Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Boa tarde, senhoras e senhores!
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, destinada a debater processo de banimento do amianto no País.
O requerimento para a realização deste evento é de autoria do Deputado Nilto Tatto, a quem convido para compor a Mesa e presidir a presente audiência pública.
Comunico a todos que o evento está sendo transmitido ao vivo pela Internet e poderá ser gravado pela TV Câmara para ser exibido posteriormente.
Cada convidado terá o tempo de até 15 minutos. Se for possível falar menos, melhor, até para sermos mais objetivos. Na hora em que completa o tempo, toca um alarme, mas pode-se concluir sem problema algum. Há um cronômetro aqui à esquerda, que pode ajudar no controle do tempo.
Nós vamos receber perguntas pela Internet através do portal e-Democracia, perguntas que serão respondidas ao final.
Está sendo realizada hoje, aqui ao lago, ao mesmo tempo em que se realiza esta audiência pública, uma audiência sobre licenciamento ambiental. Por isso, vou passar a presidência dos trabalhos ao Deputado Nilto Tatto.
Eu quero fazer profundo agradecimento a todos que estão aqui hoje para debater esta questão, que é muito relevante para algumas regiões de nosso País. Com certeza, valeu a pena toda a luta pelo banimento do amianto. Infelizmente, alguns grupos querem retomar essa indústria no País. Fico muito feliz de ver diferentes autoridades, pesquisadores e especialistas aqui. Muito obrigado a todos pela presença! Assim que eu terminar o trabalho na audiência ao lado, retorno a esta audiência.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Presidente Deputado Rodrigo Agostinho.
O Deputado Rodrigo Agostinho também tem uma missão importante agora. S.Exa. coordenará outro grupo de trabalho, que tem o desafio de discutir a atualização da legislação sobre licenciamento ambiental. Na verdade, eu também faço parte do grupo, mas nesta Casa é assim: as reuniões acabam coincidindo e sobrepondo a agenda.
Nós temos na Mesa sete expositores. Para não ficar muito apertado, eu vou chamar para compor a Mesa quatro expositores nessa primeira rodada; depois, os outros três expositores.
Eu queria convidar para compor a Mesa o Sr. René Mendes, Médico Especialista em Saúde Pública e em Medicina do Trabalho, Professor Titular aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais e Diretor Científico da Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora — ABRASTT.
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Convido também o sempre Deputado Estadual Marcos Lopes Martins. S.Exa. é ex-Deputado Estadual do Estado de São Paulo, autor da Lei nº 12.684, de 26 de julho de 2007, que proíbe o amianto no Estado de São Paulo. A presença de S.Exa. é para mim uma satisfação muito grande. Eu tenho um carinho muito grande pelo Deputado Marcos Martins. Reconheço a luta dele em várias áreas, em defesa dos trabalhadores, mas nesta S.Exa. fez diferença!
Na próxima Mesa, nós teremos a Sra. Márcia Cristina Kamei López Aliaga, Procuradora Regional do Trabalho e Gerente do Programa Nacional de Banimento do Amianto, do Ministério Público do Trabalho; o Sr. Eliezer João de Souza, Presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto — ABREA; e a Dra. Fernanda Giannasi, engenheira civil e de segurança do trabalho e Auditora Fiscal aposentada.
Quando fui procurado pela ABREA e pelo Deputado Marcos Martins, eu já vinha acompanhando a luta deles há muito tempo. No ano passado, nós tivemos uma proximidade maior. Nessa luta, nós não estávamos com eles no dia a dia, mas podemos dizer que fomos parceiros nos espaços em que podíamos atuar.
Todos já vêm acompanhando a luta que vem ocorrendo há pelo menos uns 4 meses, depois de o Supremo ter tomado uma decisão e depois de mais de 60 países já terem banido o uso de amianto. Os convidados vão nos atualizar um pouco sobre esse movimento e essa campanha no âmbito internacional. Essa luta começou em São Paulo, onde o Deputado Marcos Martins exerceu papel importante, também dentro do Parlamento. Da mesma forma, a Dra. Fernanda. Enfim, foi um conjunto muito grande de pessoas. Todas as pessoas que estão nesta Mesa participaram e contribuíram.
E nós vivemos hoje uma conjuntura muito difícil em todas as áreas. Nós vimos perdendo conquistas importantes do povo brasileiro. Nós podemos dizer que é uma luta que se intensificou a partir da luta contra a ditadura militar. Depois, o povo brasileiro veio se organizando e conquistando espaços em todas as esferas de políticas públicas, espaços para que a sociedade civil pudesse participar, propor, monitorar, acompanhar e até ajudar a implementar políticas públicas. Em todas as áreas, contudo, nós temos retrocessos do ponto de vista do aperfeiçoamento da democracia, no que podemos dizer hoje da perspectiva de como se pode aprofundar a democracia, indo num caminho de cada vez mais se abrir espaço para a histórica aliança entre os poderosos e o Estado na condução da sociedade.
Quando se trabalha na perspectiva de se aprofundar a participação social, trabalha-se na perspectiva de que a sociedade tome conta do Estado, de que predomine a vontade do povo, mas, muitas vezes, tanto o Poder Executivo quanto o Poder Legislativo acabam, mesmo tendo sido eleitos pelo povo, dando prioridade a uma agenda para o setor privado, e não à vontade maior, podemos dizer assim.
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Também estamos vendo retrocessos do ponto de vista de conquistas da legislação ambiental e dos seus impactos, em tudo aquilo que vimos acompanhando. Com o debate sobre o amianto, o que vamos aprofundar aqui hoje, podemos fazer uma correlação muito próxima com relação à questão dos agrotóxicos. Está havendo liberações como nunca tivemos. Nunca houve tanta liberação de agrotóxicos em tão pouco tempo. Inclusive, boa parte desses agrotóxicos, da mesma forma como o amianto, está proibida em várias partes do mundo. Isso compromete não só o meio ambiente e a saúde das pessoas, até pelo impacto que o veneno vem causando na comida de cada um de nós, com prejuízo para a saúde das pessoas, mas também para o orçamento público, já que o Estado gasta muito dinheiro para curar as doenças causadas pelo veneno que comemos no dia a dia, veneno que está sendo banido de outros países.
Isso compromete, do ponto de vista econômico, o futuro da agricultura brasileira. O Brasil, por sua paisagem, por sua extensão, pela terra boa que tem e pela grande quantidade de água que possui, nós temos a responsabilidade não só de produzir alimento para o povo brasileiro, mas também ajudar a produzir alimento para o mundo. Muitos países importam produtos da agricultura do Brasil.
Há agora esse acordo União Europeia/MERCOSUL. Aqueles que o vêm acompanhando sabem não só aquilo que se tem ouvido por parte do Governo e dos economistas que trabalham a serviço do capital. Querem liberar para que as quinquilharias produzidas na Europa venham para cá com preço mais barato, para a classe média consumir. A classe média alta vai ficar feliz, porque vai consumir produtos da Europa mais baratos. Na Europa, esse acordo está garantido lá. No entanto, se continuarmos com essa quantidade de veneno, nós não vamos mais vender produtos agrícolas para muitos países que importam produtos da agricultura. Àqueles que defendem o agronegócio, por exemplo, digo: é bom que fiquem atentos, porque vão perder dinheiro, porque não vai haver mercado mais à frente.
Na verdade, vimos caminhando com uma série de retrocessos em várias áreas. Hoje há um debate sobre a soberania nacional. Entrega-se o patrimônio do povo brasileiro, como ocorre com o pré-sal, por exemplo, e com a possibilidade de venda de terras para estrangeiros, além do processo de privatização de várias áreas do patrimônio do povo brasileiro.
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No entanto, eles são favoráveis a que se entregue o patrimônio, como se hoje o capital não se apropriasse, de outras formas, da riqueza de um determinado país, de um determinado povo. É a forma como está sendo implementada esta agenda de privatização e de entrega do patrimônio do povo brasileiro, seja a do pré-sal, seja a da biodiversidade da Amazônia, e assim por diante. Há muito retrocesso.
Assusta também que, dentro do Congresso Nacional, especificamente lá no Senado, haja um movimento muito grande para trabalhar na perspectiva de haver retrocesso também com relação ao amianto. Todos vêm acompanhando isso. É puxado principalmente pelo Governador do Estado de Goiás e pelo Presidente do Senado. Trata-se de uma agenda de interesses muito pequenos, interesses de um pequeno segmento empresarial, podemos dizer assim, que quer trabalhar na perspectiva de termos retrocesso e de novo permitir a produção, a distribuição e a comercialização do amianto, mesmo sabendo de tudo aquilo que as pesquisas já vêm mostrando, do impacto na saúde, e mesmo sabendo que a Organização Mundial da Saúde pediu o seu banimento e que um conjunto muito grande de países já o baniu.
Portanto, não é novidade nenhuma que haja, de repente, em função dessa conjuntura geral que estamos vivendo, um absurdo como a ameaça da volta desse debate. Por isso, faz-se necessário fazermos este debate aqui na Câmara Federal e trazer aquilo que temos de pesquisa, de conhecimento, de toda a luta que houve para se chegar à decisão do próprio Supremo de proibir a produção e a comercialização do amianto.
(Segue-se exibição de imagens.)
Destaco neste primeiro eslaide o agradecimento, que é sincero e de coração. Ao mesmo tempo, de certa forma lamento, como mostro no segundo, no terceiro e no quarto itens, a necessidade de haver esta audiência pública. Ainda é necessário provar, ainda é necessário demonstrar, ainda é necessário defender algo indefensável, algo que tem uma história tão longa e que inclusive no nosso País foi tardiamente pacificado, há 1 ano e meio ou há 2 anos.
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Este assunto ainda precisa ser motivo de audiência pública! Nós participamos de muitas audiências públicas, este grupo que está aqui, em vários ambientes do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Eu queria registrar que, ao mesmo tempo em que agradeço ter sido criado este espaço, é também melancólico que ainda se tenha que voltar a falar sobre este tema. Mas eu agradeço esta oportunidade.
Por que lamento? Porque, como rapidamente está esboçado na tela, esta história tem muito tempo. Esta história tem muito mais tempo do que tenho. Eu tenho 73 anos, e esta história tem 112 anos, no mínimo. É a história das primeiras descrições dos malefícios do amianto sobre a saúde humana. Primeiro, foi a asbestose, uma doença essencialmente dos trabalhadores e das trabalhadoras. É uma doença profissional, que tem 112 anos de história, seguida de outras doenças que foram descritas e que esquematicamente estão nestas telas. Segue-se o câncer de pulmão, seja como complicação evolutiva da asbestose; seja como uma entidade própria vinculada à exposição ocupacional ao amianto, coisa da década de 20, da década de 30, da década de 40, da década de 50; seja a confirmação e as várias comprovações de que já era uma doença relacionada ao trabalho, há muito tempo, em outros lugares; seja a temível e inadmissível ocorrência do chamado mesotelioma maligno de pleura. Este tem uma história a partir de 1960, pelo menos, mas há descrições anteriores. Mesmo assim, nós já teríamos praticamente 60 anos de história no exterior.
E, como nós veremos agora, também no Brasil é uma história relativamente longa. A asbestose é descrita no Brasil desde 1956, pelo menos — a seta vermelha está um pouco escura ali. É quando se tem conhecido o documento de primeiro estudo sobre a asbestose.
Este esquema que está projetado mostra como esse processo desde então se fez; e se faz agora, a partir da mina de Minaçu, e anteriormente a mina no Sul da Bahia. A partir dessa mina, que está lá fechada ou que existia como uma reserva mineral, está a cadeia produtiva. Essa é a forma de entender este problema, que afeta não apenas os trabalhadores da mineração mas toda a cadeia produtiva.
E esse esquema nos serve para mostrar também que vai havendo uma socialização da exposição, assim eu chamo. Outras pessoas, além dos trabalhadores e das trabalhadoras, vão se expondo e isso se torna um problema de saúde pública e de saúde ambiental, de sorte que um problema que estava confinado potencialmente a um determinado local se torna um problema de abrangência ilimitada. Esse esquema nos dá esta ideia.
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Acima, os senhores verão que, à medida que se vai distanciando da origem da mina, aumenta-se o grau de vulnerabilidade: as pessoas menos informadas, as pessoas menos protegidas, as pessoas mais expostas, que não têm nada a ver com a mina em Minaçu, digamos assim. Esse é um problema que, portanto, extrapola os limites da saúde do trabalhador e da trabalhadora e se torna um problema grave de saúde pública na dimensão ambiental, sociológica, política e também econômica, dados os impactos.
Eu esquematizo rapidamente, dentro do meu tempo ainda, algo que talvez não apareceu bem claro nesse eslaide, porque sumiu o mapa do Brasil na apresentação, mas o pontinho que está ali representa Minaçu, em Goiás. Com este esquema de ampliação crescente, eu quero mostrar o que é o alcance, no País como um todo, das fibras extraídas daquela mineração. Esta é, num primeiro momento, a partir de Minaçu, a distribuição das fibras, que em nosso País tem um alcance de milhares de quilômetros, como nós conhecemos, e que vai produzir o que está amplamente registrado, infelizmente.
Estão aqui os meus colegas e companheiros que vão falar dos seus companheiros, dos seus amigos e pacientes ou companheiros. Eu trouxe somente três, com muito respeito e estima, até porque não queremos usar a imagem deles, mas é preciso lembrar que as pessoas estão adoecendo e morrendo. Não há como ocultar que as pessoas estão adoecendo e morrendo, contrariando todas as teses dos que duvidam que isso exista.
Srs. Deputados e componentes da Mesa, faz parte da minha fala inicial, para abrir este debate, esta audiência, lembrar que não somos só nós. Há milhares de outras pessoas, há milhares de entidades, movimentos sociais e entidades científicas, organismos internacionais qualificados. Eu trouxe cinco, qualificados e reconhecidos internacionalmente, que já têm posicionamentos muito consolidados, relativamente antigos, mas renovados a cada hora, em função de dúvidas que ainda são plantadas de uma forma maliciosa para questionar o óbvio.
Trago um posicionamento já mais do que consolidado da Organização Mundial de Saúde, da qual o Brasil é membro. Todo o mundo conhece a Organização Mundial de Saúde, que é respeitada para todas as áreas e problemas de saúde global, de saúde pública. Está posicionada há muito tempo e diz claramente, nos seus documentos técnicos — há um que trata da eliminação do asbesto e das doenças relacionadas ao asbesto —, em frases contundentes, que todas essas fibras são cancerígenas, que só existe uma forma de combatê-las: eliminar a exposição.
Trago posicionamento da Organização Internacional do Trabalho — OIT, inclusive de história tripartite. Este ano, a Organização faz 100 anos. Acabou de ser celebrado o seu aniversário de 100 anos. A OIT, que há muitos e muitos anos trabalha com este tema, viu-se utilizada por determinadas manobras, como se tivesse dúvidas sobre este tema, e ela eventualmente corrigiu, ou retificou, ou esclareceu o que ela já dissera no passado.
Porém, disse: não se justifica usar a Convenção 162 como escusa, como desculpa, para a eliminação definitiva, o banimento definitivo do amianto no mundo.
