este é um gráfico elaborado por eles. Depois vamos atualizá-lo, assim podemos mandar para os senhores todos esses indicadores. O gráfico mostra, basicamente, que o profissional médico se descola dos outros profissionais da equipe. Isso é um indicador da valorização desse profissional dentro do mercado e dentro das equipes. E é um indicador de que essa valorização está, sim, relacionada à escassez desse profissional no mercado.
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Claramente, o SUS é uma estrutura muito grande. E claramente o Saúde da Família criou um novo mercado de trabalho, diferenciado. Contudo, não podemos esquecer que esse financiamento público não representa nem metade do financiamento total do Brasil. E se eu quero construir um sistema universal e integral, há de fato um problema, porque a determinação de mercado fica dependente de um outro setor, com o qual o sistema público não tem nenhuma coordenação adequada, no sentido de trabalhar essa questão dos recursos humanos.
Além disso, se considerarmos esse valor além do PIB, há a questão das receitas de contraprestação das operadoras, que alcançaram 197 bilhões de reais, em 2018, enquanto o SUS, 271 bilhões de reais. Bem, então o SUS tem mais dinheiro do que as operadoras, só que o SUS cobre todo mundo — inclusive, nós que estamos nesta sala, provavelmente, todos temos plano de saúde — e as operadoras só cobrem 27% da população. Isto significa — faltou a referência, mas é um estudo dos nossos colegas do IPEA — que há 2,6 vezes mais recursos no setor de saúde suplementar do que há no SUS para cada habitante. Com isso, esse setor tem o poder de mercado muito grande. E não só ele, porque há outra fonte de financiamento. Eu, com a minha renda, dada a desigualdade no nosso País, posso contratar, além do plano de saúde, diretamente os profissionais de saúde. Paga-se às vezes, aqui em Brasília, um valor mais alto para consulta. Portanto, eu também faço parte de outro mercado, como vários de nós, que é o mercado de quem pode pagar direto do bolso. E esse mercado não é pouco significativo.
Estas são as considerações finais, depois vou discutir os desafios. Há concentração de profissionais na Região Sul do País e nas capitais de Estado. No caso de profissionais médicos, claramente, notam-se dois problemas: a distribuição e a escassez. Há planos de saúde efetivamente concorrendo com o SUS na demanda por esses profissionais, não é um sistema complementar. De fato, concorre na demanda por esses profissionais, assim como o pagamento direto no bolso.
E há duas questões que aparecem nessa demografia médica, coordenada pelo Prof. Dr. Mário Scheffer, que são igualmente relevantes. Uma delas é uma coisa que já era muito conhecida na literatura. Eles pegaram todos os egressos do curso medicina — e eu não vou lembrar exatamente a data de referência, mas acho que foi no ano de 2017 — e fizeram um questionário com esses egressos, uma amostra representativa de todos esses 18 mil profissionais formados naquele ano. Eles perguntaram e descobriram que, de fato, a grande imensa maioria gostaria de fazer uma residência após a formatura. Mas o que mais chama a atenção é onde eles gostariam de trabalhar depois de se formarem. Num percentual de 79,2%, disseram que queriam trabalhar no Saúde da Família e em hospital — eles poderiam indicar mais de um local. Contudo, quando se somam essas proporções, 79,2% disseram que preferiam trabalhar em hospital, e menos de 30% na atenção básica, sendo que no Programa de Saúde da Família — PSF, 19%.
Aí vêm as questões além da remuneração. Claramente, o PSF criou para alguns setores e para algumas regiões salários que são considerados atrativos, em termos de média nacional; contudo, os salários não necessariamente se tornaram atrativos para esses profissionais. Vários estudos de casos mostram que, por exemplo, no interior do Paraná, um Estado organizado e rico, há médico ganhando 32 mil reais. Ainda assim, esse salário é pouco para aquela região.
Portanto, começam as questões. O que atrai um médico, além da remuneração?
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Nessa pesquisa, eles também falam em condições de trabalho; em estabilidade nesse trabalho, ou seja, a questão da carreira é colocada; e em amenidades locais. Dos 5.570 Municípios brasileiros, a maioria são Municípios muito pequenos. Em alguns deles — considerando-se que os médicos são como nós e provavelmente os seus filhos vão estudar em escola privada —, não há escola privada, não há um cinema, não há estrutura de lazer. Os médicos podem ir quando são novos, mas depois começa a ficar menos atrativo estar nesses locais.
Isso gera para nós desafios. Se queremos uma política pública de saúde, que é toda intensiva em recursos humanos, mas principalmente intensiva na atenção básica, como conseguimos alocar profissionais em pequenos Municípios, em regiões de alta vulnerabilidade, e inclusive em Municípios maiores, mas nas regiões pobres desses Municípios maiores, mais distantes do centro? As políticas propostas buscam alternativas para atrair esses profissionais e fixá-los nessa localidade?
Seja antes, no Mais Médicos, seja agora, no Médicos pelo Brasil, havia uma oferta: a de que estar no Saúde da Família gerava pontos para a residência. Como sabemos, dependendo da residência, isso faz muita diferença, ou seja, alguns pontos faziam muita diferença. E também se oferecia a possibilidade de uma residência em medicina de família em comunidade. Não necessariamente todas as vagas foram preenchidas, porque havia menos demanda por esse tipo de residência do que por outros tipos. Havia outra coisa: a remuneração não era, a princípio, menor do que a remuneração média da remuneração do mercado de trabalho. Mas todas as outras questões se colocavam.
Tentou-se uma alternativa. Essa alternativa tinha vários questionamentos. Agora se está propondo criar uma agência, para que essa agência contrate profissionais via CLT. É uma nova tentativa de levar esses médicos para essas localidades.
A questão da regulação do mercado passa por várias questões. Certamente, passa pelo financiamento. Se eu tenho dois mercados que são poucos coordenados, pouco articulados, certamente tenho dificuldades para conseguir que esse mercado atraia os profissionais. Tenho alternativas que talvez não necessariamente sejam alternativas melhores, mas que, em geral, estão nos mesmos centros que hoje concentram os médicos, os centros urbanos dos Municípios maiores: são o mercado de plano de saúde e o pagamento direto do bolso.
Houve questões muito interessantes na fala da Natália. Sabemos que o Saúde da Família tem uma resolutividade maior do que têm as outras equipes. Qualquer estudo de impacto mostra isso. Mas eu acho que o mais interessante da fala de vocês foi relativa ao impacto, primeiro, na mortalidade adulta. Acho essa questão fundamental, embora se deva abrir para outros pontos. Deve-se olhar para o fato de que essa cobertura deveria considerar todo o Município. Normalmente, as pessoas consideram só a cobertura efetiva ou estimada daquelas equipes, não consideram a cobertura para todo o Município. Por quê? Porque isso mostra também o efeito que provavelmente teve na ampliação da cobertura nos grandes Municípios. Mesmo onde já havia equipe de atenção básica, quando se leva o Saúde da Família, o segundo resultado ali deve indicar um pouco... Refiro-me ao resultado de todos, da FIPE, da FEA, enfim, de todos de São Paulo.
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Qual é a questão, na verdade? A questão é que não conseguimos montar um sistema universal e igualitário a partir da capacidade de pagamento. Nós precisamos ter alguma regulação do Estado, e essa regulação tem que ser forte. Além da regulação de financiamento, temos que ter outras regulações.
Além disso, há outra questão colocada. Nós queremos um sistema universal, e, se nós não fizermos esse sistema universal, em um país com essa desigualdade que temos, ou pelo menos um sistema que não dependa da capacidade de pagamento, a nossa questão social vai se impor cada vez mais. Nós temos um problema hoje dado por um teto financeiro de gasto que vai acabar repercutindo sobre a capacidade de financiamento público da saúde. Portanto, nós temos uma série de restrições. E temos, ainda, como eles abordaram, os desafios do envelhecimento, que ainda vão trazer outros desafios muito fortes para esse sistema.
E há uma questão relativa à formação de todos os profissionais, não só à do profissional médico: como fazer com que o médico não só esteja lá, mas seja resolutivo. Acredito que seja a questão que está colocada aqui. Quando vemos situações como a da prova do CRM de São Paulo, que mostra que uma parte dos profissionais que se graduaram não passariam na prova do CRM — não sei qual é o percentual, mas chegou a 66% —, questionamos se a formação desses profissionais está adequada para qualquer sistema ou se nós ampliamos muito o número de vagas sem considerar a qualidade final da formação. Nós precisamos ter não só a preocupação de levar o profissional, mas a de que esse profissional tenha qualidade.
Concluindo — e agora concluo de fato, porque já estourei o meu tempo, com certeza —, podemos perceber que esse profissional, atuando com outros profissionais, já tem se mostrado mais resolutivo do que quando atua sozinho. Portanto, a ideia de uma equipe tem se mostrado, no mundo inteiro e no Brasil, uma boa solução para essa questão da resolutividade da atenção básica.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Sra. Luciana, muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Fique à vontade. Peço apenas que fale próximo ao microfone.
O SR. ARMANDO MARTINHO BARDOU RAGGIO - Sou Armando Raggio. Sou médico, formado em 1976. Vou completar em dezembro 43 anos de formado. Ao me formar, fiz especialização em Anatomia Patológica. A seguir, aprovado no concurso do Instituto Médico Legal, especializei-me em Medicina Legal. E tive a oportunidade de ser, no terceiro ano de formado, Diretor de Saúde de Curitiba, que era o cargo da autoridade sanitária de Curitiba de então, quando o Município contava com apenas sete unidades de saúde.
Talvez a razão do reconhecimento que há na atenção primária e na organização do SUS de Curitiba seja o fato de a sua modernização ser muito recente. Curitiba não cuidava da atenção à saúde. Era uma entidade beneficente, chamada Saza Lattes, as unidades de saúde do Estado e os serviços das beneficências, da Santa Casa e de outros congêneres, que faziam atendimento nos ambulatórios das comunidades organizadas.
O Sul tem certa tradição na organização social, da participação social nos desafios, baseada nos princípios do mutualismo. Provavelmente, a história da imigração europeia trouxe, no fim do século XIX e no começo do século XX, essa contribuição, tanto que em São Paulo, por exemplo, ainda existem as classes operosas, um serviço fundado a partir do princípio mutualista pelos trabalhadores de então, não protegidos, antes da Lei Eloy Chaves, de 1923.
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Após essa oportunidade, eu agarrei o caminho da saúde pública, cursando cursos que vieram me instrumentalizar. A Luciana mesmo se referiu ao fato de eu ter sido do IPEA, gerente, sob a coordenação de um amigo e colega nosso — tornamo-nos amigos, trabalhando juntos —, o Sérgio Piola, um médico também dedicado ao estudo da economia da saúde. Depois cursei Bioética e me doutorei pela FIOCRUZ, aqui em Brasília.
Estou há 18 anos em Brasília, com algumas recaídas. Depois de ter sido Secretário de Curitiba, Secretário do Estado do Paraná e Presidente do CONASEMS — Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde e também Presidente do CONASS — Conselho Nacional de Secretários de Saúde, eu aceitei o desafio de ser Secretário Municipal em São José dos Pinhais e depois em Sorocaba. Eu sou nascido na região de Sorocaba, e não resisti ao apelo do candidato e depois Prefeito da cidade; na ocasião em que ele assumiu pela segunda vez, eu fui Secretário de Saúde lá.
Hoje atuo como Coordenador, a partir desta semana, da Comissão de Residência Médica da FIOCRUZ Brasília, criada com a intenção de, em parceria com o Governo do Distrito Federal, criarmos o Programa de Formação em Medicina de Família e Comunidade, juntamente com a Escola Superior de Ciências da Saúde, na qual também já trabalhei, que forma médicos, forma enfermeiros e também forma, com uma escola de nível médio e outra de formação de trabalhadores em educação permanente, para o trabalho na rede de saúde do Distrito Federal e do entorno, conforme a demanda que se estabeleça a partir do interesse do profissional ou do interesse dos Municípios vizinhos.
