Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Muito bom dia!
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
A audiência pública é resultado da aprovação do Requerimento nº 29, de 2019, de autoria das Deputadas Sâmia Bomfim e Fernanda Melchionna, para debater o tema Enfrentamento à violência obstétrica no Brasil.
Inicialmente, eu gostaria de agradecer a presença das senhoras e dos senhores expositores e demais presentes, que possibilitam a realização deste evento.
Convido para compor a Mesa desta audiência pública as senhoras e os senhores expositores: o Sr. Maximiliano das Chagas Marques, Diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas do Ministério da Saúde; a Sra. Daphne Rattner, Presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento — REHUNA e Professora da Universidade de Brasília; a Sra. Deputada Estadual Janaina Paschoal; a Sra. Paula Sant'Anna Machado de Souza, Defensora Pública do Estado de São Paulo e Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, da Defensoria Pública de São Paulo; o Dr. Alceu José Peixoto Pimentel, Conselheiro Federal do CFM — Conselho Federal de Medicina; o Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente, médico ginecologista e obstetra; e também a Dra. Janaína Gentili, advogada especialista em Direito Civil e membro da Associação de Doulas do Rio de Janeiro.
Gostaria de anunciar a presença da Deputada Estadual Monica Seixas, que veio como convidada da Comissão.
Quero agradecer especialmente a presença da nossa eterna Deputada Rosinha da Adefal, nossa Secretária, que faz um belo trabalho no Ministério em Defesa dos Direitos da Mulher.
Gostaria de esclarecer às Sras. e aos Srs. Parlamentares e aos expositores que a reunião está sendo transmitida ao vivo pela Internet e está sendo gravada, para posterior transcrição. Por isso, solicitamos que sempre utilizem o microfone.
Para o bom ordenamento dos trabalhos, gostaríamos de salientar que adotaremos os seguintes critérios: os expositores deverão limitar-se ao tema ou questão em debate. Serão concedidos 10 minutos para o seu pronunciamento, prorrogáveis a juízo da Comissão. Após a exposição dos convidados, passaremos ao debate. Aos Deputados e às Deputadas inscritas será concedido o tempo de 3 minutos para indagações. Serão permitidas a réplica e tréplica também pelo prazo de 3 minutos. Para responder a cada interpelação, cada convidado disporá de igual tempo. Lembro que os convidados não poderão ser aparteados. Será concedida a palavra aos Parlamentares inscritos segundo os critérios de preferência, quais sejam, autores dos requerimentos, Líderes presentes, membros da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, demais Deputados e Deputadas.
As apresentações dos convidados ficarão disponíveis na página da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
Comunicamos às Sras. Parlamentares e aos Srs. Parlamentares que a lista de inscrição para debate já está disponível com a equipe da Secretaria da Comissão. Aqueles que quiserem fazer a sua inscrição para debater a matéria após a exposição dos convidados, dirijam-se ao apoio ou, se preferirem, levantem a mão para que um servidor leve a lista.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Inicialmente nós temos, como pragmatismo, que as políticas de atenção à gestação, parto e nascimento do Ministério da Saúde estão completamente compatíveis com qualquer texto hoje disponível pela Organização Mundial da Saúde, bem como conversam com os nossos marcos legais e evidência clínica. Nesse sentido, o que se debate são práticas de abuso, desrespeito e maus-tratos durante o parto, conforme definido pela Organização Mundial da Saúde.
Esta imagem mostra a versão em português, mas nós temos a versão em inglês também, que é a original. Tanto em uma quanto em outra, são os mesmos termos. Aquelas supressões são redundâncias de palavras, as quais vocês podem consultar e verificar. No caso de "instituições de saúde", nós estamos falando aqui da Rede de Atenção à Saúde. É só com esta intenção, é este o motivo das supressões.
Por abuso, desrespeito e maus-tratos durante o parto, nós temos basicamente o seguinte: desrespeitos e práticas de violência física, humilhação, abusos verbais, procedimentos não consentidos, falta de confidencialidade, recusa em administrar analgésicos, violações da privacidade, recusa de internação, cuidado negligente e outras pautas que estão cobertas integralmente dentro das nossas políticas de saúde da mulher.
As recomendações da OMS são que nós promovamos desenvolvimento de pesquisas e ações contra o desrespeito e os maus-tratos; que tenhamos programas desenhados para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde materna, o que as nossas políticas têm feito; que possamos promover assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o evento do parto; que tenhamos sistemas de responsabilização e apoio significativo aos profissionais.
Boa parte da pauta diz respeito ao escopo pessoal e às escolhas, portanto à condição de consciência, o que diz respeito inclusive ao exercício profissional e à forma como os órgãos que fiscalizam o exercício profissional conduzem a relação com seus pares, e não necessariamente a políticas do Ministério.
Recomenda também o envolvimento de interessados em melhorar a qualidade da assistência e a eliminação do desrespeito e práticas abusivas.
Como marco de arrancada, nós temos que voltar à Constituição de 1988, à nossa Carta Magna. E estar nesta Casa é um privilégio, porque é daqui que emanam as intenções e os interesses do povo brasileiro.
A principal diretriz do Ministério da Saúde é obedecer à lei. Depois de obedecer à lei, nós temos a evidência clínica como suporte. Nós temos que ter esses dois alicerces como requisitos. Às vezes, nós setorizamos e institucionalizamos discussões que são transversais do Estado brasileiro. Quando se lê o art. 5º da Carta Magna, está-se falando de direitos fundamentais individuais, e um dos direitos individuais fundamentais é que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante. Isso é constitucional, já está previsto nas leis, e tudo aquilo que violar esse tipo de diretriz deverá ter a condução pelos órgãos competentes, não necessariamente o Ministério da Saúde, porque isso é transestatal: permeia todas as políticas, como as de segurança pública, de Justiça, entre outras.
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A nossa Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher tem como premissa promover a melhoria das condições de vida e da saúde das mulheres; e ampliar, qualificar e humanizar a atenção, por meio da garantia dos direitos legalmente constituídos — voltamos à Constituição e a todos os marcos legais que aí estão — e ampliação do acesso aos meios e serviços de promoção, proteção e recuperação. Este é um texto constitucionalista, e nós replicamos isso em termos de política.
Além disso, é um eixo estratégico — hoje é um desafio para o Brasil — reduzir a morbidade e mortalidade feminina e infantil, principalmente por causa daqueles eventos evitáveis. Nós estamos concentrando muita energia para que, no curso da vida e nos diversos grupos populacionais, nós não tenhamos discriminação de nenhuma espécie, e para que aqueles eventos mais prevalentes sejam os prioritariamente abordados.
Além disso, a nossa Rede de Atenção à Saúde, expressa na Rede Cegonha, conforme a Portaria de 2011, assegura à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, assim como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis. Além disso, estamos falando de garantir primeiro contato, do acesso, acolhimento e resolutividade, principalmente no escopo da atenção primária, uma política que ganha muita evidência na atual condução do Ministério e do Estado brasileiro. E, de novo, como desafio de todos nós, a redução da mortalidade materna e infantil a patamares aceitáveis.
Estas são as diretrizes da nossa Rede de Atenção à Saúde, que é nossa política institucional e o nosso fomento nacional. Estão calçadas no acolhimento e classificação de risco, na ampliação de acesso; na vinculação da gestante à unidade de referência e transporte sanitário seguro; boas práticas para parto e nascimento, com segurança; atenção à saúde das crianças, principalmente no ciclo de 0 a 24 meses; e acesso ao planejamento reprodutivo, dentro de uma política mais ampla de atenção à saúde da mulher e à saúde da criança.
Para expressar um pouco os números que temos em termos de Brasil, para atenção ao pré-natal, parto e puerpério, aponto que temos mais de 40 mil Unidades de Atenção Primária de Saúde, pelo menos 4.600 estabelecimentos que realizam o parto, 626 maternidades dentro da Rede Cegonha, 26 Centros de Parto Normal, 23 Casas da Gestante, Bebê e Puérpera, além de 216 Salas de Apoio à Amamentação no País. Além disso, há 162 maternidades habilitadas para gestação de alto risco, 324 Hospitais Amigos da Criança e 225 Bancos de Leite Humano. Essa é a expressão da Rede de Atenção à Saúde, que vai ainda contar com a colaboração técnica do Ministério, na forma de uma série de textos que trazem, depois da discussão legal, a discussão da evidência clínica. Nós nunca, como técnicos do Ministério, vamos nos afastar destas duas premissas: cumprir a lei e sugerir à sociedade civil intervenções que estejam clinicamente evidentes como resolutivas. Esses textos se pautam nisso.
O Ministério tem investido em qualificação do componente parto e puerpério, com iniciativas de qualificação da ambiência. Temos aqui alguns números de iniciativas que estão incursos ou já concluídos, entre instalações de Centros de Parto Normal, Casa da Gestante e serviços hospitalares, além de reformas para a requalificação da ambiência na perspectiva da política nacional de humanização.
Além disso, para aqueles eventos que possam envolver abuso, maus-tratos e desrespeito, há estratégias de escuta e canais de comunicação próprias do Ministério, como a Ouvidoria ativa e o monitoramento telefônico, por meio da Ouvidoria do Sistema Único de Saúde — SUS, ou ciclos de avaliação da rede, que são, no escopo da Rede Cegonha, realizados a cada 2 anos.
Temos ciclos já conclusos, com resultados em 2014 e 2015, e em 2016 e 2017. Quanto aos de 2018 e 2019, como 2019 ainda está em curso, ainda não há esse registro.
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Além disso, temos debatido, com entidades que formam profissionais para assistência ao pré-natal, parto e puerpério, práticas no contexto das políticas públicas e da legislação, como esse projeto chamado Apice On, que envolve 96 hospitais de ensino, com residência em ginecologia e obstetrícia, na qual a pauta é qualificação de atenção ao parto, planejamento reprodutivo e cuidado às mulheres em situações de violência.
No mapa, há a distribuição. Talvez depois, na versão on-line, vocês possam analisar o mapa com maior precisão.
Despontam como desafios, dentro da discussão da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde, a adoção de condutas baseadas em evidências científicas, e não somente em advocacy ou opinativo, que é direito da sociedade civil, mas que não pode ser incorporado como uma prática antes de termos certeza se isso vai produzir resultados, como forma de otimização dos recursos do Erário público e como forma de proteção à vida das pessoas, que é um direito fundamental.
A segunda diretriz é o cuidado centrado na pessoa. Com frequência, observamos retóricas que dizem que o serviço é o centro ou que o território é o centro, quando, na verdade, é o cidadão brasileiro o centro de todas as nossas práticas e de tudo o que fazemos e sugerimos.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Agradecemos ao Sr. Maximiliano as palavras.
(Segue-se exibição de imagens.)
Quero dizer que gostei muito que se dissesse "enfrentamento à violência na atenção obstétrica", porque isso é um reconhecimento de que ela existe. Temos dados, no Brasil, de que uma entre quatro mulheres sofre esse tipo de violência. Contudo, em abril deste ano, foi divulgada pesquisa de recenseamento no México que mostra que a violência é sofrida por uma a cada três mulheres. Em junho, foi publicado estudo nos Estados Unidos que mostra esse tipo de violência alcançando uma a cada seis mulheres naquele país. Portanto, o que podemos dizer a respeito dessa violência é que ela existe, mas varia o percentual, dependendo do contexto: no Brasil, são 25%; no México, 33%; nos Estados Unidos, 17%.
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Como já disse o representante do Ministério da Saúde, o Sr. Maximiliano, internacionalmente temos vários órgãos. Ele citou a Organização Mundial de Saúde, mas eu gostaria de colocar a USAID, a The White Ribbon Alliance e outros órgãos que também trabalham com a violência. Portanto, é impossível dizer que não existe violência.
Eu queria dizer também que essa preocupação com a violência está no DNA da REHUNA. A carta de fundação, de 1993, dizia: "Analisando as circunstâncias de violência e constrangimento em que se dá a assistência à saúde reprodutiva e especificamente as condições pouco humanas a que são submetidas mulheres e crianças no momento do nascimento, queremos trazer alguns elementos de reflexão à comunidade". Hoje trouxemos mais alguns elementos para reflexão acerca dessa questão.
Como é que se desumanizou? Nós achamos, inicialmente, que há uma perspectiva social: a questão de que "parir é coisa de mulher".
Trago uma notícia do Senado, deste mês que passou, do dia 17 de junho: "Preocupação com aumento de feminicídios (...)" Estamos numa sociedade que está convivendo tranquilamente com feminicídios. O número de feminicídios está aumentando, mas é uma mulher que morre. E da própria notícia do Senado saiu este subtítulo: "Para especialistas, é preciso desnaturalizar a violência contra a mulher para prevenir feminicídios. Em 2017, 1.133 mulheres foram assassinadas no Brasil". Vejam que nós temos uma sociedade que é violenta com a mulher.
Eu gostaria de perguntar: vocês acham que a pessoa que imagina que mulher pode ser objeto de violência pratica violência na rua? Vocês acham que ela chega ao hospital e diz: "Não, aqui eu deixo a minha violência do lado de fora, não vou ser violento"? A mesma coisa ocorre com o racismo ou com a pessoa que é racista. Achamos que, no momento em que ela entra no hospital, deixa o racismo do lado de fora? Não deixa. As pessoas que trabalham no serviço de saúde são reflexos da nossa sociedade. Elas cometem essa violência dentro e fora do serviço de saúde.
Eu estou vendo um monte de mulheres balançando afirmativamente a cabeça. É um reconhecimento de que isso é um cotidiano das mulheres.
"Parir é coisa de mulher..." Uma coisa que até hoje não me sai da cabeça é a notícia de que uma menina de 16 anos foi estuprada por 33 pessoas, e até agora eu não vi nada de condenação. Desculpem-me, mas ser mulher neste País nos torna objeto preferido para as violências. Estamos ali, disponíveis.
Há outra razão pela qual se desumanizou. A perspectiva profissional na formação não considera valores como a individualidade. Aprendemos a tratar de doenças, e não de pessoas. Não levamos em conta a individualidade e a cultura. Aprende-se assim: "No caso tal, tratamos assim". No momento em que tornamos isso um caso, deixamos de considerar que se trata de uma pessoa, com uma série de perspectivas de vida.
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Eu gostaria de pedir encarecidamente ao Ministério da Saúde que desse continuidade ao Projeto Apice On, porque 2 anos é muito pouco para mudar uma cultura dos hospitais de ensino. Fica aqui registrado este pedido.
Há uma cultura institucionalizada, sobre a qual já comentei. Eu não me lembro de direitos humanos, direitos sexuais, direitos reprodutivos fazerem parte do que é ensinado. Eu acho que o Apice On pode mudar isso. Contudo, na faculdade, não fazia parte do currículo. E não são ensinadas e não eram ensinadas práticas de humanização.
O que eu gostaria de trazer é que, quando vivemos em uma cultura, nós não sabemos que aquilo é a nossa cultura. O Marsden Wagner era da Organização Mundial de Saúde e usou esse artigo para dizer que os peixes não conseguem enxergar a água. O peixe não sabe que está na água. Ele faz aquilo que todo mundo faz, ele aprendeu daquele jeito. Portanto, quero dar alguns exemplos dessa cultura para a mulher.
O Ministério da Saúde, em parceria com o UNICEF, publicou em 2011 o Guia dos Direitos da Gestante e do Bebê. Eu tenho muita sorte de ser, além de ativista, professora da universidade. Eu participei da banca de doutorado de Luciana Carvalho, no Instituto de Letras da Universidade de São Paulo — USP, no campo da Linguística. O tema era Eu Não Quero (Outra) Cesárea. Em um dos capítulos desse livro, que eu trouxe e estou disposta a emprestar a quem quiser, ela diz o seguinte, nas páginas 70 e 71:
Com base nos textos acima, bem como durante todas as situações em que a mulher é retratada diante de um profissional de saúde, ela assume uma condição de passividade refletida em seus lábios sempre cerrados e pelos braços estendidos ao lado do corpo. É uma mulher que não questiona, não apresenta dúvidas.
O livro fala de direitos, mas a mulher que é representada é uma mulher passiva. O sujeito ativo que fala e aponta é o profissional de saúde.
Isso foi desenhado pelo Ziraldo. Eu adoro o Ziraldo, desde A Turma do Pererê. Mas ele é um homem, e os valores mineiros dele são machistas. Nas imagens, nós podemos ver que o profissional de saúde está conversando com o homem, com o acompanhante, não com a mulher. Ali vemos a profissional de saúde e a mulher parada, passiva. Aqui vemos a mulher passiva, ali vemos a mulher passiva. Vejam, quando falamos em empoderar a mulher, e nós a representamos como uma mulher desempoderada, o que nós estamos fazendo?
Vamos pegar outro exemplo — e este vou ter que ler de perto. O texto foi extraído de um livro de administração em saúde — e agora vamos para outro canto —, de 1984:
Como uma analogia, o corpo humano pode ser considerado semelhante a uma máquina. Seu funcionamento adequado depende de vários componentes físicos e bioquímicos. Ele pode ser comparado com uma máquina de combustão interna com membros em lugar de pistões e sistema endócrino atuando como carburador. Fica super-imposta a função supervisora da mente humana. Similarmente, o corpo humano pode ser encarado como uma unidade humana cuja existência tem propósitos produtivos, potenciais e mensuráveis.
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Um ex-Conselheiro do CFM, com quem nós trocamos muitas ideias, era considerado pelas nossas colegas do um médico humanizado. Fui do Ministério da Saúde. Elas diziam: "Eu tive parto com ele". Sempre que eu o encontrava, ele dizia: "Parto é um evento simples". Eu descobri que isso está no livro do Rezende e é chamado de estática fetal: motor, objeto, trajeto. Motor é o útero, objeto é o feto, trajeto é a vagina. Eu acho que nem o útero é um motor e nem o feto é um objeto, é um ser humano. O útero faz parte de um ser humano. E o trajeto também é um ser humano.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Dra. Daphne, vou pedir que se encaminhe para o encerramento, para que nós consigamos agilizar ao máximo os trabalhos, para passarmos aos debates.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - São 10 minutos e há vários expositores. Peço-lhe, portanto, que se encaminhe para o encerramento.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Peço que conclua esse raciocínio, por gentileza, para que possamos passar para o próximo expositor. Concedo-lhe mais 3 minutos, para que encerre.
O que eu queria dizer? Há essa visão de máquina. Eu trago um artigo publicado na revista Femina, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, que trouxe toda essa explicação do ancestral dos primatas, a classificação dos atuais catarrinos, das pelves de hominídeos, para explicar que na raça humana o desenvolvimento da inteligência criou problemas e riscos para o parto vaginal. Isso foi publicado em 2011. Eu tenho o artigo e posso compartilhar.
Insensíveis? Há aqui um dizer, "good patients and difficult patients". Os médicos ou a pessoa que escreveu pergunta: "Será que nos tornamos insensíveis?" Não, é que nós somos capazes de fazer coisas, depois que somos treinados para ser médicos, de maneira que nós não pensaríamos em fazer se nós não tivéssemos recebido esse treinamento.
Eu vou agora correr, porque nós não temos tempo, mas nós trazemos algumas ideias de mudança e discutimos quais são os obstáculos.
Para mudar esse quadro, temos que estimular os profissionais à reflexão a respeito de práticas e valores embutidos na forma de produção de cuidados; rever a organização da prestação de cuidados; estabelecer um campo de diálogo entre profissionais e usuárias; e empoderar mulheres.
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A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Obrigada pela exposição.
Antes de continuarmos as exposições, eu gostaria de frisar que teremos, no dia 4 de julho, quinta-feira, em homenagem ao Deputado Vilson da Fetaemg, audiência pública para discutir a Marcha das Margaridas, no Plenário 2, no Anexo II, às 14h30min. Todos estão mais do que convidados para estarem conosco nessa audiência.
