1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Saúde
(Audiência Pública Extraordinária)
Em 9 de Julho de 2019 (Terça-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:24
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Declaro aberta a presente reunião.
Informo que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pela Internet no site da Câmara. Informo ainda que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis para serem baixados na página desta Comissão logo após o encerramento dos trabalhos e que as fotos do evento serão disponibilizadas no Banco de Imagem da Câmara dos Deputados.
Esta reunião de audiência pública foi convocada para debater a Regulamentação da Cannabis Medicinal no Brasil, nos termos do Requerimento nº 55, de 2019, de autoria do Deputado Eduardo Costa, aprovado por esta Comissão.
Convido para compor a Mesa os seguintes palestrantes: Dr. Quirino Cordeiro, representante do Ministro de Estado da Cidadania, Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas; Dr. João Paulo Lotufo, representante do Conselho Federal de Medicina; Dr. Carlos Goulart, representante do Ministério da Agricultura; Dr. William Dib, Presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA; Dr. Leandro Ramires, representante da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal — AMAME; Dr. Rodrigo Mesquita, representante da Empresa Americana Canna Craft; Dr. Ricardo Ferreira, representante da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis.
Vamos fazer uma mesa bem ampla aqui para tentarmos acomodar a todos da melhor forma.
Comunico aos senhores membros desta Comissão que o tempo destinado a cada convidado para fazer a sua exposição será de 15 minutos, prorrogáveis a juízo desta Presidência, não podendo ser aparteado.
Os Deputados inscritos para interpelar os convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica, pelo mesmo prazo, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer dos presentes.
Informo ainda aos demais presentes no recinto, pessoas físicas e representantes afins que não é permitido interpelar qualquer expositor. Se desejar fazer alguma consideração, poderá utilizar o portal e-Democracia ou fazê-lo por escrito, de forma breve, com o nome e a entidade a que pertence, e entregar ao Secretário dos trabalhos desta reunião, que o submeterá ao crivo do Presidente.
14:28
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Antes de os expositores começarem, quero agradecer aos Deputados presentes e fazer algumas considerações sobre o tema.
Eu gostaria de agradecer a todos que participam desta audiência pública, como os ilustres convidados, os Srs. Parlamentares, as entidades governamentais, a sociedade civil, bem como aqueles que democraticamente participam deste debate, presencialmente ou através das redes sociais, com o intuito tão somente de melhorar a vida daqueles que poderão se beneficiar do avanço de conhecimentos científicos, como tantos outros em nossa sociedade atual, com o uso da Cannabis sativa.
Falta uma discussão mais ampla e aberta sobre o canabidiol, tanto no meio médico como no meio acadêmico brasileiro. É preciso suplantar o tabu, e não só reconhecer os avanços das outras nações quanto ao canabidiol, que revelou uma comprovada eficácia terapêutica desenvolvida na pesquisa relativa a este medicamento.
Quanto à questão da eficácia terapêutica, eu acho interessante ressaltar que é importante ouvir o relato das famílias, das mães que fazem a utilização desse produto de forma legal ou, até mesmo, não tão dentro da legalidade. Há muitas pessoas, muitas famílias que utilizam o produto e estão à margem da lei. E as evidências terapêuticas são claras.
A falta desse debate sério, muitas vezes recheado com desinformação ou preconceito, leva à judicialização do uso do canabidiol no País. Enquanto há uma parte do Estado que não observa a clareza sobre a liberação desse insumo, outra parte, a Justiça, através do STF, entende a necessidade do componente para o tratamento dos pacientes e obriga os entes federativos a proverem, com base em preceitos constitucionais de que todo brasileiro tem direito à saúde.
Acredito que toda vez que este Congresso se omite em discutir temas que são difíceis, espinhosos, nós deixamos margem para o Judiciário legislar sobre eles. Então, é importante que esta Casa saiba do seu compromisso de legislar e dê oportunidade às pessoas que sofrem com doenças que normalmente são conhecidas como doenças órfãs, ou seja, que não têm tanta resolutividade com medicações alopáticas, de utilizarem medicamentos que têm tido um resultado eficaz no tratamento das suas patologias.
14:32
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Queremos saber quais são os reais motivos que impedem a produção do canabidiol no Brasil, visto que muitos outros países já o fazem de maneira séria e responsável. Da forma como está hoje, associações e pessoas encontram-se à margem da lei, cultivando e produzindo os insumos muitas vezes sem o registro ou o cadastro que existiria com a devida regulamentação. A regulamentação do canabidiol acontecerá, e é um processo normal e sem retorno. Não há como evitar o avanço científico e o uso de novos medicamentos.
Quero fazer um contraponto. Temos que analisar o lado científico. Estamos aqui discutindo a regulamentação de um medicamento. Aqui não se está tentando liberar a maconha para uso social ou recreativo. Acredito que existem muitas substâncias que são proibitivas, que são taxadas como drogas, mas existem substâncias que podem ser aproveitadas. Nesse caso, temos o canabidiol, o THC, que é o tetrahidrocanabinol, e outras substâncias, como o próprio LSD e o ecstasy. Temos o CMCA, substância que se tem mostrado muito eficaz no tratamento do estresse pós-traumático. Temos substâncias também no cipó utilizado no chá ayahuasca, que apresenta propriedades antidepressivas importantes — por que não as estudar? Temos o veneno da cascavel, utilizado como medicação tromboembolística, que é fundamental, de uso rotineiro. Então temos que quebrar alguns tabus, pensar na questão científica, dar oportunidade às nossas faculdades e às nossas universidades para trabalharem esse assunto de forma científica.
No entanto, devemos encontrar maneiras na futura legislação para que essa comercialização não se cartelize e para que os custos não continuem proibitivos à maioria daqueles que precisam. Devemos incluir as associações e as farmácias de manipulação como componentes para a produção do canabidiol.
Aqui temos uma discussão importante, porque muitas etapas já foram vencidas. Esta Casa já discutiu exaustivamente esse tema, Ministro — exaustivamente! Foram anos, durante os quais já se conseguiu grandes avanços. Não podemos retroceder, temos que avançar. Eu acho que a regulamentação é uma etapa importante, pois dará condições de colocarmos nas farmácias produtos à base de duas substâncias que estão contidas nesta planta Cannabis sativa. E acima de tudo precisamos dar ao mais humilde a oportunidade de acesso a esse produto, porque só quem tem recursos consegue comprar o medicamento que hoje está autorizado na farmácia. Já temos medicamentos à base do CBD e do THC, que no Brasil é o Mevatyl, utilizado para esclerose múltipla. Esse medicamento tem um custo unitário de 2.500 reais, um custo proibitivo principalmente para as classes mais humildes.
