1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação
(Audiência Pública Ordinária - Conjunta das Comissões CCTCI, CDHM e CREDN)
Em 10 de Julho de 2019 (Quarta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Ao saudar todos e todas aqui presentes, peço silêncio e declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, conjunta com as Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, destinada a debater o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas assinado entre o Brasil e os EUA.
Esta reunião decorre de requerimentos do Deputado Bira do Pindaré, aprovado por esta Comissão; do Deputado Camilo Capiberibe, aprovado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional; e ainda do Deputado Márcio Jerry, aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia.
Esta audiência pública se insere no contexto de iniciativas que temos realizado pela garantia dos direitos dos quilombolas, de maneira geral, e de Alcântara, em particular.
Hoje pela manhã houve o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, presidida pelo Deputado Bira do Pindaré, que está aqui comigo compondo a Mesa. A Frente atuará em prol dos direitos dos quilombolas. Peço uma salva de palmas. (Palmas.)
Eu não estive presente porque estava, juntamente com o Deputado Eduardo Bolsonaro, conduzindo outra audiência pública, mas já aderi a esta Frente Parlamentar e faço votos de que ela cumpra o seu papel de defender as comunidades quilombolas.
Além disso, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, representada por mim e pelos Deputados Bira do Pindaré e Márcio Jerry, juntamente com a Dra. Deborah Duprat, que aqui se encontra, realizou diligência a Alcântara na última semana. Lá pudemos ouvir as comunidades que já foram afetadas pelos Centro de Lançamento de Alcântara e que podem ser afetadas pela eventual expansão do CLA, caso o acordo com os Estados Unidos seja aprovado nos moldes em que foi apresentado a este Congresso Nacional. São 150 comunidades de quilombos, em Alcântara. Dessas, 32 já foram removidas na década de 80 para agrovilas e mais 27 podem ser deslocadas num futuro próximo.
Nossa posição é de que o acordo não pode ser aprovado sem que os estudos de impacto sejam feitos e sem que os territórios de quilombos sejam definitivamente titulados aos seus proprietários, como a Constituição estabelece.
Dito isso, informo que comporemos uma Mesa estendida, considerando o grande número de expositores.
Eu peço desculpas antecipadamente, porque é impossível nós, nesta mesa pequena, conseguirmos atender a esse grande número de convidados. Então, nós teremos a Mesa aqui, à frente, e a Mesa estendida para a nossa audiência pública.
Assim, convido os convidados para ocuparem seus assentos.
Já está aqui conosco o Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas e autor do requerimento, Deputado Bira do Pindaré.
14:21
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Convido também o Prof. Alfredo Wagner Berno de Almeida, Doutor e Antropólogo da Universidade Federal do Amazonas (palmas); a Subprocuradora-Geral Dra. Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos dos Cidadãos, do Ministério Público Federal (palmas); o Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior, representante do Ministério da Defesa, participando pela segunda vez hoje, pois já participou de audiência pela manhã (palmas); a Sra. Célia Cristina da Silva Pinto, Coordenadora Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — CONAQ (palmas); o Conselheiro Rodrigo Mendes Carlos de Almeida, Chefe da Divisão do Mar, da Antártida e do Espaço do Ministério das Relações Exteriores, que já está aqui, ocupando o seu lugar na Mesa estendida.
Convido também o Sr. Leonardo dos Anjos, Coordenador-Geral do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara — MABE (palmas); o Conselheiro Nathanael de Souza e Silva, Assessor do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania do Ministério das Relações Exteriores, que também já se encontra aqui devidamente acomodado; o Sr. Antônio Marcos Pinho Diniz, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara, representando a Comunidade Quilombola de Mamuna, em Alcântara, Maranhão.
Registro que na nossa diligência nós visitamos a comunidade de Mamuna. Eu pude conhecer a feira das comunidades. Eles me levaram para conhecer a feira da Comunidade de Mamuna e de outras comunidades.
Também convido para compor a Mesa o Sr. Francisco Gonçalves da Conceição, Secretário de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão. Também nos encontramos lá em Alcântara e em São Luís. (Palmas.)
Quero registrar a presença do Presidente da Comissão de Relações Exteriores, o Deputado Eduardo Bolsonaro, que também participa desta audiência pública, mas, por ter outros compromissos, não vai participar neste momento. Talvez na sequência S.Exa. consiga retornar.
Quero também convidar para compor a Mesa o Sr. Davi de Araújo Telles, Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação do Maranhão, que também já está aqui na nossa Mesa estendida (palmas); e o Sr. Yuri Michael Pereira Costa, Defensor Regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União.
Muito obrigado pela presença. (Palmas.)
Saúdo, pela presença, o Deputado Márcio Jerry, que esteve conosco na diligência e é um dos requerentes desta audiência pública, e também do Deputado General Peternelli, membro desta Comissão.
Há mais algum Deputado? Não estou vendo. Por favor, se houver mais algum Deputado, identifique-se. À medida que forem chegando, nós vamos registrando.
Concluída a composição da Mesa, esclareço que o tempo concedido aos expositores será de 10 minutos.
As imagens e o som desta Comissão estão sendo captados, para transmissão ao vivo na Internet e também para posterior registro de áudio e transcrição. Por isso solicito a todos que falem próximos ao microfone, para que o som seja captado devidamente.
Esta audiência pode ser acompanhada ao vivo na página da Comissão de Direitos Humanos e no Facebook.
14:25
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Quem quiser divulgar para amigos e conhecidos divulguem a página da Comissão de Direitos Humanos e o perfil do Facebook da Comissão de Direitos Humanos.
Após as intervenções dos integrantes da Mesa, abriremos a palavra aos Deputados presentes, por 3 minutos. Antes dos Deputados inscritos, falarão os Deputados requerentes. Em seguida, devolveremos a palavra aos expositores da Mesa, para fazerem suas considerações finais, por 5 minutos.
Vamos, então, iniciar as exposições.
Só quero fazer um alerta. Está havendo Ordem do Dia no plenário. Então, é possível que em algum momento nós façamos um rápido revezamento para que consigamos votar, pois pode ser que haja algumas votações durante a audiência pública, de modo que nós tenhamos que nos deslocar para ir ao plenário, votar e retornar. Nós vamos avaliar a cada momento como proceder. O ideal é que não interrompamos a audiência pública, mas temos que analisar, porque Deputado não podemos perder votação nominal. Então, nós vamos avaliando.
Estão presentes aqui o Deputado Bira, o Deputado Jerry, o Deputado Delegado Éder Mauro. Também está aqui presente o Deputado Peternelli. Nós avaliaremos se suspenderemos ou se faremos o revezamento rápido, para que consigamos fazer esta audiência pública sem interrupção e, assim, consigamos também participar das votações que ocorrerão no plenário.
Para iniciar as exposições, concedo a palavra, por 10 minutos, ao Prof. Alfredo Wagner Berno de Almeida, Doutor e Antropólogo da Universidade Federal do Amazonas.
O SR. ALFREDO WAGNER BERNO DE ALMEIDA - Boa tarde.
Eu queria cumprimentar o Sr. Presidente da Comissão, e, com isso, cumprimentar a Mesa. Cumprimento as demais autoridades presentes, os representantes quilombolas presentes e as demais pessoas.
A minha intervenção é curta e vai ter uma preocupação didática.
Em primeiro lugar, gostaria que fosse exibido o mapa de Alcântara.
(Segue-se exibição de imagens.)
É curioso que esse continue sendo o único mapa produzido a partir de problema que já dura 40 anos. Esse é o mapa que foi produzido a partir da perícia feita por solicitação do Ministério Público, com trabalho de campo, com detalhamento, percorrendo todos os povoados.
E me permitam um esclarecimento: são 159 povoados dentro da área afetada; são 214 povoados dentro do Município todo, a despeito de a área afetada corresponder a uma área superior à metade da superfície municipal.
Eu gostaria de começar mostrando aos senhores esse mapa.
Alcântara é como se fosse uma península. Essa área verde-escuro — e me perdoem a qualidade da projeção, que não é das melhores, mas eu creio que os senhores poderão entender — é a área que foi desapropriada.
É uma área de 62 mil hectares. A primeira desapropriação é de 1980, quando 52 mil hectares foram desapropriados por utilidade pública pelo Governo do Maranhão, que depois a repassou à União. No Governo Collor, em 1991, mais 10 mil hectares, perfazendo 62 mil hectares, foram acrescentados. Esse conjunto é a soma do verde claro com o verde escuro, só para os senhores terem também uma ideia do que pode estar em jogo nesta extensão.
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É uma área extremamente superior à área francesa da base de Kourou, não é? Nós visitamos essa área no período da perícia. Fui lá, comprovei que os quilombolas estão morando junto. Não há nenhum problema. Também é muito semelhante à situação chinesa — não visitei a China; contudo, peguei os dados —, onde não há praticamente deslocamentos. Também, no caso da ainda União Soviética, no início, não havia também na região onde há base lançamento. E no próprio Japão também não há. Não existe esse problema que há aqui.
Nós estamos vivendo há 40 anos um problema que poderia ser perfeitamente contornado, tanto que a primeira resposta ao quesito da perícia feita pelo Ministério Federal é que podem coexistir. O problema nosso, toda a discussão, é como coexistir, porque é como se uma parte achasse que a outra tem que sair de lá.
E a peculiaridade de Alcântara exige também um cuidado muito grande. Alcântara, para vocês terem uma ideia, tem uma situação diferente das outras situações brasileiras. Até o conceito de quilombo é diferente.
O algodão, no Brasil, vai ao fundo do poço em 1819, para vocês terem uma ideia. Então, são muitas as comunidades, mais de 80, que se formam a partir de 1819. Outras, antes ainda, em 1760, quando da expulsão dos Jesuítas por Pombal. Naquela época, forma-se um outro conjunto de comunidades. E outras, depois da queda do preço do açúcar, na década de 1870. Aí se forma um outro conjunto de povoados. Quer dizer, a cada momento em que as grandes plantações entram em crise, as pequenas unidades de trabalho familiar passam a ter autonomia e independência. Então, no caso de Alcântara, os quilombolas não fugiram; os quilombolas são os que ficaram. Quem foi embora... Vocês vão ver, porque nós mapeamos, que todas as casas-grandes estão em ruínas. Não há uma casa-grande em pé. Uma! Todas são ruínas. E junto delas estão os povoados.
Nós consultamos a Lei de Terras, de 1850. Para surpresa nossa — eu fui consultar os cadastros de 1854 a 1857 —, os registros são todos das famílias. São todos de famílias. Já não existem mais sesmarias, que morrem em 1823. Todas as terras estão em nome das unidades familiares que hoje estão lá. E, nas áreas que eram ocupadas por ordem religiosas, criou-se a figura das terras de santo. Há Terra de Santa Tereza, Terra de São João. Então, há terras de santos, terras de santas. São importantes também as Terras da Pobreza, porque há também um documento que institui uma Terra da Pobreza, para vocês terem ideia.
Então, há um conjunto de territorialidades específicas que formam o que se denomina hoje de território quilombola. E esse território quilombola também não surgiu... O início da luta não era por quilombo, e não havia elemento étnico em jogo. Esse elemento surge a partir da Constituição de 1988 e a partir do Seminário de 1999, numa situação em que as autoridades... Antes, era o Estado-Maior das Forças Armadas. Até, inclusive, 1986, quem está presente, quem vai visitar é comandado pelo Estado-Maior das Forças Armadas. Ainda não era a Aeronáutica que tinha o controle. Depois passou para a INFRAERO. Também foi um período muito complicado.
Eu acompanhei. Eu sou um pesquisador que está lá estudando desde 1972, para vocês terem ideia. Eu já tenho mais de 70 anos, então vocês imaginam há quanto tempo eu estou presente nessa região. Não é à toa que nós temos bastantes livros sobre isso. Não são poucos; são oito trabalhos feitos. Há bastante detalhe.
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E V.Exas. vão ver que o acompanhamento foi feito de maneira muito criteriosa.
Inicialmente, sobre essa parte à esquerda do mapa, em cima da parte rosa, é onde estão hoje os 8 mil e poucos hectares controlados pelo Centro de Lançamento de Alcântara. A pretensão agora seria expandir isso para o que se chamava, no início do projeto, área de segurança, que implica 30 mil hectares. O conjunto são 62 mil hectares. É bom que V.Exas. tenham isso muito claro.
O que ocorreu, de maneira assustadora, é que as primeiras famílias foram deslocadas para serem colocadas nas agrovilas em 1986 — foram 312 famílias, de 23 povoados. Entretanto, eu não sei se foi feito um estudo — se não, deveriam tê-lo feito — de avaliação do resultado dessa ação de se assentar as famílias em agrovilas, porque, em primeiro lugar, elas desrespeitaram a fração mínima de parcelamento. Trata-se do único Município do País que tem áreas inferiores à fração mínima de parcelamento. Isso foi assinado pelo Sr. José Sarney, o primeiro Presidente da República do período da redemocratização. Ele assinou algo que viola os dispositivos constitucionais e legais e os critérios técnicos do estabelecimento de área mínima.
Nós estamos falando de áreas de areias quartzosas. Os técnicos franceses, geólogos que foram examinar o solo, disseram: "Isso aqui é semelhante ao deserto Saara. Tem partes que são semelhantes ao deserto do Saara". Não obstante, essas famílias viveram lá durante 3 séculos, a despeito das crises, sem qualquer ônus ao Estado, produzindo, alimentando a Capital.
Ocorre que, com as agrovilas, ficaram frações mínimas de parcelamento, inferiores à capacidade de produção dos grupos familiares. Então, houve uma desagregação da produção, porque, com o deslocamento, essas famílias vão saindo do litoral, vão ocupando internamente as áreas e vão comprimindo os territórios dos outros povoados. Imaginem um lugar que tem 214 povoados.
E eu sempre chamei a atenção para isso. Isso deveria ter sido mapeado com GPS, ponto a ponto, mas não foi. Os únicos dados que se tem não são dados oficiais; são dados produzidos no âmbito da perícia e aos auspícios do sindicato e dos movimentos. Então, há uma inversão: o Estado quer se fazer presente, mas sempre foi muito ausente. Isso é um ponto que eu acho que nós temos que examinar com bastante cuidado, porque gera uma distorção de informações, que nunca são propiciadas com clareza. Talvez isso que eu esteja propiciando a V.Exas. seja uma coisa nova, até mesmo ao dar os nomes do povoado, em termos de demografia, os números correspondentes, as estatísticas primárias, etc. Esse conjunto de dados é fundamental para se poder refletir e decidir sobre a região, até definir sobre a modalidade de intervenção.
Eu acho que esse ponto também exige de nós um cuidado muito grande. No caso das agrovilas, o fato de ter ficado uma fração mínima de parcelamento inviabilizou a reprodução física das famílias, que hoje estão em situação de penúria. Eu acho que esse também é um dado que poderia ser examinado, trabalhado. Se há questão de se acertar o que foi feito e reparar os erros do que foi produzido, então é uma boa hora de arregaçarmos a manga e trabalharmos, porque o que se precisa também é ter esse conhecimento concreto da situação, respeitar os direitos constitucionais que existem e conseguir uma coisa extensa, que é possível.
Para mim, este ponto é fundamental. Quer dizer, historicamente, essa região tem uma consolidação muito forte, tem a maior parte da população em área rural. E isso é diferente, inclusive, da pirâmide demográfica do País, que está hoje concentrada na área urbana. A forma de uso da terra é marcada por uma combinação entre a apropriação e o uso comum dos recursos com privatização, no plano do pomar, das roças, daquilo que é realizado pela própria família. Eu acho que isso exige de nós um cuidado bastante grande para se orientar uma intervenção.
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Era isso que eu gostaria de dizer. Coloco-me à disposição para quaisquer esclarecimentos que V.Exas. necessitem, seja de natureza cartográfica, seja de natureza histórica, seja de natureza antropológica, haja vista que, desde 1999, com a percepção dos quilombos, essa alta definição a partir dos quilombos produz um novo projeto para essa região que exige um cuidado muito grande por parte do Estado.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Prof. Alfredo Wagner Berno de Almeida.
Passo palavra à Subprocuradora-Geral da República Deborah Duprat, por 10 minutos.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Boa tarde a todas e a todos.
Eu quero homenagear os Deputados Helder Salomão e Bira do Pindaré por esta importante audiência, porque trata de um assunto que avança muito rapidamente no Congresso sem que os principais afetados por múltiplos empreendimentos nessa região onde se situa o Centro de Lançamento de Alcântara tenham sido ouvidos. Então, eu quero valorizar muito essa iniciativa também do Deputado Márcio.
Eu acho que nessa região onde se situam as comunidades afetadas pelo Centro de Lançamento de Alcântara se verificou uma das mais cruéis e perversas violações de direitos humanos. Por que eu digo isso? Porque nós nos entendemos a partir dos planos que fazemos para o futuro. Nós todos, porque somos finitos, só nos entendemos quando conseguimos nos projetar um pouco para o futuro e nos lançar a alguns desafios que deem sentido a essa existência. Isso foi interditado para as comunidades que se situam naquela região.
Eu estive lá pela primeira vez em 1999, quando se deu esse seminário a que o Prof. Alfredo Wagner se referiu. Na ocasião, eu pude ouvir aquelas 300 e poucas famílias que tinham sido removidas em 1986. O que elas diziam? Que tinham sido alertadas de que ia ser lançado um foguete e que elas deveriam ir embora rapidamente, porque a sua vida corria perigo. Sem muita discussão, elas concordaram em ir para as agrovilas, e, na área de praia onde estavam, foram construídas as residências dos oficiais superiores.
Eu imagino esse primeiro sentimento de indignação por terem saído de áreas ancestrais e para lá terem se mudado as pessoas recém-chegadas.
Mas não é só isso. As agrovilas eram espaços de controle absoluto por parte da Aeronáutica. Controlava-se quem saía, quem entrava, se era possível se instalar um orelhão ou não, se era possível ampliarem as residências. Como as famílias foram crescendo ao longo do tempo, ocorreu também o fenômeno ao qual o Prof. Alfredo Wagner se referiu, que foi o exílio da população mais idosa para as periferias de São Luís, para dar lugar a novas gerações.
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Na ocasião também desse seminário estava se iniciando, por parte agora da INFRAERO, um segundo ciclo de remoções, conduzido por um veterinário.
As famílias que estavam em vias de ser removidas já conheciam, àquela altura, a realidade das agrovilas. Significava que — Deputado Bira, Deputado Helder, Deputado Márcio, nós ouvimos isso recentemente — eles que eram pescadores foram transferidos para o interior. Viajavam todos os dias 5 horas para ir para o mar e 5 horas para voltar para conseguir praticar aquilo que era a atividade tradicional daquelas comunidades.
Além disso, isso tinha — também ouvimos isso — desorganizado completamente o ciclo econômico, as relações econômicas que se produziam entre os diversos grupos dessa comunidade, porque a pesca começou a faltar. E nós vemos que hoje, passados quase 40 anos, o temor de não terem mais o peixe como alimento persiste.
A partir daí, nós tivemos uma série de eventos que misturam um pouco uma certa euforia dessas comunidades, uma certa expectativa de futuro, com muitas frustrações.
Então, é proposta ação civil pública na qual se produz o relatório antropológico a cargo do Prof. Alfredo Wagner que vai definir os limites desse território.
Esse trabalho é incorporado pelo INCRA e é publicado. Ou seja, nós avançamos no processo de reconhecimento territorial até quase o seu último ponto.
Também essas comunidades não entenderam muito bem o sacrifício enorme que faziam em prol de uma autonomia brasileira na área aeroespacial, porque aquela estrutura que foi montada estava minguando, e a base começava a ser um centro comercial de lançamento de foguetes. Então, até a utilidade pública que a justificava de início se perde no meio do caminho.
Depois, novas e novas e constantes ameaças de remoção por um outro empreendimento, a Cyclone Space.
Em relação ao acordo Brasil-Estados Unidos, ele também é, de certa forma, contemporâneo a essa minha primeira ida a Alcântara. Foi um primeiro acordo firmado no Governo Fernando Henrique Cardoso. Eu estive no Centro de Lançamento de Alcântara pela primeira vez, nesse ano de 1999, conversando com o responsável pela base. Ele me dizia, de uma maneira muito sofrida, que havia tido um investimento institucional, um investimento das Forças Armadas muito grande naquele empreendimento, e chegou o momento em que eles estavam desenvolvendo uma tecnologia superior. No entanto, faltou um componente. Esse componente só quem tinha eram os Estados Unidos da América. Isso inviabilizou o Programa Aeroespacial Brasileiro.
O acordo projetado naquela ocasião entre Brasil e Estados Unidos impedia que o Brasil tivesse acesso a qualquer tecnologia que lhe permitisse avançar no seu Programa Aeroespacial Brasileiro. Esse acordo não foi adiante. Sabe-se como aconteceu — tenho pouco tempo; estou querendo avançar —, mas recordem-se que na sequência foi firmado um acordo com a Ucrânia. O WikiLeaks revelou trocas de documentos entre o governo norte-americano e o governo da Ucrânia que revelam o governo norte-americano dizendo muito claramente que não era para a Ucrânia informar nenhuma tecnologia ao Brasil porque o governo norte-americano não tinha interesse no desenvolvimento do Programa Aeroespacial Brasileiro. Isso está na Internet para quem quer que seja.
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Bom, o que eu quero dizer agora, já me encaminhando para a conclusão? É que nós não podemos pedir a essas comunidades que elas acreditem que isso não vai lhes afetar. Eu acho que é impossível, diante de tantos eventos ocorridos ao longo de quase 40 anos, esperar que elas sejam crédulas em que não vai haver ampliação da base, que elas não serão removidas, que nós não vamos interferir de forma alguma no modo de vida delas.