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A terceira agência que trago é a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer — IARC. Sediada em Lyon, é uma dependência da Organização Mundial da Saúde. Já é pacífico este assunto, e o documento mais recente é de 2012, que conservei em inglês, porque o documento está inglês. Sempre foi dito que a crisotila era um amianto diferente, um amianto neutro, inócuo; essa falácia foi plantada e cultivada por muito tempo e não se sustenta. A IARC, essa agência da Organização Mundial da Saúde, é muito clara: fala de todas as fibras, todas as fibras, com ênfase na crisotila, porque é a fibra hoje utilizada. Não adianta falar daquelas que já não existem ou que já foram proibidas há muito tempo.
Trago, ainda, desse Programa Internacional de Segurança Química, o IPCS, um documento clássico, de 2003 — portanto, já tem pelo menos 16 anos —, que reitera que, em se tratando da fibra cancerígena, não há limite de exposição que seja seguro para a exposição e para a proteção das pessoas expostas.
Trago, por último, o posicionamento da Associação Internacional de Seguridade Social (AISS), que também se posicionou de forma explícita no âmbito internacional, como que dizendo: "Não sei por que há dúvidas, nós já sabemos há muito tempo", diz a organização. Ela reitera e diz que o amianto tem que ser proibido no mundo inteiro.
Encaminhando-me para a parte final do meu tempo, eu trago este título que está aqui: "Plantar ou criar a dúvida para tentar protelar a aplicação do óbvio". Estes itens que estão projetados aqui são bem conhecidos e são argumentos que, talvez desde 1980 ou da década de 80, são sempre ressuscitados, como se força e poder ainda tivessem, embora totalmente desmoralizados: que basta reduzir a exposição ocupacional; que existem limites de exposição ocupacional seguros, limites de tolerância; que existe um chamado uso seguro; que existe um chamado uso controlado; que outros produtos alternativos são perigosos ou não existe segurança no uso deles. E há algumas outras desculpas e outros argumentos até, vamos dizer, constrangedores, como aquele de que a fibra brasileira, de que a crisotila brasileira de Goiás seria, de todas as crisotilas de fibras do mundo, a mais inócua, a mais pura, a mais branca, a mais inofensiva, senão talvez até saudável!
Por último, essas dúvidas que são reiteradamente trazidas ou ressuscitadas têm respostas que já foram objeto de vários estudos, documentos e manifestações das entidades estrangeiras e internacionais e também do Brasil. Nós não ficamos atrás, porque o Brasil, através da Fundação Oswaldo Cruz, através do próprio Ministério da Saúde, através de estudos nas universidades idôneas, como a Universidade de São Paulo, a UNESP, a Universidade Federal de Minas Gerais, já mostrou à saciedade — e à sociedade — que esses argumentos não se sustentam mais.
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Mostrou que não existe nível de tolerância seguro. Mostrou que o mesotelioma maligno não é dose-dependente, que qualquer exposição é suficiente para vir a produzir o mesotelioma, depois de algum tempo. Esse tempo talvez seja longo, mas é inexorável. Mostrou que há mortes por câncer e mesmo a asbestose existem, mesmo com as doses chamadas "seguras", que não são seguras. Mostrou que as exposições não ocupacionais e a persistência no meio ambiente são um problema que não pode ser ignorado. Extrapola o interesse dos problemas de saúde do trabalhador e da trabalhadora e se torna um problema de saúde pública, que merece ser assim tratado — e bem-vindos a esta Comissão de Meio Ambiente, que não é só do meio, mas do ambiente inteiro, com certeza! Mostrou que o uso seguro é uma tese que não existe, que não existe uso seguro, que não existe uso controlado, sobretudo se a visão for de cadeia produtiva ao longo do tempo. Onde está a segurança, onde está o controle, quando aquela cadeia produtiva vai se abrindo justamente para os mais vulneráveis, para as pequenas empresas, para as famílias, para os trabalhadores avulsos?
Já estou terminando a minha fala, e me doeu o coração falar esta última frase. Eu escrevi isto ontem. Trabalho neste tema há 50 anos, mas eu tive que escrever esta frase: "Banido no Brasil: exportar o risco e 'infectar' o mundo"! Que papel vergonhoso, que nos constrange como brasileiros!
Alcançamos uma vitória estupenda, a Fernanda e todos os que estão presentes, da ABREA, além de outros colegas e companheiros. E agora, se não bastasse o que já foi feito de estrago, vem o papel do Brasil de dizer: "Para nós, está razoavelmente controlado, mas a mineração não vai estar proibida. Lá vamos produzir para exportar: exportar o risco!" Para onde?
Aqui também o esquema não funcionou, porque faltou o mapinha do Brasil, que sumiu. Mas imaginem ali que eu tinha o mapa-múndi. Não há problema, o pontinho continua sendo Minaçu, Goiás. Já passou pelo Brasil, já passou pela África, já passou pelo sul da Europa, já chegou ao Oriente, já chegou à Ásia, já chegou à Índia, ao Paquistão, a Bangladesh, à Tailândia e a outros compradores dessa fibra brasileira maldita — maldita!
Eu queria dizer, para terminar, que eu já passei por muitos ciclos na minha vida, de alegrias e de tristezas. Em relação ao amianto, eu vinha com uma esperança muito grande, e é inacreditável, para uma pessoa de 73 anos e meio, perceber que todas essas evidências acumuladas e a nossa história de luta corram risco de ser revertidas para atender a determinados interesses.
Como já foi dito, Deputado, são interesses locais — pequenos, econômicos, restritos —, que não são da macroeconomia, são de uma localidade e de um grupo.
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Nós estamos aqui para reiterar, como profissionais de saúde comprometidos com a saúde pública, coletiva e dos trabalhadores, que isso é inaceitável. E não é por curso ideológico, Deputado, é por evidências científicas que se somam ao longo de 112 anos e, no Brasil, há 63 anos.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dr. René.
O Dr. René termina a explanação dele dando um exemplo, e quero de novo fazer uma correlação. A lei que está em debate nesta Casa para flexibilizar a legislação dos agrotóxicos vai permitir que o Brasil traga para cá indústrias de venenos que hoje já são proibidos, por exemplo, na Alemanha. Lá na Alemanha baniram o uso na agricultura e inclusive proibiram a produção desses venenos. Como existem países que ainda o utilizam, como o Brasil, eles querem trazê-los para fabricar aqui no Brasil. Querem que as empresas alemãs os fabriquem aqui no Brasil. É mais ou menos o que eles querem fazer com o amianto.
Primeiro, agradeço ao Deputado Nilto Tatto a costumeira atuação, brilhante em todos os temas que têm relação com a minha área de atuação, especificamente, a saúde ambiental. Eu estou no Ministério da Saúde há 6 anos, trabalhando arduamente com esta agenda, o que não é muito fácil. Portanto, contar com Parlamentares dedicados como V.Exa. é sempre muito válido.
Para mim, falar depois do Dr. René é um desafio. Muito do que eu trouxe — ainda bem! — já foi contemplado na fala do Dr. René. Eu acho que este grupo, em todas as trincheiras de luta em relação ao amianto, é o mesmo, com poucas variações. Há instituições atrás, sempre muito envolvidas. Por isso, eu vou tentar trazer o que me cabe neste latifúndio, que é a parte da vigilância em saúde, os nossos dados.
Eu aproveito para dizer que vou deixar alguns exemplares da publicação que disponibilizamos no ano passado. Chama-se Atlas do câncer relacionado ao trabalho no Brasil. Trata-se de uma novidade, no Ministério. Estamos trabalhando com fração atribuível. Os dados são bem robustos. A quantidade de dados que está aqui compõe uma das melhores séries históricas que fizemos até hoje. Eu deixo para V.Exas. e já os convido a consultarem o documento na Internet, porque hoje em dia estamos imprimindo cada vez menos. Há seis exemplares aqui. Por favor, fiquem à vontade para consultar na Internet também. O endereço está na publicação.
Enquanto não passamos o eslaide, vou tentar trazer para V.Exas. um pouco de como olhamos a questão da exposição ao amianto no Sistema Único de Saúde como um todo, pensando não só no Ministério da Saúde mas no sistema como um todo.
Afinal, o Ministério da Saúde, de acordo com o ordenamento jurídico do nosso País, é o grande organizador da política nacional de saúde, e isso está muito bem municipalizado e regionalizado, de acordo com os nossos princípios.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Vou passar reto pela parte das definições do que é o amianto, mas é interessante destacar algo, para muitas pessoas que não o conhecem, principalmente para quem está nos assistindo pela Internet. É bom deixar claro isto que o Dr. René trouxe: o amianto não é uma substância química, é uma fibra de origem natural, que tem um comportamento, portanto, de uma fibra. Tem um comportamento de deslocamento, após a sua extração, que é imprevisível. É imprevisível a quantas distâncias vai, até onde chega. Por ser uma fibra composta por vários metais, várias substâncias, tem uma quantidade de efeitos na saúde que são variados, principalmente ligados à sua presença física no organismo.
A cadeia que o Dr. René já mostrou está muito bem traçada naqueles eslaides. É exatamente o que acontece com o amianto, quando olhamos para a exposição humana. Ele é extraído das suas ocorrências naturais das minas e é processado por toda uma cadeia, como bem vimos aqui. E vamos continuar vendo, certamente, na fala dos outros colegas da Mesa. Quiséramos que fosse um problema que estivesse só na extração, mas há, a partir daí, toda uma cadeia de utilização — processamento, transporte, destinação final — que ocasiona várias oportunidades de exposição, seja do trabalhador, seja da população que está nos arredores, nas adjacências.
Essas fibras, portanto, por serem leves, com propriedades aerodinâmicas bastante favoráveis para o seu deslocamento pelo ar, pelo, solo, pela água, deslocam-se. E o que acontece é que, majoritariamente, os humanos inalam essas fibras. É daí que todo o problema começa. Com a chegada dessas fibras — ficou bem claro aqui este esquema — aos nossos alvéolos, isso começa a gerar, com uma latência considerável... Isso é fundamental para toda a questão que falamos aqui sobre vigilância em saúde de populações expostas ao amianto, porque, diferentemente de algumas substâncias químicas, como efetivamente falamos, como agrotóxicos e metais, enfim, o amianto, por ser uma fibra, causa efeitos à saúde que são demorados para aparecer. Quando acontecem, já é muito difícil estabelecer um nexo de causalidade. Contudo, vejam só: é difícil, porém, já está estabelecido. Portanto, não há muito, mesmo, não há nada que se criar, que se inventar, que se questionar sobre algo que já está tão bem estudado, tão solidificado, tão bem documentado, como a exposição ao amianto e determinados agravos. É o que vou abordar mais à frente.
A seguir, apresentamos pontos-chave para olharmos a exposição ao amianto, principalmente do ponto de vista de serviços de vigilância.
A exposição humana pode ocorrer muito tempo após a liberação das fibras e em locais distantes da fonte. O esquema do Dr. René mostra isso bem, quando falamos principalmente da exposição ambiental a essas fibras. A ocupacional é bastante pior. As propriedades físicas e químicas do amianto garantem uma penetração fácil no sistema respiratório, continuada e imperceptível. Simplesmente vamos acumulando essas fibras no organismo por tempo indeterminado.
Há efeitos diversos à saúde. São diversos os efeitos na saúde, mesmo após a cessão do uso, exatamente pelo efeito cumulativo das fibras de amianto no organismo. Portanto, se eu sou um trabalhador que trabalha na cadeia do amianto e paro de trabalhar com ele, se paro de me expor ao amianto hoje, isso não garante que vou evitar todos os agravos posteriormente, daqui a 10 anos, 20 anos, 30 anos, porque eu tenho amianto presente no meu organismo, e não conhecemos ainda nenhuma maneira de removê-lo.
Portanto, é muito importante para nós categorizarmos esses dois tipos grandes de exposição: ocupacional e ambiental.
A ocupacional está superclara: toda a cadeia, desde a extração até a destinação final de todos os produtos derivados do amianto em si, gera uma exposição ocupacional. Isso é inegável justamente por tudo que eu acabei de dizer, pelas características dinâmicas ambientais do amianto e do processo de trabalho. Por isso, a OIT e outras organizações afirmam que não há como prever nenhum tipo de uso seguro dessa fibra. Exatamente porque a exposição no uso ocupacional é certo, não há como prevermos nenhum tipo de uso seguro.
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Sob o ponto de vista da exposição ambiental, é fácil percebermos quando vemos uma mina de amianto e a migração das fibras perceptíveis às vezes a olho nu. Toda a população ao redor ou os familiares que entram em contato com roupas dos trabalhadores que estiveram presentes nas atividades de processamento do amianto ou o simples trânsito das pessoas em áreas onde ele é processado, produzido, extraído e a presença do amianto livre na natureza, em pontos de depósito ou do seu descarte, são situações de potencial exposição de interesse para a vigilância em saúde ambiental.
Apenas quero reforçar que a maior autoridade mundial em investigação de pesquisas para o câncer se chama IARC — Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, da OMS. Há um jeito muito claro de categorizar substâncias, produtos e agentes cancerígenos, de uma maneira geral, por alguns grupos. Não por acaso e por todos os 122 anos de estudos acumulados sobre amianto e saúde é que o amianto figura no grupo 1, aquele em que existem dados suficientes para classificar uma substância ou um agente como comprovadamente carcinogênico para seres humanos. Estamos falando de estudos com animais, de seres humanos, de estudos epidemiológicos que verificaram a solidez do nexo causal entre a exposição e o efeito.
Realmente, não há o que criar nesse cenário. No Ministério da Saúde, diante dessas evidências, procuramos sempre monitorar, dentro dos nossos sistemas públicos de informação, principalmente hospitalares, dos sistemas de informação de mortalidade. Procuramos fazer a vigilância dos agravos que têm relação muito bem estudada com a exposição ao amianto, seja ocupacional, seja ambiental.
Eu vou destacar os dois primeiros. Para os colegas que não são da área de saúde, eu só trouxe o código da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, aos quais se referem ao agravo a que eu estou me referindo, para documentar de que CID nós estamos tirando essa busca, para deixar bem claro os agravos de interesse.
Vou tratar de alguns dados sobre mesotelioma, pneumoconiose e asbestose. Na verdade, um é o tipo do outro. Não vou deixar de destacar duas outras doenças. Se houvesse tempo, eu trataria de placa neural e neoplasia maligna de pleura, que estão documentadas no nosso sistema. Poderíamos abordar um pouco a causalidade entre amianto e essas doenças.
Como diz nossa publicação, o câncer é reconhecidamente ocupacional. Não é à toa que, de acordo com todos os dados que buscamos, analisamos e pesquisamos para fazer essa publicação, a conclusão a que nós chegamos, por meio do método de fração atribuível à população, é que, se não cessarmos a exposição ocupacional aos fatores de risco de câncer mesotelioma — leia-se amianto principalmente, majoritariamente —, poderemos reduzir 100% do número de casos de câncer mesotelioma em mulheres e em homens. Com isso, o sistema de saúde, a sociedade deve e pode se comprometer.
São casos totalmente evitáveis pela simples retirada da exposição do agente de risco. Então, isso salta aos olhos, faz-nos lembrar do nosso compromisso de avançar e não retroceder no que se refere ao uso do amianto no País.