14:36
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O que nós temos que criar são facilidades. Qual seria o melhor dos mundos, Dr. William Dib, Presidente da ANVISA? Seria nós conseguirmos o registro de medicamentos e que esses medicamentos fossem cedidos, fossem utilizados pelo Sistema Único de Saúde, para que essas famílias pudessem ter mais segurança ao utilizar o remédio dentro de uma legislação, dentro de um controle de qualidade, nos tratamentos de seus familiares ou de si próprios.
Eu vou deixar um questionamento final aqui: por qual motivo nossas associações médicas não querem a liberação desse medicamento, visto que a principal entidade de saúde do mundo, que é a Organização Mundial de Saúde — OMS, órgão da ONU, recomendou publicamente o uso terapêutico do canabidiol e que ele não seja catalogado como droga? Essa mudança ocorreu recentemente. Esse produto estava no catálogo desde 1961 e saiu, ou seja, ele pode ser comercializado livremente. Em alguns países, ele é utilizado como suplemento nutricional, não como droga.
Nossas entidades possuem mais informações e conhecimentos deste tema do que a Organização Mundial de Saúde? É um questionamento que eu deixo ao final das minhas colocações.
Eu queria pedir ao Deputado Alexandre Padilha que me substituísse, já que estamos em votação nominal, e que desse continuidade à lista de expositores.
Muito obrigado. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Sr. Presidente Eduardo Costa.
Eu queira agradecer mais uma vez a todos os convidados por atenderem ao convite, ao requerimento aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família.
O Presidente Eduardo Costa deixou clara a importância desse tema, o interesse de todos nós. Quem nos acompanha pela Internet, pelo e-Democracia pode mandar perguntas, questionamentos.
Vamos começar as exposições. Eu queria passar a palavra ao Dr. William Dib, Presidente da ANVISA, nosso colega de São Bernardo do Campo, membro desta Casa como Deputado Federal.
É muita honra ter o senhor conosco para fazer este debate. Todos sabem que a ANVISA está com uma consulta pública aberta, ouvindo, aguardando sugestões da sociedade brasileira.
Dr. William Dib, V.Sa. tem a palavra.
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O SR. WILLIAM DIB - Boa tarde a todos.
Queria cumprimentar o Deputado Eduardo Costa pela iniciativa de realização deste evento; o Deputado Alexandre Padilha, que está à frente da Presidência, médico e ex-Ministro, conhecedor dessa problemática; os integrantes da Mesa; e todos os demais presentes.
É muito bom para nós da ANVISA ter esta oportunidade de vir aqui discutir esta iniciativa.
Em primeiro lugar, queria dizer que, diferentemente do Ministério da Saúde, que quer levar saúde a todos, a ANVISA quer levar saúde com qualidade, segurança e eficácia. Esse é o tripé que a ANVISA tem como norte. E para isso ela precisa oferecer acesso à população.
Em 1961, o Brasil assinou uma convenção internacional para a regulamentação de plantio de qualquer planta para fins científicos e medicinais. Em 1971, essas condições melhoraram, e o País disse que ia fazê-lo.
Em 2006, esta Casa, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 11.343, que deliberava que a ANVISA regulamentasse o plantio da Cannabis para pesquisa e para fins medicinais no Brasil.
O Ministério Público já interpelou a ANVISA, há vários anos, pedindo para regulamentar com urgência a Cannabis no Brasil. Depois, entrou com uma ação contra o Ministério da Saúde, para a incorporação da Cannabis pelo Ministério.
A ANVISA não faz prescrição médica, não recomenda o uso de nenhum tipo de produto e muito menos de Cannabis. A ANVISA segue o desenvolvimento científico e discute ciência e medicamento, mas não discute droga.
Apesar da idade avançada, eu não estava por aqui quando foram liberados os opiáceos, mas deve ter sido uma discussão parecida. E os opiáceos fazem parte da terapia normal da classe médica, com muito mais complexidade e muito mais efeito devastador do que, teoricamente, poderia ter a Cannabis, para uso via oral, ao consumidor da doença.
Então, se não fosse a classe médica fazer pesquisas, estudos e disseminar esse uso, provavelmente a ANVISA não estaria aqui discutindo e fazendo consulta pública para regulamentar o que foi definido por lei, ou seja, para regulamentar o plantio, separadamente, a produção, o monitoramento e a fiscalização desse produto.
14:44
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Com isso, nós vamos fazer duas coisas. A primeira é regulamentar o plantio. Hoje, a Justiça fica confusa e autoriza famílias, associações e instituições a plantarem, sem nenhum tipo de segurança para o consumidor. É difícil uma família plantar sua Cannabis no fundo do quintal e saber quanto deve dar para seu filho não ter convulsão epilética. A ANVISA não quer proibir; ela quer regulamentar o uso medicinal da Cannabis. É esse o intuito de fazermos essa regulamentação.
É óbvio que nós fomos estudar o que aconteceu no mundo, não só sob o aspecto de indicação terapêutica, não só o porquê de concedermos isso, mas também para regulamentar a segurança, a qualidade e a eficácia desse produto. Para termos segurança, nós fomos ver como os outros países autorizaram o plantio da erva — começa pelo plantio. Como foi regulamentado o plantio? Países mais liberais já autorizaram até o uso recreativo da Cannabis, mas não podemos nos comparar com esses países. Temos que nos comparar com países em que a Cannabis pode ser usada apenas para fim medicinal, que é o nosso caso. A ANVISA não discute uso recreativo, não discute recreação e não discute liberação de droga. A ANVISA discute registro e qualidade de produto medicinal. Só isso.
A nossa proposta restringe os tipos do produto que poderão ser usados: cápsula, comprimido, gota, suspensão. Não é possível, do jeito que fizemos a consulta, usar goma de mascar, chiclete, creme ou xampu, porque não existe na literatura efeito cientificamente comprovado dessas indicações. A ANVISA está se cercando de segurança e qualidade. Nós estamos preocupados em oferecer acesso a essa população que precisa do produto e que, às vezes, usa do contrabando e do tráfico para ter acesso a ele, sem saber a origem nem a qualidade nem a precificação desse produto.
Estamos regulamentando o plantio indoor. E não vai ser só indoor, mas indoor do indoor: é preciso que a plantação seja indoor e dentro de um prédio, com todas as condições técnicas de segurança. Isso não vai ser atrativo nenhum para o tráfico. O tráfico está na esquina; ele tem acesso muito mais fácil à Cannabis. Não se pode imaginar que o plantio de Cannabis no Brasil será vítima de assalto.
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A Cannabis está muito mais próxima e é muito mais barata do que essa produção extremamente cara, extremamente difusa e restrita e com muito controle tecnológico.
E quem não quiser fazer o plantio? Não faça! Vai haver regulamentação para importação do insumo. O registro será muito simplificado. Não precisará haver estudo clínico de fase 2 ou de fase 3 para a obtenção do registro do produto. Precisará haver certificação de qualidade e de boas práticas de fabricação.
