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A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Bom dia, senhoras e senhores.
Eu quero dar início a esta sessão de audiência pública realizada na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados e agradecer o requerimento sobre a política de HIV/AIDS no Brasil que foi aprovado por esta Comissão — pelo Presidente Leonardo Monteiro e pelos colegas Parlamentares. É um requerimento que tive a iniciativa de propor, juntamente com a Vice-Presidenta desta Comissão, a Deputada Erika Kokay, a principal proponente.
Acho que a reflexão que nós temos que produzir, aqui, é sobre qual é a política pública que existe sobre HIV/AIDS no Brasil.
Enquanto não chega a Deputada Erika Kokay, que vai presidir esta reunião, eu apenas convido os participantes a comporem a Mesa.
Convido o Sr. Gerson Pereira, Diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
O Conselho Nacional de Saúde recuperou o seu status graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, porque, de uma forma absurda, um dos decretos do atual Presidente da República foi no sentido de atacar os Conselhos de um modo geral. Então, eu penso que a presença do Conselho aqui é a presença da própria resistência, como a presença de todos e todas nós, que aqui estamos.
Eu quero agradecer, mais uma vez, à Deputada Erika Kokay pelo protagonismo e pela defesa dos direitos humanos.
Esta é a Comissão de Legislação Participativa. Ela trata de participação. A nossa matéria é democracia e participação. A primeira questão que eu já deixo consignada nesta reunião a que a Deputada Erika me honra com a possibilidade de iniciar é justamente participação.
Da forma como as políticas públicas estão sendo desestruturadas no Brasil, há um ataque à democracia e ao princípio da participação, previsto na Constituição Federal. Tivemos a mudança estrutural de um departamento histórico no Ministério da Saúde, com uma contribuição muito positiva ao longo de tanto tempo,
capaz de estabelecer uma estrutura de políticas públicas integradas como sistema. Esse departamento foi desfeito.
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O que isso mostra sobre o que o Governo pensa das políticas de Estado, que devem ter continuidade? E o que pensa sobre a sua irresponsabilidade com a vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS, com a vida dos técnicos, das pessoas que atuam na área de saúde e nas mais diversas áreas para superar não apenas a epidemia — que é gravíssima, sempre, em qualquer circunstância —, mas também para superar os preconceitos estruturais que existem em torno da questão AIDS/HIV? Não existe uma resposta definitiva à epidemia. Pessoas precisam ser atendidas permanentemente. É, portanto, uma política pública de caráter permanente, como todas as demais áreas da saúde pública.
A Emenda Constitucional nº 95 cortou recursos. Nós já nos posicionamos contra ela. Precisamos revogar a Emenda Constitucional nº 95. Mas não é só isso. Parece que há uma opinião política do Governo no sentido de atacar aqueles que são mais vulneráveis, de reforçar os preconceitos estruturais e de tirar a visibilidade das pessoas e o protagonismo da sua presença como defensores da sua vida.
Espero que essa epidemia não se estenda; que novas pessoas — jovens, mulheres, homens — de todas as idades não venham, pela falta de informação ou pela falta de possibilidade de prevenção, a ser atacadas por uma situação tão grave em sua vida.
Então, eu deixo consignada nesta reunião minha posição de que a atitude do Governo destrói políticas públicas e amplia um preconceito estrutural. E cito como exemplo — e fico triste em fazê-lo, mas não tenho como deixar de me dirigir à Carla, que também é do meu Estado, o Rio Grande do Sul — o fato de que no Rio Grande do Sul há uma situação diferenciada, pois não há a devida atenção nem do Governo Federal, nem do Governo do Estado, nem do Governo dos Municípios. Esse desmonte está colocando em xeque tudo o que foi produzido ao longo dos últimos anos e, ao mesmo tempo, deixando vulnerável sobretudo a juventude brasileira, que é a mais atingida.
Então, ao manifestar o meu repúdio absoluto ao desmonte da política de AIDS, ao desmonte da política de prevenção, ao desmonte do atendimento de saúde pelo Governo Jair Bolsonaro, ao desrespeito com que trata os seres humanos e à ampliação do preconceito, eu passo a coordenação dos trabalhos à Deputada Erika Kokay, que é incansável. Aliás, eu diria que a Deputada não é só incansável, mas é imbatível. Já tentaram abatê-la muitas vezes, mas quem é Parlamentar como ela, com as causa que tem, com as quais eu me solidarizo, não tem tempo na vida para diminuir a vontade de lutar. E ela é, certamente, símbolo da resistência nesta Casa.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu queria agradecer a presença de cada um e de cada uma de vocês nesta audiência, que é fruto da aprovação do Requerimento nº 036, de 2019, de autoria minha e da Deputada Maria do Rosário.
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O Decreto nº 9.795, de maio deste ano, modificou a estrutura do Ministério da Saúde. O Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis, HIV/AIDS e Hepatites Virais passa a se chamar Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Não foi somente uma mudança de nome. Nós estamos vendo que o Governo busca arrancar pedaços de forma muito comprometedora para a política. Está sendo implementada pelo Governo uma série de ataques contra a política de enfrentamento ao HIV/AIDS aqui no Brasil, que é reconhecida internacionalmente. Há uma série de patologias que se unificam nesse departamento com abordagens e perfis diferenciados. Ao ampliar o departamento para uma série de outras patologias, você dilui a atenção, tira o foco e o aprofundamento que se tem em relação ao enfrentamento do HIV/AIDS.
É preciso considerar que o movimento de enfrentamento ao HIV/AIDS se deu a partir da sociedade civil, particularmente do movimento em defesa dos direitos da população LGBTI, que colocou o tema na agenda do Governo, na agenda do Estado, que se mobilizou e exigiu que o Estado tivesse outro olhar, não apenas no que diz respeito à pesquisa, como também ao desenvolvimento de medicamentos e de comportamentos que pudessem evitar o HIV/AIDS.
Nós temos, portanto, a participação da sociedade civil como a alma do movimento de enfrentamento às infecções sexualmente transmissíveis e com recorte no enfrentamento ao HIV/AIDS.
Nós estamos vivenciando um desmonte da participação social na elaboração das políticas que vai ensejar uma série de medidas e precisamos reagir a isso. Alguns conselhos foram mantidos, porque constam da legislação, e outros foram mantidos por pressão da própria sociedade, mas todos foram precarizados, com a diminuição dos seus membros, sem a possibilidade de reuniões presenciais e, ao mesmo tempo, com uma condição diferenciada e mais vantajosa para a representação do Estado.
O que são os conselhos? Eles são a intersetorialidade da atuação do próprio Estado e, ao mesmo tempo, a participação da sociedade civil para controle, fiscalização e elaboração de políticas. Isso está sendo desmontado de forma muito célere e com uma profunda desfaçatez por parte do próprio Governo. É como se você tivesse apartado a sociedade civil.
Nós já estamos enfrentando a não obrigatoriedade da destinação de determinados recursos para o movimento do HIV/AIDS.
Então, já existe uma descaracterização do objetivo daqueles recursos ou da destinação exclusiva daqueles recursos para a política de enfrentamento do HIV/AIDS. Isso já possibilita que os Estados estejam menosprezando a existência ou as políticas de controle, que, repito, são altamente exitosas aqui no Brasil.
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Nós temos a partir disso uma precarização da própria política de enfrentamento. Você tem perfis epidemiológicos, e os perfis epidemiológicos apontam um crescimento da AIDS na população jovem, particularmente na população de homens que fazem sexo com homens.
Com base nisso, um Governo, que é tão pautado numa lógica preconceituosa e de discriminação... Se você tem uma lógica de discriminação, a política não é pública, porque ela não vai atingir todas e todos; ela vai ser uma política que vai ser filtrada, que vai ter um caráter discricionário e que vai excluir e aprofundar o nível de discriminação, ao não se tornar uma política pública.
Os perfis epidemiológicos apontam isso, e eles são importantes para que você possa elaborar políticas específicas para os segmentos que esses perfis apontam como os mais vulnerabilizados para o HIV, para a AIDS.
Se esses dados não são efetivados, e se não ensejam políticas públicas... Porque não são só políticas da saúde. É preciso que nós tenhamos políticas nas escolas, políticas em vários outros aspectos de atuação do próprio Estado para assegurar os direitos.
Esse é o sentido dos conselhos. Quando os conselhos são precarizados, isso não precariza apenas a participação da sociedade, mas precariza a lógica intersetorial, que é absolutamente fundamental para assegurar... Porque uma política pública anda enganchada em outra política pública, ou, então, ela não vai cumprir efetivamente o seu objetivo de assegurar direitos.
A Deputada Maria do Rosário tem vários projetos de decretos legislativos para sustar as resoluções com relação ao impedimento da participação da sociedade e à precarização dos conselhos.
Nós temos um projeto de decreto legislativo, porque consideramos abusiva a intenção do Governo, ou o que foi dado no Governo quando ele retira a obrigatoriedade dos recursos para os movimentos de combate à AIDS. E eu digo "sociedade civil", porque a sociedade civil colocou na agenda, fiscaliza, atua e também elabora as políticas públicas, a partir da sua atuação democrática. E a radicalidade democrática cada dia se faz mais necessária em um País onde temos alguns Deputados que estão sob proteção policial simplesmente porque exercem os seus mandatos com liberdade, onde nós temos um nível... A engrenagem do Estado serve para perseguir aqueles que são adversários, os adversários políticos, e numa democracia é muito bom que haja várias posições políticas, porque, assim, se constrói a síntese necessária para o avanço do pensamento humano e dos direitos da pessoa humana. É por isso que nós estamos aqui.
Havia um acordo prévio — e peço desculpas por não tê-lo considerado — de que primeiro falaria o Gerson Pereira, Diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
Ele começará explicando a própria política, para, depois, haver a discussão.
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O SR. GERSON PEREIRA - Eu queria agradecer o convite da Deputada, saudar todos da Mesa e tentar fazer uma apresentação da minha pessoa. Sou Gerson Pereira, médico, dermatologista e doutor em epidemiologia. Estou no Ministério da Saúde desde 1984, quando ainda nem tínhamos o programa de AIDS. Eu vinha do programa de dermatologia sanitária, e de lá foi criado o programa de AIDS. Então, eu assisti à criação do programa de AIDS desde a escolha do nome e a todas essas políticas que nós vimos trabalhando ao longo do tempo.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nós falamos do Decreto nº 9.795, de 2019, e dessa mudança. Mas eu acho que precisamos entrar um pouco em um artigo.