Nós queremos agradecer, em nome da nossa Diretora, Fabiana Damásio Passos. Infelizmente, a agenda não permitiu que ela aqui estivesse.
Eu queria destacar que, apesar das dificuldades, muito bem demonstradas aqui pela Luciana, e das interrogações que ambas, ela e Natália, trouxeram, também se evidenciou que há uma experiência muito significativa num país das proporções do Brasil, de 200 milhões de habitantes, que tem 450 mil médicos atuando, tem uma rede hospitalar importante, tem uma rede de serviços de atendimento de alta especificidade. Quando está definido o procedimento que deve ser feito, há quem faça. Isso tem custos elevados, porque costuma acontecer depois da evolução da morbidade não resolvida pela natureza, ou não resolvida pela atenção social, ou não evitada pela atenção social. Enfim, nós somos capazes de fazer transplantes magistralmente, inventamos tecnologia cirúrgica reconhecida no mundo todo e somos, então, um lugar que repercute o avanço da tecnologia com razoável grau de competência.
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Isso é um paradoxo, porque há pessoas morrendo de situações evitáveis e indesejáveis. Por exemplo, ainda há mulheres que morrem — em certas regiões, em grande proporção — de câncer de colo de útero, o que é absolutamente inaceitável, se há distribuição desses serviços de evitação. E o digo não por que eu seja anatomopatologista. O papanicolau não é preventivo, é bom que se diga. Usa-se o nome papanicolau como se fosse um exame preventivo, mas ele não é preventivo, é detectivo. E é preferível que o patologista não encontre lesão, que dê um laudo de normalidade, e não de doença. Isso é possível. Muitos países do mundo demonstraram a capacidade de controlar lesões importantes, como uma lesão degenerativa, como o câncer de colo de útero, que é infecciosa e degenerativa. É possível que tenha o controle que já se logrou em vários países.
Nós temos na FIOCRUZ uma miríade de projetos de pesquisa. E temos colegas extremamente dedicados à investigação sobre a atenção primária à saúde. Tanto é assim que a Universidade de Toronto publicou um livro, que ainda não está em português, que se chama, em tradução livre, Revitalizando a bandeira da saúde para todos, de 1978, quando da realização da 1ª Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em Alma-Ata.
Eu comecei a militar como autoridade sanitária exatamente em 1979, um ano depois da publicação do relatório dessa grande conferência, que foi revisitado o ano passado. E a universidade publicou um livro muito interessante, que está disponível na rede de informação. É possível acessar o e-book, em que há um capítulo que eu gosto de destacar. Refiro-me ao Capítulo XIII, escrito por Fidelis de Almeida, Lígia Giovanella e Berardo Augusto Nunan, a respeito de como nós vimos construindo esse sistema.
Eu fiz apenas este eslaide para apresentar aqui os desafios da atenção primária à saúde. Além de participar a todos essa publicação, cuja cópia do capítulo vou deixar aqui, apesar de ser acessível, informo que nós temos uma publicação do ano passado, 2018, de certo modo comemorativa da proposição de cuidados primários em saúde para todos. A publicação agora já está em reimpressão, provavelmente porque se difundiu bastante. Eu até desejaria trazer um exemplar para o Centro, para entregar ao Dr. Luiz, mas o único que nós temos lá na nossa livraria que distribui os livros da FIOCRUZ estava comprometido com uma aluna da pós-graduação. Ela vai apanhá-lo amanhã de manhã, e não seria nada recomendável que eu a privasse do acesso ao livro que ela encomendou. Mas podemos dispor um exemplar aqui para o Centro.
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Nós consideramos que, pela experiência mundial do que aconteceu de 1948 para cá na Inglaterra e do que acontece hoje na Comunidade Europeia... Uma das condições para pertencer à Comunidade Europeia é ter um sistema universal, com suas variações culturais e regionais, mas de modo a garantir proporções que alcancem, se não 100%, quase toda a população. Alguns convivem com oferta privada, outros não, dependendo da historicidade como isso se deu. Por exemplo, a Inglaterra tem serviços privados de saúde? Tem, mas são de proporções menos significativas, muito menos significativas, do que os do sistema estatal.
Eu gostaria de compartilhar com os senhores um conceito que tenho usado na minha experiência de gestor. O que a atenção primária exige é alta sensibilidade. Eu já li alguma coisa do Dr. Luiz e ele fala, de certo modo, dessa perspectiva, porque deve ter militado como médico-geral no começo do seu exercício profissional.
O médico de todo dia lida com uma complexidade imensa de problemas. Para isso, ele precisa ter um razoável grau de sensibilidade. O que tem acontecido com a invasão tecnológica — caso se possa assim chamar — é que nós nos transformamos em manejadores de tecnologia pesada, o que se soma agora aos softwares, que se superam com uma caducidade impressionante. A aceleração do desprezo com a tecnologia de ontem é muito grande. O seu celular já deve estar atrasado. Você comprou quando? Ontem? Então, hoje ele já deve estar atrasado. O último aplicativo que você adotou já está superado por algum outro. E nós fomos abandonando a sensibilidade à situação de vida e de saúde das pessoas, das famílias e das populações.
Eu reforço a observação de Natália sobre o crescimento da doença que pode ser evitada na origem, mas, assim mesmo, a atenção primária, que é altamente sensível... E, convenhamos, nós não estamos na máxima performance do que ela pode ter, por uma série de dificuldades de logística e também por uma predominância do elã com a tecnologia, por parte tanto da população como dos profissionais.
Outro dia, eu vi a Dra. Irene, que é a coordenadora de programas de residência médica em São Paulo, que disse assim: "Esses meninos, agora, não querem mais atender pessoas, eles só querem fazer procedimentos". Nessa perspectiva, o procedimento rende mais confortavelmente ao profissional do que atender pessoas. Por exemplo, você pode chegar à última hora da sua jornada, e o problema daquela pessoa pode exigir que você ultrapasse aquela última hora da sua jornada. Sucessivamente, vai-se deteriorando essa relação com a comunidade, essa relação que depende de esperança, de confiança, de uma boa escuta.
Nós temos, então, por um lado, marcas interessantes de sucesso técnico-científico e, por outro lado, a frustração das pessoas, tendo na base média — e vou falar em média — um médico para cada 500 pessoas no Brasil, somando os outros milhares, que são muito mais que nós. Por exemplo, nós somos 450 mil ou 500 mil médicos, e há mais de 2 milhões de enfermeiros, além de tantas outras profissões de saúde.
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Até o mês passado, eu fui o coordenador de uma comissão de residência multiprofissional na mesma FIOCRUZ onde eu atuo desde 2016. Atuei antes na Secretaria de Estado, na Fundação de Ensino e Pesquisa, na pós-graduação e depois como Diretor Executivo. Nós notamos que, quando fazemos chegar os diversos profissionais de saúde, somando os seus saberes, sem a privação do direito do outro, mas de forma convergente, o potencial de modificação da realidade é muito grande.
Vou dizer uma coisa que é, de certo modo, até hilária, porque as pessoas tendem a não acreditar: a atenção primária à saúde é a máxima complexidade do exercício profissional de qualquer das profissões de saúde, é a máxima! Porque, quando eu, como patologista, recebo uma amostra, a pessoa que foi atendida lá na primeira hora podia ter qualquer coisa, e quem a atendeu primeiro teve que ter alta sensibilidade para saber que mal seria aquele e se seria necessário um exame anatomopatológico ou um exame bioquímico, ou se deveria encaminhar para o neurocirurgião, etc.
Nós, em geral, veneramos os que entram no corpo, os que abrem os corações, os que trocam as válvulas, os que substituem as artérias ou os membros, os que separam cabeças, e isso tem valor, mas, antes de esse procedimento ser realizado, antes disso aconteceu o atendimento por alguém que não contava com muita logística, que não contava com muitos recursos, mas teve alta sensibilidade de perscrutar aquela situação e de ponderar o que seria razoável fazer.
Nós temos um País continental, e o Sistema Único de Saúde ainda é um arquipélago. Há lugares de muito sucesso, há evidências flagrantes de que essa ideia funciona bem. E o nosso desafio — e é um apelo até que fazemos, como instituição de pesquisa, às autoridades e ao Parlamento, em especial — é conquistar o continente brasileiro, por uma prática de maior sintonia e de maior integração das diversas políticas.
O desafio da atenção primária, então, seria se legitimar como porta de entrada do sistema de saúde, mas, para isso, precisa ter retaguarda, precisa ter logística. Às vezes, nós falamos com certa facilidade que a atenção primária resolve 80% dos problemas — se tiver logística, se tiver o medicamento necessário para o caso da terapêutica recomendável, se tiver quem faça as visitas regularmente, se tiver condições de sair de trás do balcão e de ir em busca das pessoas. E isso, hoje, com a informação, com a tecnologia da informação, é muito possível de se fazer.
E o serviço deve ter boa estrutura, boa infraestrutura, e às vezes não tem. Por outro lado, não é estrutura que define, porque saúde não é uma commodity. Não é a forma do continente que define o conteúdo. A commodity é aquilo que toma a forma do continente.
Se você põe em um trem, toma a forma do vagão; se põe no navio, toma forma do porão. Isso são commodities. A saúde não é uma commodity. A saúde tem necessariamente que estabelecer relações de pessoas com pessoas. É uma relação política, seja terapêutica, seja eleitoral. Não, não se faz saúde para ser eleito, faz-se saúde para resolver o problema. O reconhecimento de uma boa saúde pode creditar oportunidade de reconhecimento depois, em outro momento, mas é preciso fazer saúde incondicionalmente.
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"Cuidado contínuo ao longo da vida". É o que chamamos de longitudinalidade, durante toda a vida, durante todo o tempo que a pessoa vive naquela região sob o nosso cuidado.
"Resolver a maioria das necessidades em Saúde. Eu acho que neste ponto há um pouco o viés da saúde enquanto doença, porque nós, como sistema de saúde, não somos capazes de resolver todos os determinantes da condição de saúde das pessoas.
"Definir e orientar o caminho do usuário na Rede de Serviços". Isso é fundamental, porque a má prática é aquela que diz: "Não é comigo, não é aqui". E se a pessoa tem um sintoma a mais, o especialista diz: "Isso não é a minha especificidade". Ele não fala assim, mas age como tal. Eu digo às vezes para uma pessoa: "Você está com tal problema. Procure o colega tal e defina bem para ele esse problema. Não fale dos outros, porque ele vai se confundir ou vai mandar você para outro colega. Você quer dele que ele atenda nisso". Não que eu concordo, mas é a realidade.
"Realizar a coordenação do cuidado". Isso é muito difícil. Por quê? Porque as verbas que financiam a atenção primária são mediadas por instâncias sucessivas, na cascata de transferência do dinheiro. Não estou acusando que alguém tenha ficado no caminho com dinheiro, mas, procedendo corretamente, mesmo assim, os recursos, apesar de transferidos até os Municípios, ainda são centralizados. Então, nós sofremos uma regionalização centralizadora.
Seria desejável que, quanto ao recurso, não digo que este deveria ser necessariamente per capita, mas que houvesse mais recurso para as regiões que mais precisam. E ocorre exatamente o contrário: os recursos ficam onde as regiões são mais ricas, onde há mais tecnologia. A alta especificidade é comprometedora de recursos. Por que tantos colegas ficam nas capitais? Por que ali se concentram as tecnologias, e nas cidades polos eles podem viver de procedimento, não precisam ir em busca de pessoas que sofrem, para que estas sejam atendidas por eles; podem atender por demanda de outros colegas, que as encaminham.