Isto é fundamental para nós: ter segurança de que o produto será inócuo; será, no mínimo, produtivo, positivamente usado para a saúde das pessoas, e não para qualquer uso que seja diferente de um medicamento.
Baixando o que chamamos de régua regulatória, nós vamos facilitar a importação de insumo, de produto final e de remédio, que poderá ser estocado, o que hoje é proibido.
Hoje, a importação se dá por um ato judiciário e é pessoal: é para o cliente, com determinado nome, endereço, local e patologia específica. Não há possibilidade de comprar estoque e vendê-lo nas farmácias. Isso também será eliminado. O produto poderá ser importado e comercializado como qualquer outro. Precisará de registro, o que tornará muito mais fácil.
Eu acredito que a ANVISA está fazendo o seu papel: respondendo às questões do Judiciário, do Legislativo, do Executivo e oferecendo às pessoas a chance de terem um produto de qualidade, confiável, para que a classe médica possa receitar com tranquilidade. É esse o nosso papel.
O nosso papel não é divulgar a Cannabis, não é fazer a Cannabis virar a panaceia para todas as patologias. Não é nada disso. Isso é um problema da ciência, da academia. Não é um problema da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Isso é papel da academia. Se a indicação terapêutica é para "a", "b" ou "c", é um problema da academia, que tem que provar, com estudos científicos, com provas cabais, por que vai ser indicada a sua utilização.
Eu sei que existem divergências há muitos anos. Eu estou na ANVISA há quase 2 anos e meio — estou encerrando o meu mandato —, e isso já estava em discussão dentro da Agência. A dificuldade começou com a vontade de liberar, via Agência, o plantio. Ele seria autorizado pela Agência, e qualquer pessoa poderia plantar na sua casa. Essa é a vontade de algumas pessoas.
A ANVISA não está aqui para discutir isso. A ANVISA está aqui para discutir medicamento e segurança, nada mais do que isso. Nós não estamos, em nenhum momento, querendo confundir a população ou quem quer que seja, dizendo que nós estamos discutindo a liberação da maconha. Nós estamos discutindo a regulamentação da produção de medicamentos no País à base de Cannabis.
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Então, Presidente Padilha, é com muita satisfação que estamos aqui, mas vou pedir desculpas, porque terei que sair. Eu pedi para falar primeiro porque, como o tema é atual, também fui convocado pelo Senado. Vou sair daqui e ir para o Senado, mas ficará aqui uma técnica que nos ajudou a escrever tudo isso, a Dra. Cejana. Ela vai ficar no meu lugar para responder às perguntas.
A ANVISA é a casa do Parlamento também. Nós estamos sempre dispostos a discutir, a debater e a construir o que for bom para a saúde da nossa população. Para o que for bom vocês, podem contar com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Muito obrigado pela paciência. Estamos à sua disposição. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, nosso querido colega Deputado e Presidente da ANVISA, Dr. William Dib. Quero saudá-lo pela iniciativa.
Eu fiz questão, querido Presidente William Dib, como sou um Deputado de Oposição, de fazer um discurso no plenário saudando a ANVISA pela iniciativa de colocar em consulta pública esse tema. Eu queria reforçar a todos e a todas que estão aqui e a quem nos acompanha pela Internet que a data final para apresentar propostas à consulta pública da ANVISA é o dia 19 de agosto.
Essa é uma iniciativa muito importante, que responde, como o senhor disse, a uma necessidade legal, a um pleito do próprio Ministério Público e ao interesse das famílias que sofrem com a necessidade de ter acesso a esses medicamentos como alternativa de tratamento. Vários deles foram bem-sucedidos para as famílias que têm crianças com síndrome epiléptica. Eu conheço casos e mais casos de pessoas nessa situação. Responde também a doenças como esclerose lateral amiotrófica, Alzheimer e outras. Há conhecimentos já consolidados em relação a quem faz uso de quimioterapia para o tratamento de doenças oncológicas.
Então, atende a essas famílias e também atende a um potencial econômico que o Brasil tem. O Brasil pode ser um grande produtor de medicamentos. Ele poderia produzir aqui para atrair a indústria nacional e a incorporação tecnológica no País, combinado com o que disse o Deputado Eduardo Costa, porque o Brasil é um dos poucos países que tem um sistema público que garante assistência farmacêutica — embora com muito esforço e ainda com muitas falhas. Esse é um desafio que nós precisamos enfrentar sempre. Nós podemos criar um grande mercado público aqui no País para aliviar o sofrimento das várias famílias que hoje têm que importar essa medicação.
Peço ao Deputado Eduardo Costa para reassumir a Presidência e, antes, agradeço a presença do Deputado Sergio Vidigal, que coordena uma subcomissão na Comissão de Seguridade Social e Família sobre o tema das doenças raras; do Deputado e Governador Alcides Rodrigues; do Deputado Dr. Luiz Ovando; da Deputada Flávia Morais; do Deputado Dr. Zacharias Calil; do Deputado Alex Manente, que estava aqui; e do Deputado Pastor Sargento Isidório, que chegou agora e está entre nós.
Devolvo a Presidência ao autor do requerimento, o Deputado Eduardo Costa. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Quero agradecer ao Dr. William Dib, que deixa a representante da ANVISA no seu lugar.
14:56
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Quero chamar o representante do Ministro Osmar Terra, do Ministério da Cidadania, o Sr. Quirino Cordeiro, que tem a oportunidade de falar por 15 minutos.
O senhor está com a palavra.
O SR. QUIRINO CORDEIRO - Boa tarde a todos vocês. É uma imensa satisfação estar aqui no Congresso Nacional debatendo este tema tão relevante.
Parabenizo o Deputado Eduardo Costa e o Deputado Alexandre Padilha pela iniciativa.
Cumprimento todos os Deputados, por meio dos quais cumprimento todos os integrantes da Mesa e os demais presentes.
Antes de mais nada, é importante deixar claro neste debate que não é apropriada a utilização do termo "maconha medicinal". Acho que esse é o primeiro ponto para esclarecimento. Trago aqui uma manifestação, uma nota de esclarecimento do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo — CREMESP publicada há cerca de 2 anos, da qual vou ler um trecho para os senhores:
Nos últimos anos, o interesse pelos usos da Cannabis vem tomando maiores proporções no cenário nacional. As perspectivas de abordagem do assunto multiplicaram-se, levando muitas vezes a confusões conceituais que turvam a boa compreensão dos desafios ligados ao uso da substância.
(...) Cabe esclarecer que o termo “maconha medicinal” embora tenha apelo cultural, não reflete o estado atual do conhecimento, e o uso conforme esta designação não respeita os passos necessários, aceitos nacional e internacionalmente, para a aprovação de uma nova terapêutica.
