1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional
(Seminário)
Em 14 de Agosto de 2019 (Quarta-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. APRESENTADOR (Nilo Martins) - Senhoras e senhores convidados, bom dia a todos.
Tem início, neste momento, a cerimônia de abertura do Seminário Internacional Desafios à Defesa Nacional e o Papel das Forças Armadas, promovido pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa — InfoRel.
Assim, no dia de hoje, este Parlamento reúne um grupo de renomados especialistas brasileiros e estrangeiros que nos permitirão, a partir de suas visões sustentadas em vários anos de experiência, refletir acerca das prioridades que devem ser encaradas pelo Brasil, seja como um dos países mais importantes do mundo, seja como um global player que almeja sentar-se à mesa das grandes decisões e exercer a sua influência.
O conceito de defesa nacional abarca uma infinidade de questões, todas muito caras a qualquer nação. Portanto, discutir aquele que melhor se enquadra aos interesses do Brasil e ao seu protagonismo internacional implica sabermos que defesa queremos e de que Forças Armadas precisamos. Estamos entre o papel constitucional, o desenvolvimento industrial, científico e tecnológico, o resguardo da soberania e a defesa das fronteiras.
Senhoras e senhores, neste momento, convidamos para compor a Mesa de abertura o Sr. Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e também Presidente da Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, Deputado Eduardo Bolsonaro (palmas); o Sr. Ministro de Estado da Defesa, General de Exército Fernando Azevedo e Silva (palmas); o Sr. Comandante da Marinha do Brasil, Almirante Ilques Barbosa Junior (palmas); o Sr. Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Carlos Moretti Bermudez (palmas); o Sr. Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Botelho (palmas); o Sr. Comandante Militar do Sudeste, General de Exército Marcos Antônio Amaro dos Santos, neste ato representando o Comandante do Exército Brasileiro (palmas); o Sr. Secretário de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Brigadeiro do Ar Ary Soares Mesquita, neste ato representando o Sr. Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Augusto Heleno Ribeiro. (Palmas.)
Comunicamos que as palestras em idioma estrangeiro serão traduzidas simultaneamente. Portanto, estão sendo distribuídos aos participantes, à entrada deste auditório, aparelhos de tradução simultânea. Por gentileza, oportunamente adquiram o seu.
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Senhoras e senhores, composta a Mesa, convidamos todos para ouvirem, em posição de respeito, o Hino Nacional brasileiro.
(É entoado o Hino Nacional.) (Palmas.)
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O SR. APRESENTADOR (Nilo Martins) - Pedimos a todos que tomem seus lugares.
Eu gostaria de registrar a presença das seguintes pessoas: Sr. Mário Luiz Bonsaglia, Subprocurador-Geral da República; Sr. General de Exército Guilherme Theophilo, Secretário Nacional de Segurança Pública; e, representando o Governador do Estado de Goiás, Ronaldo Caiado, o Cel. André Henrique Avelar de Sousa, Subcomandante-Geral da Polícia Militar do Estado de Goiás. Registramos também a presença do Deputado Arlindo Chinaglia e do Deputado General Girão.
Senhoras e senhores, neste momento, tem a palavra o Sr. Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e também Presidente da Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, o Deputado Eduardo Bolsonaro.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Bolsonaro. PSL - SP) - Bom dia, senhores. É uma satisfação estar neste seminário. Vim aqui para aprender.
Quem me conhece sabe que eu não sou muito de ler. Mas, com muita alegria, vejo aqui a presença de várias autoridades, alguns colegas da Embaixada, colegas Deputados Federais. Então, se faz necessária a leitura do nome de algumas autoridades presentes, o que faço com muita alegria. Estão presentes o Sr. Ministro de Estado e General Fernando Azevedo — muito obrigado pela presença —; o Sr. Comandante da Marinha, Almirante Ilques Barbosa Junior; o Sr. Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Carlos Moretti Bermudez; o Sr. Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Tenente-Brigadeiro do Ar Raul Botelho; o Sr. Comandante Militar do Sudeste, General de Exército Marcos Antônio Amaro dos Santos, neste ato representando o Comandante do Exército Brasileiro; o Sr. Secretário de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Brigadeiro do Ar Ary Soares Mesquita, neste ato representando o Sr. Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Augusto Heleno.
Senhoras e senhores presentes, em nome da Câmara dos Deputados e, em especial, da Comissão de Relações Exteriores, dou as boas-vindas aos que vieram prestigiar este seminário, que tem por tema Desafios da Defesa Nacional e o Papel das Forças Armadas.
Destaco que este evento é realizado em parceria com o Instituto de Relações Internacionais e Defesa — InfoRel — e marca seus 15 anos de fundação. O InfoRel é presidido pelo nosso querido Marcelo Rech, pessoa essencial na realização deste evento.
Hoje, os nossos conferencistas brasileiros e estrangeiros, assistidos por não menos ilustres mediadores, todos de renome internacional, nos brindarão com abordagens sobre diversos temas pertinentes ao contexto contemporâneo, entre eles, Arquiteturas e estratégias de defesa e As Forças Armadas em transformação. Ressalto aqui a experiência que eu tive na fronteira do Brasil com a Venezuela, onde pude ver, com os próprios olhos, o excelente trabalho desempenhado pelas Forças Armadas na Operação Acolhida.
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No tema Crime organizado transnacional e Segurança Nacional, há outro ponto que eu destaco. Minha primeira lotação na Polícia Federal foi na fronteira com a Bolívia, lá ao lado do 6º Batalhão de Infantaria de Selva, comandada, naquele tempo, pelo Tenente-Coronel Victor Hugo. Eu pude ver ali como funciona a mão amiga: quando era necessário treinar tiros, utilizávamos o standard do Exército; quando era necessário entrar para cumprir um mandado de busca ou um mandado de prisão, o Exército nos ajudava fazendo o perímetro. Participamos juntos de operações conjuntas, como a Curare. Então, foi uma grande satisfação ter vivido ao lado das Forças Armadas nesse período.
Outro tema será A gestão de crises internacionais: mar, terra, ar. Nada mais presente do que a situação que temos com a nossa vizinha Venezuela, que hoje vive uma narcoditadura, sob o comando não só de um ditador, mas também criminoso, o Nicolás Maduro, envolvido com tráfico de drogas, terrorismo e diversos outros meios criminosos. Certamente essa situação fará parte da mesa-redonda que discutiremos aqui.
Esses são alguns dos temas a serem expostos e debatidos. Acredito que todos esses temas estarão presentes, direta ou indiretamente, no último painel, Diplomacia de Defesa. Aliás, diplomacia e defesa são faces da mesma moeda, instrumentos de exercício da soberania nacional e de garantia da autonomia em nosso relacionamento interno. Não por acaso, esta Casa resolveu unir os temas afetos à diplomacia e à defesa em uma única Comissão, a qual eu tenho orgulho de presidir.
O próprio Frederico II, conhecido como O Grande, disse, certa vez: "Diplomacia sem armas é como música sem instrumentos". A diplomacia e as Forças Armadas devem caminhar juntas no projeto de um Brasil acima de tudo e de uma pátria soberana e forte. Tanto para o diplomata quanto para o soldado, o cenário com que se defrontam é imprevisível e instável. As ameaças são difusas e imprevisíveis, enquanto a sociedade se sente exposta e padece de um sentimento generalizado de insegurança. Por isso, é importante a sinergia entre a diplomacia e a defesa, esperando sempre que o diálogo prevaleça.
A defesa nacional, em qualquer que seja o país, é preocupação de primeira ordem, pois, em última instância, representa a sobrevivência do Estado como entidade soberana no concerto das nações e envolve todas as expressões do poder nacional, a econômica, a política, a científica, a tecnológica e a militar.
Não é isso mesmo, prezado Tenente-Brigadeiro do Ar Batista Júnior? Muito obrigado por sua presença e também por ter abrilhantado as discussões acerca do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas. Se Deus quiser, em breve, estaremos, aqui no Brasil, na rota internacional do mundo espacial.
O senso comum aponta quase sempre para as Forças Armadas como sendo as únicas instituições com o encargo de prover a defesa nacional. Se essa é a missão precípua do braço armado da sociedade, não é menor a responsabilidade de todos os cidadãos pela defesa nacional, uma vez que a sobrevivência do Estado e a própria sociedade exigem o empenho de todos. Nas Forças Armadas, residem as virtudes e a honra, o dever, a força do sacrifício da própria vida, se necessário for.
É preciso ponderar, no entanto, de quais Forças Armadas precisamos, para quais missões, com que capacidade, para enfrentar quais hipóteses de conflitos armados e outras ameaças.
Aqui eu destaco a amplitude das nossas Forças Armadas, por vezes pouco propagada. Temos, agora, o Pan-Americano em Lima, no qual 54% dos medalhistas fazem parte das Forças Armadas. Citei aqui a Operação Acolhida, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, o PROSUB, a questão da Venezuela. Então, engana-se aquele que entende que as Forças Armadas servem apenas a um período de guerra. Muito pelo contrário, é quando as nossas Forças Armadas estão fortes que nós evitamos as guerras.
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Propomos, hoje, a discussão sobre os mais diferentes modelos e estratégias que possam ser objetos de reflexão por parte das nossas Forças Armadas e de outros setores afetos à seara da defesa nacional. As múltiplas visões a serem apresentadas poderão ser adaptadas à nossa realidade interna e a do nosso entorno geográfico.
Já estou acabando. Prometo.
Em quaisquer das discussões e dos debates que ocorrerem neste evento, não podemos relegar os princípios insculpidos em nossa Carta Magna que expressam as diretrizes da inserção internacional do Brasil. Solução pacífica das controvérsias e independência nacional ilustram dois compromissos constitucionais que devem seguir na busca incessante pelos interesses nacionais, interesses que não são abstrações, mas representação do anseio de nosso País por ações pragmáticas que representem a grandeza do nosso território. Eis por que um país pacífico não é um país desarmado.
Cito como exemplo a Suíça, que tem uma grande concentração de armas nas mãos dos seus cidadãos e, de maneira nenhuma, é vista como um país não pacífico.
Nem poderia ser de outra forma, pelas ameaças constantes que assolam a contemporaneidade. O desarmamento de alguns só atende aos interesses mais sombrios daqueles que não têm um projeto de nação, mas um projeto de si mesmo.
Esta aqui é a Casa do debate, onde, certamente, encontramos opiniões contrárias e favoráveis ao desarmamento. Mas eu ressalto que, em 2012, também na Venezuela, ocorreu um desarmamento em massa, e hoje o país encontra-se na atual situação, em que é muito difícil que o povo, por si só, consiga reagir e colocar abaixo a tirania que lá vigora.
As ameaças que se configuram no horizonte exigem estarmos permanentemente atentos ao que se desenrola não só em nosso entorno geoestratégico, mas também no mundo multipolarizado, porquanto a chamada globalização não reduziu a discrepância de poder econômico e militar entre os Estados.
Nesse contexto, avultam, ao lado dos conflitos tradicionais, os conflitos de baixa intensidade, o terrorismo, a pirataria, as migrações desordenadas, os conflitos étnicos e religiosos, a macrocriminalidade transnacional e intrafronteiras, as expressões de grupos organizados dizendo representarem a sociedade civil, mas, na verdade, defendendo interesses difusos e escusos de atores estatais econômicos.
Nesse ponto, eu não vou tecer comentários. Permitam-me, embaixadores presentes. Vejo aqui alguns embaixadores da Sérvia, de Portugal, do Líbano, da Ucrânia e alguns outros. Vou tentar entoar um tom diplomático.
O mundo pós-Guerra Fria tornou-se muito mais instável e imprevisível do que inicialmente se imaginava. A história não teve o seu fim decretado, como queriam alguns. Além das tradicionais ameaças estatais, os Estados estão às voltas com o surgimento de novos atores no cenário internacional, ilustrados em ameaças não estatais. Nesse cenário, também há a latente ameaça das armas de destruição em massa, a presença de armas e equipamentos cada vez mais tecnologicamente avançados, como os drones e os robôs de emprego militar, bem como a existência de uma guerra silenciosa, mas não menos importante do que as tradicionais, a guerra cibernética.
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É sempre recomendável olhar para o passado e observar que o pano de fundo da maioria dos conflitos é a busca por recursos, o que coloca o Brasil na delicada posição de alvo privilegiado aos olhares dos que necessitam, mais e mais, do suprimento de alimentos, de água potável, de energia e de recursos minerais.
Eu não preciso nem me estender aqui para dizer que o Brasil detém, em grande abundância, todos esses recursos, além do petróleo.
Deixamos uma pergunta no ar, para as reflexões e ponderações dos nossos ilustres expositores, que certamente lançarão luz neste e em outros tantos temas cruciais à defesa nacional, que se esperam no contexto de um mundo cada vez mais complexo e desafiador.
Renovo os votos de boas-vindas a todos os presentes, bem como ao público que nos honra com sua audiência por meio dos veículos de comunicação desta Casa e pela Internet.
Se você está nos assistindo pela Internet, por favor, compartilhe o link, para que consigamos atingir o máximo de pessoas possíveis.
Um agradecimento especial aos nossos ilustres conferencistas, que gentilmente atenderam ao nosso convite para compartilharem conosco os seus ricos conhecimentos e experiências.
Declaro aberto o Seminário Internacional Desafios à Defesa Nacional e o Papel das Forças Armadas.
Que todos nós tenhamos um bom dia.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR (Nilo Martins) - Senhoras e senhores, neste momento, usará da palavra o Sr. Ministro de Estado da Defesa, General Fernando Azevedo.
O SR. MINISTRO FERNANDO AZEVEDO - Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, Deputado Federal Eduardo Bolsonaro; Srs. Parlamentares aqui presentes; Comandante da Marinha, Almirante Ilques; Comandante da Força Aérea Brasileira, Brigadeiro Bermudez; Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Brigadeiro Botelho; General Amaro, representando o Comandante do Exército; Brigadeiro Ary, representando o GSI; militares e civis presentes neste seminário; integrantes das nossas forças de segurança pública, ponto ao qual linco também o General Theophilo, Secretário Nacional de Segurança Pública; senhores e senhoras, todo tema que se levante ou que se debata sobre defesa é, particularmente para nós integrantes das Forças Armadas, muito importante.
Qual é o tamanho das Forças Armadas. Qual é a importância das Forças Armadas? Eu estou falando em relação às Forças Armadas brasileiras. Qual é a importância delas?
Para falar sobre a importância das Forças Armadas, nós temos que lembrar o Brasil. Qual é o tamanho do Brasil, qual é a sua importância geoestratégica? O Brasil foi delineado antes de 1500, com o Tratado de Tordesilhas, foi delineado, em seguida, com Tratado de Madri e, principalmente, pelo esforço dos nossos portugueses. Foi isso que fez o tamanho do Brasil.
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O Brasil tem um território continental, uma faixa de fronteira enorme, uma costa importantíssima, um espaço aéreo enorme para ser vigiado, com seus 22 milhões de quilômetros quadrados. Este é o Brasil. E, olhando para o seu solo, para o seu subsolo, os seus rios, as suas riquezas, aí vemos a importância das Forças Armadas, porque nós temos que ter um poder dissuasório e de presença condizente com esse tamanho e com essa riqueza.
Então, Deputado Bolsonaro, é necessário todo o debate em relação às Forças Armadas e à defesa no Brasil, ainda mais nesta Casa, por onde passam toda decisão importante que afeta as Forças Armadas, o seu orçamento e parte dos recursos humanos. O debate democrático é aqui. E eu sei disso porque fui Assessor Parlamentar nesta Casa.
As nossas Forças Armadas tiveram uma presença constante e importante desde 1500 e durante a formação da nacionalidade brasileira. Então, a história das Forças Armadas se confunde com a história do Brasil.
Liberdade e democracia estão presentes no nosso País, estão bem escritas na Constituição de 1988. Nós demos um belo exemplo disso quando lutamos, nos palcos da Itália, pela liberdade e democracia. Os nossos pracinhas fizeram isso.
Somos uma instituição de Estado que ultrapassa e perpassa os governos, somos uma instituição permanente, com base na hierarquia e disciplina, somos uma instituição que tem o mais alto grau de confiabilidade da população brasileira. Então, esta Casa deve tratar — e trata — com carinho e com atenção as nossas Forças Armadas.
Este debate aqui, Deputado Bolsonaro, é muito bem-vindo. A diplomacia militar, tão presente nos nossos embaixadores, nos nossos adidos, é muito importante e será debatida neste evento. E é preciso que a discussão caia na situação atual das Forças Armadas: os seus recursos humanos, o seu material, o seu orçamento e quais são as suas perspectivas futuras.
Assim, Deputado Eduardo Bolsonaro, eu lhe desejo muito sucesso e dou os parabéns pela iniciativa deste Seminário Internacional Desafios à Defesa Nacional e o Papel das Forças Armadas.
Sucesso e muito obrigado! (Palmas.)
O SR. APRESENTADOR (Nilo Martins) - Senhoras e senhores, gostaria de registrar a presença das seguintes autoridades: Ignacio Ybáñez, Embaixador da União Europeia; Joanisval Brito Gonçalves, do Gabinete do Ministério da Defesa; Alessandro Candeas, Embaixador e Diretor-Geral do Ministério das Relações Exteriores; Carlos Perez, Diretor do Departamento de Europa; Rostyslav Tronenko, Embaixador da Ucrânia no Brasil; e Fernando Garcia Casas, Embaixador da Espanha.
Também estão presentes os seguintes Deputados membros da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional: Arlindo Chinaglia, Paulão, Cel. Armando, General Girão e Claudio Cajado.
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Bolsonaro. PSL - SP) - Permitam-me aqui: o General Girão, que é Deputado Federal, fez uma cirurgia no coração recentemente e teve que se ausentar por um período.
V.Exa. está muito bem, General! Parabéns pela recuperação de V.Exa.
O SR. MINISTRO FERNANDO AZEVEDO - Ele mudou de nome. No meu tempo, na minha turma, o nome dele era Cadete Monteiro. (Risos.)
O SR. APRESENTADOR (Nilo Martins) - Senhoras e senhores, neste momento, desfaz-se a Mesa de honra.
Convidamos as autoridades a tomarem lugar na primeira fileira do auditório, para darmos início aos trabalhos técnicos deste evento.
Eu gostaria de pedir uma salva de palmas para todas as autoridades aqui presentes. (Palmas.)
(Pausa prolongada.)
O SR. APRESENTADOR (Nilo Martins) - Senhoras e senhores, há muito que defesa deixou de ser um tema exclusivamente militar. Defesa nacional, então, é algo que diz respeito a toda a sociedade e a um projeto de nação.
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No Brasil e em diferentes países, consolidou-se a máxima de que a primazia deve ser dar solução pacífica dos conflitos. Além disso, são cada vez mais fortes os questionamentos acerca de uma defesa robusta: para que, defesa do quê, contra quem e por quê?
Portanto, senhoras e senhores, com o tema Arquiteturas e estratégias de defesa, damos início à aula magna deste seminário convidando o Sr. Diretor do Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança — CETRIS, Salvador Raza. (Palmas.)
Passamos, então, a palavra ao Sr. Salvador Raza.
O SR. SALVADOR RAZA - Bom dia. É uma honra estar aqui.
Eu gostaria, inicialmente, de agradecer o convite ao Sr. Deputado Eduardo Bolsonaro e a presença dos Srs. Deputados, embaixadores, oficiais-generais, senhoras e senhores. Muito obrigado.
Estar numa discussão desse tipo e desse nível é sempre proveitoso, principalmente quando há possibilidade de trocarmos ideias, de aprendermos juntos. Eu falo isso com muita humildade porque gostaria de saudar, muito especialmente, o Almirante Mário César Flores, que foi a primeira pessoa a ser convidada para estar com vocês nesta oportunidade. Quando nós ligamos para o Almirante César Flores para convidá-lo, ele disse: "Salvador, eu não estou me sentindo bem, não estou viajando muito". Infelizmente, o Almirante veio a falecer há poucas semanas. Foi uma das grandes perdas deste País.
O Almirante César Flores e o Almirante Vidigal foram meus mentores. Eu tenho muito respeito por eles e muito do que vou falar aprendi com eles. Também tenho respeito pela casa de onde sou egresso, a Marinha. Eu sou oficial reformado da Marinha, de uma turma abaixo da do Almirante Ilques. Servimos juntos, e tenho muito carinho por ele e por todos os colegas que estão na Marinha.
Eu assumi o papel de estar nesta oportunidade com os senhores para transmitir algumas ideias que possibilitem às Forças Armadas continuar e melhorar cada vez mais. São ideias pessoais, e a responsabilidade delas é toda minha, é claro. Eu fui coletando coisas de algumas pessoas que também pensam em atualidade de segurança e defesa no mundo todo.
A primeira parte do que eu gostaria de mostrar para vocês foi desafiante porque procurei isolar, em algumas poucas linhas, o que está acontecendo na segurança internacional e na defesa, para poder realçar, numa segunda parte, quais são as tendências e quais são os principais movimentos que se observam no mundo. Finalmente, eu vou fazer algumas breves conclusões e recomendações mais em caráter pessoal, da posição onde eu me coloco, como analista internacional.
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A seleção desses tópicos não tem o caráter de esgotar o tema, mas, sim, procurar realçar o que é mais importante. Eu vou passar por eles de uma maneira bem sucinta. Procurei colocar em quatro ou cinco linhas, no máximo, o que seriam os grandes marcos da transformação atual, os grandes marcos do que está acontecendo.
Por sorte, eu tenho uma posição bem privilegiada nos Estados Unidos, onde moro, com grande acesso à informação, e a oportunidade de trabalhar com inúmeros países no mundo todo, como professor e também como consultor.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu começaria apresentando alguns pontos em relação aos Estados Unidos. Primeiro, a diplomacia americana é feita em Washington. Esta é uma das coisas mais importantes a salientar: o americano não faz diplomacia nas embaixadas pelo mundo, diplomacy e policy são feitos em Washington. Uma vez, conversando com um embaixador americano, eu perguntei: "Mas por que isso?" Ele me disse: "Você tem que entender Washington e entender como se faz política em Washington, para entender o que está acontecendo e algumas decisões". Isso é muito importante. O americano coloca embaixadores — entre aspas — "de peso" em alguns poucos países, mas usa a rede de embaixadores muito mais como disseminadora de políticas, etc. Esse é o primeiro ponto importante.
O americano tem uma característica importante: sua grande preocupação hoje é manter o standard, assim como a Microsoft faz. Por que a Microsoft é aquilo que é? Porque ela domina um padrão, o padrão Windows. E o americano domina um standard, um modo de pensar e de agir, que é o que domina. Muitas vezes, nós queremos escapar desse standard, mas não conseguimos, como, por exemplo, na aquisição de determinados sistemas de armas.
Mais ainda: muitos países, inclusive nós, querendo ou não, pensamos através de determinadas estruturas de conceitos nascidas nos Estados Unidos. Todo o arcabouço conceitual através do qual, muitas vezes, nós pensamos foi deliberadamente construído nos Estados Unidos, a exemplo de lógicas de planejamento e de gestão e o próprio elemento de formulação e execução doutrinária.
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Portanto, o americano está muito preocupado em manter esse standard porque é através dele que se consegue desenhar o que se chama estratégia dominante. Esse é outro ponto.
O americano abandonou a ideia que se chama de global order, a ideia de pôr ordem no mundo inteiro, em que, se o mundo for ordeiro, liberal e democrático, haverá estabilidade e, a partir daí, serão atendidos os interesses nacionais americanos. Isso não é específico da era atual, do atual Presidente. Na realidade, isso vem desde o início do Governo Obama, em que eu pude trabalhar um pouco. Então, o americano assume a ideia de que, em vez de global order, que é muito caro, é melhor ter o que se chama high quality reliable friends. Por isso, nós vemos muitas iniciativas na ideia de se construir reliable, amigos confiáveis, o que cria aquilo que se chama de uma rede de alianças que permitem fazer fluir aquela policy, aquelas políticas que nascem de Washington.
Isso também é importante entender porque está definindo as posturas políticas e a própria estrutura de defesa, que o americano vem transformando.
Um segundo ponto é que, embora a fonte de poder dos Estados Unidos seja a tecnologia, o governo e o dinheiro, admite-se, nos elementos formais de reflexão, nas casas militares, nas universidades, aquilo que é sintetizado por Raymond Aron, que fala que a fonte do poder é a shared idea, é a ideia compartilhada do que são os Estados Unidos. Isso é extremamente forte e, muitas vezes, nós não entendemos. Então, não são a economia e a tecnologia que levam a isso. Ao contrário, é a ideia de América que possibilita que um determinado conjunto de políticas seja estabilizado e que outras não possam ser. O Congresso, por exemplo, zela por isso e, muitas vezes, libera ou não recursos em função desse entendimento.
Pensa-se hoje uma frase que vem de Morgenthau, que diz que ou a América declina — ela não tenderá a quebrar, mas a uma posição menos preponderante — ou a América se revisa. Isso é do Morgenthau e é a palavra corrente. Ou seja, ou a América se reforma ou a América padece, perde muito da preponderância.
Nas disputas com China, Rússia e outros, os Estados Unidos estão baseados nessa lógica que eu estou tentando colocar, que é o nível mais alto que existe, é o nível que se discute na Casa Branca, no Pentágono, etc. Esta é a discussão. Eles não estão discutindo ali se vão ser 12 volts ou 5 volts. Essas são as discussões em termos de formulação da policy.
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Nesse processo de revisão — eu estou falando dos Estados Unidos —, eles estão incorporando uma quantidade muito grande de novas tecnologias e de forma deliberada. Eu vou voltar a falar quais são as tecnologias e qual é o grau de maturidades delas. Mas acontece o seguinte: para sustentar esse investimento fabuloso que está sendo feito, o Departamento de Defesa e os outros órgãos precisam captar recursos e, até sob certo ponto, se autofinanciar. Nesse processo, eles estão vendendo muito do atual arsenal que, até pouco tempo atrás, era deles e não distribuíam. Isso acontece por duas razões, portanto: para captar recursos e para desovar uma tecnologia que eles sabem que será substituída dentro de breve tempo. Não é que eles tenham ficado bonzinhos e estejam dando material para todo mundo, os F-35, os novos armamentos, etc. Isso vem da lógica de que, dentro de determinado tempo, isso estará obsoleto e de que, nesse processo, eles estão captando recursos.
A agência americana DSCA — Defense Security Cooperation Agency é a responsável pela promoção de vendas de armas, com autorização e sob orientação do Congresso. No modelo russo, nós vamos ver que há muito do próprio sistema de defesa. Nos Estados Unidos, a DSCA basicamente vai pedir autorização do Congresso, porque, na hora de vender, quem aprova ou não aprova é o Congresso. E eles venderam, no ano de 2018, só dentro de um programa, o equivalente ou, talvez, até duas a três vezes mais do que todo o orçamento de defesa brasileiro. Eles venderam algo como 63 bilhões de dólares em um dos programas, no mundo todo.
É isso que está ocorrendo. E nós temos que entender por que isso está ocorrendo.
Nesse processo, há uma revisão dos grandes comandos. Nós conhecemos muito aqui o nosso Comando Sul e o Comando Norte. Existem tensões enormes, grandes tensões e rupturas ali dentro. Por exemplo, o México é da América Latina, mas faz parte do Comando Norte. Isso é uma grande tensão. Ele já foi do Comando Sul e agora é do Comando Norte. Mas espera aí: se eu tenho que tratar o problema da imigração na fronteira sul do México, eu tenho dois comandantes de área tratando do tema. Vocês não imaginam a confusão que isso dá, porque o México tem que falar com o Comando Norte, mas toda a América Central, o Caribe e a América do Sul falam com o Comando Sul. Além disso, vários outros comandos, que são os comandos temáticos, começaram a ganhar preponderância. Hoje, um dos comandos mais importantes não é geográfico, é um comando que eu chamo de SOCOM, o Comando de Operações Especiais.
Portanto, esse processo tem grandes evoluções. Agora, não é fácil mudar, porque ele foi desenhado para uma era em que o americano buscava global order. Hoje, o americano está buscando outra lógica, mas com uma arquitetura de defesa que foi desenhada para outro mundo. Então, ele também está vivendo essa tensão: o mundo mudou, as coisas mudaram, mas ele continua com uma estrutura de defesa que foi desenhada para uma determinada lógica, a lógica dos chamados battle groups, os grupos de batalhas, dos 12 porta-aviões que poderiam ser distribuídos pelo mundo. Hoje, também há o que se chama — entre aspas — de "porta-aviões terrestres", que é um novo modelo de organização para o próprio Exército, baseado em unidades de grande porte. Não chega a haver uma divisão, são unidades de grande porte com vetores aéreos, que ficam em determinadas regiões. Elas não têm a mobilidade dos navios, é claro, mas, com elas, os americanos vão a determinadas regiões, antecipando determinadas condições problemáticas que nós vamos ver depois, nas chamadas áreas de fissura. Eles ficam plantados ali e se desenvolvem através das nações reliables.
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Portanto, os Estados Unidos usam a plataforma desses grandes arranjos, que estão colocados para uma pronta resposta. Obviamente, esses arranjos têm uma lógica de muita tecnologia, são pequenos, mas com alta capacidade dissuasória, de poder. Isso é politicamente sensível. Em muitos países onde trabalhei, quando eu chegava ao hotel, via, muitas vezes, agentes da CIA espalhados por tudo quanto é canto. Não havia nem vaga no hotel devido à quantidade de agentes. Você via aquele pessoal todo vestido de civil, com camiseta, sandália e não sei mais o quê, mas com o cabelo de mariner.
Portanto, você começa a observar que as coisas estão mudando bastante. E o que está acontecendo com os americanos? Hoje, deliberadamente, está acontecendo o terceiro offset: o americano está investindo em tecnologia deliberadamente, para gerar uma revolução tecnológica que será empregada nas Forças Armadas. Isso se chama Third Offset.
Vocês devem lembrar que o primeiro offset foram os mísseis, a tecnologia de mísseis, de foguetes, etc.; o segundo offset foi a tecnologia stealth; e o terceiro offset, agora, é um pacote de tecnologias. Nessas tecnologias, há o 5G para o mundo civil, uma Internet de banda extra larga e de alta velocidade; já se está começando a desenvolver determinados programas para computação quântica; há sistemas de propulsão de alta velocidade, principalmente para mísseis de altíssima velocidade; e há o que se chama de hologramas, que fazem com que o piloto ou o comandante de um navio vejam, em 3D, um determinado teatro.