Art. 38. Ao Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis compete:
I - propor a formulação e a implementação de políticas, diretrizes e projetos estratégicos no que se refere à:
a) promoção das ações de vigilância, de prevenção, de assistência e de garantia do direito à saúde das populações vulneráveis e das pessoas com HIV/Aids;
b) promoção e fortalecimento da integração com as organizações da sociedade civil, nos assuntos relacionados às infecções sexualmente transmissíveis e ao HIV/Aids;
Eu acho que a Deputada falou uma coisa interessante sobre isso. É necessário trabalharmos com a população-chave, as populações em geral e também precisarmos onde há um crescimento da epidemia.
IV - prestar assessoria técnica e estabelecer cooperações nacionais e internacionais no âmbito de suas competências;
V - participar da elaboração e supervisionar a execução das ações relacionadas às infecções sexualmente transmissíveis e ao HIV/Aids no País;
O dado importante que nós aqui colocamos é que, pela primeira vez num decreto sobre o departamento, se fala claramente nas populações vulneráveis, basicamente no trabalho com a sociedade civil.
Mais à frente eu vou falar sobre o trabalho com HIV/AIDS, hepatites virais, todas as doenças sexualmente transmissíveis, a sífilis, a infecção pelo HIV, enfim, todas elas.
Achei interessante que a Deputada ali falou do Rio Grande do Sul. O Rio Grande do Sul é um Estado aonde eu vou mensalmente, desde o ano de 2014. Nós sabíamos e dizíamos para os Secretários de Estado que havia uma epidemia complicada lá, muito alta. Todo mês eu vou lá, e nós verificamos as pessoas que morreram e por que morreram, para tentar melhorar a rede. Eu acho que Carla acompanha o que nós fazemos lá todo mês.
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A segunda aproximação é a integração microbiana. Nós temos várias doenças que, por si só, se juntam e levam à mortalidade, à morbimortalidade. Por exemplo, se pegarmos o programa de AIDS, teremos 12 mil mortes por ano. Dessas 12 mil mortes, 30% são relacionadas à infecção TB-HIV. Então, nós precisamos estar juntos. Não há como não estarmos juntos. Senão, vamos tratar aquela pessoa que tem AIDS e, depois, dizer: "Agora você tem TB. Eu vou te tratar agora, você com TB". Mas é preciso integrar esses programas, que são importantes.
E a terceira aproximação são tecnologias biomédicas de diagnóstico e de tratamento que aumentam as chances de vida da pessoa e melhoram a qualidade de vida delas. Por isso, nós as chamamos doenças transmissíveis de condições crônicas.
Aqui, na Resposta Brasileira, nós temos os modos de transmissão e exposição; as estratégicas de prevenção, que são biomédicas, comportamentais e estruturais. Nós temos ainda a adoção de modelos de vigilância de segunda geração, principalmente vigilância comportamental. E precisamos trabalhar com o comportamento — isso é de uma importância enorme —, senão, nós não conseguimos. E esses comportamentos variam. Nós temos no Brasil 27 Estados, e a situação epidemiológica neles é completamente diferente. O comportamento que temos no Estado do Rio Grande do Sul é diferente do que temos no Piauí, que é minha terra, até porque a população vulnerável que está lá é diferente da minha. Por exemplo, no Rio Grande do Sul ainda temos muitos usuários de drogas injetáveis. Nós precisamos trabalhar a redução de danos, que é importante nesse ponto.
Eu só coloco aqui os modelos determinantes: condições socioeconômicas, redes sociais comunitárias, estilos dos indivíduos. E quando nós trabalhamos a junção de algumas patologias no departamento, estamos seguindo uma tendência mundial — a Organização Mundial de Saúde já faz isso, o CDC americano já faz isso —, no sentido de que possamos pegar todos os recursos humanos, financeiros e materiais e trabalhar de forma integrada.
Aqui nós temos o departamento. Eu sou o Diretor do departamento; há uma Coordenação de Vigilância do HIV/AIDS e Hepatites Virais, chefiada pelo Filipi, que é médico infectologista; a Dra. Angélica cuida da Coordenação de Vigilância das Infecções Sexualmente Transmissíveis.
É muito interessante que vocês vejam isto aqui. Nós temos a Coordenação de Vigilância das Doenças de Transmissão Respiratória de Condições Crônicas, onde fica a tuberculose, mas nós não colocamos tuberculose. E aqui é a Coordenação de Vigilância das Doenças em Eliminação, que é basicamente a hanseníase.
Há um fio condutor nessas doenças. Primeiro, porque existe um estigma importante. Eu sou hansenólogo e digo que a hanseníase tem um estigma grande, sério, o estigma de uma pessoa que é impura, que tem um castigo de Deus. Esse é um estigma muito grande, e é um estigma muito parecido com...
Nós estamos falando isso agora, na integração dos programas, porque eu vou trabalhar com a AIDS no sentido de que, antes de treinarmos as pessoas, temos que discutir a questão do estigma — há estigma com relação às travestis; há estima com relação aos gays e homens que fazem sexo com homens; há estigma com relação ao usuário de drogas —, senão, não conseguimos fazer com que essas pessoas acessem o serviço.
E temos um departamento que se chama IST. Mas todas as outras doenças que estão ali colocadas... Nós não colocamos tuberculose e hanseníase. E há o fio condutor que são as condições sociais. Ontem estávamos discutindo com o pessoal da Baixada Fluminense. Lá temos hanseníase, temos tuberculose, temos AIDS, temos sífilis e temos hepatite. Por quê? Porque essa população está em condição de pobreza. Então, todos eles têm absolutamente tudo. Portanto, eu não posso tratar essas pessoas separadamente, porque, senão, eu vou perder essas pessoas e vou perder recursos financeiros, humanos, esforço. Acho que nós ainda temos dificuldades de acesso, porque os serviços estão lotados, e não conseguimos trabalhar melhor com essas pessoas.
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Eu quero dizer para vocês o que significa “estamos desmontando“. Quando lemos o decreto, vemos que lá estão citadas as populações vulneráveis, as populações-chaves. Mas temos que dizer que a nova estrutura organizacional dá maior organicidade e facilita a integração com a atenção primária. Se não trabalharmos com a atenção primária — na tuberculose, hanseníase, sífilis ou HIV —, não conseguiremos chegar às pessoas. Não se olha para uma ou outra doença especificamente, mas, sim, para as condições, para os determinantes, que é aquilo que acabei de falar. Também não se exclui a participação social. Isso está colocado lá no decreto. E estão mantidas as representações consultivas: a CNAIDS e CAMS. Mas queremos incluir na CNAIDS e na CAMS uma representatividade da tuberculose e da hanseníase.
A Carla tem uma representação importante com relação à tuberculose e também pode estar junto, fazendo esse trabalho.
Não há descontinuidade ou ameaça ao acesso universal aos medicamentos. Nós temos mantido o estoque de medicamentos, inclusive para as hepatites virais. E estamos fazendo a mesma coisa em relação à AIDS: colocando medicamentos de hepatites virais no componente estratégico e comprando tudo, para que este ano não tenhamos falta de medicamentos.
O decreto também aumenta a responsabilidade para lidar com as interações e com as coinfecções. Como eu disse a vocês, hoje, um paciente de AIDS morre pela coinfecção de tuberculose. Então, precisamos trabalhar isso. E não há perda orçamentária.
Acho que podemos observar nesse gráfico que, do ano de 2018 para 2019, tínhamos 1,7 bilhão de reais e passamos para 2,2 bilhões de reais.
E quero dizer a vocês que esses dados são para o programa relativo à AIDS; eu não estou incluindo aqui os programas para a tuberculose e hanseníase, que entraram logo depois e contam com, aproximadamente, 25 milhões para Tuberculose, e 10 milhões para hanseníase.
As prioridades de 2019 são: reduzir a mortalidade das pessoas vivendo com HIV e coinfectadas (TB-HIV); implementar uma rede laboratorial para diagnóstico conjunto TB-HIV, hanseníase e IST; reduzir a transmissão vertical, porque não podemos ter casos de transmissão vertical para crianças com HIV; incorporar novas tecnologias para o tratamento da TB sensível e resistente; e fomentar estudos e pesquisas de hanseníase.
Eu digo para vocês que entrei no Programa da Hanseníase em 1984. Deputados, de 1984 até hoje se faz o mesmo diagnóstico e o mesmo tratamento. Jamais vamos conseguir eliminar essa doença se não tivermos pesquisas para fazer o diagnóstico sorológico. Essa é uma doença tão negligenciada que, para o mundo, ela só sai do Brasil ou da Índia. Quero dizer a vocês que o Brasil é o segundo país do mundo em número de casos de hanseníase; só perde para a Índia.
Entre as ações de curto prazo, temos a PrEP. Fechamos a PrEP no ano passado com 9.600 tratamentos; hoje estamos aproximadamente em 31 mil.
Além dela, temos as seguintes ações em curso: cartilha de mulheres trans — que vamos fazer este ano, tal como fizemos para os homens trans —; mudanças dos medicamentos e componentes especializados estratégicos, carteira de serviços na atenção primária; diagnóstico rápido da hanseníase — como falei há pouco —; e a seleção de projetos de prevenção com as organizações da sociedade civil, integrando ações comunitárias.
A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - O Dr. Gerson é sempre muito claro.
Eu só não vou me referir ao senhor de forma mais elogiosa porque, vou lhe dizer uma coisa, houve uma reunião promovida por esta Comissão com o Presidente dos Correios e, como avaliamos que o Presidente dos Correios tinha dado boas explicações e estava de acordo com a nossa posição de evitar a privatização, ele foi demitido. Então, se eu elogiar muito o senhor, acho que o coloco em risco.
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu gostaria de passar a palavra ao Cleiton, mas, antes disso, quero dizer o seguinte: está sendo reunida uma série de patologias que têm formas de transmissão diferenciadas, escalas de impactos diferenciados, universos e perfis epidemiológicos também diferenciados. Portanto, temos uma série de patologias que foram unificadas sem que houvesse a análise de que são impactos diferenciados, perfil epidemiológico diferenciado, transmissão de forma diferenciada. Isso dificulta, a nosso ver, que tenhamos e continuemos com um programa que tem dado respostas à sociedade.
Mas vou passar a palavra para o Cleiton Euzébio de Lima, que é representante da UNAIDS aqui no Brasil.