O documento dá sequência, dizendo:
(...) O desenvolvimento de novos estudos que ofereçam evidências para a eventual utilização terapêutica de canabidiol — um dos componentes da Cannabis — ou outros canabinoides receberá apoio do CREMESP. Contudo, a aprovação, neste momento histórico, de usos na saúde de derivados de Cannabis, para os quais os procedimentos consagrados para liberação de medicamentos não foram respeitados, merece repúdio e grande preocupação deste Conselho.
Deputado Eduardo Costa, eu já venho responder uma das questões que o senhor colocou, sobre uma manifestação da Organização Mundial da Saúde que coloca o canabidiol como sendo um composto que pode e deve, quando bem indicado, ser utilizado de maneira terapêutica. Isso não entra em conflito com a posição, por exemplo, das associações médicas brasileiras.
Precisamos fazer uma diferenciação. Existe a maconha, a Cannabis, que tem vários compostos. Entre esses compostos, o canabidiol, por exemplo, é aceito não só pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, como eu acabei de ler, mas também pelo Conselho Federal de Medicina, pela Sociedade Brasileira de Pediatria, pela Associação Brasileira de Psiquiatria, em algumas situações específicas, como eu vou falar um pouco mais para frente.
15:00
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Então, não existe nenhum desacordo da posição da comunidade médica brasileira com a da Organização Mundial da Saúde.
A grande questão neste debate é que nós precisamos, quando ofertamos alguma substância terapêutica para a população, assegurar que essa substância tenha segurança no seu uso e também que ela funcione, que ela tenha bons resultados terapêuticos.
Esta é uma questão central neste debate. Inclusive eu tenho até um questionamento para fazer. Não sei se, devido à saída do Dr. William Dib, há outros representantes da ANVISA aqui...
É a senhora?
O Dr. William Dib disse que a ANVISA procederá, por exemplo, à importação de medicamentos com insumos a base de Cannabis sem que tenham passado por testes clínicos, nem de nível 1 e nem de nível 2. Depois eu gostaria de entender melhor essa situação. Eu queria saber como fica a segurança desses produtos para a população brasileira, porque o que é importante, quando há liberação de uma terapêutica, é que a autoridade reguladora atente para as questões de segurança e de bons resultados.
Esta é uma questão importante, em especial quando do uso de óleos derivados da Cannabis, porque, além do canabidiol, que é uma substância que sabidamente tem uma ação, por exemplo, no controle de epilepsias refratárias na infância, existem neles outras tantas substâncias, como o THC, que sabidamente é um fator de risco importante para uma série de problemas de saúde, inclusive para transtornos mentais graves, como quadros psicóticos, incluída a esquizofrenia. Nós temos vários dados científicos corroborando esse cenário. Então, é importante, em todo esse processo de liberação de uma droga para uso da população, que nós tenhamos cuidado relacionados a esses aspectos.
Outra questão que é importante ficar clara é que o canabidiol — quero só reforçar este ponto — é utilizado não só no Brasil, mas também em outros países. Aqui eu trago um texto publicado pelo Prof. Peter Grinspoon, da Universidade Harvard, no final do ano passado, chamado Canabidiol, o que nós sabemos e o que não sabemos. Ele deixa claro nesse texto que o uso do canabidiol é importante para algumas situações clínicas, como casos de pacientes que apresentam epilepsia refratária na infância, como no caso da doença de Dravet. Entretanto, para outras indicações, mesmo o canabidiol, ainda hoje não mostra evidências científicas que deem sustentação ao uso da substância — como exemplo, ele cita no texto o uso para ansiedade, insônia, dor crônica —, em que pese muitas pesquisas estarem em curso nessa área.
Então, é importante ficar claro também que uma coisa é pesquisas estarem em curso e apontarem um ou outro resultado e outra é nós termos evidências científicas suficientes que deem sustentação ao uso dessas substâncias.
15:04
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Diante desse cenário, a Sociedade Brasileira de Pediatria, juntamente com a Associação Brasileira de Psiquiatria, duas entidades médicas, publicaram recentemente, no mês passado, um documento chamado Uso do canabidiol na população pediátrica. Vou ler um trecho desse documento para os senhores. Diz o documento:
"A responsabilidade e a ética destes departamentos são de esclarecer (...) que até o presente momento não há, na infância, evidência científica classe I ou II para que esta substância seja usada para qualquer outra situação que não sejam as crises epilépticas de muito difícil controle e que não respondam as terapêuticas atuais."
Inclusive, é a mesma posição do órgão americano Food and Drug Administration — FDA. É mesma posição! Então, as entidades médicas têm a mesma posição da Organização Mundial da Saúde e do FDA, que é órgão regulador de medicamentos nos Estados Unidos.
Essa é uma questão importante. No Brasil, nós temos tido a possibilidade de importação de óleos, de extratos da Cannabis. Agora, é importante dizer também que, nos países de origem desses óleos, países que os exportam para o Brasil, a regulação não é uma regulação de medicamentos, mas, sim, de suplementos alimentares. Ou seja, há um nível de rigor muito menor, o que pode inclusive colocar nossa população em risco.
Esse é um ponto interessante. Recentemente, eu estive numa reunião no Ministério da Saúde com uma empresa farmacêutica canadense que está querendo explorar o mercado da Cannabis aqui no Brasil. Naquela ocasião, a empresa canadense colocava que, no Canadá, há venda de produtos à base de Cannabis para tratamento de uma série de doenças.
Eu fiquei até impactado com a quantidade de doenças que, de acordo com aquela empresa canadense, poderiam ser tratadas com extratos, óleos de Cannabis, que têm uma composição de canabidiol e de THC que varia na porcentagem.
Eu perguntei: e as evidências científicas? São vendidos esses produtos todos no Canadá, mas e as evidências científicas? Cadê os estudos? A senhora poderia nos informar sobre isso? Eu estava lá no Ministério da Saúde ajudando a entender esse cenário. Ela respondeu: "Não, não, na verdade a gente não tem estudos. O que acontece é uma regulamentação diferente da que acontece por uso dessa substância; não é uma regulamentação de medicação, e sim de suplementos alimentares." Isso é basicamente o que nós temos importado inclusive hoje no Brasil.
Dentro desse cenário, temos uma novidade que envolve o País, que é o canabidiol sintético. Essa é uma situação interessante, porque, como já foi dito aqui também, nós temos problemas na importação desses produtos, nós oneramos nosso serviço de saúde, nós causamos dificuldades para as famílias que têm pessoas que fazem uso desses óleos.
E, diante da possibilidade da utilização do canabidiol sintético, que está para acontecer no Brasil, nós teremos um cenário em que podemos estar diante da possibilidade de termos mais eficácia desses medicamentos, esses medicamentos podem ser muito mais baratos, porque vai haver produção em larga escala, será mais rápido de produzi-los, seu custo estará reduzido para a população e será uma substância pura.
