1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Grupo de Trabalho destinado a analisar o marco legal concernente ao licenciamento ambiental brasileiro e apresentar propostas quanto ao seu aperfeiçoamento
(Audiência Pública Ordinária)
Em 27 de Junho de 2019 (Quinta-Feira)
às 14 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Declaro aberta a 7ª Reunião do Grupo de Trabalho destinado a analisar o marco legal concernente ao licenciamento ambiental brasileiro e apresentar propostas quanto ao seu aperfeiçoamento.
Encontram-se à disposição dos Srs. Deputados cópias da ata da 6ª Reunião, realizada no dia 26 de junho de 2019.
Não havendo discordância, fica dispensada a leitura da ata.
Não havendo quem queira retificá-la, está em votação a ata.
Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada por unanimidade.
A Ordem do Dia hoje prevê a realização de audiência pública.
Vamos dar início a nossa audiência de hoje com o tema Responsabilização de quem financia.
Convido para tomar assento à mesa os nossos ilustres expositores, a quem, desde já, agradeço a presença: o Sr. Murilo Portugal Filho, Presidente da Federação Brasileira de Bancos — FEBRABAN; o Sr. Caio Magri, Diretor-Presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social; o Sr. Rafael Pontes Feijó, Chefe do Departamento Jurídico de Gestão Pública e Socioambiental do BNDES; o Sr. Caio Borges, Coordenador do Programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos; o Sr. Leonardo Papp, Consultor da Organização das Cooperativas Brasileiras — OCB; e a Sra. Consuelo Yoshida, Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região — TRF 3.
Esclareço que esta audiência cumpre decisão do colegiado, em atendimento ao Requerimento nº 1, de 2019, de minha autoria, aprovado por esta Comissão.
Muito obrigado a todos a presença. Sejam todos bem-vindos.
Dando início à nossa audiência, informo que teremos a mesma regra das outras audiências: o tempo para cada expositor é de 10 minutos. Eu peço que todos, por favor, se atentem ao cumprimento do tempo para partirmos direto para o debate de divergências, que é o que interessa para esta audiência e para esse grupo de trabalho.
Concedo a palavra, por 10 minutos, ao Sr. Murilo Portugal Filho, por gentileza.
O SR. MURILO PORTUGAL FILHO - A FEBRABAN, que representa 119 bancos aqui no Brasil, que são responsáveis por 98% dos empréstimos e também 97% do patrimônio do nosso setor, tem um compromisso firme com o respeito ao meio ambiente, com a contribuição para a transição para uma economia de baixo carbono, com a gestão de riscos gerados por mudanças climáticas e tem uma aderência completa ao nosso arcabouço regulatório.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nós temos diversas iniciativas nessa área — eu não vou poder mencionar todas —, que visam a atender quatro objetivos: ter dados e informações estratégicas essenciais para aferição de eventuais avanços do setor no tema da sustentabilidade; implementar uma gestão de risco socioambiental focada numa melhoria dos procedimentos e na diligência devida do setor bancário; prover, promover negócios verdes e inclusivos; e capacitar os funcionários do setor bancário.
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Eu vou citar aqui algumas das nossas iniciativas, começando por uma iniciativa pioneira que desenvolvemos — nenhum outro setor bancário do mundo faz isso —, que é medir o volume de empréstimos que os bancos brasileiros fazem, a chamada economia verde.
Considerando as 12 atividades econômicas que integram o conceito de economia verde, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que inclui áreas como energia renovável, agricultura de baixo carbono e eficiência no trato de resíduos, nós começamos a medir quanto os bancos emprestam para esses setores. Começamos isso em 2013, e existe esse gráfico aí mostrando.
Em 2018, houve um levantamento que foi realizado com 15 bancos, cujos financiamentos a empresas totalizaram 1,5 trilhões de reais nesse ano, que é 85% de todo o volume de empréstimos para empresas. Desse volume, 314 bilhões — que representa mais ou menos 21% — foram destinados a setores e a atividades econômicas classificados como economia verde. A nossa pretensão é realizar uma pesquisa com a totalidade dos bancos.
Outra iniciativa é ampliar e padronizar a divulgação de riscos climáticos. O Comitê de Estabilidade Financeira, que é um grupo governamental integrado por Presidentes de Bancos Centrais, por Ministros da Fazenda e por reguladores do setor financeiro dos países do G-20, fez uma força de trabalho para tratar da disponibilidade e da qualidade das informações financeiras relacionadas a riscos climáticos.
Essa força-tarefa, em 2017, apresentou um conjunto de recomendações, um conjunto de recomendações de caráter voluntário, mas a FEBRABAN e um grupo de bancos associados, com o apoio da Consultoria SITAWI Finanças do Bem, começaram a fazer um esforço de divulgar isso para todos os bancos brasileiros.
Entrando diretamente na questão da responsabilidade, nós temos no Brasil um quadro legal e regulatório bastante abrangente sobre o tema ambiental, que vem evoluindo ao longo de mais de 5 décadas. Começou com a criação do Estatuto da Terra, em 1964. De lá para cá, várias leis foram editadas.
Eu destaco aqui a lei que criou, em 1981, a Política Nacional do Meio Ambiente, que estabeleceu princípios para a proteção do meio ambiente e criou políticas para operacionalizar isso. A mais recente é a lei do Código Florestal, que, entre outras coisas, criou o Cadastro Ambiental Rural — CAR, no qual devem se inscrever todas as 5 milhões de propriedades rurais que existem no Brasil.
A FEBRABAN vem ajudando na implantação desse Código Florestal. Nós doamos recursos para viabilizar a elaboração de mapas georreferenciados para mais de 4 mil Municípios dos biomas da Mata Atlântica e do Cerrado.
Esses mapas indicam para cada Município, com base em imagens de satélites, as áreas que são para preservação ambiental; as áreas que deveriam ter sido preservadas, mas não foram, e que, portanto, precisam ser recuperadas; e as áreas destinadas para atividades econômicas.
Além das leis, há um arcabouço grande de normas expedidas pelo Banco Central e que estão listadas nesse eslaide. Nele eu menciono uma resolução de 2014 que criou a obrigatoriedade de todas as instituições financeiras terem políticas próprias de responsabilidade socioambiental.
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Há diversas outras resoluções mencionadas aqui, várias sobre crédito rural, e eu não vou entrar em todas elas.
Além dessas normas legais e regulamentares, existe também uma lista de acordos e iniciativas voluntárias que os mercados de capital, bancário e de seguros fizeram quanto ao tema ambiental, que estão listados nesse eslaide.
Nós realizamos, em 2018, um estudo com o objetivo de entender e de avaliar a nossa regulamentação ambiental comparada com outros países do mundo. Comparamos com 11 países do mundo que estão listados aí e que têm relevante representatividade geográfica. Também apresentamos uma distribuição equilibrada entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos, considerando a dimensão territorial, a abundância de recursos naturais e de produção agrícola.
Esse estudo mostrou que a legislação brasileira é a mais rígida de todos esses 11 países, no que se refere aos riscos ambientais.
Esses dados foram cruzados com o Índice de Desempenho Ambiental, o Environmental Performance Index, que foi feito pela Universidade de Yale e pela Universidade de Columbia, com dados do período de 2006 a 2018, com o objetivo de verificar se existia alguma correlação entre a rigidez do arcabouço legal e o efetivo desempenho ambiental dos países.
O Brasil, como eu disse, é o que possui o regime jurídico com maior rigidez, mas não está no grupo dos que têm o melhor desempenho ambiental.
Isso mostrou que não há nenhuma correlação entre a rigidez da responsabilidade civil e ambiental do poluidor indireto e o desempenho do País.
Menciono aqui uma manifestação do Superior Tribunal de Justiça tomada numa decisão que não envolvia danos, mas envolvia risco ambiental, e que tem sido muito usada pelo Ministério Público, para advogar a teoria do risco integral e objetivo do poluidor indireto.
Essa decisão diz que "(...)para fins de apuração do nexo de causalidade do dano ambiental, se equiparam a quem faz: quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que os outros façam, quem se beneficia quando outros fazem (...)". Ou seja, praticamente todos podem ser considerados responsáveis pelo dano ambiental, ainda que não tenham contribuído para isso com uma conduta dolosa ou culposa.
Eu queria dar aqui dois exemplos de ações concretas que os bancos já sofrem nessa área. O primeiro exemplo são as 4.655 ações individuais que estão solicitando a condenação de um dos nossos bancos associados por dano moral — não é dano físico nem material, não — causado supostamente pela exploração da mineração de chumbo, apenas pelo fato de que a instituição financeira concedeu o financiamento para a empresa mineradora, embora, ao conceder o financiamento, ela tenha cumprido todas as regras exigidas pelo País.
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Um segundo exemplo que eu queria deixar aqui é uma ação civil pública, promovida pelo Ministério Público de Minas Gerais, que buscava também a condenação de um banco, que fez um leasing para dois caminhões, e os motoristas dos caminhões resolveram transportar carvão ilegal. E aí os bancos foram citados como poluidores indiretos. Essa ação foi julgada improcedente, mas evidentemente o banco teve o dispêndio de contestar. E há diversos outros tipos como esse. Há outro caso que eu soube de um caminhão que transportava produtos químicos, que virou e derramou tudo num riacho, e o banco também foi considerado responsável por isso.
Então, nós achamos que a não limitação legal, de forma razoável da responsabilidade do financiador, ainda que ele tenha cumprido com os todos os deveres da devida diligência na concessão do crédito, tenha observado toda a legislação aplicável, acaba encarecendo o custo dos empréstimos, dificulta a avaliação do risco socioambiental e acaba comprometendo a atividade de intermediação financeira.
Nós gostaríamos de submeter à consideração deste grupo um dispositivo legal que dissesse que “nas suas atividades de empréstimo, financiamento e investimento, as entidades governamentais de fomento e as instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil somente responderão por dano ambiental se for comprovado dolo ou culpa, bem como relação de causalidade entre a sua conduta e o dano causado.” Não se trata de eximir os bancos da responsabilidade, mas, sim, de delimitar de forma justa a responsabilidade das instituições financeiras, restabelecendo a segurança jurídica no financiamento das operações, para viabilizar a concessão de crédito para atividades econômicas. Isso contribui para o desenvolvimento do País.
Eu acho que quem fez alguma coisa errada deve ser considerado culpado. Quem não fez não deve ser considerado culpado. E a definição do que é errado ou do que é certo é dada pela regulamentação do País, seja legal, seja infralegal. Agora, atribuir responsabilidade sem dolo, nem culpa, a chamada responsabilidade objetiva, talvez não seja o melhor caminho para organizarmos as atividades nesse setor.