Nós levamos muito tempo para termos a capacidade de ver teatro através de drones, em duas dimensões, que é uma tela. Imaginem o diferencial que é quando você consegue estar num teatro em qualquer lugar do mundo, estar imerso naquele teatro. São essas as coisas que estão acontecendo. E o vetor que alavanca isso é o próprio F-35. Toda essa lógica está convergindo e traz consigo a ideia da colaboração internacional, a international collaboration, que hoje é um dos mecanismos mais fortes de diplomacia de defesa, de diplomacia de segurança e da própria diplomacia americana. Mas isso gera outro nível de tensão. A colaboração internacional feita pela defesa, quando chegar a um país, vai ter que pedir benção a quem? Ao embaixador. E, muitas vezes, o embaixador não necessariamente está alinhado com as prioridades que aquele país deve ter naquele momento.
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Então, as tensões entre Washington e comandos, as tensões entre comandos e as tensões entre embaixadas e grandes comandos são, muitas vezes, feias. Existe uma linha clara de hierarquia. Mas, quanto àqueles que vão rapidamente ganhando altas patentes e posições, isso é política. Aí há uma característica que o americano está sentindo muito: a politização das Forças Armadas principalmente no Governo Trump. Pela reação que há, vê-se que muitos militares ecoaram o seu desconforto com o Presidente Trump e, inclusive, saíram, pediram demissão, etc.
Portanto, o mundo americano é, hoje, um mundo de grandes tensões, onde a defesa, as estratégias estão se modificando de forma intensa. Esses seriam os principais marcos.
O Multi-domainn battle combined arms é um slogan que se traduziria como "conjunto de batalha para múltiplos domínios com armas combinadas". Não é o jointness que estávamos acostumados a ver, de quando começou aquela discussão nos anos de 1980 e de 1990 e que levou a determinadas reformas educacionais com o Ato Goldwater-Nichols.
Hoje, se fala nos grandes comandos com essa tecnologia de um mundo em que o americano — estou falando ainda dos americanos — está apostando. Mas eles não podem abrir mão do que têm hoje, assim como nós, porque têm problemas tradicionais, que vêm do uso tradicional das Forças Armadas — as quais continuam sendo necessárias, como bem disse o Ministro. Ninguém está disputando a ideia de que as Forças Armadas são desnecessárias ou não. Mas as Forças Armadas já estão pensando o seguinte: "Eu entendo o meu papel. Isso está claro. Mas como eu vou exercer esse papel nesse novo mundo dominado por tecnologias e novas relações políticas?"
É isso que está acontecendo dentro dos Estados Unidos.
Quanto à Rússia, eu peguei alguns exemplos só para poder ilustrar os pontos que quero expor.
Na Rússia, em 2016, através da política de segurança e defesa, houve uma ressignificação, deu-se novo significado àquilo que é segurança. Isso é muito diferente do que o americano pensa, é uma das coisas mais marcantes na diferença com a América e os Estados Unidos. A questão não é que um tem um míssil A, outro tem um míssil B, outro tem um porta-aviões e outro não tem. Neste nível do qual estamos falando, o russo começa a dar um novo significado ao que é segurança e diz o seguinte: "Segurança é tudo e é de todos". Tanto é assim que, no documento da reforma, ainda na era Putin, em 2016, o capítulo de política de defesa desapareceu, o que gerou uma comoção terrível. Na realidade, a reforma começa começou em 2003. A meta era reduzir — eu vou voltar a isso — o Exército russo a até 1 milhão de homens. Para quem ficava oscilando entre 1,8 milhão a 2,5 milhões de homens, essa redução significa quase 40% do Exército. Mas não é só isso, a Rússia reduziu 80% dos coronéis. Nós dizemos diz que houve uma purgação e que, embora não tenha sido em 1 ano, uma purgação a la Stalin, a Rússia, ao longo do tempo, deliberadamente, resolveu modificar a pirâmide militar. No caso russo e de muitos países, havia uma alta demografia, se podemos dizer assim, de coronéis. A Rússia tinha algo em torno de 1,8 mil oficiais-generais e reduziu para 1,3 mil oficiais, mas reduziu muito o número de coronéis, que, na realidade, abaixou para os postos de tenente-coronel, major e capitão. Ela diz o seguinte: A capacidade de mobilização e reação não está em cima do coronel, está em cima do tenente-coronel e do major. Além do mais, esses são os operadores que vão trabalhar com esse grau de sofisticação tecnológica. Então, o tempo de treinamento e educação deles é maior". Quando esses homens vão fazer educação e treinamento, obviamente, eles saem, vamos dizer assim, da linha ativa, da linha de frente, e têm que ficar nas escolas.
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Portanto, houve uma reforma educacional, uma reforma conceitual, uma reforma de pessoal e, junto com isso, uma reforma também de sistemas de arma e tecnologia. Então, o que a Rússia vai fazer? Ela vai investir em algumas tecnologias. O que ela separa? Onde ela está investindo muito hoje? Está investindo muito em mísseis. Vocês devem ter ouvido falar que, na semana passada ou retrasada, explodiu um míssil — daí nós ficamos sabendo — cuja propulsão era nuclear, usando o que se chama de microrreator, aquela ideia de que já ouvimos falar. Estão colocando um microrreator dentro de um míssil de cruzeiro. O míssil explodiu, e se detectou isso pela radiação que vazou.
10:24
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Então, eles estão investindo em tecnologias de mísseis: tecnologias do que vamos chamar de comando e controle, sistemas além do horizonte, que são sistemas de mísseis chamados de médio alcance, entre 300 quilômetros e 1.800 quilômetros mais ou menos.
Vocês viram que, há pouco tempo, a Rússia e os Estados Unidos denunciaram o tratado de mísseis de médio alcance. Por quê? Por que um estava brigando o outro, fazendo malcriação? É claro que não. Isso se deu porque a China não fazia parte disso. Onde a China estava jogando dinheiro? Em mísseis de médio alcance, porque esses mísseis alcançam os Estados Unidos e alcançam a Rússia. Então, eles estavam limitados, um limitando o outro, e o chinês correndo por fora. Por isso, eles falaram: "Para! Abre isso e devolve!" Estão reformulando as equações.
Aonde vai o peso pesado do dinheiro russo? Vai para os submarinos, para os submarinos e para os submarinos. Tanto é assim que o atual Ministro da Defesa disse o seguinte: "Submarino é a melhor arma para o mais fraco".
Portanto, esses são os fundamentos do russo. Nesse processo, ele, diferentemente do americano, que está desovando, está querendo aumentar o seu market share, usando um termo mais comercial. Ele quer capitar mais no mercado, agressivamente. Aqui na América Latina, nós estamos vendo ele entrar agressivamente. Inclusive no Brasil, há alguns sistemas russos. Na Turquia, vocês devem ter visto a confusão que deu com os mísseis S-400.
Esta é a ideia do que está acontecendo na Rússia: uma grande mudança conceitual e uma mudança tecnológica. Nos Estados Unidos, a mudança tecnológica é o vetor de arranque; na Rússia, a mudança tecnológica é para dar conta de um conceito. O americano vai desenvolver um conceito? Vai, mas em cima do que a tecnologia será capaz de dar. Na Rússia, eles geraram um conceito e estão desenvolvendo tecnologias para sustentar aquele conceito. Os Estados Unidos vendem para financiar, a Rússia vende para assumir o padrão dominante, a um preço mais baixo. Então, a competição se dá dessa maneira.
Quanto à China, hoje muitos atores dizem que estamos no chamado chinese century. Há uns 3 meses, foi publicado o livro de um professor cujo título é Great-power competition, a competição das grandes potências. Ele é um especialista em China e vai explicar o seguinte: "Olha, essa ideia de que a China ressurgiu e vai dominar as relações, etc., é falsa. Na realidade, a China tem uma contradição dentro de si, porque ela nasceu dentro desse sistema e existe dentro desse sistema". Isto é muito importante, é o ponto principal dele: a China não é contrária ao modelo, ela precisa desse modelo no qual o americano está desempenhando um papel, a Rússia está desempenhando outro. Então, a ideia de que a China vai rapidamente avançar para conquistar o mundo está pautada em cima de uma contradição interna. Isso não está resolvido ainda. Aqueles que estudam China e que estudam segurança internacional veem que a China depende de uma série de padrões, depende inclusive do que nós chamávamos de globalização e mercado de livre comércio. Para quê? Para que nenhum país erga barreiras contra muitos produtos que ela coloca. Portanto, surge essa contradição.
10:28
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O chinês avança numa outra lógica, diferente da lógica do americano e da lógica do russo, que é o que se chama de geossegurança. Diferentemente da tradicional geoestratégia, ele chama isso de geossegurança, não no sentido de buffers, mas no sentido de criar uma infraestrutura que permita à China poder acessar as áreas de interesse através de linhas sustentáveis. É isso que nós estamos vendo com a nova rota da China, a grande investida naquela região que seria o que o chinês chamaria de área de domínio, área de influência do país.
Quanto à nossa grande preocupação com geossegurança, todo mundo diz: "Ah, as Marinhas estão brigando e a próxima guerra vai ser naquela região do Mar da China". Um professor colega nosso, estudioso, lançou um livro recentemente, em que faz uma tremenda análise e diz o seguinte: "Se houver conflito, o próximo conflito será no Atlântico Norte". Tanto é que os submarinos russos, chineses e americanos começam a adaptar suas determinadas características operacionais para a profundidade das águas do Atlântico Norte — aí há várias razões.
Portanto, o chinês não está querendo exercer linha global, etc. Lá a relação entre governo e outros órgãos é diferente. Ele está financiando, está incentivando a defesa como um vetor da política externa e, no caso, política de governochinesa. Daí, as tecnologias vêm para sustentar esses elementos. Esse é um outro mundo. Ele pensa que o valor da capacidade, the capability, não é intrínseco à capacidade ou a um battle group, depende do local em que ele está e, portanto, tem capacidade em função da posição daquele elemento na rede onde se coloca.
São três visões completamente diferentes e que nós, muitas vezes, não entendemos. Há algumas leituras, reportagens em jornais e até livros que veem chifre em cabeça de cavalo, porque não estão entendendo exatamente o que está acontecendo, que procuram explicar por meio de um sistema conceitual dos anos 70 ou 80, sem darem conta de explicar o grau de complexidade do que está chegando. É aquele negócio: "Quem só tem martelo pensa que tudo é prego". Está acontecendo muito disso.
Inclusive, dentro dos próprios países, as reações são grandes. Nos Estados Unidos, como eu disse, estão politizando bastante, muitos oficiais-generais vêm a público por meio das redes, e, hoje, os grupos sociais dos veteranos são fortíssimos.
10:32
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Quanto à União Europeia, eu peguei outro elemento também diferencial, peguei um bloco agora.
A União Europeia e seus países, que tende a forçar o padrão, está preocupada com o que se chama de economics of secutity. Nós estudamos muito a economia de defesa. A União Europeia parte para economics of security, que são, basicamente, os princípios e mecanismos para poder sustentar a segurança dentro dela. Para isso, ela trabalha com uma segurança chamada multidimensional. A própria OEA usa um conceito muito parecido. Eu sei disso porque prestei ajuda à OEA no desenvolvimento do conceito e, depois, no departamento que trabalharia com isso.
A União Europeia vai dividir a segurança em segurança energética; segurança ambiental; segurança tecnológica; segurança geostratégica; segurança do conhecimento — não é TI, mas segurança do conhecimento, a capacidade de gerar, armazenar e recuperar conhecimentos. São sete áreas.
A União Europeia se distingue, além disso, pela integração das cadeias de logística estratégica. Não se trata do desenvolvimento do vetor, mas, sim, da sustentação da cadeia. Quais são os países que estão se lançando muito nisso? Vemos, por exemplo, a Espanha, agressivamente, procurando vender bons navios. O que mais nós vemos? A Itália, no norte de Milão, numa fábrica da Aerea, fabrica os principais componentes eletrônicos do F-35.
Uma outra característica importante dos Estados Unidos e da União Europeia, diferente da dos outros, é que eles estão pegando o dinheiro de investimento que antes colocavam na famosa indústria de defesa e estão colocando na mão de startups da iniciativa privada. Eles têm o seguinte entendimento: toda essa tecnologia emergente é dual. Por quê? Porque não há como sustentar uma tecnologia emergente desse tipo se ela não for dual por um problema simples de escala.
Nós conhecemos bem isso no Brasil. Nós não somos capazes de fazer radar de alta qualidade? É claro que somos. Eu estava numa fragata, muitos anos atrás, na União, que havia chegado da Inglaterra e tinha uma lampadazinha fluorescente que nós importávamos. Então, fomos à fábrica de lâmpadas aqui no Brasil, levamos aquela lâmpada e perguntamos: "Você não consegue produzir essa lâmpada para nós?" E ele disse:" Mas é claro que consigo. Quantos milhões vocês querem?". "Eu queria umas 2 mil". O cara disse: "Então, continue importando".
A escala é um problema crítico na indústria de defesa. Então, o que os europeus fazem? Investem na sustentação e na fabricação em escala, porque eles têm a escala que os outros não têm, num universo de países.
Portanto, cada bloco está tentando ir para uma nova era, vamos dizer assim, rearranjando suas arquiteturas, seus projetos de força, de maneira que eles possam ser sustentados.
10:36
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Há uma série de apanhados, e eu procurei mostrar países. Qual é o corte transversal disso? O que está acontecendo, de maneira que corta transversalmente todos esses países? Primeiro, seria o abandono do conceito de polos. Isso é muito bom para os meus amigos de relações internacionais (RI). A ideia de mundo bipolar, tripolar, pentapolar, multipolar, como dizemos, caiu pela borda, e hoje nós trabalhamos com o conceito de nódulos, dos nós, usando a Teoria de Nós. É uma ideia diferente. Em vez de haver o polo americano, a ideia é a seguinte: é algo competitivo, e as conexões são temporárias, frágeis, circunstanciais.
Então, cada polo é um cluster de defesa orientado por um determinado conjunto de elementos conjunturais. É bom? É ruim? Há alguns elementos muito bons, como flexibilidade, capacidade de ajuste, de velocidade, mas há alguns elementos preocupantes. Por exemplo, um polo desses pode ser modelado por influência de personalidades e pessoas.
Há o que se chama de superestrutura — do conceito marxista, sem ser marxista —, superestrutura de segurança. É algo como se fosse uma megaburocracia que existe dentro desses elementos todos. Isso é novo, e nós estamos aprendendo a trabalhar com essa superestrutura de competição. O Prof. Ali Wyne publicou sobre esse novo modelo há pouco tempo. Ele disse o seguinte: "Competição é ambiente, e não estratégia". Nossa, isso muda tudo, porque passamos a tratar a competição como algo normal, e não é nada de uma segunda Guerra Fria; terceira, quarta ou quinta Guerra Fria. É outro arranjo, que só vamos conseguir ler e interpretar usando essa nova estrutura conceitual.
Existe também o ceticismo clausewitziano, que não é dizer que a guerra é a continuação da policy por outros meios. Isso continua válido, a ideia de fenômeno existe. Mas a ideia é a de que defesa não é um fenômeno definido pelas regras do ambiente; defesa é um arranjo organizacional. Lembrem-se disso: defesa é um arranjo de gestão, não é uma força armada em si mesmo. Hoje, querem fazer com que a defesa, para dar conta de tudo isso, passe de gestão para governance, porque os modelos de gestão só podem dar conta de estruturas hierarquizadas e concebidas dentro de outro modelo.
Então, o próprio Ministério da Defesa, que deveria ser o arranque, o impulsionador, muitas vezes, acaba gerando inércia para poder fazer o melhor que pode.
10:40
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A China e os Estados Unidos estão agora reconsiderando essa ideia da própria defesa, o conceito de defesa. A Rússia, como já mencionei, formalizou a ideia de segurança. Se vocês observarem, vários países já estão usando, por exemplo, a ideia de política de segurança e defesa. Não é segurança pública, como nós entendemos, mas segurança no seu sentido mais amplo, segurança nacional — colocando também a segurança pública. Há vários países que adotam isso. No Peru, a política se chama "política de segurança e defesa". Já está aqui.
Rapidamente, a grande pergunta nos meios acadêmicos e de influência é: o que significa ser powerful — poderoso — e influencial? O que estão escrevendo sobre o assunto, a quantidade de tinta em cima disso já é uma loucura. O que significa power nesse novo mundo, nessas novas organizações?
Na própria ideia de democracia como valor universal, há o que se chama de agnosticismo moderado. Por exemplo, a China se diz democrata, mas ela tem o que se chama — e vários países estão lançando — de surveillance state. Temos como traduzir bem isso. Seria um estado vigilante, um estado que monitora? Olhem, esse conceito e a democracia entram em tensões terríveis. Montar-se um sistema de defesa, um aparato de segurança, em um regime desse modelo, tender-se-ia a transformar a defesa novamente em um elemento até mesmo cerceador, a menos que — digo "a menos que" porque senão a defesa não cumpre o seu papel — se reentenda o ambiente e as funções com outros olhos, senão as conclusões serão equivocadas.
Há uma questão importante do George Kennan que vale para os Estados Unidos e outros países, e cada vez mais se volta a isso, que é a seguinte: não se sabe como formular foreign policy — política exterior — quando há uma pletora de desafios, e na ausência de um desafio predominante. Isso é uma autocrítica. O próprio departamento de estado americano a fazia. O Kennan publicou isso, que hoje é verdadeiro. Pessoal, não dá para fazer foreign policy, fazer política desse mundo com aquela lógica e metodologia do passado. É diferente!
Para isso, nós temos as modificações, portanto, no ambiente, na estrutura conceitual, nas tecnologias que estão impulsionando e procurando integrar — principalmente vindas dos Estados Unidos — essa ideia de novos arranjos de combate com governance, capacidade de governance. É isso o que está acontecendo. As reformas no mundo todo estão nesse sentido: americano, chinês, japonês, coreano, australiano — que está indo muito bem —, indiano. Deem uma olhada na Índia. Está todo mundo nesta linha: governance, com esses novos arranjos. Isso não significa dizer que se quer acabar com as Forças Armadas, não é nada disso. É, na realidade, pegar as Forças Armadas e levá-las a continuar cumprindo seu papel constitucional dentro de uma nova arquitetura de ameaças, como queiram chamar, que só pode ser feita por um novo sistema conceitual.
10:44
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Novas equações de deterrence, de dissuasão. Quando entraram os mísseis hipersônicos lançados de bombardeios, que são a grande aposta hoje, aumentou-se o grau de vulnerabilidade dos grandes battle groups, porque o tempo de reação passou a ser de alguns segundos. Nesse caso, para poder usar esse vetor que tem a capacidade dissuasória, precisa-se de duas coisas: inteligência artificial e banda. Por isso, está havendo esse universo de satélites lançados, etc.
Por que há inteligência artificial? Porque é bonito? Não, porque o volume de dados e o tempo de resposta passam a ser um volume muito grande em um tempo muito menor.
Então, tem que se jogar para apoiar uma estrutura de decisão, dentro de uma lógica de governance, em que tudo é política. Portanto, o Ministério passa a ter realmente a capacidade de exercitar a sua destinação constitucional.
Aquela ideia de mandar uma rádio informando ao comando da região tal que ele deve mudar da posição A para a posição B já acabou há muito tempo. Tudo estará acabado, quando a mensagem de rádio chegar. Foi a mesma coisa que aconteceu quando os primeiros cabos chegaram. Há um paralelo em relação a essa questão muito importante em um livro chamado Ruling the waves, que afirma o que vou dizer para vocês. O que está acontecendo hoje, mutatis mutandis, foi o que aconteceu com a invenção do telégrafo e dos primeiros cabos submarinos. Mudou-se a dimensão de combate, informação, segurança e defesa. Mudou-se a capacidade de as embaixadas poderem se comunicar praticamente em tempo real. Mudou tudo! Não sei se os senhores sabem que os primeiros cabos passando pelo Atlântico eram da iniciativa privada. Depois é que os governos disseram: "Ah, isso aqui fica com a gente". E os primeiros, entre aspas, a "nacionalizar" foram os próprios ingleses, que tinham uma política liberal, mas, nesse caso, nada disso; isso é national interest.
Vamos, portanto, às tecnologias.
Artificial intelligence. Neste salão aqui no Congresso, em 1978, eu participei de uma palestra sobre a necessidade de se começar a usar a inteligência artificial na defesa. Sabem quem era o palestrante? Um professor do IME — Instituto Militar de Engenharia, especialista na ideia de inteligência artificial. Já se faz mais de 20 anos.
Nós não estamos tão excêntricos em relação ao que está se desenvolvendo. Muita gente diz que ficamos para trás, mas já pensávamos muito sobre isso. O que não se consegue é ter essa visão do todo — é uma crítica minha — e as decisões de apostar em determinadas alternativas.
Aprestamento muda a ideia de readiness, capacidade de estar pronto. Capacidade operacional 100%, mantida 24 por 7, é algo caríssimo! Quando houve aquele ataque aos prédios em Washington, eu estava lá e trabalhava dentro do quartel-general da guarda costeira, onde havia 5 mil homens. O tempo de resposta que tínhamos lá quando começaram a acontecer as coisas... A gente não sabia o que estava acontecendo! As coisas estão mudando muito rapidamente. As tecnologias de artificial intelligence e a de 5G, como é chamada no mundo civil, são a maior briga hoje nos Estados Unidos e no resto do mundo. Quem é que vai fazer o chip do 5G? "Eu faço, eu que vou motivar", dizem alguns. Outro grupo diz que não pode e tal. Quem dominar isso dominará o padrão, o novo padrão, dentro daquela lógica de on the standard. Os países, vamos dizer assim, um pouco mais maduros e evoluídos nessa lógica de defesa sabem que não têm que brigar por tudo. Devem brigar pelo que realmente vai dominar o padrão, que são essas tecnologias em que estão investindo.
10:48
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Há também a propulsão hipersônica, que muda o conceito de deterrência.
Materiais híbridos. Hoje, nós temos uma quantidade enorme de material híbridos no mercado, inclusive para esses mísseis de alta velocidade, cujo grande problema é a temperatura, como o próprio U2, etc.
Nós estamos vendo muitos materiais: computação híbrida, computação quântica — há muito dinheiro investido nisso —, hologramas e holografia digital.
Então, esses são os vetores; e, a partir daí, tudo começa.
Por que é importante saber isso? Porque a disputa não é mais pelo canhão maior, se é raiado ou se é menos raiado. A disputa agora é entre quem vai conseguir lançar esses elementos de forma sustentável.
A grande preocupação de todos os países é: qualquer país razoavelmente sofisticado, como o Brasil, é capaz de ter a decisão política e investir nessas áreas de uso dual, porque, se não o fizer, aí ficará para trás; e ainda há tempo, porque realmente ainda existem muitas opções na mesa.
O aprestamento modifica a lógica para mobilizacional, estrutural, operacional e tático. Por isso, o russo, por exemplo, diz assim: "Nós temos que dar resposta..." Por isso que ele tinha aqueles grandes comandos: o central, o leste, o oeste e o sul. "Eu preciso de tempo para dar resposta mobilizacional, etc." Esse é o chamado aprestamento estratégico. Hoje já se fala em aprestamento estrutural. O importante é ter estrutura de mobilização no lugar. O que o chinês está fazendo? Transporte, estrutura de pessoal. Não é mais pirâmide de pessoal, mas é um losango. Por que isso? Porque, para se formar um major capaz de liderar um grupo de profissionais, leva-se muito tempo. Por isso se investe em ter um major ou tenente-coronel, porque é ele que passa a ser o líder dos espaços de combate. Mas e as outras patentes, o general, o coronel, etc.? Olha, se você tem tecnologia para praticamente em tempo real estar vendo o que está acontecendo, você precisa de gente tática de alta capacidade, você precisa ter capacidade de coordenação, mas você centraliza a decisão política. Então, os comandos e os arranjos estão seguindo um pouco essa lógica que eu estou lhes dizendo. Atualmente se trabalha com os chamados clusters de capacidade. De uma forma arrogante, deixe-me lhes dizer, em 1988/1989, em três lugares no mundo, se pensava em capability-based planning, planejamento baseado na capacidade, no fim da Guerra Fria, etc., nos Estados Unidos, na Índia e na UFRJ. Foi a minha tese de doutorado. Eu levei paulada de tudo quanto é lado por causa desse negócio. O capability-based planning, na época, eu chamei de force design, projeto de força, e hoje já evolui para outros sistemas e outras coisas. Quero lhes mostrar que tudo isso está dentro de uma nova sistemática normativa que demanda um novo tipo de liderança. Tudo está centrado na pessoa ainda, mesmo com a inteligência artificial, etc. Toda essa lógica demanda novos líderes. É o que se chama de policy-based leadership. Aquela liderança carismática claro que continua válida, mas se começa a ter que, entre aspas, "moldar os novos líderes" que sejam capazes de agir nesse ambiente e precisam entender o que se chama policy-based leadership. Tudo isso está dentro desse marco de investir em pessoal.
10:52
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Aí vem a pergunta: qual é o new generation of diplomats? A diplomacia está mudando radicalmente no mundo todo, tanto é que, de forma até agressiva, se diz "é o fim da diplomacia de coquetel", a diplomacia que era feita nos salões, etc.
Hoje há uma diplomacia muito mais difícil, uma diplomacia na qual os diplomatas exercem o seu papel em áreas que antes eram acessórias, com novas estruturas conceituais, em três dimensões principais: a política, a comercial e a chamada dimensão C. A dimensão C, crítica, que é como se estabelece o mecanismo de cooperação, de colaboração e de coordenação. Esses três "C" vão se integrar, depois, com o famoso C4I.
Aqueles que estão desenvolvendo centros de comando e controle, todo esse negócio, como vão fazer a gestão? Nós já estamos falando em governance baseado em 3C, C4ISE. É essa direção em que vão os novos arranjos.
Ao mesmo tempo se pergunta: "Qual é o new generation of military?" Modificação das pirâmides. No caso da Rússia, por exemplo, que eu já mencionei, são 80% dos coronéis. Não é uma coisa simples de se fazer. Obviamente não se fez da noite para o dia.
Um marco conceitual que procura dar conta de tudo isso, que eu tenho mencionado a vocês, eu o represento rapidamente aqui. No eslaide acima há o chamado critical redesign. A ideia de se fazer planejamento estratégico baseado em cenário, aquela coisinha, está bem. Se você tiver estabilidade e estiver olhando uma condição estável, não quer dizer que está ruim. Mas para dar conta do que vem pela frente, critical redesign. Dentro dele, force design. Qual é a defesa que eu quero? Projeto de força? Basicamente procura responder isto: que defesa eu quero? É o motivo deste nosso encontro. Às vezes, você está dentro de um processo de reforma. Se você me perguntar qual é o militar que eu quero olhando para a sociedade de 1980 e pensando com coisas obsoletas, não dá conta. Alia-se com o design de inovação, que é o que está impulsionando vetores de desenvolvimento. Do lado direito, matriz de risco. Não se tem mais risk management. Nós já falamos hoje em risk control, risk mitigation, risk assessment e risk streaming. Usando orçamentos, usando programas, gestão de risco é um dos elementos fundamentais da defesa. Matriz de segurança e defesa. Eu a coloquei bem no centro, porque essa ideia de mobilidade, de reconfiguração dinâmica do entendimento de segurança e defesa. Há um paper sobre isso publicado numa revista chamada Defense Analysis. O paper se chama Security and Defense: concept matters — conceitos importam para os estudos de segurança e defesa. Daí apresenta a matriz. Diagrama de futuro. Há um salto gigantesco sobre a ideia de cenários. Nós ainda usamos o termo cenário porque todo mundo entende, mas se fazem cenários hoje não usando a mesma lógica que se usava e se achava necessária, útil da lógica da prospectiva, que é mais da escola francesa. Hoje se trabalha com três vetores simultâneos de adapt, modernize and transform, uma grande modificação na forma de conceber o que vai se chamar de espaços de capacidades.
10:56
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Modelagem CAPA — Context Assessment and Problem Analysis. Qual é, afinal de contas, o meu problema? A ameaça pode ser um problema. Tudo bem, mas há outros. Qual é o problema? Então, você vai fazer o projeto da força, e vai fazer em cima dos espaços de capacidade extraídos pelo CAPA, mas olhando para três dimensões de possibilidades no futuro — adapt, modernize and transform.
Nós usamos a matriz de métricas analíticas, que é fundamental. Você tem que medir tudo isso, não pode deixar simplesmente ir. Portanto, você tem análise de maturidade do sistema de gestão, de governance, do Ministério da Defesa. Trouxemos isso muito do mundo civil. Quando eu trabalhava na Pricewaterhouse, era preciso fazer mergers and acquisitions. Quanto vale uma in buyer? É a mesma coisa. Qual é o valor da defense? O valor é igual ao potencial somado, agregado das Forças Armadas. E como que se calcula isso? Como é que se mede? Então, há novas ferramentas, muitas ferramentas.
Espaços de capacidades e competência. Não é a ideia de tarefa, mas sim espaços de capacidades onde você vai exercer os clusters de capacidade a um custo muito mais baixo. Então, o que está acontecendo na defesa? Estão profissionalizando. A Rússia está querendo abandonar a conscrição. Sempre foi um dos países mais conscritos. Está buscando a profissionalização, porque o conscrito não dá conta desse grau de atuação para combate nesse nível. Por isso, os próprios Exércitos estão reconfigurando os seus desenhos, interpretando que há baixa transitividade entre em áreas de missão. Quando eu estava na Inglaterra fazendo o meu mestrado, via que eles se orgulhavam de dizer que, num determinado regimento, todos eram combatentes, do cozinheiro ao comandante. Hoje é diferente: ou o cara é bom na cozinha, ou o cara é bom em combate. Então, eu terceirizo algumas coisas, reduzo o número de pessoal, para jogar a tecnologia, sob tempos comprimidos. E finalmente, para fazer a governance de tudo isso, nós usamos o que se chama Sistemas Integrados de Gestão, governance de alto nível, SIGAN. E o motor é o 3C_C4IVR. Com isso, eu encerro esta breve contribuição, procurando mostrar o panorama, como nós vemos, em algumas pinceladas. Eu não teria a veleidade de querer sintetizar tudo o que está acontecendo em 40 minutos ou 50 minutos, e eu já venci o tempo. Agradeço muito. Muito obrigado pela gentiliza, foi um prazer estar com vocês. (Palmas.)
11:00
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O SR. APRESENTADOR (Nilo Martins) - Muito obrigado pela participação.
Senhoras e senhores, quero dar um breve aviso. Dia 24 de setembro, haverá audiência pública com o tema Soberania Nacional na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Na sequência, daqui a 10 minutos, terá início o primeiro painel do seminário intitulado As Forças Armadas em transformação.
Convidamos todos para um coffee break, disponível na entrada deste auditório, e aguardamos todos na sequência.
Muito obrigado.
(Pausa prolongada.)