A SRA. JANAINA PASCHOAL - Muito obrigada, Sra. Presidente. A honra é minha, a de poder estar nesta Casa debatendo tema tão importante.
Cumprimento todas as Parlamentares presentes, todos os Parlamentares, os demais oradores, os cidadãos que nos brindam com suas presenças.
Eu gostaria de destacar que não sou uma profissional da área de saúde, sou uma profissional da área de direito. Então, o primeiro ponto para o qual eu gostaria de chamar a atenção é para o perigo de banalizarmos ou tornarmos muito amplo o termo violência — e aqui tratamos da violência obstétrica. Tenho participado de vários fóruns de debates e noto que existe uma tendência a equiparar agressões que não são passíveis de serem equiparadas dentro de uma mesma moldura chamada violência obstétrica.
Ouvi pessoas, por exemplo, relatarem entristecidas que não puderam fazer o contato pele a pele com o seu bebê. Acho que isso é algo respeitável. É uma dor que eu respeito, mas me parece que é uma dor diferente daquela de uma mãe que, em virtude de uma série de falta de cuidados, tem o bebê que vem a falecer dentro do seu ventre ou tem um bebê que nasce, quando nós dizemos que passou da hora, já ingerindo mecônio. Então, nós temos que tomar um pouco de cuidado para não cair no erro — e aí falo sob o ponto de vista jurídico — de tratar todos os atos que eventualmente venham a desagradar a gestante, ou a parturiente, ou a mulher que acabou de dar à luz, ou a família mais próxima, como uma violência obstétrica passível do mesmo grau de indignação. Este é o primeiro ponto.
Há outra questão muito importante nesta temática. Tenho ouvido defensores dessa integridade da gestante e da parturiente — e fico ao lado desses defensores —, mas vejo defensores apresentarem a cesariana como uma violência obstétrica em si. Isso é um equívoco muito grande. São pessoas que se apresentam como defensoras da autonomia da gestante e da parturiente, mas que só admitem essa autonomia quando a gestante ou a parturiente escolhem fazer um parto normal.
São muitos os depoimentos e textos em que os estudiosos da violência obstétrica dizem que forçar uma mulher a fazer uma cesariana é uma violência obstétrica, e eu concordo com isso.
Porém não consigo compreender como esses mesmos autores afirmam que uma mulher que deseja fazer uma cesariana não pode ter esse desejo atendido. E é isso que eu tenho ouvido e lido, desde que esse debate em torno da tal violência obstétrica se iniciou.
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Em regra, alega-se que essa mulher não tem capacidade de decidir, por falta de informação. Respeitosamente, digo: esse é um discurso extremamente elitista, porque parte do pressuposto de que as mulheres mais carentes da nossa sociedade não são capazes. E essas mulheres são capazes, sim, porque são mulheres que muitas vezes sustentam uma família inteira sozinhas, a partir do seu próprio trabalho. Eu não posso concordar nem aceitar que digam que essas mulheres não têm condição de entender o que é melhor para si.
É muito importante destacar que vigora no País a Resolução nº 2.144, de 2016, que garante à mulher grávida participar da decisão sobre qual será a sua via de parto, parto normal ou cesariana. E todos nós sabemos que parto normal é diferente de natural. Então, essa mulher também pode escolher fazer um parto natural, e eu respeito isso. Ocorre que essa resolução, que vigora no Brasil inteiro, na prática, só é observada na rede privada e na rede suplementar. Na rede pública, as nossas mulheres não têm direito a voz. São mulheres para as quais o parto normal é uma imposição.
E quando nós questionamos a natureza democrática — a meu ver, absolutamente autoritária — dessa tal imposição, o que ouvimos é o seguinte: "É para o bem delas". Será que é democrático olhar para o outro e dizer: "Eu vou fazer em você um parto normal porque é para o seu bem", e obrigar uma mulher que não tem voz, que não tem condições financeiras de sair dali e ir para outro lugar, que muitas vezes não tem o apoio familiar, a passar 20 horas, em alguns casos 30 horas, gritando de dor para fazer um procedimento que um pequeno grupo que se considera iluminado acredita que é melhor para ela? Será que isso é verdadeiramente democrático? Eu entendo que não.
Vejam, os senhores não vão encontrar uma fala minha em que eu tenha dito que cesariana é melhor do que parto normal, ou que parto normal é melhor do que parto natural, ou que parto deitado é melhor ou pior do que parto de cócoras. Eu não entro nesse mérito, não é minha competência. Esse assunto tem que ser debatido entre a própria gestante e o profissional que a acompanha ou a equipe que vai fazer o seu parto. Agora, é assunto meu, sim, como professora de Direito, como advogada e agora como Deputado Estadual, garantir que as mulheres tenham voz, sobretudo essas que menos têm quem as represente, porque elas não têm sindicatos, elas não têm associações. E hoje elas não têm voz.
Muitos foram e são os casos que eu acompanhei, seja como professora de Direito Penal, na ramificação do Biodireito, que é uma das minhas disciplinas na faculdade, seja como advogada de mulheres bastante vulneráveis sob o ponto de vista financeiro, mas com muita vivência. São mulheres muito respeitáveis. Eu não gosto do tipo de ilação de que a mulher pobre é necessariamente uma mulher ignorante. E eu tenho ouvido muito isso.
Temos visto mulheres que sabem o que querem e o que é melhor para si, implorarem para fazer uma cesariana na rede pública e terem esse pedido absolutamente ignorado. E o bebê passa do tempo de nascer, sofre anóxia, que é falta de oxigênio no cérebro, e muitas vezes morre dentro da barriga da mãe ou, uma vez feita a cesariana — e aí, sim, de emergência —, morre logo depois de sair do corpo da mãe.
Há casos — e ninguém gosta que eu diga isso, sei que vai haver debate, por isso vou aprofundar o tema na sequência —, há casos de o bebê não falecer em virtude desse atraso, porém ficar com sequelas, inclusive paralisia cerebral, para o resto da vida. "Ah, mas os dados não mostram!" Vamos falar sobre os dados na hora do debate.
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O que eu quero dizer é o seguinte: o parto normal tem risco, a cesariana tem risco. Se o parto normal tem risco e a cesariana tem risco, e se todo procedimento médico ou fisiológico que possa virar médico ensejam o esclarecimento, a informação, a assunção desses riscos, será que é justo obrigar uma mulher a se submeter a um procedimento que ela não quer? Por que, quando eu digo que a mulher pode escolher fazer cesariana, as pessoas dizem que ela não tem informação? Será que essas mesmas pessoas estão cuidando de passar para as mulheres as informações referentes aos riscos do parto normal, inclusive anóxia?
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu apresentei este projeto de lei, aqui projetado em eslaide. Por que pedi que o projetassem? Porque as pessoas estão falando do meu projeto como se o que está escrito não estivesse escrito. É como se eu estivesse obrigando alguém a fazer cesariana, e só o que estou dizendo é que a pessoa pode — repito, "pode" — participar das decisões referentes a si. Em nenhum momento eu disse que se tem que obrigar as pessoas a fazerem cesariana.
Será que essas pessoas acham que quem escolhe fazer cesariana não tem informação? Essas pessoas estão cuidando de passar as informações para as mulheres que estão fazendo parto normal na rede pública e acreditando que é o melhor para essas mulheres, que muitas vezes perdem seus bebês ou os têm sequelados. Será que essa política é democrática?
Eu entendo que não, mas a situação é pior. Será que é democrática uma política que trabalha com metas, com cotas, com diretrizes, com números, em que os hospitais, para receberem os repasses referentes aos procedimentos feitos, precisam necessariamente diminuir a quantidade de cesarianas? Não estaremos nós diante de uma política pública assassina? Eu entendo que sim.
A senhora ri. Eu respeitei a fala da senhora. Não há problema, pode rir. A senhora vai rir, mas eu vou levar essa briga até o final e vou ganhar, porque eu estou trabalhando pelas mulheres pobres, não por ONG ou associação, nem pelo que eu acho, mas pelo respeito que tenho por quem está na ponta e quer tomar a decisão por sua própria vida. Portanto, podem rir, porque no final quem vai rir sou eu e são elas.
Quando vêm os tais números que apontam que morrem mais mulheres e mais bebês e há mais complicação em cesariana, eles nunca separam a modalidade da cesariana.
Eles nunca separam entre a cesariana a pedido, a cesariana eletiva, que pode ter uma indicação médica, e a cesariana de emergência. As mortes, sejam de mulheres, sejam de bebês, ocorrem principalmente nas chamadas cesarianas de emergência, que são aquelas praticadas depois de horas em que se tenta fazer um parto normal, muitas vezes não desejado pela parturiente.
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Se o parto normal é desejo da parturiente, se ela está sabendo dos riscos, o.k. Eu não estou pedindo para se fazer cesárea em ninguém. Contudo, muitas vezes, a parturiente chega à maternidade e diz que quer fazer uma cesariana, com 40 semanas de gestação, e lhe dizem que não está na hora e a mandam voltar para a casa e esperar a dilatação. Ela volta ao hospital novamente e lhe dizem que não está na hora, e a mandam voltar novamente. Vão internar essa mulher perto de 42 semanas, quando o bebê já está passando do tempo de nascer.
Infelizmente, nós não temos cardiotocos nem estruturas suficientes. Quando percebem que o coração do bebê está fraco, mandam fazer cesariana de emergência. Não raras vezes cortam a barriga dessa mulher na vertical para tirar o bebê na emergência e na correria. Morre o bebê ou morre a mulher, ou o bebê fica sequelado. Eu pergunto: quem tem direito de impor esse risco para uma cidadã brasileira?
"Ah, o seu projeto vai causar prematuridade!" Mentira! Mentira, porque está escrito aqui que só pode ser feito depois de 39 semanas completas, nos termos da Resolução nº 2.144, de 2016, do Conselho Federal de Medicina — CFM. Dizem também que nós precisamos formar equipes, nós precisamos obter equipamentos e nós precisamos preparar o sistema. Eu concordo com tudo, e o meu projeto não impede nada disso. Podem fazer tudo isso, mas, enquanto não fazem, a mulherada vai servir de experiência, de cobaia para essa tal política que se quer impor aqui, não sei em nome de quem. Até quando? Até quando?
"Não, porque tem que formar equipe multidisciplinar, tem que preparar as pessoas, tem que educá-las." Eu acho isso ótimo! É preciso educar, é preciso criar programas de esclarecimento. Ótimo, mas enquanto isso a mulher pobre que chega ao SUS de ônibus com 41 semanas de gestação tem que ficar esperando um parto normal arriscado porque os intelectuais, os formadores de opinião, entenderam que é melhor para ela passar por aquilo? Enquanto isso, esses mesmos intelectuais e formadores de opinião fazem suas cesarianas na rede privada ou os seus partos normais com equipes de apoio, porque, se "isso" aqui der errado, todo mundo vai ser socorrido em menos de 1 minuto. É disso que estamos falando.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Peço que encerre, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Ótimo, depois iremos para o debate.
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Em primeiro lugar, parabenizo a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher pela iniciativa de realização desta audiência pública acerca do enfrentamento à violência obstétrica em nosso País.
Diante disso, na verdade, eu proponho reflexões. Preparei a minha exposição com o seguinte título: Parto digno e respeitoso: quem tem direito à dignidade? Utilizarei como metodologia o exame da figura de linguagem denominada antítese, para que juntos pensemos e possamos contribuir para o bem-estar a ser vivenciado no ciclo gravídico puerperal.
(Segue-se exibição de imagens.)
O tempo dispensado me obrigou a um enfoque. Fiz um recorte e gostaria de fazer uma reflexão, conforme está projetado no eslaide, justamente sobre o verbo projetar. Coloque-se na perspectiva de uma cliente negra — este é o meu enfoque — ou pertencente à cultura afro-brasileira. Ouça, veja e sinta o que ela ouve, vê ou sente. Em outras palavras, se essa pessoa fosse você, você se cuidaria diferente?
Trata-se de uma pergunta retórica. Não tenho a mínima pretensão de ouvir respostas individuais, mas certamente essa pergunta levará para a questão do que é ou não violento, porque esta questão da violência é um sentimento personalíssimo. Para alguns, entenderemos que um ato determinado não foi violento; para algumas, da mesma forma; para outras, entendemos que assim o foi.
Ao iniciar meus estudos, como doula e advogada de formação que sou, e no Direito nós lidamos muito com as palavras, resolvi começar pelos significados delas. O que seria um parto, de acordo com o dicionário? Diante da modernidade — estava eu conversando com o Dr. Alceu sobre isto —, que hoje nos é muito cara, consultei o Google e encontrei no Dicionário Michaelis o significado de parto: "Ato ou efeito de parir; expulsão do feto, placenta e membranas fetais do útero materno". Isso me fez lembrar da fala de uma amiga de infância muito querida, que me disse: "Jana — assim sou conhecida na intimidade —, é melhor cortar em cima do que cortar em baixo".
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Com o advento da Internet, repito, nós mulheres, acompanhantes, pais, companheiros e companheiras, sempre que recebemos um exame consultamos o Google. E não é diferente quando estamos — abre aspas — "tentantes" ou quando já engravidamos. E lá encontramos as mais variadas modalidades de assistência. Daí pensamos: "Bem, eu ouvi dizer que as mulheres são amarradas, que as suas barrigas são empurradas. Mas também, agora, consultando o Google, eu vi outra modalidade de assistência. Ouvi e vi relatos, em blogs de modalidade de assistência no Sistema Único de Saúde — SUS, diferentes daquilo que é ofertado". Existem médicas e médicos que declaram que, há mais de uma década, não realizam determinadas práticas que alguns dizem que são violentas, por exemplo.
A partir daí, quando também leio os relatos dessas mulheres, sinceramente, o que mais me toca é que elas se sentiram abandonadas; que ouviram, ao longo do seu trabalho de parto ou inclusive da sua cirurgia cesariana eletiva, a pedido ou marcada pelo médico, frases cruéis, diálogos inadequados entre a equipe, como se ela ali não estivesse causando, segundo elas e pelo que percebemos, sequelas psicofísicas dessas intervenções, físicas ou não.
No eslaide seguinte, trago-lhes o significado da palavra respeito: aquele "que age com respeito; que trata com atenção; que infunde respeito". Agora, imaginem os senhores uma mulher que sempre ouviu dizer que a modalidade de via de nascimento era uma cesariana marcada ou um parto normal, e diz: "Deus me livre, esse parto só pode ser anormal!" Mas ela pode ter ciência — pela Internet, ou por ter conhecido outra mulher, ou ter participado de roda de gestantes, ou ter ouvido uma educação perinatal, ou ter ouvido outras experiências e outros relatos — tanto das opiniões hegemônicas quanto das opiniões contra-hegemônicas.
Essas mulheres ouviram que estavam acompanhadas — vejam os senhores —, que existe uma lei federal que lhes garantia esse acompanhamento; que esse bebê nasceu sem que a barriga fosse empurrada à manobra de Kristeller, sem episiotomia ou corte perineal, sem que fosse introduzido o instrumento chamado fórceps — confesso aos senhores que, só de ouvir, tenho vontade de cruzar as pernas —, de braços e pernas soltos, alimentadas, caminhando. E pariram, inclusive, na posição que escolheram.
No próximo eslaide, faço uma troca: em vez de falar sobre a figura de linguagem antítese, falo sobre direito. Será que não teríamos direito a uma imagem como esta? Será que não teríamos direito a um acompanhante, a métodos não farmacológicos de alívio da dor?
Será que não teríamos direito a uma modalidade de assistência diferente, a uma tentativa, a uma construção?
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Continuando no eslaide seguinte — e porque a palavra direito, no dicionário, é enorme, eu a resumi, em virtude do tempo, que é meu algoz —, direito, juridicamente, seria "privilégio que a lei permite a alguém". Quem é detentor do privilégio e quem é esse alguém? Ou ninguém?
Os bons costumes, segundo o advérbio, devem ser oferecidos de forma honesta, e não como vimos ou ouvimos, com falsas indicações de cesáreas. Porque, vejam os senhores, em que pese a emergência, a necessidade de uma cirurgia, a indicação médica honesta sobre esta necessidade, mulheres pobres, do SUS, negras, não têm condições de contratar uma enfermeira ou uma babá, e cumular a recuperação de uma cirurgia, que corta sete camadas e faz a sutura, com os afazeres domésticos, de cuidado com bebê e, mais, com o sustento de sua família.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Para encerrar, Doutora, V.Sa. dispõe de mais 3 minutos.
Pergunto: por que as mulheres são vítimas de violência obstétrica, mas as negras sofrem mais? Seria por uma questão de ansiedade inconsciente, que não sabemos explicar? Quando avistamos duas figuras, qual é a escolha que o profissional faz: aproxima-se ou evita? Seria o racismo apenas um xingamento ou seria uma conduta, uma questão emocional de ansiedade, por não sabermos onde nos colocar na situação?
O art. 7º e 8º do Estatuto da Igualdade Racial prevê a informação, prevê pesquisas. Precisamos avançar e continuar nelas.
Assim, pergunto: por que as gestantes pedem cesarianas? Elas pedem cesarianas porque acham o parto anormal ou porque fizeram do parto um evento anormal para que elas escolhessem cesarianas?
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Muito obrigada, Dra. Janaína.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Um dos objetivos meus aqui, Deputada Luisa, é tentar ampliar um pouco o foco. Como sei que é desta Casa que saem propostas legislativas, entendo qualquer proposta legislativa tem que ser bem mais ampla do que simplesmente... E não estou em nenhum momento querendo tirar a importância, por exemplo, da questão relacionada à assistência praticada por profissionais durante o seu trabalho; muito pelo contrário, isto é superimportante. Que isso fique claro para todos, no debate, mas eu quero ampliar esse foco.
Fiquei feliz com a fala do Dr. Maximiliano, que disse que o Ministério está trabalhando numa perspectiva de melhorar a assistência obstétrica, mas é preciso mostrar os números dos últimos anos, para que nós também tenhamos a capacidade de visualizar a violência contra a mulher, principalmente no seu ciclo gravídico puerperal, de forma muito mais ampla do que aquela que enfoca só a questão do trabalho, porque isso minimiza o problema. O problema é muito maior do que isso.
Quero também ver aqui o reflexo da omissão do Estado na garantia de condições mínimas para o acolhimento e devido atendimento. Este tema está sempre escamoteado nos debates. Nunca está colocado de forma protagonista nos debates que temos sobre violência obstétrica.
Portanto, o termo violência associa-se à intenção de causar danos e, se tem intenção de causar dano, não é assistência à saúde, não é assistência médica, não pode ser classificado como tal. Trata-se de situações anômalas. Ali e aqui, eu coloco esse termo. Não posso apontar, mas destaquei na imagem, em negrito, a desassistência. Há situações anômalas como desassistência, desrespeito, agressão, negligência, intervenções desnecessárias ou qualquer outro tipo, que têm que ser visualizadas nessa perspectiva de maus-tratos, mas a desassistência — é o que quero enfocar aqui hoje — precisa ser vista de forma protagonista, e não da forma como a estamos vendo, quando fazemos um debate sobre o assunto.
A Organização Mundial de Saúde não utiliza a expressão "violência obstétrica", mas em seu documento fala sobre a violência praticada contra as mulheres no seu ciclo gravídico-puerperal. Em seus textos, que estão neste endereço, fala também sobre o cuidado negligente que leva a complicações evitáveis, que é a desassistência. Para quem é obstetra há 40 anos, é fácil entender, por exemplo, a situação de terra arrasada que está a assistência ao pré-natal e às nossas pacientes, com a epidemia de sífilis que estamos vendo aí. O Ministério deve ter todos esses números.
As evidências demonstram, é claro, que os procedimentos como fórceps, episiotomia, uso de ocitocina e as cesarianas não devem ser utilizados de forma sistemática.