Concluindo, Presidente, os pontos principais é que nós temos já um regime jurídico bastante sólido, que evoluiu bastante, que tem um alcance grande e é o de maior rigidez entre os países que pesquisamos. Vimos que a rigidez do regime da responsabilidade civil ambiental não se traduz necessariamente em melhor desempenho ambiental. E achamos que delimitar de forma justa a responsabilidade da instituição financeira diligente aumenta a proteção ao meio ambiente, em vez de diminuir, porque estimula, cria um incentivo para que todos os bancos ajam de forma diligente, de forma responsável, e adotem diligências e boas práticas ambientais. E faz também com que os empreendedores que vão buscar esses financiamentos façam isso.
Eu queria ressaltar que os bancos não fogem da sua responsabilidade sobre os atos que eles tenham diretamente causado em desacordo com as leis e com os regulamentos. A nosso juízo, não deveriam ser responsabilizados por danos provocados por terceiros, em relação aos quais eles não contribuíram nem com dolo, nem com culpa, e quando eles tiverem comprovado que cumpriram o seu dever de devida diligência ambiental na concessão do crédito.
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Obrigado, Presidente, pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado, Sr. Murilo.
Concedo agora a palavra ao Sr. Caio Magri, por 10 minutos, por gentileza.
O SR. CAIO MAGRI - Obrigado, Sr. Presidente.
Boa tarde a todas e a todos. Em nome do Instituto Ethos, eu quero agradecer o convite feito pelo Deputado Kim Kataguiri, Coordenador do Grupo de Trabalho destinado a analisar o marco legal do licenciamento ambiental brasileiro; cumprimentar todos os meus companheiros e companheiras de Mesa.
Acho que nós estamos num momento muito importante, destacando a iniciativa dessas audiências públicas, olhando todo o escopo e o conjunto de temas e de participantes dessas audiências — que, eu acredito, vão até meio de julho, alguma coisa assim, não me lembro a última data —, e a importância de estabelecer esse diálogo pleno, amplo, plural, diverso, em torno de uma questão central, que inclusive baliza o desenvolvimento deste País.
Agradeço também especialmente à minha colega Flávia Resende. Ela não pode vir, mas é uma pessoa que contribuiu de forma bastante decisiva para as reflexões que o Ethos tem feito e agora com uma contribuição que queremos trazer para o grupo de trabalho. Desde já, colocamo-nos à disposição para avançarmos em outros momentos nesse debate.
O Instituto Ethos é uma organização da sociedade civil de interesse público, de natureza empresarial, cuja missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de maneira socialmente responsável, tornando-as parceiras para a construção de uma sociedade justa e sustentável.
Atualmente, contamos com uma base de associados de mais de 400 empresas, incluindo todos os portes de empresas localizadas em todo o País, atuando nos mais diversos segmentos, incluindo mineração, óleo e gás, siderúrgicas, cimenteiras, agronegócio, construção civil pesada, o que significa termos um conjunto de associados ligados diretamente a um modelo de negócios e a um processo produtivo que demanda necessariamente o licenciamento ambiental como ferramenta de implementação dos seus projetos.
Antes de entrar no tema específico de responsabilização de quem financia, que nos foi indicado para esta audiência, eu gostaria de enfatizar que o Ethos — não poderia deixar de registrar isso — lamenta profundamente a morte, o desaparecimento das mais de 300 pessoas na tragédia de Brumadinho, no início ano. A nossa organização e as empresas parceiras do Ethos vão continuar trabalhando para que tragédias dessa natureza ou similares jamais se repitam no Brasil.
Dito isso, entendemos que o processo atual de licenciamento ambiental pode ser aprimorado, priorizando segurança acima da eficiência. Essa é a nossa posição, essa é a nossa visão. Estamos dispostos a discutir, abertos à discussão, mas a questão da segurança parece-nos central e deve ser buscada fundamentalmente no processo do licenciamento ambiental. Isso não impede que processos vigentes não possam ser aprimorados, do ponto de vista de melhor gestão, de mais agilidade e eficiência para os empreendimentos que requisitam licenças para operar.
Gostaria de enfatizar também que a busca de soluções sempre será mais efetiva se considerados processos de diálogo e chegadas em consenso, o que inclui a participação dos mais diversos atores, como, por exemplo, da sociedade civil e das populações diretamente afetadas pelos empreendimentos.
Nesse sentido, entendemos que o aprimoramento da lei de licenciamento ambiental não pode, em hipótese alguma, dispensar o licenciamento, mas, sim, esclarecer as competências, as responsabilidades e os procedimentos previstos pela mesma.
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E, complemento, a tal lei deve fortalecer o papel dos órgãos ambientais de controle, monitoramento e fiscalização, sobretudo em casos em que os riscos e as ameaças às populações atingidas são comprovadamente altos.
Importante, também, algumas diferenciações entre processos, no que se refere à escala, tamanho, tipo de atividade. Por exemplo, as atividade rurais devem receber tratamentos diferenciados no nosso modo de entender. Seria importante separar o que é pequena propriedade e de baixo impacto das demais. Importante também que, de forma geral, o licenciamento considere o contexto do empreendimento, incluindo, por exemplo, a territorialidade, o ordenamento territorial, o zoneamento ambiental, por exemplo.
Especificamente sobre a responsabilização de quem financia, cabe aos bancos e instituições financeiras que exijam dos seus projetos financiados a observância dos princípios de responsabilidade social e ambiental, incluindo a exigência do licenciamento ambiental.
Cabe a quem financia — e acredito que o Dr. Murilo Portugal fez uma intervenção esclarecendo e reiterando essas questões — atividades econômicas, potenciais geradores de impacto socioambientais, o acompanhamento e a fiscalização de licenças ambientais, assim como a geração de danos para populações locais, como, por exemplo, uma ameaça de rompimento de barragem ou a comprovação de uma prática de desmatamento ilegal.
A Resolução nº 4.327, de 2014, do Banco Central traz já implícitos um acordo e um compromisso de todos os bancos de implementarem áreas de análise e acompanhamento de riscos socioambientais. No caso de tais projetos causarem danos socioambientais, a instituição financeira poderá ser considerada corresponsável, tendo clara e transparente as responsabilidades das partes.
O art. 12 da Lei nº 6.938, de 1981, define a responsabilidade dos órgãos financiadores para com a exigência do licenciamento ambiental de acordo com os padrões definidos pelo CONAMA.
E não posso também deixar de lembrar e ressaltar o recente e grave esvaziamento do CONAMA, colegiado responsável por criar normas e instruções normativas e regras, que vão desde o padrão de qualidade do ar adotado no País ao licenciamento.
Do total de 96 membros, restam 23 na atual estrutura do Conselho, perdendo toda a participação dos governos subnacionais, fundamentais na implementação das políticas ambientais neste País.
Ainda na Política Nacional do Meio Ambiente, na Lei nº 6.938, de 1981, o art. 14 define a perda de crédito ou financiamento de quem não cumpre a legislação ambiental. No caso de comprovação de danos ambientais resultantes da atividade financiada, emerge por força da lei o dever de reparar das instituições que financiaram empreendimento degradador na qualidade de poluidoras indiretas. E afasto aqui uma observação de que é muito importante o que está sendo trazido pela FEBRABAN na definição transparente, objetiva das responsabilidades.
A partir da celebração do contrato de financiamento, o financiador passa a ser responsável civilmente pelo dano ambiental, uma vez que o contrato em questão é quem impulsionou o exercício da atividade danosa. É importante enfatizar que, enquanto perdurar o contrato de financiamento, o financiador deve responder objetivamente pelos danos ambientais, pela atividade degradadora.
De qualquer forma, independentemente da legislação brasileira, possibilitar a responsabilização de bancos por dano ambiental causado por seus parceiros de negócio, as próprias instituições financeiras já perceberam o histórico comportamental relacionado à conduta ambiental das empresas como sinalizador das tomadas de decisão de investimento. Ou seja, todos os bancos têm hoje profundas, sérias e consistentes políticas de risco socioambientais.
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É importante lembrar que após o desastre da companhia Vale, esta foi excluída do Índice de Sustentabilidade Empresarial — ISE da BOVESPA. E, nesse momento, está suspensa de relações com organizações não-governamentais, como, por exemplo, o Ethos.
A exclusão da empresa ocorreu porque as regras da carteira do Easy estabelecem que serão excluídos os ativos que forem de emissão de uma empresa cujo desempenho de sustentabilidade no entendimento do CISE, Conselho Deliberativo do ISE, tenha sido significativamente alterado em função de algum acontecimento ocorrido durante a vigência da carteira.
O Easy foi criado em 2005, com o apoio do IFC — International Finance Corporation, braço financeiro do Banco Mundial, e consiste em uma ferramenta de análise comparativa da performance das empresas sobre o aspecto da sustentabilidade corporativa, eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança corporativa. Nessa linha, é importante lembrar também dos princípios do Equador, criados também pelo IFC e pelos principais bancos que financiam projetos internacionalmente, incluindo a ABN-Amro, Barclays, Citigroup entre outros.
Criaram critérios mínimos para a concessão de crédito que asseguram que os projetos financiados sejam desenvolvidos de forma socialmente e ambientalmente responsáveis. O objetivo desses princípios é, principalmente, prevenir acidentes de percurso que possam causar embaraços no transcorrer dos empreendimentos, reduzindo também o risco de inadimplência.
Os princípios incluem a proteção à biodiversidade, avaliação de impactos socioeconômicos, incluindo as comunidades e povos indígenas, proteção a habitats naturais, com exigência de alguma forma de compensação para populações afetadas por um projeto, respeito aos direitos humanos no combate à mão de obra infantil, mão de obra escrava, dentre outros.
Dessa forma, o Instituto Ethos acredita que a manutenção da corresponsabilização das instituições financeiras que financiam atividades econômicas e consequentemente respondem pelos danos ambientais causados pelos projetos financiados garante a segurança e a integridade ambientais das regiões onde estão localizados tais empreendimentos.
Qualquer reforma do atual processo de licenciamento pode e deve agilizar processos, sem ameaçar a integridade das etapas envolvidos nos trâmites necessários.
A criação de Grupo de Trabalho para discussão do tema é vista de forma muito positiva. E o próximo passo constituía na criação de espaços institucionais, no âmbito do Governo, para o diálogo permanente entre os órgãos envolvidos no licenciamento ambiental, os Ministérios da área de desenvolvimento e infraestrutura. Tais espaços podem conferir oportunidade para canais de interlocução do Governo com o setor empresarial e a sociedade civil.
Para colaborar de forma efetiva com essa discussão, o Instituto Ethos se coloca à disposição da Câmara e das instâncias responsáveis para pensar em formas de aprimoramento do licenciamento, mantendo a segurança acima de tudo. (falha na gravação) como Brumadinho jamais se repetirão.
Finalizando, as empresas socialmente responsáveis, temos certeza disso, não querem facilidades nesse processo, mas a otimização do licenciamento, mais eficiência, transparência e segurança.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado, Sr. Caio Magri.
Concedo agora a palavra ao Sr. Rafael Pontes Feijó, por 10 minutos, por gentileza.