11:30
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O SR. APRESENTADOR (Edilson Holanda Silva) - Senhoras e senhores, terá início agora a segunda Mesa, com o tema As Forças Armadas em transformação.
Convido a mediadora, Sra. Marcia Stein, para fazer parte desta Mesa. (Pausa.)
A Sra. Marcia da Gloria Stein Telemberg é Capitã de Mar e Guerra da Marinha do Brasil. Foi Encarregada da Divisão de Ensino do Serviço de Orientação Educacional, do Serviço de Orientação Pedagógica e do Serviço de Relações Públicas, e Oficial de Gabinete, do Comando do 7º Distrito Naval; entre 2000 e 2015, atuou no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, lotada na Agência Brasileira de Inteligência; também atuou no Centro de Inteligência da Marinha, como Chefe do Departamento de Doutrina e Instrução; e foi Assessora no Centro de Comunicação Social da Marinha.
Passo a palavra à Sra. Marcia Stein.
A SRA. COORDENADORA (Marcia da Gloria Stein Telemberg) - Obrigada a todos. Bom dia! Já é quase boa tarde!
Nós queríamos, primeiramente, cumprimentar as autoridades que estiveram e estão aqui, em nome de todos. Ministério da Defesa, Marinha, Exército e Aeronáutica, os três Poderes da República, acadêmicos, senhoras e senhores, em nome da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, eu saúdo a todos que aqui vieram para prestigiar este momento especial, que nos convida à reflexão sobre a política de defesa nacional e o papel das Forças Armadas.
Destaco que este seminário está sendo realizado em parceria com o Instituto de Relações Internacionais e Defesa — InfoRel, ao qual agradeço a relevante colaboração.
Para o nosso primeiro painel do seminário que tem como tema As Forças Armadas em transformação, convido para compor a Mesa os seguintes palestrantes.
Almirante Hayden Pritchard, Oficial-Chefe da Força de Defesa de Trinidad e Tobago. Graduou-se na Britannia Royal Naval College (Dartmouth), na Inglaterra; serviu no Haiti, em 1994, como parte do contingente de Trinidad e Tobago, a serviço da força-tarefa da Organização das Nações Unidas naquele país; comandou os navios de patrulha e ocupou os cargos de Comandante de Administração, Operações e de Segurança Portuária.
Pedro de la Fuente, Almirante da Reserva da Marinha Argentina, Especialista em Formulação de Estratégia de Segurança Nacional e em Processos de Desenvolvimento Institucional, em países da América Latina; Professor Titular de Planejamento Estratégico, no curso de Mestrado em Inteligência Estratégica Nacional, da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina.
Comandante Edgardo Cristian Acevedo Pérez, Adido de Defesa e Naval do Chile no Brasil; Oficial de Ligação com a 3ª Frota dos Estados Unidos; (ininteligível) no período de 2010 a 2014; e Chefe do Departamento de Operações e Planos da 1ª Zona Naval.
11:34
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Registro um agradecimento especial aos nossos convidados, que abriram espaço nas suas concorridas agendas e vieram de diferentes países para estar aqui hoje compartilhando conosco suas ricas e valorosas experiências e conhecimentos.
Esclareço aos ilustres expositores que cada um disporá de 15 minutos para proferir a sua fala. Peço que falem sempre ao microfone, pois este seminário está sendo gravado para posterior transcrição. Informo, ainda, que este evento está sendo transmitido em tempo real pela Internet, bem como está sendo gravado para inserção na grade de programação da TV Câmara, alcançando um público bastante expressivo em todo o Brasil.
Antes de passar a palavra aos componentes da Mesa, eu queria colocar alguns pontos. Primeiro, digo a quem não pegou o tradutor que o pegue, pois o "eu falo portunhol e entendo um pouco" interfere muito no entendimento completo de quem fala outro idioma, no caso o inglês e o espanhol.
Gostaríamos de fazer um pedido. Como perdemos o tempo para questionamentos, infelizmente, devido aos atrasos nas apresentações, peço a todos, Mesa e plateia, profissionais que têm uma gama muito grande de conhecimento, que usem a capacidade de síntese de seus conhecimentos.
Eu já conversei com o Marcelo Rech, do InfoRel — Instituto de Relações Internacionais e Defesa, para que passa o e-mail de todos os que estão se apresentando neste seminário e de quem mais assim desejar. Caso se interessem em fazer questionamentos, o que prolongaria os nossos trabalhos, dirijam as perguntas aos e-mails dos palestrantes. Se houver perguntas, estas também deverão ser objetivas. Este é um lugar de troca de conhecimentos, e não de confronto e avaliação de nenhum de nós.
Quanto à questão das Forças Armadas, eu saliento sempre que as Forças Armadas, em qualquer país, além de tudo que foi colocado, pode viver uma vida sem ser utilizada, mas ela não pode ficar um minuto sem estar preparada. Em muitos países, ela e a academia caminham juntos. Aqui estamos buscando isso. Uma é exatamente igual à outra. Não se faz guerras em livros, mas também não se faz a prática da guerra sem ter um mínimo de conhecimento teórico. Portanto, que esses novos desafios que se apresentam e o que está sendo aqui apresentado leve a cada um, principalmente a pesquisadores, alunos, profissionais de mestrado e doutorado, a possibilidade de analisar essa questão a fundo.
Passo a palavra ao Almirante Hayden Pritchard, que tem 15 minutos para a sua exposição.
O SR. HAYDEN PRITCHARD (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Bom dia! Isso é tudo que eu sei em português. Vou falar em inglês.
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Deixe-me começar agradecendo ao Comitê de Relações Nacionais e de Defesa o gentil convite para este seminário. Este é um seminário muito importante, não apenas para o Brasil, na minha visão; é importante também para os militares de todos os países.
Seja em um país pequeno, seja em um país grande, o papel das Forças Armadas provou, pela história, que é duradouro. Ele pode estar mudando, mas ele é duradouro. Portanto, eu gostaria de agradecer ao Brasil e aos militares por reconhecerem que os nossos papéis são duradouros. É muito importante que compreendamos que é preciso mudar, para que continuemos relevantes nos ambientes em que operamos. Esta conferência, portanto, acontece num momento bem oportuno.
O que eu acho interessante no Brasil é que parece que vocês estão fazendo as coisas corretas quanto às Forças Armadas. É claro que eu verifiquei e achei um documento que falava sobre estratégias e doutrinas das Forças Armadas, e eu cito alguns elementos. O principal do novo projeto de defesa nacional será novas tecnologias, um programa espacial, capacidade nuclear para fins pacíficos, segurança de fronteiras e aquisição de equipamentos. Todos são muito relevantes.
Eu uso como princípios orientadores os documentos que me foram mandados, relativos ao seminário. Neles vi três pontos principais. As situações futuras e as de agora precisam que sejam repensadas as Forças Armadas. Que relevância objetiva têm as Forças Armadas e que mudanças são urgentes e necessárias? Qual é o conceito que melhor define o Brasil e as Forças Armadas que queremos?
Há muito neste eslaide, mas eu enfatizei dois pontos especialmente. Estamos num mundo que é definido por complexidades e mudanças. Estamos num mundo que é orientado por todos os conceitos de tecnologia, sejam cyber, fake news, tecnologia de inteligência artificial, de computadores, espacial, etc.
Nós temos a ascensão das redes e de atores não estatais, interventores não estatais. Temos agências transnacionais e grupos que estão tendo maior efeito, especialmente em Estados como Trinidad e Tobago, que são menores ilhas, mas também em todo o Caribe e na América Latina. Temos termos como narcoestados e várias ameaças, que muitas vezes estão além da capacidade da atividade da segurança pública.
11:42
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Isso me leva ao próximo ponto. As linhas entre a segurança e a defesa estão se desfazendo, com as definições das leis, das polícias, e como isso afeta todos os militares em suas atividades segurança. Eu gostaria de adicionar também que está havendo uma reorganização mundial da soberania. Achei que estavam indo para o lado das comunidades, mas parece que temos agora, em termos soberania, Brexit... Em termos de nacionalismo, não temos mais grupos tão grandes, então não sabemos para onde vamos. De fato, estamos num mundo complexo, e os militares são um fator estabilizador e duradouro, na minha visão, para esse mundo.
Em Trindade e Tobago, no meio do nada, eu tive que lidar com isso de uma forma pequena, mas também precisei me aplicar no que são os princípios que orientam a força de defesa em um Estado pequeno, em que queremos dar tudo para todos os cidadãos. Às vezes, é uma coisa pequena; às vezes, é uma coisa grande, mas isso formou a minha filosofia. Para mim é o mesmo para os militares em todo o mundo e tem a ver com a relevância para o Estado, essencialmente. Se você não tem relevância para o Estado, você é menos importante na segurança pública, qualquer que seja o contexto.
Em termos gerais, para um país de liderança global e hemisférica como o Brasil, é importante esse papel de liderança. E os militares ajudam nisso. É um lugar na mesa. Como país e como um dos líderes no hemisfério, é importante que os militares sejam algo chave para o posicionamento não só na região, mas globalmente.
É claro, em Trinidad e Tobago os multiplicadores de força são necessários para a maior parte das agências também. Também é o mesmo para o desenvolvimento da nação.
Isso me leva a um modelo muito simples, que eu estruturei. Digo, novamente, que esta é a minha visão. Muitos militares, mas também militares que são chave no hemisfério, como no Brasil, estão mudando nesse mundo complexo. De que capacidade precisamos? Porque a maior parte da guerra que enfrentamos agora é simétrica. Os militares precisam ser ágeis, precisam ser rápidos, e isso tem a ver com adaptar-se rapidamente ao ambiente, tem a ver com o tático e o operacional. Você precisa se redimensionar, porque convencionalmente os militares... Você não sabe bem como agir, então você precisa se planejar para garantir a habilidade de agir em escalas maiores ou menores, e, temporariamente, agir com agilidade para lidar com um cenário que surge. A adaptabilidade é mais estratégica. E todos os militares, para mim, para serem efetivos no mundo de hoje, têm que combinar essas capacidades básicas, porque sem elas é difícil lidar com a complexidade que define o mundo de hoje.
11:46
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As questões que estão em verde são as que eu chamo de orientadoras. Vocês não podem ter esse tipo de capacidade sem esses princípios orientadores: tecnologia, inovação, novas fronteiras. E eu vejo no Brasil que vocês têm uma indústria de defesa boa, vocês podem usar a tecnologia. Um país como Trinidad e Tobago precisa de parceiros maiores, de um país como o Brasil, que é maior. Isso pode ser desenvolvido aqui, pode ser encorajado, por crescer aqui, porque um multiplicador de forças muito grande no mundo de hoje é ter a sua própria tecnologia.
Ouvimos sobre organizações de aprendizado. Para os militares serem efetivos e relevantes, precisam estar à frente de uma organização de aprendizado. Significa potencializar a sua tecnologia para gerar boas práticas de informação e gestão de conhecimento também. Novamente, esse é um mundo de redes, e nenhum país pode lidar sozinho com isso. Os militares devem agir internamente com suas academias, suas indústrias. Devem ter parcerias com elas, mas também agir externamente com quem faz o melhor. Esse é um mundo sem fronteiras. As oportunidades são grandes, são vastas. Para um militar, ir de um lado para outro é fácil, para potencializar essas parcerias realmente.
O que eu descobri é que, para reagir a esse ambiente que surge, a legislação é o que realmente nos sustenta, num nível político também. O mundo é muito rápido, e às vezes a legislação e as políticas não se movem tão rapidamente. Vocês perceberão no meu próximo ponto que os líderes militares devem ver a importância do apoio político, para garantir que as políticas e as legislações estejam lá como pré-requisitos para que os militares possam se adaptar aos cenários que estão se modificando.
Por fim, mas não menos importante, digo que na maior parte dos Estados os cidadãos me perguntam sobre o valor dos militares. Até que se tenha uma crise, as pessoas questionam isso. A responsabilidade dos militares é garantir continuamente que meçamos o que fazemos e possamos justificar a nossa existência como militares, tanto em relação a investimentos quanto ao valor que geramos para a nossa sociedade.
Muito obrigado pela sua atenção. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Marcia da Gloria Stein Telemberg) - Nossos agradecimentos ao Almirante Hayden Pritchard.
Concedo a palavra ao Almirante Pedro de la Fuente, por 15 minutos.
11:50
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O SR. PEDRO DE LA FUENTE - Bom dia.
Para mim, é uma honra e um privilégio participar deste evento, Seminário Internacional: Desafios à Defesa Nacional e o Papel das Forças Armadas. Agradeço especialmente ao Sr. Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, Deputado Eduardo Bolsonaro, pelo convite a mim formulado. Da mesma forma, agradeço ao Sr. Marcelo Rech e ao meu amigo Prof. Dr. Salvador Raza, com quem compartilhei vários anos no Centro Perry, pela generosidade de se lembrarem de mim para participar deste prestigiado evento.
Confesso manter uma relação emocional com o Brasil desde o início da minha carreira naval, ainda mais por pertencer a uma geração de argentinos que conviveu, na sua juventude, com as músicas de Vinicius de Moraes, Maria Creuza e Toquinho, com os gols de Pelé e com as vitórias do Emerson Fittipaldi.
Minha primeira missão como oficial da Marinha foi uma viagem de instrução para guardas-marinhas na Marinha do Brasil. Não foi no imponente Navio-Escola Brasil ou no Navio Veleiro Cisne Branco, mas sim num navio de transporte de tropas adaptado chamado Custódio de Mello. Ao me designar para esta missão, o chefe de pessoal da Armada argentina me disse: "Você vai ao Brasil fazer amigos". Aquela viagem maravilhosa começou no carnaval do Rio e me permitiu conhecer lugares mágicos como Belém do Pará, navegar pelo Amazonas até Manaus, descobrir a praia de Itapuã, em Salvador, Bahia. Aprendi e logo esqueci o idioma português. Fiz amigos que mantenho até os dias de hoje, os quais reencontrei ao longo da carreira nas operações Fraterno, ATLASUL e UNITAS, como também nas numerosas demonstrações de amizade entre nossos queridos países.
Obrigado pela oportunidade de participar deste prestigiado evento.
Até aqui, o meu português me apoiou, mas agora me permitam continuar com o meu portenho espanhol. (Manifestação em língua estrangeira.) (Manifestação em língua estrangeira.)
11:58
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(Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.)
(...) de desenvolvimento de capacidades e capacitação. E se identificam dois planos de adequação de organizações militares e um plano nacional de infraestruturas críticas da defesa nacional.
Ao mesmo tempo, prevê-se, no orçamento, a designação de recursos para a aquisição de equipamentos de informática, com tecnologias avançadas. A agência se muda para uma nova sede e começa a trabalhar a incorporação do novo pessoal, incluindo a mudança de carreira para os militares.
Todos esses passos pretendem estabelecer capacidades com as quais o país não contava e configuram uma transformação no âmbito da defesa, que tem correlação com a capacidade de desenvolvimento da Secretaria de Modernização, que se ocupa da infraestrutura crítica da informação e da coordenação com as outras agências governamentais que trabalham com os aspectos de criminalidade no ciberespaço.
Como as posições de aspectos de colaboração no meu caso terminaram com a amizade duradoura, deixe-me terminar com outro exemplo de colaboração entre os Ministérios da Defesa da Argentina e do Brasil: a recente declaração de intenção sobre assuntos de defesa que (...)
(...) estudar as oportunidades de cooperação combinada para a vigilância do Atlântico Sul; aprofundar a cooperação na área de submarinos convencionais; avançar em acordos para o desenvolvimento e modernização de aeronaves militares; e explorar possíveis vias de cooperação na Antártida.
Como garantiremos o êxito dessas transformações? Um artigo recente sobre transformação militar, publicado pelo Joint Force Quarterly no ano passado, argumenta sobre o processo de oito passos para liderar a transformação que pode ajudar as Forças Armadas a alcançar seus objetivos de longo prazo. Toma como exemplo a transformação nuclear iniciada nos Estados Unidos, sob o comando do Almirante Rickover. Isso cria um critério de urgência. Isso tem que ser iniciado, para formar uma poderosa coalizão guiadora, buscando aliados que tenham pesos próprios; criar uma visão para a mudança que seja atrativa, realista e desafiadora; comunicar essa visão para que seja aceita e tomar isso de maneira própria; empoderar os outros para atuar, gerando uma massa crítica para promover essa transformação; planificar e planejar, a curto prazo, pequenas vitórias que entusiasmem e convençam, consolidando melhoras e produzindo mais mudanças; gerar tendências virtuosas; e, finalmente, institucionalizar a mudança da cultura da organização para que isso seja irreversível.
12:02
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Nas palavras de Kotter, como nossos países passam por transformações na área da defesa, e é importante que tenhamos êxito, precisamos saber que a liderança está intimamente relacionada à mudança. À medida que a velocidade da mudança se acelera, existe naturalmente uma maior necessidade de liderança, qualidade que, creio, corresponde aos alinhamentos e às atribuições desta Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Márcia Gloria Stein Telemberg) - Agradeço ao Contra-Almirante Pedro de la Fuente.
Convido para a próxima apresentação o Comandante Edgardo Cristian Acevedo Pérez, que tem 15 minutos para a sua exposição.
O SR. EDGARDO CRISTIAN ACEVEDO PÉREZ - Muito bom dia.
Para mim, é um privilégio ter a oportunidade de compartilhar uma visão de transformação das Forças Armadas do Chile, com experiências que vêm da prática, que vêm do campo. Minha exposição tem por título o apresentado na tela, mas, para não correr o risco de esquecer ou de perder os conceitos, vou fazer minha exposição em espanhol. Desculpem-me.
(Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.)
Falarei sobre a participação das Forças Armadas do Chile em apoio a catástrofes e emergências.
Se existe algo que o Chile tem mais do que vinho são experiências em grandes catástrofes. Gostaria de começar a minha apresentação com as palavras de um filósofo grego que, desde o passado, recorda-nos claramente que a realidade pode bater muito forte em nós, já que um planejamento, se não for praticado, não é válido.
A minha apresentação vai desenvolver os quatro pontos que estão na tela, e espero conseguir fazê-lo em 15 minutos, conforme estão me pedindo.
Para contextualizar o que no Chile entendemos como catástrofes e desastres naturais, eu trouxe, como exemplo, três casos em que as Forças Armadas tiveram que se envolver, seja nos diferentes processos de avaliação, seja nos processos de resgate, o que nos ajudou muito na reestruturação do Sistema Nacional de Prevenção e Proteção Civil.
12:06
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O primeiro caso que vocês veem é o resgate de 33 mineiros que ficaram presos a mais de 700 metros de profundidade por mais de 70 dias. Tivemos que fazer um esforço multidisciplinar e intersetorial para ver se estavam vivos e, quando descobrimos que, graças a Deus, estavam, precisamos descobrir como tirá-los de lá.
Vocês podem ver na foto os últimas cinco a sair da mina. Mais da metade das pessoas envolvidas no resgate eram das Forças Armadas. Foram escolhidos para ir até lá, tirar os mineiros de lá e foram os últimos a sair. O último a sair foi um membro da Armada do Chile. Ele é um enfermeiro naval, com grande capacidade, com treinamento em submarinos. Por isso, ele foi o último a sair.
(Segue-se exibição de imagens.)
Outro exemplo que trago é o incêndio de Valparaíso. Vocês veem, no centro da tela, onde ocorreu o desastre. O problema foi, obviamente, combater esse desastre, controlá-lo e depois fazer a reconstrução.
E o último exemplo para contextualizar o que nós compreendemos como desastres naturais são os nossos tsunamis e terremotos. Esta foto mostra o centro da cidade de Talcahuano no dia seguinte ao tsunami e ao terremoto 8.8 que ocorreram em 2010.
Fazendo um resumo, somente no período de 2010 a 2015, vemos na tela acontecimentos naturais que nos fazem lembrar que vivemos num país instável. Há milhares de pessoas nas Forças Armadas; assim, um planejamento que não seja praticado, que não seja levado a cabo, junto com um trabalho multissetorial, com alistamento de civis e de governos, não serve, como a realidade nos ensinou. É preciso um processo contínuo de melhorias.
Continuando o alinhamento do que se entende por gestão de risco, nós defendemos, no Chile, que existem dois tipos de ameaça: uma ameaça natural, como vocês veem na tela, obviamente terremotos, tsunamis; e outra causada por alguma ação direta ou indireta do ser humano, por exemplo, quando os mineiros ficaram presos. É importante definir claramente as ameaças, porque, se não formos capazes de fazer isso, dificilmente o esforço que vier a seguir será efetivo. O planejamento, o treinamento, os meios que serão aplicados, os planos que vamos fazer, se não tivermos bem definidas as ameaças que teremos que enfrentar como país, não funcionarão.
Daí nasceu o Sistema Nacional de Proteção Civil. Ele é antigo. É um processo que aprendemos com as pancadas da natureza. É um processo de constante renovação. O Sistema Nacional de Proteção Civil é baseado na lógica de gestão de riscos de desastres e tem três pilares fundamentais: a prevenção, a resposta e a reconstrução. Diferentes atores do Chile, passando pela sociedade civil, Forças Armadas e ONGs, têm obrigações muito particulares para desenvolver tarefas em cada uma dessas fases.
12:10
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Nós aprendemos com os anos que o esforço principal deve estar voltado para a prevenção —educar a população. No Chile, por exemplo, hoje não há ninguém que não saiba que, durante um abalo sísmico em que caímos e seja difícil levantar, a possibilidade de um tsunami é real. Portanto, há uma necessidade real de evacuação. Isso a pessoa sabe.
Sabemos que temos um sistema de comunicações. Diante de terremotos em que a luz é cortada, em que o sistema de televisão deixa de funcionar, nossos sistemas estão desenhados para suportar mensagens. Então, ninguém satura as capacidades de comunicação tentando efetuar uma chamada telefônica. Todo mundo já sabe que tem de mandar mensagem. E o sistema funciona. Não é perfeito, mas é robusto. Conseguimos isso educando a sociedade.
Nosso Sistema Nacional de Proteção Civil é flexível, descentralizado. Funciona com bottom up e bottom down. O ente principal que coordena, que assessora, que conduz os esforços, é a ONEMI, como vocês veem aqui na tela. A fortaleza da ONEMI é que está em todos os níveis dentro do sistema, desde a municipalidade até o Ministério do Interior, e trabalha de forma matricial com todos os organismos que contribuem com informações, com assessoramento técnico ou com meios, como as Forças Armadas, para cumprir o planejamento.
É indiscutivelmente um pilar fundamental dentro do planejamento, como bem sabem todos os meus companheiros de armas e que vestem uniformes, a iniciativa. Se não há iniciativa, dentro de uma doutrina comum, nós vamos ficar parados, olhando um para a cara do outro, como os Srs. Deputados olham para mim.
Portanto, posso apresentar a nossa estrutura da seguinte forma na tela: à esquerda, há uma estrutura que eu já mencionei, bottom up, bottom down, com cada um dos participantes; na parte direita, vemos o ciclo de gestão de risco e como ele funciona, de forma matricial, com cada um dos integrantes que têm responsabilidades e deveres para a proteção civil. Como mencionei, é na prevenção que concentramos o maior esforço.
Onde entram as Forças Armadas neste sistema complexo, grande, que abrange toda a capacidade nacional? Cada um dos ramos das Forças Armadas contribui com meios, capacidades, conhecimentos, processos de decisão que estão desenhados para, talvez, em um ambiente mais complexo, evitar o que todos nós queremos evitar: um conflito armado. Mas cada Estado investe muito tempo e dinheiro para que suas Forças Armadas, do seu ponto de vista, sejam as melhores em ter a capacidade de análise e processos de tomada de decisão e condução em ambientes de alto estresse operacional. No Chile, isso é o que cabe a um coordenador que, no nosso caso, está no conjunto da defesa.
Como vocês podem ver, o ente executor e coordenador contribui, com seu nível de conhecimento, nessas áreas que aparecem na tela, de cima para baixo: obter e sistematizar a informação, assessorar o Ministério da Defesa Nacional, organizar e equipar os comandos móveis. Nós podemos ter, por exemplo, um posto com grande tecnologia, mas temos de ter muito internalizada a capacidade de mobilização e nos adaptar à realidade que temos à frente.
12:14
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Uma das coisas importantes que nós aprendemos é que cada instituição, como vão ver mais à frente, tem capacidades instaladas. Por exemplo, o Centro de Alerta Temprana constitui a Armada do Chile, através do seu Serviço Hidrográfico e Oceanográfico, que tem a responsabilidade pelo Sistema Nacional de Alerta de Tsunamis e Maremotos, com grande conhecimento técnico, e que opera 24 horas por dia, todos os dias.
Quando avaliamos se a ameaça vai ser real ou não, atualmente, com os níveis que conseguimos implementar no Chile e com a experiência adquirida, o Centro de Alerta Temprana tem 3 minutos para que o ONEMI, o ente coordenador geral, soe o alarme. Por exemplo, no Chile, todos os nossos celulares, se efetivamente há um nível de risco, vão deixar de fazer o que estavam fazendo. Vai aparecer um alarme para todo o país e para cada um vai ser dito: "alarme de tsunami". Não é necessário dizer o que é preciso fazer depois. Se você está na praia, e o teu telefone toca... O sistema é robusto e funciona. Queremos dizer que foi aprendida essa lição.
Cada um dos elementos da defesa aporta seu conhecimento técnico. Dessa maneira, cada um dos ramos participa, de forma ativa, no ciclo da gestão de risco.
As capacidades próprias vão ter uma preponderância na segunda e na terceira fase do ciclo, ou seja, na resposta e recuperação, porque são quem tem os maiores modos de treinamento, são os mais preparados para tomar decisões em ambiente de estresse operacional. Com o tempo, nós aprendemos que cada uma das ramificações das Forças Armadas tem muito o que dizer na fase de prevenção, na educação do Chile.
Aqui meus amigos vão rir, os adidos militares do Exército, porque eu estou me aproveitando do Exército como marinheiro. Mas a Marinha do Chile tem muita educação, sobretudo, com os habitantes da costa, porque está muito arraigada na terra, vive em áreas que nós delimitamos como áreas de alto risco. Essa pessoa tem que entender que mora numa área que tem grande probabilidade de morte. Portanto, é necessário compreender e internalizar, no seu sistema de vida, quais são os cenários que enfrenta e quais são as ferramentas que possui para se proteger. Esse é o conceito de autocuidado, que abrange diversas áreas.
Eu acho importante trazer aqui que o Sistema Nacional de Proteção Civil, com a estrutura que tem, possui duas grandes fases: quando o sistema está atuando ou quando ainda não foi acionado.
Há duas situações que vão dar atribuições e responsabilidades legais aos que tomam as decisões. Ou seja, se o condutor político determina que a área de catástrofe não requer uma mudança de estamento constitucional, a estrutura é mantida como está. Se, pelo contrário, o desastre for muito grande, porque, como eu mencionei, nossa estrutura é flexível, não é centralizada e é baseada nas capacidades que cada um possui, poderá ser decretado pelo Presidente da República Estado de Exceção Constitucional. Isso é importante, porque dá a responsabilidade legal e as atribuições ao condutor militar que está pré-designado, antes que ocorra qualquer coisa. Na prática, no Chile, a cada início de ciclo anual as ordens assinadas pelo Presidente estão prontas, portanto, cada condutor de uma tragédia — Deus não queira! — numa área específica, no caso de ocorrência de um acontecimento de tal magnitude que se prevê uma mudança da ordem constitucional, já sabe e tem muito claro pelo que ele é responsável.
12:18
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Nós percebemos, com a experiência dos lamentáveis exemplos mostrados, que nós economizamos muito tempo na geração de recursos, de materiais e na tomada de decisões. Isso já está pronto. Portanto, quando nos centros de operações de defesa são gerados os alarmes preventivos, quando todos nós nos olhamos e dizemos, "bom, pode ser que aconteça algo", o sistema já estará funcionando. Se juntarmos tudo, é mais ou menos visto desta forma, como vocês veem, bottom up, bottom down.
Acreditamos, sinceramente, que é um sistema flexível, que é redundante, e não confiamos que estejamos preparados. A premissa básica é de que há um processo de melhoria contínua.
Eu já mencionei que identificamos que as Forças Armadas têm capacidades perfeitamente utilizáveis em áreas que vão além da sua área de visão da defesa, e são essas as que temos aqui no Chile identificadas e de que o Sistema Nacional de Prevenção Civil está de posse.
Farei minhas reflexões finais muito rapidamente.
A mudança climática é um fato, é uma realidade, e as Forças Armadas, que estão ao longo de todo o território, são um fator que serve muito para podermos saber como a mudança climática pode afetar as áreas que já temos definidas como de alto risco, com o descongelamento... Bom, vocês já sabem. Portanto, já temos gente para todos os lados do território, com sensores.
Já mencionei o fato de termos gente de alta qualificação para o processo de tomada de decisão em alto estresse operacional.
Finalmente, o que eu coloquei na tela nos serve para verificar que os tomadores de decisões e os seus times, nos quais foi investido muito tempo, possuem a prática real de simular um cenário em que o país tem suas capacidades logísticas cortadas, sem luz ou água, sem saber quantas pessoas estão perdidas ou — Deus não queira! —, falecidas, um cenário mais próximo da realidade, no qual o Estado tenha que empregar as suas Forças Armadas. Então, esse cenário nós usamos para uma visão interna de treinamento.
12:22
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Como profissional da guerra, não posso terminar sem mencionar Sun Tzu, afinal, o que é mais certo do que o que está na tela? A arte da guerra nos ensina não a confiar que o inimigo talvez venha; a arte da guerra nos ensina a nos preparar para poder recebê-lo quando ele chegar.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. COORDENADORA (Marcia da Gloria Stein Telemberg) - Agradeço aos nossos expositores, que prestaram valiosas contribuições nesta manhã, e uma vez mais, agradeço ao público aqui presente.
Peço a todos que permaneçam nos seus assentos, pois, daqui a 5 minutos, terá início o segundo painel do seminário, intitulado Crime Organizado Transnacional e Segurança Nacional.
Está encerrado este painel.
(Pausa prolongada.)
12:26
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O SR. APRESENTADOR (Edilson Holanda Silva) - Senhoras e senhores, tem início agora o segundo painel do seminário intitulado Crime Organizado Transnacional e Segurança Nacional.
Para atuar como mediador deste painel, temos a honra de convidar o Prof. Ricardo Seitenfus, que é ex-Adido Científico e acadêmico da missão do Brasil junto às Nações Unidas e foi representante especial da Secretaria-Geral e Chefe do Escritório da Organização dos Estados Americanos no Haiti, de 2009 a 2011, e na Nicarágua, de 2011 a 2013.
Passo a palavra e a condução dos trabalhos ao Prof. Ricardo.