Eu não quero nem analisar aqui o acordo entre Brasil e Estados Unidos, porque não acho que eu seja a pessoa a quem caiba analisar o acordo que está sendo proposto atualmente. Eu acho que os primeiros destinatários dessa conversa devem ser exatamente os moradores do Território Quilombola de Alcântara.
Agora, para que nós tenhamos conversas sérias e responsáveis, nós precisamos deixar as partes numa situação simétrica. E isso só se resolve mediante a segurança territorial desse grupo. Só falta a titulação, numa área em que o dispêndio para isso é quase zero. É uma área toda pública. Então, a titulação não traz ônus para a União.
Depois, eu acho que eles são os primeiros legitimados a serem consultados e estabelecerem uma conversa responsável com esse projeto que se pretende, certos também de que haverá um licenciamento ambiental e que eles não serão surpreendidos por acidentes e mortes, como ocorreu ao longo da vida, mas muito especialmente no ano de 2003, sem que eles saibam exatamente o que provocou aquelas mortes e que risco eles enfrentam no seu cotidiano. Ou seja, é preciso desenvolver ali um diálogo, e o diálogo só é possível quando as partes se colocam numa relação de respeito entre elas.
Era só isso.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço a exposição da Dra. Deborah Duprat.
Quero registrar a presença do ex-Presidente desta Casa, Deputado Arlindo Chinaglia, membro da Comissão de Relações Exteriores, com quem nós estivemos hoje pela manhã numa audiência pública.
Há mais algum Deputado cuja presença eu não registrei ainda?
Quero registrar a presença na Mesa agora — não mais na Mesa estendida — do Deputado Márcio Jerry, Vice-Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, que realiza conjuntamente esta audiência pública.
Também está presente o Deputado David Miranda.
Quando nós fomos à comunidade Mamuna, na quinta-feira, eles disseram que nós precisávamos conhecer a feira deles.
Todo mundo sabe o que é a feira das comunidades tradicionais dos quilombolas?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - De Mamuna, não é? A feira é o mar, porque, segundo eles, no mar eles encontram de tudo. A feira é completa. Eles encontram o necessário para a subsistência.
Eu achei aquilo muito simbólico. A feira da comunidade é o próprio mar. Aliás, o mar belíssimo daquela região.
Quero passar para o próximo expositor, o Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior, representante do Ministério da Defesa, por 10 minutos.
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O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Obrigado, Deputado Helder Salomão.
Deputado Márcio Jerry; Deputado Bira do Pandaré, demais integrantes da Mesa, da Mesa estendida...
O SR. BIRA DO PINDARÉ (PSB - MA) - Bira do Pindaré.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Hã?
O SR. BIRA DO PINDARÉ (PSB - MA) - Bira do Pindaré.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Foi isso que eu falei. (Risos.)
O SR. BIRA DO PINDARÉ (PSB - MA) - Eu ouvi outra coisa. Desculpe-me
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - ...senhores integrantes da Mesa estendida, senhoras e senhores, aqueles que nos veem pela TV Câmara ou nos ouvem pela Rádio Câmara, eu, até 4 anos atrás, era muito distante do assunto Programa Espacial Brasileiro. Tive minha vida operacional em outras áreas. Há 4 anos eu comecei a trabalhar como Vice-Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica e, depois, como Chefe de Operações do Ministério da Defesa. Lá eu sou representante político desse Programa Espacial e tive que me aprofundar muito nisso.
Vim aqui para discutir o Acordo de Salvaguardas, mas sem me furtar a qualquer discussão honesta, ampla, clara. Não temos medo de escutar.
Eu agradeço, então, ao Presidente pelo convite feito ao Ministério da Defesa. Temos aqui diversos integrantes, entre eles o Presidente da Agência Espacial.
Este é um assunto do Estado brasileiro. Este não é assunto do Ministério da Defesa, não é assunto do Executivo, do Legislativo, dos quilombolas, de associação alguma. Esta é a hora de nós olharmos para o futuro do nosso País e dizermos o que nós queremos. E quanto ao que nós queremos, cada um aqui tem uma perspectiva.
Ontem eu estive lá na sua comunidade e escutei assim: "Nós queremos ser felizes". Todos nós queremos ser felizes. Eu também quero ser feliz. Mas o que nós queremos como autoridades, como responsáveis pelas decisões do nosso País é o seguinte: nós temos que nos sentar aqui e olhar as diversas perspectivas nossas, do Professor, da Procuradora, da Casa Legislativa, da Defesa, da Ciência e Tecnologia, das comunidades. Podemos olhar dessas perspectivas e descobrir qual é o sentido, qual é a direção do bem comum que nós queremos.
Foi assim a nossa negociação para o Acordo de Salvaguarda. Eu já falei: a partir do acordo de 2001 e dos 9 pontos levantados por esta Casa, principalmente pelo Deputado Arlindo Chinaglia, nós sentamos à mesa para discutir. Não foi o que nós queríamos. Também não foi o que eles queriam. Nós temos que buscar o consenso e responder o que nós queremos com o Programa Espacial, até que falemos "nada". Estamos condenados a vender produtos básicos, semimanufaturados, e vamos — com todo o respeito à agricultura desse País — continuar produzindo matéria-prima para exportação. Mas, se não é isso que queremos, nós temos que nos sentar e saber qual é o preço disso.
Durante os últimos 40 anos, nós tivemos três quases. Nós começamos essa história do Programa Espacial no quase da missão espacial completa brasileira, no final da década de 70 e início da década de 90. E ele não deu certo. Depois, nós conseguimos desenvolver o Veículo Lançador de Satélite, um programa belíssimo, e começamos isso junto com diversos outros países, como a Índia, que hoje estão muito a nossa frente, gerando riqueza, gerando conhecimento, gerando produtos para exportação. E aquele VLS explodiu, por diversas razões que não adianta hoje... O máximo que adianta nós olharmos o passado é para não repetirmos o erro no futuro. Por falta de apoio para a ciência e tecnologia, por falta de previsibilidade de recurso, porque nós somos pobres, por falta de prioridade, nós ficamos no quase no VLS.
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E eu sei que, com cada um desses quases, a comunidade científica sofreu, os quilombolas sofreram, a região sofreu, Alcântara sofreu e o nosso País perdeu uma oportunidade.
No início dos anos 2000, nós tivemos o nosso terceiro quase, que foi a Alcântara Cyclone Space.
Vejam bem, eu sou um Oficial Geral das Forças Armadas. Sou um funcionário do Estado brasileiro. Não represento nenhum País. Olho para trás e vejo que todos esses quase têm colaboração de diversos segmentos da nossa sociedade, inclusive política, e de gestores. Então, não adianta olhar para trás.
Ontem eu fui visitar o canteiro da Cyclone Space que está lá. Tenho aqui no meu celular um filme. Escutei isso lá na Mamuna de um quilombola que foi soldado nosso no Centro de Alcântara. Quando ele acabou, eu disse: "a sua indignação como brasileiro é a mesma minha. Não precisa falar que aquilo é um absurdo, que o recurso foi jogado fora. Nós temos que fazer diferente".
Então, a Cyclone Space foi mais um quase. Portanto, nós já perdemos três oportunidades.
O que nós queremos do nosso futuro? Depois que nós soubermos o que queremos do nosso futuro, nós podemos começar a saber quais são os princípios da nossa negociação. Se nós não queremos o futuro lá naquela área, esta sessão pode ser encerrada. A sessão, contudo, não pode ser encerrada sem saber que nós já tínhamos um Centro de Lançamento da Barreira do Inferno — nós, Brasil, não é a Força Aérea Brasileira, não é a Defesa — e, por problemas fundiários de redução do espaço ao mínimo, ele se tornou inviável para um centro de lançamento.
Foi por isso que, em 1979, esses documentos de consolidação dos 62 hectares, que já foram citados — e essa área não é maior do que o da Guiana; o da Guiana é de cerca de 70 hectares. Então, Professor, 62 hectares são inferiores ao de Kourou. Os 62 mil hectares são inferiores aos 70 de Kourou e de outros. Mas, sim, nós buscamos ali uma área próxima a isso. Desses 62 mil hectares consolidados, o trabalho foi sendo feito. Não dá tempo aqui de nós contarmos isso. Já foi citado.
Anteontem eu me reuni lá em Alcântara com representantes das sete agrovilas. Eu tenho aqui o nome deles e não vou citar, porque não tenho autorização. Eu fiz uma pergunta para cada um deles: você acha que a sua vida hoje está melhor ou você acha que estaria melhor? E eles foram unânimes em dizer: "Está melhor". Não por coisas que o Estado lhes deu. Não; eles tiraram do trabalho deles — também colocaram isso. E falta muito Estado lá. Falta Estado, falta Município, falta o poder público nessas sete agrovilas — falta o ônibus escolar, por exemplo. Mas eles suaram e fizeram o seu papel. Estão mais próximos de Alcântara. Estão preocupados não só com a vida deles como comunidade, mas também estão preocupados com os filhos.
Ontem, lá na Mamuna, quando eu cheguei, o clima era muito ruim. Eu perguntei: "Que coisa é essa que um brasileiro não pode vir aqui?" Começamos muito mal, mas acabamos sentados à mesa do Bar do Seu Cipriano, conversando todos e buscando a solução.
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Eu não sei qual é a solução. Se alguém aqui dentro acha que sabe a solução, nós não sabemos. Nós temos que discutir, sim, algo que seja ganha-ganha. Tem que ganhar o País, têm que ganhar as comunidades, tem que ganhar o Município, tem que ganhar o Estado. Como nós vamos discutir isso?
Após a assinatura deste acordo, eu já estive com a bancada do Maranhão, com o Deputado Márcio Jerry, com a bancada do PDT. Existe muita desinformação sobre este Acordo. Eu não tenho tempo, mas vou colocar aqui três pontos.
Um: este Acordo não é o mesmo de 2001. Não adianta, como eu vi no relatório aqui, pegar o Word e comparar os dois arquivos, porque pode ser que haja só uma palavra "não", e uma palavra "não" muda bastante o sentido de qualquer texto.
Dois: esse Acordo não fere a soberania do País.
Eu sou um militar. Não tenham dúvida de que o militar pensa na soberania do País, até porque, se a soberania for machucada, eu estarei lá para retomá-la.
Três: não é 100% o que nós queríamos, mas nós avançamos muito. Já conversei muito com o Deputado Arlindo Chinaglia, que colaborou com suas observações na década de 2000. Estou pronto para discutir as cláusulas.
Agora, nós não podemos aceitar, perdoem-me...
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Só um minuto, Brigadeiro.
Aos Deputados, só quero avisar que está havendo votação nominal. Então, quem quiser ir, corra logo e volte. Nós continuamos, mas eu peço que voltem logo para me substituir, pois eu também preciso votar.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Então, eu tenho certeza de que este Acordo é uma boa evolução do acordo de 2001. Ele não fere a nossa soberania. Não é 100% do que nós queríamos. Agora, eu acho que nós não podemos condicionar a tramitação e a aprovação deste acordo às questões de titulação de terra quilombola ou a quaisquer outros "se". Senão, nós estaremos perdendo mais uma vez a nova oportunidade.
Conversei sobre titulação abertamente lá com todos. Há problemas de titulação individual, nas terras coletivas, titulação coletiva ou individual. Eu não sou expert nisso, mas penso que nós não podemos começar a perder esta nova oportunidade de desenvolver aquela região.
Para finalizar, a área de consolidação de 62 mil hectares jamais foi mudada. Dentro desta consolidação, que lá atrás foi julgada, a área hoje existente, que o Professor mostrou aqui no mapa, onde está o CLA — Centro de Lançamento de Alcântara, seria destinada aos lançamentos de foguetes suborbitais ou foguetes leves, como o VLS. A área dos outros 20, da consolidação — isso não é uma expansão —, isso eu acho que não é um problema agora. Eu acho que o CLA tem que começar a dar resultado.
Então, nós não estamos condicionando aprovar o CLA a tirar ninguém de lá. Eu falei isso ontem lá na Mamuna. A área lá de cima seria a área de consolidação para os lançadores dos foguetes pesados. Então, não é área de segurança. Sempre estiveram nas quatro fases do projeto esses 22 mil hectares.
O Ministério da Defesa, o Comando da Aeronáutica, estará sempre aberto a discutir isso com clareza. Não queremos ser os donos da verdade. Acho que nós temos que, como brasileiros, primeiro, saber aonde é que nós queremos chegar; segundo, ter maturidade e profissionalismo para discutir isso com clareza.
15:01
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Obrigado, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Brigadeiro a exposição.
Como já assinalado, todos os Deputados já foram lá votar. Daqui a pouco, se der tempo, eu vou também.
Vamos ouvir agora Célia Cristina da Silva Pinto, Coordenadora Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — CONAQ.
A SRA. CÉLIA CRISTINA DA SILVA PINTO - Boa tarde a todas e a todos.
É uma tarefa muito difícil para mim, neste momento, estar nesta Mesa para falar desse acordo de Alcântara.
Eu sou do Estado do Maranhão, não só alcantarense, mas acompanho essa situação de Alcântara desde a década de 80. Cresci escutando essa história de Alcântara. E hoje, aqui, represento a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — CONAQ, fazendo alguns diálogos com as lideranças de Alcântara no Estado do Maranhão, uma coisa que para nós é primordial diante de tudo isso — e aí eu vou na contramão da fala do Brigadeiro.
Para discutirmos esse acordo, primeiramente, precisamos discutir a titulação do território étnico das comunidades de Alcântara. (Palmas.)
Como é que nós vamos dialogar com o Estado brasileiro sobre uma área que nós secularmente ocupamos, mas da qual nós não temos o título de propriedade? Que acordo nós poderemos fazer com o Estado brasileiro, se nós não temos a propriedade e o título definitivo dessa área que nós habitamos secularmente? Esse é o nosso posicionamento, o posicionamento da CONAQ, pautado na fala das lideranças quilombolas que aqui estão e que, com certeza, vão reforçar o que estou dizendo.
Para além da titulação dos nossos territórios, nós não podemos discutir esse acordo, Brigadeiro, sem que sejamos consultados, inclusive para pensar quais são as estratégias para que nós não sejamos, não removidos, mas expulsos do nosso território, porque não é de remoção que se trata, mas de expulsão. Foi assim que aconteceu na década de 80 e é assim que vai acontecer agora.
Quando o senhor diz que o acordo agora não está discutindo isso — agora! — e diz que pode até usar a Base do jeito que ela está, fala também de consolidação. E nós concordamos com isso! Não é assim, Leonardo e Marcos, que estão aqui? Nós concordamos com a afirmação de que não é uma expansão, e sim a consolidação mesmo, porque o Estado — e aí eu levo isso para o Maranhão, o nosso Estado — doou parte desse território sem consultar as comunidades que lá estavam sobre se queríamos ou não doar parte do nosso território. Nós não fomos consultados em nenhum momento. E o Governo do Estado do Maranhão, por decreto, doou parte desse território e depois só chegou lá e disse: "Saiam". Então, não é remoção; é expulsão.
15:05
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E agora dizem que foram às agrovilas, perguntaram para as pessoas, e elas disseram que estão mais felizes nas agrovilas do que lá no seu território de origem. Isso não é verdade! (Palmas.)
Talvez eles tenham dito isso pela forma como foram perguntados. São 40 anos! Quem sai da feira de mamona, como você viu, para ir morar naquelas agrovilas, que você também conheceu, está feliz? Eu vou ficar mais feliz de estar lá na feira, de estar lá na mata, de onde eu tiro o meu buriti e minha juçara... Além do pescado, de lá eu tiro o meu buriti, eu tiro a minha juçara, eu planto a minha mandiva para tirar a minha mandioca e fazer a minha farinha. E lá nas agrovilas eu não tenho condições de fazer isso. Para eu sobreviver na agrovila, eu preciso ter um emprego, eu preciso ter geração de renda, para eu comprar na cidade o que eu não posso produzir, porque as agrovilas não dão condições para nós produzirmos. E é isso que queremos discutir aqui.
Nós temos dito, nas conversas que nós temos lá no Estado, que não somos contra o acordo. Nós não somos contra o fato de que a Base precisa ser utilizada. Mas ela precisa dar ônus para o Estado brasileiro, porque ela até agora só deu bônus. E esse ônus não pode se sobrepor às vidas humanas. (Palmas.)
É isso que nós estamos discutindo aqui, Brigadeiro. Não é para dizer que nós somos contra a Base, que nós não queremos que seja utilizada a Base. E pode ser utilizada pelos Estados Unidos, pela China, pelo Japão, seja lá por quem for. O que nós não queremos é que isso se sobreponha a nossas vidas.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Nem eu falei isso.
A SRA. CÉLIA CRISTINA DA SILVA PINTO - Não, não é que você falou. Estou falando sobre o que temos pensado, o que temos discutindo para além desse acordo.
Uma coisa que também discutimos recentemente numa conversa com o Ministério Público Federal, em São Luís — e o Dr. Yuri estava lá presente — é que nós precisamos, de fato, gente, conhecer que projeto é esse concretamente, sabe? Precisamos conhecer concretamente que projeto é esse, como é que ele vai se dar, o passo a passo desse projeto. Nós precisamos conhecer isso, porque, talvez, se nós já tivéssemos conhecido o passo a passo desse projeto, não estivéssemos no impasse que nós estamos hoje. O que dizem para nós é que não vai haver expulsão, não vai haver remoção, não vai haver isso, não vai haver aquilo. Mas o que vai haver de fato? O que é que vai acontecer?
Acho que isso é o que nós precisamos ter. Nós queremos concretamente entender que projeto é esse, como é o seu passo a passo. Não vai remover hoje, mas vai remover amanhã? Como é que vai ser essa expulsão amanhã? Para onde nós iremos? Para outras agrovilas? Para o entorno de Alcântara não dá mais, porque a cidade de Alcântara já está chegando ao Cujupe, não é? A cidade já está chegando ao Cujupe. Dentro do mar não vamos poder fazer casa. Então, nós precisamos entender de fato que acordo é esse.
15:09
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Para concluir, porque eu estou vendo que eu só tenho 2 minutos, quero dizer o seguinte: esse acordo que está sendo firmado em Alcântara, assim como muitos outros de grandes empreendimentos que nós temos em outros territórios quilombolas, tem um nome. Isso tem nome. Isso se chama racismo institucional estrutural. (Palmas.)
Isso tem nome. Enquanto nós não quebrarmos a barreira desse racismo, nós, população negra, afrodescendente, quilombola, indígena e qualquer outro povo ou comunidade tradicional, vamos estar à mercê de outros.
Talvez eu vá falar aqui algo que soe como ignorância, mas eu sei que de pouco adianta o que estamos fazendo aqui agora, se este Presidente que está aí, este que assumiu o cargo de Presidente, quiser dar uma canetada. Nós temos orgulho de dizer que pode acontecer da forma que ele queira que aconteça, mas nós fomos para lá gritar e dizer o é que nós queremos.
Concluo dizendo o que eu sempre falo quando tenho oportunidade, quando me dão voz. Há pouco nós fomos barrados ali. Nós já estávamos dentro desta Casa, porque nós participamos do lançamento da Mesa hoje pela manhã, e fomos para o restaurante almoçar. No retorno do restaurante, quando íamos nos dirigir para cá, mandaram que saíssemos para entrarmos novamente e sermos revistados. Nós já estávamos dentro desta Casa. Na hora de entrar novamente, disseram que só poderiam entrar 15 pessoas.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Um minuto para concluir.
A SRA. CÉLIA CRISTINA DA SILVA PINTO - Estou concluindo.
Só 15 pessoas entrariam. Nós selecionamos 15 pessoas e entramos, mas ficamos lá reivindicando, porque os demais não iam ficar lá fora. Nós, comunidades quilombolas, estamos aqui com representantes de todos os Estados brasileiros.
Eu quero concluir dizendo para os meus irmãos e irmãs quilombolas que aqui estão: nós existimos porque nós resistimos, e essa resistência nós trazemos conosco de nossas ancestralidades e dos nossos territórios. É de lá que a gente tira a resistência. Por isso, não vão dizer que morando numa agrovila eu ficarei mais feliz do que no meu território. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço a exposição à Sra. Célia Cristina da Silva Pinto, Coordenadora Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — CONAQ.
15:13
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Registro a presença do Deputado Edmilson Rodrigues aqui na nossa audiência.
Se houver aqui algum outro Deputado que eu não esteja vendo daqui, eu registrarei a presença daqui a pouco.
Passo a palavra para o próximo expositor, o Conselheiro Rodrigo Mendes Carlos de Almeida, Chefe da Divisão do Mar, da Antártida e do Espaço do Ministério das Relações Exteriores, por 10 minutos.
O SR. RODRIGO MENDES CARLOS DE ALMEIDA - Obrigado, Presidente.
Gostaria de cumprimentar os membros da Comissão, os integrantes da Mesa, as Sras. e os Srs. Deputados e as senhoras e os senhores que nos acompanham.
Eu vim para esta audiência em representação ao Ministério das Relações Exteriores. Estou aqui juntamente com um colega que trabalha na área de direitos humanos e gostaria de pedir autorização para compartilharmos esses 10 minutos.
Eu tratarei do tema que é objeto da minha Divisão no Itamaraty, a negociação de acordos na área do espaço e passarei a palavra a ele, posteriormente, se o Presidente permitir, para ele falar um pouco sobre o acompanhamento da área de direitos humanos.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Dentro do tempo, sim.
O SR. RODRIGO MENDES CARLOS DE ALMEIDA - Obrigado.
Vou fazer um breve histórico aqui do acordo e falar um pouco também de como foi negociar esse acordo com os Estados Unidos.