O SR. RAFAEL PONTES FEIJÓ - Boa tarde a todos. Em primeiro lugar, quero agradecer o convite do Deputado Kim Kataguiri. É um enorme estar aqui representando o BNDES e poder participar dessa discussão relativa à responsabilidade de quem financia. Quero cumprimentar meus colegas de Mesa, demais Parlamentares, senhores e senhoras presentes no plenário.
Sempre que eu vou falar dessa questão da responsabilidade, representando o BNDES, eu gosto de iniciar essa fala fazendo um disclameir. Qual a atuação do BNDES hoje relativa à área socioambiental? O que buscamos aprimorar na instituição tem pouco a ver com esse assunto e está mais numa linha de aprimoramento de práticas que buscam mitigar a ocorrência de danos ambientais em projetos que apoiamos.
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Sem dúvida nenhuma, a prioridade do banco é sempre aprimorar a sua atuação, e, para isso, não fazemos esse trabalho sozinhos, buscamos a interação com a sociedade civil. O colega Presidente do Instituto Ethos estava inclusive no banco essa semana. Nós temos parcerias também com a Conectas e outros representantes da sociedade civil. Conversamos com o MPF sobre essa questão, conversamos com o IFC, para buscar práticas de melhorar a análise socioambiental do BNDES.
Nesse exato momento, na revisão da nossa política de responsabilidade socioambiental, decidimos colocar no site uma possibilidade de aprimoramento dessa política de sugestões. Trata-se de uma consulta pública que está disponível no site do BNDES. Vemos isso como importante ferramenta de participação da sociedade para a contribuição do aprimoramento da gestão do risco ambiental relacionado ao crédito.
O importante é colocar na questão da responsabilidade de quem financia — acho que é um pouco do que o Murilo comentou também — que o intuito é definir as responsabilidades e de forma alguma tentar eximir as instituições financeiras de qualquer tipo de responsabilidade socioambiental. Enfim, definir essas responsabilidades de forma precisa para que o ambiente de negócio seja mais previsível. Essa é a minha visão, essa é a visão do BNDES. Então precisamos ter uma definição.
No campo jurídico, como que essa coisa está se colocando? Tivemos uma decisão do STJ em 2007, publicada em 2009 — o Murilo comentou —, que marcou. Ela ancorou uma responsabilidade para as instituições financeiras que, a nosso ver, é uma responsabilidade ampla, não definida, ela permite interpretações, e assim que vem se comportando a jurisprudência nessa última década, desde a publicação dessa primeira decisão. O que observamos nas pesquisas feitas é que algumas decisões acompanham esse julgado do STJ, de 2009, e outras decisões se afastam um pouco. Então não há uma conclusão, não há uma jurisprudência consolidada nesse sentido, o que é ruim para as instituições financeiras, mais uma vez, porque há pouca previsibilidade: previsibilidade no estabelecimento de regras, previsibilidade no estabelecimento de políticas e previsibilidade no estabelecimento de cláusulas contratuais, porque é no contrato conseguimos puxar do tomador do recurso o comportamento que esperamos.
Posteriormente, em 2017, o STJ tomou uma nova decisão, que consideramos muito importante, diante do caso de um navio que estava fazendo o desembarque de metanol em Paranaguá e houve uma explosão, enfim, um dano ambiental causado por esse evento. Então se buscou na Justiça a responsabilização pelo dano ambiental do adquirente daquele metanol, que não era a empresa responsável pelo desembarque do produto. O STJ, então, teve essa decisão, em 2017, 2 anos atrás. Foi uma conclusão interessante e, a nosso ver, muito correta, no sentido de afastar o nexo causal da relação do comprador do metanol, que nada tem a ver com o desembarque do produto, com aquele dano. Então, o STJ não considerou aquele comprador responsável por aquele dano. O que se extrai dessa decisão é que o poluidor indireto — no caso lá o comprador, mas isso pode se aplicar também às instituições financeiras —, o STJ coloca que o poluidor indireto, se ele age de acordo com os normativos, se ele não viola um dever de cuidado, se ele não tem uma medida de culpa grave, uma medida dolosa, ele não deveria ser responsabilizado. Mas isso porque não há nexo causal, não há um nexo, na visão do STJ — é a visão com a qual concordamos — entre a conduta daquela pessoa e o dano. No caso do exemplo, entre a conduta de quem compra um produto e o dano causado pelo desembarque do produto, que não estava sob a responsabilidade do comprador.
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Acho que, em decorrência dessa indefinição jurisprudencial que vimos comentando, Sr. Presidente, entendemos pertinente sim, que seja normatizado, através de lei, a regulamentação; que seja regulamentada em lei enfim, a responsabilidade, os limites da responsabilidade do financiador.
Na nossa visão, essa regulamentação passa por uma definição mais precisa da figura do poluidor indireto, porque a decisão que o Dr. Murilo comentou — eu a citei também, logo no início —, lá de 2009, do STJ, transformou o poluidor indireto, colocou-o no mesmo patamar do poluidor direto. Então, a pessoa que executa o projeto e, eventualmente, executa mal, e aquilo gera um dano, um cara que está comprando um produto daquela pessoa pode vir a ser responsabilizado porque o conceito de poluidor indireto é um conceito amplo. Muito amplo, impreciso na lei, e amplo por essa decisão do STJ. Por isso achamos que deve passar por isto: por uma definição mais precisa do poluidor indireto.
Na definição do alcance da responsabilidade civil ambiental, eu considero que não cabe aos bancos ir além. É bom frisar esse ponto. Os bancos devem, obviamente, observar os normativos e as lei aplicáveis ao licenciamento ambiental dos projetos que ele financia. Isso é óbvio. Agora, acho importante também que o banco tenha políticas que vão além disso, que sejam complementares a essas regras legais; políticas que exijam do tomador do crédito algo a mais do que a lei exige.
Agora, se colocarmos na legislação que o banco pode vir a ser responsabilizado, por uma previsão nessa política que está muito além da legislação, acho uma medida ruim, porque vai desincentivar a criação de políticas por instituições financeiras, políticas essas que buscam evitar o dano. Penso que a responsabilização deve estar limitada ao que a lei e os normativos de regência dispõem. Esse é um ponto importante frisar em relação ao alcance.
Também concordo com o Murilo no que ele coloca que o poluidor indireto deve se responsabilizar de forma proporcional à contribuição dele para o dano. Não faz sentido um poluidor indireto, ao meu modo de ver, responsabilizar-se integralmente pelo dano.
Na nossa atividade bancária do BNDES, eu já tive a oportunidade de presenciar, por exemplo, financiamentos de projetos em que você tinha um pool de bancos, alguns deles com participação muito reduzida. Não faz sentido você pegar um banco repassador de recurso do BNDES, que participa de percentual muito pequeno de um projeto de grande porte, ou seja, um projeto que pode gerar um dano ambiental relevante, que esse banco seja chamado a responder integralmente por esse dano. Então, seria também interessante que a instituição pudesse responder de forma proporcional à sua participação. Se ela está participando com 100% do projeto, 100%. Agora, a realidade da atividade bancária não é essa, na grande maioria dos casos. Também acho que a responsabilidade da instituição financeira deve ser subsidiária. Essa questão da responsabilidade solidária para o poluidor indireto, a meu ver, não é o melhor caminho a ser enfrentado, porque isso gera um desincentivo, em alguns casos, para que o potencial poluidor direto não adote medidas para evitar o dano.
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Às vezes, pode ser uma medida muito cara, ele prefere, "não, eu vou deixar, vou correr esse risco, se o dano acontecer, tem um parceiro aqui que é líquido comigo, que é solidário, tem uma responsabilidade solidária comigo. Então, ele arca e depois, se quiser, ele entra com uma ação de regresso".
Essas são as contribuições em relação a um marco legal que possa surgir: definição mais precisa de poluidor indireto, excluindo as IFs, as instituições financeiras, desse conceito, se não houver violação de direitos, cuidado, em razão, nesse caso, da inexistência de nexo causal, lembrando lá do exemplo do navio; inspirar-se nas melhores jurisprudências, essa de 2017, por exemplo, que eu citei, do STJ, para evitar que esse marco legal que vier a ser criado seja questionado judicialmente; a reparação do dano deve ser proporcional ao risco causado, a nosso ver, no que se refere ao poluidor indireto. Estou incluindo as instituições financeiras nesse quesito. Por fim, a responsabilidade pela reparação do dano deve ser subsidiária à responsabilidade do poluidor direto.
De novo, essa é uma discussão importante, tem que ser enfrentada, mas eu quero destacar que a discussão que prevalece no BNDES é de constante aprimoramento de sua política, de suas atribuições e de suas exigências em contratos, em normativos que são apresentados ao mercado e aqueles que lá comparecem para tomar recurso.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Obrigado, Sr. Rafael.
Concedo a palavra agora ao Sr. Caio Borges, por gentileza, por 10 minutos.
O SR. CAIO BORGES - Bom, primeiramente, em nome da Conectas, eu queria agradecer a V.Exa., Deputado Kim Kataguiri, e parabenizá-lo por essa série de audiências sobre o tema do licenciamento ambiental. São muito bem-vindas, uma iniciativa, realmente muito importante nesse momento.
Eu vou abrir uma divergência aqui, principalmente em relação ao que o Sr. Murilo e o Sr. Rafael estabeleceram, porque acho que a nossa visão é um pouco diferente sobre qual deve ser o caminho. O que eu queria colocar aqui segue muito também a linha do que falou o Rafael, de que a questão jurídica da mudança legal é um caminho, mas não deveria ser vista como o único caminho.
Queria colocar aqui hoje que há várias formas de tratarmos esse tema da responsabilidade socioambiental das instituições financeiras que não passe por uma medida que consideremos um pouco drástica, como é alterar o regime de responsabilidade civil, porque isso sim geraria um desincentivo em relação à boa gestão do risco socioambiental pelo sistema financeiro. Esse é o resumo do nosso argumento.
(Segue-se exibição de imagens.)
O que está posto, principalmente em relação ao texto da subemenda substitutiva global em discussão e que já vem de outros PLs do tema do licenciamento ambiental? São duas questões: a primeira, se é uma responsabilidade objetiva ou se é uma responsabilidade subjetiva. Isso já foi bem tratado pelos meus antecessores, ou seja, responsabilidade objetiva, nexo causal, comprovação, então, do fato, e a relação entre a ação ou omissão daquele que causou, e o fato, o resultado, que é o dano. E é isso.
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Sobre o nexo, o dolo ou culpa, entra mais uma questão de responsabilidade subjetiva, ou seja, se houve alguma intenção, omissão, negligência para causar aquele dano. Esse é o primeiro ponto jurídico que está em discussão. O segundo ponto é se essa responsabilidade deveria ser solidária ou subsidiária. Isso também já foi bem explicado pelo Rafael. Essas são as questões jurídicas que estão postas.
Por que nós advogamos de que não deve haver uma mudança ou uma determinação explícita, neste momento, em relação a responsabilidade? Vou colocar cinco razões e depois fazer cinco recomendações sobre como seguir nesse caminho.