O SR. COORDENADOR (Ricardo Seitenfus) - Bom dia a todas e todos.
Senhoras e senhores, tem início agora o segundo painel deste seminário intitulado Crime Organizado Transnacional e Segurança Nacional. Nele pretende-se refletir acerca dos desafios que se impõem às forças de segurança ante a uma criminalidade altamente organizada que institui verdadeiros, entre aspas, "Estados paralelos", zonas de controle territorial e leis próprias, desafiando nações e autoridades estabelecidas.
12:30
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Destaco que este seminário está sendo realizado em parceria com o Instituto de Relações Internacionais e Defesa — InfoRel —, ao qual agradeço pela relevante colaboração.
Para compor este painel, convido à mesa os seguintes palestrantes: o Coronel da Reserva do Exército Brasileiro Fernando Montenegro; o Coronel da Reserva do Exército da Colômbia John Marulanda; e a Especialista em Segurança e Defesa no Paraguai Sônia Barero.
Fernando Montenegro, Coronel da Reserva do Exército Brasileiro que liderou as Forças Especiais, é especialista em segurança e Pesquisador do Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa, em Portugal, onde também, atualmente, cursa Doutorado. Tem a palavra o nosso expositor.
O SR. FERNANDO MONTENEGRO - Na pessoa do Exmo. Sr. Brigadeiro do Ar Ary Soares Mesquita, meu colega de turma do Colégio Militar de Brasília, Coronel Aluno, saúdo todas as autoridades aqui presentes.
Inicio as minhas palavras agradecendo a distinção do convite para retornar a esta Casa.
Como este é um tema vasto e complexo, eu prefiro dizer que venho aqui apenas compartilhar um pouco a minha ignorância.
(Segue-se exibição de imagens.)
Dependendo de onde ocorre, um mesmo fato pode despertar muita ou quase nenhuma sensibilização nas pessoas. Os fenômenos ligados à violência e à criminalidade não poderiam ter situação diferente. Assim sendo, eu quero provocar uma reflexão sobre alguns modelos interpretativos para que nós possamos usá-los na análise do crime organizado transnacional. Eu considero interessante falar sobre percepções, tipologias, objetivos e metodologias desses atores assimétricos.
Também adianto que serei desconstrutivo, visando provocar reflexões e novos enfoques, abordando multidisciplinaridade, consiliência, novas tecnologias e pensamento crítico, como forma de compreender as ameaças que nos rodeiam e encontrar uma melhor forma de resposta.
Tal como o terrorismo, organizações criminosas atacam a autoridade estabelecida, a comunidade internacional e a ordem mundial, enfraquecem as instituições do Estado, atuam transfronteiriçamente e interligam-se em benefícios mútuos. Até poucas décadas atrás, terrorismo e criminalidade eram temas tratados separadamente. Por diversas vezes, ao lidar concretamente com alguns deles, havia essa divisão entre as duas temáticas.
Somente no final da década passada, passaram a ser identificadas uma convergência e uma hibridização entre esses dois flagelos. Assim sendo, passou-se a realizar uma abordagem sistêmica abrangendo ameaças em uma outra perspectiva que permitisse enxergar as coisas que, de forma isolada, seriam impossíveis alcançar.
Vou começar abordando a definição da ONU na Convenção de Palermo, em 2000, que, para mim, pouco nos ajuda em relação a essa ameaça transversal. Considerando que uma definição é sempre uma construção de limites, entendo que ocorre um risco de algo ficar de fora, e, com esse algo que fica de fora, o entendimento e a compreensão sobre o fenômeno podem ser prejudicados. E foi exatamente isso que os especialistas passaram a sentir em relação ao crime organizado transnacional e ao terrorismo.
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O paradoxo é que nós nunca conseguimos tratar uma realidade sem que ela tenha uma definição. Isso é para lembrar que essas são as definições da ONU e da União Europeia. Com isso, eu quero dizer que essa definição é insuficiente para descrever a complexidade desse fenômeno e abranger as diferentes tipologias. Basta pesquisar os índices dos livros. Enfim, há uma grande variedade de tipologia de crimes, todas incluídas nessa grande categoria de crimes chamada "crime organizado transnacional". Normalmente, vemos listados tráfico de armas, tráfico de drogas, crimes ambientais, contrabando, roubo de cargas, corrupção geral e na política.
Para os profissionais da Justiça, segurança, inteligência e militares que trabalham na prevenção dessa ameaça, esse conceito não ajuda muito. Por isso eu prefiro fazer uma desconstrução das nossas gavetas analíticas que condicionam as divisões orgânicas em cada uma das instituições vocacionadas para tratar desses temas. Dessa forma, quando formos analisar um fenômeno, tenhamos o cuidado de juntar as várias peças que podem contribuir para uma melhor interpretação da ameaça que analisamos e que, no fundo, acontecem no contexto psicossocial próprio.
Eu considero interessante observar alguns dos indicadores-chave que a EUROPOL usa para fazer a visualização dos cenários futuros e identificar as novas tendências para o crime organizado. Esses indicadores seriam a proliferação de moedas virtuais, transição demográfica, adensamento de cidades, nanotecnologia e robótica, desigualdade econômica, e também condições de transporte e logística, comercialização de dados, disputas por recursos naturais e descarte de material informático.
Dessa forma, verifica-se que há uma diversificação crescente de novos métodos e de infraestruturas dos métodos dos grupos de crime organizado, como o uso ilícito da Internet, por exemplo. Criptomoedas são usadas para movimentar dinheiro sujo, e hackers criminosos se conectam com o jornalismo militante para realizar pressões até mesmo no nível político, como ocorreu no caso recente da invasão dos celulares dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Essas são algumas novidades em relação às décadas anteriores, sinal de novos tempos. Ou seja, a sociedade evoluiu, tornou-se mais tecnológica, e os grupos de crime organizado acompanharam e tornaram-se mais especializados.
É interessante observar que várias organizações são policriminais, ou seja, dedicam-se a várias atividades delinquentes, com grande capacidade para encontrar novos mercados ilícitos, como crédito de carbono, tráfico humano, biopirataria, garimpo ilegal. Outro detalhe relevante é que a relação entre as organizações criminosas também pode ser colaborativa, porque é outra forma de poupar recursos.
Essas organizações criminosas também são resilientes. Isso significa que, mesmo que nós consigamos atacá-los em algumas partes, os atores têm capacidade de se modificar e se apresentar de outra maneira. Portanto, a resiliência é uma forma psicológica de adaptação a grandes dificuldades, com especialização crescente.
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Provavelmente, assistiremos a uma rede criminosa globalizada, virtual e clandestina, integrada por empresários delinquentes. Modelos de negócios predominantes estarão estruturados num comércio ilegal, fundamentado na prestação de uma ampla gama de produtos e serviços.
Vamos prosseguir com as provocações. Uma das caracterizações mais usadas sobre os tempos atuais surgiu no início dos anos 90, durante a Guerra do Golfo. Os militares americanos usaram o acrônimo VUCA — volátil, incerto, complexo e ambíguo — para caracterizar o cenário daquele conflito. Depois disso, esse termo de origem militar ganhou as universidades e o mundo corporativo.
Para esse mundo VUCA, os novos líderes e dirigentes das diversas instituições com responsabilidade necessitam ter visão, compreender o sistema e o mundo como está funcionando agora, ter clareza e objetividade de pensamento, e saber agir rapidamente em um ambiente colaborativo. Acho que todo mundo já percebeu que nós não conseguiremos chegar a lugar nenhum sozinhos e que precisaremos cada vez mais da colaboração de parceiros.
Vamos ver agora a confirmação do que temos tratado. Vejam alguns indicadores do relatório da INTERPOL sobre a União Europeia em 2017. O crime organizado, como qualquer outro fenômeno social, está intimamente ligado às condições que o rodeiam. Ele não acontece isoladamente, mas ocorre nas circunstâncias particulares no tempo e no espaço. As condições sociais, políticas, tecnológicas, ambientais, legais e econômicas têm uma influência decisiva na forma como o crime se manifesta.
Esta é uma notícia relativamente recente que mostra a transnacionalidade do fenômeno que estamos tratando: Traficante colombiano procurado no Brasil é preso na Espanha. Ao desconstruirmos essa notícia, observamos a transnacionalidade dessa ameaça. Temos diversos países afetados. Isso quer dizer que, se as nossas polícias e os nossos serviços de inteligência têm âmbito nacional, só conseguindo agir dentro das fronteiras do Estado, e se não colaborarem com as autoridades de outros Estados, não podem dirimir o crime organizado transnacional. Então, se os países não ajustarem os mecanismos, o que pode acontecer é, se um país conseguir diminuir os índices de criminalidade devido à maior pressão securitária, eles moverem-se para outro Estado.
Outra notícia: Mafioso mais procurado da Itália foi preso no Uruguai após fugir por 23 anos. Mais uma vez nós vemos a transnacionalidade e o tempo que levou até uma pessoa ser presa, com envolvimento do Uruguai e da Itália, e um passaporte falso de Portugal, com o registro do local de nascimento em Angola, sendo usado pelo crime organizado para atuar. Isso significa que a falsificação de passaporte, que poderia ser vista como um crime comum ou um crime ordinário, caso tenha a sua taxa aumentada, pode ser um indicador do crime organizado transnacional. Portanto, não podemos considerar a falsificação do passaporte e outros documentos apenas como uma coisa lateral. Isso precisa ser analisado de forma sistêmica.
Nesse sentido, a abordagem sistêmica, ou seja, encarar a criminalidade organizada transnacional como um ecossistema complexo e adaptativo, implica que tenhamos uma percepção similar a esse eslaide. Várias unidades estão interagindo entre si, e todas com um sistema de feedback. Daqui podemos tirar algumas ilações. Se nós estivermos aprofundando somente uma dessas caixas, quer dizer que estamos agindo apenas como jornalistas e, provavelmente, não estamos identificando qual é a perspectiva que o Estado e a sociedade estão tendo. A sociedade pode ter uma percepção de insegurança muito grande enquanto o Estado pode ter uma apreciação de segurança muito grande. Portanto, essas perspectivas e apreciações podem não ser confluentes.
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Vejamos o infográfico desse ecossistema criminoso chamado pela revista Superinteressante de "Amazônia Ilegal". Precisamos ver quais são as organizações criminosas ativas nessa área e suas respectivas características, como elas se organizam, quais as atividades principais e quais as atividades secundárias. Depois disso, procuramos ver a permeabilidade dos órgãos de segurança pública e dos agentes do Estado e a sua presença nas esferas financeira e industrial.
Em relação à violência propriamente dita, eu creio que vale a pena diferenciar as guerras entre Estados nacionais, quando toda uma infraestrutura está voltada para destruir o inimigo, e os conflitos assimétricos que predominam no cenário da guerra de ilação no século XXI. Chamou-me atenção um estudo recente desse professor de Harvard, que nos apresenta uma luz no fim do túnel. Entre outras coisas, ele concluiu nesse livro que, apesar de todo o bombardeamento da grande mídia em falar que a criminalidade invadiu as cidades, na verdade a violência diminuiu muito no mundo, e as guerras matam cada vez menos gente. Ele identificou que, nas democracias com instituições sólidas, o monopólio do uso legítimo da força pelo Estado é o melhor instrumento para controlar a violência.
Essa revista do primeiro semestre de 2018 registra a mesma percepção do Prof. Steven Pinker sobre redução de mortes violentas e acrescenta mais alguns detalhes. Mesmo com guerras no Congo, Síria e Iêmen, os confrontos entre países e dentro deles estão se tornando menos comuns e menos letais. Entretanto, nem tudo são flores. Algumas cidades de países em desenvolvimento, como Brasil e México, por exemplo, estão mergulhadas numa onda de violência e assassinatos. A verdade é que, das 560 mil mortes violentas intencionais em todo o mundo registradas em 2016, apenas 18% foram em guerras, e 68% foram causadas por assassinatos. O homicídio vem caindo em países ricos e desenvolvidos, mas atormenta a América Latina e está começando a subir em parte da África Austral, Oriente Médio e Ásia. É comum e natural ver os países fazerem um grande esforço coletivo para impedir guerras. Imaginemos se fizessem o mesmo esforço para deter assassinatos!
Uma outra abordagem que eu considero muito importante registrar é sobre os níveis de decisão e atuação que existem e permeiam todas as atividades. Nesse caso, isso é transversal ao crime organizado e todas as outras áreas. Muita gente não tem nenhuma percepção sobre isso, o que também serve para compreender a importância da integração nos diversos níveis. No meu entendimento e de vários outros profissionais, as tentativas de estabilização do Rio de Janeiro com o projeto das UPPs e as primeiras forças de pacificação do Exército — inclusive, eu participei delas —, que operaram na garantia da lei e da ordem na ocupação do Complexo do Alemão, da Penha e da Maré, atuaram apenas no nível tático e operacional.
A ONU vem conduzindo com relativo sucesso operações de estabilização de áreas porque utiliza o conceito de abordagem integrada, abrangendo todos os níveis e obedecendo a uma unidade de comando.
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Nós não tivemos, no Rio de Janeiro, atuação concreta no nível estratégico e político. Uma grande maquiagem direcionada a fins eleitoreiros acabou por reduzir significativamente os investimentos em projetos socioeconômicos. Militares e policiais carregaram o piano sozinhos, com um enorme desgaste. O péssimo exemplo oriundo do mais alto escalão dos três Poderes da República e transversal aos níveis federal, estadual e municipal contaminou grande parte da máquina pública, e as corporações policiais não ficaram imunes a isso. Os reflexos desse ecossistema criminoso altamente adaptativo que também possui conexões internacionais foi uma situação de quase caos no Rio de Janeiro, o que acabou conduzindo o Presidente da República a realizar uma intervenção federal na segurança pública daquele Estado.
Eu considero que, quando o crime organizado atinge o nível político de uma esfera nacional, ocorre a pior situação política e a mais difícil de se reverter, podendo comprometer inclusive os pilares de um país democrático por causa do aparelhamento do Estado.
Vamos comentar uma situação no nosso vizinho, a Bolívia, país de onde vem a maior parte da cocaína do Brasil e com o qual temos a maior faixa de fronteira, atingindo 3.400 quilômetros. Vejamos a diretriz do Governo boliviano publicada no dia 16 de janeiro de 2016. Foi criada, nada mais nada menos, uma escola anti-imperialista compulsória para promover uma doutrinação política ideológica nos militares e condicionantes às promoções de carreira, atitude apoiada por alguns dos nossos Parlamentares brasileiros e omitida pela imprensa marrom brasileira. Como se não bastasse, unidades militares bolivianas estão sendo batizadas de regimentos ecológicos, com a função de controlar cultivos de coca. Não me parece ser mera coincidência que isso tenha ocorrido poucos meses depois dessa resolução do Partido dos Trabalhadores ao dizer que falharam em não conseguir interferir nos currículos das escolas militares brasileiras. Eu creio que, com o alerta da deflagração do processo de impeachment da ex-Presidente Dilma, o Presidente Evo Morales tenha acelerado esse processo como forma de se perpetuar no poder, à semelhança do que ocorre na Venezuela.
Eu quero destacar que não estou promovendo nenhuma associação direta do antigo Governo brasileiro com o narcotráfico. Mas também não estou negando. Apenas me refiro à criação de mecanismos de controle sobre carreiras de Estado, subordinando-as a uma política partidária ideológica de sequestro do poder. Minha ideia é provocar questionamentos e ligação entre eventos num contexto global. O que eu quero registrar é que, quando o crime organizado atinge o nível político, os danos a uma Nação são muito piores e demorados de se reverter, principalmente porque são capazes de usar a máquina de propaganda para produzir uma vacina cognitiva capaz de promover uma hipnose coletiva na percepção de torcida de muita gente.
No caso brasileiro, atingimos recordes macabros em vários índices que eram as principais bandeiras políticas dessas pessoas. Atingimos os piores índices da história na área da educação, os piores indicadores de qualificação profissional, o maior índice de desemprego já registrado, e os índices de violência superaram conflitos na África e Oriente Médio.
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Por fim, por causa do tempo — peço desculpas porque eu me preparei para falar por 20 minutos, mas me deram 15 minutos —, quero caracterizar as palavras de um colega meu da Polícia Militar da Paraíba: "Os bandidos que mais nos incomodam nós chamamos de pés de chinelo, mas os mais perigosos nós chamamos de Vossas Excelências".
Muito obrigado. Boa tarde. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Ricardo Seitenfus) - Cel. Fernando Montenegro, desculpe-me cortar sua palavra, que foi tão importante que a colega aqui do lado pediu para ser a seguinte a fazer a apresentação, de certa, dando continuidade à sua percepção aqui transmitida.
Eu queria dizer, antes de passar a palavra à Sônia, duas palavrinhas sobre a questão do crime organizado transnacional. A primeira é sobre o aspecto do intercruzamento entre política e economia, entre partidos políticos e empresários. Nós vimos, nesses últimos anos, que efetivamente isso é algo novo e que a definição da Convenção de Palermo abre uma porta para o crime econômico mas não abre para o político. E nós vemos que, a partir da experiência brasileira, que tem uma dimensão em todo caso latino-americano e caribenho, houve, sim, uma conjunção entre empresariado, portanto a economia, e políticos, portanto partidos políticos, que tocava a política externa desses países — muito especialmente a do Brasil.
Pela primeira vez na nossa história, nós apresentamos um projeto de política externa juntamente com um talão de cheques — só que o talão de cheques veio muito manchado, como várias operações já demonstraram.
A segunda observação que eu queria fazer de certa forma o Ministro da Defesa mencionou rapidamente na apresentação dele. Trata-se do nosso caráter sui generis de país. Nós temos um perímetro de 23.127 quilômetros. Desses, 7.408 quilômetros são fronteiras marítimas. E aí vêm as 12 milhas, as 200 milhas, enfim. As fronteiras terrestres somam 15.719 quilômetros. São dimensões inimagináveis. Mas, no que diz respeito às fronteiras terrestres, é muito importante notar que a doutrina clássica sobre segurança fronteiriça faz uma distinção entre fronteiras de fácil e de difícil acesso. A ideia sempre foi que as fronteiras de difícil acesso eram as mais seguras. Por isso houve, no caso da nossa estratégia de defesa nacional, do ponto de vista histórico, a concentração da defesa nas fronteiras de fácil acesso do sul do País, e as fronteiras de difícil acesso, que representam mais de 12 mil quilômetros, não ficaram desguarnecidas, mas não receberam importância devida.
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Com as transformações advindas da chamada globalização, sobretudo das telecomunicações e da telemática, nós vemos que as instituições do Estado andam de carruagem ou andam a cavalo ao passo que o crime organizado vai de jatinho. Essas fronteiras que eram impermeáveis se transformaram em fronteiras permeáveis. Por isso, um dos nossos grandes problemas é reestruturar essa defesa nacional, levando em consideração essa nova situação em que as fronteiras que foram historicamente seguras hoje não são mais.
Eu passo a palavra imediatamente para a Sônia Barero, que dispõe de até 15 minutos, não mais do que isso, para a sua exposição.
A SRA. SÔNIA BARERO (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Bom dia. Estou muito contente em estar neste interessante e importante fórum.
Eu quero agradecer aos Srs. Deputados, aos Srs. Senadores, aos senhores do Corpo Diplomático, aos senhores convidados especiais e principalmente ao Dr. Salvador Raza, que me convidou — através dele, recebi o convite. Trabalhamos com o Dr. Raza no Paraguai, no auxílio militar nos anos posteriores à ditadura, com muito êxito, para aproximar posições que naquele momento eram muito difíceis de se aproximarem.
Eu gostaria de abordar uma visão do setor privado. Sou diretora-executiva de políticas públicas de uma organização chamada Líderes para o Desenvolvimento, uma instituição muito nova que articula o setor privado do Paraguai para fortalecer as políticas públicas do Estado, principalmente na área de segurança. Seus outros eixos são a reforma eleitoral, a reforma judiciária, a governança, a gestão pública, o gasto público, mas principalmente segurança. Estamos trabalhando no entendimento de que não há desenvolvimento sem segurança. Também estamos atuando na promoção de novas lideranças para projetar o Paraguai do futuro.
O nosso primeiro projeto é muito ambicioso. Estamos tratando de comprimir os prazos pela situação das nossas instituições. Estamos aportando, com assistência técnica e com espaço neutro para o diálogo, na renovação de todas as instituições de segurança do país.
Estamos tendo um excelente relacionamento com o Poder Executivo. Estamos buscando consensos com diferentes bancadas de diferentes partidos no Poder Legislativo e estamos trabalhando juntamente com o setor privado para que entendam que a política de segurança e a política de defesa são responsabilidade de todos e que o êxito e o bom funcionamento também beneficiarão a todos como uma nação.
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Uma premissa fundamental no projeto é que, sempre que se termina uma era ditatorial, nós temos que nos aliar com as forças públicas, fortalecê-las e apoiá-las, para que a democracia possa mostrar seu lado positivo, que é a busca pelo desenvolvimento individual e, como País, pela liberdade.
Nos 2 primeiros anos, nós estamos trabalhando em renovar todo o marco legal, para que as leis respondam às necessidades atuais de segurança do Paraguai. Elas estão muito ultrapassadas. Depois da época de transição, nunca foi feita uma reforma profunda. Isso é o que nós estamos tentando fazer agora, para que respondam aos desafios e também às ameaças.
Nossa principal ameaça hoje é o crime organizado em suas diversas manifestações: o narcotráfico, o tráfico ilegal de todo tipo, o contrabando. E a consequência desses ilícitos é a lavagem de dinheiro e a corrupção, que também tem caráter de ameaça.
Esse projeto está sendo financiado exclusivamente pelo setor privado do Paraguai. Estamos dando um suporte técnico e conceitual para essa transformação e estamos buscando ser um canal de interlocução das forças junto à cidadania.
Nós tivemos que fazer um diagnóstico no princípio do projeto. Nós tivemos oportunidade de percorrer todo o País, falando com os provedores dos serviços de segurança em todo o setor público e também falamos com os usuários e com o setor privado. Estamos trabalhando muito próximos, com a cooperação de países amigos, muito próximos à inteligência do Brasil, da Argentina, da Colômbia. Nós temos um intercâmbio bem fluido para que ajudem. Como eles nos veem desde fora? Como se estão dando esses processos de compartilhar essas experiências, de comparar as boas práticas internacionais para que nós possamos dar esse salto que nós necessitamos?
Qual é a prioridade? Bom, para nós fazermos esse diagnóstico, nós entendemos que a prioridade número um é a transformação da polícia nacional. Também estamos trabalhando nos conceitos para uma transformação das Forças Armadas. Estamos mais ou menos no mesmo estágio do que está se discutindo aqui no Brasil. Essas mesmas discussões nós estamos tendo no Paraguai.
Como tenho pouco tempo, então eu somente vou colocar sobre a mesa três coisas. A primeira é que o crime organizado nos apresenta um problema muito complexo, e por isso eu quis falar depois do Montenegro, porque essa complexidade foi colocada na sua fala. Portanto, as soluções devem ser integrais.
Ao pensar em segurança, se nós só pensarmos na ação da instituição uniformizada, nós estaremos com um problema que já está acontecendo agora mesmo. Estamos agora tentando fazer as transformações. Há problemas na fiscalização. Se se resolvem os problemas da fiscalização, temos problema no Poder Judiciário. Se se resolvem os problemas no Poder Judiciário, nós temos problema no sistema penitenciário também. Então, é muito importante que as instituições apliquem as soluções desde as suas funções específicas, mas que o grosso desse assunto seja integrado. Nessa integralidade, devemos resolver principalmente as questões sociais.
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A administração pública dos nossos países deve prestar serviços básicos de forma efetiva, para não deixar que nossos filhos caminhem para o crime organizado. Se as nossas democracias não dão soluções às pessoas para que elas possam viver e progredir por seus próprios meios e em liberdade, nós necessitaremos cada vez mais de recursos para curar, em vez de prevenir, e não teremos êxito.
Os Estados estão cobrando dos cidadãos por serviços de educação, saúde, seguro social, que não estão sendo devolvidos com bons serviços. Por exemplo, no caso da educação, se estamos investindo para colocar nossos filhos por 12 anos, no mínimo, na educação pública, nas escolas, essa diferença tem que ser notada. Eles têm que receber isso. Se eles têm aulas de inglês, eles têm que falar inglês. Não podemos dar a eles um serviço desastroso e, na hora de pedirmos, sermos bem exigentes.
A segunda coisa que eu gostaria de colocar aqui é que, se o crime organizado é transnacional, como de fato é, devemos então aprofundar a cooperação entre os nossos países e operar de forma completamente articulada, para poder destruí-lo com êxito.
O Paraguai enfrenta principalmente três ameaças. Eu vou resumir e vou direto ao crime organizado, que está representado de forma hegemônica hoje pelo Primeiro Comando da Capital — PCC, pelo Comando Vermelho e por alguns grupos menores que, de forma geral, são absorvidos ou eliminados por eles mesmos. Essa penetração está associada a três fatores: sua grande capacidade armada, sua habilidade para colocar as instituições estatais a seu serviço e sua penetração no sistema penitenciário. A tendência à instalação desses grupos é crescente, porque, por um lado, há um aumento da quantidade de narcóticos que passam pelo Paraguai e, por outro lado, o Brasil está combatendo o crime organizado de maneira mais eficaz, então, é lógico, isso empurra, de certa maneira, o PCC e o Comando Vermelho para o nosso País. Temos uma responsabilidade compartilhada e estamos assumindo hoje, em diferentes níveis, principalmente com o Brasil, um intercâmbio nesse aspecto de inteligência, de pessoas detidas com causas pendentes em outros países. É fundamental que aprofundemos essa colaboração.
A terceira e última coisa que gostaria de colocar sobre a mesa é a necessidade de superar a corrupção. Nós não podemos combater o crime organizado sem introduzir, ao mesmo tempo, o combate à corrupção, com indicadores que possam ser medidos e com prazos que possam ser cumpridos. A minha colocação é que isso ocorra no âmbito do MERCOSUL, uma vez que temos uma cláusula democrática de conceder instrumentos para o compromisso de combater a corrupção, o tráfico de influência, conflitos de interesses com indicadores que possam ser medidos. A corrupção é um fenômeno que permeia países, governos, ideologias. Está presente igualmente no setor privado e também nas lideranças de todos os âmbitos. É um mal maior que devemos combater, e não passar por cima dele. Penso que esse é um problema sobre o qual devemos educar e empoderar o cidadão, com ferramentas de participação por meio de denúncias e também com escolas para gerar consciência.
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A partir da crise na representação e da desconfiança sobre a classe política, seus partidos e políticos, nós nos queixamos de que não nos sentimos representados. Apesar disso, os políticos se parecem mais conosco, cidadãos, do que gostaríamos de admitir. É como uma amostra de sangue.
Temos cooperação e instrução, inclusive interoperatividade dentro do país, mas as pessoas não chegam aos locais onde foram treinadas para estar. Há colombianos que estão fazendo um esforço muito grande no Paraguai para treinar nossas forças, mas, às vezes, o resultado é que as pessoas acabam indo para um escritório. Temos que assegurar que esses esforços que finalmente chegam ao cidadão possam traduzir-se em serviços efetivos para eles mesmos, não para seus funcionários de maneira pessoal.
Quero expressar o meu interesse em mantermos o contato, para que possamos intercambiar e construir isso juntos, para o bem dos nossos países e para um futuro de democracia, de liberdade e de progresso para todos os cidadãos em liberdade em nossa região.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Ricardo Seitenfus) - Obrigado, Sônia.
Resumindo em uma frase a palestra do Fernando e a sua, eu diria que a mãe de todos os males, que atravessa todos eles e que é muito recente — em todo caso, a divulgação é recente —, é a corrupção, que atravessa a sociedade, que atravessa os partidos, que atravessa as instituições e contra a qual todos os Estados devem fortalecer suas instituições e lutar, diria eu, sem quartel.
O John me pediu agora a palavra. Ele foi muito gentil com a Sônia e queria saber se teria algum tempo extra. O John é especialista em inteligência militar e operações psicológicas. É isso o que ele está fazendo lá. Atuou como comandante em operações terrestres, paraquedismo contra guerrilha urbana e piloto de helicóptero. É autor dos livros Terrorismo en Colombia: ¿un Delito Inutil? e Yihad en Latinoamerica.
Lembro a todos que este evento está sendo transmitido em tempo real pela Internet, bem como gravado para inserções na grade de programação da TV Câmara, alcançando um público bastante expressivo em todo o Brasil.
Tem a palavra o Sr. John Marulanda.
Obrigado pela sua gentileza.
O SR. JOHN MARULANDA (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Obrigado, Prof. Ricardo.
Bom dia a todos.
Obrigado, Deputado Eduardo Bolsonaro, Prof. Raza, Marcelo, que levou o piano durante este tempo todo. Obrigado pelo convite.
Podemos aguentar 15 minutos mais, por favor? Vamos lá!
(Segue-se exibição de imagens.)
Vou fazer uma breve apresentação de um trabalho de pesquisa que estamos fazendo, com o apoio de Washington, por meio do Security College, que se encarrega de nos dar todas as informações da América Latina, através dos seus diferentes agentes e representantes. Na Colômbia, estamos trabalhando através do Bloque de la Reserva Activa de Antioquia — BRANT, que se encarrega de fazer todas as pesquisas da Colômbia e dos países vizinhos. Em Londres, contamos com o apoio do excelente Occidental Studies Institute, que nos dá toda a informação global de que precisamos para o trabalho que estamos fazendo. Vocês têm a apresentação em suas agendas.
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Nós consideramos o crime transnacional como uma ameaça não só nacional, mas também continental, e, mais adiante, brevemente eu vou explicar por quê. Esses serão os títulos dos temas que pesquisamos. Preparem suas câmaras para que, depois, possam pelo menos discutir sobre isso.
Acredito que há a questão criminal, global, virtual e digital de empresários delinquentes, funcionários corruptos e jovens desempregados, com um modelo de negócio e comércio fundamentados em serviços monetizados em criptomoedas. No caso da cocaína, a China é um mercado a ser conquistado. O crime organizado internacional, a máfia e as autoridades chinesas poderiam chegar a dominar e entrar em locais com tecnologias de ponta, logrando assim uma grande vantagem estratégica sobre os Estados Unidos e a América Latina. Venho de um país que é o primeiro produtor mundial de cocaína. Esse problema nos leva a alguns cenários estratégicos muito importantes.
Vejam como a República Popular da China vem avançando na América Latina. Todas as estatísticas, todos os diferentes inventários que fazemos em todos os territórios que vocês veem aí, são altamente favoráveis à China, desde o comércio até o avanço militar.