Sobre a "responsabilidade pela população do seu território", eu quero compartilhar uma ideia do Dr. Luiz Carlos Lobo, que criou a escola de medicina aqui em Brasília, nos tempos de Sobradinho. Brasília estava em destaque como Patrimônio da Humanidade, depois de anos, mas Brasília também se destacou no mundo por uma escola de medicina que formava diferentemente, por imersão imediata dos estudantes, desde o primeiro ano, na realidade da população. Luiz Carlos Lobo diz assim: "Cobertura é diferente de assistência". A cobertura implica responsabilidade. Se uma pessoa morre de uma causa evitável a caminho do pronto-socorro, você se considera não responsável, porque ela não chegou às suas mãos.
Mas, no conceito de cobertura, você seria responsável por evitar que tal acontecesse, com as medidas cabíveis, em que pese o fato de que a fatalidade sempre sobrevirá. Sempre poderá ocorrer a morte de pessoas no território pelo qual você é responsável, e isso não é necessariamente crime, não é necessariamente dolo, não é necessariamente culpa.
"Incentivar a ação comunitária." Essa legenda é de 2006. Mais do que isso, deve-se respeitar e reconhecer. E é curioso que a atenção primária à saúde funcione melhor onde há menos serviços de alta especificidade. Vivendo a experiência de Secretário em um Estado que tinha meia dúzia de cidades polos, sendo o restando Municípios de menos de 20 mil habitantes — acho que é situação parecida com a do Mato Grosso do Sul e a do Paraná —, nós notávamos que Municípios pequenos faziam mais com menos e que Municípios grandes tinham grandes soluções para os problemas, mas não cuidavam adequadamente do cotidiano da sua população. Isso ocorria mesmo em Curitiba, que teve uma modernização tardia, então pôde estender a sua rede, mas hoje sofre dificuldade de chegar a certas regiões com o mesmo grau de atenção.
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Há uma coisa muito importante, que tem uma dimensão de sensibilidade política e social: "mediar as ações intersetoriais", no sentido de somar esforços, e não competir. Nós, médicos e profissionais de saúde, gostamos de expressões como, por exemplo, cidade saudável. Eu me encantei, quando jovem, com essa expressão, mas rapidamente percebi que não devia compartilhar essa ideia num certo Governo, porque o crédito seria da Saúde. É preciso que aquele Executivo, aquele Governo, aquele Parlamento somem seus esforços de forma plural, para os melhores resultados; e não que esses resultados sejam da Secretaria de Meio Ambiente, ou da Secretaria de Saúde, ou da Secretaria de Educação, mas do Governo como um todo e da sociedade em geral.
E se deve "promover a saúde", porque a vida é teimosa, e é desejável vivê-la teimosamente, mas com saúde.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Dr. Armando, muito obrigado pela apresentação.
O SR. MARCOS ANTONIO REIS - Antes de mais nada, eu gostaria de agradecer, mais uma vez, o convite do Centro de Estudos.
As intervenções que foram trazidas a esta reunião foram de tão alto nível quanto às trazidas na última reunião. Os palestrantes trouxeram pontos muito importantes para toda a discussão.
Cito, por exemplo, o Saúde da Família. Como foi trazido pela Natália, o Saúde da Família seria uma das interessantes estratégias. Como cidadão, eu imagino que o Saúde da Família estaria aí justamente para tentar trabalhar com as ditas doenças evitáveis. Vamos tentar trabalhar com as doenças evitáveis, porque, assim, diminui-se todo o custo da saúde em todo o sistema.
É diferente de um caso em que eu, que sou um mero paciente, vejo acontecer algo comigo e penso simplesmente... Inclusive hoje está extremamente fácil autodiagnosticar-se. Basta entrar no Google e ler dois ou três trabalhos. Com três páginas que lê, a pessoa já pensa: "É isso que eu tenho!" E já vai direto ao médico. Eu já fiz isso com a minha mãe uma vez e quebrei a cara. Eu jurava que ela tinha determinada questão. Disse o médico: “Não, isso não é nada comigo. Você tem que levar sua mãe a outro especialista. Você está totalmente errado.” Eu perdi uma consulta. Paguei uma consulta à toa e perdi meu tempo. E o médico também. Talvez poderia estar atendendo outra pessoa. Isso é real, isso acontece.
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Agora, especialmente no Brasil, dentro de uma sociedade que, em tese, é carente... Vamos tirar Brasília. Você estava falando em seu estudo que Brasília é o centro de referência no que diz respeito à atenção. Vamos tirar São Paulo e vamos tirar o Rio de Janeiro, onde há grande concentração de médicos. No resto do nosso querido Brasil, nós não temos tanto. Não temos como escolher um grande ou o melhor cardiologista. Não, temos o cardiologista, e ele está lá para trabalhar. Mas o melhor cardiologista, nós escutamos, está em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Essa não é nossa realidade, infelizmente. E talvez nem precise ser! Não se precisa ter o melhor cardiologista em cada cidade do Brasil. E às vezes é até difícil ou impossível. Não há como se operacionalizar isso. Mas, quanto à promoção de saúde vinculada às tais doenças evitáveis — cito a diabetes e outras desse nível —, nós evitaríamos tantas doenças! No campo de AVC, derrames, questões cardiológicas, seria muito interessante continuar nesse ponto.
E sempre temos aquela ideia, como foi debatido no nosso último encontro, de que o clínico geral é aquele que ninguém quer ser, porque é melhor optar por uma especialidade que dê dinheiro, que dê nome. O clínico é aquela pessoa que está no povo. Acho que você que trouxe o dado de que 30% dos formandos não têm interesse em trabalhar com... Aliás, menos de 30% não têm interesse pela atenção básica, porque é melhor estar num hospital, pois é assim que a pessoa faz a sua carreira e o seu nome. Estar no meio do povo ou andando no meio de uma comunidade carente com uma equipe não é tão agradável, não é? Nós pensamos assim: é por isso que as pessoas não querem. É livre arbítrio, mas é por isso que as pessoas, às vezes, não querem.
E os clínicos ganham menos. Nós vemos a intenção hoje do Governo Federal de ampliar até mesmo o leque salarial para o novo programa em substituição ao Mais Médicos. Mas acho que foi você que falou que, em São José dos Pinhais, perto de Curitiba, numa cidade que não é pequena, simplesmente o médico ganha 32 mil reais e não tem interesse muito de ficar lá, porque a cidade não tem cinema ou não tem shopping center, ou porque os filhos não poderiam estudar na melhor escola da capital. É realmente uma tarefa árdua tentar levar médicos para atender, vamos dizer, 80% da população brasileira, que não está na cidade grande, não está na capital. Nem todo mundo pode ficar na capital, não há como isso acontecer.
Nós aqui de Brasília, já a terceira maior cidade do Brasil, vivemos as questões do inchaço populacional na nossa grande periferia.
Temos hoje a Estratégia Saúde da Família, que a Natália apresentou, e eu acharia muito interessante que o foco de vocês fosse na questão do orçamento. Por exemplo, o dinheiro sai, e o dinheiro é federal, de um programa federal que vai para o Município. O Município, eu imagino que ele tenha que procurar profissionais de saúde, porque não saem do âmbito federal os profissionais. O Governo Federal não vai mandar médicos para os Municípios, independentemente do programa Mais Médicos. E tomemos que, para fixar o médico naquela região, se ele já for da região seja muito mais fácil. Ninguém vai sair de São Paulo para ir para o Acre. Difícil! Difícil!
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Então, muito interessante é a questão do orçamento. Como é que os Prefeitos lidam com o orçamento que chega? Eles é que vão correndo atrás de contratar os médicos? Eles tentam fixar essas pessoas? Eu aqui em Brasília, lendo pela mídia sobre o que acontece aqui, e todos sabem disso, vejo que Brasília é um polo atrativo para as Prefeituras da Bahia e do Goiás. Às vezes o Prefeito prefere investir em um ônibus para trazer pessoas. Há pouco tempo estive em Natal — minha esposa é de Natal. Perto de um grande hospital de lá, o Eduardo Gurgel, hospital de referência especialmente na área de câncer, de oncologia — minha sogra, infelizmente, estava tratando de um câncer, e eu tive que levá-la algumas vezes lá —, eu vi vários ônibus: Prefeitura tal, Prefeitura tal, Prefeitura tal. Então, opa, o que se entende é que é melhor investir num ônibus para levar os pacientes de um Município inteiro para o hospital da capital. Em tese, o Município estaria livre, pelo menos dessas questões. Tomara que aquelas pessoas fossem realmente os pacientes mais complexos, que não poderiam ser tratados no Município. Mas sabemos que, em Brasília, o pessoal do Entorno manda para cá, e o problema é de Brasília. Aí nós temos um descasamento entre receita e despesa insolúvel.
Achei interessante que 31,7% dos médicos não são especialistas, foram trazidos segundo aquela estratificação dos médicos de hoje. Será que esse pessoal todo é clínico? Será que eles atendem em clínica? Será que eles topam trabalhar, por exemplo, na área de saúde dos Municípios? Porque eles não têm especialização. Quando uma pessoa, como o Deputado, opta por ser cardiologista, ele está direcionando que ele quer dar a sua força de trabalho para o atendimento daquilo em que ele se especializou, no caso a cardiologia. Mas nós temos um número de 31,7% de pessoas que não se especializaram. Será que essas pessoas topariam ser os clínicos Brasil afora? É um ponto interessante.
Por fim, eu achei muito interessante a frase “Sem o SUS, a barbárie”.
Não faz 2 semanas que eu vi uma matéria sobre um casal norte-americano. A sociedade norte-americana é sabidamente rica, mas a especificidade da saúde lá é bem diferente do que nós imaginamos aqui no Brasil. Nós aqui tentamos levar a noção de um plano universal de saúde. Lá não é bem assim. Lá, Dr. Armando, pode-se entender até que a saúde seja uma commodity. Lá tem isso, a saúde é mercantilizada. Esse casal se aposentou e comprou uma casa no litoral. Foi viver no litoral aquela vida bucólica, paradisíaca. Mas, infelizmente, eles descobriram, num determinado momento da velhice... O estudo de vocês é justamente para saber se a saúde da família pode evitar doenças, se pode minimizar a mortalidade de uma determinada idade para frente — antes com as crianças, agora com outra idade. Esse marido, vendo a mulher com problema de saúde e sem a menor condição de resolver o problema, porque eles não tinham dinheiro, ele matou a mulher, ligou para o sistema de segurança de lá e disse: "É o seguinte, estou me matando agora". "Não, espere, espere!" Até mandaram um robô. Eu não entendi como chegou lá o robô. Enfim, ele meteu uma bala na cabeça e resolveu o problema dele e da mulher de falta de dinheiro para tratar da saúde.
Sem o SUS, a barbárie. Realmente, o que seria de nós aqui no Brasil? Nós temos tanto problema! O SUS é muito criticado às vezes. Acho que a maior conta orçamentária do Brasil é a da saúde, mas, simplesmente, quantos não estariam se matando aqui, como nos Estados Unidos?
Era essa a minha intervenção.
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Muito obrigado, Marcos.
Por exemplo, em relação ao modelo de atenção, na atenção básica, representado pela Estratégia Saúde da Família, haveria concorrência? Nós ouvimos falar da equipe de atenção básica, mas haveria outros concorrentes para esse tipo de atenção, na atenção primária, como, por exemplo, no setor filantrópico, ou no setor privado, ou organizações sociais? Quais seriam os concorrentes desse modelo?
Outra pergunta, para todos. Em relação aos médicos no País, médicos e profissionais de saúde, nós temos dados para a distribuição de médicos no setor público? Por exemplo, quantos médicos por mil habitantes nós temos para atender o SUS?
E, sobre custos, aproveitando a presença de vários economistas da saúde, há estudos no Brasil que estimem com maior profundidade qual seria o valor ideal para implantarmos a atenção primária?