A primeira questão é que, como já foi bem dito pelo Murilo e pelo Rafael, houve algumas decisões judiciais, inclusive no âmbito do STJ, que tiveram interpretação um tanto quanto expansiva em relação à possibilidade de responsabilização do financiador. Na verdade, o que acontece? Essa jurisprudência não está consolidada e nem está finalizada. É uma jurisprudência em franco debate no Judiciário. Então, criou-se com essa decisão do STJ um certo, desculpe a palavra, fetiche, obsessão do sistema financeiro em tentar resolver esse problema. Mas o fato é que é uma questão jurídica muito controvertida e muito difícil, que, na minha visão, não pode ser resolvida somente com um parágrafo de uma legislação socioambiental. Vou tentar voltar um pouco mais a essa questão da complexidade, um pouco mais à frente. Então, a primeira coisa é que não há ainda, no Judiciário, uma resolução final sobre o tema.
Sobre a questão da segurança jurídica, é um valor que todos nós prezamos. É preciso que haja segurança jurídica, sem dúvida. O que não pode é haver uma desresponsabilização. Essa é, inclusive, a segunda questão. Quando se coloca uma barra muito alta, uma régua que é a comprovação de nexo de causalidade, comprovação de dolo ou culpa, na prática, isso pode causar uma desresponsabilização, porque a comprovação é muito difícil.
Inclusive, é por isso que existe o próprio instituto jurídico da responsabilidade objetiva. A responsabilidade objetiva não é para causar um ônus desproporcional e desnecessário a um determinado agente econômico. A responsabilidade objetiva serve exatamente para proteger os valores jurídicos, que são tão importantes quanto também a atividade econômica e quanto a liberdade econômica. Por isso a responsabilidade objetiva existe. Ela não é um instituto inútil, ela só tem que ser bem manejada. Esse é o ponto central da discussão.
Algo que não apareceu até agora também na discussão é o seguinte: o sistema financeiro é muito complexo, ele desenvolve diversos produtos, diversas operações. Cada tipo de produto que o sistema financeiro presta tem um tipo de arranjo contratual, um tipo de configuração jurídica. Dependendo daquele tipo, se for um project finance, um crédito rotativo, um crédito corporativo, uma operação estruturada, uma operação de subscrição de ações de valores imobiliários, todas essas operações jurídicas são muito diferentes entre si. Não é a mesma coisa. Não é a mesma coisa se disponibilizar um crédito, um cheque especial, um crédito corporativo para uma empresa e saber o que ela vai estar causando, de se fazer uma operação estruturada que se tem plena consciência de quais são os impactos que podem ser causados e os estudos que têm que ser apresentados.
As operações são distintas no seu arranjo jurídico, o que também gera vinculação muito diferente em relação ao grau de controle de responsabilidade que a instituição financeira pode exigir do tomador. Então, colocar tudo no mesmo pacote, como se nenhum caso pode haver uma responsabilidade objetiva é simplificar um pouco como o sistema financeiro opera, como o sistema financeiro pode, na prática, ser um indutor de boas práticas e como ele pode também exigir, por vias contratuais, por políticas, que o tomador, sim, preste atenção, inclusive, sob pena de que, se houver uma falha, ele também responde subsidiariamente ou solidariamente por aquilo.
Então, essa complexidade do sistema financeiro, mais uma vez, é uma razão para que não tentemos simplificar, numa legislação, algo que é muito mais complexo, na realidade. Não por outra razão, os Princípios do Equador, que foram muito bem explicados pelo Caio Magri, são uma iniciativa que foi desenvolvida, no início dos anos 2000, por bancos estrangeiros, grandes brancos transnacionais, que queriam algum tipo de parâmetro para operar nos mercados em desenvolvimento.
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Foi assim que os Princípios do Equador surgiram, com um recorte muito específico. Eles surgiram, principalmente, em relação a project finance, que são as operações mais complexas, que normalmente financiam os projetos que geram mais impacto, como hidrelétrica, por exemplo.
Os Princípios do Equador começaram com a regulamentação que só era aplicável ao project finance. Depois que o sistema financeiro foi se acostumando e esses critérios foram sendo incorporados, expandiu-se, inclusive, a cobertura dos Princípios do Equador, que hoje se aplicam a outras operações, além das de project finance. Isso significa que o mercado vai amadurecendo essa questão da responsabilidade.
É um ponto central entender que a responsabilidade objetiva pode não ser aplicável para toda e qualquer situação, mas não podemos dizer que ela não pode ser aplicável a algumas situações, principalmente quando envolve setor de alto risco e empreendimento de alto impacto em potencial.
Outra questão é o debate no Brasil. Para quem acompanha esse tema de responsabilidade socioambiental das instituições financeiras, estamos ignorando o que está acontecendo fora do Brasil. Essa discussão não é exclusiva do Brasil. Ela é muito importante na nossa realidade, mas a Suíça, a União Europeia, a Holanda, o Peru, vários outros países também estão discutindo isso.
Qual é a diferença entre o que está acontecendo lá fora e aqui no Brasil? Lá fora, há uma consciência de que, mais uma vez, não é uma legislação que vai resolver o problema. Há toda uma discussão sobre como fazer regulações que não são juridicamente vinculantes, mas que vão promover uma melhor e devida diligência no setor financeiro. Isso aconteceu no Brasil com a Resolução nº 4.327, do Banco Central, de 2014. No último ponto, eu vou falar sobre algumas falhas dessa implementação.
Lá fora, há as duas coisas juntas: uma legislação de devida diligência, uma legislação de responsabilização e, ao mesmo tempo, incentiva práticas responsáveis no setor financeiro. E as duas coisas devem andar de forma casada, nem só um, nem só o outro.
A legislação é muito rígida, quando há uma desconfiança de que, se a legislação não for rígida, não vai haver o cumprimento voluntário. Essas coisas têm que ser manejadas de maneira combinada.
Por último, eu acho esse ponto interessante, o Brasil, como foi bem falado pelo Murilo, já tem um arcabouço de responsabilidade socioambiental. Nós já temos a Resolução nº 4.327, do Banco Central, que exige que os bancos façam um plano de ação e tenham uma política, uma governança em relação à responsabilidade socioambiental.
O principal, neste momento, Deputado Kim Kataguiri, seria pensarmos em como avançar na implementação da resolução do Banco Central. Essa é uma das recomendações. Qual é o caminho que propomos, nesta discussão, de maneira que seja um desenvolvimento equilibrado para todas as partes? Primeiro, claramente, a nossa recomendação é que não ocorra uma alteração do regime jurídico por meio de uma legislação de licenciamento ambiental.
Depois, vou submeter a V.Exa. e aos demais Deputados e Deputadas que estiverem interessados, uma nota técnica que produzimos junto com outras organizações, quando houve uma tentativa de inserir linguagem semelhante na MPV 752, que tratava da concessão de portos. Ao fim foi vetada, com recomendação da Advocacia-Geral da União, por vício formal, mas também apontamos os vícios substantivos dessa medida.
Haver uma regra específica sobre setor financeiro, numa Lei Geral de Licenciamento Ambiental, não é a melhor técnica legislativa, não seria o ideal. É melhor haver outro momento de pensar sobre este assunto.
Segundo, a Resolução nº 4.327, do Banco Central, está fazendo 5 anos neste ano. Até agora o Banco Central não apresentou ainda, nem a FEBRABAN — deixo uma sugestão, Murilo —, que o sistema financeiro e o órgão regulador sejam mais transparentes em relação a como essa resolução está sendo implementada. Até hoje, não temos informações e evidências de que a resolução foi capaz de efetivamente aprimorar a devida diligência dos bancos e as políticas e que o risco sistêmico socioambiental diminuiu de forma conjunta.
Tratar de dar mais informações, elaborar mais evidências, fazer estudos de como a Resolução nº 4.327 está sendo cumprida, poderia ser o primeiro passo para termos um diagnóstico mais preciso, se o sistema precisa de uma norma mais rígida ou não.
Uma ideia, novamente, para sair um pouco e ir além do debate legislativo, que é importante, mas ao lado de outras iniciativas, é fazer o que outros países estão fazendo, como, por exemplo, a Holanda.
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A Holanda tem uma iniciativa que chamam de acordo do setor bancário, que envolve o governo, a entidade de associação dos bancos, seria como se fosse o equivalente à FEBRABAN holandesa, organizações não governamentais e sindicatos. No âmbito dessa associação, um dos objetivos é exatamente discutir a responsabilidade civil. Então, primeiro, de novo, está-se fazendo um diagnóstico, um estudo muito aprofundado, para aí, sim, partir para uma discussão mais aprofundada sobre isso. Algo semelhante no Brasil poderia ser um caminho interessante.
E, por fim, também inspirado no que está acontecendo em outros países, ter uma discussão mais compreensiva, mais abrangente, mais técnica em relação não somente à situação do setor financeiro e a sua vinculação em relação a danos socioambientais, mas, sim, algo em relação a todo o setor privado. E, aí, nós podemos conversar sobre as especificidades em relação ao setor financeiro. Isso é o que está acontecendo em vários países europeus neste exato momento, ou seja, inclusive no âmbito da União Europeia e outros países em desenvolvimento.
Tratar a questão da devida diligência e as consequências de uma devida diligência falha em termos de responsabilização como algo maior e não somente relacionado ao licenciamento ambiental. Então, é considerar, inclusive no âmbito deste Congresso, uma nova legislação que trate desse tema, não somente relacionado a um setor ou a uma situação específica do licenciamento ambiental. Assim, poderíamos trazer toda a complexidade do tema para a mesa.
Essas são as considerações.
Mais uma vez agradeço, Sr. Deputado Kim, e parabenizo-o novamente por essas audiências!
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado, Sr. Caio.
Passo agora a palavra ao Sr. Leonardo Papp, por 10 minutos.
O SR. LEONARDO PAPP - Muito boa tarde a todos.
Quero cumprimentar os meus companheiros de Mesa e agradecer inicialmente o convite, feito pelo Deputado Kim, para que a Organização das Cooperativas Brasileiras também possa contribuir com o debate, com o seu olhar específico, como modo de produção próprio, com suas particularidades.
Sobre o tema específico, a Organização das Cooperativas Brasileiras reúne atores produtivos das duas pontas. O ramo crédito é um dos ramos de atuação do cooperativismo. Hoje, são quase mil cooperativas de crédito, quase 9 milhões de associados. Só para que se tenha uma ideia, em mais de cem Municípios brasileiros, as cooperativas de crédito são a única instituição financeira disponível para a população.
Mas também, na outra ponta, o cooperativismo atua como tomador desse crédito. Só para que se tenha uma ideia de outro ramo de nossa atuação, o agropecuário, hoje nós temos lá mais de 1.600 cooperativas. E, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, praticamente 50% da produção agrícola nacional passa de alguma forma por cooperativa. Obviamente, essas atividades produtivas precisam de crédito para poderem desenvolver as suas atividades. Então, é com esse contexto de atuação em toda a cadeia que nós preparamos as nossas contribuições.