15:08
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Aí vem uma questão também: existem entidades e frentes que advogam que o que faz a diferença mesmo não é o uso do canabidiol, mas a possível convergência das várias substâncias que compõem extratos e óleos. Agora, nós também não temos evidência científica para saber se é isso mesmo. Ou seja, todas essas questões propaladas não encontram sustentação na ciência, como entendemos ciência hoje.
Isso é interessante, porque a possibilidade do uso do canabidiol sintético abre essa possibilidade. Nós temos vários ganhos com segurança para a população.
Ainda sobre a questão da indicação — esse é também um ponto interessante —, na área de oncologia, por exemplo, existe uma perspectiva e um interesse muito grande de ações para utilização de derivados da Cannabis.
Recentemente, no mês passado, foi publicado um artigo do Dr. Artur Katz, Diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. É um texto que fala do encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, realizado em Chicago.
Havia a expectativa de que a Sociedade Americana de Oncologia Clínica tivesse posições novas em relação aos derivados da Cannabis para tratamento das pessoas. Na verdade, o que foi colocado nessa reunião é que ainda faltam informações clínicas que possam garantir o benefício e a segurança do uso da Cannabis e seus derivados na oncologia.
Sobre tratamento de tumores, por exemplo, há estudos que mostram que você pode ter um efeito benéfico; e outros, em contrapartida, que você tem um efeito maléfico, com crescimento dos tumores.
Mesmo para usos paliativos, no controle de dor, controle de efeitos colaterais de quimioterapia, como náuseas, vômitos, ajuda no controle eventual de sintomas de ansiedade, depressão, que são comuns nesses pacientes, mesmo nessas situações, não há sustentação científica. Tanto é que a Sociedade Americana de Oncologia Clínica não dá sustentação para esse uso.
Na minha área — eu sou Secretário de Cuidados e Prevenção às Drogas, mas sou psiquiatra de formação, sou médico psiquiatra —, a psiquiatria, também há vários estudos sobre derivados da Cannabis. É interessante, por exemplo, o uso no caso de psicose. Nós temos dois relatos de caso, um estudo aberto e um único estudo caso-controle, o que não dá sustentação também para que possamos utilizar na prática clínica.
Os estudos são importantes? Claro que são. No entanto, precisamos nos ater aonde estamos no presente momento em relação ao embasamento científico para isso.
Diante desse cenário, o Conselho Federal de Medicina tem uma resolução, a Resolução nº 2.113, de 2014, que aprova, na verdade, o uso compassivo do canabidiol — retomando essa questão. Porém, veda a prescrição da Cannabis in natura para uso terapêutico, bem como quaisquer outros derivados, com a sustentação da posição de que ainda não há evidências científicas que comprovem que os canabinoides são totalmente seguros e eficazes no tratamento da epilepsia. Assim, a regra restringe sua prescrição — de forma compassiva — às situações onde métodos já conhecidos não apresentam resultados satisfatórios.
Há outra importante situação. Em que pese nós não estejamos discutindo aqui os aspectos relacionados ao uso de drogas de maneira recreativa, ao tráfico de drogas e coisas assim, é importante que também nos atentemos para uma situação que eu queria trazer também para este debate.
15:12
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No ano passado, a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, órgão que colabora com a Organização das Nações Unidas, publicou um alerta especificamente voltado para a América do Sul que diz que a Argentina, a Colômbia, o Paraguai, o Peru e, agora, o Brasil têm realizado iniciativas para regular a venda de Cannabis com fins medicinais. Diz também que a disponibilidade de Cannabis na região — aqui na América do Sul — continua aumentando, sendo impulsionada pelas políticas públicas e iniciativas legislativas destinadas à autorização irregular dessa substância para possível uso medicinal.
Também precisamos ficar atentos, porque não podemos desconsiderar que, na verdade, no País — e isso é uma experiência internacional —, esse movimento pró-flexibilização de uso da maconha pode levar a população brasileira à uma diminuição da percepção do risco dessa droga. "Na verdade, não faz mal. É quase um remédio!" Esses conceitos precisam ser quebrados. Para reforçarmos isso, o Governo americano tem um estudo chamado National Survey on Drug Use and Health que mostra que, desde 2008, quando houve a flexibilização nos Estados Unidos do uso da maconha dita medicinal, tem acontecido lá um aumento anual de 5% a 6% no uso da maconha.
Diante disso, para encerrar, Presidente, é importante que estejamos atentos para essa situação. O Ministério da Cidadania se coloca contra o plantio da maconha para fins medicinais. Hoje, há uma perspectiva clara de produção de canabinoide sintético no Brasil.
Essa é uma questão importante também no que diz respeito às famílias. Não podemos permitir que as famílias, por conta de um hiato assistencial que vem acontecendo durante muito tempo na assistência farmacêutica, tenham que cultivar as plantas que vão dar origem aos remédios que seus filhos poderão utilizar. Retrocedemos a uma situação que não é aceitável para um país como o Brasil.
Então, o Ministério da Cidadania avalia que essas duas situações, tanto a do plantio feito por empresas para dar sustentação ao mercado de Cannabis quanto a da plantação por famílias, são inapropriadas. O que deve acontecer agora é o Governo Federal investir em assistência farmacêutica apropriada às pessoas que precisam, sim, fazer o uso de medicações que possam ter derivados de Cannabis.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Nós que agradecemos ao Sr. Quirino Cordeiro, representando aqui o Ministério da Cidadania.
Quero...
O SR. QUIRINO CORDEIRO - Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Pois não.
O SR. QUIRINO CORDEIRO - Quero me desculpar, porque eu tenho uma viagem marcada agora para Curitiba, onde vou para uma série de eventos. Já estivemos inclusive no Senado, hoje pela manhã, discutindo este tema. Enfim, eu e o Ministério da Cidadania estamos disponíveis para a discussão. Agora estamos aqui na Câmara. Mas, infelizmente, preciso me ausentar porque tenho esse compromisso. Desde já, coloco-me à disposição de todos os atores envolvidos no cenário e também do Congresso Nacional.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Está ótimo.
Quero fazer o registro da presença dos Deputados Tiago Mitraud e Dr. Luizinho.
Quero também agradecer ao Dr. Mauricio Consalter, da Medici Health Care e da Internal Medicine MD in Palliative Care, e à Dra. Maria José Delgado, representando aqui a empresa Canopy Growth, a presença
Convido para fazer uso da palavra o Dr. Carlos Goulart, por até 15 minutos.
O SR. CARLOS GOULART - Boa tarde.
Em nome da Ministra Tereza Cristina, representando aqui o Ministério da Agricultura, agradeço-lhe, Deputado, o convite, estendendo meus agradecimentos aos demais Parlamentares, membros e presentes a oportunidade do MAPA falar a respeito daquilo que lhe compete nessa discussão.