Porque nesta Casa se debate muito o financiamento, o orçamento, e nós precisamos de dados e evidências nesses debates, não apenas de informações do tipo "nós gastamos menos do que outros países". Então, em relação à nossa realidade, ao que nós temos que fazer, qual seria o patamar de gasto ideal para implantar a atenção primária por meio da Estratégia Saúde da Família?
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A formação dos profissionais foi outro ponto que apareceu na discussão passada, e que me chamou a atenção, porque, geralmente, quando penso em academia, penso muito em pesquisa, mas sabemos que a academia forma profissionais. Na reunião passada, alguém destacou um problema na formação não apenas de médicos, mas também de enfermeiros. Se vocês puderem comentar sobre como melhorar a formação dos profissionais para atuar na atenção primária...
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Muito obrigado, Fábio, pelas suas perguntas.
Eu anotei aqui pontos da apresentação da Natália, da Luciana, do Dr. Armando, e vou fazer um comentário.
Uma coisa sempre me inquietou. Eu sinto, em algumas situações, que é como se nós estivéssemos naquela parábola indiana dos cegos palpando o elefante em que cada parte do segmento corporal é interpretado de uma forma. Como médicos, percebemos quase sempre que há algumas coisas um tanto quanto distorcidas, mas que o grande problema da Medicina está no diagnóstico, como em tudo na vida. Quando se tinha um problema, a professora, lá no primário, já ensinava: "Vamos equacionar o problema". Equacionar o problema significa identificar prós e contras, com base nas características de uma determinada situação. Faz-se o "dia" através de, do conhecimento: diagnóstico. E isso não tem sido levado em conta, de uma maneira geral. Por essa razão, quando o paciente chega a um consultório, sua primeira preocupação é dizer: "Eu quero uma televisão assim, um ar-condicionado assado, a obra de arte X, Y, Z, tal e tal". Mas na mesa do médico, ou ao lado da maca de exames, não há um diapasão, não há um oftalmoscópio... É um problema, Armando, nos hospitais: "Cadê o termômetro?" O residente não leva termômetro. Termômetro no bolso! Há muito tempo, há mais de 30 anos, acompanhando um residente, eu perguntei a ele: "Você sabe que o paciente está com febre?" "Eu pus a mão na testa dele." Isso há mais de 30 anos. "Mas, rapaz, não faça isso! Traga o termômetro, vamos usar o termômetro." Marcava 39 graus. A testa estava fria pela vasoconstrição periférica. Então, há distorções.
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A grande questão que a Profa. Natália coloca é exatamente esse paralelo entre o número de equipes, cuidados, que tem aumentado — eu percebi ali que houve um aumento significativo, de 5,2% em 1999 para 34,6% em 2016 —, e, ao mesmo tempo, esse aumento da mortalidade. De 1999 para cá — não podemos dizer que era antigamente —, nós já tínhamos muitos recursos tecnológicos. Sobre a década de 60, alguém pode falar: "Ah, não tinha, não se diagnosticava, não se sabia". Mas em 1999 e 2000 nós já estávamos bem evoluídos. Na virada do milênio, o pessoal já foi lá atrás do bug que podia afetar os computadores e resolveu o problema, quer dizer, a tecnologia já estava num nível razoável. Então, não dá para dizer aqui... Houve aumento de mortalidade. Se formos verificar a perspectiva de vida nessa época, ela girava em torno de 69 anos. Hoje, temos aí 76 anos, 78 anos, dependendo da situação. Houve um progresso.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Sim! E o que é interessante é que nós continuamos sem a resposta efetiva, Natália, para a competência do Programa de Saúde da Família e do Mais Médicos.
Você mostrou vários dados ali, e um deles até foi motivo de discussão nossa, de uma discussão boa. O ex-Ministro da Saúde Alexandre Padilha estava... Eu falei: "Isso aí que você está fazendo é terrorismo". Ele estava soltando um dado do Davide Rasella, da Universidade da Bahia — italiano, mas afiliado aqui, e em contato com outras universidades, se eu não me engano Stanford, na Califórnia, e também uma na Inglaterra —, sobre projeção de mortes, aumento de mortalidade, que indicava que haveria um aumento de quatorze e alguma coisa por cento, e, com a demissão dos médicos do Mais Médicos — o programa se extinguiu —, esse número chegaria a vinte e quatro e alguma coisa em termos numéricos. Na primeira projeção, 28 mil pessoas morreriam no espaço entre 2017 e 2030, e depois esse número chegaria a 28.600 se não tivéssemos o Mais Médicos. Estava descrito isso, e ele dizia que eram 100 mil. Eu disse: "Não, isso é terrorismo. Não é isso." "Então vamos fazer uma audiência!" "Vamos fazer uma audiência." Mas ele foi ver os dados, e era exatamente isso que nós citamos: há realmente certo prejuízo, mas não há uma efetividade estatística, só há projeções. Em quanto a Estratégia Saúde da Família, Mais Médicos, conseguiu reduzir a mortalidade? Nós não temos esses dados. Esse é um desafio, eu gostaria de saber. Eu procuro isso para tudo quanto é lado, e não consigo encontrar.
(Falha na gravação.)
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O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - ...lá em Israel, os médicos fizeram greve, viu, Armando? Ao final de um mês, a mortalidade tinha reduzido.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Mas reduziu!
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Pois é, nós sabemos disso. De 20% a 25% das mortes intra-hospitalares podem ser prevenidas, e essa é uma questão que ninguém responde, ninguém comenta, ninguém toca.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Você fez residência onde, Armando?
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Eu fui residente na Universidade Federal do Paraná de 1977 a 1980. Fiz mestrado em cardiologia. Fui residente do Ricardo Pasquini, do Adyr Mulinari, do Rachid.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Em 1975, em Mato Grosso do Sul, eu fui servir no Exército numa cidadezinha de 7 mil, 8 mil habitantes. Eu era o único médico da cidade e fazia tudo lá. Depois, tinha passado já no programa de residência em clínica médica em Curitiba, e fui para lá. O Dirceu, o Affonso, o Gastão Pereira da Cunha, com aquele pessoal todo, com aquela turma toda eu convivi na época. O interessante é que nós tínhamos essa experiência, e ali o pessoal era muito clínico, o pessoal da clínica médica insistia muito nisso.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Eu fiz a residência em clínica médica, depois fiz mestrado em cardiologia. Eu pensava em ser professor, e acabei sendo, depois. Aproveitei a oportunidade, passei na prova, fiz, defendi tese em arritmia cardíaca em gestantes... A experiência foi muito boa. Eu tenho uma filha curitibana. Realmente aquela foi uma fase muito boa da vida.
Mas o que nós percebemos com essas questões todas é que, na verdade, não temos a resposta da eficiência, sabe, Natália? Não temos essa resposta. O pessoal acha que consultório bonito resolve problema, acha que tecnologia resolve problema. Eu tenho sempre enfatizado que tem havido uma interposição entre o médico e o paciente, as coisas vão se distanciando, e o médico já não se levanta mais da cadeira. Lá em Curitiba, nós trabalhávamos fora. Às vezes era proibido, a residência não permitida de jeito nenhum, mas no fim de semana dávamos um jeito. Em algumas clínicas, o paciente chegava e dizia: "Eu vim aqui para operar das varizes". Nem morta! "Você precisa é emagrecer." Vá embora! Na época já existia esse tipo de situação.
Lá em Campo Grande atua um clínico da época. Ele fazia de tudo, inclusive cirurgia, o Dr. Fernando Vasconcellos. Ele conta o caso de um indivíduo que chegou ao SUS bem esperançoso. Não tinha nem cadeira. O médico estava escrevendo a receita, ele ficou bravo com o médico: "Eu nem falei nada ainda, e o senhor já está fazendo a minha receita?"
Ele disse: "Meu amigo, esta aqui é do outro. A sua já está pronta. Está aqui." Então, infelizmente, estas coisas todas nós temos visto.
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Mas, Natália, a minha preocupação tem sido exatamente com a eficácia, porque alguém apresenta um programa, apresenta uma agência do programa Médicos pelo Brasil e paga por 2 anos de residência em saúde da família e comunidade 12 mil reais, ao passo que o programa de residência paga em torno de 3.200 reais, e o indivíduo, dependendo do lugar para onde vai, pode ganhar 15 mil reais, até 18 mil reais, e sem ter qualificação nenhuma. Como o Dr. Armando coloca, é preciso sensibilidade, é preciso experiência, é preciso vontade de atender, e é preciso gostar de gente realmente.
Nós estamos vivendo em uma sociedade pragmática — não vejam nisto nenhuma crítica —, onde o indivíduo diz assim: "Acho que eu vou entrar nesse programa de Saúde da Família aí. Não tenho compromisso..." Essa é uma crítica que eu fiz aqui para o Enzo, responsável pela Atenção Primária do Ministério da Saúde. O indivíduo vai para lá, ganha o ano, é reconhecido em um programa de residência, termina e não tem absolutamente nada que o segure. Por que 30% só querem fazer a parte clínica, e a grande maioria que fazer outro tipo de atividade? Exatamente por causa do reconhecimento. A nossa sociedade não reconhece o médico. A nossa sociedade de forma alguma gratifica, em termos de homenagem, de reconhecimento, de honra, o clínico que resolve o problema. Esta é uma pergunta que eu tenho feito: o que tem distanciado o médico do atendimento primário? É boa essa iniciativa do Ministério de pagar bem, porque isso que você coloca em relação a ambulância, a ônibus, isso acontece em todo lugar do Brasil. O indivíduo tem lá um ônibus confortável, uma casa de apoio na cidade, e ele manda o paciente para a cidade. É muito mais fácil. Eu tenho sido procurado para esclarecer essa questão do orçamento. Hoje, o Ministério, ou seja, o Governo Federal, ele está saindo do atendimento de saúde. Segundo a Constituição, o Município tem que gastar... na verdade 12%, mas tem Município gastando 29%, 30%, 32% da receita tributária bruta com saúde. E eles vão ficando com a corda no pescoço, daí essa migração toda.
Então, a grande questão é a formação do médico. Mas o indivíduo só vai se formar adequadamente se ele estiver motivado, e o que vai motivá-lo é praticamente um salário adequado e um plano de cargos e carreiras, que não existe na área do SUS, nem no atendimento da Secretaria de Saúde do Município. Isso não existe. Nós ficamos à mercê. Não temos uma estatística da eficiência desses programas. Os programas visam, de alguma forma, atrair médicos, mas não há um comprometimento. O programa que foi colocado agora pelo Governo Jair Bolsonaro, através do Ministro Mandetta, ele é excelente. É aquilo que o pessoal sempre reclamou: não ganha, não ganha, não ganha. Mas nós não temos segurança de que isso vá funcionar lá na frente. E há outra coisa: o reconhecimento da população.
Na estatística que foi colocada aqui, nós vimos que as cidades com 20 mil habitantes ou menos são aquelas que têm menos médicos e onde, com menos, os médicos poderiam resolver muito mais, se tivessem um bom salário e pudessem realmente usufruir disso.
Hoje, as cidades assim no País são raras exceções. Eu trabalhei nessa cidade lá de Iguatemi, onde o melhor lugar era o quartel. Ela era um areião, não tinha nada, era uma fazenda melhorada. Hoje, a cidade tem tudo, lá você tem Internet, você tem contatos imediatos, você fala olhando a figura. Para nós, era utopia considerar isso na época e, só em filmes de James Bond, víamos alguma coisa mais ou menos assim. Hoje, você tem tudo isso lá. Mas ninguém quer ir para o interior.