Temos aqui alguns dados adicionais, como o risco de o trabalhador com exposição ao amianto desenvolver mesotelioma que é de 10%, ao longo da vida. Cerca de 70% dos casos de mesotelioma têm exposição documentada ao amianto. São dados que contribuem muito para a nossa discussão aqui.
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Só para terem uma ideia, a nossa série histórica está aqui. De 1996 a 2018, nós tivemos um total registrado. Todas as vezes que nós falamos de dados do nosso sistema de informação, é muito importante deixar claro que isso aqui é o que os nossos sistemas conseguem capturar. Como a latência entre a exposição ao amianto e a doença em si é algo difícil de acompanhar em razão do tempo entre a exposição e o agravo, é complexo, às vezes, documentar com exatidão todos os casos de doenças relacionadas a amianto e outras substâncias químicas. Mas o que nós temos no nosso sistema de informação é: mesotelioma, de 1996 a 2018, segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, 1.757 casos documentados de óbito por mesotelioma, sem falar dos sub-registros, das subnotificações, que nós sabemos que existem, principalmente com o trabalhador vulnerabilizado, que não chega a alcançar os serviços de saúde com a devida robustez.
Ainda sobre mesotelioma e esses mesmos óbitos, nós estratificamos por faixa etária da população, e logicamente nós percebemos um crescimento desses óbitos nos 50 anos para frente, principalmente para homens, mas para mulheres também, que nos leva a pensar em exposição ocupacional ambiental. Nós podemos discutir esses dados eternamente e chegar a várias conclusões. Mas isso mostra exatamente a dinâmica de adoecimento que o amianto causa tarde na vida, depois de anos de exposição. Mesmo que a exposição cesse no meio da vida, que você mude de trabalho, esse agravo vai te alcançar mais na frente.
Eu também estratifiquei aqui por região do País, mostrando que 61% desses óbitos estão concentrados na Região Sudeste. Isso não significa necessariamente que o óbito acontece no lugar onde a pessoa trabalhou. É muito provável que a pessoa mude de cidade para buscar tratamento, ou até mesmo de Estado. Isso é muito frequente. Por isso esses dados têm que ser olhados com bastante cautela. E aí eu acrescentei algumas informações. Nós falamos de adoecimento, de cargas de doenças, mas isso custa também para o sistema de saúde, e muito.
Por exemplo, nesse período de 2010 a 2019, só o Governo Federal gastou mais de 3 milhões de reais com internações por causa da mesotelioma e mais de 390 mil reais com essas mesmas internações em Unidade de Terapia Intensiva. É pesado de todos os lados que se olha, os custos do próprio Estado, enfim, o peso social de um problema desse e o quanto nós geramos riquezas para alguns e adoecimento para outros.
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Da mesma forma, como eu trouxe anteriormente, os nossos dados do sistema de informações hospitalares dão conta de que só o Governo Federal gastou mais de 105 mil reais em internações nesse período e em unidades de terapia intensiva mais de 33 mil reais. Isso só para contabilizar esses 211 casos. Se fossemos, na realidade, investigar tudo profundamente, acharíamos mais casos sem dúvida.
Eu não vou abordar muito isso porque eu acho que o Dr. René tratou um pouco desses pontos e do quanto essa história do processo do amianto já vem evoluindo aqui no País.
Eu já vou concluir, mas antes eu gostaria de registrar, além do processo que aconteceu no STF em 2017, que eu finalmente consegui entender, após a Dra. Márcia Kamei me explicar, porque, sem o auxílio dela, não há como compreender o "juridiquês" que foi feito ali e ainda existe — acho que ela vai nos dar essa oportunidade novamente de entender todo o processo... Eu queria destacar que em 2006 o Ministério da Saúde emitiu uma portaria ciente de todo o processo de exposição ao amianto de trabalhadores vulnerabilizados e do nosso papel institucional nesse assunto. Nós publicamos a Portaria 1.851, que definia procedimentos e critérios para que o setor produtivo encaminhasse regularmente a listagem de trabalhadores expostos ao amianto ao órgão responsável pela gestão do SUS no local mais próximo ao empreendedor.
Infelizmente, essa nossa portaria foi tornada sem efeito por uma movimentação das empresas produtoras de amianto e da cadeia de amianto, e até hoje não conseguimos colocá-la em prática exatamente por esse trabalho feito pelo setor produtivo.
Para fechar, como independentemente disso tudo precisamos nos mover e trabalhar, nós publicamos agora, em abril de 2019, uma portaria também no Ministério da Saúde que instituiu um plano de ação para a estruturação de uma rede de ações e serviços de saúde e atenção integral à saúde da população exposta ao amianto.
É mais uma tentativa nossa de fazer algumas coisas nesse cenário, como, por exemplo, conhecer melhor o perfil epidemiológico das populações expostas; caracterizar áreas e grupos de risco prioritários nas etapas da cadeia produtiva do amianto; estabelecer protocolos de monitoramento da saúde dessas populações que já sabemos que estão expostas — se já foram expostas, precisamos monitorar essas pessoas —; realizar a vigilância de ambientes e processos de trabalho que porventura ainda utilizem o amianto; orientar a organização da rede no País inteiro para o cuidado integral dessas pessoas; e promover a participação da sociedade e dos representantes dos trabalhadores na implementação dessas ações.
Parte desse grupo vai estar conosco amanhã no Ministério da Saúde trabalhando na definição e elaboração desse plano. Para nós é uma riqueza poder avançar nesse sentido independentemente do que acontece no cenário como um todo.
Para fechar, eu só queria registrar que historicamente o Ministério da Saúde advoga pelo banimento do amianto. Estivemos no STF em todas as oportunidades em que fomos convidados para falar sobre o assunto.
Apresentamos aqui toda a importância do Sistema Único de Saúde em trabalhar nesse sentido, porque nós temos um papel fundamental, independentemente do banimento ou não do amianto. O que já ocorreu é de nossa responsabilidade, além de monitorar, vigilar, acompanhar e reabilitar a saúde dessas pessoas que já foram expostas, deixando muito claro, de acordo com a legislação brasileira, sem eximir o setor produtivo responsável por todos os danos que já ocorreram.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Thaís.
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15:17
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Eu sou médico do Instituto do Coração em São Paulo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina.
Nos 15 minutos previstos, quero abordar cinco pontos, rapidamente, em menos de 3 minutos cada um deles.
O primeiro se refere à dimensão do problema. Em 10 anos, 2 milhões e 300 mil pessoas morreram por conta da exposição ao amianto no mundo. São 231 mil óbitos por ano. Dez por cento das mortes por câncer de pulmão decorreram da exposição por amianto. Quem são esses 2 milhões e 300 mil em 10 anos ou 230 mil por ano que morreram? É claro que há todo tipo de gente, mas 99% dos óbitos foram de pessoas que trabalham, trabalhadores, pessoas de baixa renda, pessoas pobres, portanto, aquelas pessoas cuja doença é um fator muito relevante de desagregação da estrutura da família, pela doença em si e pelo que ela consome de recursos, ainda que a pessoa possa ser atendida no sistema público de saúde. Isso cria toda uma situação de muita dificuldade.
Esse é um grupo de doenças que atinge seletivamente. As doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, também atingem a população de baixa renda, mas são menos seletivas do que essa doença provocada por exposição ao amianto por conta de esta atingir principalmente quem manipulou a fibra, quem se expôs ambientalmente a ela no domicílio, nos locais de moradia ou próximo das empresas produtoras de artefatos que envolvem amianto.
O segundo aspecto para o qual eu queria chamar a atenção é o malefício, que não tem qualificação, que os que defendem o uso do amianto, inclusive agora, prestam para o País e para as pessoas, porque induzem, com esse comportamento, esse debate, como a da visita que fizeram à mina aqueles Senadores e Governadores, e acabam criando uma dúvida de percepção de risco em uma parte da população que tem dificuldades de obter informações mais precisas. Eles reduzem a percepção de risco de maneira que essas pessoas podem ter descuido com o amianto. Por exemplo, se se quebra uma telha de amianto na casa, ela é deixada no quintal onde a criança brinca. Aquilo se esfarela, fica lá semanas, meses ou anos em um depósito. Então, esse procedimento, além de tudo, é um indutor para reduzir a percepção de risco das pessoas, especialmente as pessoas que obviamente têm menor possibilidade de acesso a informações.
Isso é uma coisa grave que deveria ser muito criticada e combatida, porque envolve a ideia do chamado uso seguro. Não existe uso seguro para um produto que vai para a casa das pessoas. De uso seguro são a geladeira, o fogão, que podem ser usados sem risco.
Agora, um produto que se dissemina nas casas às quais crianças têm acesso, qualquer pessoa tem acesso, que circula no mundo todo, na cidade toda — grandes e pequenas —, em todos os bairros, não. Não existe a possibilidade de um seguro para um produto cancerígeno como esse, não existe isso. Essa possibilidade é um factoide que se divulga.
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15:21
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O terceiro aspecto, que foi falado pelo Deputado Nilto Tatto e pelo Prof. René, é sobre os interesses — no caso particular da mina — que defendem um pequeno grupo econômico do ponto de vista de acionistas envolvidos. Eu até me comovo, vou a lágrimas, quando vejo o Governador de Goiás comentar sobre o assunto — o atual e o anterior.
A Eternit tem a obrigação ética, moral, social, política, de custear todos aqueles empregados até o fim da vida e aquela cidade. Eles usaram a mina para exportar um produto sabidamente cancerígeno para o mundo todo e para o Brasil inteiro. É reconhecido, há décadas, que faziam isso, ao arrepio das evidências. Quem faz isso tem que assumir o erro que fez, e não pensar: "Agora eu fecho a mina, e os 600, 500 que sobraram é que se virem" ou "A cidade é que se vire, porque eu não vou mais arrecadar imposto". Não. Vocês ficaram aqui 50 anos — não sei qual é o tempo de existência — produzindo e vendendo um produto que sabidamente faz mal à saúde, sendo que existem substitutos possíveis e seguros para os quais ele se destina. Então, ela tem responsabilidade social, econômica, política e criminal sobre isso, não pode se livrar desse passivo com relação aos seus ex-empregados, atuais empregados e a cidade onde ela exerceu aquela atividade produtiva. Pelo menos esse é o meu ponto de vista.
O quarto aspecto para o qual eu queria chamar a atenção — um pouco fazendo link com a fala da Thaís — é que, no Instituto do Coração, com o apoio do Ministério Público do Trabalho — com a Dra. Márcia —, da ABREA — com a Dra. Fernanda, o Dr. Eliezer, da Diretoria, e os trabalhadores —, foi possível, em 2017, fazer a destinação de 1 milhão e 700 mil reais para que nós que já tínhamos um ambulatório destinado a atender pessoas com risco, com hipótese de diagnóstico de doenças respiratórias ocupacionais, pudéssemos criar um ambulatório, ou seja, um atendimento à saúde, para dar conta de um pedaço da demanda de pessoas expostas ao amianto. Assim, desde agosto de 2017, aumentamos a nossa capacidade, criando esse espaço ambulatorial específico para pessoas que são encaminhadas pela ABREA, pelos trabalhadores ou que vêm de outros Estados, de outras cidades ou espontaneamente. Nós não temos restrições em receber pessoas com suspeita de doenças relacionadas à exposição ao amianto.
Eu chamo a atenção para isto: quem são as pessoas expostas ao amianto?
A maioria das pessoas tem a minha idade, de 67 anos, para frente, são mais raras as pessoas mais jovens. Essas pessoas não podem ir a um ambulatório desses, e olharmos se ela tem uma placa, se ela tem não sei o quê. Essas pessoas têm doenças cardiovasculares, uma parte fumou. Há outras doenças, como diabetes. Essas pessoas têm várias doenças. Não se pode prestar uma atenção à saúde restrita apenas às doenças tipicamente reconhecidas, até porque parte das doenças, ou do agravamento e progressão das doenças cardiovasculares, certamente tem também contribuição do amianto.
Hoje quem estuda a poluição do ar no mundo sabe que a inalação de partículas é um dos principais fatores de risco cardiovascular. A poluição do ar mata 4 milhões de pessoas no mundo, metade é por AVC e por doença isquêmica do coração. O que faz isso? O material particulado fino. A partir da inflamação no pulmão orquestra-se no organismo, libera-se no sangue mediadores que vão atacar a parede dos vasos, instalar ou acelerar a aterosclerose, a alteração do endotélio do vaso, ou seja, do revestimento do encanamento onde passa sangue. É claro que nós ainda não temos afirmações de que isso é uma doença ocupacional, mas nos cabe, ao atender esses trabalhadores, olhar para essa questão: Será que isso tem associação? Vamos cuidar do conjunto dos problemas daquele indivíduo para não só melhorar o cuidado com ele, como poder entender melhor eventualmente as outras possíveis manifestações, porque sabemos que uma inflamação localizada pode se espalhar para o corpo todo e ao longo dos anos ser geradora de doenças.
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15:25
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Acho que isso é a característica de serviços que deveriam ser espalhados pelo País todo, pelo menos nos Estados, nas cidades e regiões onde existiam, ou existem, plantas pelo menos desses locais. Isso está faltando por parte dos Estados e dos Municípios. É necessária uma ação indutora mais firme, na minha opinião, do Ministério da Saúde.
Fiquei um pouco surpreso com a estimativa de gastos apresentada aqui. Gostaria que fosse tão barato assim, mas acredito que mesmo com a tabela SUS... Eu até gostaria depois de entender como se se chegou a esse valor, porque não é possível custear pacientes em UTI com esses valores, pelo menos no Estado de São Paulo, que conheço mais.
Por último, precisamos de uma ajuda de todos para facilitar o registro das doenças. Por exemplo, a maior parte dessas pessoas que nós estamos tratando aqui, isso vale para outras situações, o indivíduo aposentado quando tem o diagnóstico de asbestose, de câncer de pulmão, de mesotelioma ou de alterações da pleura, de câncer de laringe, de câncer de ovário, de câncer de cólon, tudo relacionado ao amianto, eu não consigo... Se eu preencho a CAT, o indivíduo já está aposentado. Chega ao INSS com a CAT pronta, não tem registro. Na Previdência Social esse indivíduo não é registrado. No SINAN é uma dificuldade. Depois de muitos anos consegui pegar uma senha pessoal, no caso de São Paulo, da PRODESP, para ficar digitando.
É um formulário em que se tem que fazer certos enquadramentos, se não, não se progride no preenchimento da ficha de coisas impossíveis de se fazer.
Isso dificulta a notificação que os médicos do Brasil queiram fazer que deveria ser: asbestose e câncer de pulmão. Se mexeu com amianto, aperta o botão e vai lá, depois alguém da vigilância olha aquilo e pode complementar com o que falta. Porém, nós temos um problema no SINAN, que é um sistema que nos desestimula.
Eu sou do InCor, do Hospital das Clínicas, e tive de criar um sistema próprio. Na vigilância das Secretarias de Saúde dos Municípios, eu posso registrar no InCor uma tuberculose, mas asbestose não. Eu não vou digitar essa ficha, o sistema de epidemiologia fala. Há uma cultura de que essas doenças não têm nada a ver com o registro de AIDS, de hepatite, de doença de Chagas. Isso aí não tem nada a ver conosco, tanto é que nós tivemos de criar esse sistema. Eu tive de pegar uma senha, uma colega está fazendo a digitação separada, ou seja, ainda não virou uma coisa institucional. Nós estamos forçando a barra para que possa virar.