Em razão do tempo e também da qualidade das apresentações que me antecederam, eu quero iniciar deixando bem claro qual é o recorte da minha fala aqui, para ser bem específico ao nosso tempo.
Primeiro, nós entendemos que a discussão da responsabilidade de quem financia é um aspecto de um tema maior, que é o tema de quem deve ser considerado poluidor indireto como responsável por danos ambientais praticados pelo poluidor direto. Então, estamos aqui tratando da aplicação de um tema que, na verdade, é maior, e é nesse contexto que eu vou desenvolver minha fala.
15:31
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Segundo recorte: eu vou desenvolver minha fala especificamente sob o aspecto jurídico. E eu digo isso porque desde logo quero reconhecer que a legislação não resolve todos os nossos problemas. Nós temos que estar preocupados também com questões de estrutura de pessoal, estrutura tecnológica para que o licenciamento ambiental possa funcionar. Em razão do tema e do meu enfoque, eu vou tratar não desses outros aspectos, mas especificamente do tema a partir de uma visão jurídica.
O terceiro e último recorte, que eu quero deixar desde logo situado, é que a minha intenção aqui é fazer um breve relato da situação atual, porque eu acho que é olhando a realidade atual que vamos ter condições de compreender se este é um tema que merece ou não ser tratado dentro do projeto de lei que está sob análise e coordenação do Deputado Kim.
Feita essa introdução e indo, então, propriamente ao tema, eu gostaria de dizer que nos parece que o foco de toda essa discussão do licenciamento ambiental deve ser buscar eficiência, num sentido e num contexto amplo, para quem produz e também na robustez dos instrumentos de proteção do meio ambiente, entre os quais o licenciamento ambiental.
Para a busca dessa eficiência, talvez a maior contribuição que a legislação possa trazer é a segurança jurídica, e, ao mesmo tempo, talvez o maior risco que a legislação possa trazer é a insegurança. Essa é uma expressão que sai fácil da nossa boca, é uma daquelas que todo mundo sabe o que é. Mas acho importante deixar aqui pontuado em que contexto eu entendo a segurança jurídica. Para isso, eu vou me apoiar na lição doutrinária da hoje Ministra do Supremo Cármen Lúcia.
Segurança jurídica é a garantia da tranquilidade que as pessoas têm que ter, com a certeza de que as relações jurídicas não podem ser alteradas, não pode haver imprevisibilidade que as deixem instáveis e inseguras quanto ao seu futuro, quanto ao seu presente e até mesmo quanto ao seu passado. É conhecido nacionalmente o brocardo jocoso de que neste País até o passado é incerto. Sob o aspecto jurídico, a legislação às vezes leva a isso. Eu só vou saber se fiz certo depois de ter feito, porque não tenho parâmetro antecipadamente para decidir se a minha conduta é correta ou incorreta.
Isso pode ter como origem tanto o excesso de legislação, muita lei gera insegurança jurídica, quanto à falta de legislação. Falta de lei onde deveria haver regulação também gera insegurança jurídica. E a insegurança jurídica vai se revelar com toda a sua força na judicialização. Então, quanto mais judicialização houver sobre um tema, mais insegurança jurídica nós teremos em relação a ele.
Portanto, se o meu objetivo aqui é contextualizar a situação do poluidor indireto aplicado para as instituições financeiras na nossa realidade atual, é na jurisprudência que eu tenho que buscar a análise do grau de insegurança ou de segurança que nós temos. E é isso que eu passo, então, a tentar trazer para a contribuição.
A nossa situação-problema já foi bem colocada pelos demais colegas: uma instituição financeira concede crédito, o tomador do crédito implementa uma atividade, ou um empreendimento que depende de licenciamento ambiental, e essa atividade causa um dano ao meio ambiente. E aí vem a pergunta: a instituição que concedeu o crédito é responsável pelo dano ambiental praticado por um terceiro que tomou o crédito para desenvolver aquela atividade? Essa é a nossa situação-problema.
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Na legislação, nós temos basicamente dois dispositivos, não só, mas temos dois dispositivos principais para tratar da questão, para responder a essa nossa pergunta, para tratar dessa situação-problema. A primeira disposição legal é a que define o que é poluidor na legislação brasileira. Isso está na Lei 6.938, de 1981, art. 3º, inciso IV, que diz:
Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
(...)
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
Então, a pergunta consiste em saber se a instituição financeira é poluidora indireta, porque diretamente ela não poluiu, ela não cometeu o ato de poluição. Ela só poderia ser enquadrada na condição de poluidora indireta.
O segundo dispositivo que completa esse sistema jurídico, constante da Lei 6.938, de 1981, art. 14, define — aqui ela não faz distinção entre poluidor direto ou indireto, mas trata de poluidor genericamente — o seguinte:
Art.14...............................................................
.........................................................................
§ 1º (...) é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
É desses dois dispositivos que surge a necessidade de interpretação no nosso cenário atual e que surgem as controvérsias jurisprudenciais que estão sendo relatadas por alguns colegas e que eu vou tentar passar a sistematizar. Então, se alguém quiser responder a essa pergunta olhando para a jurisprudência, pode desdobrar em várias hipóteses.
A primeira hipótese é a seguinte: o banco, a instituição financeira, não deveria ser responsável, porque não há nexo causal entre a conduta da instituição financeira e o dano causado. Quem causou o dano foi a atividade que implementou aquele empreendimento, aquela atividade potencialmente poluidora. Não há um nexo causal entre a conduta do banco e a atividade causadora do dano.
Se formos olhar a jurisprudência, há decisão para tudo que é lado. Há decisão, como bem apontou o colega do BNDES, no caso do navio Vicuña, dizendo que aquele que comprou a carga não é responsável, por falta de nexo causal; como também já existe decisão, mencionada na Mesa, de que o STJ já fixou, em outra oportunidade, a ideia de que, para nexo causal, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa de fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam e quem se beneficia quando os outros fazem.
Costumo brincar nas aulas com os meus alunos que, se eu levar isso aqui a sério e for comprar um pacote de arroz no supermercado, quando eu for passar no caixa, vou ter que pedir uma declaração do banco de que aquele arroz não foi plantado em APP, porque estou me beneficiando com a aquisição daquele produto.
Isso se desdobra também em várias outras questões na jurisprudência. Poderia se argumentar: "Tudo bem, mas quem tem que provar que a instituição financeira causou dano é quem acusa". Pois bem, no Judiciário, há decisões que tratam da inversão do ônus da prova, e seria possível dizer que é a instituição financeira que tem que provar que não causou indiretamente o dano. Avançando nisso e concluindo, poderia ser dito, então, que é fato de terceiro, culpa de terceiro,
De novo a jurisprudência aqui está dividida, sem saber se a excludente de fato de terceiro se aplica ou não se aplica. Isso poderia ser replicado para outros temas importantes, como solidariedade ou subsidiariedade, prescritibilidade. Todos são temas controversos na jurisprudência.
O que me parece, então, para tentar atender ao tema, é que a decisão que nós temos que tomar aqui é se este é um assunto que o Parlamento tem que legislar, se esse é um assunto que o Parlamento tem que tomar as rédeas, e revisitar aquilo que, na lei de 1981, é o mesmo regime jurídico para poluidor direto e indireto, ou se esses regimes jurídicos devem ser distintos, ou então se a opção é de o Parlamento não tomar a frente dessa discussão e legislar de maneira geral e abstrata, e deixar para o Judiciário, e deixar para a doutrina, nesse contexto de incerteza, nesse contexto de controvérsia, em algum momento, resolver e gerar a segurança jurídica que nós precisamos. Este me parece ser o tema central. Até que ponto o Legislativo quer, precisa? É o papel ou não desta Casa disciplinar esse tema para superar as controvérsias e a insegurança que o cenário judicial hoje acaba trazendo?
15:39
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Era isso.
Obrigado pela oportunidade.
E eu fico à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado, Sr. Leonardo.
É bom que agora nós já temos uma representante do Judiciário aqui para solucionar, já dar a decisão, a fim de saímos daqui sabendo o que é para fazer. Concedo a palavra à Sra. Consuelo Yoshida.
A SRA. CONSUELO YOSHIDA - Boa tarde a todos.
Eu gostaria de iniciar cumprimentando V.Exa., Deputado Kim Kataguiri, porque realmente é inusitada esta forma de trabalho, um grupo de trabalho com dez audiências públicas sobre os temas controvertidos, e com paridade de expositores, com os diversos segmentos interessados e afetados.
Eu acho que realmente é muito importante esta democracia participativa, porque nós estamos num regime de democracia representativa, onde se descolou muito essa visão da base que está lá na rua, a democracia direta, em razão do distanciamento da representatividade aqui na Casa do Congresso. Acho, portanto, louvável. E eu o parabenizo principalmente pelo vigor jovem.
Qual é a tendência atual? É a sustentabilidade, a cultura da sustentabilidade. Eu acho que será muito desfavorável para tudo. Eu estou falando do ponto de vista econômico. Nós estamos dizendo que essa cultura da sustentabilidade faz parte da linguagem, embora ainda não implementada, mas no discurso dos acordos comerciais. Eles não querem mais e criam barreiras não alfandegárias para produtos brasileiros.
Quando nós tivemos alteração do Código Florestal, por que houve uma medida provisória para tentar melhorá-lo? Por conta do desmatamento no Brasil, que é um dos problemas que afeta a questão da nossa concorrência nesse mercado internacional.
Então, gente, é muito interesse envolvido, e nós temos que ter cuidado! Para quê vamos dar margem para sermos atingidos exatamente neste nó, nesse nosso calcanhar de Aquiles, que é o aumento de desmatamento, essas questões?
(Segue-se exibição de imagens.)
E eu digo que o banco tem uma importância estratégica como protagonista na cadeia econômica da sustentabilidade. Então, eu me assusto quando ele quer sair desse sistema importante que nós temos para construir a cadeia econômica da sustentabilidade por setores. E ele, banco, setor financeiro, perpassa por todos os setores econômicos. Por quê? Porque sem financiamento, sem crédito, nada acontece.
Se o crédito é dado de forma criteriosa — aí a minha divergência, e concordo aqui com o Caio Borges —, não vamos quebrar um sistema de responsabilidade civil, objetiva e solidária — vou mostrar os problemas todos que acontecem na prática —, se podemos decidir caso a caso se houve ou não dever de diligência por parte das instituições, que são muito zelosas. É importantíssima a participação do banco, porque ele faz as coisas acontecerem. Ele não permitindo o crédito, nada vai suceder.
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A responsabilidade objetiva foi para facilitar a responsabilização do causador do dano, porque, quando nós estávamos na época do liberalismo econômico, era difícil para a vítima, além de suportar o dano, provar a culpa do agente. Então, vai ter que ser assim, se nós mudarmos e abrirmos essa brecha da responsabilidade subjetiva para as instituições financeiras.