A manobra de Kristeller, esta tem que ser proscrita. A obstetrícia já ensina isso há vários anos. Manobra de Kristeller não é para ser praticada. Quem a pratica é abominável.
Eu poderia passar um bom tempo aqui falando que nós não podemos esquematizar, por exemplo, o uso de ocitocina, porque existem indicações específicas, como coibir hemorragia. O que eu poderia fazer com uma paciente que tem distócia funcional, se eu não tivesse ocitocina? O problema é quando se usa isso de forma sistemática. Nesta situação aqui, como em qualquer situação de saúde, você tem que pesar custos e benefícios. Quando você usa de forma sistemática, você maximiza os custos. Você só deve usar quando entende, com a indicação específica, que vai maximizar os benefícios. Portanto, de forma sistemática, é totalmente contraindicado.
As evidências científicas mostram isso tranquilamente.
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Nessa situação, mostrada nessa imagem, havia um determinado nível de evidência científica. Nessa outra situação, que é a nossa situação atual, há a demonstração de como se atende a um paciente. Nessa outra, também vai haver mudança no futuro, porque é com esse dinamismo que a ciência evolui.
Quanto à cesárea, eu gostaria de falar que Baudelocque, em 1798, já avalizava bem a relação custo-benefício. Ele dizia: "Nos casos em que o nascimento por via vaginal é fisicamente impossível, a operação tem um risco menor" do que simplesmente deixar a mulher entregue à sua própria sorte. E isso ele dizia num momento em que as mulheres que faziam cesárea morriam mais do que ficavam vivas. Ele pesava a relação custo-benefício, e é isso que se deve fazer em saúde.
A cesárea é um procedimento muito frequente e seguro na atualidade. Todavia, trata-se de uma cirurgia que não é isenta de danos e de riscos. O problema é que está frequente demais. É impossível a situação de epidemia de cesáreas que nós temos aqui. Em nenhum momento estou dizendo — esta é a minha opinião pessoal — que a mulher não deva ter autonomia em relação às opções de escolha sobre qual via de parto se fará.
Marcelo Zugaig, um dos eminentes obstetras da atualidade, disse que não existe a melhor via de parto. Nisso eu acredito também. Ambas têm vantagens e desvantagens. Existe o hábito de dizer que o normal é o parto vaginal. Ele não vê assim. O normal é uma maternidade segura, ou seja, aquela em que o paciente e o bebê vão embora com a família felizes da vida. Essa é que é a maternidade normal.
Essa estatística de cesáreas é antiga, mas mostra claramente que o Brasil é campeão em cesarianas. Esta situação tem que ser mudada. Agora, isso não pode ser entendido simplesmente como um trabalho profissional. Isso tem que ser entendido como uma coisa multifatorial, em que estão envolvidas questões culturais, econômicas e estruturais do sistema de saúde.
Nesse sentido, volto a falar sobre a questão custo-benefício. O problema não é fazer a cesárea, o problema é tornar a cesárea sistemática, independentemente das indicações que deva ter.
O Ministério fala suas normas são guiadas pelos seguintes princípios: humanização, legalidade e evidência científica. A evidência científica é imprescindível para se avaliar procedimento. Eu conversava com a Dra. Janaína Gentili e dizia que, geralmente, em debates extremos tem que se procurar o equilíbrio, e o equilíbrio está sempre entre os dois extremos, não tem jeito.
Quais as outras violências que eu gostaria de apontar, para que fiquem nos Anais deste debate? A violência da falta de leitos. Mulheres perambulam na madrugada atrás de leitos. O Brasil possui hoje 5.878 leitos a menos do que o preconizado pelo próprio Ministério da Saúde. Esses são dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil — CNES, de março deste ano. O Ministério da Saúde precisa corrigir isso.
Essa foto mostra a situação das mulheres nas maternidades hoje em dia. Elas estão no chão. Isso é muito comum na minha terra, em Alagoas. Na terra da Deputada Rosinha da Adefal, isso é muito comum. Isso é uma violência, e essa violência tem que ser coibida. É com esse escopo, é nessa dimensão que eu quero fazer este debate.
Se não bastasse a quantidade a menos de leitos, mesmo não tendo atingido o mínimo definido pelo Ministério da Saúde, o SUS fechou na última década 8.298 leitos obstétricos, tanto cirúrgicos quanto clínicos.
Esses não são dados do CFM, são dados do CNES, é bom deixar isso claro.
Por isso, eu fiquei feliz com a fala do Dr. Maximiliano, porque aponta para uma perspectiva de tentar solucionar essa questão, que é uma questão de quase terra arrasada em relação à assistência obstétrica neste País.
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Outra violência apontada é a violência da falta de pré-natal. Somente em 2016, ano em que a mortalidade materna subiu no Brasil, 610 mil bebês nasceram sem ter recebido qualquer tipo de pré-natal. Esses são dados do Ministério da Saúde. Isso é uma violência que precisa ser coibida. Há a situação da falta de pré-natal, de aumento de sífilis neonatal, de aumento de mortalidade materna, por falta do controle de diabetes e hipertensão, por exemplo. Essas questões têm que ser revistas.
Eu vou falar um pouco da questão da mortalidade materna — e eu peço mais 1 minuto, Deputada —, porque foi noticiada pela mídia neste final de semana. Estamos com os índices de mortalidade materna piorando. Eram 59 óbitos maternos a cada 100 mil bebês nascidos vivos, em 2012, mas estamos agora com 64 óbitos. As principais causas são hipertensão, hemorragia, infecções e complicações do parto.
Isso é uma vergonha para um país que é uma das potências econômicas do mundo! Se olharmos esses dados, veremos que estão compatíveis com os dos países mais subdesenvolvidos que existem no mundo. Isso é uma vergonha, é uma violência que precisa ser coibida!
Eu vou passar adiante e vou dar um exemplo. Neste quadro, eu vou separar três Estados: São Paulo, Paraná e Pará, que apresentam a menor, a média e a maior taxa de mortalidade materna. Isso reflete as condições socioeconômicas e culturais do País e de desenvolvimento. Este quadro, que mostra por região, retrata isso claramente: a Região Norte é a que tem maior índice, e a Região Sul é a que tem menor índice.
Portanto, essas questões têm que ser atacadas, para que nós possamos reverter índices que representam uma violência na assistência materno-infantil.
Mais uma violência apontada é a da falta de UTIs. Muito bebês hoje morrem por falta de leitos de UTI neonatal. São prematuros que ficam perambulando e não conseguem leito.
Para finalizar, Deputada Luisa Canziani, Srs. Parlamentares e demais presentes, o meu objetivo aqui era fazer uma reflexão para ampliar o entendimento do que realmente significa a violência praticada no ciclo gravídico-puerperal e quem são os responsáveis, inclusive os profissionais de saúde, entre eles os médicos, quando isso acontece.
No entanto, escamoteado o debate, a violência que vem sendo patrocinada pela gestão de saúde é evidente na má qualidade de atenção obstétrica prestada à população brasileira. Não dá para discutir violência obstétrica sem colocar a questão da gestão da qualidade dos serviços de saúde, sem penalizar ninguém, colocando-a dentro da perspectiva temporal.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PTB - PR) - Obrigada pela exposição, Dr. Alceu José Peixoto Pimentel.
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11:45
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Eu vou acelerar, porque no convite havia a informação de que eu falaria por 10 minutos, prorrogáveis por mais 10 minutos, mas vou falar dentro dos 13 minutos, tempo que todos seguiram.
Eu não coloquei o título "Violência Obstétrica" porque não concordamos com o termo. O próprio título que trago já diz: Violência institucional no parto.
Aqui eu coloquei uma carta minha — vou acelerar algumas coisas —, publicada no jornal Folha de S.Paulo em 8 de maio, em que mostro o apoio incondicional ao Ministério da Saúde, retirando o termo. E não é verdade que o Ministério da Saúde voltou atrás. Sou também Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro — CREMERJ, e nos posicionamos a favor desse posicionamento do Ministério da Saúde de acabar com o termo.
Como o Dr. Alceu falou, violência obstétrica para nós é isto: falta de leito, mulheres no chão. Isso é o que vemos diariamente. Como Conselheiro, fazemos a fiscalização. E não estou falando de "ouvir falar", estou falando por estar lidando com isso diariamente, porque sou ginecologista, obstetra e Conselheiro. Eu nunca fiz uma cesariana privada na minha vida. A minha vida profissional toda foi pública, antes que venham me falar de conflito de interesses.
A Folha de S.Paulo recentemente noticiou: "Estado de São Paulo registra recorde histórico de mortalidade materna". Com esse "cientismo" e esse ativismo, a única coisa que temos conseguido é isso.
Em artigo meu no jornal O Globo, no ano passado, mostrei por que a mortalidade materna no Rio de Janeiro estava explodindo. Atualmente só temos 4% de pré-natais feitos por obstetras. Praticamente, o número de obstetras que fazem parto diminuiu.
Violência. Aqui mostra nota de repúdio do CREMERJ. Obstetra mulher foi agredida por acompanhante. Ninguém fala disso. Estamos interditando eticamente unidades de saúde no Rio de Janeiro por falta de condições. A Prefeitura está querendo fechar a maternidade Herculano Pinheiro, mas nós agimos e conseguimos impedir isso. Isso é violência obstétrica. Violência obstétrica é, por exemplo, chegar à maternidade Alexander Fleming e não haver obstetra no fim de semana. Aos sábados e domingos, na maternidade, não há obstetra. As mulheres ficam à própria sorte. Para nós, violência obstétrica é isso; no caso, é violência institucional. O resto é ideologia.
Quando se fala que uma entre cada quatro mulheres sofreu a tal violência obstétrica, a primeira coisa que temos que saber é de onde vieram esses dados? Vieram da Fundação Perseu Abramo, que é uma fundação do Partido dos Trabalhadores, ou seja, há uma ideologia envolvida nesta história. Isso tem que ficar claro! Temos que saber de onde os dados vêm.
Há outro pequeno detalhe aqui: o primeiro país que usou esse termo foi a Venezuela. Eu acho que isso já diz muita coisa.
Viés ideológico no parto. Se há estudos, pesquisas em parto e aborto atualmente no Brasil, corram atrás, porque sempre há um viés ideológico. Os pesquisadores são todos contra obstetras, todos contra a cesariana e todos a favor da descriminalização do aborto. Podem ler, podem procurar, não estou inventando nada. Este é artigo meu, em O Globo, sobre isso. Temos que começar a quebrar o fomento para esse tipo de pesquisa.
Publicaram aqui, na BBC, como o discurso ideológico chegou ao parto. Colocaram o meu nome lá, como se eu estivesse associado com o Bolsonaro para destruir o parto humanizado no Brasil. Até gostaria de conhecer o Presidente, mas nunca o vi na minha vida! Portanto, reparem: isso aqui foi veiculado na BBC e replicado pela Globo, uma coisa absurda! Fake news total!
Quando falamos em violência obstétrica, os artigos, que geralmente são todos de autores progressistas, nem definição têm. Portanto, usamos o termo "violência obstétrica", mas não há definição precisa sobre isso.
Episiotomia: "vaginas cortadas sem permissão". Episiotomia é um procedimento médico que às vezes temos que fazer para salvar a mulher. Como é que se vai pedir autorização? Se alguém cair duro aqui, eu vou correr para fazer a massagem cardíaca. Eu vou pedir autorização para fazer uma massagem cardíaca? Isso não existe! É a mesma coisa com relação à episiotomia. Se o bebê vai morrer ou se a mãe vai morrer, eu vou ter que agir. Não há como se pedir autorização.
Isso se chama emergência médica.
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O Estadão divulga: "Não me corta! Mulheres imploram. Mas mesmo assim são mutiladas durante o parto normal". Que loucura é essa, chamar-nos de mutilador? Isso não existe!
Eu coloco aqui ao lado artigo científico que mostra que a episiotomia diminui laceração de segundo grau. Eu não estou dizendo que se tem que fazer laceração em todo mundo, eu estou dizendo que em algumas pacientes, poucas, realmente poucas, temos que fazê-la. E quando fizermos isso, não podemos ser chamados de mutiladores.
O que inventam ser a violência obstétrica. Alguém aqui falou que não pode ouvir falar em fórceps. Gente, se há parto vaginal, há fórceps! Quem faz parto vaginal tem que saber passar fórceps. O que dizem? "Ah, é a natureza. Deixa nascer". Não, problemas acontecem, mulheres morrem! Basta-me lembrar que duas bisavós minhas morreram no parto. E uma das formas de salvar no parto vaginal é o fórceps. Isso não é violência obstétrica.
Olhem aqui o El País dizendo que violência obstétrica é o parto, que cesariana é violência obstétrica!
Quanto ao Kristeller, discordo do Dr. Alceu. O Kristeller, em situações excepcionais, pode, sim, ser utilizado. Mas olhem o que colocam sobre o assunto — e este termo chulo aqui, obviamente, não fui eu que o usei: na página de um ativista se dizia que a prática do Kristeller é o mesmo que subir na barriga da mulher. Kristeller é uma manobra sutil, no fundo de útero da mulher. Qualquer obstetra sabe do que eu estou falando. Não é sentar na barriga da mulher, nem empurrar com o cotovelo.
Aqui, a própria Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia — FEBRASGO, no ano passado, falou que em situações excepcionais se pode fazer o Kristeller.
O Cochrane, que é o instituto de meta-análise mais importante do mundo, em 2017 diz que há incidências insuficientes para concluir qualquer coisa sobre o Kristeller. Como é que se diz que é proscrito e que quem faz isso pratica violência obstétrica? Eu estou trazendo aqui coisas científicas, não são da minha cabeça.
Divulgaram a frase: "Uns pontinhos a mais para agradar o marido..." Inventaram o tal "ponto do marido". Eu nunca ouvi falar nesse ponto do marido. Eu sou obstetra e nunca ouvi falar nisso, nunca ouvi! E dizem que ficamos fazendo ponto nas mulheres para agradar ao marido, marido esse que eu não sei nem quem é. Isso é uma coisa absurda! Isso é para difamar o obstetra.
Na verdade, o que já acontece várias vezes, porque o mundo real é diferente do mundo das ativistas, é que as próprias parturientes às vezes pedem: "Doutor, dá um pontinho a mais aí, para eu voltar como era". As mulheres pedem isso. Não estou falando que todas pedem, mas algumas pedem. Contudo, dizer que o obstetra faz isso é uma coisa absurda!
Fizemos uma Resolução do CREMERJ que proibia o plano de parto irresponsável. O que a mídia fez? Fake news: "Médicos são proibidos de aceitarem plano de parto (...)" Na verdade, proibimos plano de parto irresponsável, que proíbe o médico de fazer coisas que podem ter que ser feitas. A REHUNA, uma ONG feminista, entrou na Justiça e perdeu. A resolução está valendo. No Rio de Janeiro, essa é a regra.
Aqui mostro a minha resolução. Não vou lê-la toda, porque vou perder tempo, mas notem que é a coisa mais sensata do mundo. Nós só proibimos planos de partos irresponsáveis. Isso está na Internet.
Resolução. Plano de parto: "Não permito a presença de residentes (...)". O que é um plano de parto, para quem não sabe? A paciente chega e diz: "Doutor, assine aqui". Então, eu tenho que assinar o que ela diz que acha que é certo. Como é que dizem que não sabemos mais fazer parto e, ao mesmo tempo, proíbem a presença de estudantes?
Olhem aqui, no outro quadro: "Não permito episiotomia em hipótese nenhuma". E se o bebê estiver nascendo, não vamos poder fazer? Isso é um plano de parto irresponsável.
No plano de parto: não pode aplicar no bebê, quando nasce, o colírio para evitar infecção gonocócica. E aí vem a JAMA, de 2019, a revista científica mais importante do mundo, e diz que tem que fazer essa aplicação em todos os bebês que nascem. Seguimos a ativista, seguimos a gestante ou seguimos as evidências científicas?
"A obstetrícia virou uma bagunça!"
Atualmente, fazemos 6 anos de curso, 3 anos de residência, mestrado e doutorado, e qualquer pessoa que faz um curso de final de semana ou leu num blog quer saber mais do que a gente, alegando tal lugar de fala. Saiu ontem na Folha de S. Paulo: "Lugar de fala não pode ser confundido com argumento de autoridade". A própria opinião de especialista tem o menor nível de evidência. E estou falando de especialista, alguém de renomado saber.
"A mulher sabe parir e o bebê sabe a hora de nascer". Será? A Dra. Daphne já apresentou, mas eu vou aqui mostrar. Este é um artigo meu, um artigo científico, em que falo da evolução do parto vaginal. Reparem, no chimpanzé, a bacia e a cabeça; no australopithecus; e numa mulher. O parto é muito complicado na mulher. A fisiologia ainda não é perfeita. Desses milhões de anos, do ereto para o cérebro aumentar provocou isso.
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Agora vou falar em cesariana. O ACOG, comitê mais importante do mundo, diz: "A cesariana a pedido é autorizada", porque não se sabe, no atual nível de evidência, se cesariana ou parto vaginal é melhor. Essa é a realidade. Quem falar diferente está mentindo. Não sou eu que digo, é o ACOG de 2019, que substituiu a Resolução de 2013.
É mentira também quando se diz que a OMS fala em 10% ou 15%. Desde 2016, a OMS não fala mais em 10% a 15%, porque nenhum país mais desenvolvido do mundo obedece a esse negócio de 10% ou 15%. Hoje a OMS fala que deve ser feito em quem precisar fazer. Perfeito!
Não é nem verdade que o Brasil é primeiro, o primeiro é a República Dominicana. Mas reparem que a Coreia do Sul tem uma taxa de cesariana de quase 40% e tem três mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos. Sabem quantas o Brasil tem? Setenta. Portanto, ninguém pode dizer que cesariana é culpa de mortalidade materna.
Fake. Isso aqui a OMS usa, e o próprio Ministério da Saúde usava: "A cesariana aumenta em 120 vezes a probabilidade de risco de angústia respiratória". Eu nunca soube de onde isso veio. Fui pesquisar. Pedi pelo Portal da Transparência, e ninguém me deu. Descobri que veio deste artigo aqui. Reparem que o número 120 vezes está no final, só que se está comparando com quem tem mais de 39 semanas, ou seja, esse dado de 120 vezes é mentira.
"Número de cesarianas cai pela primeira vez no Brasil". Cai, e a mortalidade materna está aumentando. E aí, discordando do representante do Ministério da Saúde — ou de alguém que tenha falado isso, desculpem-me, não sei quem falou —, falo dessa questão desse Projeto Parto Adequado, que é um projeto, na verdade, para diminuir cesariana e aumentar parto vaginal, e muitas vezes às custas de morte materna e de bebê.
Quanto ao Projeto de Lei da Deputada Janaina Pascoal, já se falou sobre isso. Eu o apoio completamente, mas não vou ter tempo para falar sobre isso. Depois, nós falamos sobre o tema. Nós nos conhecemos lá no STF.
E vem a questão do aborto. Parece-me muito ilógico: as pessoas defendem o aborto, mas não defendem o direito de a mulher escolher a via de parto. Isso não faz o menor sentido. Sentido para mim há em quem defenda a vida no parto e a vida na questão do aborto.
Este artigo de Visco e outros, de 2009, se não me engano, mostra que não há diferença entre as vias de parto. A cesariana de rotina com 39 semanas evitaria duas mortes fetais a cada mil nascidos vivos.
Na revista JAMA, a ACOG mostra que, na verdade, o que favorece o parto vaginal é o menor tempo, a angústia respiratória e tal, mas na cesariana há menos hemorragia, diferentemente do que muita gente acha.
O que favorece a cesariana a pedido: menor taxa de hemorragia, transfusão, menos complicações cirúrgicas, menos incontinência e menos mortalidade fetal, além de todos esses outros fatores que estão aí. O que favorece o parto vaginal: menos tempo hospitalar, menos complicações anestésicas, início da amamentação. Sem diferenças detectáveis são esses próximos itens.