A Ministra está em uma viagem internacional no Paraguai junto com os Secretários. Eu sou Diretor do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas, responsável pelas áreas de registro e fiscalização, no âmbito da Secretaria, de sanidade vegetal, de acesso à análise de risco de pragas, agrotóxicos, fertilizantes, sementes e mudas — que têm interface — e de propriedade intelectual.
Para nós, para o Ministério da Agricultura e para a Secretaria de Defesa Agropecuária, o uso proposto da espécie vegetal é indiferente. A regulação do Ministério da Agricultura não discrimina o uso proposto da espécie vegetal. Então, eventualmente tornando-se legal o plantio de Cannabis, ela passa a ser mais uma espécie vegetal a ser regulada nos aspectos do MAPA naquilo que é necessário ser observado para plantio, reprodução, importação de material de propagação. Ela entra nos ritos aos quais todas as outras plantas e espécies vegetais estão suscetíveis ao controle.
Hoje — eu chequei com a equipe — há uma solicitação de acesso de mercado para importação, como está escrito na formalização, de cânhamo industrial da França, desde 2017. O processo está parado porque não foi solicitada a autorização, e, se eventualmente o fosse, seria indeferido devido a restrições de outros órgãos pela proibição desse produto.
A minha fala é curta e é mais nesse sentido de que o Ministério da Agricultura não tem objeção a eventual liberação da Cannabis para o uso medicinal. A nossa preocupação reside apenas na organização interna dos órgãos para se definir quem eventualmente iria controlar e fiscalizar esse plantio, para garantir que o uso proposto estaria sendo respeitado. O MAPA tem um sistema informatizado e toda a sua regulação pronta para registrá-lo como uma produção agrícola.
15:20
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Era isso que tínhamos a dizer. Nós nos colocamos à disposição para tirar dúvidas que, porventura, existam. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Agradeço ao Dr. Carlos Goulart, representando aqui o Ministério da Agricultura. Em poucas palavras, ele nos passou que a ANVISA não está, na verdade, no papel de fazer o controle e a regulamentação do plantio. Neste caso, seria um papel do Ministério da Agricultura.
Registro a presença da Sra. Caroline Heinz, Vice-Presidente da HempMeds®Brasil, e do Dr. Sanford Stein, da Cannabis Law.
Convido para fazer uso da palavra o Dr. Leandro Ramires, representante da Associação Brasileira dos Pacientes de Cannabis Medicinal — AMA+ME, por 15 minutos.
O SR. LEANDRO RAMIRES - Boa tarde a todos.
Eu gostaria, primeiro, de dizer que sou médico. Faz 30 anos que sou formado. Trabalho no Hospital das Clínicas da UFMG desde a minha formatura, formo médicos no Brasil. E eu tinha mesmo uma visão muito cartesiana da saúde.
Antes de mais nada, peço aos que têm mandato presentes nesta sala que nós da sociedade civil organizada carecemos de uma regulamentação, independentemente do que as pessoas achem. Eu vejo cenários pintados aqui que estão bem longe da realidade. Gostaria que o representante do Ministério da Cidadania estivesse aqui, porque o cenário que foi colocado aqui é um pouco diferente do real.
A Organização Mundial da Saúde não liberou canabidiol. Ele nem sequer leu, ele nem sequer leu o que está escrito na ONU! As Nações Unidas, através de um conselho da OMS, no dia 14, ou no dia 22 de junho — eu vou falar isso aqui —, pediu uma reclassificação de um extrato de Cannabis que tenha menos de 0,2% de THC. Esse extrato não precisa de controle nenhum. E nós estamos tratando isso como remédio! Quando eu escuto aqui canabidiol... A pessoa nunca viu canabidiol! Canabidiol isolado não existe. Ele é um componente da planta, está certo? Então, o cenário é um pouco diferente.
Outra coisa: a ferramenta de evidência. Eu vou dizer para vocês a ferramenta de evidência. Eu sou pai do Benício. É fácil procurar no Google: "Benício maconheiro", "Benício cannabis medicinal". Meu filho hoje tem 11 anos. É portador da Síndrome de Dravet. Até os 5 anos de idade, ele foi internado mais de 40 vezes — 14 delas em CTI! Ele só está vivo porque tem um médico que tem um CTI em casa. Eu mesmo entubei o meu filho mais de 20 vezes! Ele tomava 25 comprimidos por dia, e eu atrás da tal da evidência duplo-cego prospectivo randomizado. Essa ferramenta não serve para estudar o chá de boldo, que a sua avó pediu que você tomasse para cuidar do seu fígado.
15:24
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Então estamos discutindo uma medicalização que, na verdade, está muito longe de uma medicalização.
A história do meu filho fez com que fundássemos a Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, em 2014.
Gostaria que passassem o próximo eslaide, por favor. Se o controle estivesse comigo, seria mais fácil.
O nosso objetivo é transmitir uma qualidade e um acesso para essas famílias.
Esse movimento nesta Casa existe desde 2014. A Resolução nº 17, da ANVISA, só existe porque nós, sociedade civil organizada, que precisamos disso, botamos fogo nessa estrutura. De lá para cá, é exponencial o crescimento, o número de pessoas que buscam, através da ANVISA, uma receita, que nem sequer é necessária fora do Brasil, para poder importar um óleo — são, até maio, 6.530 pacientes, com 9.720 autorizações.
"Uai, que número grande é esse de autorizações?" É um produto cuja safra acaba. Se tomarmos todos o vinho de uma vinícola, não vai haver mais. Então o tratamento do meu filho teve que ser interrompido por causa de safra.
"Ah, lá fora não é um remédio." Não é um remédio nem lá fora, nem aqui dentro. Onde estão querendo botar um remédio?
E o pior: mais de 900 médicos prescreveram. Escutei aqui leituras de sociedade médica dizendo que o canabidiol pode. Eles nunca nem viram canabidiol! Mais de 900 médicos de 36 especialidades diferentes prescreveram, de uma instituição médica que não definiu sequer o uso compassivo para qualquer coisa. A prática médica compassiva nem sequer é regulamentada pelo CFM! Que autoridade é essa?
Então a evidência são os nossos filhos mesmo, são as nossas famílias, e serve para aquele tanto de doenças que vocês estão vendo ali: epilepsia, autismo, Alzheimer, Parkinson, doença neuropática e câncer. São uns 85% das autorizações. Ali estão os links. Eu deixo esta aula para quem quiser. Hoje, no Brasil, isso representa um universo de 10 milhões e meio de pessoas.
Mas a estrela, de novo — eu tenho que explicar isto umas mil vezes —, não é a planta Cannabis. Que demônio é esse que vocês botaram na planta? Existe um sistema biológico que tem mais de 600 milhões de anos, identificado nos seres humanos a partir de 1994. É nesse sistema que essa planta age. As substâncias dessa planta agem no sistema biológico, e ela só mimetiza as substâncias endógenas que temos. Temos esses receptores no sistema nervoso, no sistema imunológico, e, com isso, conseguimos controlar muitas coisas que estão diretamente relacionadas com as doenças de que eu falei.