Nós tivemos, no dia 18 de março, a assinatura em Washington desse novo acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos. O acordo foi assinado do lado brasileiro pelos titulares de três Ministérios: o das Relações Exteriores; o da Defesa; e o da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Isso dá um pouco a visão da importância desse acordo para o Governo brasileiro. As negociações duraram mais ou menos 2 anos e foram negociações em que houve uma coordenação muito estreita entre os Ministérios envolvidos. Como o Brigadeiro mencionou, foi um esforço de todo o Governo realmente para que esse acordo pudesse ser assinado.
Também vou reiterar uma coisa que o Brigadeiro falou e que eu acho que é muito correta. É importante sabermos que esse não é o mesmo acordo de 2000. Já houve um acordo nessa área de salvaguardas tecnológicas assinado pelo Brasil com os Estados Unidos, em 2000, e ele foi objeto de preocupações aqui do Congresso Nacional à época. Eu peço licença para voltar a esse tema um pouco depois.
O que é, então, o acordo assinado agora? É importante que saibamos exatamente os limites e o escopo desse acordo, quer dizer, do que trata o acordo exatamente, para podermos entender também do que ele não trata.
Esse acordo, se pudéssemos resumi-lo muito rapidamente, é um instrumento que cria regras para as operações de lançamento no centro espacial de Alcântara que envolvam a manipulação de tecnologia norte-americana.
Acordo de salvaguardas tecnológicas é algo muito comum entre países no setor espacial. O Brasil tem um acordo como esse assinado com a Ucrânia, já ratificado por este Congresso, e os Estados Unidos também têm uma série de acordos assim com outros países, exatamente com esse mesmo objetivo.
Por que esse acordo é necessário? Porque, uma vez que uma tecnologia que não é nossa é manipulada aqui, o país detentor dessa tecnologia precisa de algum tipo de garantia de que essa tecnologia não vai ser apropriada. Então, esse é justamente um acordo de proteção de tecnologia.
Eu digo isso porque, às vezes, o nome dá a entender que pode ter algo a ver com transferência de tecnologia. É o contrário. Transferência seria objeto de uma cooperação futura, digamos assim. Esse acordo assinado agora tem um fim muito claro. São regras por meio das quais as tecnologias dos Estados Unidos serão manipuladas em atividades de lançamento espacial, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara. Esse é o objeto do acordo, aquilo de que trata o acordo.
15:17
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Qual o objetivo desse acordo para o Brasil? Por que o Brasil assinou um acordo com os Estados Unidos em 2000 e novamente assina um acordo agora em 2019? Simplesmente porque esse acordo é fundamental, como já foi mencionado aqui, para a viabilização comercial do Centro de Lançamento de Alcântara. E explico por quê.
Os Estados Unidos hoje são o país que detém mais de 80% das patentes, das tecnologias envolvidas no lançamento de satélites no setor espacial. Isso quer dizer que um país que não tem esse acordo com os Estados Unidos deixa de poder ter acesso ou manipular em seu centro de lançamento qualquer tipo dessas tecnologias. Então, esse país ficaria realmente, como hoje somos, reduzido a um universo muito menor, por não ter esse tipo de acordo. O objetivo, então, é justamente este: passarmos essa barreira que é quase intransponível. O Brasil realmente só poderá entrar de vez no mercado mundial de lançamentos espaciais uma vez que um acordo com o país que detém mais de 80% dessas tecnologias seja assinado.
Eu acho que é importante mencionar também que o acordo tem um objetivo muito claro de fazer com que o Brasil passe a fazer parte de um grupo muito seleto e muito reduzido de países que têm essa capacidade de lançar objetos no espaço. Nós passaremos a fazer parte de um grupo que realmente é muito reduzido, justamente porque são necessárias diversas etapas. E uma das etapas é exatamente ter esses acordos com os países que possuem essas tecnologias.
Eu vou falar aqui rapidamente, para não tomar muito tempo, em relação aos números também, porque é importante sabermos um pouco a dimensão desses mercados.
O mercado global espacial hoje em dia se calcula em, mais ou menos, 384 bilhões de dólares. Esse é o mercado total. Dentro desse mercado, cerca de 6 bilhões de dólares dizem respeito somente à atividade de lançamento espacial. Então, foi justamente na tentativa de fazer com que o Brasil passe a fazer parte desse grupo que nós fizemos todas essas negociações, durante 2 anos, para que o melhor acordo possível, como explicou o Brigadeiro, fosse firmado pelo Brasil.
O acordo também vai na direção de aproveitar o que se chama de vantagens comparativas de Alcântara, do Centro de Lançamento de Alcântara. O Centro de Alcântara tem uma posição geográfica privilegiada, em termos de proximidade com a linha do Equador. Isso, tecnicamente, dá a ele a possibilidade de economizar muito combustível na hora em que esses lançamentos são realizados. Eu tomei como exemplo aqui um centro norte-americano, nos Estados Unidos, que fica na Flórida, no Cabo Canaveral. Se nós passarmos a fazer esses lançamentos a partir de Alcântara, teremos cerca de 30%, mais ou menos, em comparação ao Cabo Canaveral, de economia de combustível. Isso, obviamente, torna o nosso centro espacial muito mais atrativo para os outros países. Então, é muito importante, de fato, que tenhamos essa capacidade, essa habilidade de começar a lançar objetos no espaço.
15:21
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Como se sabe, o Brasil e os Estados Unidos, como eu mencionei anteriormente, já tinham assinado um acordo em 2000, um acordo também de salvaguardas tecnológicas, ou seja, de proteção dessas tecnologias norte-americanas. Esse acordo foi objeto de preocupações de membros do Congresso Nacional à época e acabou sendo retirado de pauta em 2016.
De certa forma, foi muito importante esse processo, porque nós tomamos como ponto de partida para essas novas negociações justamente essas preocupações que foram manifestadas pelo Congresso. Nós tomamos como base dois pontos, principalmente: os temas que foram considerados sensíveis pelo Congresso à época e os outros acordos dessa área que o Brasil já havia assinado e que os Estados Unidos já haviam assinado, sempre com a preocupação de ter o acordo mais equilibrado possível. E houve avanços.
Desse texto que foi assassinado em março eu não vou citar tudo aqui, mas apenas dois exemplos concretos, reais, de dois dispositivos que não estavam presentes no acordo de 2000. Um deles diz respeito à possibilidade de as autoridades brasileiras inspecionarem contêineres que saem de Alcântara e que contêm essas tecnologias americanas. Quando isso passa pela alfândega brasileira, há a possibilidade de que o Brasil abra esses contêineres e tenha acesso ao conteúdo, para fazer inspeção, se for necessário. Esse dispositivo não estava presente no acordo anterior.
Outro dispositivo também importante é que os Estados Unidos passam a ter a obrigação de comunicar às autoridades brasileiras a presença de qualquer tipo de material radioativo nesses contêineres ou de material que possa ameaçar o meio ambiente brasileiro. Isso também é algo que conseguimos agora, na negociação desse novo acordo. Eu dou esses dois exemplos para marcar um pouco a importância desse acordo.
Acho importante mencionar também que não foram tratados, em nenhum momento, temas relativos à administração ou à expansão do Centro de Alcântara. Isso não esteve na pauta de negociações com os americanos. Não se falou em arrendamento, não se falou em aluguel da Base. O que o acordo prevê são regras de acesso a certas áreas do Centro de Lançamento, áreas em que vão ser manipuladas as tecnologias que não são nossas, são americanas. É disso que trata o acordo.
Eu acho que é importante frisar mais uma vez que é um acordo de proteção de tecnologia, um acordo comum no setor espacial. Não há nada no acordo que impeça o desenvolvimento autônomo do Programa Espacial Brasileiro ou que atente contra a soberania nacional. E nós acreditamos que a aprovação do acordo por esta Casa é a primeira etapa de um processo. Esse processo seguirá com a implementação do acordo, o que será, obviamente, fiscalizado pelo Governo e pela sociedade civil. Mas sobre o acordo é importante lembrar o que ele é e o que ele não é e todo o benefício que pode advir desse acordo, em termos da entrada do Brasil nesse grupo de países que têm realmente essa capacidade de lançar objetos ao espaço.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Rodrigo Mendes.
Passo a palavra agora ao Sr. Leonardo dos Anjos, Coordenador-Geral do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara — MABE, por 10 minutos. (Palmas.)
15:25
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O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Boa tarde a todos e a todas.
Cumprimento a Mesa, na pessoa do Deputado Bira do Pindaré; os demais Deputados; o Brigadeiro; a Dra. Deborah; a Célia; e os demais participantes desta audiência.
Eu gostaria de dizer que 10 minutos é pouco para falar a respeito de Alcântara e desse debate que nós estamos travando aqui agora, neste momento, porque a cada hora ouvimos a fala de um representante do Governo que vai distorcendo a nossa cabeça. O Brigadeiro já falou uma coisa, e nós ouvimos aqui o Prof. Alfredo e a Dra. Deborah. Nós conhecemos essa história há 40 anos. Cada um que diz uma coisa, como o cidadão que me antecedeu, e vai distorcendo a nossa cabeça, e vamos ficando cada vez mais confusos. E isso traz para a comunidade quilombola de Alcântara mais incertezas, mais dúvidas sobre o que é esse projeto. Então, eu acho que não vou ter tempo de falar o que eu estou querendo falar, mas eu vou em frente.
O Brigadeiro disse que esse acordo de salvaguardas não trata de expansão, e isso já foi dito pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, mas existe Ministério que afirma para o procurador que vai haver expansão. Aliás, não é expansão. A Célia já mencionou que nós começamos a descobrir que eles estão usando a palavra "consolidação". Além dos 8 mil hectares em que a Base está instalada, há mais 12 mil hectares de Mamuna a Ponta d'Areia, todo o nosso litoral. E nós dessas comunidades — eu vou mencionar aqui; não sei nem se posso falar tudo, mas vou mencionar —, 792 famílias, seremos atingidos. Só no litoral, 2.121 pessoas vão ser atingidas, sem levar em conta as pessoas do sul e do centro do Município, que somam essas 792 famílias.
Brigadeiro, eu lhe pergunto: como é que fica essa população quando receber 792 famílias para somar às que já estão lá? O senhor conhece o Município de Alcântara sobrevoando de helicóptero, não é?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Não conhece ainda?
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Conheço só do chão. Ontem eu levei 1 hora e 20 minutos para chegar a Mamuna.
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Mamuna. Mas já foi à região de Itapuaua, Perizinho, Santana, Peroba?
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Não.
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Ainda não. É para lá que querem nos levar!
Agora imagine... Para Mamuna levou quanto tempo?
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Uma hora e vinte.
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Imagine para aquela região! Quem vai sair do litoral, de Mamuna e todo aquele litoral... Eu quero dizer uma coisa para vocês aqui — e não tenho vergonha de dizer isto —: eu estou aqui, defendendo a nossa comunidade, essas famílias de que eu estou falando aqui, mas eu tenho certeza absoluta de que, neste exato momento, em Mamuna, Brito, Canelatiua, Itapera, Ponta d'Areia, está todo mundo na praia pescando para tirar o sustento da sua família!
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Tirar o quê?
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Estão na praia pescando, colocando rede para pescar, para pegar peixe. Uma pescadinha de 1 quilo, 1 quilo e meio, 2 quilos está R$4,50 o quilo! Aquelas outras espécies de qualidade inferior ninguém quer comprar porque tem muito, no momento.
Mas os que estão nas agrovilas, aqueles que o senhor mencionou que estão bem... Quantas pessoas ele mencionou? Sete representantes de agrovilas — sete! Eu poderia dizer que estou bem aqui. Onde é que eu estou? Aqui no Congresso, em Brasília. Já os meus companheiros estão lá no meio do mato, pescando para tirar o sustento da sua família. Senão, vão para onde? Esta é a nossa vida: trabalhar na roça e pescar para sustentar os nossos filhos.
15:29
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Lá naquelas agrovilas, aqueles que lhe dizem que estão bem e que... Os filhos não estão bem. Sabe por quê? Porque muitos estão em São Luís, nas periferias — eu sou obrigado a dizer —, a maioria está nas drogas, outros presos, outros já morreram por causa das drogas, outros estão em Alcântara.
Eu vou dizer, porque ele também lançou um vídeo: o Vice-Prefeito de Alcântara fica falando que, agora, Alcântara está cheia de violência, com muito desemprego, que os meninos não estudaram, Brigadeiro. E por que ele se aposentou, trabalhando na Base, e não procurou incentivar os coronéis para procurar um jeito de trazer benefício para aquela comunidade, para fazer com que esses jovens estudassem? Vai fazer 40 anos, gente! A pessoa na escola há 40 anos...
No Movimento dos Atingidos pela Base Espacial, nós temos pessoas formadas em Direito, nós temos pessoas formadas em agricultura, nós temos pessoas formadas em magistério, todas ajudadas por entidades. E agora ele fica falando que não aprenderam, que não estudaram. Sabem por quê? Porque ele quer ser Prefeito no ano que vem. Fica dizendo que o Município não tem emprego. Claro que não tem emprego. Sabem por quê? Porque aquele povo do Mangueiral, que o senhor agora já conhece, era todo lá do (ininteligível) na beira do igarapé, onde pescavam. Agora, vieram limpar Alcântara e não podem pescar todo dia lá na foz do Igarapé do Puca, porque não podem mesmo, porque de lá até o (ininteligível) é onde está o começo da Base. Ainda ficam implicando.
Existe lá um cidadão que me chama de brabo. Ele fica implicando, porque todo dia está pescando com rede de zangaria na nossa praia. E a gente não aceita, porque lá é para sustentar nossas comunidades e as outras que vêm das agrovilas. Mas o cidadão quer fazer da pescaria profissão e pescar só com rede de tapagem, que mata todo tipo, e a gente não aceita. E ele ainda me chama de brabo. Eu estou defendendo os nossos direitos.
Então, Brigadeiro, esse cidadão que lhe diz isso é porque fica com vergonha da sua presença e de falar a realidade. Se ele é aposentado, ele tem que agradecer a Deus por ser aposentado. Se a mulher recebe o Bolsa Família... porque eu lhe digo com toda a certeza que, naquele povo ali, quem não é funcionário público do Município sobrevive da aposentadoria rural e do Bolsa Família. Eu digo isso porque eu sou criado naquela região. Vou completar 70 anos. Criei 10 filhos lá. A minha caçula vai fazer 18 anos em outubro. Quem não tem salário naquela região — aliás, não é só lá, mas em qualquer lugar nos Municípios do Maranhão —, não pode dizer que está bem. Isso é conversa, Brigadeiro. Isso é conversa.
Agora, nós não somos contra o projeto da Base Espacial que está lá implantada, até porque eu sempre digo que o Ministério Público deveria fazer uma auditoria naquele projeto para saber o tanto de dinheiro que já botaram fora sem que esse projeto dê certo. A Dra. Deborah acabou de mencionar que precisaram de uma peça, e os Estados Unidos disseram: "Não aceitamos vender tecnologia para o Brasil". E é por isso que não foi feito acordo. Não aprovaram com a Rússia, com a Ucrânia, porque os Estados Unidos não têm interesse em transferir tecnologia para o Brasil, Brigadeiro.
Eu sei que o senhor sabe muito mais do que eu, porque eu sou leigo e semianalfabeto, mas eu tenho certeza absoluta de que é isso. Eles não querem transferir, porque, se eles transferirem, os senhores das Forças Armadas, o Governo brasileiro vai ficar em primeiro lugar na área de lançamento de foguete, de lançamento desses materiais para o espaço, porque está numa área melhor no planeta. É por isso que eles não querem transferir a tecnologia. Eles querem que o Governo vá lá e se assujeite. E eles ficam dizendo que vai ter... Não tem nada. Eles não transferem a tecnologia. Agora, a respeito daquela área, de Mamuna para lá, apesar das cinco pessoas que lhe disseram que estão bem, nós não vamos aceitar a expansão nem a consolidação. Desculpe-me se eu estiver lhe ofendendo, mas nem consolidação nós vamos aceitar. O que nós queremos é a titulação da nossa terra e o não remanejamento das famílias. É aquilo que eu acabei de dizer: nós vamos para onde?
15:33
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Deixe eu contar uma historinha rapidamente aqui para os senhores. Eu trouxe a minha filha para São Luís para estudar. Todos os meus dez filhos vieram estudar em São Luís porque só da 1ª à 4ª série era o que tinha lá para nós. Quando bateu dos cinco para frente, eu não tive mais onde colocá-los e tive que ir para São Luís alugar casa. Depois, eu não dei mais conta de pagar aluguel e fui obrigado a comprar uma palafita dentro do mangue.
Agora o Prefeito de São Luís inventou de fazer remanejamento do bairro onde eu moro lá, Jaracati. Quer remanejar as famílias porque é um mangue, mas não nos consultou sobre se nós queríamos sair de lá e ir para depois do Porto do Itaqui, lá perto da estiva. Quer dizer, nós temos que sair de lá desse bairro, pegar o ônibus até a beira da estrada que chamam de BR, para ir para São Cristóvão e, de São Cristóvão, ir para o terminal da COHAB, se quisermos vir para o centro. O Deputado é do Maranhão e está sabendo disso.
Anteontem, segunda-feira, antes de eu vir para cá, eu fui levar a minha filha à UPA, no Araçagi — só fugindo um pouco do assunto — para tratar de um dente. Aí, quando o atendente perguntou onde a gente morava, eu disse que era no Jaracati. Aí ele disse: "Ah, vocês moram na área nobre, não é?" Deu vontade de sorrir e dizer: "Vá lá em casa para você ver a área nobre onde a gente mora."
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Sr. Leonardo, 1 minuto para o senhor concluir, está bom?
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Eu vou usar mais 5 minutos. (Risos.)
Área nobre, doutor? Tudo bem. Mas como eles não proibiram a construção daquela Via Expressa dali perto, do São Luís Shopping até o Shopping da Ilha, lá na Avenida Daniel de la Touche? Ontem mesmo, na hora em que eu vim para o aeroporto, vim por lá, por essa Avenida. Quando chegamos ao shopping, passei pela Avenida dos Franceses, e estava um engarrafamento doido. Quase que eu perco o transporte por causa do engarrafamento.
Cortaram cabeceira de rio, igarapé, entulharam tudo. Só nós que estamos naquelas palafitas — duzentos e poucas famílias — não podemos ficar? Então, nós não aceitamos expansão. Nós temos que receber é a nossa titulação, com o não remanejamento.
Agora, a gente pede que os senhores conversem com o Governo, com os Deputados e, antes de assinar esse acordo, revejam isso. Só pode botar aquela base para funcionar se for com os americanos?
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Não é isso o que está escrito lá.
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Estão fazendo esse acordo com os americanos. Os americanos só aceitam que qualquer outro país entre lá se tiver componente americano, não é assim?
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Se o senhor quiser fazer alguma parceria com algum país que não tenha componente americano, o senhor não precisa nem desse acordo. É porque 80% dos componentes hoje são todos americanos.
Ontem lá na Mamuna...
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Não vamos estabelecer um debate aqui. Depois ele responde.
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - E por que não fazem esse acordo com outro país?
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Porque os americanos é que têm essa tecnologia.
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Bom, vamos deixar o Sr. Leonardo concluir.
Sr. Leonardo, o seu tempo já se encerrou, mas vou permitir que o senhor feche sua fala aí. Vamos lá.
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Nós precisamos que essa Base... Essa Base está implantada, mas nem licenciamento ambiental tem. É preciso que o Ministério veja isso aí, porque nem licenciamento tem.
Se quiserem me convidar para vir para cá falar 10 minutos não me convidem mais porque eu não venho.
A gente nem começa a história de Alcântara.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Sr. Leonardo, sabe o que acontece? As comunidades tradicionais quilombolas têm muita experiência e muita sabedoria. Falar tudo isso em 10 minutos é difícil.
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - E por que não nos convidam para fazer parte desse trabalho, para nós orientarmos vocês a como concluir?
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Está lançado o desafio. Está lançado o desafio.
O SR. LEONARDO DOS ANJOS - Se nós temos a sabedoria...
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado. Eu lamento não poder estender mais o tempo, porque nós temos outros convidados.
Quero registrar e agradecer a presença à Deputada Talíria Petrone e ao nosso Segundo Vice-Presidente e também requerente desta audiência pública, o Deputado Camilo Capiberibe. Muito obrigado, Deputados.
Vamos agora para a exposição do Sr. Nathanael de Souza e Silva, assessor do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania do Ministério das Relações Exteriores.
O SR. NATHANAEL DE SOUZA E SILVA - Muito obrigado, Deputado.
Na verdade, eu não estava esperando falar mais, porque o meu colega utilizou os 10 minutos, mas vamos lá.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Aqui nós só nos preocupamos se passar do tempo. Se falar menos, não há problema. (Risos.)
O SR. NATHANAEL DE SOUZA E SILVA - Eu vou ser breve.
A divisão responsável pela negociação do acordo e o departamento responsável são aqueles que cuidam de mar, Antártida e espaço. Basicamente é um assunto relacionado a ciência e tecnologia. Já ficou bastante clara na exposição do meu colega a importância desse acordo no que se refere ao desenvolvimento tecnológico do Brasil.
O Departamento de Direitos Humanos e Cidadania interage com todos os órgãos internacionais que cuidam desses assuntos no âmbito universal: no sistema da ONU, o Conselho de Direitos Humanos, principalmente; a Organização Internacional do Trabalho, que pode até parecer que não é muito relacionada com isso, mas a Convenção 169 da OIT é vinculada à própria questão da consulta prévia e todos esses outros temas que estão relacionados com isso; e o próprio Sistema Interamericano de Direitos Humanos, um sistema jurisdicional internacional.
Esse assunto se enquadraria em um subtema maior, que seria a questão dos direitos dos afrodescendentes. No plano internacional, o Brasil tem liderado resoluções a respeito. Pouca gente sabe, infelizmente, mas nós estamos na Década Internacional dos Afrodescendentes, que vai terminar agora em 2024, e o Brasil está negociando uma declaração a esse respeito, com o apoio da África do Sul, de outros países africanos e também com os nossos parceiros ocidentais tradicionais.