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A grande dificuldade é que os nossos alunos não estão sendo preparados para enfrentar essa realidade. Aí o que está acontecendo? Nós estamos gastando muito dinheiro com esses programas. O Armando disse que é preciso ter sensibilidade, ter experiência. Quem deveria fazer a diferença no interior? O médico que tem já um certo nível de experiência. Mas ele não vai para lá se não for atraído, se não for seduzido. Então, essa é uma situação para a qual não tenho solução. Eu gostaria de ter uma forma de atrair os médicos. Inclusive, é por isso que há poucos médicos no interior.
Além do mais, 80% dos Municípios do País têm abaixo de 20 mil habitantes. Por isso, nós vamos percebendo que não vamos ter solução para o atendimento primário. Esse atendimento primário é fundamental para evitar que o indivíduo tenha complicações naquelas situações preveníveis, como uma amigdalite grave, que pode trazer uma artrite séptica e ir para a articulação e fazer com que ele tenha que ser internado, ou uma dor de cabeça, que, às vezes, pode evoluir para uma meningite se não for feito um diagnóstico. Um clínico bem preparado poderia fazer tudo isso.
Então, nós estamos vivendo numa situação que é, para mim, muito angustiante, porque eu entendo esse processo. É preciso que o médico seja preparado e resolutivo. E a resolução, nessas pequenas cidades, não precisa de muita coisa. Quando se soma realmente, se você tem um clínico, um cirurgião, um obstetra e um pediatra, você resolve 95% dos problemas, não precisa mandar o paciente para fora. Mas o Prefeito não consegue entender que ele só vai ter bons profissionais se pagar bem e fizer uma seleção.
Então, são várias as questões que eu coloquei aqui. Principalmente, Natália, essa situação da queda da efetividade é verdadeira. Eu não tenho isso e até gostaria de ter essa resposta. Outra questão que foi colocada é sobre as remunerações médicas, que são bem maiores do que a média das outras profissões, chegando a 3,7 vezes acima da média. Inclusive, nós já sabíamos inclusive que o PIB da saúde andava em torno de 10%, e foi mostrado aqui que é de 9,1%.
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Os desafios foram bem estabelecidos aqui. O Dr. Armando chama atenção para o papel central, que é a porta de entrada realmente, para a soma dos saberes e o fato de se passar a ser mais resolutivo, na verdade.
Eu concluo dizendo que a atenção primária é a máxima e que e a política está deturpada com a concessão e o estímulo aos mais jovens. Quem deveria ir para a linha de frente são os mais experientes. Mas isso fica difícil se não houver um aceno. Inclusive, a minha pergunta para o Sr. Enzo, que é o Secretário de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, foi nesse sentido. Há clínicos. Pela demografia médica, por esses dados do Scheffer que foram mostrados, há em torno de 44.900 clínicos no País. Por que não envolver esses indivíduos?
Portanto, o médico da atenção básica deveria ser aquele mais experiente, e a população deveria ser estimulada a reconhecer isso. Agora, isso é uma estratégia que envolve tudo, não só o Ministério da Saúde, mas inclusive a própria população de maneira geral, até através de novelas, o que não temos tido. Temos que ter novelas valorizando o clínico. O pessoal gosta de assistir a novelas e seriados, gostava de assistir ao House. Eu tenho um filho que é médico e gostava de assistir ao House. "Olha, pai, os disgnósticos!" Eu falava: "Cara, isso é ilusão. Nós temos que pensar no básico, nas coisas simples. Isso é quase ficção". Mas o Dr. House tinha um raciocínio excepcional. Quem conhece da coisa vê que ele realmente chegava a um denominador comum de forma muito marcante.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Sim, ele é bastante agressivo em alguns aspectos.
A SRA. NATÁLIA NUNES FERREIRA BATISTA - Primeiro, o custo/efetividade faz parte dos nossos passos. Nós começamos analisando o programa em âmbito municipal e agora estamos analisando o impacto do programa no indivíduo.
Vou fazer um parêntese aqui, porque estou trabalhando com isso na questão individual e acho importante que os Municípios ou o Governo de maneira geral se preparem dentro do possível. A partir do momento em que o programa se expande e que passa a haver mais diagnósticos, a demanda por internação aumenta. As pessoas que, antes, não estavam sendo atendidas ou que eram atendidas na ponta, quando a questão era emergencial, a partir do momento em que passam a ter a visita do médico e fazer exames uma vez por ano, têm os problemas detectados de maneira precoce. Então, a hospitalização, no princípio, aumenta ao invés de diminuir.
Atualmente, por exemplo, eu estou mexendo com dados. Lá na PNAD, há uma pergunta para os indivíduos de como eles avaliam a própria saúde. Aqueles que fazem parte do programa e têm visita médica com mais frequência avaliam a própria saúde pior do que o resto.
A partir do momento em que você sabe do seu problema, você começa a falar se a sua saúde está regular ou está péssima. Mas aquele que não fez exame de sangue, que não sabe que tem diabetes, que não sabe de nada diz: "Não, eu estou ótimo!"
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Há uma curva de aprendizado aí. A partir do momento em que o programa vai se expandindo, talvez a demanda por hospitalização e outros cuidados aumente. Nós estamos vendo isso agora, porque, como eu falei anteriormente, mensuramos o impacto no âmbito municipal e, agora, estamos mensurando em termos individuais. Depois, nós vamos passar para os custos e vamos poder juntar tudo, para responder à sua pergunta sobre custo/efetividade.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Natália, vocês têm alguma projeção? Dá para fazer alguma projeção?
O SR. FERNANDO ANTONIO SLAIBE POSTALI - Na verdade, o grupo de pesquisa que a Natália mencionou no início, do qual nós fazemos parte e é liderado pela Universidade de York, composto de equipes de três países, tem o objetivo de fazer a chamada avaliação econômica dos programas de intervenção no âmbito da saúde.
Nós já temos um lado da avaliação aqui no nosso caso: a questão da eficácia do programa em termos médicos, se a saúde responde à atenção primária tal qual composta pelo Programa Saúde da Família.
Nós analisamos, por enquanto, os dados de mortalidade. Mas o próximo passo, que nós já estamos começando a fazer e é essencial, é ver o impacto nas internações, se houve redução das internações pelas mesmas causas que nós estudamos em relação à mortalidade. A redução das internações também implica redução de custo para o Estado. Se o indivíduo é bem atendido e consegue resolver o seu problema a partir da atenção primária e da visita do médico do Saúde da Família, isso reduz a probabilidade de internação e, por consequência, reduz o gasto.
Nós extraímos algo agora, no encontro anual do grupo lá em Basileia. Uma das coisas que os nossos colegas queriam saber era, se o sistema é tão complexo, como nós fazíamos para financiar isso. Quanto ao financiamento, o Governo Federal vem com o dinheiro e existe a contrapartida dos Municípios.
Uma das reclamações de que nós nos demos conta no começo das pesquisas, vinda por parte das Prefeituras, foi que o programa é muito caro. Os Prefeitos pressionam para que se mexa na composição das equipes de forma a torná-las mais baratas, porque acham que o programa é caro. Porém o programa vai ser caro ou não dependendo do resultado que produz. Se ele produz um bom resultado, se ele está sendo eficaz no sentido de reduzir a mortalidade, as internações e também os atendimentos ambulatoriais, não é um programa nem tão caro assim. Ele seria caro se não estivesse resolvendo nada, se não houvesse evidências, como a Natália mencionou.
O programa foi desenhado lá atrás, nos anos 90, para atender a saúde infantil, para reduzir a mortalidade infantil, reduzir aquela mortalidade por doenças provocadas, como diarreia e outras doenças da infância. E a literatura mostra que ele foi bem-sucedido nesse quesito de reduzir a mortalidade infantil. A questão agora é saber se a relação custo/efetividade e custo/benefício é compatível com as novas demandas do envelhecimento populacional.
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De fato, nós estamos atrás dessa resposta e esperamos tê-la até o início ou meados do ano que vem. O nosso grande desafio é justamente desmembrar o custo, localizar qual é o custo do programa, porque, dada a complexidade do sistema de financiamento, necessitamos ter uma medida precisa de custo. E é disso que nós estamos atrás por enquanto.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - É interessante, Fernando, essa questão em relação à criança. Isso já foi bem estabelecido lá na Conferência de Alma-Ata, em 1978, quando o pessoal disse que tinha que se alimentar a criança, hidratá-la por via oral, fazer sua imunização e, se não me engano, prover o seu crescimento ou alguma coisa assim. Com isso, eles conseguiram reduzir significativamente a mortalidade infantil.
No Brasil, há uma estatística interessante sobre Campina Grande, na Paraíba, onde a mortalidade era muito alta na década de 70. Quando eu fazia o curso de Medicina, nós estudávamos isso aí. O que acontecia? Lá o pessoal benzia muito. Eles fizeram um ambulatório ao qual não ia nenhuma das crianças, e a mortalidade continuava alta. E o que eles resolveram fazer? Fizeram uma sala de benzeção ao lado da sala do médico. Então, a criança vinha para benzer, mas passava no médico, seguia a orientação do médico. Com isso, a mortalidade caiu de 160 por 1000 para 16 ou 18 por 1000, mostrando que a benzedeira não importa, que você pode se benzer, mas o importante é seguir a orientação do médico. Nós sabemos disso.
Em relação aos idosos, nós estamos vendo que está aumentando o número de idosos e as doenças degenerativas também. Mas o grande problema ainda está relacionado exatamente à questão da hipertensão e da obesidade. Eu digo sempre que a obesidade é a raiz de todos os problemas, é com ela que começam as outras situações. O problema é que a hipertensão, a obesidade, a artrose, enfim, acabam aumentando a mortalidade. Parece que não é assim, por isso o pessoal pergunta: "Afinal, o que tem a ver a junta com o peso?" Tem tudo a ver. Se você faz uma artrose, fica parado na cama e contraria o processo universal do movimento, você está exposto a uma série de situações.
A SRA. NATÁLIA NUNES FERREIRA BATISTA - Sobre a decomposição dos custos, juntando com o seu comentário, nós sabemos que, nas situações em que uma Prefeitura compra um ônibus para levar pessoas para serem tratadas em outro Município, sabemos do custo desse Município que está tratando gente que é dele e do outro. Eu não conheço os 5.580 Municípios, pois não tem como conhecer. Mas isso é só para mostrar essa decomposição do custo, de onde está vindo o gasto, o gasto vis-à-vis de quantas pessoas estão sendo atendidas. Já é um desafio ter a parte descritiva de qual gasto se vai mensurar e de como mensurar.
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Juntando as questões das diversas falas — vamos usar uma metodologia que vocês usam ao analisar essa questão do médico e do custo do médico —, eu vou dar um palpite que parece não ser o foco do nosso trabalho, mas, mais cedo ou mais tarde, o País vai precisar se debruçar sobre a formação do médico. No momento, estamos falando de remuneração, de regulação do mercado, de várias coisas. Não sou especialista nessa questão, mas, olhando de longe, eu fiz, digamos, uma análise, não é nem uma pesquisa. Comecei a estudar o problema da fome e fiz uma pesquisa no Júpiter, um sistema que tem lá na USP, para ver o currículo de quem entra em Medicina. Queria saber o que eles têm que estudar, quantas matérias são oferecidas obrigatoriamente para esse pessoal relacionadas à saúde básica, e não encontrei. Eu encontrei uma disciplina eletiva no final do curso, que você cursa se quiser, que relacionava a atenção básica à saúde mental.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - A senhora está falando do curso de Medicina?
A SRA. NATÁLIA NUNES FERREIRA BATISTA - Do curso de Medicina. Não é a minha área de pesquisa. Mas, só por curiosidade, quando eu vejo que uma das grandes faculdades de Medicina deste País não têm na sua grade horária uma disciplina obrigatória relacionada à saúde básica, a sensação que eu tenho, mais uma vez, é a de que pode se regulamentar aqui, pode se dar incentivo lá, é preciso focar na formação do médico — longe de mim defender que o Estado tem que entrar em cada área, não —, é preciso fazer um debate sobre esse tema.