"Ah, não existe literatura." Como não existe? Foi isolada, pela primeira vez, na década de 1940, em 1945. Mechoulam isolou. E cresceu no PubMed. Este gráfico mostra o crescimento da literatura pró-sistema endocanabinoide. Houve um salto quando se descobriu o poder anticonvulsivante em camundongos em 1970, e, na década de 1990, cresceu, e vem crescendo exponencialmente, por causa do sistema endocanabinoide.
Só em Israel, pessoal, há 300 estudos clínicos sendo conduzidos. Em Israel, a Cannabis fumada é permitida nos kibutzim que agregam idosos, e a vida deles é outra.
Qual é a barreira que encontramos? Qual é a barreira que um pai, como eu, encontra para conseguir acesso ao uso de Cannabis para fins medicinais? Água tem fins medicinais. A pessoa precisa entender isso, porque parece que fica um paradoxo. A dificuldade é encontrar um médico prescritor, com uma classe que só quer definir.
Será que a expressão do CFM representa todos os médicos brasileiros? Será que a Sociedade Brasileira de Psiquiatria representa todo o interesse da sociedade de psiquiatria brasileira mesmo? Além da dificuldade da ANVISA, há o preço. E para falar do preço... Olhem lá: em relação a médico prescritor, a Resolução nº 2.113, de dezembro de 2014, do CFM, é só para neurologista e psiquiatra. Como só neurologista e psiquiatra? Não tem neurologista lá meu Estado. Olhem lá: são 78 neurologistas para cuidar de mais de 200 milhões de pessoas. Restringir a prescrição a especialistas, só para epiléticos, de 1 a 18 anos? Quer dizer que se tem 11 meses, a prepotência é tamanha que não pode? Quer dizer que se tem 18 anos e 1 dia não pode? Há coisas que precisamos mudar!
15:28
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Outra coisa: a ANVISA criou o acesso e criou uma consulta pública. Eu escutei o Dib falar aqui sobre o concreto, sobre o prédio, que vai ficar um preço caro, que ninguém vai lá roubar. Caro vai ficar para nós pacientes. Existe empresário em Minas Gerais abrindo empresa nos Estados Unidos para produzir canabidiol ou extrato de Cannabis para vender para brasileiro, o que é muito mais inteligente do que essa regulamentação proposta.
E não é só isso, pessoal. Olhem o preço dos importados ali para quem usa 100 miligramas/dia por mês: varia de 900 reais a 1.800 reais. Olhem o Mevatyl aí: 2.800 reais. Isso é para a população brasileira? Será que o Poder Legislativo está atendendo a população brasileira? E o Poder Executivo? O Poder Executivo vive em conflito, porque a Casa Civil, o CFM e a Sociedade Brasileira de Psiquiatria são contra até mesmo o bunker de concreto.
Aí eu digo o seguinte: o mercado é mesmo milionário. Muita gente vai ganhar dinheiro, vai gerar imposto, vai gerar trabalho. E é isso o que precisamos rever. Esse é o documento da OMS que precisa ser lido. As pessoas falam que não concordam com a OMS, mas nem leram. Lá está muito claro que é um extrato de Cannabis pobre em THC, que não precisa sequer de controle. Isso foi discutido nessa reunião e foi aprovado. Eu escutei aqui que a ONU... Ele mostrou um texto que não era da ONU. A ONU é isso aí. A mudança é essa, inclusive com a reclassificação da planta.
E o que a AMA+ME — Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal defende? Olha, para meu filho parar de convulsionar não há evidência que vai tirar! Meu pai pedia licença e fazia xixi na sala, ia para a farmácia e ficava perdido. A vida dele com Alzheimer foi transformada com a Cannabis. Eu não sou geriatra, mas tenho certeza de que um extrato de Cannabis muda a vida dessas famílias. Basta experimentar para viver. Eu vou usar as mesmas ferramentas?
Somos, pessoal, associação sem fins lucrativos, defendemos o cultivo para atender as necessidades de famílias dentro de uma estrutura fechada. Num clube não pode caber uma cidade. No Minas Tênis não cabe Belo Horizonte inteira. Então somos, sim, a sociedade civil organizada que busca o seu benefício sem incomodar ninguém e sem propor nada de violência, muito pelo contrário. Nós nos juntamos e estamos no caminho de uma federação, porque a sociedade civil se organiza. E nessa organização nós estabelecemos 14 pontos que seria interessante que os mandatos desta Casa e do Senado considerassem, até mesmo a informação sobre os usos danosos da Cannabis.
15:32
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A pesquisa que mostrou a realidade não foi divulgada. Não existe epidemia de Cannabis, isso tem que ficar claro.
O que é importante é isto: se as pessoas não conseguem um médico, não conseguem comprar, elas recorrem ao Poder Judiciário, e o Poder Judiciário está balizando as ações do Legislativo. Habeas corpus funciona para muita gente, mas imagine uma velhinha de 86 anos, completamente pirada, sendo cuidada pela irmã mais nova, de 78 anos. Vocês querem que elas plantem Cannabis para melhorar a vida delas? É preciso uma associação ou uma importação que seja justa, compatível, com preço baixo.
Meu filho parou de ser internado em UTI. Sabem quanto custa uma diária de UTI? Nós não temos neurologista, e as pessoas ficam defendendo... Só depois que seu filho já pirou, já perdeu tudo, vai poder usar Cannabis? É um arrependimento que eu tenho. Eu queria ter dado isso como primeiro medicamento, porque a história dele poderia ser outra.
Estas são as associações que se juntaram no Brasil, que têm o objetivo de trazer informação para as pessoas. Estamos crescendo mesmo.
Nós produzimos ciência. Este é o primeiro estudo feito no Brasil acompanhando pessoas, 36 crianças epilépticas usando óleo de Cannabis. Apresentamos este estudo no Congresso Brasileiro de Neurologia e Psiquiatria Infantil. Não conseguimos a publicação. Por quê? Porque um conselho de ética em pesquisa disse que é maconha.
Passado isso, fizemos um segundo estudo. Este, sim, foi aceito na New Frontier, com tudo bonitinho, e em breve deve ser publicado. É um estudo sobre o benefício da Cannabis com 18 pacientes autistas, Deputado — 14 deles do seu Estado —, com crianças. Apesar de no seu Estado haver mais neurologista por habitante que em Minas Gerais, o acesso para se chegar ao hospital leva, às vezes, 4 horas. Crianças morrem em estado epilético no barco a caminho do hospital. Então é preciso mudar o paradigma, é preciso entender.