Eu queria apenas reafirmar a parceria da UNAIDS em várias temáticas que tivemos aqui em relação às pessoas que vivem com HIV, como o crescimento de estigmas e uma série de aspectos, o recrudescimento penal ou o estabelecimento penal para as pessoas, a partir da transmissão. Algumas dessas proposições estavam em curso nesta Casa, as quais conseguimos tirar de tramitação. E eu quero reconhecer a participação de várias pessoas e instituições que estão aqui, mas, particularmente, da UNAIDS.
Agradeço a V.Exa. pelo convite para esta audiência. Agradeço também à Deputada Maria do Rosário pelo convite para aqui representar o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, UNAIDS, no Brasil.
Acho muito simbólica a realização deste debate aqui nesta Casa, uma Casa Legislativa que tem como parte esta Comissão de Legislação Participativa.
Sabemos que as leis têm um impacto muito grande também na resposta à epidemia. Sabemos que desta Casa, do Congresso Nacional, já saíram importantes leis, que fortaleceram a resposta nacional à epidemia. Entre as últimas, mais recentes, tivemos a Lei Renato da Matta; a lei que instituiu o Dezembro Vermelho, de autoria da Deputada Erika Kokay; e a Lei nº 12.984, de 2014, que criminaliza a discriminação contra pessoas que vivem com o HIV.
Então, é muito importante estarmos neste ambiente, nesta Casa Legislativa, discutindo a resposta à epidemia do HIV no Brasil.
Não é novidade para os presentes que o Brasil sempre teve um papel-chave na resposta global à epidemia. Ao longo dos quase 35 anos de luta contra a AIDS — por nós já completados —, o Brasil liderou e inspirou o mundo em diversos momentos. Temos alguns marcos, tais como: a garantia do tratamento no SUS, em 1996, um tratamento universal; a derrubada da patente do Efavirenz, em 2007; o protocolo, em 2013, que garantiu que todas as pessoas, independentemente do CD4, pudessem acessar o tratamento anos antes de a OMS ter essa recomendação, inclusive. E, mais recentemente, nós temos a implementação da PrEP como uma política pública, que se iniciou em 2018 e se expandiu e se fortaleceu neste ano de 2019.
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Eu acho interessante nós termos esse breve resumo e observarmos que esses avanços foram realizados em governos diferentes, de partidos diferentes, em contextos políticos completamente diversos. Isso demonstra que a resposta à AIDS no Brasil é uma política de Estado, não é uma política de governo. Ela contém uma base sólida, que deve ser um fator primordial, que é a mobilização e a participação ativa da sociedade civil desde o seu início. Foram milhares de Carlas, de Paulos, de Evalcilenes, de Jorges, de portadores de HIV, LGBTIs, trabalhadores do sexo, usuários de drogas por todo o Brasil que lutaram desde o início da epidemia, incansavelmente, contra a marginalização social e pelo acesso à saúde. E muitas dessas pessoas, infelizmente, não puderam usufruir dos frutos dessa luta, o que eu acho que nos coloca nesse contexto com uma responsabilidade ainda maior, para garantirmos que a luta dessas pessoas não tenha sido em vão.
Até mais do que uma política de Estado, eu me permito dizer que a resposta à AIDS no Brasil é um patrimônio nacional, um patrimônio do Brasil, um patrimônio do povo brasileiro. Portanto, todos nós somos responsáveis pela sua preservação. Espaços democráticos de debate, como nós estamos tendo aqui hoje, e de advocacy, são fundamentais para nós conseguirmos preservar esse patrimônio.
Então, eu felicito a Comissão pela organização deste espaço. Nós temos aqui representados setores fundamentais na resposta. Nós temos aqui a sociedade civil cumprindo o seu papel de controle social. Nós temos aqui os Parlamentares, garantindo que o HIV continue sendo uma agenda política importante. E nós temos aqui o departamento de AIDS, que vamos continuar chamando de departamento de AIDS, porque é esse o nome que nós reconhecemos, apesar da mudança do decreto, e ao qual compete, como o Gerson mostrou, a formulação e a implementação de todas as políticas relacionadas à epidemia.
Há outros setores que não estão aqui. Nós não podemos esquecer os Governos estaduais, os Governos municipais, as universidades, os pesquisadores, todos têm suas responsabilidades, que são compartilhadas.
E nós temos aqui o UNAIDS, único programa da ONU para uma enfermidade específica, que foi criado em 1994 com um mandato bastante específico: apoiar a liderança global na resposta à epidemia e apoiar o fortalecimento das respostas nacionais em parceria com Governo, sociedade civil, movimentos sociais, redes de pessoas vivendo com HIV e outras agências do sistema ONU. Isso está no nosso mandato, no documento que cria o UNAIDS.
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Então, o UNAIDS no Brasil tem o papel de contribuir para o avanço do enfrentamento da epidemia, sempre baseado no diálogo e na parceria com cada setor social representado aqui, inclusive nessa Mesa.
Tendo como referência este mandato, eu queria falar brevemente sobre quatro iniciativas importantes que temos desenvolvido atualmente no Brasil, uma com a sociedade civil e três com o Ministério da Saúde. Acho fundamental trazer esses nomes, porque essas iniciativas têm um grande potencial de contribuir com o fortalecimento da resposta à epidemia.
O primeiro é a implementação de um estudo Stigma Índex. Estamos em parceria com as quatro Redes Nacionais de Pessoas Vivendo Com HIV, com a ONG Gestos e com a PUC do Rio Grande do Sul, fazendo o Stigma Índex, que é uma pesquisa global que já foi implementada em mais de 100 países e que vai medir o estigma, a partir da perspectiva das pessoas vivendo com HIV. Essa pesquisa vai trazer dados inéditos sobre as experiências de estigma e discriminação pelas quais as pessoas vivendo com HIV passam no Brasil, mais de 2 mil sujeitos vão ser entrevistados por pessoas vivendo com HIV, por seus pares, em sete capitais brasileiras.
Os dados do Stigma Índex junto com os dados que a RNP produziu, a partir de um levantamento sociodemográfico que foi feito, vão ser superimportantes para instrumentalizar e servir de base para o aprimoramento e também para o desenvolvimento de novas estratégias para o combate ao estigma e à discriminação.
Nessas mais de 3 décadas que temos de resposta à epidemia, uma coisa que temos certeza é de que é impossível que uma resposta à epidemia, em qualquer contexto, alcance o sucesso sem enfrentar as questões relacionadas a estigma e discriminação e sem a promoção dos direitos humanos. O tratamento e os medicamentos antirretrovirais são fundamentais, seja para tratamento, seja para prevenção, mas eles vão ter um impacto limitado, se não forem acompanhados de uma perspectiva de direitos e de uma perspectiva de equidade. Esperamos poder divulgar, em breve, esses resultados; quem sabe até fazer um evento aqui na Casa também para divulgar os resultados dessa pesquisa.
Eu queria destacar também três ações que temos trabalhado com o Ministério da Saúde, com o Gerson e com a equipe do departamento, que também têm um intuito de apoiar o fortalecimento da Resposta Nacional. Acho que é importante destacar, neste momento, a equipe que existe dentro do departamento, o corpo técnico qualificado, e eu acredito que um dos mais comprometidos com a causa que possa haver na Esplanada dos Ministérios — que não me ouçam os outros Ministérios.
A primeira iniciativa que temos desenvolvido é a Zero Discriminação nos Serviços de Saúde, através do qual estamos construindo padrões de serviços do que seria um serviço de saúde zero discriminação no Brasil. A partir daí, vamos desenvolver estratégias para tornar isso realidade.
A segunda é a Coalizão Global para Prevenção. O Brasil, junto com 24 países do mundo, é parte dessa coalizão, que tem o objetivo de reduzir as novas infecções pelo HIV. Foi realizada uma reunião em maio deste ano, da qual o Brasil participou, e foi um momento importante de compartilhamento das experiências e dos desafios entre os países. Por meio dessa coalizão, os países têm que reportar como eles estão trabalhando para diminuir novas infecções. Então, é um marco importante.
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Por fim, destaco a realização, em junho deste ano, de uma reunião que o departamento e o Ministério da Saúde convocaram, que contou com apoio do UNAIDS e da OPAS. Foi uma reunião para discutir e propor recomendações para as políticas de prevenção no Brasil. Além da equipe do UNAIDS no Brasil, contamos com a participação da chefe de prevenção do UNAIDS em Genebra e da nossa assessora de prevenção do Panamá, o que demonstra o compromisso do UNAIDS e a importância que o Brasil tem na resposta à epidemia global.
Entre as recomendações que saíram desse grupo — o relatório ainda está sendo trabalhado, não foi finalizado, mas deve ser, em breve, divulgado —, eu destacaria alguns pontos fundamentais: garantia dos recursos para o financiamento das políticas, incluindo os recursos para a sociedade civil; manutenção e fortalecimento dos espaços de participação da sociedade civil; fortalecimento da resposta centrada nas populações-chave e nas pessoas vivendo com HIV; e políticas construídas baseadas em evidências nos direitos humanos e no enfrentamento do estigma e da discriminação.
Peço desculpas por exceder o tempo, mas encerro minha fala relembrando os desafios que ainda enfrentamos. Sempre temos que olhar o que avançou e o que ainda temos de desafio, mas o crescimento da epidemia entre jovens gays, a mortalidade por AIDS, que afeta desproporcionalmente, por exemplo, a população negra, especialmente mulheres negras, juntam-se a outros desafios que vão para além do campo do HIV, como o crescimento do discurso de ódio e da violência contra minorias da diversidade sexual, por exemplo. Então, os desafios são complexos. Eles vão demandar uma resposta multissetorial, uma resposta desse conjunto aqui, mas é para além desse conjunto.
Para finalizar, é como escreveu Herbert Daniel no final dos anos 80, mas que poderia ter escrito hoje: "Em última instância, a luta contra a AIDS só pode ser levada adiante através de um esforço coletivo e de solidariedade".
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer muito ao UNAIDS e dizer que, em relação a essa pesquisa sobre o índice de estigma em relação às pessoas vivendo com HIV, nós queremos realizar uma audiência pública, para que ela possa ser exposta, e para que possamos discuti-la em profundidade. É um momento importante. Ela representa a necessidade de se romperem os estigmas.