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11:57
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Este artigo é o último que mostrarei. Trata-se de estudo feito com 110 mil mulheres. Fala-se do uso de fórceps, que é com parto vaginal. Aqui dizem que não é, mas é lógico que é. A cesariana é mais segura, a cesariana sem indicação médica. Não há nenhuma morte. É uma pena que eu não vou poder explicar todos. Aqui estou falando de morte, de diminuição em UTI, de transfusão de sangue, de histerectomia. Em todas essas, a cesariana sem indicação se manifesta melhor. Quando você junta mortalidade materna e outras morbidades, o parto vaginal se mostra ligeiramente melhor.
Aqui mostra que a mortalidade é maior nos hospitais públicos do que no privado. E, nos hospitais privados do Rio de Janeiro, a cesariana é quase 100%.
A SRA. SÂMIA BOMFIM (PSOL - SP) - Pela ordem, Sra. Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Questão de ordem, Deputada Sâmia Bomfim.
A SRA. SÂMIA BOMFIM (PSOL - SP) - Rapidamente, primeiro eu gostaria de lembrar ao Dr. Raphael Câmara...
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Deputada Sâmia, mas nós não vamos poder abrir, senão nós vamos quebrar todo o protocolo.
A SRA. SÂMIA BOMFIM (PSOL - SP) - Peço 30 segundos, só para lembrar que faz algumas semanas que o STF determinou como crime...
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Nós não vamos abrir a palavra, não, Deputada Sâmia. Deputada Sâmia, nós não vamos poder fazer isso, não podemos abrir a palavra. Eu sinto muito. Daqui a pouquinho, concederei a palavra, porque nós temos que terminar os debates.
Passo a palavra agora à Defensora Pública Paula Sant'Anna Machado de Souza, Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, da Defensoria Pública de São Paulo.
É importante que todos os que estão participando conosco respeitemos as posições de cada um. Nós estamos aqui para um debate. Todos vão ter a oportunidade de falar e de contestar, no momento oportuno. Agora é o momento da exposição. Se começarmos a atropelar isso, iremos perder o tempo desta nossa audiência pública.
A minha ideia de fala aqui é tentarmos responder, do meu ponto de vista, mas também com base na legislação nacional e internacional, se o despacho do Ministério da Saúde, quando diz que o termo "violência obstétrica" é inadequado, não agrega valor, traz prejuízo, tem respaldo no nosso ordenamento legal. É importante dizer que a minha fala vai ser baseada em legislações internas e convenções internacionais. Não é nenhum artigo meu, não é artigo de ativista. É baseada no nosso próprio ordenamento e no que encontramos de convenções.
Quanto ao conceito de violência obstétrica, ainda não temos um PL federal. Nós temos PLs tramitando, mas ainda não temos legislação federal. Contudo, temos legislações estaduais. Vou utilizar o conceito de Minas Gerais, cuja lei considero bem completa. A lei define o que é a violência obstétrica. Para quem quiser consultá-la, informo que é a Lei nº 23.175, de 2018.
A lei prevê, para os fins a que se destina, o que pode configurar violência obstétrica: utilizar termos depreciativos; ignorar as demandas da mulher; recusar atendimento; transferir a mulher para outra unidade de saúde sem que seja garantida vaga; impedir a presença de acompanhante — há inclusive uma lei federal; impedir que a mulher se comunique com pessoas externas aos serviços da saúde, impossibilitando-a de conversar e receber visitas; deixar de aplicar, quando requerido pela parturiente e as condições clínicas permitirem, anestesia e medicamentos ou métodos não farmacológicos; impedir inclusive o contato da criança com a mãe, logo após o parto, ou impedir o alojamento conjunto.
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Portanto, é uma lei bastante abrangente. Eu parto dela para tentarmos responder a esse despacho do Ministério da Saúde, se há ou não embasamento jurídico para o conceito de violência obstétrica.
O importante é que a OMS vai nos definir o que é a violência obstétrica. Inclusive, isto consta do parecer do Ministério da Saúde. Porém, quando o Ministério da Saúde se apropria do conceito da OMS, esquece-se de mencionar, nesse despacho, que a violência vai além. Abrange abusos, maus-tratos — isto, de acordo com a própria OMS —, negligência, desrespeito durante o parto, independentemente de causar dano. Portanto, a conduta trazida pela OMS não liga diretamente a intenção de causar danos. Inclusive, como disse a Janaína em sua exposição, aspectos culturais, racistas, sexistas podem fazer com que essas práticas aconteçam sem que haja a intenção de dano. Como ela disse, há a negativa de anestesia para mulheres negras, o que é uma realidade.
É interessante que esse conceito da OMS está definido no documento chamado de Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde.
O que mais há de tratamento referente ao tema, no plano internacional? É importante que sempre relembremos a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Inclusive, o Brasil a assinou, portanto é obrigado a cumprir o que consta nessa Convenção, em 1994. Os Estados-Partes que a assinaram têm que "eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos". Portanto, o Brasil tem que ter uma atuação positiva, através de fomento de políticas públicas e de atuações que visibilizem que há uma discussão de violação de direitos das mulheres.
Segundo a Recomendação Geral nº 24, também do CEDAW, que é o Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, os Estados-Partes — incluído o Brasil — têm a obrigação de eliminar a discriminação contra a mulher no que diz respeito ao acesso aos serviços de cuidados de saúde durante todo o ciclo da vida, em particular nas áreas do planejamento familiar, gravidez e do período pós-natal.
Não podemos nos esquecer, ainda no âmbito internacional, que o Brasil também assinou a Convenção de Belém do Pará, que define o que é violência sexual, que inclusive abrange o não direito de exercer os seus direitos sexuais e reprodutivos. E não podemos nos esquecer de que o Brasil já é um Estado condenado internacionalmente, no caso da Alyne Pimentel, por negligência e imprudência no atendimento de uma mulher negra e periférica. Portanto, o Brasil já é reconhecido internacionalmente como Estado que viola os direitos das mulheres.
No âmbito nacional, não podemos nos esquecer de que há o Marco Legal da Primeira Infância, ou seja, o direito das mulheres está, sim, casado com a proteção do direito das crianças. Diz o documento que é um direito da mulher o acompanhamento saudável, durante toda a gestação. Assim, é possível concluir que só há um acolhimento humanizado e saudável se for um acolhimento sem violações, sem violência.
Não podemos nos esquecer também de que, no âmbito nacional, há PLs em tramitação. Estadualmente, já temos leis que definem o que é violência obstétrica, em Minas Gerais, em Santa Catarina, em Mato Grosso do Sul e em Pernambuco. São Estados importantes, que visibilizam esse tema.
Não podemos deixar de fazer um paralelo com a Lei Maria da Penha, que também é uma lei que reconhece a violência doméstica e familiar como violação de direitos humanos. E a OMS também reconhece a violência contra a mulher nesse momento de antes, durante e pós-parto, como violação de direitos humanos.
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Também, naquela época, nós tivemos uma discussão de não utilização de violência sexual, patrimonial e psicológica, que hoje está definida na nossa lei, que inclusive é uma das três leis mais avançadas do mundo. Então, isso nos demonstra a importância de nomear, visibilizar, porque, inclusive, quando nós nomeamos, tiramos as mulheres que estão morrendo do silenciamento e criamos políticas públicas através desses termos. Por isso, é importante.
Destaco também que, nesta Casa, em 1996, a Deputada Fátima Pelaes requereu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito com o intuito de investigar a alta taxa de mortalidade materna. Na época, nós estávamos trabalhando com 134 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos. E a CPI a que me referi chegou à conclusão de que 98% das mortes maternas são evitáveis.
Então, nós estamos discutindo aqui que não utilizar a palavra "violência" é continuarmos caminhando para a invisibilidade dessa violência, que mata as mulheres, porque nós não a estamos discutindo.
É importante nós resgatarmos o papel do Ministério da Saúde nessa trajetória, que, a partir dessa CPI, editou a Portaria nº 569, de 2000, que instituiu o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento; editou, em 2004, o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal; e editou, em 2017, as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, que inclusive foram editadas pelo mesmo departamento que fez recentemente esse despacho dizendo que não era possível nós utilizarmos o termo "violência obstétrica".
Então, o Ministério da Saúde vem numa trajetória muito positiva, reconhecendo as violações, nomeando as violações, trazendo práticas importantes. Por isso, nós não podemos esquecer que não é possível reduzir direitos, mas, sim, sempre caminhar para aqueles se somem, para que novos direitos sejam garantidos às mulheres.
Também não podemos esquecer que, naquela época, foi editada também a Portaria da Presidência da República nº 1.459, de 2011, que instituiu a Rede Cegonha, e uma lei federal que também decorre dessa discussão, a Lei do Acompanhante, que infelizmente ainda não é cumprida em todo o Brasil.
E, caminhando para o final da minha explanação, é importante trazer ao debate a preocupação das mulheres sobre outro assunto. Hoje, quando se trata de direitos sexuais reprodutivos, dos seus direitos no parto, antes do parto e no pós-parto, fica apenas no âmbito da mulher escolher entre um parto vaginal traumático ou uma cesárea eletiva. A discussão é anterior. Essas mulheres ainda vivem situações de violações no sentido de que elas não são vistas como cidadãs no momento do parto. Ao não se permitir que uma mulher possa falar, caminhar, comer, se isso não é uma negativa de um olhar de um sujeito de direitos para essa mulher, o que nós estamos, então, reconhecendo sobre o que é a mulher aqui no Brasil?
O debate poderia caminhar, por exemplo, para a importância do Plano de Parto. A OMS traz que o Plano de Parto é o documento mais importante quando nós falamos de combate a violações e violências obstétricas à mulher. É um plano que vai ser construído com a mulher, em que ela vai ser informada, vai saber quais procedimentos trazem riscos para ela e quais não.
Quando nós falamos de autonomia — eu ouvi várias vezes a palavra "autonomia" nesta mesa —, é importante também termos acesso a uma pesquisa chamada Nascer no Brasil, que diz que, no início da gestação, 70% das mulheres desejam um parto normal, um parto sem intervenção, um parto que não seja pela via da cirurgia.
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Então, se nós estamos falando em autonomia, o que acontece com essas mulheres, já que no Brasil mais da metade dos partos são cesáreas? Será que realmente nós temos que caminhar para essa discussão sobre qual procedimento é melhor ou não? Ou nós ainda temos que dar passos atrás para falar que nós temos que enxergar essa mulher como uma cidadã? Temos que ouvi-la no início da gestação, saber qual o parto ela compreende que é o melhor, informá-la sobre os dados que nós temos? E aí, também, depois, peço a quem é médico ou médica que traga dados que mostram que a cesárea causa três vezes mais riscos para a mulher e para a criança também.
E deixo aqui uma dúvida para quem é da medicina. Já que vamos abrir para debate, gostaria de saber se há dados de que a anóxia é ligada intrinsecamente à questão do parto normal, pela via vaginal, ou se pode estar ligada a uma questão genética.
Tenho outra dúvida também. Gostaria de saber se o exame de ultrassom pode errar. O que quero dizer com isso? É possível que no exame de ultrassonografia se identifique que a mulher está de 39 ou 40 semanas, mas, na verdade, há um erro ali de semanas no ultrassom, e essa mulher acaba, então, realizando uma cesárea que é prematura? Faço essa pergunta a quem é da medicina, porque eu tenho conhecimento, apesar de eu ser do direito, de que há estudos que apontam que há essa margem de erro.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Paula Sant'Anna.
A SRA. MONICA SEIXAS - Boa tarde a todos e a todas. Obrigada pela oportunidade de falar. Esta audiência pública julgo muito importante. Eu gostaria que nós debatêssemos mais profundamente o termo "violência obstétrica" e a sua ausência no ordenamento e nas documentações do Ministério da Saúde.
Enfim, nós estamos vivendo um momento em que há um retrocesso e, depois, temos que lidar com outro, com outro e com outro, e já estamos vivendo um pós-momento de publicidade da cesariana como resolução de todos os males da violência, que é institucional, em razão da má-formação de profissionais, da falta de informação e da falta de orçamento.
Nesse sentido, o Ministério da Saúde e a Parlamentar Janaina Paschoal estão bastante alinhados, porque, no sentido de proteger a classe média do termo "violência obstétrica" e da falta de autonomia das mulheres, acho que isso está bem em conjunto, mas, no resto, não. É sobre isso que eu quero falar no final e deixar aqui as minhas perguntas.
Em relação à violência obstétrica e à forma como ela se dá, tivemos uma amostra grátis na fala do Dr. Raphael. Quando ele quer debater conosco as formas de escolher e eleger o parto, ele nos ataca no campo moral, citando, por exemplo, a nossa defesa do acesso ao aborto gratuito e às cirurgias de alteração de gênero. É o que acontece com as mulheres quando elas querem ter autonomia de debater o seu próprio parto: elas são atacadas no campo moral. Esse é um dos exemplos de violência obstétrica que nós queremos debater. E nós queremos que o Ministério da Saúde continue a classificar e criar ferramentas de combate.
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Primeiro, as maiores causas de morte materna — e me corrijam os médicos se eu estiver errada — são hipertensão, hemorragia, infecção e abortos provocados e não assistidos. Certo? Dado isso, a SOGESP — Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo traz um dado público que foi repercutido pelo Ministério da Saúde. Entre os anos de 2000 e 2015, subiu de 49% a 59% o número de mulheres que optam pela cesárea; e, em consequência, subiu 11% o número de hemorragias em mulheres, já demonstrando uma relação quase direta.
Eu vou falar explicitamente sobre os projetos de lei que tramitam na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e agora aqui na Câmara dos Deputados. Nós estamos vivendo juntas uma série de debates e fóruns acerca da forma e da via de partos, da violência obstétrica e da autonomia das mulheres de elegerem ou não a forma de ter o parto. Mais uma vez eu peço atenção dos senhores para a fala do Dr. Raphael, que, em uma de suas frases, disse: "Como eu vou dizer para a mulher que eu preciso fazer um procedimento emergencial para salvar a vida?" Ora, se ela está acordada, se ela está consciente, acredito que, minimamente, quando falamos de autonomia — e é lógico que não quero que ninguém tenha autonomia pela sua própria dor ou pela sua morte —, ela poderia ser avisada sobre o que está acontecendo com ela e o seu bebê e que ela vai ter um corte.
Por falar de mulheres negras, periféricas, pobres, que faz o parto pelo SUS, quero dizer que essa era a minha condição até ontem. A minha condição socioeconômica só mudou recentemente com a eleição. Tive um parto pelo SUS e fui cortada sem aviso prévio. O meu trabalho de parto nem foi tão longo assim. Eu não sei até hoje quais foram os motivos que fizeram o médico optar por isso contra a minha vida e contra a vida do meu filho, até porque, quando o parto terminou, eu não o vi mais. Ele só veio, tirou o bebê e foi embora da sala.
Essa é a situação institucional do SUS. A falta de orçamento, de debate técnico, de acúmulo, leva à falta de autonomia da mulher. Esse é um ponto central.
No que diz respeito aos projetos de leis, quero dizer que nós insistimos nesse ponto de que já existem legislações a respeito tanto no ordenamento federal quanto no ordenamento estadual.
Em São Paulo, a Lei nº 15.759, de 2015, regulamenta o parto humanizado. Em seu art. 3º, inclusive, está prevista a liberdade da mulher de eleger a via de parto, seja cesariana, seja o parto vaginal fisiológico, e tantos outros direitos que sabemos que a mulher tem, como, por exemplo, direito à acompanhante, direito à analgesia, direito de escolher a posição do parto...
E, quando falamos que há uma publicidade à cesariana, nós estamos nos referindo a um artigo do seu PL especificamente, que determina a fixação de uma placa nas maternidades dizendo que o único direito que a mulher tem é escolher a via de parto, seja cesariana ou não, e isso na hora do parto. Poderia ser em outro momento, por exemplo, durante o pré-natal. A assistência do pré-natal poderia já indicar para ela se preparar para isso.
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A cesariana é uma cirurgia complexa, como todo mundo já disse aqui. É um procedimento que salva vidas e que é essencial quando bem utilizado e recomendado pelo médico. E ninguém está dizendo que a mulher deve ser obrigada a ter um parto natural e a sentir dor. Inclusive, o direito à analgesia é um complemento previsto na legislação já vigente. Mas que os PLs que tramitam em ambas as Casas e a legislação vigente deixem em aberto e que seria superimportante nós nos debruçarmos sobre a questão é o acesso à analgesia, farmacológica ou não farmacológica, o acesso a doulas, o acesso a banho etc. Regulamentar isso seria essencial, mas todos os projetos até agora se privam de entrar nesse ponto. Esse seria um ponto adicional até para a eficiência do Estado, a segurança jurídica — nós deveríamos nos debruçar sobre isso —, mas os projetos são rasos.
No que se refere a cesarianas, é preciso lembrar que é uma cirurgia que aumenta em seis vezes a chance de infecção e de retirada de útero, e os danos são cumulativos. É seguro e indicado para a mulher só até três cesarianas. Mais do que isso, ela pode ter mais chance de morte materna em decorrência da fragilidade. É preciso falar sobre isso. É esse tipo de informação que não é dada quando fazemos publicidade da cesariana.
Os números mostram que as mulheres optam por ter menos dor. Além de ter menos dor, ficar sujeita por menos tempo a condições vexatórias de falta de sala, de falta de leito, de médicos atacando moral, verbal e fisicamente e assustando as mulheres já mostra que, na rede particular, onde as mulheres podem pagar, 80% das vias de parto são pelas cirurgias cesarianas. As mulheres pobres têm mais dificuldade de recuperação, porque elas têm que fazer serviços domésticos e não dispõem de assistência. Por isso, as mulheres pobres que fazem cirurgias cesarianas pelo SUS têm mais complicações decorrentes desse procedimento, como pontos rompidos, hemorragias etc.
É preciso falar do ponto de vista de segurança jurídica. Se temos todo esse ordenamento jurídico e se estamos criando novas leis, nós vamos recorrer à qual legislação? Qual lei de fato garante a autonomia da mulher?
De fato, sobre publicidade — o que entendo, agora vou entrar no meu julgamento — e fake news, quero dizer, como jornalista, que os veículos oficiais trazem nos seus sites os números de matrículas do MTB dos seus representantes legais. No caso de mentira ou inverdade, é facilmente processável. Eu acho que essa é uma prática acessível, sabendo quem escreve as matérias. Elas são todas assinadas. Os veículos de verdade, os veículos maiores, eles erram, as matérias podem ser enviesadas, mas, se é mentira, nós temos todas as condições jurídicas, já que estamos aqui numa Casa de Leis, de rebater a informação.
Se existe tudo isso de legislação e se estamos criando mais leis, nós estamos criando um campo de segurança jurídica para quem? Do meu ponto de vista — agora entrando no que eu penso —, estamos apenas protegendo os médicos do debate público sobre o que é de fato a autonomia da mulher de escolher a forma como ela vai ter seu parto.
É importante falar do impacto financeiro. Hoje, pela tabela do SUS, um parto normal custa 1.709 reais, e a cesariana, 2.224 reais. Eu gostaria de saber se pode aumentar diretamente 24%.
Ambos os projetos de lei que tramitam não preveem de onde sairão esses custos. E daqui também já vou falar sobre a visão jurídica. É um conflito de interesses, porque não cabe às Câmaras Legislativas criar custos para o Governo Federal ou o Governo Estadual.
Agora vou falar sobre as coisas que eu ouvi, como "parto normal é uma imposição", "é para o bem delas", "é isso que estamos falando". Não é isso que estamos falando. Nós estamos dizendo que pode ser mais saudável, e ninguém aqui é contra a autonomia da mulher, tanto é que já existem legislações para isso. Mas, por conta de uma série de fatores e negligências, as mulheres não têm a sua autonomia atendida, e o nome disso é violência obstétrica. É por isso que uma coisa está completamente ligada à outra.