Faz parte do contexto da sociedade moderna, desde a industrialização, quando aumentaram os danos ao consumidor ou ao meio ambiente, mudar da responsabilidade subjetiva para a objetiva a fim de facilitar a responsabilização do causador do dano.
Agora, realmente, na nossa legislação e na prática da jurisprudência, houve a adoção da teoria do risco integral. E aí sim, não aceitam excludentes, nenhuma dessas que há no Código do Consumidor, por exemplo, que foi mencionado, o fato de terceiro, etc.
A visão do meio ambiente, da responsabilidade na área ambiental, é bem pró-ambiente. Inclusive, todos os instrumentos que foram colocados aqui, como a inversão do ônus da prova, tudo está sendo devidamente calibrado. Eu acho que é com isso que a jurisprudência precisa tomar cuidado, sob pena de reações como esta que está acontecendo aqui, e quererem mudar, através de uma lei de licenciamento, a estrutura da responsabilidade civil ambiental — não estou falando da penal, nem da administrativa —, baseada nestes dois pontos: objetiva e solidária.
Eu faço uma proposta, Deputado, no final, para manter a redação daquela subemenda que foi sugerida, para dizer que o banco basta, e já é suficiente exigir a regularidade da licença ambiental. Ele não precisa se substituir ao órgão ambiental, tampouco fiscalizando, não é esse o papel. Se ele é cobrado por isso, se ele é responsabilizado por isso, é um problema que nós vamos tentar calibrar. Há o custo de contratar, mas as ações são julgadas improcedentes. É um trabalho que estamos fazendo de calibrar, como foi dito aqui pelo Caio Borges.
Eu vou manter a sugestão da subemenda e renumerar o artigo que está no texto atual para o artigo seguinte, e aí fazer algumas supressões.
Por que estamos aqui discutindo responsabilidade objetiva na sua íntegra? Porque, realmente, há este avanço na sociedade moderna. E aí eu sugeriria excluir mesmo, e não quebrar o sistema consolidado, a responsabilidade objetiva, porque ela é apropriada para esta sociedade, com tantos danos causados em razão dos riscos, de tudo o que está sucedendo nesta sociedade com tantas inovações.
O que eu vejo de problema é na responsabilidade solidária. Mas aí não podemos quebrar o instituto, que foi instituído para quê? Para facilitar também para o credor. Se você está diante de vários devedores solidários, você escolhe um, e esse um responde integralmente pela obrigação. Então, a facilidade da obrigação solidária é esta: eu não precisar procurar, nem colocar para cobrança todos aqueles que causaram o dano. Eu escolho um. E quem o credor escolhe? Aquele que tem maior capacidade econômica, obviamente.
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Esse é o instituto de responsabilidade da obrigação solidária, da solidariedade passiva. Quando esses atores ingressam numa ação civil pública e escolhem o que tem maior capacidade econômica, acabam escolhendo as grandes empresas e os bancos. Assim, há os excessos, e se faz na Justiça a comprovação, se há ou não contribuição efetiva, se há ou não dever de diligência.
A minha ideia é manter a comprovação do nexo de causalidade, porque — e destaco todas as minhas considerações a respeito disso —, ainda que seja objetiva, precisa de haver comprovação do nexo de causalidade, senão não sobra nada da responsabilidade objetiva.
Outro ponto, é o da atividade. Se eu consigo provar que a atividade licenciada, ainda que regularmente, causou danos, e o banco obteve toda a diligência necessária, e, segundo o artigo da subemenda, exigiu licença válida e regular, dada por órgão competente, é suficiente para o banco.
Eu, se for mantido o art. 52 do texto atual, excluiria "dolo e culpa", manteria a comprovação do nexo de causalidade e eliminaria o parágrafo único, porque também desfigura a solidariedade passiva, pois não condiz com a solidariedade passiva a subsidiariedade. Primeiro, perante o poluidor direto e, segundo, se não for suficiente o patrimônio, aí sim em relação ao poluidor indireto.
Essa é a minha proposta. Realmente, isso já foi mencionado. É apresentada no art. 52 a mesma versão anterior, tentando excluir as instituições financeiras de responsabilidade civil objetiva e solidária, que está consolidada na seara ambiental.
Este é o artigo atual:
Art. 48. As instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil e as entidades governamentais de fomento somente responderão por dano ambiental, se comprovado dolo ou culpa, bem como a relação de causalidade entre sua conduta e o dano causado.
Parágrafo único. As entidades referidas no caput deste artigo serão subsidiariamente responsáveis pela reparação do dano para o qual tenham contribuído, no limite da sua participação na ocorrência do referido dano.
Como ficaria? Incorpora-se no texto atual — art. 48 — a redação do art. 52 da subemenda.
Teria a seguinte visão:
Art. 48. As instituições supervisionadas e as entidades governamentais são obrigadas a verificar a situação de regularidade da atividade ou empreendimento quanto à licença ambiental.
Parágrafo único - A apresentação de licença válida expedida pela autoridade competente (...) é suficiente para a comprovação de regularidade prevista no caput deste artigo.
Eu manteria o art. 48 — parece justo e suficiente, é a própria manifestação de V.Exa. no relatório — e o renumeraria no texto atual como art. 49, permanecendo a redação com as seguintes supressões: suprimir os vocábulos "dolo ou culpa" pela quebra do sistema de responsabilidade civil objetiva, que já está consolidada; manteria a comprovação da relação de causalidade, porque, ainda que objetiva, a responsabilidade civil não dispensa a comprovação, caso a caso, do nexo de causalidade, uma vez que nós estamos diante de uma excludente do nexo. Se não se admitir isso... E eu suprimiria o parágrafo único, porque flexibiliza, em relação às instituições financeiras, a solidariedade passiva, que afasta a subsidiariedade.
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Então, ficaria nos seguintes termos o art. 49: "As instituições e entidades mencionadas no caput do art. 48 somente responderão por dano ambiental, se comprovada a relação de causalidade entre sua conduta e o dano causado".
Seriam essas as nossas considerações e propostas.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigada, Sra. Consuelo. Aliás, por ironia do destino, logo após a apresentação de um membro do Judiciário, me chegou um aviso de recebimento do TJ de São Paulo. A quantidade de processos que eu tenho faz parte da vida política.
Eu gostaria de escutar a opinião da Mesa, antes de passar a palavra aos Parlamentares inscritos, sobre a proposta da Sra. Consuelo. Já que a discussão está bastante focada na responsabilização, se é objetiva ou subjetiva, se a cobrança pode ser por meio solidário ou subsidiário, pergunto se nós podemos pensar na criação de um dispositivo semelhante ao que temos hoje no Código de Defesa do Consumidor. Há o regime do fato do produto ou do serviço e do vício do produto ou do serviço. No fato, a responsabilização é objetiva, porque o dano causado é extrínseco, vai além do produto; no vício, a responsabilização é subjetiva, porque se limita ao produto. Talvez nós pudéssemos vincular, de certa maneira, a exigência do licenciamento e a gravidade do dano causado à espécie de responsabilização, tanto na discussão sobre se é objetiva ou subjetiva como na discussão sobre a cobrança ser subsidiária ou solidária. Queria ouvir a opinião da Mesa sobre esses dois pontos.
Passo a palavra agora ao Deputado Rodrigo Agostinho.
O SR. RODRIGO AGOSTINHO (PSB - SP) - Antes de mais nada, cumprimento o Presidente, os Deputados aqui presentes, o Deputado Nilto Tatto, Presidente da Frente Parlamentar Ambientalista.
Quero dizer da satisfação de ver a Dra. Consuelo Yoshida, que tem, ao longo da sua vida, construído uma história no direito ambiental brasileiro.
As instituições financeiras brasileiras são todas signatárias dos Princípios do Equador. De maneira muito evidente, quem financia tem responsabilidade. Não dá para suprimirmos isso com a nossa redação dentro do projeto de lei que estamos discutindo.
Evidentemente, as instituições podem escolher o que financiar. Elas podem escolher entre financiar uma grande hidrelétrica na Amazônia, com muito concreto, com muito aço, que vai impactar os regimes hídricos e comunidades, e financiar uma grande fazenda de geração de energia solar. Então, existem escolhas dentro do mercado do que financiar. E, para cada tipo de financiamento, há um risco diferente. Uma coisa é financiar produção agrícola; outra coisa é financiar o desmatamento para a produção agrícola. Existem grandes diferenças, e eu acho que isso precisa ser abordado. Eu acho que ninguém aqui quer criar nenhum ônus, nenhuma responsabilidade a mais para ninguém, mas, a partir do momento em que se disponibiliza recurso para algo que todos os estudos apontam ir na direção de um dano ambiental irreversível, de alguma forma alguém precisa ser responsabilizado.
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O que eu vejo é que, depois da adoção dos Princípios do Equador, as instituições financeiras do Brasil passaram a ser um pouco mais cuidadosas. Isso não quer dizer que não haja espaço para que possamos melhorar. Eu acho que as instituições financeiras, como o Banco Central e o próprio BNDES, ao longo do tempo, vêm trabalhando sob o ponto de vista de avaliar os riscos decorrentes de cada obra ou atividade a ser financiada, avaliar a questão dos licenciamentos.
É importante dizer que licenciamento não é garantia. Eu tenho muito claro isso. O licenciamento é uma atividade quase cartorial. No Brasil, ele é feito muitas vezes na base do checklist — a documentação é entregue, carimbada, assinada, a firma é reconhecida e autenticada, e a licença é concedida —, quando, na verdade, tem que ser feito, dependendo do tipo de impacto, obviamente... Hoje, tentamos atingir do licenciamento de mais baixo impacto, que normalmente está a cargo dos Municípios, até o licenciamento com altíssimo impacto, que está a cargo de Estados e do Governo Federal.
Então, eu acho que não é no texto da lei geral que vamos resolver esse tipo de problema. As instituições financeiras precisam, obviamente, fazer análise de risco, analisar os estudos que foram apresentados. O licenciamento prévio é muito importante para isso. Na primeira fase do licenciamento, já se apontam o tamanho do risco, as questões ligadas à localização, uma série de outras questões. O que nós precisamos fazer é aprimorar tudo isso.
E as instituições financeiras, é claro, precisam entender que elas também são promotoras do desenvolvimento. Elas podem escolher que tipo de desenvolvimento os países, as nações, vão ter. Elas podem direcionar, falando: "Nós queremos um desenvolvimento mais limpo, mais sustentável, que busque sustentabilidade, e não um desenvolvimento convencional, que é o que vem sendo feito." Enfim, floresta boa é floresta no chão.
Eu acho que nós temos um desafio enorme pela frente, e esta audiência escancara um pouco essa questão das responsabilidades. Não acho que por todo e qualquer impacto que tenha financiamento o financiador seja responsável, como já foi colocado aqui. Mas os órgãos de financiamento têm que fazer análise, do mesmo jeito que fazem análise para saber se existe garantia — e esta sempre é a análise mais importante — de que vão ter retorno, vão receber o recurso de volta. É preciso haver uma análise, mesmo que seja a mais simples possível, do risco ambiental, risco social e tudo o mais.