Penso que uma lógica de muita discriminação, que nós estamos vivenciando no País, com muitos discursos de ódio e de negação da diversidade ou de encarar a diversidade como inferioridade ou desumanização simbólica e literal faz com que nós tenhamos essa mudança na estrutura do Ministério da Saúde.
Eu fico pensando que nós estamos juntando verminoses com infecções sexualmente transmissíveis, que têm condicionantes completamente diferentes. Então, se nós pegarmos as verminoses, elas atingem muito mais crianças e populações que têm dificuldades de saneamento básico. Se formos analisar o conjunto dessas patologias, elas têm — eu vou repetir — impactos diferenciados, perfis diferenciados, tratamentos diferenciados, formas de transmissão também diferenciadas.
É importante que nós tiremos daqui, desta audiência pública, uma carta ou, melhor que isso, que possamos aprovar, por esta Comissão, uma moção nos colocando contrários à junção dessas patologias com tantas diferenças, nesses vários aspectos, em uma única estrutura do Ministério.
Nós precisamos manter o financiamento. Temos avanços na política de AIDS, mas precisamos avançar mais. Como eu disse, discriminação e estigmas enfrentam a condição de qualquer política pública. Qualquer política pública não se transforma numa política vigorosa e numa política realmente pública se quem a construir a fizer de forma monocrática e com o viés da discriminação. E nós estamos vivenciando um Governo que obviamente tem os seus técnicos, que mantêm a qualidade e o compromisso com as evidências científicas, mas é um Governo que, inclusive, não trabalha com evidência científica. Este Governo trabalha única e exclusivamente na manutenção permanente de um discurso de preconceito, discriminação e estigma. Então, isso vai enfrentar essa política.
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Nós avançamos no que diz respeito à universalização dos antirretrovirais, que inclusive dificultam ou eliminam a possibilidade de transmissão. Há uma série de avanços, na discussão de comportamentos que sejam seguros, e vamos ver o crescimento da doença. Há o recrudescimento da AIDS na população jovem, na população de homens que fazem sexo com homens e há, na população transexual, a existência de muitas pessoas vivendo com o HIV, particularmente as transexuais profissionais do sexo. Então, existe uma realidade que precisa ser enfrentada, e ela não vai ser enfrentada com essa junção, que eu não entendo direito a lógica. Aliás, não se consegue entender a lógica de muita coisa, porque penso que a lucidez é rarefeita neste Governo.
Mas nós vamos apresentar uma moção, para ser aprovada por esta Comissão, em que possamos nos posicionar contra a desconstrução dessa estrutura orgânica do Ministério. Nós já temos a Emenda Constitucional nº 95, de 2016, como foi bem lembrado pela Deputada Maria do Rosário. Ainda que se tenha a manutenção dos recursos, têm-se dificuldades, por exemplo, com a lei de patentes. Há uma dificuldade imensa de mudar a lei de patentes devido ao poder da indústria farmacêutica que temos aqui no nosso País. Sabemos o que representou o licenciamento compulsório para os medicamentos de enfrentamento ao câncer e de enfrentamento ao HIV/AIDS. Então, tem-se uma lei de patentes com o cheiro dos interesses da indústria farmacêutica, dos quais não conseguimos nos desvencilhar.
Então, temos inúmeros desafios. Aliado a todos esses desafios, temos mais um: o da mudança da estrutura do Ministério da Saúde no que diz respeito ao enfrentamento do HIV/AIDS. Além disso, temos falas de que "menino veste azul" e "menina veste rosa". Enfim, são falas anacrônicas e obscurantistas, que reafirmam uma lógica preconceituosa e discriminatória.
A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Deputada, eu queria apenas pedir licença para complementar essa fala e me colocar à disposição, como integrante desta Comissão, para fazer uma visita à PUC do Rio Grande do Sul.
Talvez a Carla pudesse ir junto porque é a entidade parceira, a organização de ensino, a universidade parceira da UNAIDS na pesquisa.
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Então, antes mesmo que possamos agendar aqui, porque eu apoio totalmente que possamos verificar os resultados da pesquisa, já podemos ver previamente algumas coisas que eu possa trazer à Comissão, uma vez que a PUC é a do Rio Grande do Sul, a Carla e outras pessoas estão lá, e talvez possamos visitar a instituição, que é a parceira da UNAIDS na elaboração da pesquisa.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - De repente, nós poderemos fazer conjuntamente, eu e a Deputada Maria do Rosário, a moção contra a mudança de estrutura, a realização da audiência pública, que pode ser por esta Comissão, e ao mesmo tempo sugerir uma diligência para o Rio Grande do Sul, particularmente para a PUC, que pode ser representada pela Deputada Maria do Rosário.
A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Deputada Erika, apoiando totalmente a sua proposta, no caso do Rio Grande do Sul, como foi dito pelo Gerson, a questão da epidemia do HIV está vinculada também ao tema de desmonte de políticas de redução de danos, que já foram referência na cidade de Porto Alegre e que hoje, por preconceito, justamente pelos estereótipos, foram desfeitas, ampliando portanto a incidência de HIV/AIDS.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Faríamos, então, três requerimentos, por ora, como conclusão desta Comissão: a moção contra a mudança da estrutura, a realização da audiência pública e também a diligência desta Comissão ao Rio Grande do Sul, particularmente à PUC do Rio Grande do Sul. Esta Comissão poderá ser representada nessa diligência pela Deputada Maria do Rosário, que será muito bem representada.
Primeiramente, queria, em nome da ANAIDS, agradecer às Deputadas Maria do Rosário e Erika Kokay por terem encaminhado esta audiência e à Comissão de Legislação Participativa por ter acolhido o pedido.
Queria dizer que vir aqui discutir esse tema não é uma atividade prazerosa, mas o fato de ver mulheres trazendo ou pautando essa questão para mim é um prazer, um prazer ver mulheres protagonizando essa resistência e problematizando as questões relacionadas à epidemia de AIDS.
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Queria também falar sobre essa instituição a que me refiro. Estou aqui representando a ANAIDS, que é a Articulação Nacional de Luta contra a AIDS, uma rede que, desde 2003, reúne representações dos fóruns estaduais e ONGs da AIDS, redes e movimentos de pessoas que vivem com AIDS que foram eleitos democraticamente. É um fórum de discussão e articulação que busca representar o movimento durante um espaço de tempo bienal.
Dito isto, vou me deter nas minhas anotações para tentar dar conta dos pontos que eu trouxe para dividir com este grupo em relação à nova reestruturação do departamento, à reestruturação do Ministério da Saúde.
Para iniciar nossa discussão, acho essencial e necessário que façamos um breve resgate histórico do processo de construção da resposta brasileira, que, como o Cleiton lembrou muito bem, em 2000, foi escolhida como melhor programa de AIDS no mundo.
Destaquei alguns fatores que merecem ser lembrados para que possamos entender de que cenário e de que contexto nós partimos.
A primeira questão que destaquei foi a participação efetiva de diversos segmentos sociais, gestão, trabalhadores em saúde, academia e sociedade civil, trabalhando, pensando e buscando alternativas conjuntamente. Esse processo de construção da resposta brasileira, esse processo coletivo foi fundamental e sempre foi um diferencial da resposta brasileira.
Uma outra questão que eu acho que temos que destacar em relação à resposta brasileira, quando foi escolhida como melhor programa de AIDS no mundo, é a questão do programa se pautar numa perspectiva que não era apenas uma perspectiva biomédica. A abordagem que se dava para a epidemia transcendia a abordagem biomédica e conciliava questões relacionadas à atenção às pessoas que vivem com AIDS, com o enfrentamento das vulnerabilidades sociais e programáticas, bem como com uma agenda de políticas afirmativas e garantia dos direitos humanos. Essa compreensão da AIDS trouxe para a epidemia um conceito de epidemia político-social que exigia na época e ainda exige hoje uma resposta transversal e intersetorial.
Outro aspecto fundamental se refere ao fato de que a política de AIDS sempre esteve ancorada no SUS e nas suas diretrizes. Assim, integralidade no cuidado, universalidade no acesso, igualdade e equidade foram alicerces importantes. A resposta que se teve e que se tem para a epidemia de AIDS só foi possível com a consolidação do SUS e, agora, com o seu fortalecimento, e não com o seu desmonte e com as garantias constitucionais. Lembro aqui que a Lei nº 9.313, de 1996, conhecida como Lei Sarney, nada mais foi do que uma garantia constitucional, foi o reconhecimento que veio pautado por um direito constitucional de que saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. Foi a partir dessa premissa que se conseguiu garantir o acesso universal às terapias antirretrovirais.
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O quarto ponto que destaquei, e eu acho que o Cleiton também destacou na sua fala, que considero essencial é que o Brasil, naquele momento, era protagonista nessa resposta global à epidemia de AIDS.
E por que eu acho importante destacar isso? Porque, com o passar dos anos, o Brasil deixa de ser protagonista, deixa de propor e cadenciar as políticas globais do HIV/AIDS e passa, então, a incorporar as diretrizes da OMS, sendo menos questionador e problematizador. Eu acho que isso é uma diferença fundamental de postura em relação ao Brasil.
Além dos itens que o Cleiton já destacou, eu queria destacar um que talvez seja o mais curioso para nós do movimento, um item bem simbólico, que foi quando, no início dos anos 2000, o Brasil não incorporou políticas norte-americanas na área de prevenção, como as políticas preconizadas pela USAID, que era a política ABC, que preconizava abstinência, fidelidade, postergação e, em último caso, camisinha. A posição do Brasil, naquele momento, foi muito importante, que foi dizer que não se trabalharia na abordagem da redução de parceiros, mas na ótica da adoção de práticas sexuais seguras. Então, o nosso instrumento de prevenção seria trabalhar as estratégias pautadas nas vulnerabilidades comportamentais e sociais.
Considero importante esse resgate para que nós possamos entender que a política nacional de AIDS não é uma política de governos, é uma política de Estado. Ela é mais do que uma política de Estado, é um referencial teórico, técnico, programático e político, sempre norteou e estabeleceu parâmetros para construção das respostas locais e regionais para HIV, ou seja, a política de AIDS é espelho para a construção das políticas regionais e locais e sempre foi inspiração para a construção de políticas em outros países, principalmente na América do Sul. Sempre foi exemplo.
Assim, quando nós nos referimos ao desmonte dessa política — e nós vamos insistir, queremos trazer alguns pontos que mostram por que acreditamos que essa nova reestruturação significa o desmonte dessa política —, não estamos falando só de um remodelamento, estamos falando do desmonte de uma política de Estado e que tem se consolidado, apesar de termos alternância de diversos partidos no poder.