Estamos estudando muito bem o caso da Argentina, precisamente em relação à antena que eles têm para pesquisa de espaço exterior. No caso do Brasil, estudamos muito os avanços tecnológicos, porque a Huawey é a base de núcleo irradiador de tecnologia. O caso do Panamá é crítico, é o ponto chave, é a alavanca da Nova Rota da Seda da China na América Latina. Por estar à frente, eu poderia ficar falando por horas sobre o que está ocorrendo ali. O caso mexicano é um caso patético do que representa a guerra comercial entre Estados Unidos e China. Finalmente, há os casos venezuelano e colombiano. O nosso presidente, há menos de 10 dias, esteve em Beijing, falando com o Presidente Xi Jinping, para ver como podem fazer acordos comerciais.
Nós fizemos uma pesquisa para saber sobre como as tríades, a máfia chinesa, vêm atuando na América Latina. Esses são alguns dos casos que conseguimos evidenciar, através de testemunhas, pesquisas e documentos na Argentina, no Brasil, na Colômbia, no Chile e no México. Desde 1850, os assentos chineses na região vêm facilitando a presença da máfia chinesa. Nós diferenciamos a máfia chinesa dos cartéis de narcotráfico do crime organizado. Há algumas diferenças qualitativas que fazem com que tenhamos que enfrentá-la com padrões diferentes. A máfia chinesa é paciente, milenar, filosófica. Ela não procura a violência além dos limites necessários, ela procura o poder. É cooptadora. Ela é diferente dos nossos alegres cartéis mexicanos e os de outras partes, que são muito latinos, exuberantes, com mortos fora de suas fronteiras, com grandes boatos. Mas a máfia chinesa é paciente e existe, desde 1850, na América Latina, dirigindo especialmente os portos.
Esse é um vídeo de investigação feito na Argentina por esses jornalistas. Um senhor fala para o outro: "Na América Latina, temos mais de 10 mil supermercados chineses certificados, mas todos obedecem a um só chefe, que está em Lima". Então, fomos investigar como está em Lima, e é surpreendente o que encontramos.
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Eu gostaria de relembrar, rapidamente, o que significa o negócio da cocaína no mundo. Aí estão os ganhos anuais da cocaína: 1,5% do PIB global e 7% das exportações mundiais. Estou me referindo somente à cocaína. Ficam nos países consumidores 70% dos ganhos. Nós latino-americanos ficamos com a má reputação, com 30% dos negócios e com os mortos. Os países consumidores ficam com 70% do negócio e com o momento ótimo por que passam.
São apreendidas somente entre 10% e 15% da cocaína. Neste momento, há demanda de cocaína do sudeste asiático, Ásia e Pacífico Sul. Há mercados enormes em Pequim, onde 1 grama de cocaína vale 13 vezes ou 16 vezes o que vale em Nova York. Nunca vimos um nível de produção assim. Eu poderia falar por horas sobre o que está acontecendo no meu país, Colômbia. Entre 1997 e 2007, as zonas de trânsito do hemisfério ocidental cresceram de 2 até 7 milhões de milhas quadradas. Aqui eu vou mostrar rapidamente um gráfico.
Vejam o que diz Roberto Saviano, um jornalista investigativo, a respeito da cocaína. É muito interessante e está num livro dele chamado Zero Zero Zero, que recomendo aos interessados no tema. Lá ele diz: "A cocaína é a resposta universal para a necessidade de liquidez. A economia do pó cresce desmesuradamente e chega a toda parte".
Vejam também o que encontramos na China: um mercado à espera. Eles têm o maior número de bilionários do mundo; têm a maior classe média; têm sistemas financeiros fracos, que permitem a lavagem de dinheiro; têm avanços tecnológicos que existem em todo o mundo em hackers até nos Estados Unidos, têm posições comerciais estratégicas; têm a presença da Tríade na América Latina; têm influência nos portos da América Latina, que eu vou mostrar; têm investimentos na América Latina em todos as áreas, especialmente em infraestrutura, energia, comunicações e portos. Essa é a China.
E agora, esta é a América Latina: temos oferta para a demanda crescente. Produzimos 98% da cocaína, da qual 70% é colombiana. Há mais de 90% de impunidade no nosso território latino-americano, o que é uma grande facilidade para o crime organizado. Há também altos índices de corrupção, dos quais tratamos; fronteiras muito fracas, descuidadas; controles portuários ineficazes; avanço da tríade, que estamos certificando; desinteresse dos Estados Unidos na região da América Latina. Além disso, delinquentes e terroristas estão aqui, junto com a cultura narco. Por outro lado, estão dadas as condições para que isso possa progredir. No caso da Venezuela, isso foi amplamente tratado e vocês já conhecem.
Vejam como avançou a Bacia do Pacífico. De lá está saindo 80% da cocaína produzida na Colômbia, no Equador e em parte do Peru. O Brasil recebe a cocaína que vem da Bolívia e de uma parte do Equador. Ela chega ao Brasil, que é um dos principais consumidores do mundo, e pelo Atlântico vai para a África e para a Europa, mas nós estamos tirando 80% da cocaína para o Pacífico. Do Pacífico vai para onde? Em direção à Ásia e China.
Vejam os portos onde há interesse do governo chinês em investir na construção e reconstrução de diferentes portos. Começa em Manzanillo, no Estado de Colima, no México, e em Lázaro Cárdenas. Passa por El Salvador, no Golfo de Fonseca; chega à Nicarágua, em Corinto; e vai para Honduras, onde está o canal seco. Passa, então, por Panamá, em Colón, em Fuerte Amador — onde estão construindo novos portos —, República Dominicana, Trindade e Tobago, Dominica, Antígua e Barbuda. Todos têm investimentos chineses para os seus portos e melhorias energéticas. Na Colômbia, existem três portos, três projetos, que contam com investimento chinês, como Buenaventura e Tumaco; no Equador, em Manta, Galápagos. No Peru, em Chancay, os chineses estão investindo muito. No Chile, em Talcahuano, na província de Concepción, também estão investindo. No Brasil, Paranaguá, (ininteligível) de Rio; e no Uruguai, em Punta Yeguas e Praya Los Cilindros. Todos esses portos que vocês veem nesse mapa enviam ou são da rota expressa para que a cocaína chegue aos portos da China. Que portos? Hong Kong, Shanghai, Ningbo, Shénzhen, (ininteligível), Naning e Guangzhou. Eles cobram até 10%, 15%. Nós que fomos a Guangzhou, quando saímos do hotel à meia-noite, vimos que já havia imediatamente quem oferecesse cocaína, assim, sem nenhum problema, de modo que isso é uma ameaça real. Esses são os portos chineses por onde chega a cocaína.
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Quais são as projeções desse problema de vincular a máfia chinesa com o narcotráfico latino-americano? Há várias. Os chineses têm pleno direito de fazer comércio aqui, fazer negócios conosco. Nós temos plena legitimidade para negociar com os chineses, sobretudo se os Estados Unidos estão sendo esquecidos, certo? Mas quando levamos ao governo da China o problema da máfia, os chineses vão dizer: "Está bem, eu colaboro". Como os chineses vão colaborar com sua tecnologia? E o que estamos fazendo com essa tecnologia que não tratamos? Estamos entregando toda a informação crítica e sensível que somente convém a nós? Quem são os corruptos, quem são os que tratam das redes, quais são nossas fraquezas. Estamos entregando os ativos sensíveis da nossa segurança nacional e regional ao governo chinês. Bom, alguns dirão que acabaram os americanos. Mas, uma coisa é o governo dos Estados Unidos, e outra coisa é o governo da China. Na China, no governo Xi Jinping, governa um partido, e é uma ditadura. Eles podem captar Big Data. A tecnologia chinesa pode cair em mãos da máfia, e aí estamos fritos. Eles já estão fazendo isso de fato. Lembrem-se de que é um governo autoritário. Vocês viram o fenômeno dos (ininteligível), temos um capítulo especial para esse fenômeno, e, provavelmente, o aumento da corrupção. Teremos que falar muito sobre como são corruptas as forças chinesas, como, por exemplo, nos casos dos cigarros que saem da Tríplice Fronteira. Isso significaria que a China se posicionaria de forma política, militar, econômica na fronteira dos Estados Unidos.
Que recomendações temos? Estamos projetando nesse trabalho, primeiro, estudar muito bem a doutrina da guerra híbrida, que é o que teremos que fazer com essa ameaça, uma das várias que temos. Neste momento, seria o mais importante. Há que se gerar um marco legal comum, há que se supervisionar o sistema financeiro e os mercados estratégicos do crime organizado internacional e da máfia e fazer o controle de redes ilícitas. Há também que se fortalecer a cooperação, dar capacitação e assistência técnica, fortalecer controles de fronteira e políticas de imigração. Termino com esta frase do Sr. Saviano, que creio ser muito oportuna e dramática: "A droga continuará brincando de ser uma das armas para o domínio do mundo". Quem controlar o mercado chinês da cocaína vai governar o mundo.
13:22
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Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Ricardo Seitenfus) - Agradeço ao Cel. John Marulanda, aos nossos expositores e, sobretudo, às senhoras e aos senhores que ficaram até agora, certamente com alguma reclamação, porque já são 13h20min.
Desejo um ótimo almoço a todos. Nós nos encontraremos daqui a 1 hora, neste mesmo local, para o terceiro painel do seminário intitulado A Gestão de Crises Internacionais: Mar, Terra, Ar.
Está encerrado este painel.
Muito obrigado. (Palmas.)
(A reunião é suspensa.)

14/08/2019
14:53
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O SR. APRESENTADOR (Edilson Holanda Silva) - Senhoras e senhores, tem início agora o terceiro painel do seminário intitulado: A Gestão de Crises Internacionais: Mar, Terra, Ar.
Para atuar como mediador deste painel, tenho a honra de convidar o Sr. José Alberto Cunha Couto. Ele possui doutorado em Política e Estratégia Marítimas pela Escola de Guerra Naval, atualmente é Diretor do Centro de Estudos e Pesquisa em Relações Internacionais das Faculdades de Campinas, Assessor de Planejamento Estratégico da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa, tem experiência na área de defesa com ênfase nas relações internacionais, segurança internacional, terrorismo, gestão, planejamento estratégico e simulação. Foi Chefe do Gabinete de Crises da Presidência da República.
Passo a condução dos trabalhos ao Sr. José Alberto Cunha Couto.
O SR. COORDENADOR (José Alberto Cunha Couto) - Boa tarde. Obrigado pelo silêncio.
Eu gostaria de convidar os palestrantes a ocuparem a mesa: o Sr. Rodrigo More, o Prof. Diego Pérez Enríquez e o Cel. Vicente Hueso.
Naturalmente, iniciamos agradecendo a todos os presentes, às autoridades aqui presentes e aos nossos palestrantes. Agradecemos especialmente o convite feito pelo Deputado Eduardo Bolsonaro, Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, e ao nosso jornalista Marcelo Rech, Diretor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa — InfoRel.
Especialmente para mim, é uma honra muito grande estar aqui em razão desse convite, porque me faz reviver 12 anos à frente do Gabinete de Crises da Presidência da República. Eu vou sair um pouco do protocolo e roubar somente 5 minutos da fala de vocês. Um pouco desses 12 anos tem a ver com este painel que fala em crises internacionais, em que momento e como nós vamos empregar as Forças Armadas em situações de crises internacionais.
O Gabinete de Crises da Presidência da República nasceu sob o ciclo do fogo. Alguns devem se recordar que, em 1998, houve um grande incêndio florestal em Roraima, que, por conta dos ventos, foi caminhando em direção à terra indígena dos ianomâmis. Floresta, índios, isso gerou grande repercussão na mídia nacional e internacional. Antes que o Governo brasileiro se organizasse para fazer frente e prestar uma ajuda humanitária, nesse caso de grande volume, os nossos irmãos bombeiros de Buenos Aires estavam lá em Roraima apagando o incêndio. Já não bastasse o futebol, encontramos os argentinos apagando fogo em Roraima. Isso foi uma grande lição para todos nós, e aquilo que começou com uma crise interna rapidamente evoluiu para uma crise internacional.
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Aí nós tivemos algumas lições importantes do nosso nascimento do Gabinete de Crises da Presidência. A primeira delas foi que ficou claro que, em situações de crises, a velocidade de resposta é um fator crítico para preveni-las. Outra coisa importante é que a dimensão internacional das crises tem que ser claramente estudada. O nosso Embaixador Marcelo Soares, que compunha a nossa equipe, nos ensinou que os nossos estudos não estariam completos se a dimensão internacional daquela situação de crise não tivesse sido encontrada.
A primeira crise nacional dos caminhoneiros nasceu de uma crise igual à crise nacional dos caminhoneiros na Argentina, que ocorreu uma semana antes. Os nossos caminhoneiros que atuavam no mercado do Mercosul conheceram aquela situação de crise e, uma semana depois, todos os caminhoneiros do Brasil estavam parados.
Igualmente nos afetou, a crise muito recente entre Estados Unidos e Irã, porque houve sanções impostas pelos Estados Unidos ao nosso parceiro, um dos grandes compradores de nossos produtos agrícolas.
Essas situações mostram que, cada vez mais, não podemos diferenciar uma crise interna de uma crise externa. Sempre haverá consequências. Em relação às crises que persistem hoje ao redor do mundo, no nosso sentimento, há incerteza de como ou se elas serão resolvidas e a quem caberá fazer essa intervenção. O nosso painel aqui nos leva a essa incerteza, no sentido de qual é o papel das Forças Armadas nessas situações de crise. É interessante observar que nem sempre a solução de emprego das Forças Armadas implica a presença dos militares dentro do território em conflito.
Em relação ao que é citado aqui na motivação deste painel, a crise migratória na Venezuela, os Estados Unidos mandaram um navio-hospital para a América Central para atender os refugiados da Venezuela que migraram para aquela região. Vejam que isso acaba sendo uma ferramenta de soft power.
Eu vou dar só mais um exemplo de emprego de força militar em prevenção de crise internacional que nos diz respeito como Brasil: a participação do nosso País, desde 2011, no comando da Força-Tarefa Marítima da UNIFIL, que é uma operação pioneira de manutenção da paz no mar, com o objetivo de impedir a entrada ilegal de armas em 200 quilômetros da costa do Líbano. Vejam quantas possibilidades de se empregar forças militares em zonas de crise.
Enfim, senhores, acho que o desafio está colocado aos nossos palestrantes. O que deve ser levado em consideração quando o Estado decide empregar as Forças Armadas em uma zona de crise? Como lidar com a pirataria, que vem prejudicando o comércio global? Diferentemente da pirataria, mas também relacionado com atividades ilegais no mar, nós temos o crime organizado transnacional no mar, que ainda não foi falado aqui neste seminário.
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O tráfico de cocaína pelo Oceano Atlântico está fazendo perigar que Cabo Verde se torne um narcoestado. No mês de agosto, cinco brasileiros foram presos pelo porte de 2 toneladas de cocaína em Cabo Verde. Vejam que não é uma coisa distante de nós aqui no Brasil.
Nós temos também a guerra cibernética, que já foi mencionada aqui. Nós temos a tecnologia definindo novas formas de armas, mas, pior do que isso, temos sistemas que podem selecionar e atacar alvos sem intervenção humana. Vejam os riscos que estão se somando em relação a isso.
Para buscarmos respostas a tantas questões, convidamos nossos palestrantes a realizarem as suas apresentações. Eu vou fazer uma leitura rápida da qualificação de cada um deles, para que os senhores possam conhecer melhor quem estará aqui conosco.
O Prof. Rodrigo More, é Professor Adjunto na Universidade de São Paulo, onde atua no Departamento de Ciências do Mar. Ele é líder do Projeto InterOceano — Centro Interdisciplinar de Estudos do Espaço Oceânico, é Conciliador e Árbitro nomeado pelo Brasil nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e é candidato do Brasil ao cargo de juiz do Tribunal Internacional do Direito do Mar, organismo da ONU, para o período 2020-2029.
O senhor tem a palavra por 15 minutos, por favor.
O SR. RODRIGO MORE - Boa tarde a todos.
Eu gostaria de agradecer ao Presidente desta Comissão, Eduardo Bolsonaro, e ao jornalista Marcelo Rech pelo convite honroso para estar aqui nesta tarde de hoje.
Quero agradecer também a mediação do Cunha Couto, que é um amigo distante, pela Internet. Nós nos conhecíamos já por meios eletrônicos, mas não pessoalmente. É um grande prazer.
Agradeço ainda a companhia do Diego Pérez Enríquez, do Equador, e do Cel. Vicente Hueso García, da Espanha. É um grande prazer e uma honra estar aqui junto com os senhores.
Coube a mim falar sobre os desafios à defesa nacional e o papel das Forças Armadas no mar. Quem já me conhece sabe que podemos nos estender aqui por 1 hora, 2 horas, mas com 15 minutos eu tenho uma pauta a cumprir e foi assim que eu me disciplinei para hoje.
(Segue-se exibição de imagens.)
Bem-vindos à Amazônia Azul! É um espaço legítimo de interesse imediato do Brasil no mar, com riquezas importantíssimas para o futuro do País e para futuras gerações de brasileiros. Contudo, os desafios na área de defesa para o Brasil não se circunscrevem apenas ao espaço oceânico brasileiro legal. Hoje podemos dizer que ele se projeta sob o ponto de vista hemisférico e, em alguns termos, até globalmente, sobre os quais o Estado brasileiro pode e deve exercer seus legítimos interesses para a consecução dos objetivos do Estado.
O objetivo desta apresentação é tratar desafios e temas relevantes dos oceanos. Vamos iniciar com uma proposta simples deste seminário e, dessa proposta, vamos captar o objetivo central. Na sequência, trataremos de cinco desafios e temas que escolhi de acordo com a percepção que tenho tido como candidato do Brasil a um cargo de juiz nas Nações Unidas. Eu já realizei mais de 215 entrevistas bilaterais, pude experimentar conversas com quase todos os países do mundo em relação aos oceanos e, dentro dessa experiência, eu elenquei cinco temas para tratarmos aqui muito brevemente na tarde de hoje.
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Ao final, eu dirigirei algumas palavras relacionando esses temas escolhidos à ciência, tecnologia e inovação e à Amazônia Azul. Estes são dois elementos importantes — ciência, tecnologia e inovação; e Amazônia azul — para o futuro do Brasil no mar.
Dentro da proposta do seminário, na apresentação que nos foi feita, existe um item a partir do qual eu vou puxar o gancho para falar desses cinco temas, que é como lidar com a pirataria, que pode colapsar o mundo. A partir da pirataria, então, eu vou fazer algumas considerações, e não há como começar a falar dos grandes temas que interessam ao Brasil nos oceanos sem mencionar a chamada Batalha de Salamina.
Quem gosta de história vai lembrar da Batalha de Salamina, que, segundo historiadores e geoestrategistas, define o futuro da democracia no mundo, o futuro do Estado. Aquela batalha em que o Almirante Temístocles vence os persas muitos conhecem apenas pelo cinema, pelo filme 300 infelizmente. Mas aqueles que tiveram a oportunidade rica de se aprofundar na história da batalha compreendem muito bem a importância dela.
A Batalha de Salamina nos traz três pontos importantes para reflexão na tarde de hoje. Primeiro, toda nação que se tornou hegemônica dominou os oceanos, seja militarmente, seja, no caso mais moderno, no tocante à ciência, tecnologia e inovação. Segundo, nos oceanos, estão depositadas as riquezas necessárias para o desenvolvimento e a vida das futuras gerações. Sem dúvida alguma, o oceano faz parte do ciclo de vida do Estado brasileiro, e é assim que merece ser tratado. Este é efetivamente o terceiro ponto: o mar deve ser considerado parte do ciclo de vida do Estado, essencialmente do Estado brasileiro.
Aí se apresentam os cinco temas de que eu me propus a tratar hoje. À direita das senhoras e dos senhores, há algumas representações de alguns desses Estados que, em algum momento da história, dominaram as relações internacionais a partir dos oceanos. Gostaria de conversar um pouco sobre pirataria — aí, Cunha Couto, inseri muito brevemente os temas do tráfico de armas e de drogas, sobre os quais vou falar em casos específicos —; a pesca ilegal, que é um tema extremamente importante hoje não só com relação à segurança alimentar, mas também com relação à segurança e defesa; os temas de delimitação marítima; a imigração ilegal ou as chamadas crises migratórias, que todos conhecem, no caso do Mediterrâneo; e um tema muito sensível, que merece ser acolhido e mais adequadamente estudado no Brasil, que é o aumento dos níveis dos oceanos e o impacto que isso causa principalmente em pequenas ilhas em desenvolvimento.
Como sugeri de início, o primeiro item de que nós vamos tratar é a pirataria. Para aqueles que não estão habituados com os conceitos jurídicos, esse é o conceito jurídico de pirataria extraído da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. O que são atos de pirataria?
Art. 101. .......................................................................................................................................
a) todo ato ilícito de violência ou de detenção ou todo ato de depredação cometidos, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma aeronave privados, e dirigidos contra:
i) um navio ou uma aeronave em alto mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos;
ii) um navio ou uma aeronave, pessoas ou bens em lugar não submetido à jurisdição de algum Estado; b) todo ato de participação voluntária na utilização de um navio ou de uma aeronave, quando aquele que o pratica tenha conhecimento de fatos que deem a esse navio ou a essa aeronave o caráter de navio ou aeronave pirata;
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c) toda a ação que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um dos atos enunciados nas alíneas a) ou b).
Esse conceito de pirataria é bastante hermético sob o ponto de vista jurídico. Na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ele se dirige a atos praticados em alto-mar, ou seja, no espaço além da jurisdição nacional, de modo que aqueles atos que nós chamamos de pirataria e que foram cometidos dentro da jurisdição dos Estados, notadamente na zona econômica exclusiva, podem ser qualificados de forma genérica como pirataria. Mas mais adequadamente eles são relacionados a atos ilícitos ou ainda a roubo armado ou a qualquer outro tipo de qualificação jurídica.
O importante é que esses atos no mar relacionados, em linhas gerais, à pirataria afetam o comércio internacional. Eles causam o aumento do preço dos seguros de cargas, eles causam um aumento de custo de rotas comerciais, porque os navios têm que fazer grandes desvios, têm que investir em segurança privada. Além disso, eles têm um impacto grande sobre as próprias tripulações, que são ameaçadas.
Eu trouxe aqui algumas imagens e alguns dados específicos sobre a pirataria e escolhi destacar os casos ocorridos no Golfo da Guiné, na costa da África, dentro da área coincidentemente da ZOPACAS — Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, criada pela ONU em 1986, nas quais o Brasil é um ator ativo.
O quadro inferior, que está relativamente visível, indica os casos de pirataria relatados pela IMO. Nós vamos perceber que, dentro das águas de Gana e Nigéria, ocorre o maior número de incidentes relacionados à pirataria. Especificamente no Golfo da Guiné, os casos são relacionados a roubo de óleo. Esses casos começaram a ter um destaque maior a partir de 2011, num estudo que começou a ser levantado pelo Bureau Internacional Marítimo da Câmara de Comércio Internacional, porque a pirataria afeta efetivamente o comércio internacional. Em 2011 e em 2012, quando teve a atenção chamada pela Câmara de Comércio Internacional, o Conselho de Segurança emitiu duas resoluções relacionadas especificamente ao Golfo da Guiné, encorajando os Estados da região a criarem patrulhas bilaterais e a cooperarem regionalmente, para evitar os chamados roubos armados realizados contra navios de bandeiras geralmente estrangeiras.
Até que, em 2013, por uma iniciativa regional, a partir do chamado Código de Conduta de Yaoundé para repressão da pirataria e roubo armado contra navios em atividade, houve uma concertação regional com a qual o Brasil colabora. A Marinha do Brasil tem uma colaboração de treinamento, por exemplo, com a Nigéria — é isso, comandantes aqui presentes? —, dentro dessa moldura do Código de Conduta de Yaoundé. É um código de conduta. Ele não tem um caráter juridicamente vinculante obrigatório, mas é uma iniciativa importante, uma tentativa de diminuir ou reduzir esses casos de pirataria no Golfo da Guiné.
A pirataria também tem outra dimensão. No final do ano passado, todos tomaram ciência deste caso que ficou famoso, de um navio atuneiro brasileiro que foi atacado por um navio chinês em alto-mar. Essa foi uma ação dentro de um contexto das chamadas fishing wars, as guerras de pesca, sobre as quais vou falar daqui a pouco. Elas são muito mais ligadas, de forma direta, à pesca ilegal. Mas esse foi um ato de pirataria realizado contra um navio brasileiro, um ato ilegal naquela definição inicial que apresentei para as senhoras e os senhores de um ataque para fim privado, contra a tripulação de um navio de bandeira estrangeira. Para quem acompanhou o caso, o navio chinês perseguiu o navio brasileiro. O navio brasileiro, menor e um pouco mais ágil, conseguiu se evadir das manobras do navio chinês, que tentou, a todo custo, o abalroamento com o navio brasileiro, tentando levá-lo a pique. Os tripulantes do navio brasileiro relatam que se ajoelhavam no convés, pedindo, pelo amor de Deus, para aquela situação cessar. O Brasil tomou ciência disso, a Marinha do Brasil tomou as suas medidas e o caso tem sido tratado sob o ponto de vista diplomático, já que existem consequências jurídicas derivadas do Estado de bandeira. O Estado que outorga a bandeira tem obrigações, segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, e o Brasil está devidamente procurando o concerto dessa situação.
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Aqui estão algumas fotos para quem não viu isso à época. Esse é o costado do navio brasileiro. Numa das investidas em que o navio chinês teve sucesso, ele abalroou o navio na linha d'água. Deixe-me ver se dá para enxergar na figura. Essa parte de cima é o casario, é a parte mais alta do navio. Quer dizer, a quilha do navio bateu lá em cima, no casario, para se ter uma ideia da proporção do tamanho do navio chinês em relação ao navio brasileiro. Isso é parte da guerra do atum e é um ato de pirataria.
Com relação à pesca ilegal, existem alguns temas dentro das Nações Unidas que são extremamente caros sob o ponto de vista do interesse financeiro e também do interesse estratégico dos Estados, principalmente Estados pesqueiros. Isso interessa também ao Brasil. Afinal de contas, a pesca traz um elemento importante para a segurança alimentar não só do povo brasileiro, mas principalmente de países em desenvolvimento, de modo que a pesca ilegal, não reportada e não regulada, cuja sigla em inglês é IUU — eu pus a sigla em inglês porque facilita bastante para quem quiser procurar na Internet depois —, tem esse impacto negativo, um grande impacto negativo. No que ela impacta negativamente? A pesca ilegal diminui os estoques pesqueiros; distorce a competição na indústria de pesca; enfraquece as comunidades pesqueiras, especialmente em países desenvolvidos, em populações que dependem dela; aumenta a insegurança alimentar; favorece a pobreza; afeta negativamente pescadores honestos; e destrói habitats marinhos. Acho que essas são razões suficientes para se combater esse tipo de atividade. Esse é o grande cenário para a chamada guerra de pescas.
Aqui mostro algumas notícias, para não dizer que eu estou inventando. Essas são algumas notícias que extraí de jornais recentes, que revelam ou deixam em evidência essa situação. Recentemente houve um caso, salvo engano, em que a Marinha argentina chegou a abrir fogo contra um navio de pesca ilegal chinês. Houve também alguns casos no Uruguai. Esse tema está se aproximando do Brasil. Com certeza, o Estado brasileiro já está merecendo, pelo que sei, uma atenção importante.
Outro tema dentre aqueles que eu elenquei como importantes relacionados aos oceanos é a delimitação marítima. Uma vez que, por meios não pacíficos, não é mais possível se expandir o território do Estado, a expansão do limite do território nacional nos fundos marinhos é hoje o grande celeiro para reservas estratégicas, principalmente minerais, sem deixar de lado a biodiversidade. Esse tema é extremamente importante. Ele tem uma regulamentação legal prevista na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, no art. 76. Então, um Estado signatário dessa convenção não pode alterar ou expandir o seu limite territorial no solo e subsolo marinho sem observar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Eu trouxe dois exemplos para mostrar isso para as senhoras e os senhores esta tarde. Esse é um caso relativamente recente de uma disputa entre a Guiana e a Venezuela, como mostra o mapa. Em 22 de dezembro de 2018, no final do ano passado, a Marinha venezuelana interceptou atividades de pesquisa da empresa ExxonMobil em águas jurisdicionais da Guiana. Como justificativa, o Ministério de Relações Exteriores da Venezuela alegou que a permissão de pesquisa dada pela Guiana à Exxon era ilegal, pois ela estaria numa área marítima que é parte de uma área terrestre reivindicada pela Venezuela. Desde 2005, com a descoberta de grandes áreas de petróleo nessas águas da Guiana, com consequentes prospecções de atividades de pesquisa petroleira, a Venezuela tem se oposto diplomaticamente — nesse caso, pode-se dizer, com uso da força — a que a Guiana desenvolva atividades numa área que é legitimamente território da Guiana hoje. Consequentemente essa área está sob disputa. O Presidente Maduro, no final de 2018, resolveu reabrir essa discussão. Um segundo exemplo é esse aqui. Acho que todos conhecem as disputas no mar do sul da China. Esse exemplo é muito emblemático. O que há nessa área do mar do sul da China? Há petróleo. O que acontece ali? Em 2016, as Filipinas foram à Corte Permanente de Arbitragem contra a China, a fim de reivindicar uma área que passou a ser ocupada pela China, a qual fez um desenho estratégico chamado nine-dash line, ou seja, uma linha de nove traços, delimitando uma área de interesse histórico sobre essa região. A China alegou que tinha soberania e jurisdição sobre aquela área, e as Filipinas foram à Corte Permanente de Arbitragem questionar esses direitos históricos da China sobre aquela região. Em 2016, a Corte Permanente de Arbitragem decidiu contrariamente à China, que simplesmente descumpre até hoje a decisão da Corte. O que aconteceu ali? Essa é uma perspectiva de um navio costeiro da China vista a partir de navio vietnamita. A China construiu, naquela região, três ilhas artificiais. Pelo direito internacional, pelo direito do mar, a ilha artificial não gera direito sobre área de plataforma continental, nem de zona econômica exclusiva, mas a construção de três ilhas na região são bases militares chinesas que estão bem dentro daquilo que nesta manhã hoje foi dito pelo Prof. Raza.
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Outro caso legal de extensão e da soberania no mar é a possibilidade de pedidos ou submissões à Comissão de Limites da Plataforma Continental.
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Eu trouxe esse caso da Argentina para mostrar às senhoras e aos senhores as áreas de extensão de plataforma continental reivindicadas pela Argentina. O Brasil também tem áreas assim. Eu vou falar brevemente disso no final desta apresentação.