Eram essas as minhas considerações.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado.
Passo a palavra agora ao Deputado Nilto Tatto, nosso grande defensor dos bancos, do sistema financeiro, nosso fã do capital.
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Obrigado, Presidente. Parabenizo-o por este processo todo de audiências públicas.
Cumprimento o Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Deputado Rodrigo Agostinho, e todos os expositores.
Eu, de fato, não entendo muito bem, mas tenho certeza de que é um ganho para a humanidade entender que não há nenhum empreendimento possível de ser desenvolvido que não tenha financiamento, a não ser que a pessoa tenha capital próprio. Não há. Também tenho para mim que é um ganho para a humanidade o entendimento da responsabilidade do sistema financeiro. Os Princípios do Equador não foram construídos com facilidade, mas foram um início e são revolucionários do ponto de vista de entender o capital, de entender o sistema financeiro.
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Eu tenho para mim que não é verdadeiro que o sistema financeiro fale assim: "Se eu tiver alguma responsabilidade por algum problema naquele empreendimento, eu não terei segurança para colocar o meu recurso". Se estiver garantido na legislação que ele é responsável direto, não é isso que vai impedi-lo de ser parceiro em algum empreendimento. Imagino que isso deva ser assim no mundo inteiro. Não há empreendimento que não dependa de capital, ainda mais hoje.
Vem daí a minha dificuldade de entender o sistema financeiro. Vamos pegar os exemplos de Brumadinho e Mariana. É possível entender que as empresas que estão lá são testa de ferro de algo muito maior que está por trás. E nunca se consegue chegar ao sistema financeiro. Quando eu digo que não entendo a linguagem do sistema financeiro, eu estou falando dos fundos, do trading, da forma como se organiza o capital.
Então, eu acho que precisa estar muito objetivo e muito claro que todos os envolvidos têm responsabilidade direta. Eu não entendo muito como se coloca isso juridicamente. Não sei se a responsabilidade é subsidiária. Não sei como se coloca. Mas eu estou falando de responsabilidade direta. Se há a possibilidade de o parceiro financiador ter responsabilidade em algum empreendimento, em alguma área, ele próprio tem que saber de antemão da responsabilidade dele. Ele não vai entrar como parceiro daquele empreendedor se não estiverem claras as garantias e os cuidados para que aquele empreendimento não tenha problemas depois.
Para mim, não existe mais aquela coisa de antigamente de eu dar o dinheiro e você simplesmente me pagar os juros e se virar com aquele empreendimento. Não, quem deu dinheiro entrou como parceiro no empreendimento, porque ajudou a viabilizá-lo. É papel nosso aqui regular e deixar claro isso. E eu não vejo que isso vá impedir parcerias. Para mim, isso não impede que o sistema financeiro seja parceiro dos empreendimentos, porque, quando existe um empreendimento, é porque existe a possibilidade de o capital fazer capital nessa determinada área, nessa determinada atividade, no uso desse determinado recurso, não é isso? Então, eu sigo a linha de que é preciso deixar isso muito mais claro, muito mais objetivo.
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Desembargadora, não sei se isto que estou dizendo está explícito naquilo que a senhora falou. Não domino os termos, mas é preciso ser muito objetivo. Quando o empreendedor, o banco ou o sistema financeiro entram numa sociedade, eles têm igual responsabilidade. Cada um vai fazer uma parte: um vai arrumar — ou arrumou — capital, o outro vai tocar o empreendimento. Podem perguntar: "Mas como é que eu vou garantir que o outro vai cumprir, vai fazer as coisas?". Por isso, é preciso haver garantias. Por isso, é preciso haver licenciamento. Por isso, é preciso haver, dentro do processo de instrumento, mecanismos de monitoramento. E o banco tem que botar na sua conta que ele vai acompanhar, porque, por ser parceiro daquele negócio, ele precisa tomar cuidado, já que o dinheiro dele também vai ir para o ralo se aquele empreendimento der errado.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado, Deputado Nilto Tato. Eu também não sei se entendi tudo o que foi exposto aqui. Eu não sei, mas, ao mesmo tempo, tenho certeza de que sei, porque, como V.Exa. sabe, todo aluno de direito se acha Ministro do Supremo Tribunal Federal, não é, Deputado Tatto?
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Presidente, eu peço licença aos expositores. Não vou poder continuar a ouvi-los, por causa do horário do voo. Nós nos veremos amanhã na outra audiência.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Sim.
Vou passar a palavra aos nossos expositores para as suas considerações finais e as suas observações sobre as falas dos componentes da Mesa, começando pelo Sr. Leonardo Papp.
O SR. LEONARDO PAPP - Sr. Presidente, agradeço de novo a oportunidade de contribuir através da posição da Organização das Cooperativas Brasileiras. Acho que nosso debate foi produtivo, por clarear alguns dos aspectos que estavam mais intrincados no início da nossa conversa.
Reforço que talvez a grande decisão que este Parlamento tem que tomar em relação ao tema específico seja se prefere que este assunto seja resolvido através do Judiciário ou se prefere que ele seja encaminhado, de maneira mais clara, através da oportunidade que representa esse projeto de lei.
Eu conversava aqui com a Desembargadora Consuelo sobre o fato de que me parece, numa primeira leitura, que a proposta colocada, sob o aspecto técnico, é bem interessante, inteligente, porque joga a discussão para o âmbito do nexo de causalidade. Daí, já se mata a discussão antes mesmo de se precisar entrar em temas mais espinhosos. Isso parece interessante. Quanto ao fato de a redação ser exatamente essa ou não, eu talvez precisaria de um dia de reflexão, Deputado, para poder voltar com algo mais concreto, específico.
Novamente, registro meu agradecimento e parabenizo-o pela iniciativa das audiências.
Devolvo a palavra e encerro a minha participação.
A SRA. CONSUELO YOSHIDA - Acho que realmente foi bastante profícua esta nossa audiência. É impressionante como, em pouco tempo, conseguimos trazer uma visão panorâmica das diferenças de opiniões e de pontos de vista.
Tudo terá que ser levado em consideração, inclusive o aumento do custo do crédito. Mas isso é normal. Por exemplo, na agricultura sustentável, o preço do produto orgânico é muito mais alto. Então, pagamos um preço pela sustentabilidade. A dificuldade vai ser democratizar e dar a todos acesso a um crédito mais barato. Isso é praticamente inviável.
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Achei muito importante a contribuição do Deputado Rodrigo Agostinho, quando ele disse que há opção de financiar ou não, por exemplo, a Belo Monte; há condições ou não, há opção ou não de financiar remediação de áreas contaminadas. Sabemos que, em São Paulo, temos grandes problemas com as exigências que são estabelecidas pelo Ministério Público, por exemplo. Os investidores estão de olho nas empresas que primam pela sustentabilidade. A preocupação de bancos, principalmente, é estar no índice Dow Jones, de Nova York. Entra e sai, entra e sai, mas é importantíssima essa visão da sustentabilidade.
Deputado Kim, eu gostaria de comentar sobre a possibilidade de adotar disposições semelhantes às do Código de Defesa do Consumidor. O Código de Defesa do Consumidor é exemplo de responsabilidade objetiva. O que existe de diferente da Lei Ambiental — ou pelo menos o que se consolidou na jurisprudência — é que lá admitem excludentes e, na doutrina ambientalista, na jurisprudência ambientalista, não existe excludente, é só responsabilidade pelo risco integral. Colocou atividade? De alguma forma ela impactou o meio ambiente? Responde o poluidor direto ou o indireto. É uma teoria excessivamente a favor do meio ambiente nesse sentido, pois não admite uma excludente. O fato de terceiro, a culpa exclusiva da vítima, tudo isso é excludente que o Código do Consumidor admite, que até então não tem sido cogitada pelos nossos Tribunais Superiores no campo ambiental. Não se admite excludente. É o risco da atividade. Implantou atividade? Corre todos os riscos da atividade. Aí está o problema.
O banco financiou a atividade. Se ele é diligente nessa questão, como foi colocado na subemenda, exigindo uma licença válida, acho que já exclui muito essa amplitude que se está pretendendo dar à responsabilidade do banco, embora o Deputado Nilto Tatto tenha dito que é um parceiro da atividade. Eu considero fundamental o banco ajudar e não ser responsabilizado, obviamente. Mas exigir todas essas regularidades das empresas e não entrar em financiamentos onde é duvidosa a sustentabilidade? Ninguém sabe o que vai acontecer com a Amazônia se continuarem construindo hidrelétricas de grande porte lá, por causa de toda a interferência na questão climática, com o desmatamento e a urbanização que tudo isso acarreta, via de consequência.
Na dúvida, eu acho que a cautela é muito prudente, mesmo para as instituições financeiras atuarem.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado, Sra. Consuelo.
Sr. Caio Borges, por favor, fique à vontade.
O SR. CAIO BORGES - Obrigado, Deputado Kim Kataguiri.
Mais uma vez, eu lhe agradeço e o parabenizo por essa série de audiências muito importantes e relevantes.
Vou falar sobre as duas questões que V.Exa. colocou. Em relação à proposta da Consuelo, o plano A seria — reitero — não termos que colocar a questão da responsabilidade do financiador na Lei Geral de Licenciamento Ambiental. Seria melhor que tivéssemos outro modelo de legislação que pudesse ser discutido mais à frente. Em se optando por esse modelo, sem dúvida, o art. 48 deveria vir com uma linguagem modificada, para deixar bem clara a responsabilidade por nexo causal e o resultado do dano, ou seja, retirando a referência a dolo ou culpa que caracterizaria responsabilidade subjetiva.
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Também tenho alguma reserva em relação a uma possibilidade do art. 52, exatamente na linha do Deputado Rodrigo Agostinho, porque ele criaria um check list, uma formalidade. E nós sabemos que as formalidades também geram desincentivo.
É importante dizer, pensando numa análise econômica do direito, da qual muitos gostam, que cada legislação, cada desenho normativo gera ou não gera incentivos sobre o comportamento real dos financiadores. Ser muito claro que o que ele deve fazer é requerer a licença, o papel, pode, na minha visão, gerar um certo desincentivo a tomar outras medidas de precaução e medidas de monitoramento. Eu acho que deve haver muito cuidado com a opção da exigência da licença válida, exatamente para não esvaziar uma série de outras ações que as instituições financeiras deveriam tomar.
Nós advogamos exatamente por outro tipo de desenho normativo, de legislação, que viria a exigir um tipo de diligência proporcional a potencial gravidade, escala, magnitude dos impactos que o financiamento geraria. Essa legislação também traria certos parâmetros que poderiam ser considerados pelo Judiciário na hora de avaliar efetivamente o grau. Deputado, trazer talvez uma lista definindo se alguns setores ou alguns empreendimentos seriam sujeitos a uma avaliação de responsabilidade objetiva ou de responsabilidade subjetiva seria muito casuístico, do ponto de vista legal. Então, do ponto de vista de desenho normativo, não sei se seria a melhor a opção.