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15:29
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Isso, porém, poderia ser facilitado se o próprio Ministério da Saúde e as Secretarias agissem, pois permitiria o acesso com poucas informações, como o nome da pessoa, o CPF e o RG. Depois, eu vou estudar direitinho as outras informações, como o nome da empresa em que ele trabalhou, entre outros. Esses detalhes são importantes, eu sei, mas, se na hora você é obrigado a cumprir com todos os passos, isso estimula a subnotificação.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dr. Ubiratan.
O SR. MARCOS LOPES MARTINS - Gostaria de cumprimentar a Mesa e agradecer ao Deputado Federal Nilto Tatto pela iniciativa e compromisso com esta luta.
Muitos já estão aqui há alguns anos, 20 anos, 23 anos, 24 anos, e é muito importante termos solidariedade no Parlamento.
Cumprimento também o Dr. Ubiratan, nosso companheiro de seriedade e de muita luta, a Thaís e o nosso companheiro René.
É muito comum ver médicos cujo trabalho é importante, mas médicos que tenham compromisso com aqueles que têm menos recursos, menos oportunidades, os mais necessitados não são muitos.
Por isso, estou registrando aqui a minha alegria por tê-los aqui ao nosso lado.
Cumprimento também a Márcia e a Fernanda. A Márcia é do Ministério Público do Trabalho, e a Fernanda é uma batalhadora de tantos anos, não só no Ministério Público do Trabalho, mas também na defesa dos trabalhadores de maneira geral. E o Eliezer, eu deixei para lembrar dele agora, porque eu o conheci antes de ele estar contaminado...
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15:33
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MARCOS LOPES MARTINS - Não sabia. Estava contaminado, mas não sabia. Eu já o conheci lutando. Lutando pela justiça, pelos direitos. Mal sabia ele que naquela fábrica onde ele trabalhou, prestou serviço — ele era representante dos trabalhadores na saúde lá —, utilizavam um produto cancerígeno. A empresa nunca explicou para ele que aquele produto era cancerígeno. E ele veio a ser depois o Presidente da associação que nós ajudamos a criar, junto com a Fernanda, você, a ABREA. Criamos essa associação, porque esses trabalhadores foram abandonados pela empresa, doentes, contaminados. E a empresa foi embora tomar lucro em outro lugar. A ganância do lucro acima de tudo. O meio ambiente e a saúde estão em segundo lugar.
Então, esta audiência traz também essa resistência aqui, porque o que querem é o retrocesso, a ganância do poder econômico. No caso do amianto, das empresas de amianto, a preocupação é ter mais lucro. Lucro, lucro, lucro, mesmo que isso custe para o Estado, custe para o SUS, custe para o meio ambiente, para a preservação, para a sustentação deste planeta. Não têm preocupação com isso. Querem ter lucros!
Eu estou já há 20 e tantos anos, 23, 24 anos aproximadamente nessa luta. Fui Vereador na cidade de Osasco, onde havia a maior fábrica de amianto da América Latina, a Eternit; havia também outra fábrica, a Lonaflex, que fazia lonas e pastilhas de freio que eram de amianto e provavelmente, indiretamente, havia outra fábrica lá, como a Damas, que fazia papelões.
Essas pessoas que foram contaminadas procuravam o quê? Procuravam o poder público, buscando apoio, buscando saúde ou o meio ambiente para ter espaço de sobreviver, ou procuravam o Parlamento; no caso lá, os Vereadores. Parte dos Vereadores tinham transportadora de amianto. A defesa era direta. O interesse em manter essa indústria era direto.
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15:37
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E assim, durante esses anos, eu fui convivendo com a angústia e o sofrimento de diversos trabalhadores. Conheci muitos, alguns que morreram no sofrimento e na angústia, na cama, a família, o sofrimento terrível e o sepultamento. Nós acabamos indo até o sepultamento. E vendo a ganância e as mentiras, durante anos, praticadas para iludir a população e continuar matando e tendo lucro, matando e tendo lucro. Não interessam os que morrem.
Por isso, esta audiência e essa resistência. Nós não podemos tratar a vida como mercadoria. Já fazem isso com a água, já fazem isso com vários outros produtos. Faço a defesa da vida. Não pode ser tratada como mercadoria para ter lucros. É isso que nós estamos fazendo aqui. Eu não sou mais Deputado, não disputei a eleição, Deputado Estadual, é claro. Mas quero continuar ajudando a combater essa angústia dos contaminados, seja por agrotóxico, seja amianto, mercúrio, benzeno, sílica, chumbo ou outros produtos que precisam ser preservados. Podem ser usados, alguns não dá para usar mais, que é o caso do amianto. Não existe uso seguro. Quem mata aqui mata em outros países, mata no exterior.
Nós recebemos representantes da Ásia na Semana de Conscientização de Exposição e Comercialização do Amianto, que é realizada todo ano na cidade de Osasco, em São Paulo. É uma semana de conscientização das pessoas contra o amianto, para conscientizar a população. Vieram representantes da Ásia, da Índia, do Japão, uns 3 ou 4 países daquela região, pedir para que nós ajudemos a não exportar amianto para lá, porque lá já há muita gente contaminada, e a maior parte vai daqui do Brasil e mata lá. Esse amianto que matou aqui nós não queremos que mate em outra parte do mundo, porque a vida, o ser humano tem valor em qualquer parte do mundo. E precisa ser preservado no mundo inteiro. Por isso, a Organização Internacional do Trabalho, que é internacional, defende isso. Nós temos que ser solidários. Com todos os nossos problemas, nossas limitações, temos que ser solidários também a eles.
Mas eu quero com isso encerrar por aqui, pois falei bastante. Quero dar oportunidade aos outros companheiros que têm muito a falar e têm muitas informações, principalmente os três que estão aqui na nossa frente: a Márcia, a Fernanda e o Eliezer, para que possam também dar o testemunho e as informações que têm.
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15:41
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Parabéns a todos! Parabéns a toda a Mesa por este gesto de dizer: "Nós não aceitamos; nós não concordamos que voltem a expor a população a este produto cancerígeno, o amianto". Não é possível andar para trás — retrocesso. Nós queremos avanços para a vida e não para o lucro, para ganância, que cada vez mais se sobrepõe com maior força contra a vida.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Deputado Marcos Martins.
Vamos desfazer esta mesa. Peço que o Dr. René, o Dr. Ubiratan e a Sra. Thaís sentem na primeira fila.
Peço ao Deputado Marcos Martins que permaneça na mesa. Convido para a mesa a Dra. Márcia Cristina Kamei Lopez Aliaga, que é Procuradora Regional do Trabalho e Gerente do Programa Nacional de Banimento do Amianto do Ministério Público do Trabalho — MPT.
A SRA. MÁRCIA CRISTINA KAMEI LÓPEZ ALIAGA - Boa tarde a todos. Boa tarde, Deputado Nilto Tatto, Deputado Marcos Martins. Agradeço muito o convite que nos foi feito. Parabenizo a iniciativa desta Casa, que, num momento tão delicado, promove este debate nesta Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, tratando da questão do amianto.
Como promover desenvolvimento sustentável pautado em uma fibra cancerígena? Como já foi colocado muito bem por todos os técnicos, o controle é impossível. O amianto pode trazer tantos malefícios à saúde não só de trabalhadores, como da população em geral. Então, como pode haver sustentação na continuidade da exploração econômica de uma substância dessa natureza? Essa é a reflexão que nós gostaríamos de fazer e de trabalhar nessa breve fala.
(Segue-se exibição de imagens.)
O Ministério Público do Trabalho até então trabalhava a questão de forma esparsa em inquéritos espalhados em todo o País, mas, diante da dificuldade, complexidade e necessidade de dar um tratamento mais orgânico para a questão e também mais próximo da sociedade de forma resolutiva, criou-se uma ação institucional consubstanciada no programa nacional de banimento de amianto do Ministério Público do Trabalho, inicialmente gerenciado pelo Dr. Luciano Leivas, que hoje está no Rio Grande do Sul, e posteriormente integrado por mim, que estou nesse programa desde o ano de 2014.
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15:45
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Nesse período, acho que houve uma grande evolução na questão — que como eu disse é antiga. A ABREA discute essa questão desde a década de 1980, 1990. Essa questão não nasceu conosco e provavelmente não terminará de forma breve.
Por que ingressar nisso dessa forma? Por todas as razões anteriormente expostas. Não há forma segura de controle, é um cancerígeno poderoso e responde por quase 50% dos cânceres de origem ocupacional. No Brasil, existem dados, mas dados subdimensionados infelizmente. Esse trabalho do Dr. Francisco Pedra, que fala da mortalidade por mesotelioma, demonstra que se chegou a 3.718 óbitos, no período de 1980 a 2010. Agora, se nós formos pesquisar a literatura internacional, nós vamos ver, por exemplo, que no Reino Unido existem 3 mil novos diagnósticos por ano, seguidos por mais de 3 mil mortes anuais por mesotelioma, num país em que a fabricação de produtos com amianto parou no ano de 1999. Então, estamos muito preocupados porque temos certeza de que esses números são subdimensionados.
Há os dados extraídos de internação. Como disse, existe esse trabalho do Prof. Hermano Castro das estimativas com o custo de internações hospitalares, mas, como o Dr Ubiratan já colocou, também são números que me parecem subdimensionadas, dados os altos custos envolvidos nestes tratamentos, que envolvem medicação de alto custo. E fora mesotelioma, cuja letalidade é relativamente rápida, de aproximadamente 1 ano, os demais cânceres demandam tratamentos que podem se arrastar por muito tempo.
Com medicamentos de alto custo, como fica isso? E outra, quem paga por esse tratamento? Poucos deles são custeados pelas empresas produtoras. Se nós formos fazer um levantamento das indenizações, elas ainda são módicas e poucas perto da extensão do dano.
No período de 2012 até agora 2019, nós tínhamos todas essas fábricas funcionando no Brasil na área de fabricação de telhas de fibrocimento que foram as últimas a deixar o amianto. Por que só na fabricação de telhas de fibrocimento? Porque esse produto com o tempo se tornou obsoleto, ou seja, vive-se sem ele.
Se, há algum tempo, no início do século passado, nós poderíamos sustentar que essa produção era vital para o desenvolvimento da sociedade, hoje não há mais sustentação para isso.
Todas essas fábricas de telhas de fibrocimento funcionaram até 2018. Feita a transição da matéria-prima, nenhuma delas encerrou as atividades. O fantasma que se colocava na época era o do desemprego, e nenhuma delas fechou ou teve decréscimo de postos de trabalho, o que revela uma falácia nos argumentos que sustentavam esse tipo de produção.
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15:49
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A resolução do CONAMA fala dos riscos. É uma questão muito delicada lidar com esses resíduos. Há problemas que vão ser enfrentados daqui para frente: como fazer a remoção segura desses produtos e como dar a destinação adequada, de modo que isso não venha a se espalhar no meio ambiente e causar riscos maiores para a população?
Essas resoluções do CONAMA definem que o amianto é um lixo, é um resíduo perigoso, que tem que ser destinado para aterros especiais classe I, que tratam de resíduos perigosos. Isso vai ter um custo, que vai ter que ser suportado — esperamos que isso seja feito pelas empresas que produziram o material até agora —, embora o amianto não esteja listado na lei que trata dos resíduos sólidos.
O Decreto nº 3.048, que regulamenta os benefícios previdenciários, e a Portaria n º 1.339 desde 1999 já listam as doenças relacionadas ao amianto. Nós podemos dizer hoje que essa lista é incompleta, porque a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer — IARC já lista outras doenças relacionadas ao amianto, como o câncer de ovário e o câncer colorretal, que não constam dessas listas. E quantas outras doenças ainda podem estar relacionadas ao material, embora sua relação com ele ainda não tenha sido firmada de forma categórica, esteja sob suspeita? Então, os danos podem ser ainda muito maiores, e é sobre isso que nós temos que pensar, em termos de prevenção e precaução. Quanto mais tempo levarmos para definir a questão do amianto mais nós estaremos prolongando o sofrimento e os riscos para a sociedade.
Vou falar rapidamente sobre a questão do STF. Uma longa batalha judicial teve início nos anos 2000 e foi muito pautada pela posição dos Estados. Aqui relembro a lei do Estado de São Paulo que foi editada duas vezes, sendo que em uma delas ela foi considerada inconstitucional, porque tratava da questão da mineração, que é matéria reservada à União. Depois, a iniciativa do Deputado Marcos Martins deu o início a todas as discussões nos Estados. Vários Estados definiram que, para proteger seus cidadãos, proibiriam o uso do amianto crisotila dentro do seu território.
Todas essas leis foram questionadas no STF. A própria lei que permitia o uso do amianto também foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelas associações tanto da magistratura trabalhista como dos procuradores do trabalho.
A questão é um pouco longa, mas o que importa dizer é que, no fim de 2017, essa batalha judicial teve fim com o STF definindo que a lei que permitia a exploração econômica do amianto era inconstitucional. Portanto, a Corte Suprema definiu a questão: a saúde e o meio ambiente devem ser resguardados e devem prevalecer sobre as questões econômicas. Essa foi a definição do STF sobre uma questão que, inclusive, já tinha sido objeto da Convenção nº 162 da OIT, que colocava como nota de toque que, havendo possibilidade tecnológica, dever-se-ia sempre optar pela substituição.
Então, não há como sustentar o uso seguro. O uso seguro já foi tentado. A Europa o tentou por muitos anos e não conseguiu promover saúde ou distribuição de renda dentro desse modelo. Por que nós conseguiríamos se não houve desenvolvimento tecnológico para tanto?
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15:53
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Esta aqui é a convenção, que fala que a substituição deve ser feita quando necessária para proteger a saúde e sempre que ela for viável sob o ponto de vista técnico.
Isso assentado, nós observamos o seguinte: a líder de mercado, que, inclusive, congrega produção e mineração, desde 2005 já havia anunciado ao mercado que tinha condições tecnológicas de fazer a substituição. Isso foi anunciado aos quatro ventos e constava, inclusive, do seu site, de onde foi posteriormente retirado no curso de uma ação civil pública que movemos contra eles.
A questão do emprego, que já foi colocada, existe, sim, na mina de Minaçu. No entanto, nós também temos que ter em mente que nenhuma mina é perene, todas elas vão se esgotar. Como fazer a preparação para esse esgotamento? Isso nunca foi feito, nunca constou dos planos.
Essa é uma questão que entendemos que demanda aperfeiçoamento legislativo. Por quê? Porque mineração envolve pagamento de royalties, envolve impostos, só que a lei não atrela isso a nenhuma destinação. Esses valores poderiam, sim, evitar um colapso social dentro das comunidades se alternativas econômicas que viabilizassem outro tipo de empreendimento trouxessem impactos positivos, fazendo com que as comunidades dependessem menos do amianto para a sobrevivência.
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15:57
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A questão que se coloca é: considerando a vida e a saúde, como optar pela continuidade de uma atividade poluidora? A Constituição deixa isso muito claro. A função social de empresas envolve distribuição de renda, de riqueza, promoção de dignidade para os trabalhadores. Que dignidade pode haver na continuidade de um empreendimento dessa natureza, que vai distribuir certamente doenças e tudo o mais?