Esse tema especificamente da questão dos quilombolas em Alcântara se enquadra, é claro, dentro do assunto dos quilombolas de forma geral. Não são todos os países que reconhecem essas comunidades remanescentes de quilombo, e cada país dá um nome diferente. Na Guiana, são chamados de bush negroes; há também os maroons, que são as comunidades do Suriname, por exemplo, que estão sob o guarda-chuva da Convenção 169, da OIT, que o Brasil já reconhece e tem jurisprudência a respeito. É uma convenção cujo título já diz do que ela cuida: povos indígenas e tribais, e os quilombolas estariam subsumidos nessa categoria, com os direitos previstos nessa convenção.
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O nosso Departamento tem por atribuição principal a elaboração da política externa brasileira em direitos humanos, e a substância do assunto, é claro, temos que coordenar sempre com os órgãos finalísticos do Governo, nesse caso, principalmente, com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e sobre esse assunto específico com a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a SEPPIR.
Basicamente, é o que eu teria a dizer dentro do tempo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço a exposição, que complementa a exposição do seu colega.
Passamos a palavra agora ao Sr. Carlos Augusto Teixeira de Moura, Presidente da Agência Espacial Brasileira e representante do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
V.Sa. dispõe de 10 minutos.
O SR. CARLOS AUGUSTO TEIXEIRA DE MOURA - Obrigado, Deputado Helder Salomão.
Meus cumprimentos a todos os Srs. Parlamentares e a todos os presentes aqui.
Eu me sinto muito feliz pela oportunidade de dialogar com todos os que estão aqui por Alcântara. Nós temos em comum interesses em Alcântara.
Eu gostaria só de lembrar inicialmente que nós não estamos aqui, por exemplo, pelo patrimônio histórico de Alcântara, que é uma raridade, mas que poucos conhecem. Também não estamos aqui pela cultura ancestral. Não estamos aqui pela Festa do Divino, nem pelas belezas naturais de Alcântara. Nós só estamos discutindo Alcântara porque Alcântara entrou na ordem do dia do País e do mundo.
As pessoas do mundo inteiro sabem que existe Alcântara e que aquilo é uma joia rara que tem potencial de crescer não só tecnologicamente, como também socialmente.
Antes de entrar realmente na apresentação, eu trouxe uma série de eslaides, mas, pelo tempo, vou me abster de apresentá-los. Eles ficarão aí disponíveis.
Eu gostaria só de dar o contexto para aqueles que não conhecem o tema. Algumas pessoas foram eventualmente a Alcântara ou a conheceram mais recentemente, mas nem todos viveram lá ou são da região.
O que era Alcântara no final dos anos 70 e início dos anos 80? Vou exemplificar com um episódio que aconteceu com um amigo meu, o seu Altamires e a dona Zuleide. O seu Altamires já faleceu. Eu costumava frequentar muito a casa do seu Altamires. Em uma bela tarde, eu passei em frente à casa dele e fui tomar um café. Lei um susto quando entrei na cozinha e havia, em cima da mesa da cozinha, um bebê morto. No canto direito, estava o filho dele, sentido, chorando aquele choro do homem que não quer revelar que está chorando; e, do lado esquerdo, estava a esposa dele trabalhando normalmente. Claro que eu fiquei impactado com aquela situação, não é? A minha esposa e os meus filhos também acharam estranho. Aí a esposa dele falou assim: "Rapaz, deixa disso. Morreu. Daqui a pouco nasce outro. E assim a gente toca a vida."
Eu digo isso para os senhores entenderem que a perspectiva de vida em Alcântara, realmente, era cruel pelo abandono da cidade. A cidade de Alcântara fica a uma distância visual de São Luís, a 18 quilômetros. Enxerga-se Alcântara do outro lado da baía. Mas pense se você, nos anos 80, estivesse em Alcântara, o seu filho adoecesse, e você precisasse levá-lo a São Luís. Se você perdesse o barco do dia, só poderia ir no dia seguinte. Na época, não havia nem estrada pavimentada. São 460 quilômetros de distância, aproximadamente, mas nem estrada pavimentada havia. Então, as pessoas infelizmente estavam ali abandonadas, sem energia, sem água, sem uma série de coisas.
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Quando se chega a Alcântara e se faz promessas de uma perspectiva de vida nova, com educação, progresso, emprego, realmente as pessoas ficam impactadas e criam esperanças. O que vimos, infelizmente, é que o Programa Espacial não atendeu a todas essas expectativas. Naturalmente, há visões diferentes, como as que foram aqui relatadas, e é bom que ouçamos todos os pontos de vista.
Eu tenho ressalvas sobre algumas informações que foram dadas aqui, que são bem discrepantes. Mas nós temos na Agência Espacial os dados verdadeiros. Então, para quem quiser depois confrontá-los, informo que nós temos os dados à disposição. E nos eslaides também há uma série de informações.
Mas nós não estamos aqui para falar do passado, nem da tristeza, porque a mensagem que foi levada a Alcântara era a de que Alcântara renascia, deixava de ser uma cidade com muitas ruínas, com um passado importante, mas sem perspectivas, para falar do futuro. O que eu ouvi hoje de manhã, no lançamento da Frente Parlamentar tão bem liderada pelo Deputado Bira, foi que as pessoas querem ter o direito de sonhar, querem resgatar esse direito de sonhar. E nós entendemos que o Programa Espacial é uma forma, uma ferramenta de inclusão social das pessoas, uma ferramenta de integração do País.
Então, a atividade espacial é uma forma de resgatarmos os sonhos não só de Alcântara, mas do Brasil todo, pela educação e pela criação de oportunidade. Aí podem ser novos negócios, empregos, venda de serviços. O mundo está aí. A nossa juventude é criativa. Todo mundo fala que o brasileiro é criativo. A saída do Brasil não é exportando commodities, mas é inovando. Vemos o espaço como uma ferramenta de inclusão pela inovação.
Eu vou dar um exemplo bem concreto. O nosso satélite geoestacionário foi lançado em 2017. Ele atende a um lado de comunicações governamentais, mas tem uma parte que é voltada para a inclusão do País, a banda larga, que está sendo levada a localidades remotas. Nós temos, inclusive, colegas que participaram do projeto, que é a preparação, o lançamento, a colocação e a operação desse satélite.
Então, às vezes, as pessoas pensam que o espaço é uma coisa que só atende a tecnologia e coisas distantes, mas, se hoje em Cavalcante, um quilombo aqui perto, as crianças têm acesso à Internet com banda larga, é por causa desse satélite, que é o mesmo que levou banda larga a Pacaraima, que hoje todo mundo sabe que existe. Antigamente, praticamente só os militares e o pessoal de Batalhão de Fronteira conheciam. É o mesmo satélite que levou banda larga a Alcântara e que está levando a mais de 6 mil escolas no País, a mais de 2 milhões de estudantes. O espaço tem essa propriedade. Nós mexemos com tecnologia muito avançada, mas temos o poder de atender a crianças, hospitais ou postos de saúde em localidades remotas. O espaço não existe por si só, para diletantismo. É uma ferramenta que pode, sim, ser usada para incluir pessoas, não só em Alcântara, mas também em vários locais, inclusive, vizinhos aqui de Brasília.
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São diversos os exemplos que temos do que o espaço pode fazer. Em um dos eslaides, nós mostramos um círculo com os países que têm mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, ou seja, países grandes em extensão, que têm mais de 1 trilhão de dólares de PIB, ou seja, uma economia significativa, e que têm mais de 200 milhões de habitantes. Nós ficamos só com quatro países: Estados Unidos, China, Rússia e Brasil. Mesmo um leigo sabe que os três primeiros têm um programa espacial fortíssimo e só o Brasil não o tem. Por que será? A quem interessa que o Brasil não tenha um programa espacial forte?
Eu trago outra pergunta. Ninguém tem dúvidas de que nós somos uma potência agrícola muito grande, o primeiro ou segundo líder em diversos produtos. Os senhores sabem que nós não temos um satélite geoestacionário de meteorologia que forneça as informações meteorológicas para o nosso agricultor, seja o pequeno ou o grande agricultor? Nós vivemos de imagens emprestadas. E aí nós estamos falando aqui, de acordo com os americanos, sobre soberania, e eu lhes pergunto: nós conseguimos explicar que um país líder em agricultura não tem informações e vive de empréstimos? Isso não é ameaça à soberania? Só que nós gastamos sim, nós compramos dos outros. Nós somos grandes compradores. Então, está na hora de todos nós — dos representantes até dos pequenos povoados e das pessoas que estão no interior de Alcântara — pensarmos: "Eu vou continuar comprando dos outros, comendo na mão dos outros ou eu vou investir na minha terra, naquilo em que eu tenho potencial?" E Alcântara é um dos braços desse potencial que nós temos.
Há sim diversos desafios, como o Brigadeiro mencionou. A nossa história tem altos e baixos. Mas nós somos reconhecidos aqui na América Latina, assim como em países africanos e no México como um país que pode sim liderar uma retomada das atividades espaciais em prol não só do nosso País, mas de todo o nosso entorno. Eu recebo, lá na agência, o pessoal do Chile, da Bolívia, do Paraguai pedindo para colaborar conosco, porque nós estamos mais à frente deles. E eles ficam espantados de ver como nós temos uma Alcântara e não a estamos utilizando. E aí eles olham os jornais e veem que o Canadá está tentando montar um novo local de lançamento, assim como a Escócia e a Austrália, que Portugal está querendo transformar as Ilhas dos Açores em um centro de lançamento — e vieram até pedir a nossa ajuda — e que a Nova Zelândia acabou de hospedar uma empresa que veio tentar operar em Alcântara. Nós falamos que não era possível ainda, porque não tínhamos o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, então, eles foram para a Nova Zelândia. Então, o mundo não vai ficar parado esperando a hora em que nós decidiremos utilizar ou não Alcântara. Essa é a realidade.
Senhores, nós encaramos o espaço como uma ferramenta de inclusão social. Nós temos um potencial muito bom em Alcântara...
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Sr. Carlos, permita-me interrompê-lo só para avisar aos Deputados que teve início agora uma votação nominal.
Vamos fazer da mesma maneira: vamos ao plenário rapidamente e voltamos, para continuarmos aqui.
O SR. CARLOS AUGUSTO TEIXEIRA DE MOURA - Então, Deputado, partindo para a conclusão, lá em São José dos Campos, onde hoje é o nosso berço aeronáutico, aquilo tudo começou com uma cidade pequena, de 12 mil habitantes, que era local de tratamento de tuberculoso pobre, porque o rico ia para Campos do Jordão. E, hoje, todo mundo sabe o que é São José dos Campos e os seus arredores. Então, a mensagem que nós levamos para o Brasil todo, mas especialmente para a comunidade alcantarense, é esta: existe ali um potencial muito grande. Existem interessados no Brasil, como universidades e empresas, e existem estrangeiros que querem trabalhar junto conosco, e, na agência, nós nos colocamos à disposição para desenvolver esse projeto juntos.
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O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas é um mero passo inicial. Ele não é um projeto, não garante nada. A partir da aprovação desse acordo, nós podemos estudar o que é viável fazer em Alcântara ou não, entrar em conversação com todos os interessados e, finalmente, partir para a implantação.
Muito obrigado.
Parabéns pela iniciativa! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Márcio Jerry. PCdoB - MA) - Obrigado, Sr. Moura.
Vamos passar agora a palavra ao Sr. Antônio Marcos Pinho Diniz, que é Presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara e é da comunidade quilombola Mamuna, lá em Alcântara.
O senhor dispõe de 10 minutos.
O SR. ANTÔNIO MARCOS PINHO DINIZ - Obrigado, Sr. Deputado.
Senhores e senhoras que se encontram nesta audiência, primeiro, quero agradecer o convite.
E, só corrigindo, eu estou representando a comunidade Mamuna, mas eu sou morador de uma das agrovilas que foi realocada em 1986. É só para registrar isso, está bem?
Quero dizer aos companheiros e companheiras, com as falas de todos os que já aqui me antecederam, que o Município de Alcântara, fundado em 1648, tem 370 anos de história e fica a 22 quilômetros da Ilha de São Luís, em travessia de mar. Tem uma população de mais de 22 mil habitantes e uma área de 114 mil hectares. Desses 114 mil hectares de terras, o Governo, em 1970, o Ministério da Aeronáutica, mandou um ofício solicitando ao Governo do Estado uma desapropriação de 52 mil hectares daquele Município e, depois, um decreto, com mais 10 mil hectares, somando 62 mil hectares de terras para o Centro de Lançamento de Alcântara.
Isso veio a afetar centenas de famílias. Como aqui já foi colocado, 312 famílias de 32 comunidades quilombolas foram expulsas — elas não foram remanejadas, foram expulsas — para as agrovilas. E agrovila só tem agro no nome, porque de agro nada tem. Não sei porque o projeto até hoje não deu certo. Se estamos aqui, há 40 anos, falando, batendo na mesma tecla, é porque não deu certo. Não deu certo no passado e nos fazem voltar 40 anos para discutir o mesmo tema, a mesma questão de Alcântara.
Em 27 de novembro de 1983, o Centro de Lançamento de Alcântara, na época, com o Ministério da Aeronáutica, reuniu-se com as comunidades que foram remanejadas e suas lideranças, e fecharam um acordo registrado em cartório — e aqui eu tenho a Certidão de Inteiro Teor daquele acordo. Lá foi prometido o atendimento de inúmeras reivindicações daquelas famílias, daquelas comunidades, mas infelizmente isso não foi cumprido por esse Ministério.
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"Ah, mas é responsabilidade do Ministério?" Não sei, mas é responsabilidade do Governo Federal porque o Ministério de Defesa e o Ministério da Aeronáutica representam o Governo Federal.
Aqui há várias reivindicações, inclusive as que garantiam a titulação das terras daquelas comunidades, da sede da agrovila, em 5 anos, como também a documentação das casas das famílias. Até hoje isso não foi resolvido.
Falamos que não se pode pensar no futuro sem olhar para o passado, porque não deu certo esse acordo que foi feito. De 1986 a 1988, essas 312 famílias foram remanejadas para essas agrovilas.
Segundo a fala do Brigadeiro, eles se reuniram com as sete lideranças das agrovilas. Eu quero dizer aqui que eles podem até ter se reunido com essas pessoas, mas essas lideranças foram criadas por eles. Cadê que eles procuraram o Marcos? Cadê que eles procuraram outras lideranças? Como nós temos uma visão diferente, então eles procuram as pessoas que eles criaram no início para tentar ajudá-los nessa situação.
Talvez tenham sido lideranças que não estão mais respondendo pelas comunidades, que não são mais lideranças daquelas comunidades. Hoje já temos novas lideranças em cada uma delas. Talvez foi com essas pessoas idosas que eles usaram isso no ano de 1988 como liderança daquelas comunidades para representá-los. Talvez tenham sido essas pessoas que disseram que as agrovilas estão cem por cento.
Eu moro em uma agrovila. Hoje estou com 50 anos. Há 40 anos nós estamos vivenciando essa história. Então, por que não deu certo? Foi culpa das comunidades? Não, foi incompetência do Governo. Se não deu certo, foi por incompetência do Governo.
Ele trata do acordo Brasil e Ucrânia. Será que o acordo entre Brasil e Ucrânia só iria dar certo se tivessem implantado dentro da área da Mamuna, como eles queriam, em Baracatatiua? Como nós não aceitamos e trouxemos para dentro do CLA, não deu certo? Foi culpa das comunidades? Não! É incompetência de quem está administrando.
Se há incompetência de quem está administrando, então esse pode ser mais um acordo que tem possibilidade de chegar a essa situação de incompetência.
E aí eu quero falar sobre o acordo que agora está tramitando nesta Casa. Aqui já se falou, nós não somos contra o acordo. Não somos contra, Sr. Presidente, o avanço tecnológico. Nós entendemos que tem ele que haver. Agora, o que nós não aceitamos é mais remoção de famílias e expansão da área. É isso que nós não aceitamos.
Se o acordo não diz que não vai haver expansão, por que o Governo não tem coragem de dar o título daquelas comunidades? Por que não tem coragem? (Palmas.)
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Ou eles são incompetentes? Digo isso, porque há 40 anos as agrovilas estão lá e ninguém recebeu seu título. Talvez seja isso.
Para encerrar a minha fala, eu quero dizer que, quando o senhor disse que chegou ontem à comunidade de Mamuna e lhe disseram "nós queremos ser felizes", é verdade. São 40 anos que essas famílias esperam a felicidade porque até hoje vivem na incerteza, não sabem se vão permanecer naquela comunidade.
E eu lhes digo: nós queremos ser felizes! Aquelas famílias do litoral, assim como também as famílias que vivem nos 62 mil hectares que ocupam o Centro ficam se perguntando: "Será que amanhã eu vou estar na minha comunidade ou eu vou ser colocado num caminhão assim como foi feito com as agrovilas nos anos de 1986 a 1988?" Então é nessa infelicidade que essas famílias vivem até hoje.
Presidente, o senhor fala da praia, da feira, daquela feira que a gente vivencia, onde se come um peixe natural de Mamuna, não só de Mamuna, mas de Brito, de Canelatiua, toda a área do litoral. E aí todos ouviram muito bem, no dia 5, na reunião de liderança no sindicato, quando famílias e lideranças das comunidades deixaram bem claro: "Nós não aceitamos que as pessoas venham para a nossa terra ocupar o nosso espaço porque já dividimos o que aqui temos, já temos dificuldade com o que temos". E isso já aconteceu quando foi feita a realocação das famílias, porque nós tivemos de vivenciar e dividir o mesmo igarapé com as comunidades que estavam lá e que tinham sido afetadas, a comunidade de Samucangaua, a comunidade de São João de Cortes e as demais comunidades com as quais tivemos que dividir esse igarapé.
Então quero deixar aqui bem claro, mais uma vez, que Alcântara, Presidente, era para ser esse avanço que você colocou. Infelizmente, até hoje, Alcântara não tem nada de avanço. Nós atravessamos a ilha de Alcântara a São Luís num pau de arara, um barco chamado pau de arara motorizado que gasta 2 horas de relógio, enquanto o pessoal do Ministério da Aeronáutica gasta 35 minutos numa lancha de primeiro mundo.
Então foi avanço que veio para o nosso Município? Não! São essas questões que fazem nós termos hoje essa resistência. E vamos resistir até o final, dizendo que não aceitamos a remoção de famílias e nem a expansão da área.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Antônio Marcos Pinho Diniz.
Lembro que na nossa diligência na semana anterior, na quinta-feira, nós estivemos em Mamuna e Marudá; na sexta-feira tivemos uma reunião com as lideranças, inclusive o Seu Antônio estava presente a essa reunião, o Prefeito da cidade, um Vereador e várias outras lideranças das comunidades. O Sr. Francisco Gonçalves da Conceição, Secretário de Estado dos Direitos Humanos, e o Sr. Davi de Araújo Telles, Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação, também participaram da reunião e vão falar agora na sequência. E à tarde conversamos, além dos Secretários, com o Governador do Estado, Flávio Dino. Fizemos uma reunião no gabinete do Governador, da qual participaram também os Deputados Bira, Márcio Jerry e Tadeu Alencar, Líder do PSB nesta Casa, além da Dra. Deborah Duprat e do Procurador da República no Maranhão, o Sr. Hilton, e as nossas assessorias. Então, foi uma diligência que contou com várias atividades e que ouviu tanto as comunidades quanto os órgãos públicos e as entidades representativas.
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Agora passo a palavra ao Sr. Francisco Gonçalves da Conceição, Secretário de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão.
O SR. FRANCISCO GONÇALVES DA CONCEIÇÃO - Sr. Deputado Helder Salomão, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Sr. Deputado Bira do Pindaré, Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, Sra. Célia Cristina da Silva Pinto, Coordenadora Nacional do CONAQ, Sra. Deborah Duprat, Procuradora Federal, Sr. Tenente Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior, representante do Ministério da Defesa, senhoras e senhores, como já foi anunciado, o objetivo desta audiência é tratar especificamente do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, assinado entre o Brasil e os Estados Unidos, e da exploração comercial do Centro de Lançamento de Alcântara — CLA, no Estado do Maranhão.
Ocorre que, quando tratamos de desenvolvimento, não podemos separar de forma nenhuma o fortalecimento da política aeroespacial brasileira, através da exploração do CLA com as salvaguardas tecnológicas advindas disso, das salvaguardas sociais, já que o espaço geográfico de influência do Centro não se constitui em um vazio populacional, como aqui demonstrou o Prof. Alfredo Wagner, mas se trata de um espaço tradicional e secularmente ocupado por comunidades quilombolas.
Por razões políticas, econômicas e estratégicas, é fundamental para o Brasil fortalecer e ampliar o seu programa aeroespacial. Para isso, a efetiva utilização do Centro de Lançamento de Alcântara é uma pré-condição desse propósito, mas, por conta dos impactos sociais, científicos e tecnológicos, é necessário assegurar, como está sendo feito aqui nesta audiência, o amplo diálogo entre as organizações sociais, comunidades científicas e autoridades públicas sobre a apreciação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos no âmbito do Congresso Nacional, assim como a discussão devida sobre o Programa Espacial Brasileiro.
É importante fazer uma diferenciação entre o Acordo de Salvaguardas e o Programa Espacial Brasileiro e todas as suas implicações científicas, tecnológicas e sociais.
Assim, embora cada pauta tenha a sua especificidade, e isso tenha que ser levado em conta, os temas referentes aos direitos das comunidades quilombolas, a consolidação do Programa Espacial Brasileiro estão entrelaçados, pois não podemos separar desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento das populações locais.