Nesse debate que estamos fazendo aqui parece que há uma concordância de que o diagnóstico é fundamental. Muitas vezes não é preciso tantos recursos tecnológicos para se fazer um bom diagnóstico, mas o que eu ouço — há alguns médicos na minha família — é que o Programa da Família vai para não sei aonde, que não tem isso, não tem aquilo, e falam de demandas tecnológicas. Então, se é preciso um aparelho de ultrassom, não tem. Eles se formam e já saem um pouco viciados da faculdade em se certificar com a tecnologia daquilo que estão pondo a mão, entre os médicos que põem a mão e que realmente têm essa sensibilidade no diagnóstico. Parece que eles ainda querem ter a confirmação da tecnologia.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Natália, só para esclarecer, a estatística realmente nos mostra essa parábola dos cegos apalpando o elefante.
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Nos últimos 8 anos, no fim do Governo Lula e parte do Governo Dilma, nos primeiro e segundo mandatos, foram instaladas 152 escolas médicas no País — em 8 anos. Houve mais escolas médicas em 8 anos do que no século XX todinho. Agora, qualquer pessoa sensata, perspicaz vai perceber que não tem jeito de se formar um profissional com nível adequado.
Nós estamos aqui na Câmara, debatendo — com resistência muito grande — sobre o EAD — Ensino a Distância na área de saúde. Há 336 escolas médicas no Brasil. Somos o segundo país, se não me engano, em escolas médicas no mundo. Eu fiquei sabendo, em uma audiência pública que foi realizada aqui, que há 396 escolas de medicina veterinária, e 15 cursos foram recentemente liberados para serem feitos pelo EAD. E uma só escola ofereceu 1.500 vagas de medicina veterinária, através do EAD.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - O que acontece? Qualquer menino de escola de medicina não quer ir para o interior de jeito nenhum! Ele tem pavor de ir para o interior, porque lá há casos graves. A maioria dele é bobagem, que se consegue resolver com conversa e tal, mas a experiência é que vai fazer a diferença. E, na hora em que ele chegar lá e precisar entubar, passar um intracath, fazer uma pulsão lombar, massagear, ele não vai saber.
O pessoal disse: "Precisamos de médicos. Vamos abrir uma escola médica". Abre-se uma escola médica e sai um profissional sem condição. E o que ele faz? Ele fica na cidade grande, no subemprego, correndo de lá para cá, porque ali tem tecnologia. Se ele não resolve, passa para outro. Ele sempre vai achar alguém mais experiente, nas grandes cidades, que é para onde confluem todos os problemas das cidades pequenas, porque 80% das doenças são autolimitadas, resolvem-se sozinhas, mas as 20% é que complicam.
Essa é uma política que nós falamos, falamos, falamos, mas não encontramos eco, porque o pessoal se encanta, como o Armando disse, com a resolução de operar o coração, de operar o cérebro, de fazer hoje. Nós já temos robôs, que são comandados, fazendo cateterismo hoje. Mas o diagnóstico é o médico quem faz. O pessoal esqueceu de ver a anatomia, fisiologia, aquela coisa toda, para poder chegar à conclusão de alguma coisa. Isso está sendo relegado a um plano secundário, terciário ou quaternário, talvez. O importante é se pôr no equipamento, é o procedimento. Isso é o elefante sendo apalpado pelo cego. Está tudo errado; tem que ser coisa básica.
O SR. MARCOS ANTONIO REIS - Ah, foi? E vinha a estratificação de salário.
Eu nunca vi isso sendo colocado daquela maneira em um jornal. De repente, foi porque vocês o produziram. Quando aquele dado ali é jogado daquela maneira no jornal, sinceramente, se eu sou pai, eu vou dizer: "Não, meu filho, você vai fazer medicina. Você vai fazer medicina. Esquece essa história de ser dentista, rapaz! Ser enfermeiro para quê? Para que ser advogado? O negócio é ser médico." Esse é um ponto.
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Outro ponto. Infelizmente, há pouco mais de 2 semanas, eu perdi a minha mãe e, nesse fato, eu realmente não me senti bem. Enquanto eu estava cuidando das questões burocráticas, infelizmente, de velório — eu estava aqui no cemitério de Brasília, que fica perto do Hospital do Coração — eu pensei: eu estou aqui e não vou vacilar, não, eu vou atrás do Hospital do Coração para ver se essa coisinha que eu estou sentindo aqui, essa angústia, umas pontadinhas não é nada.
Cheguei lá, aferiram que a minha pressão estava levemente alterada e me disseram: "No seu estado emocional, é natural que isso aconteça". E fui ser entrevistado pelo médico, que me disse: "Olha, o seu eletro está muito bom, a sua pressão está levemente alterada, mas nós imaginamos que, com repouso ou passando essa fase de somatização, você melhore. Mas, já que você está aqui, vamos fazer uma angiotomografia, para ver como é que está a questão do seu cálcio, a sua escala de cálcio".
Trata-se de um exame que deve custar uns 2 mil reais, pelo menos. Tudo bem. Eu fiz. Ele até viu lá uma plaquinha ou outra e me disse: "Toma cuidado. Tem uma plaquinha aqui, outra ali". Eu nem pude ter contato com ele para conversar sobre o exame depois, porque eu já estava lá na sala da recuperação, onde eles deixam você para repousar. Depois, só veio um outro médico e me disse: "Olhe, o seu exame está beleza. Pode ir embora para casa".
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Não poderia, não.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Não, não poderia, não. Eu vou te explicar depois.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Mas, Marcos, gostaria só de esclarecer aqui que esse é o grande problema. O indivíduo, quando chega ao pronto-socorro, segue uma linha de montagem.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Exato. O médico diz assim: "Rapaz, o seu exame está bom". E você pensa: "Puxa, ainda bem que deu tudo bem no meu exame. Vou embora".
Mas se ele chegasse e conversasse com você: "Marcos como é que essa dor?" Se ele caracterizasse a dor e a apalpasse, fizesse algumas manobras, iria te dizer: "Vou fazer um eletro, que é importante". Você não faria mais do que um eletro, porque o eletro é um exame barato. Se você tem mais de 40 anos, fez o eletro, está tudo resolvido, pode ir embora. Você não tem nada. Alguns dizem assim: "Mas, doutor, você tem certeza?" Eu respondo: "Tenho certeza absoluta. Eu não preciso de exame para saber o que você tem." Mas, de maneira geral, a população não aceita isso. É preciso ter muita determinação.
Vou só aproveitar a oportunidade aqui para contar para vocês a história de um paciente que se chama Raul. Trata-se de um senhor de 70 e poucos anos, construtor nos Estados Unidos, cidadão americano. Ele é brasileiro, mineiro, tinha uma filha excepcional e, virava e mexia, ele ia para os Estados Unidos.
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Ele me contou que chegou um dia em Nova York, e andou o dia inteiro porque tinha que resolver algumas coisas dessa filha que morava lá, que era excepcional — "excepcional" é um termo que não se usa mais, nós usávamos muito, agora é "especial" —, tinha uma limitação cognitiva. Ele foi, andou, andou, andou. Chegou a noite, ele estava com uma dor embaixo do pé, uma coisa terrível, doendo! "Eu vou lá no Presbyterian Medical Hospital", ele falou para mim, contando a história. Aí, ele foi ao Presbyterian Hospital Medical Center. Ao chegar lá, ele disse, tinha uma chinesa. Ele falou chinesa, podia ser vietnamita, coreana, enfim, era chinesa mesmo. Aí, ele contou a história. Ele falou: "Olha, eu estou com uma dor aqui no pé, e tal, não sei o quê". Diz que a médica chinesa mediu a pressão de um braço, e depois mediu a pressão do outro braço. Normalmente nós não fazemos isso. Você mede de um lado só. A pressão estando bem, e tal... Mediu de um lado, mediu do outro, pressão diferente. "Você vai ficar aqui." "Não, mas..." "Você vai ficar aqui." Aí foi daqui, dali — eu vou explicar o motivo —, foi para cá, foi para lá, fez isso, fez aquilo e tal. Ele ficou no hospital 18 horas.
O que a médica pensou, com a diferença de pressão? Que ele estava com aneurisma dissecante. É uma coisa grave. Mas só que aneurisma dissecante dá dor. Ele se instala, ele dói e migra. Fez tomografia, fez angiotomografia. No final, falou assim: " Não, o senhor não tem nada, pode ir embora". "Mas escuta, e o meu pé? O motivo de eu vir aqui?" Ela falou: " Não, isso não é nada. Põe uma palmilha, e tal, vá para o Brasil. Quando você voltar, procure o cardiologista." Foi quando ele chegou e me contou a história. Eu falei: " Mas ô..." " Mas foi assim, doutor."
Então, é isso o que acontece. O pessoal sonha, fica pensando na raridade e se esquece de avaliar. O médico poderia medir. "Não, não isso é esmero tecnológico, semiológico, e tal." Poderia medir. Mas não poderia esquecer do básico. Isto é comum: esquecer do básico. Você cria uma doença no paciente quando, na verdade, ele não a tem, e gasta dinheiro. No seu caso havia relação, mas nesse aí não tinha. E assim há muitos casos que vemos no dia a dia. É preciso sensibilidade. É aquilo que o Armando falou: é preciso perspicácia. "Puxa, este cara aqui está com um aspecto degenerado. Deixa eu ver aqui, deixa eu palpar o pulso, e tal." E você acha, às vezes, muita doença. Mas não foi o que levou o indivíduo ao médico. Você vai fazer a prevenção de complicações, não a prevenção da doença que já existe. Mas você vai evitar que aquela doença avance, o que, infelizmente, não temos visto. Isso faz gastar muito dinheiro! .
A SRA. LUCIANA MENDES SANTOS SERVO - Bom, algumas questões foram colocadas, eu vou voltar à formação no final. Essa é a questão central mesmo em vários aspectos.
Em relação a profissionais que trabalham no setor público em outros locais, por exemplo, a informação era a de que tínhamos que selecionar. No entanto, a maior parte dos médicos tem pelo menos um vínculo com o setor público. Só que quando você pega o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde, há 400 mil profissionais médicos e 900 mil ocupações, ou seja, a maior parte dos médicos tem pelo menos dois empregos. Então, alguns têm muitos mais do que dois empregos. Temos essa informação, podemos passar a vocês e a todos os profissionais de saúde.
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Aí tentamos, de todas as formas, fazer primeiro o gasto, não é? Não era nem o custo, era o gasto da atenção básica. E em relação ao gasto da atenção básica, temos o quanto o Governo Federal transfere, mas não sabemos o quanto Estados e Municípios colocam na atenção básica.
Dessa forma, tentamos estimar o quanto Estados e Municípios colocam na atenção básica. Não podíamos mandar naquele momento porque a demanda era para responder em 1 mês um questionário para 5.570 Municípios. Nós tentamos, pelo menos, com os Estados. Pedimos aos Estados, recebemos a informação dos Estados, na verdade, o Ministério da Saúde recebeu. E aí fomos estimar o dos Municípios para ter qual era o valor gasto em atenção básica. Foi uma nota técnica do Ministério, que não está publicada, é deles. Eles que fizeram, no final, o gasto com atenção básica, por meio de várias estimativas. Mais recentemente saiu uma publicação que é a Contas SHA, um sistema de contas que foi feito pelo Ministério da Saúde e pela FIOCRUZ. E lá tem a participação de quanto seria o gasto de cada ente federado com atenção básica.
A grande questão desse gasto com atenção básica é que, de fato, o Ministério montou uma estratégia, o Saúde da Família, mas até pouco tempo quem financiava essa estratégia, em sua maioria, eram os Municípios. Chegava a 70% em alguns e a 100% em outros. Ou seja, o recurso próprio — estou falando isso porque tem uma parte que é transferida —enviado para os Municípios, a transferência do Governo Federal, estava pagando em torno de 10% a 30%, dependendo do gasto total deles. E nos Estados, a maior parte não passava quase nada para a atenção primária porque eles tinham outras responsabilidades. Alguns passavam, outros não, dependendo das prioridades.