Bom, uma última questão é que essa história já está escrita, foi escrita em outros países, e ela está sendo contada agora com os mesmos dados.
Como sustentar a continuidade de uma exploração que vai ser feita por uma empresa que está em recuperação judicial, que não tem nenhum seguro que possa depois sustentar o pagamento de indenizações ou mesmo o reembolso ao Sistema Único de Saúde dos gastos que o sistema enfrentará? Além disso, dentro desse modelo legislativo, em que não é exigida nenhuma retaguarda financeira, para quem vai ficar esse custo? Nós, sociedade, vamos assumir isso? Essa é uma questão que se coloca, e sobre ela nós devemos refletir antes de, deliberadamente, fazer a opção pelo mais fácil. As opções são duras, mas o Ministério Público do Trabalho tem muito claro que, ante a exploração econômica, o desenvolvimento econômico não sustentável, nós optamos pela vida e pelo trabalho digno.
Por esse motivo, ante a iniciativa do Senado de formação de uma Comissão que foi até Minaçu e que, como disse o Dr. Ubiratan, nos deixou muito preocupados, pela imagem que isso pode passar para a sociedade de ausência de risco nesse tipo de atividade, o Ministério Público do Trabalho, através da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, editou esta nota técnica, que foi distribuída a todos os Senadores. Agora eu gostaria de entregá-la ao Deputado Nilto Tatto. Esta nota pode ser compartilhada posteriormente. Ela foi assinada pelo nosso Procurador-Geral do Trabalho, que tem dado muita sustentação a essa empreitada.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Márcia.
Depois nós podemos também disponibilizar esta nota. Aliás, todas as apresentações e os materiais acabam ficando disponíveis no site, na página de audiências públicas da Comissão de Meio Ambiente.
(Exibe livro.)
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16:01
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Quero agradecer ao Deputado Nilto e apresentar aqui uma justificativa. Você deu uma pequena aula para nós sobre meio ambiente. Eu quero deixar registrado que eu fui conhecer o seu trabalho em Curitiba e fiquei sabendo quem é você. O trabalho do Nilto é feito não só em Brasília ou São Paulo, mas em âmbito nacional. O pessoal do meio ambiente tem você como referência na luta contra o agrotóxico.
O Deputado Marcos Martins é um aliado. Ele entrou primeiro do que eu na ABREA, eu vim depois dele. Ele que acabou me levando para lá. Eu falo que ele é o culpado de eu estar nisso, porque ele que me trouxe.
Agradeço ao Dr. Ubiratan, nosso médico e companheiro; ao René Mendes; à Fernanda; à Márcia; à Thaís, que já vimos algumas vezes nessa luta contra o amianto; ao Presidente da Comissão, o Deputado Rodrigo Agostinho, que abriu a audiência, mas teve que sair em função de outro compromisso.
É interessante que há algumas pessoas que não são muito lembradas por nós, mas que têm que trabalhar muito para nós estarmos aqui, como a Eliane, que está de contrarregra fazendo o seu trabalho em surdina, e o Rubervon, assessor do Deputado Nilto, com quem falamos muito nesses dias para estarmos aqui.
Eu vou tentar ganhar um pouco de tempo, até para a Fernanda ganhar mais tempo também, porque a bagagem dela é muito boa e muito grande, e é um pecado deixá-la sem apresentar alguns dados que ela tem. Inclusive, eu também preciso ouvi-la, porque hoje encontro com a Fernanda de vez em quando para dar uma afinada na viola, mas, após afinar a viola, às vezes nem a tocamos, vamos embora, e a situação continua. Então, eu também preciso ouvir.
Companheiros, essa militância nossa contra o amianto do Brasil — esse é um dado interessante — começou há uns 20 anos, e a empresa está no Brasil há mais de 50 anos, há quase 60 anos. A Fernanda começou primeiro, depois veio o Marcos, o Ubiratan, o Clemente, de Osasco, que é um grande companheiro do Conselho Intersindical, e outros companheiros. Essa é uma luta de todo mundo que a encampou. Eu acredito que, pela situação em que nós começamos isso, até que não foi muito o tempo. Se nós analisarmos o poder econômico, o nosso tempo e as condições, até andamos um pouco rápido.
Vou dizer mais para vocês. Estava comentando com o Ubiratan, hoje, quando nós viemos de São Paulo, e com o Marcos — comentamos muito isso — que, se nós, Deputado Nilto, não tivéssemos feito o banimento do amianto em 2017, ia ser muito difícil fazê-lo agora. Vocês estão vendo que Goiás está mobilizado. Há aquele Senador. Pode ser que eu esteja enganado, mas até acho que aquele Senador nem sabe o que é amianto e entrou numa barca junto do Governador.
O Governador sabe muito mais do que qualquer um de nós o que é amianto. Ele faz o lobby porque quer fazê-lo, para matar mesmo. Ele mata e sabe que está matando.
Em Goiás vai haver uma epidemia de doenças vindas do amianto, e não haverá condições de evitar isso. Aquilo ali vai ser um Bom Jesus da Serra da Bahia, entendeu? A mina parou este ano, mas, durante muitos anos, vai morrer muita gente por causa do amianto. Um exemplo é a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto de Osasco. Na nossa diretoria, que tem uma média de 14 integrantes, só há 2 fundadores da ABREA, o resto já morreu. Esse é o exemplo do que vai acontecer, e eles estão lutando para manter a mina ainda.
Então, Deputado Nilto, esta audiência de hoje é muito importante.
Quando o Edu, que trabalhou com o Marcos e trabalha com você, nos procurou, por sorte, eu estava conversando, junto com a Fernanda, com a advocacia que trabalha conosco e falei: "Puxa vida, Fernanda, essa é uma oportunidade de ir para Brasília falar disso que nós não podemos perder". Por sorte, como nós temos um evento amanhã e depois, nós pudemos vir hoje e vamos ficar aqui amanhã e depois. Deu tudo certo. Graças a Deus, as coisas sempre dão certo.
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Discutir essa situação toda é difícil para nós que convivemos com pessoas que morrem, principalmente para mim, que visito vários Estados, várias associações na luta contra o amianto — vocês vão ver isso no material que deixamos para vocês. A indústria sabia que ia nos matar. Quando eles foram para Osasco e para São Caetano, nas décadas de 30 e de 40, já sabiam que o amianto era cancerígeno. Estão aqui dois profissionais que sabem disso muito mais do que eu e já discorreram sobre o assunto. A Fernanda também sabe disso.
Só para vocês terem uma ideia do que ocorria — hoje nós temos esses dados registrados na nossa mente —, a empresa nos diagnosticava de ano em ano, de 2 em 2 anos. Aliás, falava-se "chapa do pulmão", não era nem raio-x. Nós fazíamos isso de ano em ano, de 2 em 2 anos, e eles pegavam essa chapa, tinham o controle da nossa situação. De vez em quando, sumia um, morria um, mandavam alguém embora, levavam uma coroa de flor para o enterro — isso a empresa sempre fazia para a família —, e nós vivíamos nessa situação. Como o Marcos falou, eu fui da CIPA durante 2 anos sem saber que amianto era cancerígeno. Fui saber disso 14 anos depois que saí da empresa. Eles nos enganaram, nos ludibriaram e continuam a fazer isso.
Eu costumo dizer, sem receio de falar isso, que esses empresários que usufruíram desse amianto, desse veneno para matar trabalhadores, seres humanos, não são piores que Hitler, da Segunda Guerra, porque não existem nada pior, mas são iguais a ele. Eles sabiam que estavam nos matando, que estavam nos condicionando a trabalhar com produtos cancerígenos, que não tinha volta. Não tem volta! A doença não tem cura. Os médicos, que têm os dados concretos, já colocaram isso melhor do que eu.
Nós precisamos, mais do que nunca, Deputado Nilto — eu talvez faça isso mais para frente, no ano que vem —, reforçar esse debate, para isso estar na ordem do dia, junto com o trabalho que a Dra. Márcia e todo o Ministério Público do Trabalho faz. Que nós avancemos muito nisso. A realidade está aí nesse livro.
Nós precisamos manter muito viva essa guerra pelo banimento do amianto, para que ele não volte mais. Eu acho muito difícil ocorrer a volta, porque é muito difícil até haver mercado hoje para viabilizar o amianto. Mas, com esse Governo que nós temos, com essa situação que estamos vivendo de desmando, de retirada de direitos, de busca por acabar com a aposentadoria, temos que estar muito preocupados a todo o momento, porque a situação está muito difícil. Por isso eu digo que, se não tivéssemos banido o amianto em 2017, ia ser muito difícil fazer isso hoje.
Eu não quero falar muito, porque eu acho que o nosso objetivo aqui hoje é justamente aprimorar o debate e ganhar tempo para poder trabalhar e acabar com isso. Mas existe um fato que está ligado completamente à questão do meio ambiente, porque as doenças do amianto são doenças praticamente ambientais. Se o meio ambiente está contaminado por amianto, ele vai continuar assim? Já há muita coisa no meio ambiente: telhado, caixa-d'água e outros produtos. Isso também tinha que ser retirado e levado para um aterro especial. O pior é que aterro especial para enterrar amianto no Brasil existe, parece, só em São Paulo e, se não me engano, no Rio. Parece que isso não existe em outros Estados ainda. Então, há muita coisa a ser feita.
Se nós não tirarmos o passivo ambiental que está aí, com o tempo ele vai contaminar outras pessoas, mesmo aquelas que não trabalham numa mina retirando amianto nem fazem produtos com ele.
Mas está muito difícil um projeto desse ser aprovado nas Prefeituras, nas Câmaras Municipais. Prefeito nenhum gosta de fazer dívida, nós sabemos disso. Eu fui Vereador, o Marcos foi também. Isso é muito difícil! Então, nós estamos com essa luta aí na ordem do dia.
Completando, para a Fernanda poder falar, eu quero dizer para quem está nos ouvindo aqui ou pela transmissão que a nossa luta do amianto em favor de quem trabalhou e foi contaminado é um trabalho preventivo para os outros, para a humanidade.
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Eu estou contaminado. Já operei. Ele é que encaminhou a minha operação. Estou vivo aqui ainda. Às vezes ele fala que eu duro ainda mais 1 ano talvez, às vezes ele mente e fala que eu duro mais — graças a Deus! Para nós contaminados não tem mais volta. Eu sei, ele sabe, a Fernanda sabe. Eu posso morrer amanhã de alguma doença. Acontece que o amianto que ficou não sai. Pode acontecer uma contaminação e nos levar deste mundo para outro. Isso acontece comigo e aconteceu com os outros que já foram. Isso não é novidade. Infelizmente, essa é uma realidade.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Eliezer.
Registro e agradeço a presença do Rubens Born, que é da Fundação Esquel, do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento — FBOMS e da ONG 350.org; e a presença do Clauber Leite, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor — IDEC.
Cumprimentando o Deputado Nilto Tatto por esta iniciativa cumprimento todos os membros da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que — temos ainda a esperança — será um ponto de resistência a este desmonte que estamos vendo e a este retrocesso em várias questões, principalmente na área ambiental.
Quero cumprimentar meus amigos e companheiros dessa jornada de tantos anos, quase três décadas: o Prof. René; a Thaís, que representa a nova geração; o Ubiratan, que dispensa qualquer comentário; a Dra. Márcia, uma grande parceira nessa luta, e toda a instituição Ministério Público do Trabalho; o meu companheiro Eliezer; e o sempre Deputado Marcos Martins, que foi e continua sendo nosso grande aliado.
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16:13
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Cumprimento também os internautas. Deputado, esta audiência está sendo acompanhada lá na Inglaterra. Acabo de receber uma mensagem da nossa companheira Laurie Kazan-Allen, a quem cumprimento à distância. Ela não entende tanto o português, mas diz assim: "Ouvi o Deputado Marcos Martins comentando sobre a missão asiática que esteve recentemente no Brasil pedindo aos Ministros do Supremo (...)" .
Viemos a esta Casa com representantes da Índia, da Tailândia, do Japão e com a própria Sra. Kazan-Allen, chamando atenção para as exportações do Brasil, que é o que vamos abordar na sequência.
Existem outros internautas. E eu gostaria muito que nós tivéssemos tempo para poder interagir com eles, porque acho fundamental, neste momento, este debate com pessoas interessadas.
Volto ao que dizia. Esse dossiê de 2010 tornou-se um trabalho de referência. Ele foi feito pelo Dioclécio Luz, um jornalista muito competente, juntamente com a relatoria da Comissão. Infelizmente, ele não foi votado, consta como documento técnico, mas não foi aprovado pela Comissão. Isso é algo que nos deixa muito entristecidos, porque foram meses de pesquisa.
Nós vemos o Brasil nos deixando numa situação bem difícil, por exemplo, neste ano, em Genebra, na Convenção de Roterdã, que discute a inclusão de produtos tóxicos numa lista, num anexo. Não se trata de banimento, mas de informação que os países importadores devem receber dos países que exportam, sobre os riscos dos produtos. E o Brasil tem se omitido vergonhosamente, reiteradamente. Só houve um ano em que o Brasil teve uma posição mais proeminente. Das outras vezes, como neste ano, após decisão do Supremo, o Brasil se absteve novamente de uma votação para a inclusão de informação sobre um produto, numa negativa de informação sobre os riscos de um produto.
Então, registro aqui a nossa reiterada crítica ao papel que o Itamaraty tem tido nessas discussões, porque ele representa o Brasil. Embora o corpo técnico esteja presente, ele fica subordinado à diplomacia brasileira, que se omite reiteradamente. Nós fizemos essa crítica. Inclusive, em uma das COPs em que estive presente, representando a sociedade civil, eu fiquei realmente com vergonha do papel do Brasil quando vi que, entre as bandeiras levantadas dos países que apoiavam a inclusão do amianto no Procedimento de Consentimento Prévio Informado — PIC, a bandeira do nosso País não estava. Houve sete países que se opuseram, liderados pela Rússia, como o Cazaquistão e a Índia. E o Brasil não se colocou ao lado das nações preocupadas com a questão ambiental. Então, registro o nosso veemente protesto sobre isso.
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16:17
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Eu não sei se nós poderíamos, Deputado, como sugestão, retomar aquele dossiê e atualizá-lo, porque é um documento de grande importância. Talvez pudéssemos revisá-lo à luz do conhecimento atual, ao estado da arte. Eu acho que aquele dossiê tem um papel. Ele tem sido citado em várias ocasiões e em várias ações judiciais inclusive.
Outro ponto que me causa espécie é quando ouço dizerem que a Previdência do Brasil está quebrada e precisa de uma reforma a ser feita sabe Deus como. Mas não existe uma ação regressiva do INSS para recuperar os gastos que tem tido com essas mortes. Sei que temos dados ainda submersos, como se houvesse um iceberg de que só conhecemos a ponta, apresentada aqui pela companheira Thaís, pelo Ubiratan, pela Márcia. Mesmo assim não há uma ação regressiva do INSS que busque que ele seja ressarcido dos gastos que tem tido. Quem cuida dos trabalhadores que adoecem pelo amianto não são os planos de saúde privados, é o Sistema Único de Saúde. Está aqui a representação clara disso. Esse ambulatório que o Dr. Ubiratan coordena é de fundamental importância porque dá um tratamento totalmente diferenciado daquele que dá um plano de saúde privado. Isso tem que ser trazido. Faço aqui uma crítica ao INSS para que ele vá buscar esses recursos, porque essas empresas causaram danos.