Parece-me que é exatamente isso, entre outros temas, que o debate sobre salvaguardas tecnológicas traz à baila neste momento, inclusive atualizando o caso do desenvolvimento local, que há décadas os sucessivos governos brasileiros, quer sejam os governos no período de exceção, quer sejam os governos do período democrático, não deram a devida resposta às comunidades de Alcântara.
Por isso, pretendo destacar nesta breve exposição três temas: os passivos, as compensações e o necessário diálogo. Na década de 80, durante a instalação inicial, o CLA impactou modos tradicionais de vida e a reprodução física das comunidades quilombolas na região costeira do Município, o que costuma ocorrer com a implantação de todo grande projeto de impacto onde residem populações tradicionais. Naquela ocasião aconteceu a transferência de mais de 300 famílias de 23 povoados para 7 agrovilas, distantes do litoral, uma das pré-condições de reprodução dos modos de vida da população quilombola em Alcântara.
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É importante lembrar que esse processo de remoção se deu em um contexto bastante diferente do que nós estamos discutindo agora. São contextos sociais e políticos de época e contextos legais também de época, marcados por um estado de exceção. É preciso, assim, levar em conta o contexto pós-constitucional e os instrumentos de consulta adotados pelo Governo brasileiro em relação às populações tradicionais nos últimos anos. Assim, é importante nós consideramos os contextos e considerarmos também o que cada contexto nos obriga, do ponto de vista da legislação pátria.
Em decorrência da superveniência do Decreto nº 5.051, de 2004, que promulgou a Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais e estabeleceu a obrigatoriedade legal de consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais sobre medidas administrativas e legislativas que possam causar impacto sobre o seu modo de vida, a garantia da consulta, conforme os protocolos previstos no citado decreto e aqui lembrado pelos representantes do Ministério das Relações Exteriores, mostra-se como um direito das comunidades e como uma medida eficaz de evitar novas violações de direitos humanos e também de possibilitar modos pacíficos, negociados e mediados de resolução de conflitos. A legislação pátria e as convenções internacionais preveem exatamente o permanente diálogo com as comunidades afetadas por projetos como esse de Alcântara. Então, trata-se sim de cumprimento da legislação pátria.
O processo de consulta não se contrapõe e não estabelece nenhum óbice ao AST ou ao desenvolvimento do programa aeroespacial com a exploração comercial do CLA. Trata-se sim de pensar como, em um país múltiplo, multifacetado e complexo como é o Brasil, em que todo processo de desenvolvimento atinge múltiplos atores de diferentes formas, como é que esses diferentes atores podem participar efetivamente do processo e, ao mesmo tempo, reivindicar legitimamente serem beneficiados e contemplados pelos saldos positivos desses programas e desses projetos.
Isso implica, senhoras e senhores, que a apreciação do AST também precisa se debruçar sobre a resolução dos passivos das comunidades removidas na década de 80, ou seja, ao mesmo tempo em que nós estamos discutindo o AST, nós estamos também discutindo o Programa Espacial Brasileiro. E o Programa Espacial Brasileiro precisa levar em conta os impactos que provocou em Alcântara e os passivos acumulados nas últimas décadas que ainda não foram resolvidos. (Palmas.)
Parece-me que as reivindicações apresentadas pelas comunidades aqui presentes, as comunidades quilombolas, são exatamente para pedir que o Governo Federal leve em conta os passivos acumulados, os direitos negados, e que assim se estabeleçam novas relações, democráticas, legais, conforme estabelece a Constituição brasileira, entre o nosso Governo e as populações tradicionais.
Nesse sentido, é preciso garantir o acesso ao território, o bem viver e a reprodução física e cultural dessas comunidades. Essas são medidas necessárias à titulação do território quilombola. Todo mundo tem direito ao título da sua terra, demandado pelas comunidades, à regularização fundiária das famílias que foram transferidas para agrovilas e ao respeito ao protocolo de consulta, porque todos têm direito de ser escutados, como estão sendo hoje escutados, neste momento, pela Câmara Federal.
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A bancada maranhense, no Senado e na Câmara Federal, tem defendido compensações sociais, devidas em favor de Alcântara, do Maranhão e de todas as populações, que, de um modo ou de outro, estão em território de influência de projetos aeroespaciais.
Destaco a existência de dois projetos de lei em trâmite: um, do Senador Weverton Rocha, do PDT; e outro, do Deputado Federal Pedro Lucas, do PTB. São ambas iniciativas importantes para a garantia dos retornos sociais aos povos de Alcântara e do Maranhão. O Senador Weverton Rocha apresentou um projeto de lei amplo instituindo para os Estados, Distrito Federal e Municípios compensação financeira pelo resultado de exploração comercial de área de lançamento de foguetes, veículos espaciais e afins, em seus respectivos territórios. E o Deputado Pedro Lucas propõe a criação do Fundo de Desenvolvimento das Comunidades Carentes e Quilombolas de Alcântara.
Parecem-me iniciativas importantes para que se possa ampliar o debate e, ao mesmo tempo, garantir as condições tecnológicas de viabilidade do Programa Espacial Brasileiro, mas, ao mesmo tempo, garantir as condições para que as populações possam usufruir igualmente dos extraordinários ganhos já apontados aqui com essas medidas a serem tomadas.
Em confluência com esses projetos, destacamos ainda a necessidade de garantir que as comunidades mais afetadas pela exploração comercial sejam beneficiadas com as compensações sociais, no âmbito destas e de outras iniciativas legislativas, porque me parece, pela descrição aqui feita pelo Sr. Leonardo, pelo Sr. Antônio e mesmo pelas visitas in loco, que se observa um descompasso em Alcântara entre a vida das comunidades e o empreendimento tecnológico ali presente.
O Governo do Maranhão defende, assim, o amplo diálogo sobre esta pauta, considerando a complexidade e a amplitude de direitos envolvidos. O Governo do nosso Estado não considera contraditória a consolidação tão necessária do Programa Espacial Brasileiro com a garantia dos direitos das comunidades quilombolas.
Por esse motivo, já realizamos dois seminários para discutir a temática: um com a comunidade científica e com forte presença do Governo Federal, cujo painel foi Base de Alcântara: próximos passos; e outro, Alcântara: quilombos e base espacial, com forte presença das comunidades quilombolas, do qual resultou uma mesa de diálogo e, em seguida, reuniões com a bancada estadual e com a bancada federal.
A Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão igualmente tem tomado iniciativas para acompanhar este duplo pensamento, esta dupla articulação, e para investir naquilo que é necessário à consolidação do desenvolvimento nacional, porque um programa aeroespacial é fundamental também para assegurar nossa soberania entre as nações, mas, ao mesmo tempo, a proteção de direitos.
Senhoras e senhores, o Governo do Estado do Maranhão defende um amplo diálogo na solução de divergências e conflitos e uma articulação de salvaguardas tecnológicas e salvaguardas sociais, pois, ao fim e ao cabo, o objetivo da República Federativa do Brasil é melhorar a vida do povo brasileiro, com dignidade e liberdade.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Muito obrigado, Sr. Francisco Gonçalves da Conceição, Secretário de Estado dos Direitos Humanos do Maranhão.
Passo agora a palavra ao penúltimo expositor, o Sr. Davi de Araújo Telles, Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Maranhão, por 10 minutos.
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O SR. DAVI DE ARAÚJO TELLES - Sr. Presidente, Deputado Helder Salomão, ao cumprimentá-lo, quero cumprimentar também os Deputados que subscrevem em conjunto o requerimento para realização desta audiência pública, o Deputado Bira do Pindaré, o Deputado Márcio Jerry e o Deputado Camilo Capiberibe, que aqui também está presente. Cumprimento ainda todos os Deputados desta Casa, os representantes do Governo Federal, a Exma. Sra. Subprocuradora do Ministério Público Federal, a Dra. Deborah Duprat, e todos os representantes dos movimentos sociais aqui presentes, na pessoa da Sra. Célia Cristina.
Nós entendemos, como já deixou claro o Secretário Francisco Gonçalves, que esta questão cinge-se, sobretudo, a uma questão mais ampla, que é exatamente levar a cabo o Programa Espacial Brasileiro. Parece que nós estamos aqui, mais uma vez, diante de uma questão que pode aparentar ser binomial, mas que tem que ser necessariamente articulada de modo a ser resolvida, a nosso ver, de maneira concomitante.
Por um lado, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas — é sempre bom repetir — não é um contrato de exploração comercial de Alcântara, mas tão somente um instrumento jurídico bilateral de proteção de propriedade intelectual, como bem deixou claro o representante do Ministério das Relações Exteriores. É algo, digamos assim, que precede possíveis e eventuais contratos de exploração comercial de Alcântara. Acerca desse ponto o Governo do Maranhão é ampla e notoriamente favorável.
Nós entendemos que o estado da arte atual em que se encontra o contexto aerospacial mundial é exatamente no caminho e no sentido de que as explorações comerciais dos respectivos centros de lançamento, cada vez mais, demonstram-se como uma viabilidade mais real. Então, o Governador do Maranhão, Flávio Dino, neste momento e de maneira formal, pediu-nos que assim fizéssemos para nos colocar de maneira claramente favorável ao Acordo de Salvaguardas Tecnológico, recentemente assinado entre o Brasil e os Estados Unidos da América e que ora está em trâmite neste Congresso Nacional.
Por outro lado, sem resumir a questão somente a este ponto, nós somos francamente favoráveis e entendemos que não é uma questão separada as salvaguardas que estamos propondo serem chamadas de "salvaguardas sociais". O Governador Flávio Dino tem feito questão de assim nominá-las, para que fique inclusive mais fácil a compreensão do público e da sociedade brasileira em geral.
O Programa Espacial Brasileiro não pode, neste momento tão sério e tão determinante de resolução do seu futuro, excluir nenhuma parte e nem outra dessa discussão.
Em relação às salvaguardas sociais, nós achamos que, neste momento em que tramita nesta Casa o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, entendemos que este é um momento propício para que essa discussão seja retomada e que os passivos históricos das comunidades tradicionais de Alcântara sejam debatidos. Muito embora não sejam contratos de exploração comercial ainda, parece-nos óbvio que um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas que protege propriedade intelectual, de maneira natural, enseje esse debate.
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Nós entendemos, entretanto, que um debate não pode excluir o outro. Em algumas oportunidades, nós já estivemos com o Governo Federal, e o Governador Flávio Dino teve a oportunidade inclusive de colocar o Governo do Maranhão à disposição, na medida das nossas limitações constitucionais e institucionais, para ajudar a intermediar essas duas questões que compõem esse tema maior que é exatamente o Programa Espacial Brasileiro.
Aliás, o Governador Flávio Dino, de maneira muito clara, demonstrou ao Exmo. Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia, ao Presidente da Agência Espacial Brasileira, ao Brigadeiro Aguiar o seu entendimento pessoal de que, para o avanço ideal do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas e para o avanço ideal de eventuais e futuros contratos de exploração comercial, um signo, um significado, um gesto claro do Governo Federal e da comunidade que está discutindo esse tema, em geral, no que se refere a salvaguardas sociais, facilitaria toda essa tramitação. É o nosso posicionamento claro, que foi inclusive bastante detalhado aqui pelo Secretário Francisco Gonçalves. Então, nós entendemos que são duas partes que se integram, que não se excluem dentro dessa temática maior do Programa Espacial Brasileiro.
Não temos a ingenuidade de achar que alguém ou alguma nação do mundo vai transferir tecnologia de maneira gratuita para o Estado brasileiro, no que se refere a tecnologia aeroespacial. Em momento nenhum, isso foi feito na história recente. Em nenhum momento, isso foi feito na história não recente, e não é agora que seria feito. Pessoalmente, eu digo que não desejaríamos estar submetidos à necessidade de fazer um acordo que, sendo bem claro, impede transferência de tecnologia para o Brasil.
Aliás, o Ministro Marcos Pontes tem sido muito sincero a esse respeito. Disse aqui nesta Casa, certa vez, que o que o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas faz, juridicamente falando, é impedir a transferência de tecnologia para o Brasil. Eu acho que impedir a transferência de tecnologia para o Brasil é o que o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas faz para terceiros que utilizem tecnologias empregadas nesses engenhos espaciais.
Aí entra uma terceira questão que, antes de terminar, eu faço questão de sublinhar, no que se refere à produção de conhecimento científico. Recentemente, como é do conhecimento de muitos que estão aqui presentes nesta audiência pública, por uma articulação muito ampla que envolveu Parlamentares federais, Governo do Maranhão, Governo Federal e muitos outros atores, muitos outros agentes nesse debate, nós conseguimos que a Universidade Federal do Maranhão começasse um curso de graduação de Engenharia Aeroespacial, com uma linha específica para Engenharia Aeroespacial.
Conseguimos também, numa articulação bastante ampla, que a Rede Nordeste Aeroespacial se tornasse realidade, composta por Universidade Estadual do Maranhão, Universidade Federal do Maranhão, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde se situa a Barreira do Inferno, para levar adiante um mestrado em rede em Engenharia Aeroespacial, que, aliás, já começa a dar os primeiros passos e cuja aula inaugural foi exatamente proferida pelo Ministro Marcos Pontes, quando esteve no recente seminário que nós realizamos.
O que nós entendemos e também achamos que é essa matemática complementar é exatamente que, para relativizar o impeditivo jurídico formal de transferência de tecnologia, simbolizada pelo Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, nós precisamos levar adiante um programa específico, uma estratégia específica de produção de conhecimento científico na área aeroespacial.
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Nós do Maranhão dizemos em alto e bom som que queremos fazer parte da cadeia aeroespacial endógena, e não somente da cadeia exógena, aquela que se refere a serviços, a turismo e a comércio. Isso tudo é muito importante, porque ativa a economia, a produção de alimentos, etc. Mas, nós também queremos ser atores com algum grau de protagonismo na produção do conhecimento científico e tecnológico, queremos fazer parte da cadeia produtiva endógena relacionada à Engenharia Aeroespacial, em razão da localização territorial do Centro de Lançamento de Alcântara.
Para que a nossa posição fique clara, mais uma vez nós reiteramos que entendemos que esses são dois aspectos de uma mesma temática, que muito possivelmente produzirá resultados muito mais eficazes se forem tratados de maneira complementar. O Governo do Maranhão se coloca à disposição para ajudar em tudo o que for necessário no que se refere a uma ou outra dimensão dessa discussão.
Isso é o que nós gostaríamos de deixar claro aqui de maneira inequívoca, agradecendo mais uma vez o convite que nos foi feito. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Antes de passar a palavra ao último convidado, registro a presença de Julio Semeghini, que é Secretário-Executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia e ex-Deputado Federal, a quem agradeço a participação nesta audiência pública.
Passaremos a palavra ao último convidado, depois, aos requerentes e, na sequência, aos Deputados inscritos.
Tem a palavra o Sr. Yuri Michael Pereira Costa, Defensor Regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, por 10 minutos.
O SR. YURI MICHAEL PEREIRA COSTA - Boa tarde a todas e a todos.
Com a permissão do Deputado Salomão, eu cumprimento esta Mesa estendida, na pessoa do Deputado Bira do Pindaré, em homenagem ao Rio Pindaré, do Maranhão.
Como defensor público, eu valorizo muito ambientes como este, sobretudo nesta Casa, e o formato de audiência pública. Entendo que uma das principais razões da audiência pública, como o próprio nome dá a entender, é trazer publicidade para algumas questões. O debate sobre Alcântara é um dos debates de maior relevância no Brasil hoje, e é daqueles que mais carecem de publicidade, Deputado Bira.
Eu espero sinceramente, não apenas como defensor, mas também como brasileiro, que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal deem a esse debate a publicidade que o Governo Federal não está dando. Nós temos um histórico de várias tentativas, não só da Defensoria Pública da União, mas também do Ministério Público Federal, Dra. Deborah, de fazer provocações formais e bem fundamentadas a diferentes Ministérios — Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Defesa, Casa Civil —, que ou não são respondidas, o que é a regra, ou são respondidas de maneira absolutamente genérica, quando não com informações trocadas. Isso, num primeiro momento, na minha interpretação, era um equívoco e falta de comunicação. Entretanto, sobretudo depois que conversei com o Procurador da República Hilton, ficou claro que isso é uma coisa intencional por parte do Governo Federal.
16:29
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A transparência cobrada pela representante da CONAQ em relação ao projeto que está sendo discutido, diante das áreas que serão impactadas e do mapa cientificamente válido, como o Prof. Alfredo mencionou, nunca foi apresentada por esta gestão do Governo Federal. Desta forma, esta publicidade terá que vir da Câmara — dos administradores e gestores do Executivo, com certeza, ela não virá. Não faltam provocações neste sentido.
Outro ponto que eu acho que precisa ser destacado neste momento foi citado pela Dra. Deborah, com a precisão cirúrgica que lhe é bem peculiar: não se pode discutir nada com as comunidades tradicionais se, antes, não ocorrer a titulação do território por parte do Governo.
Deputado Bira, como é que eu vou me sentar à mesa para discutir qualquer tipo de acordo com V.Exa. se minha situação é de total insegurança e indefinição jurídica, e quando o responsável por essa indefinição é o próprio Governo Federal?
A titulação é imprescindível para que as comunidades possam, de forma franca, leal, transparente e sobretudo dentro da legalidade, discutir seus direitos dentro da construção do acordo.
Outra preocupação que tem que ser destacada aqui é o que estão tentando fazer com a Convenção nº 169 da OIT. Apesar de falarmos da OIT, um órgão de âmbito internacional, na verdade estamos falando da nossa legislação, da legislação brasileira. Esta convenção foi incorporada após aprovada por este Congresso e hoje compõe parte da nossa legislação. Portanto, estamos falando não apenas de algo de fora, algo alienígena ou frágil. Estamos falando em cumprir ou não a nossa lei.
O que se está tentando fazer com a Convenção nº 169 da OIT é algo absurdo. Está-se tentando transformar uma consulta prévia, informada e de boa-fé às comunidades tradicionais num arremedo, numa oitiva, numa audiência pública — não estou dizendo que a finalidade desta audiência é esta —, numa visita institucional e numa aproximação superficial com as comunidades. Isso é absurdo!
Brigadeiro, o senhor diz que não tem a solução para o caso de Alcântara. Ninguém desta Mesa sabe a solução neste momento, nem eu, e não temos que saber mesmo. Quem tem que encontrar a solução para Alcântara são as comunidades que lá habitam, por meio do processo de consulta prévia, que existe para isso. Isso não vai vir da cabeça de um gestor, nem de um Parlamentar, nem mesmo de uma liderança sindical ou do movimento social. A solução, o tratamento adequado para o caso de Alcântara tem que vir das comunidades. É por isso que existe a Convenção nº 169 da OIT, que determina que a consulta tem de ser feita neste momento, e não em outro momento.
Um dos maiores recursos de retórica utilizado pelos representantes do Governo Federal neste acordo de salvaguardas tecnológicas — eu acrescento que são americanas, porque ele não salvaguarda nada das tecnologias do Brasil —, uma das principais estratégias discursivas utilizada aqui é dizer que neste acordo não cabe a discussão fundiária, que neste acordo não cabe a discussão territorial de Alcântara. Se tecnicamente isso não cabe, então nós temos duas opções: a primeira é que se suspenda esta discussão, para que se resolva a parte territorial, que é imprescindível. Neste caso, de fato não será preciso o acordo de salvaguardas tecnológicas incluir este debate.
Srs. Parlamentares, que se apresente o devido instrumento que dê conta deste problema, que precisa de uma solução urgentemente. O Estado brasileiro está atrasado nisto há pelo menos 4 décadas.
A segunda opção é condicionar este acordo, caso aprovado, a determinadas salvaguardas sociais, como isso está sendo chamado por muitos aqui, que de fato resguardem os interesses das comunidades tradicionais. Aprova-se o acordo e, assim, garante-se que não há expansão do território hoje ocupado.
Dizer que esta proposta não foi feita com este propósito ou que neste acordo não cabe discutir a questão fundiária não resolve nada. Isso apenas demonstra o quanto está sendo feito de forma açodada, de forma extremamente acelerada e, na minha opinião, com todo o respeito aos Parlamentares, de maneira irresponsável, caso se avance com a velocidade que se está tentando dar a esta discussão sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas.
16:33
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Outro aspecto extremamente importante ainda sobre a relativização, que, na minha interpretação, se está tentando fazer da Convenção nº 169, é que ela não pode ser fracionada por comunidades: ela tem que ser feita conjuntamente com todas as comunidades. Não adianta tentar direcionar para uma ou outra comunidade conseguir avançar — isso tem que ser feito de maneira articulada.
Eu conheço bem o relatório do Prof. Alfredo Wagner, de quem tive o prazer de ter sido aluno no mestrado. Ele me ensinou muito. Nós sabemos a lógica por que aquele território foi declarado em conjunto, e não de maneira isolada, olhando e repartindo cada comunidade.
Já me encaminhando para o encerramento, eu queria fazer outro destaque que acho também extremamente importante neste momento, ainda no tom de dar publicidade àquilo que eu entendo ser relevante. Desde o fim da década de 70, o Governo Federal, em outro contexto, com outros representantes, levantou dois argumentos que entendo serem fáceis de comprarmos, mas que são extremamente perversos com relação às comunidades tradicionais. O primeiro é que aquela área é pobre; o segundo é que ali há um grande vazio demográfico. A fala dos atuais representantes do Governo Federal reproduz isso, se não de maneira tão expressa, mas o que está como pano de fundo de tudo isso são exatamente estes dois marcos consolidados ao longo dessas décadas.
Quando se diz, Sr. Carlos Augusto, da Agência Aeroespacial Brasileira, que ali, antes da década de 80, não se tinha acesso a nada e que não havia política pública, isso reproduz esta ideia de riqueza e de pobreza. Esta é uma visão extremamente arcaica destas concepções. Falta de renda formal não significa pobreza. As comunidades de Alcântara são extremamente ricas, mas não em termos de renda formal.