É importante pensar nisso porque estamos também avaliando de que forma essas mudanças vão reverberar nas outras instâncias, nos outros níveis de gestão e seus possíveis desdobramentos em âmbito estadual e municipal, principalmente se nós combinarmos essas mudanças que estão sendo previstas agora no Decreto nº 9.795, de 2019 — peço desculpas se eu errei, não sou muito boa com os números, sou do povo das miçangas e tenho direito de errar os números —, com as mudanças que tivemos no financiamento dos blocos. Então, essa combinação pode impactar nas respostas locais, na precarização e no desmonte dos serviços locais, dos programas municipais de saúde e dos programas estaduais de saúde.
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E aqui vou usar, do lugar de onde eu falo, porque estou na ANAIDS representando o fórum do Rio Grande do Sul enquanto secretaria política. Então, me dou o direito de usar o meu Estado como exemplo dessas questões. Quero citar aqui o Rio Grande do Sul, que hoje está sem coordenação estadual de AIDS.
Então, esta é uma questão que nos preocupa bastante: a precarização e a desresponsabilização das gestões locais. Além disso, o departamento sempre foi um espaço de construção, de conhecimento e expertise, principalmente com a devida interlocução constante com a academia e com o movimento social, inclusive sendo problematizador das epidemias regionais.
Aqui quero dizer do caráter fundamental que o departamento tem como problematizador da epidemia de AIDS no Rio Grande do Sul. Ela não só é uma epidemia diferenciada como também é uma epidemia com características de epidemia generalizada. O Estado do Rio Grande do Sul não quer assumir isso. Então, o departamento de AIDS, e vou continuar me referindo a ele assim, tem um papel fundamental e uma responsabilidade diante dessas especificidades locais.
Com essa reestruturação, nós também acreditamos que vai haver maior predominância da resposta biomédica. Então, nós vamos ter um enxugamento nas estruturas. Essa situação vai evidenciar o caráter biomédico, que já tem sido uma marca dos últimos anos das políticas de AIDS. Então, nós devemos ter um decréscimo nas ações de prevenção e cada vez mais as ações de prevenção pautadas na medicalização e um maior aprofundamento das agendas de direitos humanos.
Não existe resposta à AIDS que não componha esses elementos. Hoje, essas temáticas não estão conectadas com a agenda do Governo atual. E nós precisamos ter isso em mente.
Sei que eu vou avançar, mas há um ponto sobre o qual é muito importante se pensar, e ele não ficou no fim por acaso, que é a maior perda de visibilidade, de relevância política e social neste momento em que o recrudescimento da epidemia tem aparecido.
Então, tem uma importância muito grande essa questão da alteração do nome. Apesar de muitas pessoas dizerem que se trata apenas de uma alteração semântica e que vão ser preservadas todas as questões relativas à política de AIDS e de financiamento, para nós tem um peso simbólico muito grande.
Nós entendemos que a invisibilização da AIDS tem a ver também com o apagamento das pessoas que são atingidas hoje pela epidemia de AIDS. Nós viemos de um momento em que têm sido feitas releituras e ressignificação de vários fatos históricos. Nesse sentido, a resposta à epidemia de AIDS também tem sido revista. E ela está num processo de apagamento.
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Nós falamos em morte simbólica do departamento, sim, e essa morte simbólica se traduz na morte física de muitas pessoas. Nós estamos falando de vida, e vidas são singulares. Há muito tempo esse movimento não quer mais falar de morte, ele quer falar de vida, e nós não vamos nos calar diante de mais esse retrocesso.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Carla.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Vamos passar para o nosso próximo inscrito, o Paulo Giacomini, representante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (RNP+Brasil), para que ele possa fazer a sua exposição. Em seguida, encerraremos as exposições. Depois, abriremos para algumas pessoas falarem e devolveremos a palavra à Mesa por 2 minutos só.
Bom dia a todas. Bom dia a todos. Em nome da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS — RNP+Brasil, agradeço às Deputadas Erika Kokay e Maria do Rosário pela iniciativa, bem como à Comissão de Legislação Participativa por acolher essa iniciativa das Deputadas. E, cumprimentando a Deputada Erika kokay, também cumprimento todas e todos da Mesa, da plenária e da Internet.
Em 1984, por meio de uma anamnese, eu tive não um diagnóstico, mas uma sentença: "Você tem de 6 meses a 1 ano de vida" — disse-me o profissional de saúde. Mas eu não estou aqui para trazer a minha história de vivência com o vírus que provoca a AIDS.
A RNP+Brasil é um movimento de pessoas vivendo com HIV e AIDS, que surgiu a partir de 1995, quando ainda não tínhamos a distribuição de antirretrovirais em todo o País. O objetivo de formação dessa rede naquele momento era, além de retomar a voz das pessoas vivendo com HIV, trocar experiências que pudessem aumentar a baixíssima estimativa de vida que tínhamos até então.
Afora as questões já abordadas aqui por todas e todos e, em particular, pela Carla Almeida, da ANAIDS, eu gostaria de sublinhar que, em 1986, quando o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de DST/AIDS, o modelo foi o de São Paulo, instituído pelo Governo Montoro, em 1983. Quando, em 1996, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei 9.313, que atribuiu ao Estado brasileiro a responsabilidade pela aquisição e distribuição dos medicamentos antirretrovirais, isso também foi inspirado no Governo paulista.
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A Lei nº 9.313, de 1996, tem apenas dois artigos. São eles: o que atribui ao Estado aquisição e distribuição dos medicamentos e o que define que a revisão do rol desses medicamentos para a inclusão e a exclusão seja realizada por uma banca de especialistas, sempre que necessário.
Nesse sentido, a publicação do Decreto nº 9.795 deste ano preocupa imensamente as pessoas vivendo com HIV, que tinham no Departamento de IST, AIDS e Hepatites Virais (DDAHV) o responsável não apenas pelas políticas de prevenção e de tratamento do HIV — agora tornado invisível pela mudança de nome — mas também pela aquisição desses medicamentos, mesmo com as falhas de fornecimento não tão distantes já de hoje.
No Governo Temer, houve uma crise que chamamos de Crise das 90 Toneladas — nós estamos todos lembrados —, que foi resolvida há pouco mais de 1 ano. Por cerca de 2 meses, as pessoas com HIV em tratamento ficaram sem o comprimido 3 em 1, e isso só foi resolvido em março de 2018. Atualmente, nós estamos com falta de AZT em solução oral e injetável, que é fundamental para tentar conter a infecção pelo HIV tanto da mãe quanto do bebê na hora do parto.
O Decreto nº 9.795, de 2019, preocupa as pessoas com HIV porque, além de esconder a AIDS em seu nome e extingui-la — seria melhor que se chamasse "Departamento de Doenças Negligenciadas", que é onde estão a hanseníase, a tuberculose, as hepatites virais e onde estão indo para o mesmo patamar HIV e AIDS —, ele não atribui à coordenação de HIV/AIDS a competência para a aquisição dos medicamentos, embora essa aquisição pode ser contemplada por uma redação híbrida do inciso VI do art. 38 do decreto, que diz: "Definir a programação de insumos críticos para as ações de (sic) relacionadas" — porque não existe a expressão 'ações de relacionadas' — "às infecções sexualmente transmissíveis e ao HIV/Aids (...)".
Além disso, o decreto tem uma falha na redação ali. Perdoem-me. Sou jornalista. Tenho que cobrar uma redação pelo menos boa do Governo Federal.
A Lei nº 9.313, de 1996, não necessita de dois terços dos votos de Deputados e Senadores para ser revogada — nem precisa. Basta que o Ministério da Saúde simplesmente pare de adquirir e de distribuir os medicamentos antirretrovirais. Isso é uma ameaça que ronda as pessoas que vivem com HIV, desde a campanha presidencial, quando voltaram à pauta as declarações do então Deputado Jair Bolsonaro, que, em 2010, fez uma afirmação no sentido de associar a infecção pelo HIV à promiscuidade e à não responsabilidade do Estado pelas políticas públicas de tratamento do HIV.
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Então, se o Estado brasileiro é o responsável pela recuperação da saúde de sua população, como está no art. 196 da Constituição Federal, também não seria responsável pelas políticas de prevenção?
Em reunião, no dia 12 de março, com o Dr. Gerson Pereira, aqui presente, ele nos garantiu que o nome do departamento não seria mudado. Obviamente, isso não estava em sua governabilidade.
Eu preciso deixar claro aqui que nós confiamos na pessoa e na capacidade profissional do Dr. Gerson Pereira, mas não sei o quanto as pessoas que vivem com HIV neste País hoje podem confiar neste Governo machista, homolesbotransfóbico, classista, regionalista e contrário às cláusulas constitucionais desde pelo menos 2010.
Eu queria fazer um parêntese na minha fala aqui, Deputada, sobre um estudo que a RNP fez em relação a sociometria. Nós fizemos um estudo agora, chamado Violência e discriminação, dentro da RNP+Brasil, embasado na sociometria que nós fazemos bianualmente com as pessoas vivendo com HIV associadas à RNP. Esse estudo nos diz que, entre as pessoas vivendo com HIV e AIDS vinculadas à RNP+Brasil, não temos mais populações vulneráveis. Isso significa que homens gays, homens héteros, mulheres héteros, travestis, transexuais, quaisquer pessoas, para serem discriminadas, basta que tenham HIV. Homens, jovens, velhos, adultos, crianças, nada disso é uma condição de vulnerabilidade dentro da RNP+Brasil, Ivo. Eu acho que essa informação é fundamental no estudo que vamos apresentar para vocês. Basta que a pessoa viva com HIV para que ela seja discriminada.
Nesse sentido, para nós, é de extrema importância que o nome "Departamento de Doenças Negligenciadas" — e seria melhor que fosse este o nome, porque coloca a AIDS nesse poço sem fundo — preserve o HIV e a AIDS dentro do seu nome.