Outra norma que trouxesse exigência de proporcionalidade do tipo de diligência, a depender do instrumento de financiamento, do setor, da gravidade dos potenciais impactos, seria talvez uma legislação muito moderna, que alinharia o Brasil com os parâmetros internacionais em relação à questão de diligência por financiamento.
Mais uma vez, agradeço. Muito obrigado.
O SR. MURILO PORTUGAL FILHO - Eu queria dizer que nós mantemos a nossa posição em favor...
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Eu quero saber se os bancos topam a proposta da Consuelo. Essa é a grande questão.
O SR. MURILO PORTUGAL FILHO - É isso o que eu estou respondendo. Mantemos a nossa posição em relação ao disposto no artigo que eu mencionei aqui.
Foi dito que o fato de a jurisprudência não estar consolidada não é uma razão suficiente para que haja uma decisão legislativa. Eu discordo disso. Exatamente a jurisprudência não consolidada e controversa é aplicada. Ela não é consolidada, mas é aplicada. Isso é o que gera insegurança jurídica. No meu conceito, segurança jurídica é julgar rapidamente, segundo a lei. Se a lei é a meu favor, aplica-se a lei rapidamente. Se a lei é contra mim, aplica-se a lei rapidamente contra mim. Mas não invente uma lei que não existe nem deixe de aplicar uma lei que existe. Isso é segurança jurídica.
Como a lei se aplica ao futuro, todos podem se adaptar a uma lei ruim: você deixa de fazer um determinado tipo de negócio, você coloca o negócio no preço, você se adapta. Já a jurisprudência se aplica ao passado, e o passado ninguém consegue mudar.
Então, eu acho que realmente precisa haver uma definição legislativa para resolver esse ponto.
Não há nenhuma restrição, do ponto de vista de técnica legislativa, a meu juízo, de esse dispositivo ser incluído nessa lei. O veto que foi mencionado aqui foi à inclusão disso numa medida provisória. No caso de medida provisória, que tem um rito de tramitação diferente, houve uma decisão do Supremo dizendo que não se podem incluir outros itens. Aqui se trata de um projeto de lei. Então, não existe esse ponto, a meu juízo.
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Nós achamos que a responsabilidade objetiva realmente facilita a responsabilização sem prova, mas cria outros problemas. Nós precisamos pensar também nesses outros problemas.
Foi mencionado aqui que as instituições financeiras podem escolher o tipo de desenvolvimento que o país tem. Na verdade, são os consumidores deste país e os habitantes deste país que podem escolher o tipo de desenvolvimento que o país tem. A instituição financeira não empresta o seu próprio dinheiro apenas; empresta o seu próprio dinheiro e o dinheiro de todas as pessoas que depositam lá. Então, na verdade, a maior parte do dinheiro que é emprestado pelas instituições financeiras não é delas, é de terceiros. São os investidores e os consumidores, ao decidirem comprar determinado produto ou não comprar determinado produto, comprar determinado serviço ou não comprar determinado serviço, que vão definir o tipo de desenvolvimento que nós queremos e o futuro do país.
É verdade que os bancos procuram ir além da legislação. Eu mencionei aqui uma série de outros acordos e iniciativas voluntárias que já, por 24 anos, são aplicados nessa área: o Protocolo Verde, os Princípios do Equador, o lançamento de fundos de investimento responsáveis no Brasil, o Índice de Sustentabilidade da BOVESPA, os princípios de sustentabilidade de seguros. Nós na FEBRABAN temos uma autorregulação em que há um normativo sobre responsabilidade socioambiental. Então, realmente, os bancos procuram ir além do que é exigido na legislação.
Mas há uma diferença entre empréstimos e investimento de capital. Quando um banco faz um empréstimo, ele não é sócio da empresa à qual emprestou dinheiro. A empresa é a dona do investimento. Ela que gera o investimento. Ela que toma todas as decisões. Há uma diferença entre empréstimo e compra de ações. Se o banco investir comprando uma ação, aí realmente ele fica sócio daquela empresa. Então, o que o Deputado Nilto Tatto mencionou é verdade, mas não é verdade no caso dos empréstimos. É verdade no caso de você se tornar sócio de um determinado investimento.
Em relação à subsidiariedade, como a Desembargadora Consuelo falou, há sempre uma preferência de acionar, supostamente, quem tem mais recursos financeiros. A Igreja Católica tem uma opção preferencial pelos pobres, mas os advogados têm uma opção preferencial pelos ricos ou pelo menos pelos supostamente ricos. O fato de existir a solidariedade faz com que haja um excesso de ações. Existem, como eu mencionei aqui, não uma ou duas ações, mas, sim, dezenas de milhares de ações. Algumas são como essa que eu mencionei, de um banco que vendeu dois caminhões. Essa é uma ação que existe. Foi estabelecida pelo Ministério Público de Minas Gerais. O banco vendeu dois caminhões a dois caminhoneiros. Esses caminhões foram apreendidos numa busca da polícia, pois estavam transportando carvão ilegal. Como o banco pode saber o que um caminhoneiro vai fazer com um caminhão que ele comprou? A empresa que produz um automóvel pode saber se o motorista vai dirigir embriagado ou vai dirigir em estado de sobriedade? Então, há um limite na diligência que você pode estabelecer. Nesse caso, o banco foi processado junto com os dois motoristas. Há outros exemplos assim. Não verdade, há milhares de exemplos.
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Então, nós insistimos que a nossa proposta é a que melhor atende ao interesse público, porque, ao definir, de maneira clara, quais são os riscos, vai reduzir o custo de operações financeiras no Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado, Sr. Murilo.
Aliás, se puder dar um toque para o pessoal dar uma diminuída lá no meu cartão de crédito... (Risos.)
Está difícil a situação. Por favor.
Com a palavra o Sr. Caio Magri.
O SR. CAIO MAGRI - Eu queria, nas minhas considerações finais, reiterar os cumprimentos à iniciativa deste diálogo. Acredito que ele deve continuar.
Todos nós aqui temos uma visão bastante consensual de que a questão não se resolve somente na sua regulação. Há uma necessidade de mudança de comportamento, de cultura, de modelo de negócios, e temos que avançar.
Nesse sentido, apesar de concordar com o Murilo quando diz que o papel do consumidor é muito grande, ressalto que o papel indutor do sistema financeiro, das tendências, das perspectivas e da qualidade do desenvolvimento de um país, especialmente no Brasil, é determinante. Foi por isso que nós apoiamos o Banco Central na construção da Resolução nº 4.327. O Ethos participou desse processo porque acreditava que, a partir da resolução, a indução que o sistema financeiro podia levar a todo o mercado, necessariamente, que se relaciona com ele, do ponto de vista de boas práticas socioambientais, seria determinante. Eu acho que faz uma diferença.
Tem razão o Caio Borges. Talvez seja uma grande oportunidade para a FEBRABAN dar transparência aos resultados positivos das políticas e das práticas socioambientais dos bancos, que têm modificado e têm interferido num processo positivo de tendência com relação à forma como as empresas estão lidando com essa agenda.
Eu acho que há também uma contribuição muito interessante da Dra. Consuelo quando ela fala em tendência, em perspectiva. Eu acho que essa é uma legislação, Deputado Kim Kataguiri, que tem a possibilidade de ser inspiradora de tendência, na perspectiva, por exemplo, de que já há uma concreta percepção do mercado — especialmente das grandes empresas, hoje, da área do varejo, por exemplo — quanto à necessidade de rastreabilidade de tudo o que está na sua prateleira com corresponsabilidade. Elas são corresponsáveis, cada vez mais, e têm tido estratégias para esse caminho.
Então, eu acho que apontar uma tendência e uma percepção de como os mercados nacional e internacional reagirão à formalização desse processo da nossa legislação, de alguma forma de mitigação, de prevenção, de redução de riscos socioambientais, vai ser muito importante. Eu acho que esse é outro espírito que essa discussão sobre a Lei de Licenciamento deveria trazer.
O Ethos se coloca de novo à disposição. Nós estamos à disposição para continuar esse diálogo. Acreditamos que daqui pode sair, sem dúvida, uma melhor estrutura regulatória para a responsabilização objetiva das partes e, ao mesmo tempo, a prevenção e a redução dos problemas. Nós temos que reduzir esse processo e não apostar que ele pode aumentar.
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O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Por favor, Sr. Rafael.
O SR. RAFAEL PONTES FEIJÓ - Assim como fizeram os meus colegas, eu gostaria de agradecer o diálogo, o debate. Realmente, muitas colocações interessantes foram trazidas.
Respondendo a pergunta sobre a proposta da Profa. Consuelo, eu, sob o ponto de vista da técnica jurídica, concordo que é uma proposta que mantém a espinha dorsal da teoria da responsabilidade civil no País. Eu acho que é uma proposta que guarda perfeição com isso. Ela colocou isso perfeitamente bem.
Na minha fala, não sei se ficou claro, eu não mencionei a questão da responsabilidade subjetiva, porque acho que o ótimo é inimigo do bom. É aquela história: apesar de a jurisprudência ainda não estar consolidada, ela está consolidada na questão de ser objetiva. Então, parece-me que trabalhar na excludente do nexo causal da responsabilidade objetiva é o melhor caminho. Como a própria legislação traria um elemento objetivo a ser verificado pelas instituições, isso me tranquiliza mais, porque eu poderia afastar o nexo mediante a verificação do licenciamento adequado.
Então, essa precisão de um elemento que afasta o nexo talvez dê para as instituições financeiras o conforto que a responsabilidade subjetiva dá também, porque, se não olhar adequadamente o licenciamento, não está agindo com a prudência que lhe é esperada.
Um ponto que eu gostaria de colocar — acho que o Murilo colocou também, e eu concordo — é a questão da subsidiariedade. Eu acho que a responsabilidade do poluidor direto deve ser subsidiária. Eu gostaria de reforçar esse ponto, porque, de novo, não é o poluidor direto. Eu acho que tem que haver um tratamento distinto nesse sentido. E, como nós procuramos mostrar, a responsabilidade solidária, em alguns casos, desincentiva medidas de prevenção do dano, no nosso entendimento.
Muito obrigado. Estou à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Kim Kataguiri. DEM - SP) - Muito obrigado a todos pela presença, pela participação.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos.
Convido todos a participarem do seminário que ocorrerá amanhã, dia 28 de junho, sexta-feira, às 10 horas, em Campinas, São Paulo. O Deputado Agostinho, que é do Estado, estará presente. Campinas se encontra próxima à Região Metropolitana de Indaiatuba. Amanhã teremos essa audiência às 10 horas.
Convoco reunião de audiência pública para o dia 2 de julho, às 14h30min, em plenário a ser definido, no Anexo II da Câmara dos Deputados.
Muito obrigado pela presença, Deputado Pedro Uczai.
Está encerrada a presente reunião.
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