O Brasil foi o segundo país a propor a extensão de plataforma em 2004 depois da Rússia, e, em 2007, recebeu recomendações. Hoje tramitam, na Comissão de Limites da Plataforma Continental, lá em Nova Iorque, dois pedidos brasileiros de extensão da plataforma além das 200 milhas. O último deles foi protocolado no ano passado, envolvendo a Elevação do Rio Grande.
O quarto tema é a migração ilegal e as crises migratórias, que as senhoras e os senhores conhecem com a experiência do Mediterrâneo. O Brasil teve uma experiência, uma evidência global muito importante quando o Comandante Amendoeira decidiu, comandando uma fragata brasileira, recolher refugiados que estavam à deriva no mar e salvá-los. Essa é uma das imagens da Marinha do Brasil que demonstram essa acolhida.
Há uma obrigação internacional de prestar assistência e resgate aos náufragos no mar, e o Brasil não se furtou a isso. Mas é claro que também dá para se compreender as razões pelas quais a Itália tem se oposto veementemente a essa situação, uma vez que essas crises dos refugiados, como a que o Brasil experimenta, trazem questões de saúde pública e outras questões migratórias que devem ser consideradas, sem se esquecer obviamente da importância dos direitos humanos.
Finalmente está a questão do aumento do nível dos oceanos. Eu não sei qual é a posição das senhoras e dos senhores sobre a razão pelas quais o nível do oceano está subindo. Se acreditam em mudança climática ou não, isso não importa. O fato é que o nível dos oceanos está subindo. Algumas ilhas, pequenas ilhas em países em desenvolvimento desaparecerão, perderão o seu território.
Eu trouxe aqui o exemplo de Tuvalu — está lá no mapa. Essa é uma imagem de Tuvalu, uma pequena ilha. Eu peguei aqui outro exemplo, o das Ilhas Fiji. Fiji tem essas duas marcas: a zona econômica exclusiva de 200 milhas e as linhas de base. Com o aumento do nível dos oceanos, o que pode acontecer? Isso tudo ou parte dessas ilhas pode desaparecer. Isso afeta a economia, isso afeta direitos hereditários que essas comunidades têm na ligação com a terra-mãe, isso afeta questões culturais. A comunidade internacional precisa entregar uma solução para essa questão, tanto uma solução jurídica quanto uma solução econômica.
Por fim, eu mostrarei algumas considerações que eu trouxe sobre o que a área da defesa agrega a tudo isso. O Prof. Raza, no começo da apresentação na manhã de hoje, falou sobre a importância da ciência, tecnologia e inovação com relação à defesa do uso dual. E nós trabalhamos na área de defesa especificamente com isto: com conhecimento, com aquilo que ainda é inexplorado e com muitas incertezas.
A associação da ciência, tecnologia e inovação ao sistema de segurança e defesa deve prover, por exemplo, no caso brasileiro, algumas soluções importantes para a chamada Elevação do Rio Grande. O que é a Elevação do Rio Grande? É essa área marcada por um círculo em amarelo na apresentação. Ela é uma área de mais ou menos 1 milhão de quilômetros quadrados, do tamanho do Egito praticamente ou da própria Venezuela, e é rica em minerais, principalmente em cobalto, que é matéria-prima para a indústria de baterias de carro elétrico, por exemplo.
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Depois que o Brasil resolver junto à Comissão de Limites a delimitação dessa área, o seu grande desafio será a exploração econômica, que passa necessariamente pelo conhecimento científico desse importante espaço brasileiro. Hoje isso está sendo coordenado por Ministério da Defesa, Marinha do Brasil e Ministério das Relações Exteriores.
Para concluir, a Marinha do Brasil tem desenvolvido importantes estudos na área de economia azul, que contemplam não apenas o papel da Marinha do Brasil como também o das três Forças. A economia azul é um tema que interessa a todo o País. Hoje, na área de oceanos, um dos elementos mais importantes, além de estar no mar, é estar, como dizem os amigos da Força Aérea, no espaço cósmico. É isso. O espaço cósmico é extremamente importante, a oceanografia espacial, o domínio da ciência do espaço cósmico ajuda e é parte essencial da exploração que devemos ter no Brasil dos oceanos. Precisamos dessa parceria com a Força Aérea, a Marinha e o Exército Brasileiro.
Eu concluo por aqui e peço perdão se estourei o tempo. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (José Alberto Cunha Couto) - Obrigado, Prof. Rodrigo. Nós entendemos a dificuldade de expor tantos desafios da imensidão do mar em tão pouco tempo.
Esse desafio é passado agora ao Prof. Diego Pérez Enríquez, Diretor Acadêmico da Escola Legislativa da Assembleia Nacional do Equador, Coordenador de Segurança, Paz e Defesa do Instituto de Altos Estudos Nacionais do Equador, Doutor em Ciência Política pela Universidade de Belgrano, na Argentina, e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Andina Simón Bolívar.
O SR. DIEGO PÉREZ ENRÍQUEZ (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Muito obrigado.
Boa tarde a todos e a todas. Eu peço desculpas por não saber nada em Português.
Quero começar agradecendo ao Deputado Eduardo Bolsonaro e ao Marcelo Rech pelo convite para um evento que marca uma série de necessidades urgentes para a região, em torno de uma reflexão, principalmente sobre crises, mas na realidade sobre a defesa, da qual estivemos falando durante toda esta manhã.
A perspectiva que eu adotarei é mais direcionada ao meio acadêmico, é uma reflexão teórica, mas que busca se conectar com alguns elementos, particularmente no caso equatoriano, que é evidentemente o âmbito forte. O ponto de partida talvez seja contar que esta exposição está organizada em três grandes sessões. A primeira basicamente fala sobre a estrutura, sobre uma ferramenta teórica para compreender a gestão das crises que há no Equador. Em segundo lugar, a intenção é ver quais são as conjunturas críticas, as evidências, a ação das Forças Armadas equatorianas na gestão das crises. Finalmente vou traçar algumas ideias gerais para saber como essas reflexões tão próprias para o caso equatoriano poderiam se trasladar à região.
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Vou começar com uma breve introdução teórica. Eu costumo fazer isso em 16 sessões com os meus estudantes e vou fazer em 15 minutos aqui. Há uma teoria que sustenta basicamente que, ao longo do tempo, as instituições têm o costume de se tornar independentes ao longo de sua trajetória. Aquilo que uma instituição começar a fazer, em determinado momento, torna-se o centro da sua especialização. E, no transcurso do tempo, essa especialização obriga essa instituição a se tornar muito capacitada para fazer aquilo que ela sabe fazer, mas também a se tornar muito conservadora, muito limitada, enquanto adquirir a capacidade para refletir sobre novos entornos. Isso eventualmente acaba sendo um problema para as instituições, porque ficam reativas às mudanças e, então, se tornam vulneráveis em longo prazo.
Pensando sobre isso, o passo seguinte da reflexão é: o que acontece no Equador? O ponto de partida que eu tomo é o ano de 1979, quando o Equador tem a transição para a democracia. Poderíamos ir mais atrás, aos anos de 1973 e 1974 inclusive. Mas vamos colocar o ano de 1979 como marco zero dessa análise. A estrutura constitucional que se arma naquele momento determina três grandes missões às Forças Armadas: ordem jurídica, soberania e apoio ao desenvolvimento. Essas três missões outorgadas às Forças Armadas em 1979 se mantêm com a Constituição de 1998. E, como eu dizia, provavelmente, se voltarmos no tempo, voltaremos nessas missões até o ano 1944, talvez, até o ano 1925. Quer dizer, essa é uma das linhas fortes ao redor das quais as Forças Armadas desenvolveram a sua gestão durante toda a sua história.
Em termos práticos, isso implicou um enfoque central em torno da garantia e da soberania do Estado no conflito limítrofe que mantínhamos com o Peru. Todas as ações até 1998 estiveram focadas no Peru. Isso implicava que toda a política de defesa e toda a noção de crise em termos mais contextuais estivessem centradas na possibilidade de um evento bélico com o Peru, nada mais do que isso. A partir de 1998, num acordo assinado aqui, o Equador termina esse conflito limítrofe com o Peru. No novo entorno, têm que se enfrentar as novas ameaças. No paper inicial, nas apresentações iniciais, foi mencionado que essas ameaças, que são novas, mesmo que não tão novas — já discutimos isso há mais de 20 anos —, falam basicamente sobre as concepções tradicionais nas quais se construíram as Forças Armadas, e que não estão mais ali. Esse é o cenário que acontece em primeira instância, a partir do ano 2000, em que o Equador assume uma posição de reação desde os conceitos tradicionais da soberania. Claro, nesse contexto, começa a haver um curto-circuito, e essa capacidade de reação das nossas Forças Armadas não consegue resolver esse tipo de problema.
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Então, entre 1996 e 2006, existe uma sucessão de crises políticas, que, por default — até poderia ser um argumento mais amplo —, terminam por levar as Forças Armadas a serem uma instância que resolve ou que avalia as outras políticas, o que as leva a intervirem finalmente nesse jogo e a resolverem esse componente político da crise.
Em 2008, há uma nova Constituição. Sob essa nova Constituição, vê-se um conceito de segurança integral que buscava basicamente conceber a multidimensionalidade das ameaças, o que levou as Forças Armadas a operarem dentro desse novo contexto. E isso não acontece de maneira completa, nem de maneira definitiva.
Para as Forças Armadas equatorianas, essa vocação em torno da segurança integral nunca deixa claro quais são essas pretensões em torno de quais eram as expectativas por parte dos atores políticos em torno da vinculação das Forças Armadas a esse contexto. Há algumas ocorrências que servem de pivô: a Constituição de 2008; em 2009, a promulgação da Lei de Segurança Integral; em 2010, em 30 de setembro, o envolvimento do Presidente Correa num protesto policial, que implica o seu sequestro — depende da posição de quem veja isso. Mas, ao final, ele termina dentro de um batalhão policial, com a mobilidade restrita e sem a possibilidade de operar com plena liberdade. A resolução dessa crise acontece através das Forças Armadas, que fazem a parte operacional e resgatam o Presidente desse quartel policial.
Nesse primeiro momento, basicamente se recuperam essas noções tradicionais de operação das Forças Armadas. Com este elemento, restitui-se o equilíbrio em tempos de crise. Um pouco mais à frente, vamos ver que há uma série de atividades Ilegais que começam a se multiplicar no caso equatoriano. Todas as múltiplas atividades ilegais começam a gerar uma série de pressões mais fortes sobre a ação das Forças Armadas no Estado na resolução dessas crises. Nós vamos ter, em 30 de setembro de 2010, de que já falei, a continuação e a exacerbação de problemas de segurança do cidadão, frente aos quais o Governo começa a gerar uma pressão muito forte para vincular as Forças Armadas a missões de segurança do cidadão. Em dezembro de 2015, emite-se uma emenda constitucional que garante ou abre a possibilidade para que as Forças Armadas façam a parte de segurança interna para contornar essas crises. Por outro lado, em 2018, ela é revogada. Como os terremotos não são patrimônios do Chile, em 2016, o Equador tem um terremoto de 7,8 graus. A primeira instituição que teve capacidade de reação e de atendimento e que efetivamente, em poucos minutos, na realidade, esteve no terreno foram as Forças Armadas. Então, no meio da crise, depois do terremoto, as Forças Armadas fizeram uma intervenção e foram a primeira presença do Estado, o que garantiu o salvamento das pessoas que haviam perdido suas casas. No esforço de reconstrução, elas estiveram envolvidas também.
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Tudo isso, com o marco legal, como consequência da Constituição de 2008, deixava-os numa condição incerta sobre de que maneira podiam atuar. Mas elas eram as únicas que tinham a capacidade operativa, a capacidade estrutural e o conhecimento da cartografia do país, além da capacidade de mobilização das pessoas para intervir nessa crise.
Então, vamos ter uma série de crises sobrepostas a partir de novembro de 2017. A primeira dessas consequências do processo de paz colombiano é que, ao perder a estrutura de hierarquia das FARC, dispersa-se uma série de grupos que operam nas zonas de fronteira. Logo vemos uma ideia positiva que colocava o Equador como um dos centros de lançamento ou de trânsito de drogas até a América Central. Basicamente o que acontece, a partir de 2 de novembro de 2017, é uma disputa territorial pelo controle das águas no norte do Equador, na fronteira com a Colômbia, entre grupos que fazem o narcotráfico. O fruto disso é que aparece um ator ou um dissidente das FARC que administra esse negócio e, nesse marco, começa a questionar a presença do Estado. Isso termina com o sequestro de quatro jornalistas e dois cidadãos, que foram assassinados mais à frente.
Com essa crise, sobrepõe-se outra crise no mesmo sentido do que o Dr. More falou, uma crise com barcos de pesca chineses em setembro de 2018, na qual 200 barcos de pesca chineses entram na zona de Galápagos, no Equador, e começam a fazer atividade de pesca ilegal ali. O Equador apela para vários mecanismos legais e finalmente se deslocam esses barcos pesqueiros para a zona do Peru, para águas territoriais peruanas. Mas a pouco eles voltam a se aproximar. E voltam a se aproximar outras frotas pesqueiras a essa fronteira.
Finalmente, há uma crise recente, a mais recente, que se refere à mineração ilegal. Acredita-se que há jazidas minerais importantes no Equador, que despertaram o interesse de organizações ilegais que estão dispostas a fazer a mineração ilegal. Nesse caso breve, eu resumo a história para vocês.
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Nesse caso — e eu faço um breve resumo da história para vocês —, isso implicou, em várias localizações no território nacional, o questionamento da soberania por essas organizações. Uma cidade pequena, de 1,8 mil habitantes, em 2017, foi desalojada. Há 1 mês, mais ou menos, havia lá 10 mil habitantes, em sua grande maioria pessoas em condição de migração ilegal dedicadas a atividades de mineração ilegal. Além disso, elas pertenciam a algum grupo, a alguma organização criminosa. Eles haviam lutado com armas contra a polícia e depois contra as forças armadas. Foi montada uma operação entre polícia e forças armadas para combatê-los dentro desse território. Esse local estava a 6 horas de Quito, a capital, e a 6 horas da fronteira com a Colômbia.
Bom, vou gastar somente 2 minutos do tempo para refletir sobre isso. Há dois grandes eixos de reflexão sobre o tema. Desculpem-me se as letras estão pequenas. O primeiro eixo está relacionado à internacionalização. É necessário fortalecer os mecanismos de inteligência e de cooperação internacional para garantir, em primeiro lugar, que quem tome as decisões assuma que isso deixou de ser um problema estatal no sentido clássico, mas, sim, que todos esses problemas são cada vez mais internacionais.
Em segundo lugar, há uma resposta de regionalismo no sentido de que são necessárias decisões políticas para fortalecer os mecanismos de cooperação e integração regional para enfrentar todas essas ameaças que vimos esta manhã e que são comuns a todos os países. Mas deve ser um mecanismo de regionalização, de integração, pragmático e focado em preocupações comuns, em capacidades que poderiam ser compartilhadas.
De que maneira essas capacidades, dois ou três países que enfrentam um problema comum — eu acredito que o mais claro é a crise migratória da Venezuela —, como podemos coordenar as forças para enfrentar isso?
Finalmente, acredito — falei de tom mais internacionalista —, que seja necessário, no caso como o do Equador, garantir que o Estado recupere o pleno controle do território e adquira as capacidades para efetivamente reforçar essas capacidades.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (José Alberto Cunha Couto) - Muito obrigado, Prof. Diego, por cumprir o horário.
Nós temos como terceiro painelista o Cel. Vicente Hueso García, Coronel da Reserva do Exército do Ar da Espanha, doutor em Ciências Políticas e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, com diploma em Relações Internacionais pela Escola Diplomática Europeia de Bruxelas. O coronel foi adido de defesa da Espanha na Mauritânia, Senegal e Cabo Verde e adido aéreo na Rússia, Ucrânia e Bielorrússia. Ele é especialista nacional destacado no Estado Maior da União Europeia e também professor do Centro Superior de Estudos e da Defesa Nacional e da Escola Superior do Ar da Espanha.
Com tanta experiência, ele vai discorrer aqui sobre a África e a União Europeia.
O SR. VICENTE HUESO GARCÍA (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Boa tarde.
É um grande prazer estar em Brasília. É uma honra participar deste seminário com um auditório tão distinto.
Quero agradecer ao Deputado Eduardo Bolsonaro o seu convite, igualmente à Comissão que organizou este seminário, pelo apoio que recebi para estar aqui.
A partir de agora, vou me expressar em espanhol.
Vou falar da gestão de crise da União Europeia na África. Possivelmente, os senhores acham que a África está muito longe, por estarem no Brasil, mas a globalização, como foi dito pelo Prof. More, faz com que os desafios, mesmo à longa distância, tornem-se crises que envolvem países que estão bem longe de onde estamos.
Observem esse quadro das Nações Unidas que mostra as operações das Nações Unidas para a manutenção da paz. Somente observem que 50% das operações de manutenção de paz estão sendo levados a cabo na África.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Se avançamos um pouco mais, veremos, na data de 1º de janeiro de 2019, que 85% do pessoal das Nações Unidas que participam dessas operações estão envolvidos com operações na África. Do total do orçamento das Nações Unidas de manutenção de operações de manutenção de paz, 54% são destinadas para as operações que estão sendo realizadas nesse continente. As três operações mais importantes das Nações Unidas também são desenvolvidas nesse continente.
Se avançamos um pouco mais, veremos as operações que são realizadas pela União Europeia dentro do marco da política comum de segurança e defesa, desde 2003. Há dois tipos de operações civis, que são levadas a cabo pela polícia, operações de administração. Observem que a maioria dessas operações, passadas e presentes, civis e militares, estão sendo desenvolvidas na África.
O quadro atual das operações que estão na África é o seguinte: seis militares e dez civis. Cinquenta e quatro por cento dessas operações são desenvolvidas na África. Se levamos em consideração as operações militares, somente das seis existentes, na atualidade, somente uma está na Europa, em Bósnia e Herzegovina, e o restante também está sendo realizado na África.
Essa é a situação das forças armadas espanhola. Quando há uma crise internacional, normalmente a Espanha, como primeira prioridade, sempre recorre à esfera multinacional, ou seja, apoia organizações internacionais, Nações Unidas, OTAN, etc. Se isso não for possível, é criada uma coalizão ad hoc para acabar com a crise. Em terceiro lugar, há muita distância de forma unilateral.
Há 15 anos, na Espanha, não havia cultura africana. Somente dávamos importância ao norte da África. A África subsariana não existia. Após 15 anos, 31% dos 2.500 soldados espanhóis em missão no exterior estavam na África. De todas as operações militares que há a União Europeia na África, a Espanha participa. Participamos dessa coalizão ad hoc, apoiando a França na operação em Mali, na República Centro-Africana.
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Por que a União Europeia participa na gestão de crise internacional na África? A resposta é muito simples, porque a União Europeia não pode ser uma ilha de paz e prosperidade rodeada de pobreza. Ela tem que projetar estabilidade.
A estratégia da União Europeia diz que a segurança interna da União Europeia depende da paz no exterior. O problema é que, quando nós temos que lançar missões na gestão de crises, somos 28 Estados e não existe uma definição aprovada no seio da União Europeia. Se há uma crise para um Estado localizado no sul; talvez, no norte, haja outras prioridades. Isso nos faz perder tempo. Mas quando os 28 países dizem que vamos em frente, a capacidade de influência é muito importante.
Outra coisa importante é que, sob o meu ponto de vista, não existem crises nacionais, sobretudo quando há violência, porque uma crise, quando é desenvolvida num país concreto, numa região concreta, se não tratada de forma adequada, em tempo e forma, em um mundo globalizado, acaba-se estendendo para outras regiões e outros países.
De maneira idêntica, a crise pode ter origem política, econômica e militar, mas, no final, as suas consequências são multidimensionais. Portanto, não se deve tratar a crise somente em uma dimensão, deve ela ser tratada em um conjunto de dimensões. Se acreditamos que é uma crise somente política, talvez, quando formos tratar disso, pode ter se transformado em militar ou econômica. (Mostra quadro.)
Essa é a África. Talvez, os senhores saibam bastante da África, um continente de oportunidades, com muitos recursos, de todos os tipos, com grandes interesses por muitos países, mas também com muitas instabilidades. (Mostra bombas.)
Essas pequenas bombas desenhadas no quadro apontam áreas onde, atualmente, há conflito e estão morrendo pessoas. Eu tentei ser exaustivo, mas, além desses conflitos que, em sua maioria, envolvem terrorismo na região de Sahel — onde eu mais desenhei bombas —, há outros conflitos muitos importantes também, um deles citado pelo Prof. More, que a pirataria, um tema preocupante.
Todo o território do continente africano é utilizado como espaço para transportar todo tipo de tráficos ilegais. Não vamos falar de tráfico de droga, porque já foi falado bastante pelos meus antecessores, mas vejam abaixo todas as redes de tráfico ilegal de pessoas que utilizam Estados falidos, como a Líbia e a Somália; ou quase falidos, como a Nigéria. Isso facilita um fluxo de pessoas que vão à Europa. Qualquer fluxo que não esteja controlado, produz danos a terceiros.
É importante dizer que, de todos os refugiados do mundo, a África responde pela porcentagem de 25%. E, se falamos de deslocados internos, esse percentual sobre para 33%.
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Tudo isso justifica que essa crise acaba aparecendo no espaço da União Europeia.
Até o ano 2000, desde a independência dos países africanos, a comunidade internacional acreditava que a melhor forma de criar paz, estabilidade e um bom nível de vida era mediante o desenvolvimento. Isto foi um fracasso. E não sou eu quem diz isso; isso é dito pelo Alto Representante da União Europeia, Javier Solana, que dizia que, já no ano de 2005, o seguinte: nos últimos 50 anos, todo dinheiro colocado na África para o desenvolvimento daquele continente equivaleria a 5 mil dólares por habitante da África Subsahariana. Depois desses 25 anos, há países que têm nível de vida pior do que antes, cuja sustentabilidade estar pior do que antes de se tornarem independentes. Então, seria necessário mudar essas políticas. Daí, então, aparece o conceito de segurança: sem segurança não pode haver desenvolvimento; sem desenvolvimento não pode haver segurança.
Mas isso exigiu que a comunidade internacional e a União Europeia mudassem suas estruturas. O que é mais importante e o que demora mais também é mudar a mentalidade. Mas esse não era somente um problema da comunidade internacional ou da União Europeia, mas também dos africanos.
Entre os anos 90 e 94 ou 95 — e os mais velhos se lembrarão disso —, houve uma grande matança na África Central. Reuniram-se os chefes de Estados africanos e disseram: "Os problemas africanos devem ser resolvidos pelos africanos". A partir daí, toda a sua rede de organizações regionais e sub-regionais criou estruturas de segurança entre eles, que está em processo de implantação, porque, como foi dito, começou a partir do ano de 2003. Há, portanto, cinco brigadas à espera de reação rápida, porque era considerado que, além do desenvolvimento, seria necessário um poder, uma capacidade militar para acabar com certas crises.
Notem também que, hoje, sempre que falamos de crises pensamos em violências estendidas a algumas forças, alguns meios. Mas a comunidade internacional esquece, no momento em que é assinado o acordo de paz, que realmente uma crise tem um ciclo: prevenção, tratamento dessa crise e, depois, a restauração da paz e o assentamento dessa paz.
A União Europeia, na sua estratégia, diz que é muito melhor trabalhar com a prevenção, desde o momento em que tenha havido um caso de violência, pois os efeitos colaterais são muito maiores.
Um antigo Secretário-Geral das Nações Unidas diz que o problema da comunidade internacional, onde estamos falhando, é sobretudo na fase de reconstrução da paz. Segundo ele, uma vez que é assinado um acordo de paz e é terminada a violência, 50% desses acordos são quebrados nos 5 primeiros anos, porque não foi tratado em profundidade o problema, porque houve esse aparecimento de violência.
Então, quando alguém decide intervir numa gestão de crise, chame-se crise internacional, deve esse alguém pensar que se trata de intervenção a longo prazo. Se a gente pensa que essa crise será resolvida quando for assinado um acordo de paz, a consequência de a violência voltar pode ser pior do que a que ocorria no início.
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Aqui temos todas as capacidades da União Europeia, não somente as capacidades próprias, que são todos esses hexágonos que estão aí, mas também as relações que temos com outros países e as próprias capacidades dos países-membros. Possivelmente, essa seja a organização que está mais bem situada para tratar de crises na África ou nas áreas do nosso interesse.
Qual é o problema? O problema é que cada um desses hexágonos possui um capítulo de atuação diferente. A capacidade da maioria está cedida pelos Estados à União Europeia, e são tomadas as decisões em Bruxelas, por maioria qualificada. Outras não são assim, mas há uma muito especial, que se chama política de segurança e defesa, em que há capacidades civis e militares.
O que acontece? Os Estados são muito sensíveis aos temas de segurança. Enquanto à União Europeia foi cedido o poder político e o econômico, o tratado econômico, o tratado de boa vizinhança, os Estados não cedem poder à União Europeia quando é necessário utilizar capacidades militares. Portanto, para que possam ser levadas essas capacidades militares ou civis, é necessário que todos os países aprovem. Se um dos 28 países disser "não", essa operação não é lançada.
Além disso, acontece outra coisa: enquanto as capacidades civis e todo o seu orçamento é pago pelo orçamento da União Europeia, quando é lançada uma operação militar, todos os gastos, com exceção dos gastos comuns — luz, água, quartel-general —, são pagos por cada um dos países. Então, quando um país lança essa operação, ele sabe que vai ter que pagar toda a logística, a extensão de seu armamento e as consequências que possam haver com respeito à vida de sua população. Por isso, às vezes, cada Estado deve justificar internamente por que vai aderir a essa operação.
O desafio que temos é saber se somos capazes de usar todos esses mecanismos e, quando há uma crise, colocar tudo em prática.
A influência da União Europeia é impressionante, porque atuamos na prevenção, no tratamento e, em seguida, na consolidação. O desafio, que é o que se chama de approach ou enfoque integral, é de todos, inclusive dos Estados Membros. É necessário que foquemos nisso e nos orientemos em direção ao mesmo lugar quando for produzida essa crise.
Como atuam as forças militares, uma vez que estão estendidas no terreno? Eu trouxe um resumo das seis operações que estão sendo realizadas atualmente, o que são e o que está sendo solicitado por parte da União Europeia.
Nós temos agora duas operações que nos permitem o uso da força, duas operações aeronavais: a da pirataria que ocorre no litoral da Somália, devido ao estado de falência da Somália. E também, em razão de ser outro Estado falido, na Líbia — além de países falidos que estão à sua volta — foi produzido um fluxo massivo de imigrantes em direção à Europa. Por isso decidiram utilizar meios aeronavais não para impedir, mas para lutar contra as máfias que dirigiam esses fluxos migratórios. Pela primeira vez, foi solicitada a inteligência para saber como funcionam essas máfias e as forças estendidas. Tínhamos que obter essas informações.
16:01
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Outro aspecto tem relação ao uso do espaço dos mares, vigilância marítima, porque a pirataria, como muito bem foi dito pelo Prof. More, não nos preocupa. A operação na Somália foi um êxito. Agora, vem a fase de tentar consolidar, já que parou a pirataria, e criar capacidade na Somália para que ela possa acabar com essas ameaças. Senão, o custo de ter um dispositivo permanente será caríssimo, que é o que está sendo feito no Golfo da Guiné. Os Estados que estão lá são falidos, e está sendo proporcionada ajuda em nível multilateral e bilateral. A Espanha está muito envolvida para que logo possam eles mesmos lutar contra o terrorismo. Esse é um conceito novo que se chama segurança operacional.
Outro aspecto que foi muito criticado é que, quando a Operação Sophia foi levada para frear as máfias e, portanto, frear o fluxo de imigrantes ilegais, fragatas e meios aéreos muito sofisticados muitas vezes tiveram que dedicar mais tempo ao resgate das pessoas que estavam em uma situação desprotegida no meio do mar, onde tinham sido deixadas por grupos criminosos, e estavam correndo risco de morte. Por sua vez, ao ver que pessoas salvavam refugiados, isso tinha o efeito de chamar mais grupos para lá, e os grupos que não obtiveram êxito em combater foram atraindo mais criminosos.
Outro aspecto fundamental é o que se denomina reforma do setor da segurança. Esse não é um tema militar, é um tema que abrange muitos setores: polícia, juízes, fiscais, prisões, companhias privadas de segurança. Agora, todos os que assumem mandatos nas Nações Unidas e na União Europeia, quanto às operações de manutenção de paz, todos dizem que têm que apoiar a reforma do setor de segurança. Mas se trata de um conceito muito difícil, porque é necessário misturar tudo. Parece ser um conceito militar, mas, se esse conceito de modificar as forças armadas não for coordenado com os demais conceitos, não estaremos fazendo uma reforma do setor da segurança, estaremos fazendo treinamento ou qualquer outro conceito militar.
Estamos gastando muito dinheiro com várias operações: em Mali, estamos treinando as forças malienses; estamos treinando também as forças da Líbia, assim como as forças da Somália. A gente estende uma unidade onde está sendo realizado o treinamento, mas isso cria muitos problemas. E por quê? Porque, quando alguém vai a um país pobre treinar as pessoas em seu território, são criadas muitas expectativas. Mas, logo que termina o treinamento, recebem os materiais. Se uma pessoa vai treinar e não tem munição, não tem arma para atirar, é muito difícil que esteja apta para depois atuar nos combates, porque lá eles têm terrorismo. Então, passam da euforia, com a União Europeia chegando, para a decepção, porque a União Europeia tem essa capacidade, mas, por lei, ela não pode adotar a strengthening international security. A decisão deve ser dos Estados Membros. Ao final, eles fazem um grande esforço, e os efeitos são muito poucos, porque essas pessoas não têm as capacidades de adquirir os armamentos necessários para o que foram treinadas. Com isso, eu concluo a minha apresentação. Espero que tenha sido do interesse de vocês. Quero dizer mais uma vez que é um grande prazer estar com todos vocês.
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Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (José Alberto Cunha Couto) - Muito obrigado, Cel. Hueso.
Infelizmente, não teremos tempo para debates. Novamente agradecemos aos palestrantes e a todos os presentes pela atenção. Acreditamos que as expectativas foram atendidas, para entendermos o que deve ser considerado quando um Estado decide envolver as suas Forças Armadas em situações de crise. Acredito que as reflexões e propostas aqui apresentadas merecem, portanto, a atenção dos governantes e de toda a sociedade.
A todos o nosso muito obrigado. (Palmas.)
(Pausa prolongada.)
O SR. APRESENTADOR (Edilson Holanda Silva) - Senhoras e senhores, tem início agora o quarto painel deste seminário, intitulado Diplomacia de Defesa.