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Se já existe legislação que prevê que a forma de parto seja eletiva, cabe-nos cobrar aos órgãos que cumpram as legislações vigentes e, se necessário, gritar que as mulheres estão sendo vítimas de violência.
Nós somos contra uma publicidade desnecessária de uma forma cirúrgica de parto. Diversas vezes, em diversos fóruns, apareceram falas como: "Vamos fazer uma cartilha sobre todos os direitos que as mulheres têm, para que elas possam ficar bem informadas". Inclusive, também sobre o acompanhamento, sobre poder caminhar, escolher não ser cortada, enfim, ser informada do que está acontecendo durante o seu parto, para que não fique assustada diante de procedimentos bruscos.
E quando dizem que a mulher pobre, negra, periférica, do SUS não pode ter voz, ela não pode, de fato, ter voz. Ela não tem voz na hora do atendimento. E é por isso que precisamos brigar para que ela possa ter voz. Mas nenhum de nós é porta-voz da complexidade que é a sociedade brasileira.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Peço que conclua, Deputada, em mais 30 segundos.
A SRA. MONICA SEIXAS - Vou concluir. Diante de tudo isso, se estão unidos no controle dos corpos das mulheres, o que é para mim característica de uma iniciativa autoritária, e tentando eximi-las de poder debater e gritar sobre as violências de gênero que sofrem durante o parto, eu quero saber algo de V.Exas. que são do mesmo partido. No mesmo mês em que o Ministério da Saúde, que é do Governo Federal, que é do PSL, orientou que não se usasse mais o termo "violência obstétrica", ele também assumiu um compromisso público e baixou uma diretriz de combate à mortalidade materna. Na diretriz está a orientação para a diminuição de realização de cesarianas no Brasil.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Agradeço à Deputada Monica Seixas.
A SRA. SÂMIA BOMFIM (PSOL - SP) - Muito obrigada, Deputada Flávia, Presidente da nossa Comissão.
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Eu queria cumprimentar todos os presentes e dizer que o debate foi muito produtivo, trouxe diferentes pontos de vista.
Cumprimento também a minha Deputada Estadual de São Paulo, a Monica. Achei a fala dela excelente, contemplou totalmente o que eu queria dizer, mas vou fazer mais algumas observações. A primeira é para o Dr. Raphael Câmara.
Doutor, a sua explanação me preocupou bastante, porque o senhor parte de um julgamento moral sobre as mulheres que defendem o direito ao parto humanizado e que, porventura, escolham a opção parto normal e não a opção cesariana. O senhor inclusive disse que as pessoas que fazem essa defesa são as mesmas que não se incomodam com a cirurgia de mudança de gênero. Nós não nos incomodamos com isso porque é um direito que já foi, inclusive, definido pelo próprio Supremo Tribunal Federal há alguns anos. Além disso, é responsabilidade do Ministério da Saúde possibilitar o acesso a esse procedimento através do SUS. Eu também gostaria de dizer que o próprio STF, há algumas semanas, reconheceu a criminalização da LGBTfobia, e, no meu ponto de vista, a sua fala foi bastante transfóbica, porque parte do pressuposto de que tenhamos que nos incomodar com as pessoas que, através de seu direito, procuram por esse procedimento. Então, eu gostaria de dar a oportunidade ao senhor de se retratar a respeito disso e explicar um pouco melhor. Caso contrário, o senhor pode ser enquadrado no crime de LGBTfobia, que foi reconhecido há algumas semanas.
A segunda observação é que o senhor diz que não concorda com o termo "violência obstétrica". Mas não se trata de individualmente concordar ou discordar, trata-se de leis que foram estabelecidas no nosso País em âmbito estadual e nacional e também do fato de que a própria Organização Mundial de Saúde reconhece a violência obstétrica como uma das formas de violência contra as mulheres.
Ao representante do Ministério da Saúde eu tenho uma pergunta direta, reta e bem sincera. Esta audiência pública foi realizada principalmente pelo fato de o Ministério da Saúde ter dito que não reconheceria o termo "violência obstétrica". No entanto, a apresentação do Sr. Maximiliano simplesmente não mencionou essa ação do Ministério da Saúde, tampouco explicou por que algumas semanas depois, após muita pressão da sociedade civil, fez a revisão dessa decisão. Se fez a revisão dessa decisão, eu gostaria de perguntar quais são as medidas que estão sendo tomadas pelo Ministério da Saúde para, de fato, fazer enfrentamento à violência obstétrica e qual foi a motivação para que o Ministério da Saúde, no início do ano, dissesse que simplesmente não existe violência obstétrica e que isso não deveria ser reconhecido no País, ao contrário do que preconiza a própria OMS.
Deputada Estadual Janaina Paschoal, a senhora é uma acadêmica, correto? Todos nós sabemos que a senhora é professora da Universidade de São Paulo. Estranhei muito a sua apresentação, sendo bem sincera, porque nela a senhora utilizou elementos como "casos que ouvi", "conheço pessoas", "todas nós sabemos". Não é assim que se faz ciência. Não é assim que se faz política pública. Nós nos baseamos em dados, em números e pesquisas. E as pesquisas indicam justamente o contrário daquilo que a senhora está apresentando, porque dá a impressão de que as mulheres no Brasil estão loucas para fazer o procedimento de cesariana e que tanto os hospitais públicos quanto os privados as impedem de fazer isso, por algum motivo, seja por vontade dos profissionais de saúde, seja porque as mulheres não têm esse conhecimento. No entanto, o que ocorre é o contrário, tendo em vista que 84% dos partos da rede privada e 40% dos partos do SUS, o que dá em média mais da metade dos partos no Brasil, são cesáreas. Então, qual é a motivação de estimular as mulheres a executarem mais cesáreas, uma vez que a própria OMS recomenda que esse número esteja entre 10% e 15%, ou seja, o nosso País está muito acima do que é estipulado.
Não seria isso anticientífico, indo inclusive contra a legislação e contra o que a ciência preconiza? Eu acredito que a senhora, por ser uma acadêmica, por ser bastante ilustrada, provavelmente sabe disso.
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O objetivo desta audiência pública, além de fazer esse questionamento para o Ministério da Saúde, é dizer para as mulheres brasileiras que não é natural que elas passem por nenhum tipo de violência, que elas têm o direito de escolha à vida e que os seus filhos podem e devem ser muito bem cuidados desde o momento em que nascem. Aliás, o próprio pré-natal também é indispensável para que as mães vivam em dignidade e os filhos também possam se desenvolver em dignidade. Então, é lamentável que alguns venham aqui para tentar criminalizar as mulheres que são ativistas, sim, da causa do parto humanizado, do direito ao parto natural, ao parto normal.
Quero também fazer referência a essa ideia de "vamos sorrir por último". Na verdade, vão sorrir por último as mulheres que tiverem direito, tiverem autonomia, não forem violentadas, não tiverem nenhuma parte do seu corpo mutilado, se assim for a sua vontade, quando elas souberem completamente os seus direitos e quando o Brasil conseguir finalmente se adequar às diretrizes internacionais. Fora isso, é só um Fla-Flu que, nesse caso, eu acredito ser completamente desnecessário, porque aqui estamos falando de direito das mulheres, de violência, de bebês, de crianças. Esse fanatismo ideológico, essa caça às bruxas ativistas, no meu ponto de vista, não cabe aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Deputada Sâmia Bomfim.
A SRA. FERNANDA MELCHIONNA (PSOL - RS) - Bom dia a todas e a todos.
Quero dizer que, na nossa opinião, esta audiência é muito necessária. O que nós vimos no dia 3 de maio, quando saiu a portaria do Ministério da Saúde, é uma verdadeira censura institucional, uma censura que não é um raio no céu azul, infelizmente, que não é um fato isolado de um governo que é cada vez mais obscurantista e anticiência. É um governo que tem elementos de um pseudointelectual que vive nos Estados Unidos e propaga uma ideologia antivacina. Nós estamos vivendo vários casos resultantes do não atendimento aos nossos preceitos de vacinação necessária à população.
Mas, no caso das mulheres, ainda é uma questão mais brutal. Nós vemos uma tentativa clara do Governo de se juntar com uma extrema-direita ideológica e ultraconservadora. Na diplomacia internacional, o Brasil está se juntando com países ultraconservadores para tirar a palavra "gênero" das resoluções da ONU. Essa é uma questão que nos envergonha. Quem votou com o Brasil lá foi o Paquistão, a Arábia Saudita e o Bahrein, países conhecidos por práticas medievais contra as suas mulheres. Essa orientação à diplomacia brasileira externa e ultraconservadora também tem repercussões internas nos debates fundamentais dos movimentos de mulheres.
A nossa Deputada Estadual Monica Seixas fez uma bela explanação sobre a realidade das mulheres brasileiras numa questão que envolve pesquisa, ciência e a vida das mulheres. Um dos momentos mais bonitos da vida de uma mulher que planeja tanto a gravidez pode virar um verdadeiro terror por causa das violências sofridas, dos cortes desnecessários, da impossibilidade de entrar o acompanhante junto com a parturiente, seja o companheiro, seja a mãe, seja a doula que ajuda nesse momento, em tantos momentos. Trata-se de violência desnecessária e brutal dizer para uma mulher que não doeu para entrar e agora vai doer para sair.
Há violência na falta de exames. Também é uma forma de violência institucional as mulheres que esperam para fazer o acompanhamento dos seus bebês. Há casos gravíssimos de mulheres que são chamadas para ecografia, Deputada Sâmia, depois do nascimento do bebê — isso é gravíssimo! Há negligência, falta de informações e indução muitas vezes da publicidade, da qual minhas companheiras falavam.
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12:33
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A Organização Mundial da Saúde desde a década de 90 trabalha com o debate da violência obstétrica. Nós temos legislação, como trouxe a Dra. Paula Sant'Anna, que não só está sendo negligenciada pelo Ministério da Saúde, mas, na prática, está sendo vetada. Como vocês acham normal, se a OMS recomenda 15% de cesarianas, média de diversos países, sabendo que um procedimento cirúrgico, que muitas vezes é necessário como exceção, não como regra, evidentemente, pode aumentar em 3,5% os riscos de mortalidade materna, e nós temos 53% de cesarianas, 83% na rede particular?
Poderia dar exemplos na família de mulheres que não conseguiram achar um obstetra que se comprometesse com o parto normal em determinados planos de saúde. Aconteceu! Mas as estatísticas nos dizem — porque nós temos que fazer aquilo que as pesquisas e o movimento de mulheres nos trazem — que uma a cada quatro mulheres no Brasil já sofreram violência obstétrica, conforme dados de 2010, sem atualização para 2019.
Então, preocupa-me muito o achismo, porque é preciso ter dados científicos. Políticas públicas se faz com dados científicos. Preocupa-me muito a censura e uma lógica obscurantista que está tomando conta, infelizmente, do Governo brasileiro, seja na diplomacia internacional, seja no debate doméstico. Mas eu tenho convicção de que a luta das mulheres muda o mundo e que esse Governo reacionário não conseguirá — não conseguirá — acabar com o ímpeto das mulheres que lutam por mais direitos, tanto pelos direitos de igualdade salarial, pelos direitos contra a violência doméstica, como pelo direito de escolher, pelo direito de transformar o melhor momento da vida num momento de felicidade e sorrisos, no sentido, evidentemente, de chegar o seu bebê com a tranquilidade e o desejo daquela mulher.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Deputada Fernanda Melchionna, uma das autoras do requerimento de realização desta audiência pública.
A SRA. PAULA BELMONTE (CIDADANIA - DF) - Bom dia a todos!
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Primeiro, nós estamos falando do nascimento de uma criança que é o futuro do nosso País. Nós não podemos tratar isso com números. Nós temos que tratar isso com muita responsabilidade e sabermos que o momento de uma gestação, o momento de se ter um filho é algo muito especial para uma mãe — muito especial.
Essa criança tem que ser recebida da melhor forma possível. E qual é a melhor forma possível? Que a mãe se sinta segura, que ela não seja obrigada a fazer algo. Essa é uma questão.
A segunda questão é que, antes do parto, existe algo fundamental, que é o pré-natal. Sem um pré-natal bem feito, as consequências de um parto também vão aparecer.
Eu tive seis filhos: três nasceram no Brasil, e três, na Inglaterra. E eu vou trazer aqui para V.Exas. — Deputada Janaina, é um prazer conhecê-la — uma questão que é importante nós colocarmos. Particularmente, eu não gosto de entrar nas brigas partidárias, ideológicas, porque acho que isso não nos leva a nada. Nós temos que olhar com muita responsabilidade o que queremos e aonde queremos chegar.
Nós estamos no Brasil, onde sabemos dos índices de mortalidade, que foram expostos aqui, e eu também vou falar da Europa. Trago, então, esses exemplos. Estou falando da Alemanha, da Inglaterra, da Noruega, da Finlândia, de como é tratado o parto e como eu fui tratada lá.
Primeiro, você faz a opção. Na realidade, eles dão a sugestão de que, se você quiser ter o parto em casa, você o terá com o acompanhamento de uma midwife, que é uma enfermeira. Quem faz o parto é uma enfermeira, não é um médico.
Eu tenho 46 anos, tive um dos meus filhos com 43 anos e tenho um aneurisma. Por eu ter um aneurisma e estar com 43 anos na época, tive algumas consultas com o médico, porque era um caso especial. Quando nós estamos grávidas lá, recebemos — eu posso até trazer para o Ministério da Saúde como exemplo — um plano de parto. Na realidade, como há um sistema único, como o SUS, nós não somos atendidas pelo mesmo médico nem pela mesma midwife. Nós somos atendidas por quem está lá no plantão. A midwife vai saber a sua vida toda, e ali você tem a possibilidade de fazer o seu plano de parto.
Como é esse plano de parto? A pessoa poderá escolher, no plano de parto — o médico me perguntará —, se quer cortar, se quer ter alguém no parto. Vou ter autonomia para decidir se quero parto sentada ou em pé, se quero ouvir música ou não. O que eles colocam é que temos que salvar as crianças. E eles vão monitorar se a pessoa está com glicose alta, se tem diabetes, pressão alta etc. Conforme a situação, a pessoa vai ver o médico ou a midwife.
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12:41
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Vejo que nós estamos com uma população de 7 bilhões de pessoas. Será que as mulheres não estão preparadas para ter um parto, ou será que nós estamos despreparando as mulheres para ter um parto? Eu não tenho coragem, Deputada, é de tirar meu útero, porque tenho uma conexão muito grande com essa coisa "mulher selvagem" dentro de mim. Isso é importante.
Agora nós temos que conectar essa mulher a esse parto normal. Por quê? A Europa toda respeita isso. E nós sabemos que, se olharmos as questões médicas, o parto normal, aquele estresse da criança passando pelo canal vaginal, é algo extremamente importante para a criança, até psicologicamente falando. Ali são liberados vários hormônios. Digo o seguinte: o parto normal é o parto em que a criança e a mãe saem bem. Então, isso é algo que é importante nós falarmos. O parto normal é quando a mãe e o pai saem bem. Pode ser cesariana, pode ser o que for, mas que a mãe e o pai saiam bem do parto.
Há outra questão: a violência. Particularmente acho que, quando falamos de parto, estamos falando muitas das vezes de corporação médica. Isso é algo importante, Deputada Janaina. Vemos na Europa que as midwifes estão fazendo o parto. Se eu disser que faço meu parto sozinha, eu faço. Então é possível pessoas estarem capacitadas para fazer um parto, uma doula pode fazer um parto, mas tudo com responsabilidade. A diferença é que, quando resolvi ter o meu parto na minha casa, eu tinha a possibilidade de, 8 minutos depois, a ambulância chegar. Nós no Brasil não temos isso. Então, nós precisamos ter essa segurança também, que lá eu tenho e aqui, não.
Nós estamos dizendo que parto cesariana é uma opção, e eu vejo também outra coisa. Quando falamos de 2 mil reais, de 6 mil reais para pagar um médico, estamos só falando de um custo, não estamos falando do custo do horário do médico, não estamos falando do custo da medicação. Quero falar com todos os brasileiros. Nós estamos numa situação em que a saúde pública está precisando de dinheiro. Nós estamos precisando de dinheiro.
(Palmas.)
Temos que dizer o seguinte: quem quer ter parto cesariana desde o primeiro momento pague o seu médico. É assim que funciona na Inglaterra ou em qualquer país civilizado lá na Europa. Até então, ele vai tentar o parto normal, com segurança. Depois da segurança, aí, sim, o Estado arca, porque assim é a vida. Nós temos que ter dinheiro para pagar as contas.
Outra coisa, o parto cesariana é muito bom para a mãe que quer ter comodidade e para o médico, porque está marcado o horário. Já com parto normal... Eu tive filho 3 horas da manhã, 10 horas da manhã e 4 horas da manhã. Quem é o médico que quer ficar de plantão? Então, para mim, nós temos que olhar esse direito ao parto com saúde, com responsabilidade. Será que nós brasileiros estamos certos, e a Europa inteira está errada? Será que um país como a Inglaterra, que dá um sistema único de saúde para as pessoas gratuitamente, está errado? Vamos comparar os índices.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Peço para que conclua, Deputada.
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12:45
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A SRA. PAULA BELMONTE (CIDADANIA - DF) - É importante dizer que violência, Deputada, é chegar a um centro obstétrico e ver as mulheres em trabalho de parto em cima de uma cadeira de alumínio, como vi aqui em Brasília. Isso para mim é violência. Para mim é violência essa mulher ser atendida com grosseria por qualquer pessoa que seja.
Então, na realidade, a violência está nas pessoas que atendem. Portanto, nós temos que melhorar os nossos profissionais. Nós temos que ter em mente que o nascimento de uma criança é o nosso futuro, e não uma brincadeirinha. E é assim que tem que ser tratada a criança por inteiro. Eu sou uma grande defensora da primeira infância e acho que o País tem que ser responsável, sim, pelo pré-natal e o nascimento da criança com qualidade, e que a mãe se sinta contemplada. O Estado paga o que ele pode pagar, mas não obriguem as pessoas a pagarem o que não podem. O médico que quiser trabalhar com cesárea, que o faça no particular.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Com a palavra a Deputada Carla Zambelli.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - Obrigada, Presidente.
Eu tenho algumas perguntas, primeiro, para a Dra. Janaina Paschoal. Dra. Janaina, a senhora usou a expressão política assassina. Gostaria que a senhora explicasse melhor essa expressão. A senhora falou também sobre a questão da paralisia cerebral. Gostaria que a senhora falasse um pouco mais sobre isso.
Gostaria ainda de perguntar aos médicos se o parto normal seguido de corte de períneo pode atrapalhar a vida sexual da mulher. Também gostaria que falassem sobre a questão da incontinência urinária e a possibilidade de se ter que fazer, de repente, uma reconstrução do canal vaginal, do ânus etc.
Esta semana, eu conversei com algumas mulheres que tiveram parto normal. Eu também tive parto normal na rede SUS. Não sou negra, mas tive parto normal na rede SUS, porque não tinha dinheiro para pagar. Seguraram o meu parto até a 42ª semana. A minha placenta estava bastante cristalizada, e o bebê não engordou nas últimas três semanas. Meu filho tem sérios problemas respiratórios até hoje. Eu fiquei em trabalho de parto das 7h30min da manhã às 22h40min. Pedi que fosse feita a cesárea, mas não me atenderam. Tive um princípio de depressão pós-parto, porque suportei muita dor, sem nenhuma analgesia. Eu pedi diversas vezes que fosse feito o parto cesárea, e disseram que não podia.