Se, em 1984, eu recebi uma sentença de morte; se, em 1995, a RNP foi criada para trocar experiências para ludibriar a morte, que a síndrome ainda hoje traz, hoje nos recusamos a falar de morte. O nosso discurso e o nosso trabalho é pela vida. Por isso, não aceitamos a morte simbólica do melhor programa de AIDS do mundo.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Queria agradecer muito ao Paulo e registrar a presença de Deniz Catarina, do MNCP Arco-Íris (Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas) e do Fórum de ONG/AIDS do Distrito Federal; de João Elias Araújo; de Ivo Brito; de Aedê Cadaxa, do Ministério da Saúde;
do Alessandro Caruso e da Ieda Fornazier, também do Ministério da Saúde; da Graziela Macedo; do Jean Volpato, do gabinete da Deputada Maria do Rosário; do Eduardo Marcelino, da ONG Estruturação — Grupo LGBT; do Rosildo Inácio da Silva, do RNP+Brasil; do José Bezerra Siqueira, também do RNP+Brasil, e do Alexandre Pereira Gonçalves, da mesma instituição; do Vinícius de Lara, também do gabinete da Deputada Maria do Rosário; e do Raimundo Lima, do Grupo Arco-Íris. Quero agradecer a presença ao Bruno Saviotti e à Aline Kravutschke, ambos da UNAIDS; e ao Wanderson Mansur, do nosso gabinete.
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Antes de passar a palavra para a última expositora, quero justificar a ausência da Deputada Maria do Rosário, que foi pegar um voo e teve que se retirar. Hoje é um dia em que as pessoas voltam para os seus Estados. E a Deputada estabeleceu aqui, de forma muito nítida, todos os compromissos. É uma das grandes lutadoras e defensoras — por isso, tem sofrido muitos ataques — dos direitos da pessoa humana, direitos universais, inter-relacionados, que não podem ser hierarquizados. É uma alegria termos uma Parlamentar como a Deputada Maria do Rosário aqui nesta Casa fazendo a luta dos que eles querem calados, silenciados, amordaçados!
Antes de passar a palavra para a Evalcilene Santos, só gostaria de apenas dizer que, no meu pensar, nós estamos vivenciando uma necropolítica ou uma tanatopolítica, ou seja, uma política de morte. É uma política de morte aos corpos, morte simbólica, morte literal, morte por armas que sempre miram prioritariamente as mulheres, a população trans, a população LGBT e os jovens negros e pobres deste País. Então, vivemos uma necropolítica. A resistência que nós fazemos à necropolítica ou à tanatopolítica é em defesa da vida — da vida. Portanto, as nossas trincheiras de resistência são sempre tecidas e construídas com a ode à vida.
A SRA. EVALCILENE SANTOS - Bom dia a todas e todos. Agradeço à Deputada Maria do Rosário e à Deputada Erika Kokay pelo convite ao Conselho Nacional de Saúde.
Eu também sou uma mulher vivendo com HIV/AIDS, e essa política de desmonte também chega até nós mulheres vivendo com HIV. Por isso, a preocupação do nosso Conselho Nacional de Saúde com esse desmonte, que é, Deputada Erika Kokay, a morte também da saúde. Como Conselho Nacional de Saúde, nós também vimos sofrendo ameaça de não mais existirmos com esses decretos que estão vindo aí, com esse desmonte, para acabar também com o controle social.
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Nós do Ministério da Saúde estamos lutando também. Ontem, tivemos uma apresentação do Ministério da Saúde sobre esse novo modelo de saúde. Infelizmente, o Ministro da Saúde não foi. Só foram enviados técnicos que não conseguiram responder às nossas perguntas. E nós, como Conselho Nacional de Saúde, iremos novamente solicitar a presença do Ministro da Saúde ou alguém próximo dele para que nos responda o porquê dessa mudança e a melhor forma de colocá-la.
Esse Decreto nº 9.795, de 2019, é uma grande preocupação principalmente do movimento AIDS, porque é uma morte simbólica, como todos os colegas já disseram. Isso é preocupante, porque nós já estamos vindo de um desmonte do programa de AIDS há muito tempo — não só este ano. Nós já vimos com um histórico de desmonte, com perda de pessoas importantes, com um boom de mortes e um boom de infecções por IST, infecções sexualmente transmissíveis. Nós temos tido também outras infecções sexualmente transmissíveis junto com a AIDS. Temos um boom de sífilis. A morte de pessoas com AIDS e com infecção de tuberculose está muito grande, e os investimentos dos Estados e Municípios... estão esquecendo isso.
Daí a importância de haver um programa de IST/HIV/AIDS. Um programa que tenha o nome "AIDS" é importante, porque é a nossa vida, é a nossa visibilidade política até internacionalmente.
O Ministério da Saúde, preocupado com essa situação, vem se juntando a essa luta de todos os povos, de todas as pessoas, das pessoas com HIV/AIDS. Essa é uma preocupação minha como conselheira nacional e representante do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas neste Conselho Nacional de Saúde.
Então, precisamos que esse desmonte acabe, porque as pessoas estão morrendo. As mulheres, as pessoas com HIV/AIDS estão morrendo de câncer. Cito, como exemplo, o Estado do Amazonas, que é o maior Estado em que mais se morre por câncer, principalmente as mulheres.
Então, toda a nossa saúde está sofrendo esse desmonte. Outras secretarias, outros movimentos, outros conselhos também estão sofrendo uma perseguição cruel! Estão querendo acabar com a nossa força, com a nossa luta. Mas nós do Conselho Nacional de Saúde estamos juntos, porque nós somos o controle social. E o controle social é muito...
Como o tema da nossa XVI Conferência Nacional de Saúde é Democracia e saúde, não vão retirar os nossos direitos! Nós vamos nos juntar a todos os outros conselhos, movimentos, comitês, comissões, com os quais tentaram e estão tentando acabar, e iremos nessa luta contínua por tomar decisões em conjunto.
Por que isso está acontecendo?
Estão tomando decisões por nós, e essas decisões não nos colocam como somos, com o nosso corpo de mulher, com o nosso corpo de trans, com o nosso corpo de travesti, com o nosso corpo de população em situação de rua, sofrida, com o nosso corpo de pessoa usuária de álcool e outras drogas, como está aqui. Então, precisamos retomar de novo nossa força.
Agradecemos a todos. Vamos chamar o programa de AIDS novamente de Departamento Nacional de AIDS. Agradecemos também ao Diretor Gerson, que está aqui conosco; à Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS, que é uma potência de luta, que é a nossa inspiração, como pessoa que vive com HIV/AIDS, que é o maior espaço de pessoas que vivem com HIV/AIDS em todo o território nacional; à ANAIDS, que é a Articulação Nacional de AIDS, por essa luta em conjunto com os fóruns, com as redes, com todo o movimento de AIDS e também com as pessoas.
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Agradecemos também, Deputada, em nome do conselho. O Conselho Nacional de Saúde se coloca à disposição, coloca-se junto com essa frente parlamentar, para que, juntos, possamos mudar esse cenário vergonhoso — vergonhoso — em que o nosso País se encontra e esse desmonte também na área da saúde. Não queremos isso.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer à Evalcilene pela contribuição e dizer que nós já temos as assinaturas necessárias para a refundação da frente. É uma frente das mais antigas aqui da Câmara, a Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às IST, HIV/AIDS e das Hepatites Virais.
(Palmas.)
Nós já temos as assinaturas. Uma frente tem, inicialmente, o sentido de refletir e atuar na agenda legislativa, nos projetos que nós precisamos impedir que sejam aprovados ou que nós queremos que sejam aprovados porque asseguram os direitos das pessoas que vivem com HIV. Mas ela também é um espaço, sempre suprapartidário, de diálogo com os outros Poderes, com o Poder Executivo, com o Poder Judiciário, com o Ministério Público. Fundamentalmente, essa frente é tão longeva porque tem a participação da sociedade civil. É a frente que mais tem a participação da sociedade civil, como o próprio movimento em defesa das pessoas que vivem com HIV, que, como eu disse, entrou na agenda pela resistência e pela luta das pessoas que estavam vendo seus amigos, suas amigas morrerem com AIDS, sem saberem direito o que aquilo representava. Entrou na agenda do Estado, na agenda da política de pesquisa, na agenda da política de saúde, na agenda da política de direitos, de uma série de políticas públicas, pela resistência.
Nós vamos lançar a frente, provavelmente, na primeira semana de agosto. Por que digo que a lançaremos só na primeira semana de agosto? Devemos ter a semana que vem e o começo da outra semana, antes de entrar no recesso. Se a lançarmos muito próximo ao recesso, não haverá uma continuidade imediata, porque a Câmara estará em recesso.
Então nós optamos por lançar a frente no começo de agosto. E aí, no lançamento da frente, vamos discutir o planejamento estratégico e ali vamos ver quais são as prioridades de atuação, seja do ponto de vista da agenda legislativa, seja do ponto de vista das agendas pós.
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Nós, para além da discussão da audiência pública, da diligência no Rio Grande do Sul e também da moção contra o desmonte, vamos pedir à frente, depois do lançamento, uma agenda no Conselho Nacional de Saúde. Nós queremos pautar a discussão sobre a AIDS no Conselho Nacional. Então nós vamos solicitar formalmente uma agenda em nome da frente parlamentar, para que a frente parlamentar esteja no Conselho Nacional de Saúde para pautar essa discussão acerca do financiamento e acerca também da mudança da nomenclatura e da estrutura, porque, veja, não é uma mudança de nomenclatura, é uma mudança da estrutura, que vai jogar na invisibilização a luta em defesa dos direitos das pessoas com HIV/AIDS.
Nós temos algumas pessoas que se inscreveram. Vamos conceder o prazo de 3 minutos, conforme o Regimento, para cada uma delas. Depois nós vamos passar, por 2 minutos, para as conclusões da Mesa, para que nós possamos encerrar a nossa audiência com estes encaminhamentos até o momento: a diligência no Rio Grande do Sul, a moção desta Comissão, a audiência pública para o lançamento da pesquisa, que deve acontecer por volta de outubro ou mais para o final do ano — esse é o prazo dado pela própria UNAIDS e as outras entidades. Nós estamos falando de quatro redes. Não estamos falando só de uma rede, são quatro redes. E foram as quatro redes que elaboraram essa pesquisa. Nós queremos que ela seja apresentada aqui. Também nós vamos solicitar a pauta para discussão no Conselho Nacional de Saúde.
Estão inscritos o Raimundo, que é do Grupo Arco-Íris, MISMEC (Movimento Integrado de Saúde Comunitária) e do Conselho de Saúde do Distrito Federal e um dos maiores e mais belos militantes que nós temos na defesa dos direitos humanos e dos direitos da pessoa com HIV/AIDS; o Ivo Brito, do Ministério da Saúde, o Rosildo Silva, da RNP+, a Deniz Catarina, do MNCP, do Grupo Arco-Íris e também do Fórum ONG/AIDS aqui do DF. Nós temos essas quatro pessoas inscritas.