Com minha remuneração razoável de defensor público federal e de professor universitário, eu não consigo ter a qualidade de alimentação pagando pelo meu alimento em São Luís, Deputado Bira, que eu consigo ter quando tenho a felicidade de visitar as comunidades quilombolas, seja de Alcântara, seja de outros locais. Nos últimos anos, minhas melhores alimentações, as mais adequadas, sem agrotóxicos, as mais frescas, como se diz no Maranhão, eu consegui quando fui às comunidades tradicionais quilombolas. Eu não estou nem tocando na parte da cultura e da religiosidade, porque nisso nós não quilombolas apanhamos, e muito, destas comunidades.
Portanto, esse discurso de que ali não havia nada, de que era um local pobre e sem políticas públicas, em primeiro lugar, continua não havendo. Quem vai a Alcântara sabe disso muito bem. Aquelas comunidades não têm acesso à educação pública de qualidade e a saneamento básico.
Eu tive a experiência, Sr. Francisco Gonçalves, de visitar um restaurante popular na agrovila quilombola de Marudá. Eu perguntei a uma senhora qual o significado daquilo para ela. Ela disse: "Tendo a garantia de ter um lugar com preço muito razoável para almoçar, significa que eu posso sair dessa terra" — a agrovila — "absolutamente improdutiva e me deslocar até uma área em que eu possa produzir e depois voltar, sabendo que eu posso fazer esse deslocamento".
Portanto, naquela área não há um vazio demográfico e aquela área, de forma nenhuma, é pobre.
Muito obrigado. (Palmas.)
16:37
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Estão encerradas as exposições.
Eu queria fazer um comentário muito rapidamente. Eu não ouvi de ninguém em Alcântara e não vi aqui hoje ninguém que seja contra o acordo. A questão é como conciliar o acordo para que as salvaguardas não sejam apenas tecnológicas, mas que sejam também sociais. Foi isso que eu entendi de todas as conversas, diálogos e exposições aqui, tanto de quem representa o Governo, como de quem representa as comunidades.
Lembro que nós realizamos nesta Casa no início deste ano — acho que em março ou abril — uma audiência pública com o Ministro Marcos Pontes, o Ministro da Ciência e Tecnologia. Na sua exposição, ele disse algo que ficou sem resolver até hoje. O que o Governo, nas palavras do Ministro, disse é que, primeiro, nós vamos resolver o acordo comercial e tecnológico e, depois que tiver sido resolvido o acordo, vamos resolver as questões sociais.
O problema é que existe um grande passivo, e não é à toa que as comunidades ficam ressabiadas. Há um ditado que eu aprendi no interior do Espírito Santo, onde eu nasci: gato escaldado tem medo de água fria.
Por isso, enquanto não estiver claro, olhando olho no olho, fazer um acordo que não seja só para termos as garantias e as salvaguardas tecnológicas é fundamental. Acho que seria um contrassenso se fôssemos contra o acordo de salvaguardas tecnológicas, mas como fazer com que este acordo não se sobreponha à vida, como foi dito aqui hoje pela Célia e por outros?
Agora, seguindo o rito da nossa audiência pública, passo a palavra aos expositores. O primeiro requerimento aprovado não foi nesta Comissão, foi na CREDN. O autor é o Deputado Camilo Capiberibe, membro desta Comissão.
O SR. BIRA DO PINDARÉ (PSB - MA) - Aprovou-se primeiro lá? Eu achei que tivesse sido aqui.
O SR. MÁRCIO JERRY (PCdoB - MA) - Na verdade, foi na Comissão de Direitos Humanos.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Aprovou-se primeiro aqui, na Comissão de Direitos Humanos?
Então, eu é que me equivoquei. Desculpem-me.
A palavra fica entre os Deputados Camilo e Bira.
O SR. BIRA DO PINDARÉ (PSB - MA) - O Deputado Camilo pode falar primeiro.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Desculpem-me a falha.
Os Deputados requerentes têm direito a 5 minutos e os demais inscritos, a 3 minutos.
Concedo a palavra ao Deputado Camilo Capiberibe.
O SR. CAMILO CAPIBERIBE (PSB - AP) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Eu queria cumprimentar todos os expositores governamentais, na pessoa do Presidente da Agência Espacial Brasileira, o Sr. Carlos Augusto Teixeira de Moura. Quero saudar a Procuradora do Ministério Público Federal, da PGR, aqui presente; o Presidente da CDHM, o Deputado Helder Salomão; e a sociedade civil, na pessoa do Sr. Leonardo dos Anjos, que conheci e fez uma belíssima exposição hoje de manhã. Quando cheguei ao lançamento da Frente, ele já estava no fim da exposição. Meus cumprimentos a toda a sociedade civil, na pessoa do Coordenador-Geral do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara, o Sr. Leonardo dos Anjos.
Quero cumprimentar, igualmente, o Deputado Márcio Jerry, do PCdoB do Maranhão, e o Deputado Bira do Pindaré, que têm capitaneado este grande esforço para que as comunidades quilombolas do Maranhão sejam ouvidas. Foi dialogando com o Deputado Bira que apresentamos este requerimento para que a CREDN, que é a primeira Comissão na qual este acordo de salvaguardas será apreciado, pudesse participar desta audiência pública.
16:41
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Foi justamente por meio deste esforço que o relatório, que já está pronto, cujo Relator é o Deputado Hildo Rocha, do MDB no Maranhão, não foi votado 15 dias atrás sem nenhum tipo de debate, sem que a CREDN, a Comissão de Relações Exteriores, pudesse acompanhar a visão das comunidades.
É muito importante comentar, Deputado David Miranda, subscritor deste requerimento na CREDN, que nós não entendamos esta ideia segundo a qual há a questão dos direitos humanos por um lado, que consiste em ouvir as comunidades, e a parte da ciência e da tecnologia, a questão de Alcântara, de que a ciência e a tecnologia e a CREDN não participam. Não é assim que as coisas funcionam.
O Deputado Helder Salomão já resumiu: não há ninguém contrário a que tenhamos um projeto para Alcântara. Aliás, eu e o Deputado Bira participamos da comitiva do Ministro da Ciência e Tecnologia, o Ministro Marcos Pontes — o Presidente da Agência também estava na comitiva —, conhecer a experiência da Base Espacial de Kourou.
Lá nós vimos uma coisa muito importante. Constatamos que as comunidades que habitavam o entorno da base foram remanejadas. Lá também existe um grande passivo. Na Guiana Francesa, responsabilidade do Departamento Ultramarino da França, na implantação da base, nos anos 60, ficou um passivo grande. Isso foi exposto para nós. Nós pudemos perceber isso.
Portanto, qual é a grande questão que precisamos observar nesta tramitação, para não cometermos os mesmos erros? Como foi dito aqui, na implantação existe um passivo em relação a isso. Esta metodologia de primeiro aprovarmos e depois debatermos o passivo simplesmente não funciona. As coisas não se resolvem assim. "Vamos resolver aquela que é a preocupação deste Governo, que já foi a preocupação de outro Governo". Fernando Henrique Cardoso tentou aprovar um acordo dessa natureza, mas não conseguiu. Este acordo foi rejeitado, inclusive com o voto do Presidente Bolsonaro — ele votou contra a aprovação deste acordo na primeira vez em que foi debatido. É importante entendermos isso.
Neste momento, o acordo volta para o debate quando há um clima favorável. No entanto, nós não podemos cometer os mesmos erros. Nós temos que ser capazes de resolver as questões relativas àquela população, para que a tramitação do projeto que será apreciado na Comissão de Relações Exteriores e em outras Comissões possa acontecer com muito mais tranquilidade. Não adianta querer acelerar o trâmite apenas porque se trata de uma decisão do Governo, e não do Estado.
Eu conheço a visão do Presidente da Agência. Nós tivemos a oportunidade de conversar com o Secretário Executivo do Ministério, que está aqui, o Sr. Julio Semeghini, e com o próprio Ministro Marcos Pontes, com o Ministério da Defesa. O que me preocupa não é a visão dos senhores. O que me preocupa é o que pensa o Presidente da República, que tem uma visão muito colonialista dos povos quilombolas.
É isso que faz com que não aceitemos que se deixe para depois a resolução das questões que estão sendo colocados de maneira muito clara aqui pelos representantes do Governo do Maranhão e da Defensoria Pública da União.
16:45
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Eu concluo dizendo que estas questões têm que ser colocadas no mesmo passo de resolução. Senão, a tramitação não será tranquila.
Contem conosco, Deputado Bira do Pindaré e Deputado Márcio do Maranhão. Estamos juntos!
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Passo a palavra ao Deputado Bira do Pindaré, autor do requerimento na Comissão de Direitos Humanos.
O SR. BIRA DO PINDARÉ (PSB - MA) - Muito obrigado Presidente Helder Salomão. Cumprimento os Deputados Márcio Jerry e Camilo Capiberibe, que, nas suas Comissões, encaminharam requerimento para a realização de audiência pública e, por isso, ela é conjunta. Saúdo os demais colegas Parlamentares, todos os convidados que aqui vieram, os representantes do Governo e, de maneira especial, os representantes das comunidades quilombolas.
Esta audiência surge após a audiência com o Ministro Marcos Pontes. De imediato, eu propus convidar as comunidades quilombolas — meu diálogo com ele foi exatamente sobre este ponto. Ele respondeu aos meus questionamentos e disse que a questão dos quilombolas ficaria para depois. Eu retruquei de imediato, dizendo que isso não fazia sentido, porque a questão dos quilombolas tinha que ser resolvida logo. Os quilombolas esperam uma solução para seus problemas há mais de 40 anos, uma solução que não chega.
Não dá para chegar agora com esta proposta, que aparentemente pode trazer algum benefício ao País, e dizer: "Não. Depois se resolve este problema, porque ele é menor". Eu ouvi até Deputado aqui comparando — está registrado nos Anais da Casa — a questão dos quilombolas com palito. Ele disse que, em vez de nos preocuparmos com a floresta, estávamos nos preocupando com palito. O palito eram as comunidades quilombolas.
Esta visão nós não podemos aceitar, de maneira alguma. Nós não aceitamos, não nos curvamos e vamos fazer todo o enfrentamento necessário para que isso não se efetive nesta lógica perversa, excludente, colonialista, ultrapassada, anacrônica. Não faz sentido isso acontecer nos tempos em que vivemos. Estamos tratando de pessoas, de seres humanos, de remanescentes de quilombos, uma população que foi escravizada durante 400 anos, abandonada, como disse o Prof. Alfredo Wagner.
Esta comunidade formou seus quilombos em Alcântara e lá estabeleceu sua convivência. Não podemos chegar para este povo e simplesmente dizer que eles não existem ou que vamos implantar um empreendimento, muito importante, e que eles terão que sair de lá de qualquer jeito. Não podemos concordar com isso.
Todos nós concordamos que o empreendimento é importante. Nós não temos o ufanismo de achar que vamos resolver todos os problemas, nem o sectarismo de achar que não serve para nada. Não! Nós entendemos que o empreendimento é importante, mas queremos que ele seja viabilizado da melhor forma possível. O povo de Alcântara também deseja isso. As comunidades quilombolas todas querem isso. O que que elas não querem é sair do seu território, porque o território, que é quilombola, lhes pertence.
Nós não estamos aqui tratando de nenhuma coisa estranha ao nosso meio. Nós estamos tratando da Constituição Federal. Trata-se do art. 68 da nossa Constituição. Ou nós vamos revogar a Constituição? Vamos rasgar este dispositivo? Pelo que eu saiba, não há nenhum projeto, nenhuma PEC para revogar o art. 68.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Não dê a ideia... (Risos.)
O SR. BIRA DO PINDARÉ (PSB - MA) - Não dê ideia para doido... A Dra. Deborah já disse aqui: "Não dê ideia para doido".
Isso não pode acontecer. Não tem sentido, não tem cabimento.
Nós queremos que esta questão seja resolvida de maneira respeitosa.
16:49
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Em 1983, quando foi implantada a base, foi firmado um acordo em cartório. Está aqui o documento. Eu trouxe uma cópia do documento, na diligência que nós fizemos agora. O acordo feito pelas autoridades do Governo à época previa terra boa e suficiente para trabalhar fora da área de decreto da desapropriação; praia, pois a grande maioria dos quilombolas tem na pesca parte do sustento da família, como uma feira; a possibilidade de ficarem juntos, por causa dos laços de parentesco e de amizade que unem os povos, para que não fossem separados à época; água; lugar para os animais pastarem; título definitivo da propriedade da terra, além de outras coisas. Quase nada disso foi cumprido. Isto foi firmado em 1983!
O segundo passo está na cronologia. O relatório técnico de identificação e de delimitação de Alcântara foi feito em 2008 pelo INCRA, que reconheceu as terras como quilombolas. Depois disso, também em 2008, houve uma sentença judicial dizendo que o Estado brasileiro tinha que se abster de expulsar as comunidades dos seus territórios. Tudo isso respalda os direitos das comunidades quilombolas.
Como podemos falar, nesta altura do campeonato, que esses povos têm que sair das suas localidades?
Muitos perguntam qual é a solução. Eu vou dizer qual é a solução. Primeiro, é preciso que não haja o deslocamento forçado de nenhuma comunidade quilombola de Alcântara. Este é o primeiro ponto. (Palmas.) Nenhum deslocamento forçado! O segundo ponto é a titulação das terras quilombolas: todas as comunidades devem receber sua titulação. O terceiro ponto é a realização de um estudo do impacto ambiental, que até hoje não foi feito. Não há estudo de impacto ambiental em relação a Alcântara. O quarto ponto é a Convenção nº 169, de 1989, o direito que essas comunidades têm de ser escutadas e, assim, se estabelecer o entendimento.
A grande formulação a que chegamos foi esta, Prof. Chico e Davi Telles. Se temos capacidade de fazer o acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos da América, país mais poderoso do mundo, nós temos que ter a capacidade de fazer um acordo de salvaguarda social com as comunidades quilombolas e garantir-lhes seus direitos. É somente isso. (Palmas.)
Na minha opinião, a solução é muito simples. Quando temos vontade política para resolver, nós resolvemos. Eu acho que o momento é oportuno. Quem sabe não damos a volta por cima e Alcântara passe a ocupar o melhor lugar não apenas para lançar foguetes, Deputado Márcio Jerry, mas o melhor lugar também para se viver. Isso é tudo o que este povo quer.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Deputado Bira do Pindaré.
Quero anunciar a presença da Deputada Áurea Carolina, que esteve recentemente em Alcântara visitando as comunidades e conversando com as lideranças quilombolas da região. Obrigado, Deputada Áurea.
Tem a palavra o terceiro e último requerente, o Deputado Márcio Jerry. Em seguida, o Deputado David Miranda vai falar como o subscritor do requerimento na CREDN.
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O SR. MÁRCIO JERRY (PCdoB - MA) - Cumprimento o Presidente Helder Salomão, os colegas Deputados Federais e todos os presentes nesta importante audiência pública.
Esta já é a segunda vez que estamos debatendo este tema na Comissão de Ciência e Tecnologia. O objetivo é exatamente fazer um debate sério, consistente, aprofundado. Não é para fazer nada além daquilo que busque iluminar este caminho, para que tenhamos o estabelecimento e sobretudo o primado da Justiça de que não haja nenhum tipo de ação que possa resultar em prejuízos ainda maiores para as comunidades de Alcântara.
Este é o sentido destas audiências, que são muito importantes. Outras virão, para que possamos realmente levar este debate à exaustão. Não faz mal debater, não faz mal discutir. Nós aprendemos muito e criamos convergências.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Deputado Márcio Jerry, gostaria de dar um aviso aos Deputados. Como há uma nova votação nominal, sugiro a V.Exa. que conclua sua fala. Assim, nós podemos ir ao plenário votar e voltamos para a audiência.
O SR. MÁRCIO JERRY (PCdoB - MA) - Está bem, Sr. Presidente. Antes, porém, peço que meu tempo seja retomado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Como vamos nos ausentar, V.Exa. terá mais tempo.
O SR. MÁRCIO JERRY (PCdoB - MA) - Eu estava falando deste esforço. Aliás, amanhã, às 9 horas, instalaremos, no âmbito da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, uma Subcomissão permanente sobre o Centro Espacial de Alcântara. Esta Comissão é integrada pela Deputada Luiza Erundina, do PSOL de São Paulo; pela Deputada Margarida Salomão, do PT; pelo Deputado Gervásio Maia, do PSB; pelo Deputado Cezinha de Madureira, do PSD de São Paulo; pelo Deputado Julio Cesar Ribeiro, do PRB de Brasília; por mim; e pela Deputada Angela Amin.
Eu trago este informe para mostrar o interesse, a responsabilidade e a atenção que o Parlamento tem tido com este debate sobre Alcântara, inclusive nas ações da Comissão de Direitos Humanos em Alcântara, onde estivemos na semana passada, em diligência.
É importante situarmos estas informações para erguermos um ambiente favorável ao debate e à construção de soluções.
A questão do debate renovado do acordo de salvaguardas tecnológicas se nos apresenta como a possibilidade concreta e clara de resolver problemas que se arrastam há muito tempo. Se é verdade que, no acordo em si, não há nenhuma referência nem deveria haver, porque se trata de um acordo de salvaguardas tecnológicas, há, neste debate, a questão das populações de Alcântara. É verdade também que não há qualquer possibilidade de se utilizar o Centro Espacial de Alcântara sem que haja a resolução desses passivos e sem que haja uma visão muito clara do presente e do futuro. Nós podemos acumular muito com estes debates e tirar soluções muito importantes para o Município de Alcântara.
Eu falo isso para não cairmos na tentação hoje residual, mas que, de vez em quando, aparece. É a tentação de dizermos não e, desta maneira, impedirmos que se retirem vantagens muito importantes para o Maranhão, para o Brasil, para Alcântara e para as comunidades quilombolas de Alcântara. Nós temos dito isso desde 2002, em todos os eventos de que temos participado — naquele ano, eu participei de dezenas. O Sr. Alfredo Wagner há de lembrar isso. Eu repeti uma palavra que eu ouvi da Profa. Maristela de Paula Andrade.
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Ela usou uma frase em audiência aqui na Câmara dos Deputados, já naquele primeiro momento, uma frase com que o Deputado Bira terminou a fala dele: "Se Alcântara é o melhor lugar do mundo para se lançar foguete, deve ser o melhor lugar no mundo para se viver também".
Portanto, nós temos que fazer com que haja agregados de valor positivo, importantes, sustentáveis para Alcântara.
Têm razão os companheiros e as companheiras que falaram aqui, representando as comunidades quilombolas, que não dá para se confiar para o futuro se não resolvemos no presente o que ficou de débito no passado. Isso não é um debate extemporâneo à questão do acordo de salvaguardas tecnológicas.
Eu tenho percebido boa vontade de todos os atores envolvidos em fazer este debate, mesmo que não haja aqui e ali a clareza de prazos e do que fazer sobre estes passivos, mas estamos construindo um caminho. Diferentemente daquele primeiro período, eu acho que há muito mais condições agora de, juntos, construirmos um caminho que seja bom para o Brasil.
Quando este debate chegou à Câmara, de imediato eu pronunciei uma fala em que eu disse que precisávamos salvaguardar três questões no acordo de salvaguardas. A primeira grande salvaguarda é a soberania nacional. A segunda grande salvaguarda é fazer com que este acordo sirva para um incremento, um impulsionamento, um fortalecimento, uma retomada do Programa Aeroespacial Brasileiro, algo fundamental hoje no contexto mundial. O terceiro e mais importante, eu dizia, é preciso resolvermos os passivos e termos uma visão inclusiva da comunidade de Alcântara, do Maranhão e muito especialmente das comunidades quilombolas de Alcântara.
Nós estamos construindo, portanto, Sr. Presidente Helder Salomão, nestes debates que temos feito, as possibilidades do Deputado Hildo Rocha, Relator desta matéria na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Nós estamos construindo um diálogo transparente e claro. Não digo que já construímos uma ampla convergência, mas estamos construindo a ampla possibilidade de uma convergência que seja boa para todos, com o envolvimento da comunidade quilombola de Alcântara, que faça a reparação desses danos e prejuízos, além dos passivos que há e que devem ser sanados todos, absolutamente todos. Não basta sanar o que ficou para trás. Nós temos que ter também uma política capaz de transformar em dividendos financeiros, para o desenvolvimento do Maranhão, de Alcântara e das comunidades quilombolas, com a utilização do Centro Espacial de Alcântara.
Por fim, Presidente Helder, companheiros e companheiras, eu acho que temos que ver hoje, como eu disse na minha primeira fala, a possibilidade de um acordo de salvaguardas tecnológicas. Nós temos a possibilidade de um novo posicionamento do Brasil no mercado aeroespacial brasileiro. Nós temos passivos que vêm de 30 ou 40 anos, que passaram por vários governos, infelizmente.
Eu falo isso num tom de autocrítica, porque apoiei governos que, durante muito tempo, não conseguiram, por várias razões, resolver estes passivos. É importante que, com honestidade, se admita isso.
Portanto, nós precisamos aproveitar esta oportunidade para concretamente resolvermos estes passivos. Apesar de tudo o que há no Brasil, neste aspecto, há condições políticas favoráveis, pelo envolvimento do Parlamento de maneira muito ativa, pelo interesse e pelo envolvimento demonstrados na mediação pelo Governo do Maranhão, pela boa vontade também demonstrada reiteradamente pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
Hoje nós temos um conjunto muito importante para conseguirmos fazer com que finalmente tenhamos a reparação desses passivos e a preparação de Alcântara para um novo momento de desenvolvimento, de progresso, com inclusão social, com sustentabilidade e com justiça.