Eu gostaria de saber se esse é um procedimento normal — isso foi em 2007, no Governo Lula —, ou se deveria ter sido feita outra coisa no meu caso. E se isso continuar, o que nós podemos fazer para alterar essa situação? Por que não foi feita analgesia no meu caso, se eu estava com dor desde às 12h até às 22h40min?
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12:49
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Se em 88% dos casos, na rede privada, é feito parto cesárea, e na rede pública, 46%, por que ainda continua havendo muitos e repetidos casos como o ocorrido com a esposa de um colega meu, que, já na 41ª semana, ao ir à rede SUS aqui em Brasília, lhe diziam que ainda não estava na hora e a mandavam repetidas vezes para casa. Isso foi há 1 mês. Eles acabaram indo para Luziânia, endividaram-se e fizeram o parto cesárea na rede privada, porque a rede pública não aceitava.
Eu achei interessante a palavra da Deputada Monica: acabamos obrigando as mulheres a terem parto normal por causa do custo do parto cesariana. Eu, pelo menos, senti-me bastante obrigada a fazê-lo. Acho que tem que ser dada essa oportunidade às mulheres. Se eu acredito, e aí eu chamo até a esquerda para dialogar nesse sentido, que meu corpo são minhas regras, acho que deveríamos dar à mulher a opção pelo parto cesárea. Por exemplo, eu estava numa sala com oito mulheres, e em nenhum dos casos foi dada a oportunidade de cesariana. Elas também não tinham informação. Eu me considero uma pessoa com formação boa, sempre fui de classe média, sabia dos meus direitos. Minha mãe não pôde assistir ao parto, e eu fiquei sozinha, porque o hospital estava em reforma. Não pude optar pela cesariana e não me deram analgesia, nem no pique do períneo. Para costurar-me, usaram spray de xilocaína, ou seja, senti dor do mesmo jeito. Eu não sei se vocês sabem o que é spray de xilocaína, mas eu senti dor da mesma forma. E eu queria ter a opção de fazer a cesariana. Se eu engravidasse de novo, tentaria o parto normal, porque eu queria parto normal, mas chega um momento em que, mesmo querendo parto normal, há sofrimento demais, e não se quer sofrer desse tanto.
Eu acho que nós poderíamos dar publicidade, sim, Deputada Monica, porque há muitas pessoas que não sabem que têm essa possibilidade. Eu levei o projeto da Deputada Janaina Paschoal para ser apresentado na esfera federal. E, conversando com a Deputada, nós decidimos colocar aqui a possibilidade de a mulher escolher entre o parto normal e a cesárea. É preciso conversar com o médico. Não dá para a mulher continuar sem ter a opção da cesárea. E, para isso, é preciso, sim, haver a publicidade necessária.
Outra questão, entrando na defesa do Dr. Raphael, é que eu não entendi, Deputada Sâmia, que ele teve algum tipo de homofobia, nem praticou crime homofóbico. Acho que ele quis dizer o seguinte: se as pessoas defendem a possibilidade de mudar o sexo, que se trata de uma cirurgia complexa, por que não a cesárea? Por que uma pode, e a outra não? Por que pode o aborto, e nesse caso a mulher pode escolher, e não pode a cesárea, porque a mulher não pode escolher? Eu darei a V.Exa. o direito de resposta depois. Entendi o que ele disse. Uma cirurgia para mudar de sexo é tão complicada ou mais complicada e tem um custo tão grande quanto uma cesárea. Se nós formos falar de custo, qual é o custo, então, de um aborto para a rede pública? Se defendem tanto o direito da mulher em fazer um aborto, por que não defendem também o direito da mulher em fazer uma cesárea?
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12:53
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Eu não quero entrar em temas ideológicos, mas, se formos falar em Irã, Iraque etc., o Governo que mais se aproximou do Irã ou desse pessoal que, enfim, tem um atraso na sua saúde, na sua educação, nos direitos das mulheres — querem mais falta de respeito aos direitos das mulheres do que a mulher ter seu clitóris cortado? —, quem se aproximou desses Governos foram o Lula e a Dilma. O Bolsonaro quer distância disso. Então, acho que o Bolsonaro está, sim, querendo defender os direitos das mulheres.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - A Arábia Saudita também.
Se nós falarmos sobre o que é normal, eu termino dizendo o seguinte: normal é você poder escolher. Normal é eu poder escolher, como mulher, como eu quero o meu parto. E eu continuo querendo parto normal. No entanto, em um momento de dificuldade, eu quero poder fazer cesárea onde quer que seja, no SUS ou no privado.
A SRA. SÂMIA BOMFIM (PSOL - SP) - Sra. Presidente, eu peço a palavra, porque fui citada. Serei breve.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Vamos abrir o debate, desviar do assunto, mas V.Exa. pode falar, Deputada Sâmia Bomfim.
A SRA. SÂMIA BOMFIM (PSOL - SP) - Eu vou ser breve. Ela mesma sugeriu que eu comentasse depois.
Na verdade, o Dr. Raphael dizia em sua exposição que aquelas mulheres que defendem o direito ao parto normal são as mesmas que não se incomodam com a cirurgia de redesignação sexual, de alteração da genitália em virtude da identidade de gênero. A questão é que essa opção não tem nada a ver com o direito a fazer essa cirurgia, e foi isso que eu quis dizer quando afirmei que o doutor havia sido transfóbico na sua fala.
Veja, aqui estamos falando do direito de as mulheres conhecerem o seu corpo, a sua sexualidade, todos os métodos possíveis para dar à luz, o direito ao acesso a um pré-natal amplo etc. Quando nós falamos sobre a cirurgia de redesignação sexual, nós falamos de algo que já foi julgado pelo STF, que inclusive hoje é uma prática que o SUS, se não garante, deveria garantir.
Então, não se trata da mesma chave moral, porque aqui nós não estamos falando de um debate moral sobre utilizar ou não essa cirurgia. Nós estamos falando do direito de escolha da mulher. O fato é que hoje as mulheres não têm o direito de escolha do parto normal, e é por isso que nós, inclusive, fazemos uma cirurgia como essa, e a maioria delas sofre inúmeras violências antes mesmo de chegarem ao processo do parto, e, no parto, uma a cada quatro sofre essa violência.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Peço que conclua, Deputada Sâmia.
A SRA. SÂMIA BOMFIM (PSOL - SP) - Era só isso.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Tem a palavra a Deputada Talíria Petrone.
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Obrigada.
Vou tentar ser rápida. Fala-se em escolha, mas a escolha se insere em um contexto. Não dá para descolar a escolha da realidade do parto no Brasil, de parir no Brasil. Muitas vezes a gravidez é o momento mais esperado pela mulher. É, inclusive, muitas vezes romantizada, escondendo-se as dificuldades, as dores, os limites que são impostos à mulher ao ser mãe. E, é óbvio — as evidências explicitam isso —, não é fácil parir no Brasil, também a escolha do parto normal não está colocada, em um momento em que temos um ranking de cesariana muito acima do observado e proposto pela OMS, que é de 15%.
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12:57
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Não há a escolha de fazer parto normal no Brasil. Inclusive, isso fomenta, como já foi dito, as grandes empresas, tão envolvidas com o negócio que, muitas vezes, virou o parto. Não é fácil parir no Brasil, e isso é verificado com os índices assustadores de violência obstétrica.
Uma, de cada quatro mulheres, já vivenciou coisas do tipo: "Não chorou para fazer, vai chorar para parir". Nesse contexto, há negação de informação, procedimentos desnecessários, inclusive para acelerar o parto, e o médico ir logo embora. Não é fácil parir no Brasil, em especial para mulheres negras e periféricas. Não é fácil parir no Brasil, pois percebemos que é absurdo o índice de mortalidade materna. De trinta e poucos para 100 mil, se eu não me engano. Mas aqui temos 63 para 100 mil. Sessenta por cento dessas mortes maternas são de mulheres negras. E sabemos que a mortalidade materna, pensando cientificamente, em termos médicos, é quase sempre evitável, inclusive deveriam ser todas investigadas. Não há como falarmos de escolha descolando desse diagnóstico grave. É preciso inserir uma coisa mais global. Há desmonte no SUS, que promove negação de informação, inclusive dificulta o trabalho dos próprios envolvidos, como as enfermeiras, os médicos e as próprias doulas.
Eu termino com uma grande preocupação. Parece-me que quem é contra o incentivo ao parto normal, que é natural, pois o bebê sabe nascer, e a mulher sabe parir, é antievidência, é anticiência, rompe com acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário no enfrentamento à discriminação e à violência contra meninas e mulheres. Rompe com acordos internacionais de enfrentar a violência de gênero, bem como com determinações internacionais de que é natural e normal parir e nascer.
Já temos graves índices quando a mulher não quer parir, esse é outro debate, e a mulher também enfrenta muitas violências, em especial as periféricas, quando vai parir. É fundamental fortalecermos o conceito, a categoria violência obstétrica, inclusive, já em 2014, determinada pela OMS, e avance nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Este Governo é anticiência, antievidência e, lamentavelmente, tem rompido com os acordos internacionais que garantem os direitos das mulheres.
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Penso que sempre temos que trabalhar com evidências científicas. Não é à toa que o próprio Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde recomendam o parto normal, porque é um parto que deixa menos sequelas e é mais natural. Teríamos que ampliar os direitos das mulheres para que pudesse haver oportunidade de partos domiciliares.
Eu tenho três filhos. Meus dois filhos mais velhos nasceram em partos domiciliares, dentro de casa, e um sem assistência médica. E foi uma das coisas mais belas, eu diria. Obviamente se exige um pré-natal, que é absolutamente fundamental, e um pré-natal bastante rigoroso. Mas é muito importante podermos optar, porque é um momento único, é um momento em que se traz uma pessoa à vida. E nesse momento não se pode ter uma associação com qualquer tipo de violência.
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Demorou muito tempo, no Brasil, para haver o entendimento e a tipificação da violência obstétrica. Por muito tempo, foram naturalizadas as violências que a mulher sofria na hora em que ela se tornava mãe. Foram naturalizadas! Ao serem naturalizadas, não eram identificadas enquanto violência. Com a dor da própria mulher de ser impedida de exercer uma humanidade que pressupôs a condição de sujeito, que se identificou que havia uma violência obstétrica que deveria ser combatida.
É um retrocesso grande quando se busca reconceituar a violência obstétrica ou tirar o conceito de violência obstétrica. Existe a violência obstétrica! Há a violência obstétrica quando a mulher não tem a possibilidade de participar de sua própria construção do parto, quando, às vezes, atada, tem que se submeter a um parto que não é vertical, pois o menino sobe uma ladeira para poder vir ao mundo. O natural seriam os partos verticais, no qual a mulher pudesse ficar de cócoras ou ajoelhada. Esse é um processo natural. A partir de uma indumentária e de uma condição de nobreza, os partos deixaram de ser verticais e passaram a ser partos deitados. A mulher, muitas vezes, não pode ser dona da sua própria dor. Ela não pode expressar a sua dor porque é reprimida se disser que está doendo.
Portanto, a mulher é tratada como coisa, como objeto. Ela é violentada, em grande medida, no momento mais belo e vai interferir inclusive na maneira como a criança chega ao mundo. A criança tem que chegar ao mundo, sentindo-se acolhida, cuidada. Isso pressupõe cuidar e acolher as mães e o momento do parto.
Em Brasília, houve uma tentativa de fechar a Casa de Parto de São Sebastião, porque não há um médico obstetra mas há a enfermeira obstetra. Não é preciso, necessariamente, haver um médico. Os estudos pontuam, havendo pré-natal, que em grande parte dos partos os bebês podem nascer sem qualquer tipo de assistência. A assistência que se exige de um médico, por exemplo, não passa de mais de 1%. É preciso haver a humanização e dar à mulher a condição de viver uma humanidade que pressupõe a condição de sujeito e a liberdade. Isso significa que a mulher tem que ser escutada. Ela tem que entender o que estão fazendo com o corpo dela, quais são os procedimentos. Ela não entende, muitas vezes, porque tem que deitar para fazer um toque, não entende o que está acontecendo com ela mesma. Isso é um douto saber de negar à mulher a condição de compartilhar de um momento que é único.
O meu primeiro filho nasceu de olhos abertos porque nasceu no escuro, porque nós tratamos de vedar todas as luzes. Ele nasceu ao som da música Ode à Alegria, de Beethoven, pois queríamos dizer: você é bem-vindo e acolhido. Nós estamos aqui para acolhê-lo, para que você se sinta cuidado e em condições de exercer uma humanidade que pressupõe direitos, liberdades e condição de sujeito.
Por isso, é preciso identificar a violência obstétrica e combatê-la de todas as formas.
E isso só se combate quando a mulher tem a oportunidade de ser dona dela mesma, do seu próprio corpo e do parto, o que faz com que coloquemos uma nova pessoa no mundo. Assim, poderemos dizer que está acolhido, está bem-vindo e está querido e podemos ter essa coisa que só o ser humano tem: se não for cuidado, não sobrevive e, se não for cuidado a vida inteira, não vai sobreviver.
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13:05
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A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Quero registrar a presença da Deputada Áurea, da Deputada Greyce, que está grávida, e da Deputada Carmen Zanotto, que já está se inscrevendo.
A SRA. BIA KICIS (PSL - DF) - Boa tarde a todos.
Janaina, amiga querida, é um prazer revê-la aqui! Cumprimento todos os integrantes da Mesa, a nossa Presidente, a Deputada Flávia Morais, e todos aqueles que estão nos ouvindo.
Sem dúvida alguma, este é um tema muito importante, mas me chamam a atenção, como mulher e como mãe de dois filhos, certas colocações que parecem estar demonizando os médicos, quando, na verdade, os médicos são pessoas que dedicam sua vida para salvar vidas, são pessoas que fazem o juramento de lutar e de usar todas as ferramentas necessárias para salvar vidas. Eu tenho profundo respeito pelos médicos e quero dizer que nós temos que ter cuidado para não criar essa falsa perspectiva de que nós mulheres estamos contra os médicos, porque precisamos deles.
Eu, como mestre de Reiki, tenho muitas alunas que são doulas, ajudo no relaxamento de pessoas e trabalho com gestantes. É um período maravilhoso na vida da mulher o da gestação.
Eu tive dois filhos pelo método da cesariana. Embora tenha feito yoga para gestantes, tenha me preparado para ter um parto natural, sofri um rompimento de bolsa e tive que fazer um parto cesariano. Graças a Deus, pude contar com um excelente obstetra que fez com que o meu filho pudesse chegar ao mundo em segurança e eu ter a segurança de ficar saudável também. O meu segundo filho também nasceu de uma cesárea. Isso independeu da minha vontade.
Então, nós temos escolhas. É importante que a mulher tenha escolha, mas é muito importante que não se queira forçar o parto normal, porque, como disse a Deputada Paula Belmonte, o parto é normal quando tudo acontece de forma natural. Se a mulher puder ter um parto de pé ou de cócoras, que seja, mas, se ela tiver alguma dificuldade, é fundamental a intervenção. E nessa hora ela vai saber que não há nada melhor do que a segurança de ter um bom obstetra ao seu lado, uma boa equipe de enfermagem e tudo mais. Portanto, acho muito importante nós termos essa consciência.
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13:09
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Eu defendo as mulheres, as defendo a ponto de, por exemplo, ser totalmente contrária a que um jogador transexual possa participar de um time de vôlei ou de outra modalidade feminina, porque quem defende isso não está defendendo as mulheres, está defendendo uma ideologia. Então, vamos ser coerentes com aquilo que defendemos!
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Deputada.
A SRA. CARMEN ZANOTTO (CIDADANIA - SC) - Obrigada, Deputada Flávia. Eu quero saudar V.Exa., saudando todas as colegas que compõem esta importante Comissão e as proponentes desta audiência pública. Quero também saudar os nossos convidados e justificar o meu atraso. Nós estávamos no Senado juntamente com as entidades que defendem a pessoa com autismo, porque o nosso projeto de lei para inclusão do autismo no Censo de 2020 foi retirado da pauta na semana passada, e a estamos trabalhando para que ele retorne para o plenário e possamos então ter no próximo censo um levantamento sobre os portadores de autismo.
Vou falar aqui um pouco na condição de enfermeira. Eu atuei em centros cirúrgicos, em centros obstétricos, em salas de pré-parto, na época em que se dizia que era o muro das lamentações a sala onde as mulheres ficavam.
Onde está o grande problema do País? Aqui quero declarar que sou defensora do Sistema Único de Saúde, reconheço os avanços do Sistema Único de Saúde, mas também sempre reconheci os gargalos que nós temos em especial na rede pública.
Nesta Casa eu aprendi, numa das nossas reuniões da Comissão de Seguridade Social — a Deputada Flávia deve lembrar —, em uma Subcomissão que tratou da saúde da população negra, como enfermeira, professora e gestora, que há racismo institucional, aprendi que as nossas mulheres negras morrem mais do que as brancas, porque nós nas instituições de saúde dedicamos menos tempo de atenção àquela mulher, bem dentro das nossas casas, dentro das nossas maternidades públicas ou privadas. Foi com muita dor que eu aprendi isso com aquelas pesquisas e senti muita angústia por nunca ter ensinado isso às minhas alunas.
Daquele momento em diante, assumi o compromisso de que, em todas as oportunidades, iria falar que a mortalidade materna das mulheres negras é muito superior à das brancas, com o mesmo número de consultas pré-parto e mesmo domicílio. Isso não ocorreu porque elas não tiveram o atendimento pré-parto durante as suas sete consultas, e, sim, porque não tratamos desse tema da forma como precisávamos tratar.
Também discutimos muito nesta Casa a questão das taxas de cesariana versus taxas de parto normal. Na condição de enfermeira e gestora que fui, sei que não é por portaria ministerial que reduzimos as taxas de cesáreas, porque nós sabemos que nas unidades também existem cesáreas prévias. Por isso, este assunto não é tão simples como pode estar parecendo ser.
O que é cesárea prévia? Por exemplo, a minha gestante é a que eu acompanho durante todo o período gestacional. Eu marco as cesáreas para que aconteçam no meu plantão, independentemente do início do trabalho de parto. Eu fiz a programação, mas acreditem, senhoras e senhores, eu tenho a UTI neonatal lotada, porque ainda não era o momento adequado para o nascimento das crianças.
Mas por que não resolvemos as taxas de cesarianas divulgadas pela Organização Mundial de Saúde?
O tema é um pouco técnico — e não sei o que foi colocado aqui — e precisamos discuti-lo muito porque temos iniciativas parlamentares que foram apresentadas. Com certeza, compreendo a intenção das nossas autoras, inclusive da nobre Deputada Janaina — e já tive oportunidade de conhecê-las em outros tempos aqui na Casa.
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13:13
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Por que nós ficamos com mulheres no sistema público de saúde, em especial, aguardando a cesárea, e o trabalho de parto normal não evolui? Primeiro, a qualidade da atenção obstétrica das nossas gestantes tem que avançar muito. Quando digo avançar muito, refiro-me à enfermagem, junto com a equipe médica e com outros profissionais que fazem parte desse quadro.
No Canadá, por exemplo, praticamente não há cesárea. As taxas são baixíssimas, mas o acompanhamento daquela gestante é outro — e ainda não dá para comparar com o nosso. Então, nós temos cesáreas marcadas sem necessidade e temos mulheres que precisam de cesárea que não conseguem marcá-las, porque o índice de cesárea daquele hospital já foi atingido. Se eu fizer mais uma, aquela conta vai ficar parada, e não posso faturar. É por isso que digo que não existe a lógica de discutir a solução do problema por portaria, dizendo que só se aceita até 30%, 35%, 40% de taxa de cesariana. Nós precisamos resolver o problema. Não é a solução final que nos ajudar, e aí vemos as mulheres sofrendo, sim, violência dentro das nossas instituições, que é o trabalho de parto evoluindo. Não vai para o parto normal, não dá para ser parto normal, e chega-se ao extremo, e o extremo muitas vezes leva nossas crianças a ter sequelas.