Também quero dizer algo sobre essa empresa SAMA, que é líder de mercado não só de mineração e é uma subsidiária do Grupo Eternit: ela desenvolveu a tecnologia da fibra alternativa que já está usando e, em vez do ocorre hoje, deveria instalar uma fábrica na região de Minaçu, para poder diminuir o impacto que o fechamento da mineração vai causar, o que é inevitável. Como disse a Dra. Márcia, o minério é finito e, mesmo que eles consigam prolongar a extração ou lhe dar uma sobrevida, um dia acaba. E o que Minaçu e sua população, que estão provavelmente nos ouvindo, esperam? Vão empurrar isso com a barriga até quando, sabendo que vai acontecer em algum momento?
Esse debate não é novo. Eu me lembro de um editorial do jornalista Washington Novaes, que é goiano, no jornal O Estado de S. Paulo, em que ele deixava claro: "Olha, isso vai acabar!" E o que as cidades, o que os governantes, o que os políticos estão fazendo para garantir que essa população seja menos impactada? Nada, não fizeram nada! Ela foi acolhida por promessas demagógicas de políticos, que disseram: "Aqui ninguém toca, isso aqui vai continuar". Ouviu um Prefeito de Minaçu, desses que foram cassados ou presos, dizendo: "Nós vamos lutar por mais 150 anos de exploração do mineral". Mas nós sabemos que esse mineral tem uma vida útil, que não passa de 50 anos. Como ele pode prometer 150 anos? E a população vai atrás.
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16:21
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Quem assistiu ao Fantástico que trouxe essa matéria viu — e dói no coração da gente — a população sendo usada como massa de manobra e gritando "Eu quero um emprego!" Isso é justo, é legítimo. Mas não é o emprego do amianto. Temos de buscar alternativas para aquela região, discutir isso seriamente com os órgãos que fazem fomento ao desenvolvimento, e não ficar batendo numa tecla que já era. Inclusive, de 2 anos para cá, o Brasil tem a sua produção reduzida a menos da metade daquela que produzia em épocas de grande prosperidade.
O Governador Ronaldo Caiado conhece o assunto porque foi Relator de uma Comissão Especial nesta Casa, que apresentou até um substitutivo ao projeto de lei dos então Deputados Fernando Gabeira e Eduardo Jorge. Nós nos digladiamos aqui com ele. Enfim, ele conhece o assunto, é médico. Até o nosso companheiro Hermano Castro estava à mesa. Ele é também do Rio de Janeiro, estudaram juntos, são contemporâneos. O Ronaldo Caiado conhece muito bem o assunto e disse, numa das entrevistas, que está muito preocupado porque, se for paralisada a mina hoje, o impacto ao meio ambiente é tremendo. Ele está preocupado com o meio ambiente. Ora, mas se continuarem a explorar o minério, essa devastação ambiental vai ser maior ainda quando a mina for fechada lá para frente.
Então, nós ainda temos uma discussão tremenda pela frente. Essa história não acabou. Inclusive, nós lançamos agora um livro na Assembleia Legislativa de São Paulo e na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, numa audiência pública convocada pelo Deputado Estadual Carlos Minc, também ex-Ministro do Meio Ambiente. Esse livro é uma obra da jornalista Marina Moura, com prefácio da grandiosa e uma das jornalistas mais brilhantes deste País, a Eliane Brum. Temos aqui a Conceição Lemes, que também faz uma análise desse movimento.
Quero dizer, como a própria Marina escreveu, que esse é um livro que resgata uma história de 30 anos, mas não a esgota. Inclusive, Thaís, quando você apresentou dados naquela linha do tempo, eu vi que o livro tem algumas omissões e que nós vamos precisar de todas essas vozes e mãos para dar continuidade a ele. Ele não é uma obra acabada, mas está disponível e estará na Internet inclusive. Para aqueles que desejarem uma cópia dura, temos alguns exemplares aqui, que vamos levar, amanhã, no Ministério da Saúde. E, pela ABREA, podemos ver uma forma de como enviar essa pequena contribuição da história da construção social do banimento do amianto.
(Segue-se exibição de imagens.)
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16:25
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O que aconteceu no Brasil? Muitas pessoas têm dúvidas: "Por que leis estaduais? Por que não se partiu para uma lei federal?" Partiu-se para uma lei federal, tentou-se fazer o banimento em âmbito nacional. E nós fomos atropelados por uma Comissão Especial nesta Casa, que não só destruiu o texto, alterou e adulterou o texto proposto de banimento do amianto, como também apresentou um substitutivo que dizia que poderia ser usado o amianto branco ou crisotila, que era o único usado no Brasil e já tinha sido banido em boa parte do mundo até então, mas hoje é banido em todo o mundo. Isso se transformou na Lei do Uso Controlado do Amianto.
Vejam: em 1993, houve uma lei proposta; e, em 1995, através da Comissão Especial e do substitutivo, num processo de rapidez enorme, foi aprovada a Lei nº 9.055, que foi sancionada pelo Presidente da República, o Fernando Henrique Cardoso, e, em 2 anos, foi regulamentada por um decreto na Casa Civil. Por isso, nós tivemos de partir para o banimento do amianto nos Estados.
Aqui, nos Estados que estão em verde, existem leis. É lógico que cada lei foi aprovada de uma maneira, e precisamos, agora, fazer um trabalho de uniformização evidentemente. Inclusive, nos Estados Unidos, hoje se debate usar o modelo brasileiro, porque, com a administração do Presidente Trump, será impossível um banimento do amianto, já que está mais difícil trabalhar com a EPA, o órgão de proteção ambiental de lá, do que com os nossos órgãos aqui, para vocês terem uma ideia.
Então, existe um movimento nos Estados Unidos querendo reproduzir o modelo brasileiro, citando o Brasil: "Olha, já fizemos em 2 Estados. Agora faltam 48". Só que nós começamos isso há 19 anos, numa outra conjuntura.
Vejam que não foi um trabalho fácil. Começamos nos Municípios e nos Estados. Como mostra este mapa, faltam, evidentemente, Estados como Goiás, que nem debate a respeito disso faz, Tocantins, Piauí, Alagoas e Sergipe. O Paraná tem um projeto de lei que tramita a passos de tartaruga, porque é o maior produtor de fibrocimento do País. Lá está a maior fábrica da Eternit, hoje não mais de amianto, mas até recentemente, sim. O Estado é o maior produtor de fibrocimento do País, sem amianto.
Aqui estão as leis estaduais. Houve algumas coisas são bizarras, como no Espírito Santo, no Rio Grande do Norte e no Mato Grosso do Sul, onde houve aprovação de leis pelas respectivas Assembleias Legislativas, e os Governadores não referendaram, não sancionaram.
Partimos aqui para um mapa dos 77 países. Há algumas divergências em termos de análise. Por exemplo, os países que estão em amarelo são aqueles que anunciaram e não efetivaram uma lei. Eu considero a vontade política de fazê-lo como algo a ser mensurado. Já a International Ban Asbestos Secretariat — IBAS, que é nossa companheira e, inclusive, uma das que nos ajudaram na confecção desse livro, é mais restritiva e só considera os países que estão em branco, porque checou um por um para ver se as leis foram efetivadas. Então, são 66 países segundo o trabalho da IBAS, que é de uma perfeição tal, é um trabalho maravilhoso.
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16:29
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Linha do tempo, uma construção social. O banimento de amianto foi aprovado em sessão de 29 e 30 de novembro, com grande repercussão nas mídias nacionais e internacionais. Houve uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal que criou um efeito vinculante, para todos os Poderes, um efeito erga omnes para todos os Estados, independentemente de haver leis estaduais. Ele, incidentalmente, declarou a inconstitucionalidade daquela lei federal de 1995 que foi gestada aqui, pelo lobby da chamada bancada da crisotila.
É interessante que existe uma bancada no Congresso Nacional que defende o uso do amianto crisotila dizendo que ele é diferente do fabricado no resto do mundo e não faz mal à saúde. Ela está inclusive embasada em pesquisas de universidades públicas financiadas pela própria indústria. Então, existe também um problema sério de conflito de interesses nessas pesquisas que são usadas para dar legitimidade ao uso do amianto.
Esse efeito cria uma nova jurisprudência inclusive em outros julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Lembro-me de um deles — não vou citar para não entrarmos nessa questão agora —, em que o Ministro Gilmar Mendes cita o julgamento histórico do banimento do amianto numa ação criminal de um ex-Presidente da República.
A Eternit, 5 dias depois, anuncia que estaria paralisando as atividades da mina de amianto em Minaçu e a sua subsidiária em Anápolis, ambas no Estado de Goiás, até decisão de todos os recursos. Isso é uma chantagem novamente de ameaça de desemprego.
Eu fiquei 30 anos no Ministério do Trabalho, então, sei que este é um discurso reiterado: toda vez que essas empresas se sentem ameaçadas, elas ameaçam mandar embora o trabalhador. É ele que paga o preço com sua saúde e com o desemprego, ele é refém dessa política do capital.
Por outro lado e simultaneamente, a Eternit anuncia que as outras quatro fábricas do grupo somente operarão com a fibra alternativa de polipropileno, produzida na sua nova fábrica em Manaus.
A Eternit não foi produzir em Minaçu, ela tem uma dívida com a cidade de Minaçu. Escutem-me, moradores de Minaçu: "Quem tem dívida com vocês é a SAMA, a Eternit, não somos nós, que, todas as vezes, somos penalizados, culpabilizados pelo que está acontecendo lá". Quem tem de responder civil e criminalmente por isso é a indústria do amianto.
Quanto a essa fábrica ser em Manaus, eu ouvi um dos empresários dizendo que não dava para ser em Minaçu porque havia dificuldade enorme de escoamento. Como? Se eles escoam o mineral do amianto e enviam para várias partes do mundo, por que não podem escoar em Minaçu a fibra de polipropileno usada no Brasil? Seria algo a ser feito pela população de Minaçu, mas que não foi feito.
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16:33
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Em 20 de dezembro, a Ministra Rosa Weber, às vésperas do recesso no Supremo Tribunal Federal, concedeu uma liminar determinando a suspensão do efeito erga omnes que tinha sido conquistado, obtido no julgamento de novembro, dizendo que somente os Estados que possuíssem leis próprias não poderiam utilizar o amianto. Com isso, ela deu, de 20 de dezembro de 2017 até 1º de fevereiro deste ano, aproximadamente 1 ano e 2 meses, uma sobrevida para a indústria da mineração.
Eles alegam que precisam de tempo, que estão sendo penalizados. Como é isso, se eles tiveram mais 1 ano e 2 meses de uma decisão que foi mundialmente anunciada?
Em 19 de março de 2018, houve mais uma chantagem. A Eternit, após diversas condenações vultosas em ações ambientais, anuncia que está com uma grave crise, devendo 300 milhões de reais, e ajuíza uma ação de recuperação judicial. Com isso, todas as indenizações dos trabalhadores adoentados foram suspensas, de pessoas que estavam com ações em trânsito em julgado, inclusive de acordos que ela teria feito para pagar no dia 11 de abril.
Vejam, a Eternit, até 2 anos antes dessa recuperação judicial, foi a empresa que mais distribuiu dividendos, foi a queridinha da BOVESPA, a Bolsa de Valores do Estado de São Paulo. Ela era a coqueluche. Chegava a vir pregão, a bater o sino da BOVESPA de tão importante que ela era. Ela já não é mais suíça, ela já não é mais francesa, ela é hoje uma empresa nacional. Seus dois maiores acionistas são o Sr. Lírio Parisotto, que andou frequentando páginas policiais, no caso do escândalo com a Sra. Luíza Brunet; e o Sr. Luiz Barsi, conhecido megaespeculador da Bolsa e que se inspira em Warren Buffett como seu grande guru.
Na sequência, em 1º de fevereiro, são publicados os acórdãos que banem o amianto em todo o território nacional, e a liminar da Ministra Rosa Weber perde a eficácia.
Em 14 de fevereiro, a Eternit anuncia o fechamento provisório de sua mina até o julgamento dos recursos e requer a continuidade do funcionamento da mina somente para exportação. "Para o Brasil, não, porque o seu povo realmente tem que ser protegido, mas mande para os demais!" Trata-se da vulnerabilidade, que tão bem foi aqui colocada por vocês. Sociedades mais vulneráveis vão receber o nosso produto, já que o Brasil está, junto com a Rússia, com o Cazaquistão e com os países menos democráticos do mundo, a defender que não se informe, através da Convenção de Roterdã, o importador sobre os riscos do seu produto.
Em seguida, os trabalhadores, inicialmente, entram em férias coletivas por 15 dias e, num acordo espúrio com o sindicato dos trabalhadores de Minaçu, um sindicato reconhecidamente pelego, ficam aproximadamente 3 meses sem salário,
numa licença não remunerada, esperando que o Supremo dê uma decisão que conceda mais tempo para a empresa continuar a exploração. Eles pedem no mínimo 10 anos, só para exportação. Eles não pedem nada aqui para o Brasil porque são muito corretos, seguem as leis e as decisões judiciais. Mas eles podem enviar o minério para fora.
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16:37
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Começa uma pressão tremenda pelo Governador Ronaldo Caiado, junto ao Congresso Nacional, através dessa Comissão que vai visitar a região com o Presidente do Senado, sobre a Procuradora-Geral da República, a Raquel Dodge, com telefonemas quase que diários, para que ela emita um parecer pela continuidade. Trata-se da chamada modulação de efeitos, com mais tempo para eles continuarem a produzir.
Fim das férias e, então, houve esses três meses. O que vai acontecer? Fazemos o lançamento do nosso livro Eternidade. Por que o nome Eternidade? Há uma explicação para isso. A tecnologia que a Eternit utilizou foi desenvolvida no início do século XX, por um austríaco, que batizou essa mistura do cimento com o amianto com a palavra latina eternitas, porque dura uma eternidade. E aí vem a Eternit, que vai ter a distribuição dessas patentes por todo o mundo. Então, o objetivo do nosso livro é mostrar que o eterno causa muitos danos à saúde dos trabalhadores.
O Fantástico faz uma matéria no dia 12 de maio, de que muita gente não gostou. Eu até cheguei a comentar com o repórter da Globo que foi uma unanimidade, que ninguém gostou da matéria, nem os que eram pró, nem os que eram contra.
Na sequência, a Comissão do Senado faz uma visita liderada pelo Governador do Estado de Goiás e, então, começa esse lobby para fortalecer e conseguir a sobrevida dessa exploração.
Em 31 de maio, como parte da chantagem, a Eternit demite 400 funcionários e diz que hiberna a mineradora do amianto, quer dizer, a mineradora fica em estado latente. Se houver uma decisão, eles dizem que, imediatamente, reabrem a mineradora e prometem recontratar os trabalhadores.