E essa conta, é um dado de 2014 — nós o estamos atualizado, mas só vai ter atualização no ano que vem; estamos, inclusive, agora, fazendo junto com a FIOCRUZ, com o Ministério e o IPEA —, mostra que ainda está em 60% a participação dos Municípios no financiamento da atenção básica.
E aí vêm as questões que você falou. Só discutindo a questão do gasto, há Municípios que concorrem entre si pelos mesmos profissionais, que não têm uma estratégia de articulação para poder fazer essas contratações. Inclusive, eu soube há pouco de experiências que estão sendo tentadas entre os Municípios, para fazer contratações coletivas e reduzir o preço das contratações para determinados Municípios no interior. Há uma comissão intergestores tripartite que reúne Governo Federal, Estados e Municípios. Os Municípios vêm e falam assim: "A gente está pagando a conta, a gente não tem mais condição de pagar essa conta". O que o Ministério oferece em troca é: "Nós vamos tentar contratar os profissionais diretamente pagando com o orçamento do Ministério, porque o médico tem um peso alto". Então, parte da resposta do Mais Médicos era nessa linha. Se eu contrato os médicos diretamente, ou seja, eu faço um edital e vou pagar, eu minimizo o custo para os Municípios. Quando ele faz esse edital, ele faz aberto. Ele não diz quem tem que ser o médico. Só tem que ser médico. Dessa forma, a adesão é muito baixa.
Num primeiro momento, vários editais saíram. Num primeiro momento, o Ministério faz vários editais chamando os médicos, e a adesão para ir a várias localidades era muito baixa. E quando eles trazem profissionais de fora, com toda a repercussão que tem, trazem inclusive para o Distrito Federal; trazem para o Rio de Janeiro; trazem inclusive para lugares onde há muitos médicos. Por quê? Porque o médico não queria ir para Samambaia, para Santa Maria, enfim. Mas ficou a questão de que esses profissionais não eram profissionais nacionais, e havia a questão do contrato. Por que esses médicos não aderiram — é uma grande discussão — se todos tinham essa opção? Eu acho que essa é uma questão.
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Agora, de novo, estão tentando isso por meio de um contrato CLT, com uma remuneração mais alta. Nós não sabemos ainda qual vai ser o tamanho da adesão. Nós vamos ter que esperar para ver.
Em relação ao custo, o que nós fizemos? Nós pegamos informações de remuneração, que são essas, e dissemos: "Vamos estimar pelo menos o custo da equipe", que é essa nota que eles estão tentando. Pegamos a informação que nós tínhamos, que era a da RAIS, calculamos a estimativa do custo da equipe e fizemos uma suposição: se a equipe for 70% do custo, quanto vai ficar o resto? E chegamos a um valor de quanto custaria uma equipe de saúde da família ou uma atenção básica nos moldes da PNAB. Isso é de 2010/2011, está superdesatualizado, nós vamos fazer uma atualização agora.
Ainda assim há um problema. Essa informação que eu tenho de salário é do mercado formal. Eu não sei, de fato, quanto as Prefeituras estão pagando. Não tenho essa informação nacional. E nós sabemos que muitas Prefeituras pagam em várias modalidades, inclusive com contratos informais, com contratos de gaveta, etc., para poder atrair o médico. Nós não temos isso oficialmente, mas se for feita qualquer reunião com prefeito, ele vai falar: "O médico não ganha 10 mil, o médico aqui ganha 32 mil".
Se formos olhar a informação lá, o Município declara até 15 mil ou até 12 mil. Além disso, o custo pode ser muito maior do que estamos estimando pelo mercado formal, mas ainda assim é pelo menos uma estimativa base. Não é uma estimativa de quanto custa a atenção básica, porque as outras coisas que precisaríamos estimar não temos informação.
Com relação à continuidade do cuidado. Este aqui é um cuidado longitudinal, mas os profissionais estão entrando e saindo na equipe o tempo todo. Então, é preciso montar uma estratégia. Se você não consegue fixar o médico, você tem que se discutir, de fato, se consegue fixar os outros profissionais, e estes devem trabalhar em equipe, porque, quando o outro médico vier, ele tem que começar com aquela equipe e estar qualificado para isso. A questão passa a ser qual é o papel dos outros profissionais, inclusive da enfermeira.
As pessoas que tiveram experiência fora do Brasil com atenção básica, do jeito que nós preconizamos, sabe que é uma coisa bem diferenciada. Por exemplo, quando eu estive na Inglaterra, a primeira pessoa que me atendeu foi uma enfermeira. Ela me fez tantas perguntas sobre a minha vida pessoal, sobre o que eu estava fazendo ali, sobre qual o meu nível de estresse, sobre não sei o quê, fez uma anamnese. Depois ela falou: "Olhe, você vai voltar para fazer também uma consulta". Sentei lá com o médico do GIPS, ele conversou e tal. Daí para frente, eles não precisaram a princípio me chamar mais, mas ficavam monitorando pela própria universidade onde eu estava — na universidade de York — se havia algum problema. Quando eu precisei — foi a única vez —, a consulta foi fenomenal. Nós sempre achamos que sabemos o que temos. E o que eu tinha não era nada do que eu achava, nem precisei fazer um exame. Isso faz muita diferença.
Minha outra experiência foi com LER. Eu tive LER, marquei com ortopedista, fui a uma clínica em Brasília. Cheguei lá e me disseram: "Ah, você marcou com ortopedista de joelho, você tem que vir aqui para ser atendida com ortopedista de mão". Eu não voltei. Agora estou com uma inflamação aqui, uma epicondilite lateral. Fui a um médico, e ele simplesmente me examinou do começo ao fim, pegou o meu braço e falou o que eu tinha e que eu ia precisar fazer fisioterapia e reeducação postural. Não fiz ressonância magnética, como o outro médico me pediu. Em duas semanas, eu estou muito melhor do que eu estava. Então, é complicada essa questão da formação.
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Eu estou falando por experiência própria, mas acho que é preciso de uma formação, como ter capacidade de escutar, de estar presente, capacidade de profissional. No caso, eu acho fenomenal que os médicos presentes falem isso, mas a minha sensação é a seguinte: não se pode colocar qualquer médico, não se pode colocar um recém-graduado num Município de 2 mil habitantes. Ele não vai ter ninguém para conversar, porque ele vai chegar lá e pode pegar uma pessoa de 24, 25 ou 30 anos, que está com dor que pode ser, sim, um infarto agudo do miocárdio, e, pelo que ele aprendeu nas estatísticas, achar que não é e mandar para casa. Ou ele pode fazer coisas como não conseguir identificar sarampo, porque nunca viu sarampo na vida. Eu já cheguei a um médico que não sabia o que era catapora.
Como é que você vai fazer uma coisa que nunca viu, que não vê numa escola, que não vai examinar? Enfim, acho que essa questão da formação é, sim, central. Há várias questões de uso racional de medicamento, de interação medicamentosa, etc., que são muito sérias.
No caso específico do financiamento, quando os Prefeitos dizem que é caro, é porque é realmente caro para eles. Eles não conseguem pagar com o orçamento deles. Eles precisam repartir isso, mas há todas as outras demandas, porque, de fato, quem financia o medicamento basicamente é o Governo Federal. Então, quando você vai olhar a composição do financiamento, a coisa fica realmente muito complicada. Ainda há uma concorrência de mercado com os outros segmentos que não estão coordenados.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Dr. Armando.
O SR. ARMANDO MARTINHO BARDOU RAGGIO - Eu fiquei animado de falar do nosso tempo, mas vou me cuidar. Depois nós podemos conversar mais sobre a nossa história lá. Fomos residentes, fomos contemporâneos.
Não existe sistema de saúde ideal. No mundo há dois modelos fundamentais, que nunca são puros. Alguns se aproximam da pureza. O americano transformou saúde em commodity, o que torna cruel a perspectiva de pessoas que têm uma determinada limitação de renda para baixo ou para cima, de modo que elas estão condenadas a morrer de falta de assistência, no País mais rico do mundo e com a maior economia ainda hoje, apesar de tudo o que já viveu.
Nós brasileiros temos uma grande influência desse sistema dos anos 50, do século passado para cá. Os nossos docentes, como o Dr. Luiz se reportou, eram das primeiras gerações que foram fazer residência nos Estados Unidos, e nos criaram sob esse modelo das especializações focais.
Um destaque entre nós, por exemplo, era o Dr. Adyr, nefrologista. Inclusive, um conterrâneo mato-grossense seu, Deputado, foi residente dele. Eu mesmo — tendo a crítica que tenho hoje — me formei entendendo que aquilo que estavam nos ensinando era o melhor da cientificidade aplicada ao modelo biológico de produção e reparação do mal-estar da doença.
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Existe um indiano, chamado Suaru, e outro colega dele, de cuja nacionalidade eu não tenho certeza, chamado Uemura, que criaram um indicador de quantas pessoas morrem com 50 anos ou mais. E quanto mais pessoas morressem com 50 anos ou mais, mais saudável era aquele lugar.
Formavam uma báscula. Num lugar muito doente, a mortalidade infantil, nos primeiros anos, era medida em um gráfico cartesiano X, Y, com o número de mortes e a idade. Em países como o nosso, naquela época, esse índice de mortalidade infantil era bem alto, porque se morria na tenra idade e muito pouco com mais de 50 anos.
Hoje esse indicador não mede isso mais. Mas, na nossa cabeça, nós só acreditamos em resultado em saúde quando é medido pela mortalidade. Isso não serve mais. Hoje nós temos que medir a longevidade e a qualidade de vida, porque a morte é inexorável. Há a conquista de se viver mais e com saúde. Eu tenho 70 anos, e nem parece. O Luiz tem 70 anos, 71 anos, mas quase parece ter essa idade.
(Intervenção fora do microfone.)
Então hoje se faz essa discussão com todos. Eu não tenho uma solução focal exatamente sobre a medida que se deve tomar, mas são medidas do campo das ciências humanas, considerando a economia, a sociologia, a política como ciências humanas, que podem nos dar alguma ideia probabilística de que ações que cuidam cotidianamente das pessoas melhoram.
Você não sabia — eu, inclusive, também não, quando eu aceitei ser Diretor de Saúde, em Curitiba —, que a mortalidade infantil em Curitiba, quando nós éramos residentes, era maior do que 50 por mil nascidos vivos. Isso não é porcentagem. São 50 por mil. Ou seja, são 5% ou 50 por mil, em 1979. Hoje é menor do que 10. Como Curitiba entrou tardiamente na atenção primária, é um exemplo de que a atenção primária faz bem para a saúde, porque nós temos hoje mortalidade de 7, 8, com diferença nos bairros. É como Brasília. Aqui no Plano Piloto, em Águas Claras, a mortalidade infantil é 7, 5. Mas se você for a Brazlândia, a morte lá é de mais de 20 por mil nascidos vivos ainda. Eu tenho um trabalho, que eu escrevi em 2006, sobre como enfrentar essa questão.
Há uma coisa, Gervásio, que talvez você não saiba; eu fiquei estupefato. Um dia desses, nós estávamos reunidos para falar sobre a região, porque nós estamos querendo expandir o programa de residência para além da fronteira do Distrito Federal, e hoje os serviços básicos, os hospitais gerais da redondeza estão atendendo as periferias das cidades de Brasília.