Eu sou irmã de mais sete e não sou a última, eu sou uma das últimas. Todos os demais partos da minha mãe foram com parteira em casa. No caso do último filho, que é o meu irmão Alciro, a minha mãe foi para a maternidade. E ela dizia: "Está passando da hora, está passando da hora." E a mãe não fez cesárea naquela época, há 50 anos. Resultado: nós temos em casa um menino lindo. Eu digo menino, porque ele é o nosso menino, mesmo sendo um homem adulto. Quando alguém liga para a minha casa e diz que quer falar com a Carmen, ele sabe se a Carmen está ou não, mas não deixem número de telefone nem nome, porque o meu amiguinho ou a minha amiguinha ligou. O Alciro não sabe anotar os números de telefone, mas a vida o obrigou a aprender a decorar as letras para ele se virar. Um real, 10 reais ou 100 reais para ele têm o mesmo significado, é dinheiro, mas ele não sabe o que ele pode comprar com aquele dinheiro. Por quê? Porque na hora adequada não foi feita a cesárea necessária. Então, o médico tem que ter liberdade de dizer: "Este parto está evoluindo bem para um parto normal." A enfermeira obstétrica tem que ter cuidado. E, quando necessário, precisamos fazer a cesárea, sim.
Eu preciso estudar muito a matéria antes de me posicionar, para saber se temos que dar o direito apenas à mulher, porque nem sempre, lamentavelmente, na maioria das vezes, a mulher não recebe todas as informações necessárias durante a sua gestação. Então, ela chega ao hospital e, na primeira contração, sente aquela dorzinha da contração. É claro que, por não estar informada, a tendência é pedir a cesariana, por não estar informada. A mulher que tem a informação e sabe que o seu parto está evoluindo bem, que aquele bebê não está em sofrimento fetal, evolui.
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13:17
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Então, é uma coisa pela qual temos que trabalhar muito. E a saúde pública precisa, sim, avançar na questão da assistência obstétrica, para não termos bebês nascendo com lesão, por falta de oxigênio no cérebro, para não termos mães implorando porque não suportam mais e não têm dilatação mesmo. Elas não têm dilatação! Não adianta insistir, porque algumas mães não evoluem para o parto normal. E não adianta ficarmos insistindo no parto normal, porque o normal é o natural. É o natural quando ele está bem conduzido e o processo dela permite que seja natural. E não dá para nós, do serviço público, dizermos, através de portaria, que o número de cesarianas aceitável para cobertura é "x" — e aí a cota termina no dia 15. Fique aí no muro de lamentações, que não queremos mais nem esse termo dentro das nossas maternidades.
Queremos maternidade com qualidade, mães assistidas durante a sua gestação e assistidas durante todo o trabalho de parto e pós-parto, porque só assim nós vamos ter uma população mais saudável, mães mais felizes, porque elas estão orientadas.
Então, não vou me posicionar neste momento com relação ao texto, mas queria fazer este registro, porque este tema não é um tema simples, é um tema complexo. Sim, precisamos dos médicos. Não existe possibilidade de imaginarmos que todas as mães serão acompanhadas por doulas. Precisamos discutir inclusive o risco de alguns partos domiciliares. E aí eu tenho um exemplo claro, em que o bebê foi levado rapidamente de casa para a UTI de um hospital. A mãe era orientada, a mãe era informada, a doula era qualificada, mas não adianta, gente! Risco existe e está presente, e a família precisa conhecer todos os riscos para tomar a melhor decisão.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Deputada Carmen Zanotto.
A SRA. CHRIS TONIETTO (PSL - RJ) - Boa tarde a todos. Cumprimento toda a Mesa, na pessoa da Deputada Flávia Morais, nossa Presidente aqui hoje.
Antes de mais nada, eu gostaria de dizer que estou muito feliz com este debate, com esta discussão nesta audiência pública, porque o Parlamento é a arena de debates. É no Parlamento que nós devemos fazer as nossas discussões. Temos que trazer a sociedade civil para o debate. São 513 Parlamentares que estão aqui para isto: para representar o povo brasileiro. Não é o STF, não são 11 Ministros que devem definir o futuro de uma Nação, não são 11 Ministros que podem achincalhar, atropelar o Parlamento brasileiro, através do ativismo judicial, criando tipo penal sem sequer ter uma lei, o que é um absurdo.
Então, inicialmente, eu gostaria de fazer, sim, um desagravo público ao Dr. Raphael Câmara, que foi hostilizado e desrespeitado. O Dr. Raphael Câmara estava aqui como nosso convidado, convidado desta Comissão. Eu, sinceramente, fiquei com vergonha de o Dr. Raphael ter sido hostilizado dessa maneira, principalmente porque agora a Esquerda está demonstrando a sua verdadeira cara. É por isso que, simplesmente, eles estão aqui para mostrar a Lei da Mordaça, invocando o que o STF agora tratou, da criminalização da homofobia sem tipo penal. Eles é que criaram isso. Na verdade, nós não podemos ficar de braços cruzados diante desse achincalhe. Mas, graças a Deus, há famílias nos assistindo.
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13:21
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Vocês estão vendo a cara que a Esquerda está demonstrando agora. Ou seja, o que eles querem é amordaçar famílias para que ninguém tenha a liberdade de expressão, para que ninguém possa ter a liberdade de se manifestar, nem em uma audiência pública ele não pode demonstrar o seu ponto de vista. Por quê? Porque é diversos do deles. Então, eu sei o que eles querem. Eles dizem ser defensores da democracia, mas o que eles querem é a implantação de uma ditadura de opinião. Então, ninguém pode mais falar nada. Essa é a verdade.
Nós temos agora que nos contentar e nos recolher à nossa insignificância e devemos ficar amordaçados. Por quê? Porque a Esquerda pode dizer o que quer, mas nós não podemos. Ditadura da opinião, ditadura do pensamento único, e se dizem defensores da democracia, o que para mim é uma aberração, é extremamente incongruente, contraditório.
Enfim, adentrando o ponto agora objeto desta audiência pública, gostaria de tratar aqui — como observei bastante — algumas incongruências. Uma delas, por exemplo, como bem disse a Deputada Janaina Paschoal, a quem agradeço muito a presença, é a respeito da violência obstétrica. Dizem que a violência obstétrica é praticada contra mulheres negras — dizendo também que muitos tentam invisibilizá-las —, mas, na verdade, nada falam sobre a falta de autonomia de essas mulheres poderem escolher que parto elas querem. É curioso!
Agora, estamos aqui falando de liberdade para tentar salvar vidas, não para matá-las. A Sra. Paula Sant'Anna, Defensora Pública, trouxe aqui à baila a Lei nº 23.175, cuja ementa assim dispõe: (...) Dispõe sobre a garantia de atendimento humanizado à gestante, à parturiente e à mulher em situação de abortamento, para prevenção da violência na assistência obstétrica no Estado. Veja, nem escondem os seus intentos. O que querem é alargar o conceito de aborto, e em nome da violência obstétrica, que deve ser combatida, aí vamos largar o abortamento. Ou seja, liberdade para matar?! Pois é.
Falam também de direitos sexuais e reprodutivos, manipulam conceitos, deturpam conceitos, e mais, através de ferramentas ideológicas. Quem está por trás disso? Falaram aqui de fundações. Nós vimos aqui uma representante da ONG feminista. Quem está por trás disso tudo? Precisamos observar, e tem que se trazer a sociedade civil para o debate, sim. Precisamos desmascarar esses absurdos.
Em nome da violência obstétrica, que precisa ser combatida, então, vamos falar de direitos sexuais e reprodutivos, que é um eufemismo para aborto. Quem fala disso? Esse termo foi importado de onde? É só estudar, é só ver nas conferências: da ONU, Conferência de Pequim, Conferência do Cairo. Nessas conferências da ONU, eles fizeram esse compromisso com os direitos sexuais e reprodutivos, que é, sim, um eufemismo para aborto.
Agora, vejam, nós somos defensores da dignidade da mulher, somos defensores do princípio da dignidade da pessoa humana, que começa na concepção, quer queira, quer não. Quem gosta tanto de ciência deveria entender que a concepção é uma evidência científica que começa a vida. Não é uma questão religiosa, não é uma questão de bioética, é uma questão científica. O princípio da dignidade da pessoa humana começa literalmente na concepção.
Os médicos, que estão sendo aqui hostilizados e demonizados, fizeram seu juramento de Hipócrates, fizeram o compromisso em salvaguardar a vida da mulher, da criança, do homem. Enfim, não importa. Qualquer vida humana tem seu valor inestimável! Os médicos estão aqui para isso. Se eles agem contra a vida, eles estão traindo o juramento de Hipócrates. Como o Dr. Alceu muito bem disse, isso sequer pode ser chamado de medicina.
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O Dr. Alceu também trouxe aqui o conceito real e expresso de violência. Ele disse: "um ato praticado intencionalmente". Então, quando um médico age para tentar salvar a vida daquela mulher e daquela criança, vejam, isso é violência? Ele está envidando esforços, aplicando instrumentos, ferramentas, para tentar salvaguardar aquela vida. Isso não pode ser chamado de violência. Agora, a violência, quando existe, quando é um ato praticado intencionalmente, aí, sim, tem que ser, de fato, combatida.
Nós não podemos ser condescendentes com qualquer tipo de violência, seja ela destinada à mulher, seja ela destinada à criança ou ao idoso. Não importa. A vida tem o seu verdadeiro valor. Nós não podemos ter direitos humanos seletivos, que é o que se busca. A Esquerda, quando fala de direitos humanos, é para quem? Para uma minoria. Por isso que eu digo que é uma ditadura de minorias. E nós, enquanto isso, em contrapartida, precisamos ficar como? Com os braços cruzados. Por quê? Porque nós não podemos falar absolutamente nada. Senão, corremos o risco de ser transfóbicos, homofóbicos, ou sei lá o quê.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Antes de devolver a palavra para os expositores, eu gostaria de passar a palavra para a ex-Deputada Rosinha da Adefal, que tem uma militância muito grande, principalmente nas lutas pela pessoa com deficiência. Eu tenho certeza de que ela vai acrescentar muito ao nosso debate.
Bom, hoje eu estou no Governo como Secretária Adjunta da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, dentro do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e quero dizer aqui que esse Governo defende a vida desde a sua concepção, defende a vida do bebê, defende a vida da mãe e está, mais do que nunca, no maior propósito de resolver toda essa questão da violência.
Eu quero reforçar a fala do Dr. Alceu e da Deputada Carmen Zanotto a respeito da violência obstétrica, porque eu acho que esse tipo de violência não começa, na verdade, só na hora do parto. Considerando tudo isso — não dá para dizer que há ou que não há, ouvi todas as considerações aqui, um muitinho de cada uma — essa violência é muito maior com a má gestão de recursos da saúde, que também não começa agora. A violência na maternidade começa na falta do pré-natal. E aí vêm todas as considerações apresentadas pela nossa Deputada Carmen Zanotto.
Nós precisamos defender o parto normal, mas devem ser esclarecidas para a mulher todas as condições do parto, como aqui foi muito bem dito. E também deve ser respeitada a autonomia, porque, como disse o Dr. Raphael, no caso de salvar a vida do bebê, da mãe ou dos dois, não dá tempo nem de perguntar. Ele tem que aplicar a anestesia, ele tem que fazer o corte. Não dá nem tempo de perguntar. Mas, sempre que possível, a mãe deve ser informada de todas as condições, e ela em que ser respeitada na sua escolha.
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O médico não pode fazer essa escolha. Se a mãe escolheu que o parto tem que ser normal, ele não pode deixar a mãe e o bebê ou os dois morrerem, porque aí, sim, ele será responsabilizado.
Se a Deputada também me permite, eu queria dividir meu tempo, só 1 minutinho, com a nossa Diretora do Departamento de Promoção da Dignidade da Mulher, que faz parte da Secretaria da Mulher, que é uma inovação deste Governo, da nova Secretaria da Mulher, no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com esta Diretoria de Promoção da Dignidade da Mulher, que tem uma coordenadoria para cuidar da maternidade e gestação. Portanto, esta discussão, no âmbito do Governo, não passa apenas pelo Ministério da Saúde, nós estamos também acompanhando e participando diuturnamente desta discussão que não começou hoje nem vai se encerrar nesta Casa hoje. Então, se V.Exa. permitir, peço só um minuto para que a Diretora possa complementar o meu raciocínio.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Com a palavra a Sra. Lília Nunes dos Santos, por 1 minuto.
A SRA. LÍLIA NUNES DOS SANTOS - Gostaria de saudar a Mesa e agradecer à nossa Secretária Adjunta Rosinha da Adefal a oportunidade.
Reforço aqui o comprometimento do nosso Governo hoje em ter um olhar especial para a maternidade e a gestação. Não obstante termos uma Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres no Ministério da Saúde, aqui bem representada pela Dra. Gisele, também temos, pela primeira vez, na Secretaria de Políticas para as Mulheres, uma Coordenação-Geral de Atenção Integral à Gestante e à Maternidade, aqui representada pela Dra. Fernanda Feitosa, cuja prioridade é prezar pela dignidade da mulher em todas as realidades, em especial para que essa mulher seja vista com atenção integral, receba prioridade nessa atenção, a fim de que a criança que está sendo gerada, desde a sua concepção, seja resguardada e protegida, já que este é um direito humano e fundamental, como bem trazido pela Deputada Chris Tonietto.
Estamos trabalhando com o Ministério da Saúde nessa prospecção positiva de um parto adequado, de um parto cuidadoso, de um parto voltado, de fato, para a pessoa humana. Essa é a nossa linha de atuação, articulada de maneira transversal, interministerial, que visa a oferecer uma política pública de qualidade com um olhar voltado para gestação e maternidade.
A SRA. ROSINHA DA ADEFAL - Deputada Flávia, só complementando que nós estamos também, enquanto Governo, preparando essa discussão. Nós estamos trabalhando a realização de um seminário. Para deixar as expectativas mais afloradas, o Governo também quer fazer uma discussão que vá além do Parlamento. Antes do final deste ano, faremos um grande seminário. Espero contar com a presença de todos.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Que bom, Rosinha. Desde já, esta Comissão divulga o evento e agradece a V.Sa. a presença e a participação.
Quero dizer a todos que não há ninguém melhor nesta Casa para debater sobre o tema violência obstétrica do que esta bancada, a bancada feminina. Nós temos mais de 70 Deputadas nesta legislatura, graças a Deus, e ninguém melhor para falar sobre isso do que uma mulher que é mãe, que já teve seu parto. Ouvimos hoje depoimentos muito interessantes de mulheres que tiveram parto de uma forma ou de outra e que, com certeza, contribuem muito com o debate.
A nossa bancada trabalha muito fortemente e, muitas vezes, une-se a algumas causas comuns a todas nós, mas neste momento não podemos partidarizar. Chamo a atenção para isso. Esta é uma discussão que não merece ser partidarizada. Nós precisamos tratar esta discussão como de interesse de todas as mulheres do nosso País.
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Portanto, com todo o respeito às Parlamentares que contribuíram grandemente para este debate, costumo dizer que uma audiência pública não pode ser só fala, fala, fala. Nós sempre temos que objetivar trazer alguns encaminhamentos importantes. Com a presença significativa de várias Parlamentares, sabemos que este é um tema de extrema relevância.
Se por um lado, não podemos generalizar e dizer que todos os médicos cometem algum tipo de violência, por outro lado não podemos tirar deles também a autonomia e a conduta médica de realizar um procedimento ou outro. Quem somos nós para decidir o que o médico vai fazer na hora da sua dificuldade, do seu atendimento. Da mesma forma, não podemos também negar que existam procedimentos inadequados, falas inadequadas.
É preciso discutir essa portaria. É claro que precisamos diminuir o número de cesarianas no Brasil porque sabemos os dados mundiais, mas jamais — e quero falar com o Maximiliano, que representa o Ministério da Saúde — acreditamos que a mulher deva fazer isso de forma obrigatória. Nós precisamos preparar as mulheres brasileiras para que elas escolham o parto normal como a alternativa melhor para elas. Dizer que ela deve fazer, que ela é obrigada e que aquela é única alternativa de parto é uma forma também de violência contra a mulher. Existem algumas mulheres que estão preparadas para isso, outras não. É claro que o médico deve definir isso de acordo com as condições delas. Portanto, nós temos que preparar as nossas mulheres para que cada vez mais optem por fazer o parto normal, o parto natural. Caso contrário, elas precisam ter condições e oportunidades de fazer outro tipo de parto.
Eu sei que esta é uma questão polêmica e que muitos a estão discutindo. Hoje há uma situação recorrente de mulheres com depressão pós-parto, muitas vezes vindo até da dificuldade do seu próprio parto. Enfim, não podemos negar que precisamos cada vez mais nos debruçar sobre isso e criar condições para que todas as mulheres brasileiras possam ter uma gestação e um parto dignos.
Quero deixar aqui, junto ao Ministério da Saúde, o nosso apoio em relação a algumas medidas, mas o encaminhamento sobre a necessidade de tratarmos, com muita delicadeza, este tema. Eu acho que ele ainda não está totalmente definido, mas é preciso repensá-lo, conversar mais sobre ele, para que possamos cuidadosamente fazer as mudanças necessárias.
Peço aos expositores — e vou devolver a palavra a cada um —, encarecidamente, até para não desmerecer o tema, que não criem mais cizânia, que não partidarizem as respostas. Mesmo aqueles que, às vezes, foram de alguma forma citados ou agredidos, que respondam com grandeza sem entrar em diferenças partidárias. Não queremos fazer com que este tema seja menos importante do que realmente é.
Devolvo a palavra aos expositores para que possam, já usando a palavra pela última vez, fazer suas considerações finais. Aqueles que tiverem que responder alguma pergunta assim o façam e depois passem para suas considerações finais. Vou começar da direita para a esquerda, chamando a Sra. Janaína Gentili.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Passe por escrito. É a única exceção que eu vou abrir porque já estamos com o horário bem avançado e o plenário já está reservado para outra audiência pública.
Fale o seu nome, por favor. É a única pessoa que vai falar. Depois vamos passar para as respostas. É 1 minuto, por favor. Peço que seja objetiva.
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A SRA. CRISTIANE YUKIKO KONDO - Meu nome é Cristiane Kondo, integro a Rede Mulheres Parto do Princípio. Eu gostaria de agradecer a todos a preocupação de debater aqui sobre a violência obstétrica e o direito de escolha da mulher. Nós defendemos que a mulher pode, sim, escolher a via de parto.
Eu queria ilustrar rapidamente como eu nasci. A minha mãe escolheu a cesárea. Ela juntou dinheiro na época para pagar uma cesárea. Por quê? Porque as mulheres que conviveram com ela relataram que em seus partos foram extremamente humilhadas, agredidas verbalmente e sofreram extremos maus-tratos. A minha mãe quis escolher a via de parto, mas, na verdade, ela escolheu como ela queria ser tratada, como seria esse processo.
Eu gostaria de dizer que precisamos diminuir as mortes e as sequelas de bebês. Não pode ser tudo isso.
Nós temos que discutir também uma questão que faça com que o seu projeto de lei seja efetivo. É necessário que os anestesistas estejam de plantão presencial nas maternidades. Eu estive muitas vezes nas maternidades, mas não havia anestesista ali. Eles estão ali de sobreaviso. Quantas vezes eu vi cesáreas de emergência serem indicadas, e o anestesista chegar 30 minutos, 1 hora, 1h40min depois. Eu vi várias mulheres que escolheram a assistência pública e pediram a cesárea. Todas elas foram atendidas até o anestesista chegar, não no tempo que elas pediram. Ele não foi chamado quando elas pediram. Quando as mulheres pedem analgesia de parto, eles não vão. Quando as mulheres pedem a cesárea, eles não vão. Quando o anestesista vai ou no início do plantão ou no final do plantão, aí sim, ele faz a cesárea. Elas relatam que insistiram no parto normal até lá.