Então nós vamos ficar com essas quatro pessoas. Cada uma delas falará por 3 minutos. Depois nós devolvemos a palavra à Mesa para que possa fazer as suas considerações finais.
Provavelmente o lançamento da frente se dará no dia 6 de agosto no Plenário 3, neste plenário, provavelmente. Se houver alguma modificação, avisamos, mas queremos deixar de pronto a pré-agenda do dia 6 de agosto, após o recesso, no retorno dos trabalhos, para o lançamento, às 14 horas, aqui neste auditório.
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E quero trazer à memória o Sérgio Arouca, que foi um grande sanitarista do início da AIDS, e também Alair Guerra, que estava em Recife, sofreu um acidente e hoje é cadeirante.
Nós vemos os grandes transtornos por que está passando o movimento; e o controle social, como movimento, está se perdendo neste Governo. Parece que o mundo do século XXI se transformou em governos que não têm compromisso com a saúde, muito menos com a educação e a segurança, para que tenhamos um movimento de fortalecimento da saúde pública, como diz a nossa Constituição, no art. 196. Nós estamos perdendo e temos que ir à luta, como fizemos na VIII Conferência Nacional de Saúde, que aconteceu na UnB.
Quando estudante na UnB, começamos a lutar, e o controle social teve vitória. E essa vitória conquistada, hoje, parece que está se desmontando, porque o Governo não tem o compromisso que deveria ter com a saúde pública, de fato, de forma democrática e conforme o direito de cada pessoa que convive com o HIV/AIDS.
Eu sou uma pessoa que está vivendo, mas que luta pela vida. Não trago o estigma da morte, eu trago o estigma da vida, porque viver é mais importante do que morrer. Morrer é algo inerente a todo ser humano, mas não queremos morrer por falta de cuidado com a saúde e de uma política que tem que ser sustentada neste País. E este Governo, o controle social e os cidadãos, todos temos que ir às ruas novamente, como fomos em outros tempos, gritar e dizer: "Ninguém nos derruba, ninguém nos mata e ninguém nos destrói". A saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Se o Estado perde seu dever de nos conferir nossos direitos, nós também temos que ir às ruas para lutar por eles.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Raimundo.
O SR. IVO BRITO - Serão breves os meus comentários, que são mais um chamado a todos, aos movimentos sociais e obviamente a esta Casa, para fazer uma reflexão um pouco mais qualificada especialmente sobre o fato de estarmos nesse processo de reestruturação do Ministério da Saúde, trazendo para um campo específico da vigilância em saúde um conjunto de agravos.
A primeira questão que trago é para refutar um pouco, ou pelo menos provocar a discussão e a reflexão, que esses agravos não têm nada entre si. Isso não é verdade. Então, eu chamaria a atenção de todos para consultar basicamente a página do CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos) e olhar a relação de outras doenças infecciosas e sua ligação com o HIV, inclusive doenças diretamente relacionadas ao saneamento, a exemplo dos casos recentemente notificados de hepatite A, que caracteristicamente é transmitida via hídrica e pela alimentação e que hoje também é transmitida via sexual.
Eu queria chamar a atenção para isso porque o mundo encolheu. A globalização fez com que o mundo encolhesse,
mas, ao mesmo tempo, fez com que, dentro do campo específico das doenças transmissíveis, de um lado, e crônicas, do outro, também se estreitasse esse tipo de relação. Então, gostaria de chamar a atenção para esse tipo de reflexão, para que não cometamos o erro, ou melhor, não fiquemos baseados em evidências, olhando essa nova configuração do Departamento.
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Essa nova configuração do Departamento foi inclusive uma demanda, no passado, do próprio movimento das pessoas que vivem com HIV-AIDS, quando os medicamentos colocaram a extensão da sobrevida. E as frases que eram encontradas nos documentos veiculados pelo próprio movimento diziam que a HIV-AIDS era uma doença de condições transmissíveis e crônicas. Isso está claro em várias situações, em várias discussões, porque, naquele momento, ganhava-se sobrevida e maior expectativa de vida, e as pessoas que tinham HIV-AIDS adoeciam de outras doenças que precisavam ser observadas, como câncer e demais doenças crônicas.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Ivo. E nem por isso se quer que o Departamento de Oncologia se unifique no mesmo departamento ou que lide com a pneumonia.
Eu sou o Rosildo. Vivo com HIV há 15 anos também e até hoje nunca havia visto um desgoverno desses no sentido de mudar a estrutura do Departamento Nacional de AIDS. Essa nova estrutura não irá promover mais integração entre as áreas agora agregadas ao novo Departamento.
As patologias ali reunidas e as verminoses, ao lado das infecções virais, como HIV, e infecções bacterianas, como gonorreia, tuberculose e hanseníase, possuem diferenças significativas no que se refere às formas de transmissão, às escalas de impacto nos segmentos populacionais diretamente afetados pelas dinâmicas sociais, indicadores e fatores epidemiológicos, dentre outros agentes.
As condicionantes sociais do HIV e da AIDS e de verminoses, por exemplo, são completamente distintas. A epidemia de HIV-AIDS afeta em especial jovens, gays e pessoas trans, e a resposta exige uma abordagem focada no combate ao estigma. Já as verminoses afetam em especial as crianças, e a resposta depende de uma abordagem focada em saneamento básico.
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Então, esse desmonte está sem palavra ainda pelo Ministério da Saúde, está bem? Ele não respondeu aos questionamentos que os movimentos sociais fizeram. Até esse momento, nós não temos nenhuma informação por parte do Ministério da Saúde sobre esse desmonte que mudou a estrutura do Departamento Nacional de AIDS.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer ao Rosildo.
A SRA. DENIZ CATARINA - Bom dia a todos e todas. Bom dia à Deputada, a toda a Mesa. Eu quero só fazer uma enfasezinha sobre DST e IST. A infecção, quando é descoberta, rapidamente ela é tratada e curada. E para a doença, para o HIV, ainda não foi comprovada uma cura. Considera-se que seja uma doença crônica. Então eu acho que essa doença não se encaixa dentro das ISTs, das infecções. Ela tem que ser tratada — continuar a ser tratada — como uma doença, como uma doença não mortal mais, como falou o Rai, como falaram alguns membros da Mesa, não mortal mais. Mas é uma doença.
Eu convivo com ela já há 16 anos. E tenho qualidade de vida? Tenho, tenho procurado ter, tenho adesão aos meus medicamentos. Mas eu quero pedir o Dr. Gerson que olhe por esse lado para nós. É uma doença, não é uma infecção. É uma doença crônica. Falo em nome das mulheres, das nossas ONGs, das representações que estão aqui. E quero pedir ao Ministério da Saúde que tenha um carinho conosco. Nós somos seres humanos, nós somos viventes e precisamos ser cuidados.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deniz Catarina.
A SRA. CARLA ALMEIDA - Eu queria resgatar alguns pontos. Acho que o Ivo traz algumas questões que são importantes para pensarmos. Quando olho essa reestruturação do departamento, se há um ponto em comum entre esses agravos, esse ponto tem a ver com os determinantes e condicionantes sociais em saúde. Esse é o elo de ligação que consigo ver entre esses agravos.
É importante salientar algumas coisas: primeiro, juntar um departamento não significa integrar ações. Precisamos de uma proposta programática sólida, para que possamos ver de fato como na prática essas ações vão ser integradas. Não estou me posicionando nem contra, nem a favor da integração das ações, só estou querendo trazer esse ponto para a discussão. Segundo, estamos falando de agravos que, apesar de haver essa questão de determinantes e condicionantes sociais, são agravos com construções históricas e sociais muito distintas.
E essas narrativas históricas têm que ser avaliadas na hora em que vamos pensar a resposta que será dada para esses agravos.
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Quer dizer, o estigma da pessoa que vive com AIDS não é igual ao estigma de quem tem tuberculose e não é igual ao de quem tem hanseníase. Temos que ter isso claro e temos que ter claro como vamos enfrentar isso.
Além disso, estamos falando de doenças que têm cura e doenças que não têm cura. Isso tem que ser também observado quando pensamos nessa integralidade das ações. Eu queria só salientar que não é só a AIDS que fica invisibilizada nessa nova proposta do Ministério. A tuberculose também passa a ter uma invisibilidade maior, porque já é um agravo historicamente negligenciado.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Carla.
O SR. CLEITON EUZÉBIO DE LIMA - Bem, o que fica para mim aqui desta audiência, deste debate super-rico — acho que quanto mais oportunidades tivermos para debater esse tema é fundamental —, é o reforço de que a resposta à epidemia do HIV no Brasil é uma política de Estado. E eu reforço essa questão de ser um patrimônio do País.
Quanto à intersetorialidade dessa resposta, sabemos que temos setores importantes da sociedade civil, da gestão Federal, do Parlamento, mas há outros atores que não estão aqui, mas também são importantes e precisam estar envolvidos nessa resposta.
O Brasil segue sendo visto, inspirando outros países também nas suas políticas. A PrEP foi uma das coisas que o Brasil apresentou na reunião da Coalizão Global para Prevenção do HIV, em Nairóbi. Há muito interesse dos países em aprender também com a experiência da PrEP aqui no Brasil por ser um dos poucos países ainda no mundo que tem implementado isso como parte de uma política pública do sistema público de saúde.
Então, tudo que acontece aqui no Brasil, além de obviamente ter impacto para a população brasileira, há uma repercussão também na América Latina e em outros países. Por isso, é fundamental que consigamos seguir trabalhando juntos, com diálogo, com a solidariedade, como falava o Herbert Daniel. Só assim, só com uma resposta realmente que seja coletiva, vamos conseguir seguir avançando na resposta à epidemia.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nós acabamos de falar em necropolítica e recebemos agora uma mensagem do Estadão informando que o dono de uma fábrica de cerâmica se matou com um tiro na cabeça em uma solenidade em Sergipe, porque não conseguia pagar o preço do gás. A fábrica de cerâmica havia entrado em hibernação por causa do alto preço do gás. E aí ele veio à falência.
Em uma solenidade, que seria a abertura de um simpósio de oportunidades para o novo cenário do gás natural, nessa solenidade, na frente do Ministro Bento Albuquerque, do Ministério de Minas e Energia, e do Governador, esse empresário dessa fábrica de cerâmica, que estava falido, suicidou-se.