Para atuar como mediador deste painel, temos a honra de convidar o Capitão de Mar e Guerra Francisco das Chagas Lemos Junior.
O Sr. Francisco das Chagas Lemos Junior é oficial da Marinha; ingressou na carreira militar em 1991; é bacharel em Ciências Navais com habilitação em Mecânica pela Escola Naval; possui mestrado em Ciências Navais pela Escola de Guerra Naval, curso de Estado Maior pela escola de Guerra Naval do Uruguai e curso de Estado Maior Conjunto pela Escola Superior de Guerra; dirigiu a delegacia fluvial de Presidente Epitácio, em São Paulo, de 2007 a 2009; comandou, de 2016 a 2018, o navio logístico Almirante Gastão Motta, da esquadra brasileira; foi professor de Planejamento Militar na Escola de Guerra Naval entre 2014 e 2015. Atualmente, o Sr. Francisco das Chagas Lemos Junior é Coordenador Adjunto na Chefia de Operações Conjuntas do Ministério da Defesa.
Passo a condução dos trabalhos ao Capitão Francisco das Chagas Lemos Junior. (Palmas.)
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O SR. COORDENADOR (Francisco das Chagas Lemos Junior) - Boa tarde a todos.
Aos guerreiros que resistiram até o último painel aproveito para parabenizá-los.
Senhoras e senhores, tem início agora o quarto e último painel deste seminário, intitulado Diplomacia de Defesa. Nele se pretende refletir acerca do emprego da diplomacia militar como um instrumento poderoso e necessário da política externa.
Destaco que este seminário está sendo realizado com apoio do Instituto de Relações Internacionais e Defesa — InfoRel, ao qual agradeço pela relevante colaboração e pelo convite à minha pessoa.
Para compor este painel convido para compor a Mesa os seguintes palestrantes: Silvia de Leon, Coordenadora-Chefe da Secretaria Técnica do Conselho Nacional de Segurança da Guatemala. Ela foi também Diretora de Política e Estratégia do Conselho de Segurança Nacional e assessora na Direção-Geral de Política de Defesa do Ministério da Defesa da Guatemala, tendo trabalhado ativamente no projeto de elaboração, formulação e desenho da política de defesa nacional da Guatemala no âmbito da OEA, ONU e Ministério da Defesa Nacional.
Convidou também o Sr. Javier Carcagno, que foi Diretor-Geral de Gestão da Secretaria de Segurança e Defesa Nacional do Peru, chefiou a equipe que formulou a nova política de segurança e defesa nacional, organizou a rede de representações de segurança e defesa setoriais e regionais, além de ter atuado como membro do Comitê Revisor da doutrina de segurança e defesa nacional, e criou o Centro de Gestão e Articulação da Segurança e foi assessor especial do Ministro da Defesa do Peru na direção de assuntos multilaterais e de segurança do Ministério de Relações Exteriores daquele país.
Convido também o Sr. Vinicius Mariano de Carvalho, professor de Estudos Brasileiros no Brazil Institute, do King's College de Londres e Professor Honorário de Estudos Brasileiros na Universidade Aarhus na Dinamarca, onde previamente foi professor e coordenador do Programa de Estudos Brasileiros e também serviu como Cônsul Honorário do Brasil. O expositor é também tenente da reserva do Exército brasileiro.
Registro um agradecimento especial aos nossos convidados que abriram espaço nas suas concorridas agendas e resistiram até o último painel.
Esclareço aos ilustres expositores e protagonistas deste painel que cada um disporá de 15 minutos para proferir a sua fala.
Informo, ainda, que este evento está sendo transmitido em tempo real pela Internet, bem como está sendo gravado para inserções na grade de programação da TV Câmara.
Desde que me deparei com tema Diplomacia de Defesa, eu tenho buscado uma definição um pouco mais clara, mas como é um tema ainda em desenvolvimento, isso não tem sido tão simples. Eu achei uma segunda metade de uma definição em um trabalho de Almeida Silva, oficial de Marinha, que fez uma brilhante tese de doutorado, em 2014, na qual cita que a diplomacia de defesa "envolve um conjunto de aspectos e tarefas não relacionados especificamente com questões técnicas e militares, tratando de temas políticos e estratégicos e, muitas vezes, daqueles relacionados com a ajuda humanitária e o desenvolvimento".
A Constituição de 1934 trouxe pela primeira vez o conceito de defesa nacional, em seu Título VI, Da Segurança Nacional. É razoável e óbvio perceber as Forças Armadas como o setor do Governo Federal responsável pela agenda de defesa.
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O Ministério da Defesa, que foi criado em 1999 como uma instituição que subordinou a tradição secular da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro, além da Aeronáutica, do Brigadeiro Eduardo Gomes, passou a exercer um papel ativo na gestão da política externa, principalmente no âmbito do subcontinente sul-americano.
Fica patente que os militares conseguiram fortalecer uma diplomacia junto ao seu entorno estratégico, buscando mitigar aquilo que Buzan e Waever, em 2003, chamaram de "transbordamento de vulnerabilidades internas".
O conceito de segurança multidimensional se materializa de forma inevitável nas fronteiras da Comunidade Andina e do Cone Sul, subcomplexos regionais de segurança que se complementam e se entrelaçam.
Na caminhada integracionista, buscando a liderança assertiva, a Política de Defesa Nacional, de 1996, insere conceitos de ambiente regional e segurança cooperativa.
A Estratégia Nacional de Defesa, de 2008, revisada em 2012, estabelece que a defesa nacional se faz em todas as expressões do poder nacional, em seus campos político, econômico, científico, tecnológico, psicossocial e, finalmente, militar.
A Política Nacional de Defesa, em sua Diretriz nº 18, fala em estimular a integração da América do Sul; ou seja, continuamos trilhando o caminho do Embaixador José Maria Paranhos, de Rui Barbosa e de Joaquim Nabuco na paz perpétua sul-americana. Acredito ser possível invocar Immanuel Kant sem abandonar um pragmatismo responsável em nossas relações exteriores.
Priorizamos os nossos entornos estratégicos, os irmãos sul-americanos, os Estados Membros da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, a Antártida, sob os auspícios do sistema interamericano, representado, desde 1948, pela Organização dos Estados Americanos.
Os projetos estratégicos, dos quais destaco o Programa de Desenvolvimento de Submarinos — PROSUB, da Marinha, o FX-2, dos novos caças, da Força Aérea Brasileira, e o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira — SISFRON, um ambicioso sistema de vigilância na faixa de fronteira terrestre, proporcionam-nos parcerias e absorção de novas tecnologias provenientes de importantes parceiros extrarregionais, como França e Suécia, um estímulo inestimável à nossa indústria de defesa.
As exitosas experiências no comando de operações de paz sob a égide da ONU, como no Haiti, de 2004 a 2017, e no Líbano, desde de 2011, trouxeram protagonismo ao Brasil como player global, somando-se ao Programa Antártico Brasileiro, desde 1982, uma referência científica de grande magnitude.
Fica claro que a já comprovada capacidade de operar conjuntamente efetivada pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, onde trabalho, permite-nos participar efetivamente de inúmeras operações combinadas no exterior, como o Cruzeiro do Sul Exercise — CRUZEX, Guarani, Brasil-Colômbia-Peru — BRACOLPER, Unitas, Atlasur e Ibsamar, da Marinha do Brasil.
Fica claro que estamos trilhando o caminho correto e, sob a liderança firme do Ministro da Defesa e dos Comandantes de cada força singular, estamos reestruturando a nossa posição de defesa como fomentadores da defesa nacional.
Para dar continuidade ao que eu introduzi, eu peço a permissão aqui para mudar a ordem dos palestrantes e passo a palavra ao Prof. Vinicius Mariano de Carvalho, que complementará, de uma forma mais profunda e qualificada, o que eu iniciei.
O SR. VINICIUS MARIANO DE CARVALHO - Muito obrigado.
Agradeço, mais uma vez, à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional — CREDN e ao Instituto de Relações Internacionais e Defesa — InfoRel — pelo convite para fazer parte deste seminário altamente relevante para o contexto e as realidades brasileira e global hoje. É interessante que começamos o dia com alguém que estudou no King's College London e agora, no final, estamos terminando também com alguém do King's College London. É bom saber que estamos marcando a nossa presença aqui também.
16:17
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A minha fala vai se dividir basicamente em três partes. A primeira delas é para discutirmos um pouco sobre o que entendemos de diplomacia de defesa ou diplomacia militar. Em segundo lugar, vou falar um pouco sobre as ações militares brasileiras, que, de certa forma, são características de uma diplomacia militar. Finalmente, chegaremos a algumas conclusões, que acho interessantes para refletirmos sobre o que queremos dizer com isso e qual é a relevância da diplomacia de defesa hoje para o mundo, especialmente para o Brasil.
A diplomacia de defesa vem se tornando cada vez mais uma ferramenta militar e diplomática, tanto em países com forte aparato militar de projeção de poder quanto naqueles cujas Forças Armadas têm limitada capacidade operativa no que se refere à projeção de poder externo hoje. Contudo, a definição do termo "diplomacia de defesa" ainda não é epistemologicamente bem definida e circunscrita e muitas vezes se confunde em vários lugares e em vários textos: ora se fala de diplomacia militar, ora se fala de diplomacia de defesa. Alguns até chegam a perguntar se não seria uma contradição afirmar-se que há alguma diplomacia no exercício externo do aparato de defesa de um país, aparato esse que necessariamente seria acionado quando falha a diplomacia propriamente dita.
Nessa apresentação, vou procurar definir e determinar alguns desses termos como vêm sido entendidos na Academia hoje e, de certa forma, como esse entendimento pode fecundar um pensamento de formatação de políticas e principalmente de construção de doutrinas e práticas estratégicas.
Pois então, diplomacia militar ou diplomacia de defesa? O uso de um termo ou de outro vem ocorrendo na Academia sem que haja distinção precisa entre eles e vem sendo muito mais determinado pela preferência dos autores do que por uma definição de princípio, cientificamente falando. Não vou aqui citar artigos e autores, porque isso tomaria muito do nosso tempo, mas, no texto que acompanhará essa fala, eles estarão presentes.
Diante dessas conceituações, muitas vezes ambíguas ou difusas, vou optar pela definição de Du Plessis, que buscou precisar o termo defendendo que diplomacia militar deveria ser restrita a ações de militares no exercício direto da diplomacia, por exemplo, como adidos militares de forças armadas, enquanto diplomacia de defesa englobaria não apenas as ações das forças armadas de um país, mas também todo o seu arcabouço de defesa, que não é apenas formado pelos militares. Assim, opto pelo emprego desse conceito de diplomacia de defesa, considerando que pode facilmente produzir uma compreensão da amplitude diplomática das ações, das práticas e das posições advindas de um ambiente militar quando em um contexto internacional, seja ele bilateral ou multilateral, seja realizado por autores militares ou não militares, mas com relação direta ao conceito do emprego das forças armadas — e esse é um ponto importante — em atividades específicas de diplomacia. E esse é o ponto que eu gostaria de focalizar mais.
Para mim, portanto em minha definição, diplomacia de defesa é entendida como o uso não violento do aparato de defesa de um país com o objetivo de, por meio de cooperação e mútua confiança, projetar-se uma perspectiva estratégica global ou regional desse mesmo país. Dentro dessa definição, podemos incluir atividades, como: o intercâmbio de militares em cursos e exercícios; o estabelecimento de missões de instrução e treinamento; a execução de exercícios militares conjuntos; o engajamento em operações de paz, sob a égide de organismos internacionais; o desenvolvimento de tecnologia e produção industrial de material bélico, através de acordo de cooperação e troca tecnológica, entre outros; e principalmente o desenvolvimento de um pensamento estratégico, seja ele regional ou global, em que se visualize e se preconize a construção de um ambiente de paz, mesmo com a presença desse aparato militar.
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O Ministério da Defesa do Reino Unido publicou, em 2000, um policy paper chamado Defence Diplomacy e procurou dar alguma sistematicidade e interpretação a uma série de atividades e programas de cooperação levados a cabo por suas Forças Armadas durante os anos 1990, buscando com isso definir também uma moldura para o que o Reino Unido está chamando de diplomacia de defesa. Nesse documento, eles listam as seguintes atividades como próprias da diplomacia de defesa: contatos bilaterais entre militares seniores e especialistas civis de defesa; designação de adidos militares para países estrangeiros; acordos bilaterais de cooperação em defesa; treinamento de pessoal civil e militar estrangeiro; acordos bilaterais de cooperação na troca de expertise e conselhos no controle democrático de forças armadas, na administração da defesa e nas áreas militares técnicas. Todo esse tipo de contato e intercâmbio foi entendido como diplomacia de defesa pelo Reino Unido, entre uma série de outras atividades listadas nesse documento que não vou pormenorizar aqui, para não tornar o assunto um pouco aborrecido demais.
Em outros termos, a preocupação é em como, em tempos de paz, as forças armadas e suas estruturas, recursos e operações podem atuar como ferramentas de uma política externa de manutenção e promoção da paz e da segurança, paradoxo, a meu ver, que se estabelece aqui. Portanto, sendo as forças armadas de um país um instrumento fundamentalmente do uso da força e, usando os termos de Nye, uma ferramenta de hard power, seu uso diplomático não descaracterizaria sua própria razão de ser, fazendo o poder militar um soft power, outra vez usando a terminologia do Nye?
Aqui é importante, portanto, fazer-se uma distinção que pode direcionar a compreensão desse conceito para nós, especialmente no Brasil. Poder militar seria uma ferramenta de hard power; e diplomacia de defesa, o exercício desse hard power como soft power. Daí decorre, segundamente, a opção por se utilizar a terminologia também de diplomacia de defesa em vez de diplomacia militar. O que estou dizendo aqui são peculiaridades semânticas, que talvez soem para alguns como bizantinices. Porém, academicamente nós sabemos que é assim que funcionam as coisas. Se não tivermos uma clara definição de conceitos, fica muito difícil comungarmos com as próprias ideias.
Tendo feito isso, eu procuro agora, nessa segunda parte, falar um pouco do que são as ações militares brasileiras, que são características de uma diplomacia de defesa já consubstanciadas na nossa tradição militar e que doravante podem ser aperfeiçoadas e servirem inclusive de paradigmas para outras nações amigas com as quais o Brasil compartilha uma mesma diplomacia de defesa.
As Forças Armadas brasileiras historicamente têm uma prática de relações internacionais sólida que está mesmo no cerne das configurações atuais das nossas Forças Armadas e também no cerne da própria dimensão do que queremos ver para seu futuro, não apenas no que diz respeito ao desenvolvimento de doutrinas, mas também na compreensão mesma da sua definição como forças armadas, seja nacionalmente, seja internacionalmente.
Desde o fim do século XIX até meados do século XX, missões militares francesas, alemãs, britânicas ou norte-americanas se fizeram presentes do Brasil num clássico exercício de diplomacia de defesa, influenciando doutrinas, estratégias, táticas e equipando as forças com material militar de seus respectivos países. Essas missões militares permitiram não apenas um relevante incremento no desenvolvimento tecnológico das Forças Armadas brasileiras, mas também a possibilidade de desenvolver as suas próprias doutrinas em articulação com aquelas de potências militares globais e dentro de um espectro de influência internacional do Brasil, fazendo com que o País também pudesse projetar-se internacionalmente como um produtor de conhecimento.
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Gostaria aqui de chamar a atenção outra vez para o seguinte: é importante notar como o Brasil vem historicamente sendo capaz de produzir um pensamento estratégico voltado a uma diplomacia de defesa. Mas o mais importante é a valorização e a exploração disso, no momento em que, estando do outro lado do Atlântico, muitas vezes não somos vistos, especialmente no ambiente inglês, como um país que produz, mas, como um país que consome. É importante ressaltar que o Brasil é um país produtor de estratégias, de doutrinas, de mentalidade, de pensamento, de diplomacia e de defesa, e não apenas um consumidor de ideias externas.
Com a criação do Ministério da Defesa, em 1999, de certa forma foi dada mais solidez e síntese às diversas atividades que já vinham sendo desenvolvidas nas Forças Armadas e que poderiam ser qualificadas como diplomacia de defesa. Antes mesmo de completar duas décadas de amadurecimento, o próprio Ministério da Defesa já deixou muito claro que as políticas externas de defesa são complementares e indissociáveis. Essa compreensão é fundamental para entendermos o que é uma diplomacia de defesa. Ela não está separada, caminhando numa direção diferenciada daquela que é a própria política externa do País. Ela não existe separada. Não existe uma diplomacia de defesa que não seja a própria diplomacia do País.
Nesse sentido, o incremento do envolvimento das Forças Armadas foi fundamental em três aspectos. O primeiro desses aspectos, desde a criação do Ministério da Defesa, apesar de já termos uma tradição anterior, foi certo reposicionamento do Brasil em operações de paz sob a égide das Nações Unidas. Nos últimos anos — e o nosso moderador já mencionou algumas dessas missões —, o Brasil vem ocupando um papel de destaque na fundação, na formatação e mesmo na mentalidade de operações de paz dentro das Nações Unidas, não apenas como um país contribuidor de tropas, mas também como redefinidor de aspectos relevantes nessas operações de paz.
Cabe ressaltar aqui a participação do General Floriano Peixoto Vieira Neto, antigo Force Commander da MINUSTAH, no high panel for peacekeeping, de 2015. Ele foi o único brasileiro que participou desse grupo de 15 pessoas que, de certa forma, repensou o que é operação de paz para o futuro. Além de tudo, houve uma grande participação brasileira em variadas missões de paz, que seria repetitivo listar aqui. Além disso, essa manutenção de uma participação constante, coerente e contundente em operações de paz é um potencial para a diplomacia de defesa brasileira que não podemos menosprezar nem tratar como superficial, porque ela tem de novo a capacidade de ser uma exportadora de mentalidade, e não apenas uma consumidora.
O segundo aspecto está relacionado à participação cada vez mais significativa do Brasil em fóruns internacionais sobre questões de defesa, tanto no âmbito das Nações Unidas quanto no da Junta Interamericana de Defesa, em fóruns multilaterais, em acordos bilaterais de defesa e, algumas vezes, até mesmo como grande promotor e sustentador de iniciativas, como no caso da OPAQ, assinado em 1986, que, de certa forma, é um exemplo paradigmático de criação de uma zona de paz, totalmente construída, imbuída e sustentada através de um paradigma de diplomacia de defesa.
Então, outra vez me chama a atenção, como pesquisador de estudos brasileiros fora do Brasil, o quanto estudamos ainda pouco, especialmente no ambiente internacional, o que significou a criação ou a assinatura das OPAQs. Acho que isso tem um impacto muito grande, até mesmo para o nosso conceito de Amazônia Azul, que vem sendo recentemente desenvolvido pela Marinha do Brasil e que outra vez demonstra uma oportunidade no que diz respeito à projeção do poder militar, sem necessariamente o uso de força.
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Outro exemplo que poderíamos citar são os exercícios que vêm sendo promovidos junto à CPLP — Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, um ambiente que nasceu puramente diplomático e que ganhou espaço para a diplomacia de defesa, sendo agora os exercícios comuns entre militares dos países da Comunidade. Há de se mencionar ainda uma série de missões (ininteligível) humanitárias nas quais o Brasil se engajou, também como formador de técnicos e de militares de outros países. Essas ações, apesar de pontuais, têm um grande impacto para a diplomacia de defesa, porque é, outra vez, o completo uso do aparato técnico militar dentro da sua atividade-fim, porém, com uma dimensão totalmente diplomática, uma dimensão totalmente dirigida à promoção da paz.
O terceiro aspecto diz respeito à cooperação internacional. Nesse sentido, o Ministério da Defesa se vale de uma série de ações, missões, intercâmbios e visitas pontuais realizadas pelas Forças, em conjunto ou independentemente. A Cooperação Militar Brasileira no Paraguai, que data de 1940, é apenas um exemplo, dentro desse aspecto, de missão constante que tem dado resultados visíveis por muito tempo. Ainda também a Missão de Assessoria Naval brasileira na Namíbia tem tido responsabilidade substancial pela construção da marinha de uma nação amiga. Todas elas colaboram para a projeção de uma mentalidade de defesa e para a estabilidade regional a partir da experiência brasileira e são claros instrumentos de uma diplomacia de defesa ativa.
Como considerações finais — e sei que o meu tempo está-se esgotando —, eu gostaria de dizer que um País pacífico, sem conflito com outros Estados, com uma tradição diplomática de solução pacífica de conflitos, com suas Forças Armadas profissionalizadas, com uma dinâmica de relação civil militar única e paradigmática, o Brasil encontra-se em lugar privilegiado para uma assertiva diplomacia de defesa que demonstre claramente a importância de um pensamento autônomo de defesa, porém, não desconectado com o que vem acontecendo no resto do mundo.
Eu entendo diplomacia de defesa como uma prática de soft power, com instrumentos normalmente associados ao hard power, tais como os aparatos e estruturas militares, e ela vem se consolidando globalmente. Esse entendimento demonstra que a diplomacia de defesa é um mecanismo valioso utilizado por instituições governamentais para fazer valer suas posições globalmente, fazendo uso pacífico de suas instituições militares.
No caso do Brasil, particularmente, o engajamento internacional de nossas Forças Armadas, seja em missões de paz, seja em operações combinadas, ou no intercâmbio de militares em missões de instrução, ou em muitos outros mecanismos de internacionalização do fazer militar distinto da guerra, como define o MD, em atividades benignas, demonstra ter material suficiente para a formulação de um pensamento de diplomacia de defesa afeito às realidades, às necessidades, às limitações e aos interesses nacionais. A assimilação dessa experiência pela própria formulação da política externa brasileira é fórmula vantajosa e ainda embrionária, mas contribui fortemente para a formulação mesmo de conceitos de diplomacia e de defesa a partir da perspectiva brasileira.
Torna-se claro que não se trata apenas de uma questão teórica a ser formulada aqui, mas da evidência de se reconhecer como certas práticas diplomáticas merecem, no ambiente das Forças Armadas, a incorporação e a sistematização coordenada com a política externa brasileira, dada a sua eficiência e eficácia na projeção do poder nacional.
O importante é que essas iniciativas estejam sempre em sintonia com os valores de uma política externa fincada na tradição diplomática brasileira, e que, dentro dessa tradição, o Brasil saiba demonstrar que é uma Nação com pensamento consolidado de defesa, que tem Forças Armadas profissionais e que continua como um ator confiável no concerto das nações.
Aqui termino a minha apresentação.
Obrigado pela paciência e atenção de vocês. (Palmas.)
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O SR. COORDENADOR (Francisco das Chagas Lemos Junior) - Obrigado, Prof. Vinicius. Sua apresentação foi brilhante e dentro do tempo.
Sra. Silvia de Leon, primeiro, apresento-lhe as minhas escusas por ter feito essa troca na ordem dos oradores, mas ela fazia sentido já que eu fiz uma introdução do tema que o professor ia abordar.
Passo a palavra à Sra. Silvia de Leon, por 15 minutos, para sua exposição.
A SRA. SILVIA DE LEON (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Boa tarde a todos! Muito obrigada por nos estarem acompanhando nessa larga jornada de reflexão sobre a importância dos desafios da defesa, principalmente no que se refere ao papel das Forças Armadas. Para mim, é uma verdadeira honra o convite do Deputado Eduardo Bolsonaro. Agradeço ao prof. Salvador Raza e ao Marcelo Rech o apoio que nos deram para obtermos esse êxito, que temos tido até este momento.
O tema que destacarei nesta tarde é sobre defesa e diplomacia. Quando falamos do conceito de diplomacia, já abordado pelo Sr. Moderador, o que primeiro nos vem à cabeça, precisamente, é a relação entre os Estados, e essa relação está imersa nos interesses. Quais são os mecanismos e as ações necessárias para abordar o tema da diplomacia? Quando falamos de defesa, lembramo-nos logo dos meios, das capacidades, dos recursos, mas também dessa institucionalidade que a defesa representa. E o objeto dos dois é defender esse bem comum, que, afinal, é a população.
Então, gostaria de começar falando da experiência da Guatemala no processo de construção da institucionalidade e do fortalecimento institucional que nos levou a desenvolver diferentes instrumentos de segurança da nação que o País teve oportunidade de construir. Nesse sentido, é importante falar um pouco da evolução que o conceito de segurança teve ao longo do tempo. Quando se fala, por exemplo, de segurança internacional, de segurança regional e também de segurança coletiva, cooperativa, há um enfoque multidimensional da segurança referente ao conceito de segurança humana. E, no caso da experiência da Guatemala, nós fomos desenvolvendo o conceito de segurança da Nação e construindo toda essa doutrina em relação ao tema de segurança. Nesse sentido, em relação à Guatemala, vou comentar como foi esse processo de construção do Sistema Nacional de Segurança, quais foram os instrumentos de segurança que desenvolvemos na Nação e finalmente alguns dos desafios.
Sobre esse modelo que vimos desenvolvendo, que é o conceito de segurança da Nação, como eu dizia, o objeto e o sujeito de atenção do conceito de segurança é a pessoa, sempre baseado na nossa Carta Magna, a Constituição, mas também orientado para tudo o que tem a ver com os direitos humanos das pessoas.
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O que estabelece a lei, marco do Sistema Nacional de Segurança, são precisamente essas condições que planteiam novos requerimentos para essa institucionalidade, que tem que atender ao tema de segurança e ao tema da defesa. Isso nos faz refletir também, no dia de hoje, o motivo por que necessitamos abordar e atender a esses temas de maneira integral em todos os âmbitos de funcionamento que eles necessitam. E isso nos permite identificar o que são esses componentes políticos estratégicos, operativos, táticos e tecnológicos de que falamos hoje. No caso da Guatemala, a partir da promulgação da lei marco do Sistema Nacional de Segurança, elaborada no ano de 2008, estabeleceu-se o que é o Sistema Nacional de Segurança. Esse Sistema tem a finalidade de ser um marco institucional, instrumental e funcional que atenda, de maneira preventiva, ao tema da segurança, para combater esses riscos, ameaças e vulnerabilidades, que vimos ao longo da jornada. Por exemplo, nós falamos aqui de tudo o que tem a ver com o crime organizado, transnacional, e de alguns outros temas muito importantes, que têm que ser abordados dentro da perspectiva da segurança.
Nesse sentido, o Sistema Nacional de Segurança está integrado ao Ministério das Relações Exteriores, ao Ministério da Defesa, ao Ministério do Governo e, em alguns países, ao Ministério do Interior, e possui uma Coordenação Nacional para a Redução de Desastres. Já falamos da importância de atender aos desastres e também do que tem a ver com a instituição que atende ao tema da Inteligência, a Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas, que é uma instituição que se dedica especificamente a atender à figura presidencial, que é a Secretaria de Assuntos Administrativos e de Segurança da Presidência.
Esse Sistema é coordenado, no alto nível, pelo Conselho Nacional de Segurança. Quando falamos do Conselho, referimo-nos às pessoas que representam cada uma dessas instituições, que mencionei anteriormente, coordenadas, no mais alto nível, pelo Sr. Presidente da República, pelo Vice-Presidente e pelos Ministros, que são os encarregados das carteiras que citei: o Ministro da Defesa, a Ministra das Relações Exteriores, o Ministro do Interior e o Secretário de Inteligência. Agrega-se também a esse Conselho a figura do Procurador-Geral da República, que, em alguns países, é o advogado do Estado.
Com a finalidade de atender, no mais alto nível, a essa condução política estratégica, que é o tema da segurança, para atá-lo ao tema desta tarde, estabelecem-se, por meio da lei, quatro âmbitos de funcionamento: a segurança interna, a segurança externa, a gestão de riscos e defesa civil e o tema da Inteligência.
A segurança externa consiste na defesa da independência e da soberania da Guatemala, na integridade do território, assim como na atenção à paz, à conservação e ao fortalecimento das relações internacionais, sob a responsabilidade do Presidente da República, por meio de seus Ministros das Relações Exteriores e da Defesa. Em nosso País, a condução da política externa está a cargo do Sr. Presidente e, como eu disse, é exercida pelo Ministro das Relações Exteriores. Nesse sentido, é importante mencionar que, no âmbito da segurança externa, o estado da Guatemala mantém, como já vimos em uma das últimas apresentações, esse apoio a tudo o que tem relação com a paz, por meio da participação de diferentes contingentes pelo mundo afora orientados à manutenção e à conservação da paz e de observadores militares, que também participam de diferentes missões de paz.
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A segurança externa consiste ainda em atender aos riscos, às ameaças e às vulnerabilidades que atentem não somente contra as pessoas, mas também contra a integridade do país. Assim, devem-se fortalecer todas as capacidades, como disse inicialmente, com a finalidade de atuar também de forma preventiva e dissuasiva nesse contexto, em que se elaboram, no caso da Guatemala, os instrumentos de segurança da nação, partindo de um dos primeiros referentes na América Latina, que é o Livro Branco de Segurança. De maneira geral, os Livros Brancos, dependendo das diferentes gerações, têm a ver com defesa. No caso da Guatemala, nós tivemos a oportunidade de desenvolver, pela primeira vez, um Livro Branco de segurança, que se chama Livro Branco de Segurança da Guatemala, de que até a capa é branca.
E aqui introduzimos um tema muito importante: segurança e desenvolvimento. Em algumas das conferências anteriores, ao se abordar a segurança de maneira integral, também se falou da importância de se fazer esse vínculo com o desenvolvimento. Falamos ainda da grande segurança, que é a que integra precisamente segurança e defesa. Nesse caso, incorporamos ao Livro Branco esse novo componente, que é o desenvolvimento.
Também foi falado como isso é integrado a tudo o que tem a ver com o sistema de justiça. Nós temos estes dois grandes sistemas: o Sistema Nacional de Segurança, que é integrado a todos os componentes que mencionei, e o sistema de justiça. Mas, no caso da Guatemala, também desenvolvemos o Livro Branco de Defesa. Eu tive a oportunidade de participar da elaboração de ambos os livros: o Livro Branco de Segurança, e as duas gerações de Livros Brancos de Defesa. O primeiro Livro Branco de Defesa pretendia colocar, num cenário como o que estamos vivendo agora, que as pessoas entendam esse conceito de defesa, pois nos damos conta de que, quando falamos de defesa nacional, estamos falando não somente do papel das Forças Armadas, mas também da participação do Estado e de seu conjunto na defesa. A defesa não é responsabilidade unicamente das Forças Armadas, mas também do mais alto nível, como já vimos, e, por que não dizer, em alguns momentos, de tudo o que tem a ver com os aspectos econômicos de um país. A Guatemala desenvolveu esse primeiro Livro de Defesa com a finalidade de colocar em discussão o entendimento das pessoas, ao se apropriar de um conceito de defesa. Mas depois se desenvolveu a segunda geração de livros de defesa. Um dos aspectos importantes é que a segunda geração de Livros de Defesa e o Livro Branco de Segurança foram construídos no mesmo espaço temporal, dos quais participaram quase as mesmas pessoas, com a intenção de se ter o alinhamento necessário e poder entender, em todos os níveis, a importância dos temas de segurança e defesa e como isso está vinculado ao tema de diplomacia. Também desenvolvemos outros instrumentos, como a Política Nacional de Segurança e a Política de Defesa. A princípio, eu falei do que vimos fazendo a respeito dessa construção da institucionalidade de segurança e defesa. Não sei se vocês se lembram da primeira apresentação em Salvador, onde foi falado também de toda essa arquitetura e de todos esses níveis das políticas públicas que necessitam ser construídos.