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Aqui no centro de Brasília, chamado Plano Piloto, e nos centros das cidades, como de Taguatinga e de Sobradinho, vive-se bem com bons indicadores. Mas quem está mal não consegue acesso nesse serviço que você descreve, como de fato é, que tem altas especificidades. O que você precisar tem disponível em Brasília. Agora, inclusive, há cinco grandes grupos trazendo hospitais para cá. Brasília vai crescer em "turismo de saúde" — entre aspas —, porque é de doença que o modelo americano vai explorar a situação de iminência da morte, não é de evitar que ela aconteça com qualidade de vida.
Esse é o outro modelo, que é o modelo inglês. Embora os Estados Unidos sejam colônia inglesa originalmente, eles avançaram o capitalismo, entraram também na questão da saúde e produziram muitas coisas, que são úteis. Eu não tenho preconceito contra usar a especificidade de um colega que sabe resolver tal problema. A questão é que precisa ter uma coisa que indiretamente a Natália também comenta, mas que a Luciana disse explicitamente: "É preciso ter controle. É preciso ter a presença do Estado, no sentido de reduzir a desigualdade de acesso". E vamos ser compreensivos com os Municípios.
Eu fiz parte de todo esse movimento pela criação de um sistema universal acessível a todos — no fim dos Governos autoritários, já na época do Figueiredo, havia uma grande abertura. Eu sou do tempo em que o Ministro da Saúde, Alceni Guerra, era Superintendente do INAMPS, no Paraná, e abriu francamente o acesso, fosse ou não portador de carteirinha. O Osmar Terra foi Superintendente, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e abriu o INAMPS para atender a população.
Isso não é só uma invenção da Nova República, é uma sensibilidade que o Brasil foi percebendo que precisava oferecer alguma coisa com a banca do Estado, de modo que reduzisse a desigualdade de acesso.
Quando nós fomos residentes, o nosso cliente se chamava indigente. Se você nunca consultou, no Aurélio, no Houaiss ou em outro dicionário, o que quer dizer a palavra indigente, era uma palavra que nós dizíamos sem o menor pejo. Se houvesse uma pessoa de classe média, como você, só podia ser atendido se fosse tratado como indigente, como o nosso amigo comentava o que aconteceu com o Estado.
Então vamos com calma. Numa política cheia de altos e baixos, como foi a tentativa de implantação do SUS até hoje, sem o financiamento ideal, não existe possibilidade de fazer (ininteligível). Agora, esse recurso não é federal; esse recurso é da União. (Ininteligível.) O Estado mais bem financiado em saúde, no Brasil, é o Distrito Federal. Brasília tem o fundo constitucional, além de tudo o que ela fatura do INAMPS, do sucessor do INAMPS, do Ministério da Saúde. Mas é o jeitão INAMPS de pagar por produção.
Ora, se até hoje, nós não superamos o pagamento por produção, como é que um menino que se forma hoje não vai pensar em fazer aquilo que dá mais resultado?
Quando à questão que o Dr. Luiz coloca, eu a acho muito pertinente e concordo absolutamente com ele.
O Dr. Lisandro contava a história da cartilha de alemão dele. O melhor para uma certa população é que as políticas sociais sejam duradouras, e os protagonistas desse trabalho sejam permanentes: o juiz, o delegado, o médico, o enfermeiro, os funcionários todos, o cartorário. Quanto mais permanente, melhor!
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Então, eu faço um apelo: o senhor está empoderado, com uma representação legítima, e pode contribuir para isso. E acho que esse esforço do Médicos pelo Brasil pode aperfeiçoar a maneira de levar esse profissional para lá, mas eu concordo totalmente com o fato de que ele precisa acumular experiência. Então é preciso fazer uma política de fixação. Não basta só oferecer 12, 16 ou 18. É preciso ter futuro. E quando as crianças dele quiserem fazer um colégio e se preparar para fazer uma faculdade, será que ele vai se mudar de lá?
Quando eu fui Secretário de Curitiba, de 1992 a 1995, e do Paraná, de 1995 a 2002, o que eu mais ouvia dos colegas que tinham ido para o interior era que era necessária uma política de estabilização para eles permanecerem. Quando mudavam os governos, mudava toda relação de trabalho. No Nordeste, então, há muito isso ainda: o Município não contrata por concurso, ele contrata por uma licitação ou por RPA, por 10 meses. Nem são 13 meses! Nem chega ao 13º.
Então, há uma injustiça distributiva. Quer dizer, a repartição da arrecadação que a União faz... A União é muito mais competente em arrecadação do que os Estados. Os Municípios são muito menos competentes em arrecadação, mas eles ficaram com a despesa. Então, descentralizou-se a doença: ele é responsável. E o Prefeito é mais alcançável do que o Governador do Estado, do que o Presidente da República, do que o Deputado — apesar de que o Deputado, seja estadual, seja federal, é mais alcançável pela maneira como ele é escolhido.
Eu fui Diretor do Hospital Universitário de Brasília, eu conheço de onde vêm esses ônibus. E nós estabelecemos um diálogo com eles. Quando se senta para conversar, não se pode franquear do jeito que eles gostariam, mas muitas vezes eles têm razão, porque eles não conseguem fazer uma mesorregião, que não é tão micro como um Município, nem tão grande como um Estado. Se nós fôssemos reeditar o esforço do SUS, eu diria o seguinte: vamos criar regiões nacionais de saúde onde o Ministério da Saúde é presente, a Secretaria de Estado da Saúde é presente e os Municípios são presentes.
Eu tenho respeito por toda autoridade que se estabelece a cada ano, a cada vez, a cada governo. Eu vejo, inclusive, que o Ministro Mandetta tem sido muito cuidadoso com o que encontra, na sua condução, mas é comum todos os Ministros — não ouvi ainda o Ministro Mandetta falar isso —, de qualquer Governo, na hora da grande dificuldade, falarem assim: o Ministério fez a sua parte. E lá na microrregião, não existe uma concertação.
Os Municípios disputam entre si: eu me elejo Prefeito, vou tomar os médicos do Luiz, porque eu quero prejudicar a gestão dele, porque ele pode ameaçar a minha candidatura para Deputado Estadual...
Essa coisa precisa ser regulamentada! É preciso colocar o recurso lá, e o gestor da saúde precisa ter mandato. Ele não pode ser posto e tirado assim. Mas como mandato, se ele não é eleito? Ora, as autoridades que são eleitas reconhecem o perfil dele e o nomeiam, e ele é obrigado a cumprir uma série de obrigações. Se ele descumprir certas condições que sejam constitucionalmente referenciadas, conforme as leis que regem o sistema e tudo, ele perde e é punido não só com a perda, mas eventualmente com ressarcimento e outras medidas que possam caber, queixa-crime até, se for o caso, ou um julgamento que lhe atribua as responsabilidades, reconheça a sua falha ou o isente, porque secretário de saúde está virando treinador de futebol: perdeu o último jogo, é demitido. A longevidade do secretário de saúde no cargo é cada vez menor.
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Eu estou há 40 anos lidando com gestão. Muitos colegas dizem que não aceitam jamais, porque sucessivamente respondem a processos de responsabilidade — alguns muito bem orientados, porque houve falha mesmo. Mas, em geral, existe uma pletora de processos para pôr em questão por que não executou aquela tarefa daquele jeito, assim como existe a judicialização de remédios de eficácia jamais comprovada e, evidentemente, alguns de eficácia nenhuma.
Então, é preciso termos sensibilidade — eu volto a falar disso — e cuidado, não desconhecendo que certos problemas exigem certo treinamento e certa tecnicalidade. Quando nós falamos do médico com mais sensibilidade, isso está na índole da pessoa. Você não forja uma pessoa para ser isso. Ela traz isso no seu modo, no seu DNA. Agora, se você não cultivar essa potencialidade, ele vai virar também um procedimentista, porque ele tem que ter renda, ele tem que sustentar a família, ele tem que realizar as expectativas que a sociedade tem sobre o exercício da profissão.
Eu espero — e me coloco à disposição — que nós tenhamos avanços e demonstrações cada vez mais cabais de que a atenção primária à saúde pode até aumentar o consumo de bens e serviços, mas, com certeza, ela contribui, decididamente, para que a população seja mais longeva, que haja menos mortalidade infantil, que haja menos mortalidade materna e que haja qualidade de vida longeva.
A melhor medição vem por aí, pelas equações que a cibernética pode montar com os paradigmas das ciências sociais aplicadas.
Eu queria, enfim, dizer que não podemos desprezar os conhecimentos que se construíram seja com o modelo clássico americano de commodities, seja com o modelo de proteção social do Estado de bem-estar social que melhor se desenvolveu na Europa. O norte da Europa, em que pese a brutalidade com que ele se estabeleceu, hoje, é uma região de referência na melhor distribuição e acesso a serviços de saúde.
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E uma coisa curiosíssima: sabem quem mais consome serviços de saúde? As pessoas saudáveis. É óbvio: se eu sou saudável e tenho um sintoma como o que você teve, eu não reprovo que você tenha ido lá, mas talvez a conduta do profissional em exagerar para saber o quanto de cálcio você tinha nas artérias — exame que eu também já fiz — era um capricho, que os americanos, que criaram esse modelo, chamam de medical futility. E futilidade médica mata. Não estou acusando você desse risco, porque você já veio, desde que nasceu, destinado a morrer, assim como eu, como todos nós. Não precisamos mandar ninguém para a morte.
O SR. PRESIDENTE (Dr. Luiz Ovando. PSL - MS) - Mas a questão do cálcio é que ele é um íon que, em todo processo inflamatório, adere. Então, ele expressa exatamente uma reação inflamatória que pode realmente haver na artéria, que são as alterações.
Gente, muito obrigado por tudo. A síntese que tiramos daqui é exatamente... Ainda está em aberto essa relação da redução de mortalidade com os hospitais. A Natália vai mostrar isso. Quero apenas citar que um trabalho do Banco Mundial tem provado que hospitais com menos de 100 leitos são extremamente complicadores. Eles divulgam isso por aí e provam. Sobre a questão da perspectiva médica, em termos profissionais, conforme a Luciana colocou, o médico tem o seu salário um pouco acima da média de profissionais ligados à saúde e que ainda há espaço para que isso aconteça, até porque o modelo de estratégia saúde da família está nos mostrando que há espaço para trabalhar, mas aqui nós chegamos à conclusão de que é preciso rever e reavaliar a qualidade na formação médica, sem a qual nós não vamos chegar a praticamente lugar algum, a não ser gastar muito sem a resposta adequada. O Dr. Armando volta a insistir que é preciso manter esses profissionais com alguma experiência na linha de frente e renovar. A sociedade é assim. Quanto mais experiente, até uma determinada fase...
Temos chance ainda. Então, vamos manter isso. Na verdade, a grande questão é essa cultura da doença. O que nós praticamos, no Brasil, é exatamente isso. Você pode observar. Eu vejo isso no consultório. É uma experiência que nós vemos todo dia. Você diz para o indivíduo que ele está bem, que está tudo em ordem aquilo que ele fez. "Ah, quer dizer que eu posso continuar tomando a minha cervejinha, etc. e tal?" Você pode tomar, mas você tem que fazer exercício, comer menos, perder peso e tal e tal, o que apenas 10% dos que chegam até você fazem.
Então essa prevenção é fundamental. E nós sempre confundimos, como já foi destacado aqui pelo Dr. Armando, o diagnóstico precoce e a prevenção. São bem diferentes. Geralmente, misturam. "Ah, eu vim fazer prevenção". O que você quer? "Ah, eu quero fazer exame". Não, não. Nós vamos detectar precocemente qualquer problema que você possa estar apresentando. Agora, daqui para a frente, você vai fazer verdadeiramente uma prevenção. Isso nós precisamos divulgar e difundir, desde a mais tenra idade, no nosso meio.
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Eu agradeço ao Dr. Fernando pela contribuição, à Dra. Natália, ao Luciano, ao Dr. Armando, ao Marcos, ao Dr. Fábio, à Juliana, à Daniela, e espero nos encontrarmos novamente.
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