Este é um discurso, é uma narrativa que fala por si só. Então, acabamos de falar da tanatopolítica e da necropolítica. Chega de mortes, não é?
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O SR. GERSON PEREIRA - Eu gostaria muito de agradecer à Mesa e a todos os presentes. Acho que essas reuniões são importantes na medida em que podemos discutir tudo o que estamos fazendo e ter os inputs das pessoas, de modo a aprimorar mais a resposta.
Há 2 semanas, tivemos uma reunião para discutir prevenção no Brasil, como um todo, e mostramos todos os dados com os quais trabalhamos na prevenção, de modo que as pessoas pudessem contribuir e melhorar a resposta.
Conheço o programa de AIDS, como disse para vocês lá no começo, desde antes de ele nascer. Eu conheci o Lair e conheci a primeira pessoa de movimentos sociais que foi lá ao Ministério discutir, que era o Paulo Bonfim, da Rede GAPA. Então, eu conheço essas pessoas de muito tempo.
E nós vimos trabalhando isso e podemos acompanhar fatos importantes. Por exemplo, quando a hepatite foi juntada — eu não digo incorporada, porque nós não estamos incorporando nenhum programa —, quando ela se juntou ao Programa de AIDS, diziam que ela seria invisibilizada. Pelo contrário, hoje, nós temos uma resposta importante com relação às hepatites. Não temos tido falta de medicamento para as hepatites e nós demos um input.
Eu acho que, à medida que nós trabalhamos essas doenças que têm alguma coisa em comum — sim, acho que ela tem a pobreza, tem o estigma —, existem várias coisas em que se pode trabalhar. E esse exemplo que o Ivo colocou em relação à hepatite A tem uma importância enorme.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Gerson.
O SR. PAULO GIACOMINI - Obrigado, Deputada. Eu só tenho a agradecer a oportunidade de estar neste momento aqui, de poder, em nome da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV, vinculada à RNP+, trazer a voz das pessoas vivendo com HIV, além da Evalcilene obviamente. Na verdade, ela representa as mulheres vivendo com HIV, e nós gostamos de representar as pessoas — os homens, as mulheres, as crianças, os velhos, as velhas, todo mundo, as pessoas —, o ser humano.
Enfim, eu queria resgatar só duas coisinhas. A primeira é que, assim que percebemos, lá no Governo da Yeda Crusius no Rio Grande do Sul — já faz um bom tempo —, que ela não estava investindo os 12% obrigatórios em saúde, nós já havíamos previsto uma explosão da epidemia de AIDS lá no Rio Grande do Sul.
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Eu queria trazer uma última coisa. Gerson, precisamos de um diálogo um pouco maior. Eu só vim saber o nome do Coordenador de DST/AIDS aqui na Câmara dos Deputados – e eu sou Secretário Nacional da RNP. Volto a dizer, precisamos de um contato maior, gente, por favor. Nós lhe fizemos essa proposta, e você ficou de estudar se iríamos nos encontrar mais umas duas ou três vezes por ano.
Minha querida, AIDS ainda mata. Basta que a pessoa não tenha o diagnóstico do HIV. Por isso, é importante para nós, para as pessoas que estão vivendo com HIV, para as pessoas que estão vivendo com AIDS que a sigla AIDS esteja no nome do departamento. Não é possível que se invisibilize uma epidemia tão poderosa quanto a AIDS!
Se faltar medicamento, vão sobrar novas infecções. Nós sabemos disso. A ciência sabe disso. O departamento sabe disso. Se faltar medicamento, o TcP, tratamento como prevenção, vai para a cucuia, vai para o mesmo brejo que está indo o nome do departamento. Isso é inadmissível! Por isso, ainda hoje em dia, morre gente com AIDS, o que é horrível.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Paulo.
A SRA. EVALCILENE SANTOS - Agradecemos, em nome do Conselho Nacional de Saúde, onde eu represento o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, composto por mulheres vivendo com HIV. Além de ser mulher, nós somos mãe e amante e também temos que cuidar de toda a população, de todas as pessoas que vivem com HIV. Muitas vezes, temos que ser um movimento ativo, porque nós mulheres ficamos de fora de muita coisa. A política para as mulheres está invisibilizada. Não se fala muito de prevenção para as mulheres e não se fala do cuidado da mulher vivendo com HIV.
Raimundo, ótimo. Precisamos resgatar a nossa luta, a gente precisa fortalecer o controle social, precisamos mostrar algo além do que foi mostrado naquela conferência, a 8ª Conferência. Na 16ª Conferência temos que mostrar novamente a nossa força.
Nós como movimento social, nós como controle social, nós como pessoas temos que dizer que essa luta é nossa e que nós temos que estar lá presentes, lutando por ela.
Essas propostas e tudo que for colocado têm que ser garantidos. A gente tem que lutar por isso. Não basta só participar da conferência, mas trabalhar depois das conferências.
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Agradecemos muito e esperamos que a Frente Parlamentar se coloque e não deixe de lutar pelo nome AIDS. Senão, Estados e Municípios vão esquecer essa política. Não vão colocá-la como prioridade se deixarem esse nome de lado. Não é mimimi de movimento. É uma realidade. Isso já está acontecendo nos Estados e Municípios, onde não se fala mais em programa de AIDS, não há mais coordenadores de programa de AIDS.
Então, nós como um movimento AIDS estamos dentro do Conselho Nacional de Saúde e vamos lutar como mulheres, como homens, como lésbicas, como gays, como travestis, como usuários de álcool e de outras drogas e como toda a população que respira, vive e precisa de saúde e de qualidade de vida, garantindo a sua educação e também os seus direitos de vida.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu queria agradecer à Carla, ao Cleiton, ao Gerson, ao Paulo e à Evalcilene a oportunidade de termos tido nesta manhã esta discussão sobre as mudanças na estrutura orgânica do Ministério da Saúde no que diz respeito às políticas de enfrentamento a HIV/AIDS.
Foi dito aqui que há uma série de agravos concentrados em um único departamento com impactos diferenciados, com perfis epidemiológicos diferenciados, com forma de transmissão diferenciada, com cronicidade de agravos não estendida a todos. São agravos que carregam diferenças e, por isso, exigem políticas diferenciadas ou políticas que sejam inter-relacionadas e interligadas.
Nós poderíamos aqui falar sobre a incidência de pneumonia ou falar da incidência de câncer, como aqui já foi falado, nas pessoas que vivem com HIV. Poderíamos falar como a AIDS pode elevar o nível de agravo ou de construção que vai se expressar no corpo do doente. Nem por isso nós avaliamos que tem que se juntar tudo em um único departamento, porque são expressões diferenciadas da AIDS que se colocam em cada uma e em cada um de nós.
Portanto, nesse sentido, vamos transformar isso em uma proposta de moção a esta Comissão para que ela se posicione contrariamente à junção de todos esses agravos em um único departamento.
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Precisamos fazer como foi feito na Índia, onde se tinha um tempo para se vincular à licitação das patentes. Lá se estabeleceu a construção de genéricos durante esse período. Aqui houve uma pressa imensa do Governo — à época, o Governo Fernando Henrique Cardoso — para que estivéssemos vinculados à Lei das Patentes e ao acordo sobre as patentes, o que engessou a possibilidade de fornecimento de uma medicação a preços mais acessíveis. Eu falo de AIDS e também do câncer.
Parte substancial da política e dos recursos para o financiamento do enfrentamento a HIV/AIDS é gasta com medicamentos. Poderiam ser medicamentos mais baratos, e sobraria para que se pudesse desenvolver outros aspectos da política que são fundamentais.
A própria terapia medicamentosa tem sido usada inclusive como prevenção e para impedimento de transmissão. Nesse sentido, o medicamento tem um peso financeiro e tem um peso bastante robusto. Eu calculo que seja por volta de 75% — ou por volta disso — de todo o financiamento da política de HIV/AIDS.
Sabemos da importância de se ter outras políticas que possam discutir a prevenção, políticas de educação e outras políticas nessa perspectiva. Sabemos que, a partir do perfil epidemiológico, isso vai envolver inclusive outras políticas. Mas também temos a incidência de políticas em uma população que está sem condições de vida com dignidade ou que está colocada em um grau de hipossuficiência de renda, que é também uma relação com uma série dessas patologias.
Sabemos, por exemplo, que a tuberculose tem grande incidência nas pessoas que vivem com HIV, em alguns povos indígenas, na população carcerária, na população em situação de rua. E sabemos que a população em situação de rua também se vulnerabiliza para outros agravos, como o HIV, a sífilis e outros mais. Não tem sentido uma doença como sífilis voltar a ter esse grau de incidência no nosso País.
Portanto, é preciso entendermos a relação com o conjunto de outras políticas e a participação do movimento social.
Antes de encerrar, vou apenas lembrar que nós faremos a moção. Vamos fazer uma audiência pública para discutir os níveis de estigma e como os estigmas se constroem com relação às pessoas que vivem com HIV. Vamos solicitar uma pauta — a Frente Parlamentar, com apoio desta Comissão. Aliás, vamos fazer isso em conjunto: esta Comissão, a CLP, e a Frente. Vamos solicitar uma pauta e vamos também oferecer um requerimento, Michel, para a próxima reunião a fim de que a CLP solicite essa agenda ao Conselho Nacional.
Por fim, também faremos a diligência que aqui foi sugerida. O Paulo foi bastante feliz ao estabelecer o nexo causal. Esse nexo causal que se expressa, no Rio Grande do Sul, com esse nível de incidência sobre a vida das pessoas, incidência de HIV, de pessoas que vivem com HIV naquele Estado. Nós observaremos a descaracterização ou a não vinculação de recursos diretamente para a política de enfrentamento a HIV/AIDS, que conta com a sociedade civil.
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Todas as melhores políticas de prevenção contaram com a participação da sociedade civil. Eu vou repetir: a Frente de Enfrentamento ao HIV/AIDS tem esse nível de funcionamento pela participação da sociedade civil. Essa frente existe há décadas na Câmara e se revigora sempre, com a participação da sociedade civil, que assegura que as boas políticas não findem com o fim dos governos, mas perpassem os governos e se transformem em políticas de Estado. É, quando a população se apropria das suas próprias conquistas e se apropria dos frutos do seu protagonismo, que nós construímos políticas de Estado.
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