Agora, até complementando o que o Dr. Ubiratan apresenta sobre a responsabilização, houve um acordo recente do Ministério Público do Trabalho lá em Capivari. Ele fez um TAC com a Brasilit, que é de outro grupo francês, a Saint-Gobain, de um recurso de 25 milhões que vão ser aplicados lá na região.
Nós somos totalmente favoráveis a uma proposta do Dr. Ubiratan, com a qual concordamos, de que essas empresas arquem com as despesas e equipem os serviços. Como vimos, se, com apenas 1,6 milhão de reais, ele conseguiu fazer tudo aquilo lá no INCOR, então, com 25 milhões de reais dá para fazer mais ainda.
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16:41
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Estamos cansados de ver isso no serviço público. No Ministério do Trabalho, nós recebíamos, pelo FAT, esses acordos, recebíamos várias viaturas. Mas, como não havia verba para gasolina, para seguro e para motorista, elas ficavam enfeitando as nossas garagens. O receio é que esses recursos sejam para equipamentos que ficam encaixotados porque não há quem os opere.
Esse é o papel do controle social. Esse é o nosso papel. No sábado, nós estaremos em Capivari, com o Dr. Ubiratan, para também dialogar com a população sobre esse oba-oba. "Vai vir um novo hospital, vai vir um novo centro!" Sim, mas quem vai operar, quem vai manter isso? Se a Prefeitura e o SUS não assumirem isso, esse dinheiro vai ser para outro elefante branco.
Eu termino dizendo que cumprimentamos por essa iniciativa, mas que deve haver controle social, não se pode ficar simplesmente num oba-oba. A empresa, então, faz disso um grande manifesto dizendo: "Vejam, nós somos a primeira empresa que baniu o amianto". No caso, a Brasilit/Saint-Gobain põe isso nos seus anúncios e está chamando os ex-empregados para fazerem exames.
Aqui é a nossa associação, cujo Presidente é o Eliezer. A ABREA está organizada em todos esses Estados. Inclusive, o próximo será Santa Catarina, que sei que está na Internet. Precisamos fazer esse trabalho lá também e temos companheiras que estão se empenhando para isso.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dra. Fernanda.
Na verdade, quando a senhora colocou aquela decisão monocrática da Ministra Rosa Weber, veio à minha mente outra coisa sobre este momento que estamos vivendo.
Não sei se vocês sabem, mas também está se criando um paralelo recentemente, não sei se para mostrar uma incapacidade, uma incompetência de controle das fronteiras com relação a tabaco no Brasil. Inclusive, o Ministro Moro, este do Intercept, está aqui na Comissão de Justiça, sendo indagado pelos Parlamentares por ter usado a Justiça para fazer política. Na campanha eleitoral, falava-se muito que iria se resolver de vez o controle das fronteiras e a entrada de armas. Mas as armas estão entrando de outro jeito. E eles querem inclusive fomentar o porte.
Também há a entrada de produtos e contrabando. Faz parte disso o tabaco que vem principalmente do Paraguai, país que não planta nem um pé de fumo. Na verdade, a própria indústria brasileira manda tabaco para lá. E a indústria de tabaco no Brasil vem perdendo receita por uma política adotada pelo Brasil e acertada num acordo da Convenção-Quadro.
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16:45
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Todos sabem dos malefícios do tabaco. Estou fazendo essa correlação. O Brasil, então, atendeu a esse acordo internacional de trabalhar para que os produtores mudassem a cultura do tabaco para outras, mas adotando a melhor política no mundo todo para diminuir o uso e o consumo do tabaco: a política de preço, taxando e colocando um imposto maior.
É importante que ele faça isso, até porque o Estado, a sociedade gasta muito para tratar as doenças causadas pelo tabaco. É como o amianto. Depois, o Estado, o público depois paga essa conta. O lucro fica para o acionista, para o dono da empresa, que ganha o dinheiro. Os trabalhadores e o povo ficam com a doença e tiram dinheiro do bolso para, depois, curar a doença.
O que o Moro fez? Com a política que Brasil tem adotado nos últimos anos, tem diminuído, em média, 10% por ano o número de fumantes, de pessoas que usam tabaco. O que a indústria do tabaco fez? Chegou ao Ministro da Justiça, o Moro, e falou: "Precisamos dar um jeito nisso, porque não dá! Nós vamos falir. Então, crie um grupo de trabalho para rever o preço do cigarro, porque o cigarro que está vindo do Paraguai é mais barato, e não podemos competir. Queremos diminuir o preço do nosso tabaco aqui para poder aumentar o número de consumidores, e essa atividade econômica voltar a prosperar dentro do Brasil". Então, ele criou um grupo de trabalho para fazer isso.
Às vezes, há uma ação de Governo para atender não ao interesse da sociedade, da população, mas ao interesse de determinados segmentos econômicos que já deveriam ficar para trás na história, porque é outro caminho que estamos construindo.
Queria fazer essa relação até pela oportunidade, porque o Ministro Moro está aqui. Isso tem tudo a ver e dá para as pessoas entenderem um pouco o que é essa questão do amianto. Quando fazemos uma relação com o agrotóxico, quando fazemos uma relação com o uso do tabaco, dá para entender que são produtos que fazem mal para as pessoas, que fazem mal para o meio ambiente.
Mas eu queria, depois dessa rodada de encerramento, colocar algumas questões sobre as quais fiquei em dúvida. Quando vi, na reportagem do Fantástico, a ida dos Senadores a Goiás, junto com o Governador, à mina de Minaçu, pareceu-me que o fechamento dessa mina estava causando desemprego. Agora eu ouvi, não sei se foi da Márcia ou da Thaís, que as empresas que adotaram um processo de mudança não tiveram desemprego. Foi a Márcia que falou. Eu não sei se entendi.
Mas aí Márcia pode reafirmar depois se é isso ou não.
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16:49
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Nós vamos, junto com a Secretaria da Comissão de Meio Ambiente, verificar como está essa história do dossiê sobre o amianto — marquei aqui 2010 — para depois conversarmos, Dr. Eliezer, Dra. Fernanda, e ver como podemos dar continuidade à atualização disso, porque sei que é utilizado a todo momento e pode ser que venha a ser necessário utilizá-lo e fazer outras ações.
Também quero perguntar a vocês sobre outras ações que podemos dar andamento nessa agenda, sabendo que há uma ação no sentido de haver retrocesso por parte do Senado. Por isso, fizemos audiência aqui. Então, pergunto o que mais podemos fazer.
Há outra questão. Durante todo esse período — eu não sou especialista na área, vocês é que são —, usava-se muito Eternit para a cobertura de casa, de caixa d'água. As pessoas estão entendendo, não é? Por isso tem mudado a paisagem, inclusive nas cidades, nos bairros, certo? Mas também há esse problema quando está mudando a caixa d'água, porque, naquela caixa d'água, enquanto ela estava ali, as pessoas que beberam aquela água estavam correndo risco. É isso? Pior é quando elas se quebram ou quando fazem a manutenção.
O SR. UBIRATAN DE PAULA SANTOS - Sr. Presidente, sobre isso que o senhor falou, primeiro sobre o desemprego, havia a opção, como a Dra. Fernanda mencionou, de uma das fábricas produtoras de fibras artificiais ser localizada lá. Se não fosse isso, seria o caso de a empresa buscar soluções com Estados e Municípios para outra atividade empregatícia que a permitisse participar da compensação dos trabalhadores e dos danos ambientais que ela provocou, fora os danos à saúde no Brasil inteiro e mundo afora para quem ela vendeu o produto.
Sobre a tubulação e a caixa d'água, há a monografia do IARC de 2012, que o Prof. René citou, assim como a Dra. Márcia, dentre outros. Esses estudos mostram que a água tem fibra. O que os estudos ainda não confirmaram é se há uma associação dessa água com fibra quanto à ocorrência de doença. Mas a água que sai da caixa d'água que tem tubulação tem fibra de amianto, ou seja, a água que é bebida. Isso está na monografia que tem estudo específico falando sobre isso.
Portanto, as pessoas que utilizam a água que passou por esses tubos — uma parte do mundo todo, o Brasil e outros países que também usavam esse tipo de tubulação — ingerem fibras de amianto.
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O problema é que o debate sobre amianto, assim como tabaco e outros, fica interditado pela questão econômica. Em relação a outras doenças, essa discussão é mais tranquila. Por exemplo, não se discute muito sobre a hepatite C, sobre a hepatite B, sobre o HIV. Entenderam? Esse tipo de conflito não existe porque não existe uma empresa específica que o provoque. No entanto, quando existe uma empresa, um ramo industrial, seja na energia atômica, seja no uso de sílica, de amianto e de outras coisas, aí há tentativa de contaminar os estudos científicos e a adoção de políticas públicas, pelo interesse em preservar aquele ramo industrial, aquela atividade econômica. Nós precisamos sair disso.
Um dos problemas que a chamada medicina do trabalho tem é que ela sofre muito essa pressão, e isso limita muito a compreensão dos médicos que atuam nessa área, para entender que, quando se trata um trabalhador exposto a ruídos, à sílica, ao amianto e outros, de repente aparecem outras coisas para as quais se tem que ficar atento, não focando naquele gabarito de "x". Hoje, ao mesmo tempo em que as NR (normas regulamentadoras) achamos ruins e queremos que sejam revogadas, precisamos que a "cabeça" dos médicos das equipes de saúde do mundo todo seja "melhor formada", para que entendam que aquilo é uma baliza, mas que temos que tratar muito mais coisas. Aquilo é uma baliza que nós usamos para não deixar escapar algo, mas temos que ficar atentos a outras questões.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dr. Ubiratan.
Assino embaixo de tudo o que o Dr. Ubiratan nos trouxe, porque é bem isso mesmo. O que temos de estado da arte, pelo menos até recentemente, na literatura, deixa muito claro onde estão os maiores riscos relacionados à exposição ao amianto. Por mais que nós já conheçamos que os usos até então permitidos do amianto incorporado a materiais de construção foram tidos, até por muito tempo, como seguros quando presos ali naquela estrutura, há uma questão — acho que foi até o Dr. René quem mencionou: a segurança está em que ponto da cadeia?
E todas as vezes que nós pensamos em exposições ambientais, em exposições ocupacionais — esse é o desafio —, não devemos só pensar no ambiente ocupacional, só pensar no ambiente da extração da produção, mas olhar o caminho que um contaminante percorre desde a sua existência até ele virar um resíduo. Esse é o desafio que nós estamos encarando no Brasil agora.
Até o ano passado, nós do Ministério do Meio Ambiente, junto com os finados Ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento Indústria e Comércio, desenvolvemos um anteprojeto de lei que encaminhamos ao Congresso. Infelizmente, com a mudança, com a reversão das agendas, nós não sabemos mais se temos ambiente para isso. Encaminhamos um anteprojeto de lei que cobre justamente esse vácuo que existe no País, no sentido de olhar todas as substâncias químicas em uso no País, independente das regulações já existentes, em toda a sua cadeia. Hoje, nós temos no Brasil regulações claramente fragmentadas, que olham ou para transporte, ou para produção, ou para exportação, ou para questões apenas ocupacionais.
Não está tudo integrado. Nós tentamos fazer isso. Vamos ver se conseguimos reposicionar essa questão na agenda.
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No mais, o serviço de vigilância olha para onde o risco é comprovado. Nem é preciso olhar para água que veio do recipiente da caixa d'água. Não, já há risco suficiente para ser olhado, de passivos, etc. Está muito claro que a cadeia do amianto por si oferece um risco considerável.
Não posso deixar de falar que, do ponto de vista da Política Nacional de Vigilância em Saúde do trabalhador e da trabalhadora, que é de iniciativa do Ministério da Saúde, o nosso interesse é uma agenda de trabalho decente. Ninguém visa tirar emprego de ninguém; pelo contrário, nós temos que estar alinhados, olhando para os objetivos do desenvolvimento sustentável, buscando recuperar pessoas de cadeias de trabalho que já não são mais seguras, que já não são mais bem-vindas do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, e cuidar das pessoas, não cuidar dos empregos. É para isso que estamos aqui como política pública, para cuidar das pessoas, cuidar do empreendedor e do empregado. A intenção não é destruir cadeias econômicas, mas garantir que todos tenham um trabalho decente.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Sra. Thaís.
O SR. RENÉ MENDES - Queria reiterar os agradecimentos pela organização deste evento, desta audiência pública, que foi realmente de alto nível e bem conduzida.
Eu só faria uma provocação para o futuro, sobretudo para a Comissão. Há um vazio que já foi mencionado praticamente por todos, essencialmente com relação ao material que existe, sobretudo cimento-amianto, telhados e outros artefatos de construção civil, que têm futuro eterno. Na verdade, uma coisa é cessar a produção de novos produtos, outra coisa é lidar com um passivo ambiental de grande complexidade, principalmente pela própria característica da fibra, junto com cimento, desgaste, erosão, quebra, depósitos... Enfim, esse futuro não está esgotado, pelo contrário.
Recentemente, por acaso, onde eu trabalho e onde resido — moro no centro de São Paulo, na Avenida São Luís —, nesta semana, estavam trocando telhados de uma forma totalmente estabanada, quebrando telhas, jogando lá de cima e outras coisas desastrosas. Claro que não é o meu caso, mas eu queria reforçar algo, até porque a Fernanda é engenheira civil, e eu tenho um irmão que é professor de engenharia civil: este segmento da construção, o futuro do que vai ser feito com tudo o que existe de cimento-amianto é um desafio que certamente está a exigir algum posicionamento, pelo menos orientador, sobre processos, técnicas, tecnologias para o uso seguro da substituição, ou da manutenção, ou dos reparos, ou da destinação final. Esse é um desafio porque abrange o Brasil inteiro. Então, ao falar de grupos expostos, são todos, todos, principalmente a população de baixa renda. É um desafio que temos muito pela frente ainda.
Portanto, esse assunto, que certamente tem várias formas de ser visto, trago aqui para que ele fique também na pauta da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, porque hoje ele é realmente o grande desafio à frente, não pensando mais em retrocesso para Goiás, mas pensando, à frente, em desamiantizar o País de forma correta.
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dr. René, inclusive pela proposta, pela recomendação.
A SRA. FERNANDA GIANNASI - Na verdade, só vou complementar e dizer que o lobby do amianto foi comparado ao lobby do tabaco, porque são dois grandes produtores mundiais. O amianto foi usado de maneira extensiva em todo o mundo. Eles são comparados pela mesma forma de atuar, pelo mesmo modus operandi, de ter um instituto que cria uma ciência própria. E o mineral mágico, como foi considerado no passado, hoje é uma fibra reconhecidamente nociva e cancerígena, banida em mais de 60 países.
O banimento do amianto não acaba com o problema. Nós que trabalhamos na área de saúde sabemos disso. Há muito a fazer. Como o Prof. René mencionou, temos que cuidar dos passivos. Nós não temos normas, nem normativas, nem legislação para fazer uma remoção. É isso o que vemos mesmo, jogados nas caçambas de rua.
Quanto a tubulações que estão sendo substituídas, há até decisões judiciais exigindo que determinados Municípios retirem todas as suas canalizações contendo amianto, para a proteção da saúde pública. Isso tem sido anunciado. Sabemos que as Prefeituras só fazem isso quando há vazamento, existe perda de carga, e aí substituem, não para proteger a população, mas por questões econômicas.