É preciso que isso esteja descrito, explícito. Na resolução do CFM, de 2013, isso não está descrito. Há interpretação no sentido de que está escrito lá que ele precisa estar presente. Ele está presente quando ele é chamado. Não, não está presente quando é chamado, porque nem sempre o chamam, nem sempre comparece quando o chamam. Portanto, é preciso que esteja descrito em lei a obrigação de o anestesista estar de plantão presencial.
Eu queria também fazer um esclarecimento sobre o percentual dessas pesquisas que mostram a estimativa de cesáreas em um país em desenvolvimento. Essas pesquisas são feitas em situações em que a cesárea de emergência é realizada prontamente, não no caso brasileiro. O anestesista não está presente no Brasil. Então, quando vai ser realizada a cesárea de emergência? Nós vemos mulheres perderem os seus bebês em função da demora para iniciar a cesárea.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada pela contribuição.
A SRA. CRISTIANE YUKIKO KONDO - Eu gostaria também de fazer a seguinte sugestão: trazer os movimentos de mulheres para falarem sobre a violência obstétrica. Faltou tratar sobre isso aqui. Como conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, gostaria de dizer que é necessário trazer vários movimentos sociais de mulheres para falarem o que elas sentem a respeito da violência obstétrica.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Muito obrigada.
A SRA. JANAÍNA GENTILI - Ouvi todas as falas. Eu sou uma pessoa que realmente gosta muito de ouvir e de fazer reflexões.
Uma das questões que me atingem é a da hipertensão, por exemplo, citada pela Deputada Monica Seixas. Nós doulas do Estado do Rio de Janeiro nos organizamos em grupos de WhatsApp, e não há um turno do dia — manhã, tarde, noite, madrugada — em que haja uma pergunta de alguma gestante que está com um pico hipertensivo, com alteração de pressão, e tenha sido mandada para casa. E nós dizemos o tempo todo: "Manda para o hospital, procure outra unidade de saúde, vá a uma emergência para que não aconteça uma tragédia". Contudo, a resposta é: "Mas o médico disse que estava tudo bem, que é para eu cortar o sal, fazer uma caminhada, fazer uma dieta, beber muito líquido". E hipertensão mata.
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13:41
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Há outras questões que precisamos também colocar em pauta, como os danos à saúde da gestante e do seu bebê em decorrência de agrotóxicos, H1N1, zika, dengue, chikungunya, que causam malformação fetal e levam o bebê a óbito. O repelente é dado pelo SUS? Se é dado, se é oferecido, tem para todo mundo? É público e notório que se dê? Sabemos como funciona o nosso corpo, o nosso organismo? Eu tenho amigas que foram morar no exterior, como a Deputada que saiu. E lá não colocaram em xeque se ela era brasileira, se era nordestina, se nasceu na Região Sudeste, para o oferecimento de um parto natural. Sendo brasileira ou não, miscigenada ou não, foi oferecido a ela um parto natural.
Essas considerações são dúvidas. Eu acredito que estamos num momento de dúvidas. Eu acredito — e espero — que todos e todas que estão aqui hoje reunidos querem chegar a um denominador comum, ou seja, que gestantes, puérperas, bebês, companheiros e companheiras tenham satisfação no momento do nascimento. Isso é importantíssimo. Se é violento, se vamos demarcar com violência, eu comungo do entendimento de que precisamos marcar com essa palavra. Contudo, precisamos também avaliar como está essa assistência, como está sendo prestado esse serviço, antes de tomar qualquer outro tipo de decisão drástica, senão será mais uma lei sem aplicação.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Janaína. Agradeço a sua presença e participação.
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13:45
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Eu fui a um congresso em 1988 em que um dos papas da hipertensão em mulheres, chamado Zuspan, que criou inclusive a terapêutica com sulfato de magnésio, disse que no país dele não havia eclampsia, porque as pacientes mulheres faziam um pré-natal de qualidade. Então, essa morte por hipertensão é uma morte decorrente de um pré-natal de baixa qualidade.
Se nós formos olhar, por exemplo, as causas de mortalidade materna nos países desenvolvidos, veremos que elas estão ligadas a acidentes alérgicos da paciente, a acidentes anestésicos, ou seja, são causas de mortalidade materna que atuam nesse índice com uma potência tão pequena que nem chegam a constar dos nossos. A mortalidade materna nos países desenvolvidos está em torno de 10 por 100 mil nascidos vivos — um pouquinho abaixo ou um pouquinho acima disso. A mortalidade materna no Brasil é de 64,5 por 100 mil nascidos vivos, sendo que na Região Norte, no Pará, é de 107 por 100 mil nascidos vivos. Mulheres estão morrendo por causas perfeitamente evitáveis.
A Deputada falou que 65% das causas são evitáveis. Não são 65%: 95% dessas causas são evitáveis. Isso está em todas as estatísticas que tratam de morte materna. Essa é a realidade da assistência obstétrica no País, o que se traduz em infraestrutura, formação profissional, todos aqueles elementos que contribuem para a atenção à mulher.
A Deputada Carmen Zanotto falou sobre as cesárias marcadas. Como eu disse, Deputada, a questão da cesárea tem que ser interpretada como uma questão multifatorial, porque isso é uma violência institucional. Não se deve permitir, numa instituição, esse tipo de atitude, porque isso leva à prematuridade e acaba depreciando uma tecnologia que é extremamente importante e salvadora de vidas e com muito baixo índice de risco — muito baixo índice de risco, repito —, se for indicada com competência por um profissional que entenda daquilo. Agora, se feita de forma indiscriminada, vai ocorrer o que eu disse: uma maximização dos riscos e uma diminuição dos benefícios. Essa é a questão.
Nós defendemos uma maternidade segura. Tanto uma cesárea pode levar a essas condições que a Deputada Carmen Zanotto coloca como também um parto transpélvico. Vejam, eu estou falando "transpélvico"; não estou falando "normal" nem "natural". Um parto transpélvico pode apresentar complicações tão graves que podem levar à morte o binômio materno-fetal.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigado, Dr. Alceu José, pela presença, pela participação e pela contribuição com o debate.
A SRA. PAULA SANT ANNA MACHADO DE SOUZA - Essa lei de Minas Gerais que eu citei, a Lei nº 23.175, de 2018, é extremamente importante porque traz um olhar para aquelas mulheres que infelizmente chegam à maternidade com a expectativa de sair com seus bebês, mas infelizmente não saem com eles vivos. Essa lei diz que essas mulheres também precisam de atendimento humanizado.
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Essas mulheres nos trazem, nos atendimentos, que elas são colocadas no mesmo local que as mulheres que estão saindo com os seus bebês vivos. É importante que isso seja visto como uma violência contra essa mulher que perdeu o seu bebê.
Lá em São Paulo, as servidoras estaduais que perdem o seu bebê não têm direito a licença-maternidade. Elas têm que voltar a trabalhar no dia seguinte.
É importante nos lembrarmos das mulheres que chegam com a expectativa de terem os seus bebês, mas, por fatores externos, infelizmente acabam não saindo com seus bebês em suas mãos. Por isso a importância dessa lei de Minas Gerais.
Todos na Mesa trazem a importância da informação, a questão da publicidade dos direitos das mulheres. Eu deixo aqui a importância da publicidade, de levarmos a essas mulheres o conhecimento. Pode ser através de cartazes, de campanhas, de um pré-natal bem-feito, do direito a um plano de parto construído com essa mulher.
A mulher deve conhecer seu corpo. Nós mulheres ainda não somos educadas para saber como é o parto, o que acontece no nosso corpo, como a nossa fisiologia vai responder. Nós não temos essa educação; não somos preparadas para saber como é o nosso corpo. É importante essa informação.
A mulher tem, sim, direito a um atendimento humanizado. A Lei do Acompanhante é federal, de 2005, e nós ainda não a cumprimos. A Lei do Acompanhante é importante para que não haja violência contra a mulher, porque ela estará acompanhada de alguém que pode trazer a sua voz naquele momento. É importante, então, que essa lei seja cumprida.
A lei que diz que a mulher tem o direito de conhecer a maternidade durante a gestação é outra que não cumprimos. As mulheres não sabem nem por qual porta entrar na maternidade. Isso parece pequeno, mas se está tendo contração, se está em um momento de dor, se está em um momento de dúvidas, é importante essa mulher ter acesso à maternidade e conhecer a equipe anteriormente.
A mulher deve ter conhecimento do seu direito à anestesia e do seu direito de conhecer os códigos de ética dos profissionais de saúde, para saber quais são os direitos que eles devem observar, como o direito ao consentimento prévio, que está previsto nos códigos de ética.
Por fim, essas mulheres devem saber quais órgãos elas podem acessar para comunicar as violações e violências que sofrem. Elas não conhecem ainda o Ministério Público Federal, que tem a função de verificar se os hospitais estão cumprindo as legislações, ou até mesmo as ouvidorias, as corregedorias e as defensorias.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Com a palavra a Daphne Rattner, Presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento e Professora da Universidade de Brasília.
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Uma das coisas que aprendemos é que qualidade se mede através de estrutura de processo e de resultados. Algumas questões que foram colocadas aqui nós vemos que são problemas de estrutura, e é uma violência, efetivamente, o serviço não prover uma estrutura adequada para o cuidado, que foi uma coisa que tanto o Dr. Alceu quanto o Dr. Raphael trouxeram.
Agora, nós temos, numa classificação que fizemos, diferentes níveis de violência: a violência interpessoal, a violência do serviço e a violência do sistema de saúde. Efetivamente, não ter vaga, não ter equipamento, peregrinação, isso é uma violência do sistema de saúde.
O serviço também comete violências, como disseram a Defensora Paula e a Deputada Monica Seixas, no momento em que se desrespeitam direitos, no momento em que não permite a presença o acompanhante de escolha da mulher — a sua presença já está cientificamente referendada como um fator de proteção para uma série de eventos, inclusive a própria violência.
Outra questão são os processos de cuidado. Uma das coisas que foram colocadas aqui, inclusive pela Cris Kondo, foi o fato de que as mulheres não são escutadas. O plano de parto é uma tentativa de fazer com que as mulheres passem a ser escutadas no parto: "Olha, eu tenho esta expectativa para o meu parto. Por favor, considere-a". Nós estamos construindo um espaço de diálogo.
Na questão da estrutura, por exemplo, ela fala que ficam 8 mulheres no mesmo ambiente. Dessa forma, não se respeita a RDC 36 da ANVISA, que diz que tem que haver privacidade num espaço de pré-parto, parto e pós-parto.
Enfim, queria dizer que a REHUNA é favorável à analgesia a pedido, sim, principalmente depois que se esgotam os mecanismos não farmacológicos de alívio da dor.
A mortalidade materna na França, excluindo os casos de risco, foi três vezes e meia... Nós podemos passar a referência. Então, desculpe-me, Deputada Janaina, mas temos referência de que, quando não há risco, também aumenta a mortalidade materna.
Eu já fui do Ministério da Saúde. Queria dizer que na violência do sistema — o SUS existe no nível federal, estadual e municipal — os três entes federativos têm responsabilidade. O Ministério da Saúde propõe normas, mas a execução cabe aos Estados e Municípios, que têm autonomia. Então cabe a eles pedir mais leitos de maternidade, cabe a eles colocar uma estrutura adequada para atenção ao parto e ao nascimento.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Precisamos concluir.
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A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Excelente.
Antes de mais nada, a minha defesa fica sendo a defesa feita pela Deputada Chris Tonietto, na parte jurídica, porque eu fui acusado aqui de um crime, uma coisa absurda.
O que eu fiz? Acho que ficou muito claro. As pessoas que são contra a escolha pelo parto cesariana, se elas mesmas mantivessem o mínimo raciocínio lógico, também deveriam avaliar o custo da cirurgia de redesignação sexual, que é muito mais alto do que o da cesariana, e o risco, pois há várias cirurgias plásticas que têm um risco muito maior do que a cesariana. Entretanto, eu nunca vi uma discussão sobre isso.
Então, eu acho que ficou muito clara a minha argumentação, e ela não tem nada de transfobia, lesbofobia, ou seja lá que termos queiram utilizar. Eu acho que não é correto me acusarem aqui de um suposto crime, até porque acusar alguém de um crime também pode ser crime.
Em relação à questão do parto vaginal, eu sou a pessoa que mais defende o direito de escolha pelo parto vaginal. Inclusive é fato que nós temos um problema grande no sistema privado, de plano de saúde, para que a mulher obtenha a autorização para fazer o seu parto vaginal. Isso é um fato. E nós temos que procurar políticas para a mulher conseguir ter o parto vaginal. Enquanto no setor público a obsessão pelo parto vaginal é a regra, no privado, é o contrário. Nós temos que fazer alguma coisa em relação a isso.
A Deputada Carla Zambelli perguntou se o parto vaginal pode aumentar incontinência fecal, urinária ou algum tipo de problema na vida sexual. Sim, é fato. Qualquer médico com o mínimo de consciência não pode negar que o parto vaginal está totalmente relacionado a aumento de incontinência urinária e aumento de distopias vaginais. Isso é um fato, isso é indiscutível. Por outro lado, o parto vaginal também tem outras vantagens que eu não tive tempo suficiente para mostrar ali.
A última coisa, só para fechar a minha fala: eu apresentei aqui, embora rapidamente, porque o tempo de 3 minutos não me permitiu entrar nos detalhes de cada um, diversos estudos que mostram que não dá para se falar que o parto vaginal ou parto cesariana provoca mais mortes. Eu apresentei a ACOG; apresentei o JAMA; apresentei um estudo com 110 mil mulheres da Ásia publicado pela The Lancet, uma das revistas científicas mais importantes do mundo, que mostrou que a cesariana anteparto sem risco, sem motivo, ou seja, a pedido, tem menos risco, não provocou nenhuma morte.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Peço que conclua, Dr. Raphael.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Nós é que agradecemos, Dr. Raphael. Por mais que existam posicionamentos diferentes, o senhor é sempre muito bem-vindo a esta Casa.
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14:01
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Até em função da política de incentivo à prática de parto normal, da cobrança internacional, das metas impostas, das cotas, das diretrizes, hoje o SUS paga praticamente o mesmo valor para um parto cesariano e para um parto normal. Em algumas situações em que há intercorrências, o valor liberado para o parto normal é maior. Quando o parto começa normal e vira cesariana, o valor liberado é ainda maior.
É importante que isso seja dito, porque existe um mito, uma ideia de que se esse direito a escolher a cesárea — que, na verdade, já existe, porque já é resolução do Conselho Federal de Medicina — for contemplado em lei — e isso é o que nós queremos —, haverá um aumento absurdo de gastos. Isso não procede. Hoje os valores que são liberados já são praticamente os mesmos. Agora, os hospitais que recebem esses valores, sejam privados, mistos, públicos, sejam lá o que forem, têm que gastar menos para fazer partos normais em série do que para manter permanentemente um bom centro cirúrgico, com obstetra, anestesista, profissionais capacitados.
Então, vamos mudar o enfoque da discussão. Não sou eu que estou defendendo aqui corporação. Alguém está com o interesse de manter instituições recebendo o mesmo valor para oferecer menos. É muito mais barato para um hospital, Sra. Presidente, manter uma sala coletiva com dez mulheres chorando, sem analgesia e parindo por si próprias — porque, infelizmente, a intelectualidade criou esse mantra de que a mulher sabe parir e o bebê sabe nascer — do que um bom centro cirúrgico. Só que o valor recebido para manter as dez mulheres nessas condições é o mesmo recebido pela cesárea. Então, quem é que está agindo por interesse nessa história?
Com relação à paralisia cerebral, eu fico muito feliz com a bondade da Deputada Carmen Zanotto de dividir a situação conosco, porque eu tenho sido chamada de mentirosa ao dizer que o atraso na realização da cesariana implorada pelas parturientes está levando à morte de bebês, à morte de mulheres e a sequelas cerebrais.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Para concluir, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Eu é que agradeço.
A SRA. MONICA SEIXAS - Nós ouvimos várias opiniões, e o que ficou explícito é que este é um tema complexo demais para nós acharmos que a solução é milagrosa e que vamos resolvê-lo com uma simples canetada.
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14:05
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Eu acho que nós tiramos daqui muitas reflexões. Acho que ficaram explícitas as divergências ideológicas. É natural que elas existam numa democracia, em que as pessoas que pensam diferente consigam se expressar, defender a divergência, mas nós estamos muito distantes de obter uma solução para o problema. Se ficou um indício aqui, é o de que há divergência.
E eu mantenho a minha pergunta sobre qual é a indicação do Ministério da Saúde sobre cesáreas. Gostaria muito de ouvir a respeito desse assunto no final.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Obrigada, Deputada Monica.
O SR. MAXIMILIANO DAS CHAGAS MARQUES - Obrigado a todos pelo debate qualificado que conseguimos conduzir.
Emprestando a minha voz para o Ministério da Saúde, como ente de Estado, gostaria de dizer que a premissa do Ministério atualmente é essencialmente legalista, ou seja, o que está na lei é o que nós cumprimos como princípio de cidadania. Essa é a lógica da Constituição Cidadã, também promulgada por esta Casa. Nela estão expressos uma série de valores, como os do direito de igualdade entre homens e mulheres, ou, como nós expusemos, a determinação de que ninguém pode ser submetido a tratamento degradante.
O convite foi para falar sobre abuso, desrespeito e maus-tratos no transparto — nós temos que chamar dessa forma porque esta Casa não definiu o conceito, e cabe ao Poder Executivo, na função de cumprimento da Constituição, conforme o princípio da legalidade, fazer aquilo que está disposto em lei.
Eu, como homem que empresto minha voz para o Ministério da Saúde, não preciso ser voz de nenhuma mulher no seu protagonismo, na sua emancipação, nas suas práticas autônomas. As mulheres não fazem pressão, mas discutem coisas que envolvem a sua vida, assim como nós homens, assim como a sociedade civil.
O Ministério da Saúde, na condição de Estado, não vai assumir a posição de advocacy em relação a qualquer grupo. Nós vamos seguir a lei e as evidências clínicas, o que a ciência tem demonstrado como marcante e como definidor de desfecho.
Nesse sentido, é um desafio imenso falar de assimetrias e desigualdades no País. Esse é o principal desafio do Ministério, também na lógica do municipalismo e do federalismo, a partir dos Municípios que executam as ações de saúde e a partir da articulação dos Estados para construir respostas nacionais.
Para isso, talvez a maior resposta oferecida aqui, na forma de qualificação do pré-natal, do plano de parto e de outras estratégias possíveis, seja a qualificação da atenção primária, que se tornou, sim, a principal pauta e o principal ponto de abordagem. Quando falamos de primeiro contato qualificado, de coordenação do cuidado, de longitudinalidade, de atenção integral, se alguém não concorda com esses atributos essenciais, está discutindo na contramão da história da atenção primária.
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14:09
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Eu, como pai, me sinto alijado quando a discussão fica em torno do filho que pertence à mãe. Trata-se de uma família, e nós estamos construindo isso nessa perspectiva. Portanto, temos que tratar disso também.
Talvez eu tenha que fazer a última verbalização, que é: não há, em nenhum texto das políticas do Ministério, ilegalidades ou violações de direitos. Talvez, a pura expressão de cidadania e de promoção de direitos que se pretende neste País possa ser claramente encontrada dentro das políticas. Eu convido todos a lerem as políticas e se apropriarem delas e, depois, virem debater conosco.
A SRA. PRESIDENTE (Chris Tonietto. PSL - RJ) - Agradeço a todos os presentes, aos expositores, aos Parlamentares.
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