Muito obrigado. (Palmas.)
17:01
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Deputado Márcio Jerry.
Tem a palavra o Deputado David Miranda, que não é autor, mas subscreveu requerimento na CREDN.
O SR. DAVID MIRANDA (PSOL - RJ) - Obrigado, Sr. Presidente. Obrigado a todos e a todas.
Eu consegui chegar a tempo de acompanhar algumas explanações. É muito bom ver que a comunidade está aqui nesta Casa, podendo falar, sendo ouvida, vibrando, gritando e lutando por seu espaço. Eu não sabia. Eu visitei. Eu conheço a história, eu li. Estou adentrando bastante este acordo porque acredito muito na soberania nacional, mas também acredito muito nos povos quilombolas. Acredito que precisamos proteger nosso povo. O Deputado Bira fez uma excelente apresentação, ao falar sobre este assunto. Portanto, vou apresentar um quadro um pouco mais técnico.
O acordo de salvaguardas tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos não deixa dúvida quanto a isso. Nas páginas 7 e 8 do referido documento consta: "1 - Não haverá transferência nenhuma de tecnologia para o Brasil. 2 - Os benefícios para a comunidade local serão empregos oriundos de restaurantes, hotéis, postos de gasolina, barbearias, comércio, turismo, serviços como um todo". Isto está descrito no acordo.
Outro ponto é que existe uma proibição. O valor que for arrecadado dentro dos lançamentos — eu friso a palavra "lançamentos", porque haverá uma base só de lançamentos — não poderá ser utilizado para desenvolver a tecnologia de lançamentos no Brasil. Existe esta ressalva.
Sobre o mercado, há uma pesquisa de 2 anos atrás que diz que o mercado é, em média, 348 bilhões. Dentro deste mercado, temos a média de 4 bilhões e 800 mil, que, arredondando, podemos considerar 5 bilhões. É com este mercado com que vamos querer competir, no futuro, na base de Alcântara. Trata-se de um mercado extremamente competitivo. Estamos falando de um mercado que tem os Estados Unidos lançando 34 satélites por ano; a China, 39; a Rússia, 20. São os maiores mercados competidores que já têm plataformas para isso.
Neste mercado, quais são as vantagens que temos a oferecer? Temos uma economia de 30%combustível, na linha do Equador. Mas quais são as desvantagens? A concorrência, seguro, dificuldade logística de acesso. Como vamos fazer? Quanto será o investimento em porto e aeroporto para aquela área? Quais são os investimentos que poderemos fazer, diante de um país com uma crise econômica deste nível?
Quanto à burocracia do Governo brasileiro, que conhecemos muito bem, já tivemos este problema com a Ucrânia. Podemos culpar o acordo de salvaguardas que não tivemos, mas sabemos exatamente que o Governo brasileiro é muito burocrático.
Em se tratando de taxas e impostos, como vamos oferecer um atrativo a uma empresa americana para que que ela venha para o Brasil fazer um lançamento na nossa base, se eles já têm subsídio para fazer nos Estados Unidos? Eu tenho que fazer esta ressalva.
Fora isso, em 2013, eu trabalhei com as publicações com Edward Snowden. Nestas publicações, nós mostramos que havia uma base aqui em Brasília utilizada pela NSA que espionava o Brasil. Isso ocorreu aqui. Foram espionados ex-Presidentes e a ex-Presidenta do nosso País. Isso foi denunciado por mim, por outro jornalista, meu marido, e por outras pessoas.
17:05
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No acordo, há algumas ressalvas que me permito ler aqui, se me permitem: "A ausência de proibição expressa de uso bélico e militar pelos Estados Unidos". O texto não apresenta nenhuma determinação que proíba o uso bélico ou militar pelos Estados Unidos. A resposta do requerimento de informações sobre o tema que enviamos, na relação de ciência e tecnologia, argumenta que tal proibição não seria objetivo deste acordo, já que este visaria apenas salvaguardar a área de tecnologia e que tampouco seria necessário, já que o art. 49 da Constituição Federal determina que a presença de forças militares estrangeiras no País depende da aprovação do Congresso.
Este acordo fala em não deixar isso. No entanto, nada há nele que expresse que isso não possa ser feito, quando eles podem entrar por aqui e colocar armas aqui.
No que diz respeito a áreas restritas e à perda de soberania, dentro do acordo, o Ministro desenvolveu um argumento em resposta ao requerimento do PSOL que enviamos, que nada implica redução da soberania brasileira. Quando indagado pelo PSOL sobre como as áreas restritas serão definidas e como as áreas restritas serão definidas e se há uma porcentagem máxima da CLA que poderá ser convertida na área restrita, o Ministro afirma que a definição dependerá dos parâmetros a serem acordados em futuros contratos comerciais, conforme requisitos, a cada operação e projeto.
Isso me leva a fazer muitas ressalvas sobre os aspectos técnicos básicos para termos um bom entendimento sobre quanto vai custar para o Brasil para a base estar em pleno lançamento. Quantos lançamentos poderemos fazer por ano? Quanto de subsídio teremos que dar às empresas que virão para o Brasil para fazer os lançamentos? Já foi dito, mas a Deputada Áurea pode falar mais sobre este ponto. S.Exa. indagou o coronel, e ele disse que 300 famílias poderiam ser remanejadas. Isso significa mais de 2 mil pessoas da área de quilombolas que seriam remanejadas dali. Nós já sabemos do impacto que isso teve na década de 80.
Este tratado todo me traz muita preocupação porque querem passá-lo como um trator nesta Casa. Nós já o embarreiramos da última vez na sessão.
Portanto, eu acho que este tratado, da forma como veio para cá, não faz uma discussão com a sociedade civil, não faz uma discussão com o terceiro setor, não faz uma discussão com os povos quilombolas, não faz uma discussão com a equipe técnica, para mostrar que vamos ter um desenvolvimento real naquela área e quais serão os impactos sociais.
Para concluir, eu acho que precisamos devolver este acordo e fazer um novo. Do contrário, devemos proteger a população criando PLs em que possamos fazer ressalvas a estas questões que eu estou levantando aqui. Nós não podemos, de forma alguma, deixar esse povo ser mais uma vez massacrado pela ideia de que vamos fazer alguma coisa projetada para o futuro, mas que até agora é apenas uma fantasia, como o atual Governo brasileiro.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Muito obrigado, Deputado David.
Agora damos início à fase dos Deputados inscritos. Por justiça, vou transferir a condução dos trabalhos ao Deputado Bira do Pindaré, autor do primeiro requerimento. S.Exa. vai revezar a condução dos trabalhos com o Deputado Márcio Jerry, que, não por acaso, também é do Estado do Maranhão, onde se localiza o Município de Alcântara.
O Deputado Bira do Pindaré dará a palavra aos primeiros Deputados inscritos e, na sequência, voltará a palavra à Mesa para as respostas.
17:09
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O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Obrigado, Deputado Helder Salomão.
Dando sequência à audiência, vamos conceder a palavra aos Parlamentares inscritos começando pelo Deputado General Peternelli, que terá o tempo acumulado com o da Liderança: 7 minutos mais 3 minutos. S.Exa. dispõe de 10 minutos, sem direito a apartes.
O SR. GENERAL PETERNELLI (PSL - SP) - Deputado Bira do Pindaré, Deputado Márcio Jerry, Brigadeiro, Dra. Deborah, Sra. Célia, que não está mais aqui, eu estou muito empolgado e, por esta razão, participei de todas as atividades.
Não vou entrar no mérito da questão, porque hoje quero explorar o lado social. A abordagem que o Deputado fez tem algumas coisas que não correspondem: o acordo é de salvaguardas. S.Exa. disse que não proíbe os americanos de lançarem bombas. Este contrato não é para lançamento. Este contrato é apenas para salvaguardas.
Eu estou à disposição para complementar esta informação. Eu quero focar o social e, no foco social, estou plenamente alinhado com o Governo do Maranhão, com o Chico e o Davi.
Se formos esperar, não vai dar certo. Por isso, fez muito bem o Maranhão em acreditar no acordo e já começar a faculdade de Ciências Espaciais. Isso significa acreditar no Centro de Alcântara, acreditar nas atividades que poderão ser desenvolvidas.
Quanto a outras parcelas sobre as quais já se falou, nós não sabemos se serão agora ou não. Nós estamos discutindo quantos por cento do que foi arrecadado serão do Governo Federal, do Governo Estadual, do Governo Municipal ou dos quilombolas. Isso os Deputados podem discutir à vontade. Os quilombolas terão meu apoio para tentar puxar nesta direção.
Eu me alinho ao Governo do Maranhão. Acho que o acordo deve sair. Nós estamos perdendo tempo.
Quando o Deputado falou da burocracia brasileira, este Congresso faz parte dela. Reparem quanto tempo se leva para assinar um acordo! Nós criticamos a burocracia, mas fazemos parte dela.
Eu gostaria, neste mesmo foco, de contar uma história que começa no Vale do Paraíba. Eu sou muito vinculado a Taubaté. Eu nasci em Ribeirão Preto, morei em muitas cidades, mas conheço bastante Taubaté. Vim a conhecer a história do Brigadeiro Montenegro quando ele resolveu colocar o CTA em São José dos Campos. Taubaté era muito maior, acreditem. Mas pessoas como o Brigadeiro Montenegro, o Governador do Maranhão, o Davi e o Chico estão acreditando nesta ciência e tecnologia. Hoje São José dos Campos é muito maior que Taubaté. Se prometessem que iria ter uma EMBRAER, não sairia o CTA. Hoje nós temos lá uma EMBRAER.
Eu digo aos quilombolas que não percam esta oportunidade, que vai se traduzir em termos de qualidade de vida, pelo exemplo que São José dos Campos representa. Não percam esta oportunidade! Sonhar não custa nada. Basta acreditarmos no sonho. Quem sabe o Maranhão possa ser a EMBRAER de satélites brasileiros. Isso é muito importante.
17:13
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Fala-se em ajudar, em empregar, e aqui citaram o exemplo do soldado que ficou chateado com o que ocorreu. Nós podemos focar no soldado, mas não podemos deixar de focar no seguinte: esse trabalho dele como soldado foi dado pela base. Se nós aqui não progredirmos, o Governo pode ter cometido uma irresponsabilidade de ter montado um curso que não vai ter finalidade. Por isso, eu acredito efetivamente no curso.
Mas não é só isso. Falou-se muito das famílias, a doutora falou das famílias dos oficiais. Cada oficial tem lá uma média de salário, vamos supor, de 8 mil reais, 9 mil reais. Eles vão gastar esse salário no Município, no Maranhão. Vamos torcer para haver muito americano gastando na Praia do Calhau e em outras praias, porque isso vai ajudar o Maranhão. Esses recursos vão ser empregados na saúde e na educação, o que é prioridade do Governo do Maranhão, muito corretamente.
Eu gostaria de dizer que isso vai propiciar locais para os filhos estudarem. Como disse muito bem a Célia, ela faz aquela atividade prazerosa, muita gente leva a vida inteira para poder estar naquela condicionante de usufruir aquilo com tranquilidade; entretanto, se eu estivesse lá e me perguntassem se eu queria que o meu filho tivesse aquela mesma condicionante de ficar ali catando pescado para tentar sobreviver ou se eu queria que houvesse a oportunidade de ele estudar, eu diria que eu gostaria que o meu filho estudasse e tivesse boas condições de saúde. Eu gostaria que a UBS e a APA de Alcântara fossem modelo, fossem padrão.
Deputado Márcio Jerry, como V.Exa. muito bem explanou, não interessa se é do Governo passado ou não, o título é uma necessidade. Eu poderia perguntar para a Dra. Deborah Duprat: por que esse título não está lá há muito tempo? Ela exerceu um alto cargo. Isso tem que ocorrer. O título é um direito. Se houver impedimento jurídico — na área em que se desapropriou, querem dar o título —, não haverá sustância jurídica para isso aí.
A agrovila tem muitas desvantagens, mas não podemos deixar de reconhecer que ela apresenta algumas vantagens. Uma delas é aumentar o convívio entre os membros da comunidade. É muito mais fácil eu conversar com o meu vizinho e trocar um dedo de prosa. Numa comunidade, é muito mais fácil o apoio mútuo. Se um está passando mal, o outro pode ajudar. Numa agrovila, nesse contexto, o apoio à saúde é mais facilmente executado. Eu defendo a educação como um dos fatores básicos e defendo muito o caderno apostilado, mas não vou falar disso agora. A educação é facilitada. Toda essa cultura que a comunidade tem na agrovila está reunida.
Eu espero que — se isso não feito no projeto — a comunidade ou o Governo do Maranhão possa investir num centro de tradição. Eu gosto muito de falar dos gaúchos, pois há Centros de Tradições Gaúchas pelo Brasil inteiro. Nós podemos ter um centro de tradições para essas atividades também. Então, o acordo propicia ações políticas públicas. O Brigadeiro, conversando comigo, falou assim: "Vou chamar o Secretário de tal Ministério para ir dar uma olhada em tal aspecto". Mas nós não podemos esquecer que quem sabe do problema do cidadão — e toda hora nós dizemos isso aqui na Câmara — é o Prefeito. Acima do Prefeito, quem sabe do problema do cidadão é o Governador.
17:17
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Digo aqui para os representantes do Maranhão: eu estou à disposição, somando-me ao Deputado Bira e ao Deputado Márcio Jerry. No que pudermos ajudar os Municípios e as comunidades, podem para contar conosco dentro desse foco.
O título já devia ter sido concedido há muito tempo. Não adianta nós discutirmos. Por que não deram nos últimos 10 anos? Temos que verificar agora o que podemos fazer, Antônio, para poder buscar esse título. O que tem que ser executado? Prometer que não vai haver expansão ninguém pode. Se alguém prometer aqui, é demagogia de político. Entretanto, se houver essa expansão e se abranger algumas das comunidades que ali estejam, a comunidade, para sair do local, tem que ser por vontade própria, num bom acordo. Eu não vou dizer que é um apartamento em Copacabana ou coisa semelhante, mas é uma casa digna, um local em que haja apoio de saúde, escola para o filho, um local que ofereça condições muito melhores do que aquele local em que está.
Tenho certeza de que, com toda essa turma indo para lá, vamos ter muito mais emprego, muito mais gente gastando em restaurantes, em escolas, mais gente colocando o filho para estudar, e o Maranhão vai ser uma referência para aquele Nordeste.
Parabéns a todos os que estão brigando para que esses quilombolas possam conseguir aquilo que tanto almejam!
Muito obrigado.
Estou à disposição. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Ouviremos agora o Deputado Delegado Éder Mauro, pelo tempo de 3 minutos.
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PSD - PA) - Obrigado, Presidente Deputado Bira do Pindaré. Parabéns pela audiência!
Quero cumprimentar todos os Deputados presentes, a Dra. Deborah, a Sra. Célia Pinto e todos os irmãos vizinhos do Maranhão.
Eu pouco vou falar sobre a situação. Primeiro, eu quero parabenizar o Brigadeiro pela exposição, parabenizar todos os que fizeram a exposição, principalmente pelo lado do Governo, porque mostraram a importância desse projeto e o quanto esse projeto vai ser benéfico não só para Alcântara, mas para o Maranhão como um todo. Esse projeto vai trazer benefícios, como foi falado ainda há pouco pelo colega, através de uma melhor qualidade de vida para toda a comunidade local. Isso sem falar que este projeto vai gerar empregos, vai trazer a criação de novas empresas, de restaurantes, tudo dentro da própria comunidade de Alcântara, o que vai beneficiar a todos.
17:21
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Eu sei dos problemas, porque moro num Estado rico, mas pobre pela convivência do seu povo. Eu sei, assim como vocês maranhenses, o quanto nós somos abandonados neste Brasil por muitos que nos enxergam como fundo de quintal para o resto do País. Quem dera o meu Estado pudesse estar recebendo um projeto como esse! Em uma audiência, há pouco, tratávamos da questão da base de lançamento. No nosso Estado, nós temos o Arquipélago do Marajó, que tem posição privilegiada em relação à Linha do Equador e poderia receber um projeto muito bom como esse. Lá nós temos ilhas de dimensões astronômicas, onde poderiam ser construídas até pistas de pouso para aeronaves espaciais.
Infelizmente, este projeto não está lá. Mas estou feliz por estar no Maranhão. Não percam essa oportunidade! Fechem o acordo que tiverem que fechar. Os senhores mesmos, através dos representantes, dos Deputados — o próprio Deputado Bira disse que a questão é remanejamento e limite —, podem resolver isso. Não percam tempo! Pelo que vi há pouco, 15 bilhões de reais já foram perdidos, só nos últimos anos, pelo fato de essa fonte de lançamento não estar funcionando.
Neste País, todos nós vivemos com dificuldade. Lá no Marajó, nós temos o Município de Melgaço, que tem o pior IDH do Brasil. Lá o serviço de saúde é péssimo. Quem dera nós pudéssemos ter um projeto de uma base de lançamento no nosso Estado, lá em Melgaço, lá em Breves, em uma das Ilhas do Marajó!
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Muito obrigado, Deputado Delegado Éder Mauro.
Vamos ouvir agora a Deputada Áurea Carolina. Aproveito para agradecer a V.Exa., Deputada, a diligência que fez, pela bancada do PSOL, no Maranhão. V.Exa. foi muito bem-vinda naquele Estado.
Tem V.Exa. a palavra, por 3 minutos.
O SR. ÁUREA CAROLINA (PSOL - MG) - Obrigada, Deputado Bira.
Foi uma honra e uma felicidade poder conhecer esse território ancestral, que é marcado por tantas lutas desse povo, dessas comunidades quilombolas, que vivem da pesca, da roça, que têm seus modos de vida ameaçados há tanto tempo por esse processo.
Eu fico feliz por estarmos construindo, nesta audiência, um entendimento para resolver o passivo de violações relativas à titulação das terras daquelas comunidades, além da indenização devida àquelas comunidades, para que não repitamos essas violências neste momento.
Eu quero dizer uma frase do Sr. Cipriano, que conheci em Mamuna, na companhia do Marcos e do Sr. Leonardo, a quem eu atribuo também a honra de poder colaborar com essa luta. O Sr. Cipriano disse: "Já chega! Nós não somos contra o desenvolvimento. Mas deixem a nossa vida em paz! Sou contra me atingir. Aí eu sou contra!" Essa é uma síntese da sabedoria dessa pessoa, que traduz à sua comunidade que o processo de desenvolvimento não pode colidir com a preservação dos direitos daqueles que são os mantenedores da vida, que produzem os territórios de convivência e de um sentido real de democracia no nosso País.
Diante do acúmulo de debates que foram feitos aqui, a bancada do PSOL, especialmente os mandatos da Deputada Talíria Petrone e o mandato que eu represento com a Gabinetona, que é uma mandato coletivo, Deputado Hildo, construiu uma ferramenta de pressão para informar aos Parlamentares do Congresso que ainda não tenham ciência o que está acontecendo lá em Alcântara, em relação ao Acordo de Salvaguardas Tecnológicas e à necessidade da consulta prévia, conforme determinado na legislação brasileira, ao ratificar a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho — OIT. Com essa ferramenta de pressão, podemos dar mais visibilidade a essa situação e também mobilizar a sociedade brasileira, junto com os Parlamentares, que devem prestar contas à população.
17:25
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(Segue-se exibição de imagens.)
Nessa ferramenta de consulta que está sendo apresentada na tela, nós contamos um pouco do histórico e também alguns problemas que não foram solucionados ainda. Além do passivo, além da questão da consulta prévia, o próprio acordo ainda não tem demonstrado os ganhos econômicos potenciais para o Brasil. Vimos algumas cifras que foram apresentadas pelo Governo, mas não há nenhum estudo com embasamento técnico exaustivo que possa nos confirmar realmente quais seriam os ganhos.
Acho que precisamos compatibilizar estes interesses, que não podem ser colocados como antagônicos: a soberania nacional brasileira, o projeto de desenvolvimento aeroespacial e, sobretudo, a permanência das comunidades no seu território ancestral.
Por isso, consulta quilombola já!
No final, temos um vídeo que mostra o trabalho lá.
Por fim, trago só mais uma informação, para confirmar o que o Deputado David Miranda trouxe aqui: eu visitei o CLA — dirijo-me aos militares da Aeronáutica, com muito respeito — e fui recebida com muito apreço e com muita presteza pela equipe do Coronel Carnevale, Diretor do CLA. Ele admitiu que haverá, sim, a necessidade de remoção de cerca de 300 famílias, atingindo mais de 2 mil pessoas, com a expansão da base para o seu uso comercial. Essa informação não foi confirmada ainda pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Preocupa-nos também esse conflito de informações por parte de representantes do Governo Federal. Precisamos, de fato, garantir que não haverá expansão territorial, para que o acordo se viabilize da melhor maneira e as comunidades sejam protegidas e permaneçam no seu território que é de direito.
Peço só um minuto para exibir o vídeo.
(Exibição de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Obrigado.
Tem a palavra o Deputado Edmilson Rodrigues. (Pausa.)
O Deputado Edmilson Rodrigues não se encontra.
Tem a palavra a Deputada Talíria Petrone. (Pausa.)
A Deputada Talíria também não se encontra.
Indago aos membros da Mesa se alguém quer fazer alguma consideração. (Pausa.)
Tem a palavra o Sr. Carlos de Almeida Baptista Junior, Tenente-Brigadeiro do Ar.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Desculpe-me, Tenente-Brigadeiro. Seguindo a ordem, falará primeiro a Dra. Deborah Duprat e, depois, falará o senhor.
17:29
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Antes, porém, vou conceder a palavra ao Deputado Hildo Rocha, Relator na Comissão de Relações Exteriores.
V.Exa. tem a palavra, pelo prazo de 3 minutos.