Por fim, quero dizer que eu gostaria muito, Deputado, se possível, de receber a interação dos internautas — não sei se houve manifestação —, para conhecermos e sabermos quais são as preocupações, para que possamos responder e interagir com eles.
Para terminar, quero dizer o seguinte: hoje, eu estava de madrugada ainda trabalhando e vi no Diário do Grande ABC, na região do ABC, uma das maiores empresas da região anunciando, por suas políticas de sustentabilidade, a retirada de 180 mil metros quadrados de telhados, por sua responsabilidade social. É interessante que essa empresa — nós tivemos um caso de mesotelioma lá — negou uso de amianto, de qualquer questão; quer dizer, o mesotelioma ali surgiu do nada! E, hoje, ela está fazendo propaganda da desamiantização que está fazendo, por conta de ser tão nocivo o amianto.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Tem a palavra o nosso sempre Deputado José Fritsch.
O SR. JOSÉ FRITSCH - Eu estava lá na referida audiência em que o Deputado Nilto Tatto estava falando com o Ministro Moro, tentando explicar o inexplicável, porque há muita confusão.
Mas quero, inicialmente, cumprimentar vocês todos por esse movimento, que, na verdade é um movimento. Eu lembro que, na minha juventude, começamos na 8ª Conferência Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, um movimento contra o fumo.
E aí começaram, então, a aparecer as primeiras propagandas nas carteiras de cigarro, dizendo que o fumo fazia mal para a saúde, que provocava câncer. Quando tive a oportunidade, na época do Governo Lula — fui Ministro da Pesca —, sugeri ao Ministro da Saúde que fizesse uma campanha: quem fuma fede. Houve essa campanha, que teve uma grande repercussão: quem fuma fede. Isso tem uma consequência. Hoje somos o País que tem o menor índice de fumantes na juventude do mundo. Isso é graças a quê? A uma campanha permanente e tal.
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Quero cumprimentá-los por esse trabalho. Isso é algo muito importante. Nós só conseguimos avançar quando, de fato, conseguimos botar travas econômicas ou algo com consequência para as empresas. No caso, por exemplo, do glifosato, nós estamos vivendo agora essas lutas todas para diminuir o uso de agrotóxico. Está-se começando a reagir menos porque há decisões judiciais ou há movimentos sociais no mundo inteiro que estão dizendo: "Não queremos mais comer veneno. Queremos comer comida saudável". Esse é o processo que nós vamos construindo.
Tenho absoluta certeza de que nós, com o tempo, não vamos mais ter amianto em qualquer lugar. Qual é a substituição disso? A sociedade, a economia, as empresas, a tecnologia têm que buscar soluções para isso, porque telhado vai haver sempre, caixa d'água vai haver sempre. Hoje há alternativa do polietileno, de outras combinações, mas vão acabar as reservas fósseis para produzir isso tudo. Então, tem que desenvolver tecnologias e encontrar soluções.
Acho que é um pouco assim, é sermos teimosos. O processo da teimosia para reduzir e tratar das consequências trazidas à saúde das pessoas é o grande nó, a grande expertise para poder avançar.
Eu os parabenizo porque, em tão pouco tempo, já há uma consciência muito grande da sociedade em relação especialmente à caixa d'água. Em relação ao telhado, ainda não há essa consciência. Vê-se que o resíduo e a consequência não são tão tranquilos, mas a água, sim. A água todo o dia corre dentro da caixa d'água e vai para o consumo. Então, já hoje há uma consciência grande contra o uso de materiais que tenham amianto.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Fritsch.
A SRA. MÁRCIA CRISTINA KAMEI LÓPEZ ALIAGA - Só para finalizar, gostaria de fazer alguns esclarecimentos.
Como o senhor observou, nós temos que pensar em substitutivos. Temos que acreditar realmente no ser humano, naquilo que ele pode produzir de melhor. A ciência e a tecnologia se desenvolvem, claro, à custa de muito financiamento, mas também à custa de muita vontade. O amianto já teve mais de 2 mil usos comerciais, e nós conseguimos substituí-lo. Tenho certeza de que também os combustíveis fósseis e os derivados de petróleo vão ser substituídos, com o tempo, por materiais mais sustentáveis. Nós conseguimos, então, fazer isso.
Só há outro esclarecimento para o qual a Fernanda me chamou a atenção: a questão dos resíduos. Acho que eu disse, numa das passagens, que o amianto não está incluído na Política Nacional de Resíduos Sólidos, mas eu quis dizer especificamente na questão da política de logística reversa. É essa questão.
E nós vamos ter muito material que tem um custo alto para ser retirado e também para ser acomodado de forma perene, infelizmente, porque ele realmente não vai se degradar. Então, ele tem que ser bem cuidado, o que vai exigir dos legisladores um posicionamento quanto a uma logística mais eficiente.
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A questão, realmente, precisa ser mais bem pensada. O Brasil é pródigo em produzir acidentes ampliados. Hoje, nós temos acidentes que são muito evidentes, como foi o caso de Brumadinho e Mariana, em que ficou evidenciado pelo número de vítimas e pela crueza das imagens o quanto isso pode chegar e impactar uma sociedade. Porém, nós também temos que entender que existem acidentes ampliados em outras áreas, só que são acidentes silenciosos. Eles se espalham em um grande número de vítimas, e os malefícios vão ser sentidos 20, 30 anos depois. É o caso do amianto, mas também do agrotóxico. Nós não temos políticas voltadas para essa questão, e as pessoas estão adoecendo. Como não são adoecimentos muito específicos — é o caso do amianto, que pode desenvolver diversos tipos de cânceres —, isso não é acompanhado e não é contabilizado de forma adequada no nosso País. Isso depois vai depor contra esses movimentos que buscam caminhos mais sustentáveis de desenvolvimento tanto econômico quanto social. Por quê? Porque, a partir do momento em que as vítimas não são contabilizadas, nós temos poucos argumentos. Então, temos que desenvolver mecanismos melhores para contabilização desses adoecimentos. Acidente ampliado não é só aquele que se vê e se destrói de uma vez. Aquele que causa danos aos poucos também tem a sua amplitude, e nós devemos nos debruçar sobre esse tema.
Uma última análise é a questão da ciência em prol desses poluentes. Nós temos que melhorar também, vamos dizer, o desenvolvimento dessas pesquisas que muitas vezes vêm com selos de entidades públicas de renome, cujo financiamento não é sequer declinado. Acho que os senhores têm experiência na questão do agrotóxico. Isso não é diferente no tabaco, não é diferente no amianto. Tudo está bem contado na literatura tanto nacional como internacional, mas nós não temos regulação no Brasil. O pesquisador sequer é obrigado a declinar de onde vem esse financiamento, o que faz parecer ciência o que realmente não é.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Márcia.
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Eu me recordava aqui de uma denúncia feita nos Estados Unidos, dizendo que o amianto estava sendo utilizado no talco, o talco que era utilizado até para passar nas crianças. Vinte e poucas mulheres tiveram contaminação de amianto no ovário. Nos Estados Unidos, pediram indenizações ou processo que envolvia uma grande empresa que perambula por aqui também, que vende produtos por aqui. Eu me lembrava também que, ao transportar o amianto, a população fica exposta a riscos. Houve uma denúncia na Anhanguera de um caminhão que tombou e esparramou várias toneladas de amianto, e o trânsito teve que parar durante horas e horas. Tudo aquilo foi esparramado pelo vento. Essas fibras foram para todos os cantos, não apenas ficaram no local do acidente, mas se espalharam pelos carros que estavam por ali e por toda a vizinhança. Quantos resíduos não devem ter ficado por ali? Chegou-se a ponto de transportar amianto por contrabando em caminhões, Dra. Fernanda. Usou-se caminhão que transportava produtos de alimentos para transportar amianto. Chegou-se a esse ponto. Então, vejam que a ganância é tão grande, além da falta de interesse em fiscalizar, em acompanhar, que o lucro vale mais do que qualquer coisa. Os reflexos se voltam para o poder público, para o SUS e para as entidades sociais. Sobra para eles, sobra para o povo: Do couro sai a correia.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Sr. Eliezer, o internauta Ronaldo da Silva Farias pergunta: "O que a população efetivamente pode fazer para se precaver dos riscos do amianto sobre a saúde? Existe algum tipo de filtro que retém as fibras de amianto na água?"
O SR. ELIEZER JOÃO DE SOUZA - Ronaldo, agradecemos a pergunta, o que demonstra que você está nos assistindo ainda. Peço que continue nos apoiando e divulgando isso quanto mais você puder, porque geralmente devem estar trabalhando muitas redes para divulgar o trabalho que fazemos aqui.
Na verdade, não existe filtro. Vou contar um fato. Quando começou aparecer as máscaras de Eternit na década de 70, em 1977, usávamos a máscara, não gostávamos, nós a pendurávamos, ela enchia de pó e depois acabávamos colocando o filtro no mesmo copo que tinha posto dentro. Se tivesse um filtro de pó, ele ia, de qualquer forma, ser jogado em qualquer lugar. O amianto é indestrutível, não tem nada que o elimine e ele vai ficar para sempre no lugar em que foi colocado.
O grande alento que temos disso, Ronaldo, é que no Brasil não vamos mais ter fabricação de amianto. Existe o passivo, existem as telhas.
O companheiro falou das telhas. Poxa, nós temos o melhor produto para fazer telha no Brasil, que é o barro. E nós temos bastante água ainda. Então, não tem problema! Eu acho que é uma solução que dá para elaborar.
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O que nós temos hoje de muito sério — e aí o Ronaldo pode nos ajudar — é justamente o passivo que está aí para ser tirado. E não haverá alternativa para tirar esse passivo, se as Prefeituras não assumirem um projeto de lei municipal para adequar o local e ter uma rede de informação para a população. O Estado pode ajudar também nisso, e é claro que no Estado de São Paulo estamos tralhando nisso. Aí, sim, nós temos que fazer esse trabalho para acabar com esse problema que ainda existe, porque nós acreditamos — a Comissão, vocês, todos nós e todo mundo que trabalhou até agora no Ministério Público do Trabalho, a Fernanda — que não vai mais haver amianto, é muito difícil. Pode até... Eu estou acreditando que não. Então, estamos livres, e ele, como futura geração, provavelmente está livre desse inferno.
Eu queria aproveitar, Deputado Nilto, que o senhor falou dos tubos para dizer que temos um dado concreto. A cidade de Carapicuíba, na área metropolitana de São Paulo, tem mais de 100 quilômetros de encanamento de água potável feito de amianto, sem falar o de rede de esgoto. Em Osasco, muito lentamente, estamos trocando as redes de água, que têm mais de 40 anos e estão estourando, por exemplo, com a validade vencida. Isso está acontecendo no Brasil inteiro, inclusive há um dado de Brasília, que tem muito disso.
Quero aproveitar a audiência para fazer um pedido ao senhor, Deputado Nilto, que já faz parte da Comissão de Meio Ambiente. Eu sei que não é fácil, mas também não é difícil. Nós temos o senhor aqui como uma referência para o nosso trabalho em Brasília. Eu até discuti isso com você um dia e acho que podemos reiterar isso. Se o senhor autorizar, podemos conversar também com o Deputado Vicentinho, que é nosso aliado em São Bernardo nessa luta e nos ajudou muito aqui, por exemplo, em alguns trabalhos que foram feitos nas Comissões, e nos recebeu muito bem. Poderíamos convidá-lo para começar a participar, e, junto com o senhor, traçaríamos esse elo aqui para enfrentarmos essa situação que ainda está na Ordem do Dia. Esse negócio mesmo do GT que está para ser votado e ficou parado eu acredito que dá para agilizar e votar. Ele está na Ordem do Dia, mas seria importante que fosse votado. É lógico que não vai ser fácil, mas, como o Ronaldo Caiado não é Deputado, é o Governador, quem sabe ele não vem aqui?
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Eliezer.
Sobre a questão da água, vejam o seguinte: existe amianto na água que sai de caixa-d'água e de tubo. Eu disse que não há estudos mostrando uma associação porque é muito difícil, às vezes, construir um estudo epidemiológico para fazer essa demonstração. Mas por que existe câncer de laringe? Por que existe câncer de esôfago e de estômago? A monografia da IARC diz que pessoas que têm a exposição têm mais câncer de esôfago e de estômago, assim como o de cólon. Entretanto, esôfago e estômago... A IARC é muito cuidadosa e fala que ainda não pode dizer que a associação é de causalidade, mas essa associação existe.
Por que existe? Porque nós produzimos no pulmão todos os dias um copo de catarro, que serve para nos defender. Esse catarrinho fica no encanamento do pulmão, nos brônquios, e vai sendo expelido. Nós respiramos 10 mil litros de ar por dia, e tudo o que vem no ar entra, e eu preciso colocar para fora um pouco de porcaria. Uma pessoa normal produz um copo e nem percebe isso. Nós só percebemos quando temos uma bronquite crônica ou um resfriado, ou uma pneumonia, e, quando tossimos, às vezes expectoramos. Fora isso, nem percebemos, inclusive dormindo, que o catarrinho sobe pelo pulmão, passa na laringe, onde estão as cordas vocais, cai no esôfago e vai para o estômago e intestino. Esse é o motivo pelo qual uma parte das fibras de amianto sofre esse mecanismo. É provavelmente uma explicação que se dá para o aumento dos casos de câncer de laringe, estômago e esôfago.
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Quando digo que não há estudo que demonstre que a água provoca isso, também não posso afastar essa hipótese. Por isso, nós temos de ter cautela, e, nesse caso, temos de remover.
Diferentemente da máscara, o filtro comum de água usado em casa funciona para o caso de fibra de amianto, o filtro de água comum. Para água, o filtro de barro comum pode ser usado para cozinhar, para tomar água, em vez de tomar a água da torneira, que às vezes é uma boa água do ponto de vista de bactérias, mas para esse caso eu recomendaria...
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Pois não, Dra. Fernanda.
A SRA. FERNANDA GIANNASI - É só uma questão. Está para ser votado na Assembleia Legislativa de Goiás um projeto de lei que vai permitir a continuidade da exploração para exportação. Então, continuaria a exploração do minério, os trabalhadores expostos; continuaria a cadeia, com o escoamento, o porto, para ir principalmente para a Ásia. Esse projeto evidentemente é inconstitucional, conforme o que já foi decidido pelo Supremo.
Tivemos a oportunidade de conversar com o Ministro Celso de Mello, e ele disse: "Na hora em que bater aqui um projeto dessa natureza, vai ser declarada a sua inconstitucionalidade". Mas até que isso ocorra... Nós já estamos no Supremo há 17 anos, 18 anos. No ano de 2017, nós passamos quase 6 meses indo e voltando, com sessões suspensas por falta de quórum, enfim, todas aquelas situações que conhecemos.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dra. Fernanda.
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A partir de amanhã, as apresentações dos palestrantes desta audiência pública estarão ao dispor dos interessados na página da Internet da Comissão de Meio Ambiente, no link sobre audiências públicas.
Quero agradecer imensamente ao Dr. René, à Thaís, ao Ubiratan, à Dra. Fernanda, à Márcia, ao Deputado Estadual Marcos Martins e ao Eliezer.
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