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Em relação a cada um desses níveis, partimos da Política Nacional de Segurança e vimos a diferença de muitas capas, que vocês já viram, de diferentes políticas de segurança dos outros países. Desde a capa, colocamos como atenção à pessoa, como eu disse a vocês desde o princípio. Tudo o que cada uma das nossas instituições desenvolvem em seu trabalho é orientado a garantir o melhor para que as pessoas possam desenvolver segurança, num ambiente de paz, e que alcancem aquilo a que aspiramos, que é o tema do desenvolvimento.
No caso da Política de Defesa, nós passamos a um nível de política setorial, que enfatiza temas específicos, como os que vimos tratando ao longo dessa jornada: o fazer de cada uma das três forças que vimos aqui e que estavam no painel anterior, ou seja, tudo o que tem a ver com as forças da terra, ar e mar. Mas também é importante incorporar outros elementos, por exemplo, como se abordam os temas tecnológicos e os temas de inteligência nessas políticas. Por isso, viemos construindo nesse sistema esses âmbitos de atenção que a segurança tem que ter para abordar os diferentes pontos de vista. E percebemos, ao final, que tudo isso é responsabilidade de todas as instituições que formam parte dessa institucionalidade do Estado.
Dessa forma, é importante mencionar que existem vários desafios no tema da diplomacia e da defesa. E nós necessitamos fortalecer esses espaços de diálogo e restabelecer mecanismos.
Falávamos da importância de abordar essas fases e por elas transitar. Vimos, por exemplo, a transformação que têm que ter as Forças Armadas ao transitarem pela fase de adaptação, de modernização, de transformação, e também a importância dos elementos: coordenar e colaborar. Afinal de contas, o que se busca é a integralidade para abordar os temas.
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Nesse sentido, um dos desafios é fortalecer os espaços de diálogo para estabelecer os mecanismos de alinhamento, tanto nas funções diplomáticas como nas funções de defesa, considerando, dessa forma, cada um dos papeis, no particular, de cada uma dessas dependências e os objetivos específicos que devem ser abordados.
No caso da Guatemala, nós temos também o desafio de coordenar isso a nível regional. Somos parte do sistema de integração da América Central. Foi feita aqui uma apresentação de como funcionava a União Europeia, mas nós também temos o nosso Sistema da Integração Centro-Americana — SICA, que busca, dentro dos seus mecanismos, integrar precisamente todos os esforços que na região vêm sendo desenvolvidos nos temas de segurança, de defesa e, neste caso, de diplomacia. É importante também considerar esses temas que devem ser atendidos e as peculiaridades de cada um dos Estados, como vimos no princípio. Todos e cada um de nós temos muitos pontos que coincidem.
Outros esforços vêm sendo desenvolvidos para saber, precisamente, como são atendidos esses riscos que atentam à vulnerabilidade: através da elaboração de uma agenda. Nós temos uma agenda nacional de riscos, ameaças e vulnerabilidades que se desenvolve por meio do Sistema de Inteligência. Sabemos também que as instituições que fazem parte desse Sistema de Inteligência são as mesmas que fazem parte do Sistema Nacional de Segurança, unicamente que em outro nível. Por exemplo, no caso do Ministério da Defesa, parte do que faz a Inteligência é através do Estado Maior da Defesa, por meio de sua Direção de Inteligência. No caso do Ministério do Interior, é através da Direção-Geral Civil, como eu disse, coordenada pelo Secretário de Inteligência Estratégica do Estado.
Para concluir, é importante lembrar uma das frases que foi dita quando recebemos o convite para vir participar deste fórum: "A primeira linha de defesa é a diplomacia".
Muito obrigada pela atenção. Convido-os a continuarem pensando sobre esses temas, porque é isto que nós buscamos: motivar essa reflexão para que cada um de vocês, com suas diferentes especialidades e pontos de vista, sigam enriquecendo os temas de segurança e defesa.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Francisco das Chagas Lemos Junior) - Muito obrigado, Sra. Silvia de Leon. Aproveito para felicitar o povo da Guatemala pelo exercício democrático, na eleição do novo Presidente. Isso é sempre importante que se passe no Continente Americano.
Passo a palavra ao Sr. Javier Carcagno, que dispõe de 15 minutos para sua exposição.
O SR. JAVIER CARCAGNO (Manifestação em língua estrangeira. Tradução simultânea.) - Boa tarde! Muito obrigado por me convidarem a participar de importante evento como este. Como podem ver, meu português é muito ruim. Tenho que terminar o curso intensivo que comecei há algum tempo. Então, peço desculpas. Vou fazer a exposição em castelhano, para que assim possam me entender, senão vamos ficar aqui mais tempo do que o devido.
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Eu sou o último orador a ter o uso da palavra, então vamos tentar fazer isso da forma mais dinâmica possível, para que o tempo passe rápido, e vocês possam não ser dominados pelo cansaço.
Tenho sorte em conversar com vocês, apresentar uma proposta de modelo de diplomacia para a defesa. Parece um desafio muito interessante, um pouco ousado demais, mas precisamos fazê-lo por respeito ao labor de quem o desenvolve. Vamos falar de algumas ideias sobre quais elementos podemos tomar para esse aspecto. No mais, é o tempo que temos. Não podemos falar sobre outro modelo.
Nesse marco, vamos ver em que contexto vamos trabalhar essa proposta de diplomacia para a defesa.
(Segue-se exibição de imagens.)
Como foi dito pelo Dr. Hueso faz um tempo, quando falamos do desenvolvimento de todo o Estado, o primeiro aspecto-chave é entender a direção em que este País vai. Temos que se identificar os fatores de desenvolvimento. Sobre essa base, estamos num cenário de desenvolvimento e segurança. Como eu sempre digo aos alunos de doutorado, não há forma com a qual possamos conceber o progresso de um país senão entendemos que existem interdependências permanentes e diretas. Se uma das duas não caminharem na mão, o processo não chega aonde deve, ele se frustra, porque o desenvolvimento e a segurança são as faces de uma mesma moeda.
Essa é a chave do trabalho. Isso nos permitiu, no Peru, neste momento, na Secretaria de Segurança Nacional, trabalhar o novo modelo, a jornada, como dizemos, atualizada na visão de defesa que tinha o País. Esse modelo é baseado em entender que a segurança é igual ao desenvolvimento nacional. Precisamos identificar os fatores e linhas de ação. Sobre isso, como vamos construir os outros modelos de desenvolvimento e o nosso modelo de defesa? Cada um é complementar ao outro. E vou colocar ênfase nessa palavra "complementar". O êxito para a construção de um modelo de país, no longo prazo, é entender essa interdependência e identificar da melhor forma possível os atores; não somente os atores, mas os mais transcendentes. Por exemplo, no rol da segurança nacional, quem faz a segurança nacional? Qual o é o papel pragmático e quais são os seus principais atores? As Forças Armadas e a Diplomacia. Isso me leva ao fundo do assunto, a entender, nesta exposição, como formar esse modelo de diplomacia para a defesa dentro do cenário de uma defesa nacional.
Como eu estava dizendo, neste cenário o que é mais importante é começar a identificar os dois atores chaves, não os únicos, mas os que são chave: a Diplomacia como elemento que nos permite projetar as nossas políticas, os nossos interesses mais além das nossas fronteiras, garantir a obtenção dos nossos interesses; e as Forças Armadas como elemento não somente de proteção da nossa integridade, mas também de contenção de qualquer agressão. A Diplomacia e as Forças Armadas, portanto, também estão numa forte interdependência para o desenvolvimento desta ação conjunta e para garantir a defesa nacional.
Neste cenário, temos, então, que identificar como o país, neste caso o Brasil, poderia ter planejado isso em outro sentido. Como estamos no Brasil, isso é o mais interessante de se fazer.
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Qual é a meta mais importante de se obter, qual é o ponto-chave a ser desenvolvido? Para este exercício não pensei em nada além de apresentar dois aspectos transcendentes no cenário da política que seria a brasileira e como é projetado geopoliticamente o Brasil: primeiro, como uma potência global, como um global player que deve ser consolidado, e segundo, o de líder regional, aquele que encaminha e orienta um pouco o desenvolvimento na condução das ações da política exterior no hemisfério também, um fator de influência decisivo.
E sobre esse tema surgem muitos aspectos, como dizia o Dr. Raza no seu momento. Eu lembro quando tinha aula com ele. Você pode criar quantas você quiser, mas, para esse cenário, para esse exercício, eu tratei de identificar algumas das mais importantes, que nos levam desde o aspecto da defesa da democracia, que é a preservação dos valores democráticos mais importantes — a luta contra a pobreza, a erradicação das desigualdades, a defesa do meio ambiente, a inovação tecnológica. Todos esses são fatores-chave para poder se desenvolver um contexto internacional proeminente. Junto a esses, há outros fatores que vão sendo desenvolvidos e que vão interagindo para alcançar essa liderança regional, que também tem que consolidar todos eles, em permanente combinação.
E agora a pergunta é: como fazemos, então, para que isso se relacione às Forças Armadas? É disso que surgiu o tema da construção do modelo da diplomacia para a defesa, porque aí é onde entendemos onde as Forças Armadas, neste caso do Brasil, podem contribuir para a formação desse modelo, ou apontar para a formação desse modelo de diplomacia que, por um lado, será desenvolvido pelo Itamaraty, por outro lado, pelas Forças Armadas.
O primeiro aspecto, por exemplo, é identificar e entender qual é o papel das Forças Armadas. Trata-se muito de alguns novos papéis, em tempos de paz, mas eu sempre digo, e isso eu sempre comento com os alunos, que não podemos deixar de lado, nem deixar de entender que a natureza das Forças Armadas é eminentemente militar, e esse é o papel base, sobre o qual deve ser construída sua propensão e sua projeção e papel de ação. As Forças Armadas são e serão sempre o ator-chave que existe em todo país para garantir a sua soberania. Portanto, devem estar preparados no seu papel para o uso da força. Garantir a paz significa também contar com forças de defesa que me permitam dissuadir ameaça externa. Nesse contexto, existirem Forças Armadas bem preparadas é um elemento-chave. Eu não insto a nenhuma carreira armamentista nesse contexto, mas simplesmente a terem os elementos razoáveis bem identificados para poderem ser dissuasivos.
Isso me leva ao segundo aspecto com o qual as Forças Armadas contribuem para a diplomacia na defesa: o poder de desenvolver capacidade de defesa para desenvolver cenários assimétricos, pois não estamos falando somente do uso das Forças Armadas em cenários de guerra tradicional, porque isso está proibido, mas estamos em cenários muito diferentes como a luta contra o terrorismo; a pirataria, da qual eu falava; o crime organizado, onde as Forças Armadas no Brasil tiveram uma participação importante. No ano passado, por exemplo tiveram uma experiência muito forte. No Peru, também temos essa situação. Temos, nas Forças Armadas, o Exército propriamente dito e a Marinha na luta contra o terrorismo, contra o narcotráfico, que invade permanentemente nossos espaços e se desenvolve nessas fronteiras, interage por aí permanentemente. É o rol das nossas Forças Armadas procurar lutar contra isso.
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Temos o tema também dos papéis complementares que as Forças Armadas têm. Aqui eu gostaria de destacar que isso justamente não é acessório. Volto a enfatizar a palavra "complementar". São papéis que vêm sendo desenvolvidos ao longo do tempo e que são substanciais com a sua natureza de desenvolvimento permanente. O que temos aí, por exemplo? A proteção da Amazônia, um fator onde as Forças Armadas sempre estiveram presentes, contra muitos elementos nocivos. Cito, por exemplo, o corte ilegal, a depredação de espécies. É um aspecto no qual o Brasil precisa começar a tomar uma postura muito mais contundente na sua preservação.
Somos neste momento — Brasil, Peru e Colômbia — potências hídricas, mas que já estão entrando em risco também nos próximos 25 anos. Se não me equivoco, isso vai em detrimento... Quem será o primeiro ator que terá que fazer frente a esse cenário se não for quem tem a maior extensão da Amazônia e quem tem a maior capacidade de dissuasão também? É o que é chamado para convocar as demais forças para ajudar a defender esses espaços.
Já tiveram uma experiência exitosa quando começaram o trabalho com o Pacto Amazônico. É possível continuar trabalhando e se consolidando, como foi dito pelo professor Vinicius faz um tempo, através dos elementos de cooperação e coordenação permanentes, com os quais são gerados vínculos de confiança que permitem garantir a preservação desses espaços. Há outro aspecto importante em que pode ser gerada a projeção da armada e pode contribuir com a diplomacia de defesa na projeção do País: a Antártida. Precisamos promover ainda mais, fortalecer ainda mais o desenvolvimento das missões pró-Antártida.
É importante também, como fazemos no Peru, haver uma política nacional nesse contexto. Isso permite não somente termos claro o objetivo, mas projetarmos os interesses no médio, curto e longo prazo.
Outro aspecto transcendente que temos — e o Brasil é pioneiro — é cibersegurança, ciberdefesa. Cada vez mais no nosso Continente são esses os sistemas que vêm se desenvolvendo — mais incipientemente em alguns países do que em outros, mas o Brasil é um ator-chave para que isso se desenvolva e para ser uma barreira de contenção dentro do seu próprio espaço na matéria.
Finalmente, temos o apoio ao desenvolvimento, à tarefa transcendente que todas as Forças Armadas têm. Foi dito pelo Dr. Perez, e estou seguro: tenho certeza de que isso não está somente nas estratégias de defesa do Equador, mas está também na do Peru, também deve estar na do Chile. Temos certeza. O apoio ao desenvolvimento é uma tarefa que todos entendemos como uma das tarefas mais nobres e louváveis que as Forças Armadas desenvolvem permanentemente para garantir não somente a construção da cidadania, mas também para garantir a paz dentro dos seus próprios Estados.
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No Peru, por exemplo, são tão eficazes estes labores que permitiram o desenvolvimento de diversas comunidades. Na própria Amazônia, temos um projeto que é chamado PIA — Projeto Integrado da Amazônia —, em que levamos navios da Armada pelo Amazonas e também pelos rios navegáveis da selva peruana, onde é levada assistência às populações mais longínquas. Levamos desde o Banco da Nação, para que possam cobrar as pensões, receber as pensões ou bônus no caso da assistência que lhes é dada, até serviços de saúde, serviços complementares. Esta é uma tarefa que também pode ser fortalecida mais além das fronteiras com a devida linha de cooperação que se desenvolve entre Estados. É justamente aí onde a liderança regional cobra vigência, é onde os espaços da diplomacia vão se fortalecendo graças a um ator-chave, as Forças Armadas, que têm a capacidade de chegar aonde outros espaços do Estado não chegam. Isso contribui para construir diplomacia para a defesa.
Senhores, um aspecto final — no caso, próprio do Brasil, que eu comentava agora com o Embaixador — é que eu considero muito importante: como o Brasil, na sua projeção, como um global player, deve começar a aprofundar... Perdoem-me se digo "deve", mas é importante, nesse processo de consolidação, que o Brasil aprofunde a sua projeção para influenciar o ocidente africano. Por esta transcendência, deve gerar uma política, uma visão política não de curto prazo, mas de um prazo mais longo, muito mais estruturado, que permita gerar uma visão de trabalho com atores com os quais tem vínculos históricos, culturais, étnicos, que permitam gerar um laço permanente para consolidar a união não somente da região, mas a vinculação importante entre dois continentes dentro de um mesmo hemisfério. Estamos consolidando também a diplomacia para a defesa, uma diplomacia que se torna cada vez mais ativa. E este é o papel que o Itamaraty vai poder desenvolver: saber identificar com clareza e precisão de maneira razoável sobre quais aspectos incidir, porque também não é desenvolver ideias e mandar para aventuras simplesmente. Não. Nem os Estados Unidos fazem isso. São conscientes das suas limitações. Já tiveram vários contratempos. O Vietnã, por exemplo, foi um. Não vão incidir em outros mais recentes.
Não podemos nos aventurar sempre em todos os tipos de ação. Mas ser um líder, um ator de influência global requer tomar decisões e ações concretas em momentos-chave. Quem não arrisca não ganha, diziam-me sempre. Bom, consolidar-se como líder regional e ser um jogador global demanda poder tomar decisões-chave em determinados momentos. O Brasil está sendo chamado a fazê-lo. Poder exercer essa capacidade de influência na região é preponderante. Cumprir um papel, como eu digo, de moderador, muitas vezes, na solução de disputas, é transcendente. A defesa da democracia, por exemplo, que é um tema tão importante para todos os latinos hoje em dia, demanda, sem dúvida, cada vez mais, ações mais enérgicas para que se garanta a democracia no continente, para recuperar as populações que estão submetidas a ditaduras ou, como disse o Deputado Bolsonaro, a narcoditaduras. É importante tomar ação no momento certo, não necessariamente com a beligerância, mas com medidas concretas e medidas dissuasivas, que podem ser desenvolvidas.
17:09
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Esse é o papel de um jogador global, que é importante desenvolver. E devemos ter cada vez mais consciência de que nesse papel que vamos desenvolver tem que estar sempre presente que o caminho para o crescimento de uma posição como líder na região que influencia os outros é estreitar os vínculos, é cooperar, é coordenar e ser cada vez mais integrador sob esquemas não necessariamente de vínculos sociais e políticos tão profundos. Vai-se dando passo a passo. Mas essas integrações têm que ter projetos e objetivos sólidos, sérios e concretos, bem definidos, com técnicas de intercâmbio sobre as quais vamos incidir não somente trabalhando sob discursos emotivos, mas sob aspectos que realmente signifiquem produtos que possamos ter. Isso, como eu digo no final, deve incidir cada vez mais nesse estreitamento entre povos também e não tender a desamericanizar-se para propender a se americanizar, como costumo dizer. No âmbito internacional, devem entender melhor. "O que você está querendo dizer?" É muito simples. Não se desamericanizar é não deixar de lado o que temos ao redor. Esta era uma política exterior brasileira da época do Império: não se vincular com as ex-colônias. Não digo que esteja sendo feito isso, mas tem que se fortalecer cada vez mais esse vínculo para que esse aprofundamento nos leve a um êxito conjunto e a alcançar um objetivo: a liderança regional num marco de um alinhamento numa projeção muito mais liberal, que é a que tem, por exemplo, os Estados Unidos, que é a americanização.
Nesse sentido, trabalhar nesse alinhamento não é ruim, é bastante produtivo para aqueles que compartilham essa visão. Não se trata de ser seguidor, mas agir construindo com eles sob interesses conjuntos. Ao mesmo tempo, que aqui os líderes deem a pauta, muitas vezes, para que o cenário regional adquira uma identificação própria e alcance o desenvolvimento sob a orientação de um ator que promove esse caminho, que neste caso é o Brasil.
Com isso, simplesmente devem ter entendido que eu gosto muito do lema da bandeira que vocês têm: "Ordem e Progresso". Se vocês observarem, desenvolver isso, através da ação conjunta das Forças Armadas e uma política ativa, lhes permitirá garantir que mais além das fronteiras do Brasil seja cumprido o lema "Ordem e Progresso" para todos.
Com isso eu encerro. O Brasil tem a capacidade de fazer isso. Agradeço novamente pelo convite.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. COORDENADOR (Francisco das Chagas Lemos Junior) - Obrigado, Sr. Carcagno, pela brilhante exposição.
Aproveito para pontuar que temos algumas semelhanças entre Guatemala e Peru, transbordamento de problemas fronteiriços, uma selva em sua fronteira, que inclusive a Guatemala também possui, problemas migratórios.
17:13
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No caso do Peru, ainda sempre há um fantasma de um grupo terrorista interno. No Brasil, sob a governança do Gabinete de Segurança Institucional, representado pelo Brigadeiro Ary, há um Programa de Proteção Integrada de Fronteiras. Inclusive, em fevereiro, estive no Equador fazendo uma apresentação sobre o plano. O representante do Ministério da Defesa do Equador mostrou-se interessado, até com a ideia de propor um elemento integrador entre Colômbia, Peru e Equador, mesmo o Equador não sendo um país fronteiriço. Há duas semanas, o Brigadeiro Ary liderou um dia inteiro de discussões para prontificarmos um plano nacional de fronteiras que tratasse da questão social, de desarrollo, do desenvolvimento na fronteira. Se isso não for trabalhado junto com a segurança, fizer parte do Conselho de Segurança Multidimensional, dificilmente vamos conseguir lograr êxito de forma completa e efetiva.
Aproveito a oportunidade para agradecer uma vez mais. Foi uma honra estar aqui um dia inteiro. Um seminário, um fórum nada mais é do que um mosaico de ideias de alto nível. No final, mesmo aquilo que parecia que talvez não agregasse tanto valor se encaixa de uma maneira impressionante. Eu vi isso ao longo de todo o dia, começando com a arquitetura de defesa, a brilhante apresentação do professor Comandante Raza, e todas as apresentações brilhantes que se seguiram, de pessoas qualificadas, de diferentes nacionalidades, que vivem problemas similares aos do Brasil.
Creio que o Marcelo e o Sr. Presidente da Comissão, o Deputado Eduardo Bolsonaro, lograram êxito ao fazer com que hoje construíssemos e déssemos um passo adiante na construção da ideia e da disseminação de uma política de segurança e defesa brasileira, sul-americana e latino-americana.
Agradeço aos expositores, que nos brindaram com valiosas contribuições neste seminário. Mais uma vez, agradeço ao público presente e aos que nos acompanharam pela Internet.
Peço a todos que aguardem em seus assentos, pois em 5 minutos haverá a cerimônia de encerramento, com o Presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, o Deputado Eduardo Bolsonaro.
Está encerrado este painel. (Palmas.)
(Pausa prolongada.)
17:17
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O SR. APRESENTADOR (Edilson Holanda Silva) - Convido a compor a Mesa o Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e Presidente da Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, o Deputado Eduardo Bolsonaro. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Bolsonaro. PSL - SP) - Já é boa noite, não é, senhores? Nem muitos presentes. Temos alguns problemas peculiares na data de hoje na cidade, mas nada que não vençamos com um Governo que não rouba e que fala a verdade. É uma grande diferença e que tem feito a diferença.
Meus caros, primeiramente, informaram-me que a Embaixadora da Venezuela Maria Belandria está aqui. Vamos fazer uma salva de palmas para ela. (Palmas.)
Não há que se falar "a Embaixadora do Guaidó", ou "a Embaixadora do governo provisório". É "a Embaixadora". Só tem uma: é a Maria Belandria, e acabou. Não existe outro governo. Se alguém quiser fazer referência a Nicolás Maduro, é referência a um narcoditador que está fazendo o seu povo morrer de fome.
Ao lado dela está o Tomás. É uma grande satisfação tê-lo aqui conosco, Tomás, auxiliando a Embaixadora Belandria.
Está aqui também Roderick Navarro, do Grupo Rumbo Libertad.
Em breve, haverá uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional exatamente para debater a Venezuela. Aguardamos os senhores com muita vontade e energia. Certamente será um debate, porque ali estarão presentes pessoas que têm uma visão antagônica à ditadura de Maduro, e outras — eles pedem para não falar "favorável" —, com uma visão mais "neutra" com relação a Maduro. Sejamos diplomatas.
Mas, senhores, gostaria de lembrar-lhes que este seminário serve como um campo de exposição de ideias — por vezes, debates. E tudo o que nós produzimos aqui fica documentado na Internet, no Portal da Câmara dos Deputados. Pode ser usado futuramente para trabalhos escolares, produções científicas, pesquisas, enfim. Eu agradeço a contribuição de todos os senhores.
O seminário internacional realizado nesta Casa hoje demonstrou claramente o papel que o Poder Legislativo pode ter na condução dos anseios de nosso País na seara da defesa nacional. Ele se insere no escopo de atuação da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e — vai além — mostra que a defesa, como objeto de análise do interesse nacional, é multifacetada e dinâmica no tempo. Temos o dever de analisar e estudar a defesa nacional em estreita ligação com a política externa.
Nesse sentido, não menos importante é o acompanhamento das conjunturas e das estruturas que influenciam a geopolítica internacional: fluxos migratórios em nossas fronteiras, interesses difusos e opacos de certos atores internacionais e não apenas estatais.
Ressalto aqui a oportunidade que eu tive de ouvir o Cel. Fernando Montenegro, que acertadamente falou, inclusive, na invasão criminosa de ministros sem autorização judicial que, ainda assim, são levados em consideração por uma parte da imprensa e por uma parte até das pessoas nas redes sociais que fazem questão de fazer esta seletividade. Além disso, ouvi aqui também as palavras finais do peruano Javier Carcagno.
17:21
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Falando de atuação de membros não estatais, o meu primeiro colega da Polícia Federal assassinado foi assassinado pelo grupo Sendero Luminoso dentro do Rio Amazonas. Essa é uma matéria totalmente pertinente ao dia a dia aqui do Brasil.
Rivalidades entre nações, desastres naturais...
Gostei também da fala do colega adido militar chileno, que falou aqui da conscientização do seu povo. Por vezes, quando ocorre um terremoto, não precisa de alerta. As pessoas já estão cientes da possibilidade de um tsunami. Então, há o esclarecimento da população com relação a esse tipo de matéria.
Rivalidades entre nações, desastres naturais e a insegurança gerada por grupos criminosos transnacionais são tópicos ilustrativos e cabulosos da dificuldade de se coadunar, por vezes, o interesse nacional com o pragmatismo necessário em nossa inserção nacional, pragmatismo realçado pela cooperação com países que possam contribuir para a construção de um poder dissuasório em sintonia com o poder diplomático com vistas a enfrentar as ameaças contemporâneas.
Mesmo a diplomacia tem seus limites, como prova a história, e as grandes potências mundiais sabem disso.
Negar os recursos para defender a Pátria é o mesmo que contrariar os interesses nacionais, insculpidos na garantia de nossa soberania e de nossa autonomia externa. Tenho sérias dúvidas se expoentes da consolidação das fronteiras nacionais, como Duarte da Ponte Ribeiro e o próprio Barão do Rio Branco, patrono da nossa diplomacia, teriam sucesso em suas empreitadas diplomáticas se não tivessem a certeza do apoio que teriam das nossas Forças Armadas — caso necessário, cabe ressaltar.
O mundo mudou, as ameaças internacionais mudaram, mas a dinâmica internacional do concerto das Nações Unidas continua a mesma desde a Conferência de Vestfália, do século XVII, passando pelo Congresso de Viena, no século XIX.
A estabilidade política no sistema internacional só pode ser alcançada pelo equilíbrio de poder com a existência de forças dissuasórias capazes de contrabalançar atores antagônicos.
Assim, vale até a pena lembrar. A própria ONU, para garantir a paz, faz uso das armas. Pena do povo venezuelano, que não pode dizer o mesmo.
Nesse sentido, o Brasil já deu o primeiro passo na busca do fortalecimento de nossos recursos dissuasórios. O reconhecimento de nosso País como aliado extra-OTAN pelos Estados Unidos da América — lembrando que foi um ato unilateral, não participou de qualquer mesa de negociação essa conduta proativa por parte dos americanos — exemplifica o pragmatismo de nossa política externa com resultados para a Defesa Nacional.
As contribuições advindas dos especialistas no presente seminário ajudarão, com certeza, no fomento de ideias e de ações que fortaleçam a Defesa Nacional em nome do resgate do orgulho nacional e do Brasil, acima de tudo.
Antes de encerrar, gostaria de registrar aqui apenas alguns agradecimentos. Primeiro, ao Instituto de Relações Internacionais e Defesa — InfoRel —, na pessoa do seu fundador, o Marcelo Rech, que foi parceiro na concepção e execução deste seminário. Ele contradisse o Presidente da Comissão de Relações Exteriores: ele não quis se sentar à mesa.
Marcelo Rech, onde o senhor está? (Pausa.)
Uma salva de palmas para o Marcelo Rech. (Palmas.) Ele praticamente levou nas costas este seminário, elegendo os senhores que fizeram parte das Mesas, com as suas articulações e os seus contatos internacionais.
17:25
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Isso não se constrói da noite para o dia. Certamente os senhores que participaram deste seminário sentiram a confiança em sua pessoa. Nada mais justo do que fazer esta singela homenagem.
Muito obrigado, Marcelo.
Quero fazer um agradecimento não só a ele. Não é uma lista de agradecimento do Oscar. Só há mais uma lauda. (Risos.)
Agradeço aos nossos convidados, que gentilmente aceitaram o convite para estarem aqui hoje. As contribuições que os senhores prestaram a este Parlamento são realmente muito valiosas.
Também agradeço aos profissionais da imprensa que cobriram este seminário.
Meu muito obrigado a toda a equipe da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, aos servidores do Departamento de Comissões, da Coordenação de Eventos e Cerimonial, da Secretaria de Comunicação Social, da Coordenação de Audiovisual e a todos os órgãos da administração da Casa que contribuíram para a realização deste evento.
Muito obrigado aos colegas da CREDN, à Ione, ao Edilson, a todos os que ajudaram a organizar este seminário.
Agradeço ao Sr. Richard Jorge Alberto Garcia Posse, Diretor do Serviço de Tradução e Interpretação do Senado Federal, a estima, parceria e apoio prestado por esta Casa Legislativa.
Vou fazer uma brincadeira: estou pleiteando, neste momento, a indicação para o cargo de embaixador. Então, estou treinando a minha diplomacia.
Agradeço, de forma bastante especial, ao público presente e a todos que acompanharam os debates via Internet.
A nossa rotina aqui é um tanto quanto atribulada. Por vezes, eu tenho até dificuldade de assistir às palestras, por conta das demandas. Mas assisti a uma parte pela televisão, enquanto estava na CREDN, e a uma outra, aqui. Certamente, elas são de muita valia.
Espero que este aqui tenha sido um ambiente para uma troca de contatos e um estreitamento de relações. Espero também que, daqui para a frente, possam nortear não só o Brasil, mas também toda a região, no mesmo sentido daquilo que foi aqui exposto.
Muito obrigado.
Boa noite a todos! (Palmas.)
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