O SR. HILDO ROCHA (Bloco/MDB - MA) - Muito obrigado, Deputado Bira do Pindaré, que preside esta reunião.
Na pessoa do Deputado Márcio Jerry, cumprimento os demais membros desta Mesa. Cumprimento também todos os participantes, aqueles que aqui nos visitam, os Deputados e as Deputadas.
Este acordo entre Brasil e Estados Unidos limita-se, única e exclusivamente, a estabelecer a garantia de que qualquer aeronave que use o espaço da Base Espacial de Alcântara não tenha seus equipamentos copiados, fotografados, filmados. Ele não fala sobre ampliação. O nome do acordo é Acordo de Salvaguardas Tecnológicas. O acordo garante que os produtos que tenham tecnologia e patente americanas não sejam copiados.
Este acordo, que foi feito pelos dois governos, também foi feito entre outros países. Para lançar foguete na base da China, nas três bases chinesas, outros países tiveram que fazer acordo semelhante. O mesmo ocorreu com a Rússia, com a Índia, enfim, com todos os países que lançam foguetes — são onze países. Nós temos uma base, mas não conseguimos utilizá-la, justamente pela falta de confecção e conclusão desse acordo.
Há uma decisão recente do Tribunal de Contas da União sobre o tema. Ao realizar uma auditoria na empresa binacional Alcântara Cyclone Space, a pedido do próprio Congresso Nacional, o TCU relatou, nas palavras do Ministro Marcos Bemquerer, que, enquanto não houver a assinatura e a viabilização do acordo entre Brasil e Estados Unidos, Alcântara não será eficiente, não será eficaz, não será operável. O próprio Tribunal de Contas da União recomenda que seja feito, o mais rápido possível, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, entre Brasil e Estados Unidos.
Então, nós estamos apenas cumprindo a legislação e evitando que os recursos que já foram aplicados em Alcântara sejam desperdiçados. Já foram investidos bilhões de reais. Nós temos um bom parque de lançamentos. O nosso parque é fantástico. Trata-se não apenas da localização, que é extraordinária, mas também dos equipamentos de rastreamento de aeronaves, de foguetes, assim como os equipamentos de diagnóstico do tempo, etc. Todo esse material é de excelente qualidade e foi comprado com o nosso dinheiro, com o dinheiro do povo brasileiro, que pagou tributo quando comprou 1 quilo de sal, quando comprou um creme dental. Esse dinheiro está lá em Alcântara e não está nos servindo.
O que se espera disso? Que haja retorno para o País, porque o parque foi construído com esse fim. O parque não está atingindo o seu objetivo. Aquele parque é um espaço que tem que ser alugado pedaço por pedaço, como ocorre com os autódromos. Por exemplo, nos autódromos, quando ocorre uma corrida de Fórmula 1, aluga-se um box para a Ferrari, que coloca lá o seu equipamento. Por meio de um acordo, quem administra aquele autódromo garante que não vai permitir que o material da Ferrari seja pirateado, que haja atentado ou boicote àquela empresa. Não há diferença alguma.
17:33
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Não se trata de expansão da base. Não se trata de querer impedir os direitos legítimos de todos aqueles que tiverem direitos. Se fosse para ampliar a área ou se fosse para negar direitos aos meus conterrâneos do Maranhão, eu jamais iria fazer um relatório a favor do acordo — jamais! Este acordo, pelo contrário, vai criar oportunidade de geração de emprego para todos os brasileiros, principalmente os brasileiros que moram na cidade de Alcântara.
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Obrigado.
Vamos às considerações finais dos membros da Mesa.
Começaremos pelo Prof. Alfredo Wagner, que dispõe de 3 minutos.
O SR. ALFREDO WAGNER BERNO DE ALMEIDA - A minha informação é muito rápida. O que me assusta em toda essa discussão, embora eu não participe muito, é a falta de memória. Nós não conseguimos resgatar a memória da ação do Estado, não conseguimos resgatar a memória dos planos que foram estabelecidos. Eu fico um pouco estarrecido com o que vejo. Por exemplo, no caso da AEB, houve planos consecutivos. Eu trouxe todos os mapas aqui — todos eles. Eu trouxe os planos consecutivos de 2006 para cá, todos organizados, e, no caso do Ministério da Aeronáutica, o plano de agrovila, o plano de reassentamento.
Eu acho que nós temos que fazer um esforço para não dar a ideia de que se está começando tudo de novo e que existe uma intolerância das comunidades. Não é bem isso! É que o Estado não tem credibilidade — e não tem credibilidade porque não consegue ver a si mesmo. Eu acho que este é um problema nosso. Talvez seja um problema de fundo da sociedade brasileira. Nós não conseguimos ver a nós mesmos. Quando fazíamos críticas ao outro governo, éramos considerados agentes norte-americanos. Quando fazíamos críticas à Ucrânia, éramos considerados agentes soviéticos. Quando fazíamos mais críticas, diziam: "Vocês estão a favor da China". Não é isso!
Hoje, arregaçar as mangas para defender o País implica ter humildade. Eu acho também que não adianta falar só em passivo. Nós estamos vulgarizando uma expressão. Não se esqueçam de que, em outros momentos, alguém que já faleceu, o Prof. Magno Cruz, que acompanhou Alcântara, achava que a figura jurídica era genocídio. Em 4 décadas, roubar de uma população a possibilidade de não ter futuro, de não poder planejar... Por que as escolas não foram construídas no Brito, por exemplo? Não podiam ser construídas com alvenaria — tinham que ser mantidas com meaçaba de babaçu, porque iam ser deslocadas. Mas essa foi uma discussão de 1987. E repetiu-se isso em 1988, 1989. Na administração do Prefeito José Wilson, foi a mesma coisa: "Não podemos criar escolas, porque vamos ser despejados imediatamente".
Nós temos que fazer uma revisão profunda. Nós queremos resolver isso? Vamos resolver. Vamos fazer uma revisão profunda. Eu acho que a pesquisa científica dos equívocos não nos diminui. Nós não podemos ter medo de admitir distorções, de admitir erros. Não podemos ter esse medo.
17:37
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Cada agência devia se responsabilizar pela sua parte, para que pudéssemos fazer algo justo, algo democrático, não algo que nos traga um sentimento de culpa permanente nem essa sensação de que se está começando tudo de novo, quando se desenha uma paisagem maravilhosa só com promessas. E sabemos que as dificuldades do Estado brasileiro são de implementação, pois o Estado não tem capacidade de efetivar o que promete.
Ainda levanto uma última coisa: os países coloniais, de expressão colonial, a exemplo da França — aliás, no caso de Kourou, a França não é signatária da Convenção nº 169, o que é curioso, como foi muito bem pontuado aqui —, tiveram uma capacidade inimaginável de deslocar populações. O que a França faz no norte da África é uma coisa assustadora. Eu não sei se nós temos essa capacidade de pensar que vamos desalojar 2 mil ou 3 mil famílias, 155 povoados, em uma área de 62 mil hectares. Sinceramente, eu também duvido. E eu acho que não devemos nos imbuir desse sentimento; devemos ser muito humildes para rever nossos erros e não ter essa ausência de memória. Não podemos ficar escravos de uma prática burocrática...
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Conclua, por favor.
O SR. ALFREDO WAGNER BERNO DE ALMEIDA - ...que nos destruiu em anos passados. Acho que essa foi uma briga permanente.
Eu me sinto muito à vontade, porque em outros momentos eu me coloquei muito claramente contra esse tipo de iniciativa, como me coloco agora também.
Não adianta termos a ideia de estar começando tudo de novo sem fazer uma revisão profunda nos procedimentos. Vamos sentar à mesa, cada um abrindo o jogo sobre a sua deficiência e sua incapacidade de dar vigência àquilo que se está assinando prematuramente.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Obrigado, Prof. Alfredo Wagner, pela presença e pela contribuição.
Concedo a palavra à Subprocuradora-Geral da República, Dra. Deborah Duprat.
V.Exa. tem a palavra por 3 minutos.
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Todas as vezes em que venho a esta Casa, costumam me perguntar o que eu estava fazendo no exercício do meu cargo. Eu estava lá com eles, em 1999, e segui desse jeito. Isso tem relação com todos os governos. Eu não estou iniciando uma crítica agora, neste momento. A falta de titulação do território quilombola de Alcântara é um objetivo meu desde quando eu comecei a trabalhar e a entender o sofrimento e, enfim, a negativa de direitos recorrente em relação a essas comunidades.
Ninguém é tolo em relação ao acordo de salvaguardas. Todo o mundo sabe o que é o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas. O que ocorre, como o Deputado Hildo falou, é que ele vai tornar a base operável, coisa que ela não é. E aí ele vai gerar uma necessidade de definir espaços. E quais serão esses espaços? Ninguém sabe. Aí há a ameaça sobre as comunidades.
Falou-se aqui, inclusive, que o Governo dos Estados Unidos é obrigado a informar sobre a existência de material radioativo. Opa! Então, vai ser possível lançar material radioativo em Alcântara? Enfim, há uma zona de incerteza tamanha, e não é justo que comunidades que estão imediatamente próximas a esses empreendimentos não tenham noção do que pode acontecer a partir da assinatura desse acordo de salvaguardas. Como o Deputado David Miranda mostrou, assim como a Deputada Áurea Carolina, perguntas foram feitas e respostas foram dadas no sentido de que novos espaços, sim, serão necessários, a depender dos acordos que se firmarão.
A outra coisa que eu gostaria de ressaltar é que se fala muito em interesse nacional. "Vamos salvar o Brasil!" Sim, mas não é justo que interesse nacional gere ônus e bônus absolutamente desproporcionais. Se é, de fato, alguma coisa de interesse nacional, vamos afirmar os direitos das comunidades que ali estão e, depois, pensar em gerar bônus para a comunidade brasileira. O que não é razoável é que as comunidades que ali estejam sejam precarizadas em direitos em nome de um suposto interesse nacional.
17:41
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Quando fui pela primeira vez a Alcântara, de lá saí tão estarrecida que tive a curiosidade de analisar o Índice de Desenvolvimento Humano — IDH de Alcântara antes e depois da base. Pasmem! O índice foi piorando ao longo do tempo. Recentemente, eu retornei analisando o Índice de Gini, que mede a desigualdade. Pasmem! A desigualdade naquela região aumentou. O que o Centro de Lançamento de Alcântara trouxe para essas comunidades? Nada. O solo das agrovilas é infértil. Sabem qual foi a assistência técnica que essas pessoas tiveram ao longo da sua existência? Nenhuma.
Então, eu acredito que é preciso seriedade nessa discussão, porque a única diferença que existe entre 1999, quando estive lá pela primeira vez, e 2019 é que eles sabem que têm direitos e vão lutar por eles — é o que eu espero.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Muito obrigado, Dra. Deborah Duprat, pela participação e colaboração.
Com a palavra o Tenente-Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior. V.Sa. dispõe de 3 minutos.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Obrigado, Sr. Presidente.
Eu queria, inicialmente, agradecer a oportunidade de participar deste debate. Acho que aqui todos temos uma aula de democracia. Em uma democracia ainda juvenil como a do nosso País, acho que eventos como este nos desenvolvem.
Escutei pontos de vista e perspectivas diferentes. O Prof. Alfredo, por exemplo, falou sobre a ocupação — e a China usa isso. E também há a possibilidade da não desocupação, ou seja, de outros modelos. Acho que do debate nascerá a melhor solução para o País.
Sr. Antônio, anteontem eu fui a Alcântara, porque passei 2 anos negociando os termos do acordo. Eu não sentia que, apesar de ter muita segurança em todas cláusulas desse acordo, eu tinha uma visão social dessas cláusulas sociais. E foi muito bom eu ter ido lá. Certamente, é uma primeira aproximação.
Mas eu queria estabelecer só um ponto que foi tocado aqui várias vezes, que é o problema da ata. Eu passei item a item com as comunidades, com todos os envolvidos, com o pessoal da Aeronáutica, com a prefeitura e com os vereadores. Nós precisamos, como disse o Deputado Márcio Jerry, fazer uma análise sobre os erros do passado em todas as esferas do Governo, porque não é possível — e vou dar um exemplo — a titulação de terras sem que elas estejam regularizadas. São sete agrovilas, e o trabalho é lento. Só agora cinco agrovilas estão dentro de uma área completamente regularizada. É possível, sim, fazer a titulação já para essas cinco, e as outras duas estão muito próximas da regularização. Mas nós temos que definir isso. O senhor está falando da titulação privada, e eu não sei se a Subprocuradora está falando em titulação de área quilombola privada...
A SRA. DEBORAH DUPRAT - Não, eu estou falando da titulação do território quilombola.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Ela está falando de uma titulação coletiva em nome de uma associação. E o que escutei lá foi outra demanda. Estou falando sobre isso porque muitas vezes não conseguimos traduzir o que estamos falando. Então, precisamos de muito diálogo para dizer aos senhores o seguinte: conforme acordamos, em 1983, estamos prontos para passar os títulos privados para essas cinco comunidades.
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Então, são temas como esses de demandas passadas, a exemplo da questão da escola. Eu fui lá, entrei na escola, que estava vazia, pois é período de férias. Fui lá com um professor. Então, fazer um link entre a tramitação disso e coisas passadas pode nos fazer perder uma grande janela de oportunidade, como ficou muito claro aqui.
Eu queria parabenizar o Governo do Maranhão pela postura de seus dois Secretários. O texto que o senhor leu, talvez, devesse ir para os Anais desta Casa, porque acho que é a consolidação do que tratamos, de um jeito ou de outro.
Tenho vários pontos a abordar. Devido ao tempo exíguo, eu já me coloquei à disposição de todos os Parlamentares para falar sobre as cláusulas do acordo. Mas quero destacar somente duas: a parte dos sistemas bélicos não está aqui, porque disso não se trata. No Brasil, temos o Decreto nº 9.418, que fala sobre a cooperação, para uso pacífico, do espaço exterior, assim como o Decreto nº 64.362, de 1969, que promulga o Tratado de Exploração do Espaço. E temos diversos outros instrumentos. Esse tema é complexo, e eu quero me ater à parte social.
Para finalizar, quero me dirigir à Deputada Áurea Carolina para dizer que jamais foi intenção do Ministério da Defesa ou de qualquer órgão do Governo ou do Estado brasileiro fazer qualquer movimento em desrespeito à nossa base legal. A consulta às comunidades seria feita em outro momento. Nós imaginamos — e não se descarta o valor desta e de outras discussões — que o acordo de salvaguardas não tinha relação ou qualquer envolvimento com as comunidades, porque não estamos falando em movimentação. O Coronel Carnevale deu uma impressão errada. Neste momento, como disse nesta Comissão o Ministro Marcos Pontes, estamos falando de aprovar esse acordo e iniciar a exploração comercial dentro dos 9 mil hectares que hoje já estão legalizados. Não há qualquer má-fé em não se fazer a consulta inicial.
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Conclua, por favor.
O SR. CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR - Eram essas as questões. Eu me coloco à disposição de todos os Parlamentares, de todas as associações e de qualquer órgão para discutirmos cláusulas ou princípios.
Parabéns, novamente, aos dois Secretários do Maranhão, às duas Comissões e aos respectivos requerentes para a realização desta reunião!
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Obrigado, Tenente-Brigadeiro Carlos de Almeida, pela participação e colaboração.
Com a palavra a Sra. Célia Cristina, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — CONAQ, por 3 minutos.
A SRA. CÉLIA CRISTINA DA SILVA PINTO - Quero iniciar novamente a minha fala e me dirigir ao senhor que, quando cheguei, já estava falando e de quem não sei o nome. Quando ele fala da questão das agrovilas, argumentando que, talvez, seriam o melhor espaço para se viver, em razão das convivências, eu reafirmo que o melhor espaço de convivência para nós são os nossos territórios. Esses, sim, são os melhores espaços de convivência.
Você fala também das políticas públicas — isso também já foi prometido no passado, como bem falaram o Prof. Alfredo Wagner e a Dra. Deborah. Hoje, o Município de Alcântara é aquilo que está lá.
17:49
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Vocês já disseram aqui que é só assinatura de acordo, assinatura de acordo... Beleza, mas a assinatura desse acordo não vai ficar simplesmente na assinatura de um acordo. Esse acordo está sendo assinado com um objetivo — e já foi colocado para quê. Então, para nós não corrermos o mesmo risco de acontecer o que ocorreu na década de 80, nós estamos discutindo que, para a assinatura desse acordo, queremos garantias. Queremos garantias que sejam dadas antes da assinatura desse acordo, porque ninguém nos garante que, depois de assinado esse acordo, essas garantias que nós estamos propondo serão respeitadas. O acordo já vai estar assinado. E aí? Os senhores estão entendendo?
Uma coisa não está desassociada da outra. Hoje é a assinatura do acordo, mas amanhã o que será? Não será a exploração comercial? Sim, dentro desses 8 mil hectares que estão lá. Mas será que, depois de amanhã, esses 8 mil hectares não serão insuficientes para que a base possa operar da forma como ela precisa ser operada, para gerar esses trilhões que vocês estão almejando? E aí? O acordo já foi assinado. Quem garante que vão voltar atrás, para rediscutirmos outro acordo ou a ampliação desse espaço?
É isso o que nós estamos querendo. E eu repito aqui para concluir: nós não somos contra a operação da base, porque ela já deu ônus demais não só para o País, mas principalmente para o Município de Alcântara e para as comunidades quilombolas. Nós não vamos aceitar assinar um acordo sem saber o que está por trás desse acordo, o que virá após esse acordo. Nós sabemos que não vai ficar numa assinatura. Essa assinatura tem um objetivo. Então, é isso que nós estamos discutindo aqui.
Nós não estamos dizendo que somos contra. Já cansamos de dizer isso. Mas nós precisamos ter garantia de que não vamos sair dos nossos espaços. Nós precisamos ter garantia de que teremos tudo isso que vocês estão dizendo que vai haver: emprego, saúde, educação. Nós queremos isso, sim, senhor. Eu quero continuar pescando, mas quero ser médica, advogada, juíza. Quero, sim! Mas eu quero continuar no meu território! (Palmas.)
Isso não inviabiliza que eu seja quilombola e more lá dentro da comunidade quilombola. Quero, sim, uma saúde de ponta, um atendimento de ponta, para que eu não precise sair de Alcântara e ir a São Luís, a Teresina ou ao Rio de Janeiro, a fim de que eu possa ter especialista para cuidar da minha saúde. Isso nós queremos, sim! Mas isso nunca nos foi dado. Quem garante que, com a assinatura desse acordo e com o uso da Base de Alcântara, isso vai ser dado?
É essa a garantia que nós queremos.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Obrigado, Sra. Célia, pela participação e pela colaboração. V.Sa. é lá das terras do Maranhão também e é uma grande lutadora.
Muito obrigado pela participação.
Tem a palavra o professor Francisco Gonçalves da Conceição, por 3 minutos.
O SR. FRANCISCO GONÇALVES DA CONCEIÇÃO - Eu queria iniciar contando uma história. Entre as atribuições que o Governador me passou, eu coordeno um programa no Estado do Maranhão, que é o Plano Mais IDH, que é para erradicação da extrema pobreza.
17:53
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Eu lembro que, na inauguração de uma digna escola, de um lado estavam as crianças de 7 ,8, 9 anos de idade; de outro lado, estavam os avós, os pais, os bisavós, todos no programa de alfabetização chamado Sim, Eu Posso!, promovido pelo Governo do Estado, em parceria com o MST. Eu fiquei imaginando: aquela imagem ali é um retrato do Brasil, porque aquelas pessoas mais velhas não puderam estudar — não porque não quiseram, mas porque não tiveram acesso a escolas, nem a livros, nem a professores.
Parece-me que nós nos encontramos com um dilema semelhante aqui. Nós estamos com um período de 40 anos da chegada do CLA em Alcântara. É urgente que se estabeleça uma agenda social, como propôs recentemente o Governador Flavio Dino, em entrevista a um jornal local, e uma agenda social que seja concomitante com a discussão tanto das salvaguardas quanto de todo esforço de fortalecimento do Programa Espacial Brasileiro.
Há um déficit, uma dívida social do Governo brasileiro, do Estado brasileiro com a população de Alcântara. É preciso que haja uma sinalização positiva e clara, como propõe agora a Célia, de uma agenda de trabalho. Eu diria que um aspecto positivo de uma audiência como esta, com representantes de altas autoridades do Governo Federal, tanto civil como militar, com representantes da Câmara dos Deputados, com os mais diversos partidos aqui representados, e representantes inclusive do Ministério Público, da Defensoria Pública e de universidades, é que se aponte claramente para uma agenda de trabalho, uma agenda de trabalho que tenha começo, meio e fim, com aquilo que é fundamental do ponto de vista de proteção de direitos.
Há um aspecto importante, do ponto de vista do que está posto aqui. Todos nós concordamos que o programa aeroespacial e programas dessa envergadura são fundamentais para a soberania nacional? Eles só se sustentam se beneficiarem populações locais que são atingidas por esses programas. Do mesmo modo, programas como esse só se sustentam com produção de conhecimento, como apontou o Secretário Davi, e isso implica fortalecimento das universidades públicas, dos institutos públicos, que são locais fundamentais, locais de ponta da pesquisa científica no nosso País, sobretudo em pesquisas de tão alto nível, como essa de que estamos tratando aqui.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Muito obrigado, Prof. Francisco Gonçalves.
Não há mais pessoas inscritas.
Registro a presença do Deputado Paulo Ramos, do PDT do Rio de Janeiro.
Agradeço a presença de todos e de todas. Quero dizer que esta discussão nem começa e nem se encerra agora, a luta continua, e nós esperamos poder chegar a um denominador comum, em favor das comunidades quilombolas.
Obrigado.
Declaro encerrada a presente sessão.
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