Desde cedo, nós fomos ao STF garantir um direito pétreo, constitucional, da autopromoção da saúde. Aquilo que você faz dentro da sua propriedade, para o seu bem, ninguém tem absolutamente nada com isso. Então defendemos o direito de plantar, cultivar, colher, guardar, transportar, prescrever, ministrar, adquirir, para fins medicinais, com pacientes controlados, registrados, dentro de uma associação que seja fechada. Essa é uma realidade que já está acontecendo.
Com a demora... No Brasil, tudo é difícil. A necessidade é urgente. Então continuamos desobedientes civis.
Nós entramos com esta ação no Tribunal Regional Federal. Nós estamos em via de conseguir uma tutela antecipada, para proteger estas pessoas. Eram 135 pacientes. A associação tem 320 — eu já estou terminando, Deputado. Aliás, ela tem 319, morreu um desses 135, infelizmente. São 320 pacientes no Brasil todo. E 135 deles estão em seis Estados diferentes, todos com autorização da ANVISA. Assinaram um termo de corresponsabilidade pela produção nacional da associação. Então, o "não" do legislador, o "não" do juiz, o "não" do magistrado, o "não" do Presidente da República é para essas 135 pessoas.
E o que é importante é nós percebermos a variação da idade: de 1 a 95 anos. Uma coisa muito importante que todo mundo aqui precisa entender: criança, mãezinha, epilepsia? Meus amigos, 50% dos nossos associados têm mais de 43 anos. Portanto, existem outras doenças que são muito importantes.
Este eslaide mostra a distribuição deles no Brasil, pelos grupos de CID. Se vocês observarem o grupo de CID, verão que as principais doenças que nós atendemos lá são do sistema nervoso, transtornos mentais e comportamentais, dor — que são sinais e sintomas —, sequelas de traumas, câncer.
15:36
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Não é só o Dr. Leandro, são 15 prescritores diferentes, professores universitários. Existe no Brasil uma experiência na área científica em relação à Cannabis importantíssima. Nenhum desses membros foi convidado para a reunião que aconteceu no CFM. Por quê? Por que o CFM solta um livrinho da tragédia da maconha? Representa Elisaldo Carlini, representa Sidarta Ribeiro, representa Malcher-Lopes, representa Paulo Trevisol, representa a Universidade Federal de Santa Catarina, representa a Universidade Federal de Minas Gerais, representa a Universidade Federal do Rio de Janeiro? Não representa. Então eu acho que o cenário é tendencioso, conforme a ideologia de quem defende uma proibição.
Para encerrar, o que queremos é que esses mandatos legislativos, seja aqui, seja no Senado, criem condições para deixarmos de ser desobedientes civis. Muitos acham que somos criminosos. Eu sou desobediente civil e, independentemente da regulação, vou continuar sendo. Então eu peço uma ajuda, faço um apelo para que esta Casa considere o cenário verdadeiro, escute as opiniões, porque isso muda a vida das pessoas.
Hoje mesmo, se pararmos um pouquinho e só pensarmos nos nossos pacientes graves, sofredores, veremos que isso que nós estamos vivendo aqui... Como o Poder Legislativo pode ter duas audiências concorrentes no mesmo dia, uma no Senado e outra na Câmara, para discutir a mesma lei, enquanto as pessoas estão convulsionando e esperando que vocês definam algo?
Quem paga o salário somos nós. Isso aqui é a minha casa, e eu espero que a minha casa nos acolha de fato. Não fazemos apologia à droga, não apoiamos nenhuma medida que seja pelo uso irresponsável da Cannabis, isso tem que ficar claro. As audiências públicas são para discutir o uso medicinal. Podia ter audiência pública para discutir o uso medicinal do chá de boldo, do chazinho de erva cidreira. E eu não vejo outra saída. O mercado está ganhando, o mundo está ganhando, está todo mundo tendo o seu rendimento, e eu vejo um colega que fala que está de acordo com a OMS, e ele sequer leu o documento da OMS.
Para encerrar, eu quero dizer que está disponível na campanha Repense, no que diz respeito à necessidade e urgência dos pacientes...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - O senhor tem 2 minutos, da mesma forma que o seu antecessor.
O SR. LEANDRO RAMIRES - Um parágrafo basta, do ponto de vista legislativo, para quem sofre. É o PLS 514. Só esse parágrafo basta.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Nós é que agradecemos ao Dr. Leandro Ramires, representante da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal.
Quero fazer aqui uma correção. A referência do Dr. Rodrigo Mesquita foi equivocadamente vinculada à empresa CannaCraft. O Dr. Rodrigo Mesquita é um advogado renomado na área de direitos humanos e da instituição REFORMA — Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas.
Quero também fazer referência à presença da ex-Deputada Cristiane Brasil, que está aqui acompanhando toda a sessão.
15:40
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Quero convidar o Dr. Ricardo Ferreira, que é representante da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis, para fazer uso da palavra.
V.Sa. tem 15 minutos e mais 2 minutos de tolerância.
O SR. RICARDO FERREIRA - Boa tarde a todos, às pessoas que também estão a distância, acompanhando pela Internet.
Agradeço muito o convite para estar aqui do ilustre colega e Deputado Eduardo Costa, agradeço aos demais representantes do povo que estão aqui pessoalmente para ver um tema tão relevante para o nosso País, para os pacientes que sofrem de várias patologias nas quais a Cannabis pode ajudar.
Meu nome é Ricardo Ferreira. Eu sou médico e trabalho exclusivamente com patologias da coluna e dor há aproximadamente 20 anos e, nesse tempo todo, eu tenho acompanhado vários pacientes em extremo sofrimento.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu começo a minha apresentação mostrando o compromisso médico que foi definido pela Associação Médica Mundial: "A saúde e bem-estar do meu paciente serão as minhas primeiras preocupações". E há outro: "Não permitirei que considerações sobre idade, doença, deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estudo social ou qualquer outro tipo de fator se interponham entre o meu dever e o meu paciente".
Eu represento a SBEC — Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis, que é uma associação que não tem como finalidade produzir Cannabis nem produtos à base de Cannabis. É uma associação que visa apenas à troca de conhecimentos e informação entre médicos, pesquisadores, farmacêuticos e outros profissionais da área da saúde a respeito do uso da Cannabis como opção terapêutica. Mas eu também represento vários pacientes que neste momento estão sofrendo com várias patologias sem tratamento eficaz dentro da nossa prática médica, assim como represento também os médicos que não conseguem dar o resultado de que esses pacientes precisam.
Eu, por exemplo, sou médico de dor e tenho vários pacientes que, apesar de tudo o que eu faço por eles, continuam com dor. Eu quero usar como exemplo a minha própria patologia. Eu também sou portador de uma patologia grave chamada hemofilia, que é uma doença genética. A hemofilia é tratável. Graças a Deus, depois que tive esse diagnóstico, a hemofilia pôde ser tratada de forma segura neste País. Mas, antes de eu ter esse diagnóstico, antes de ser tratado de hemofilia, vários hemofílicos padeceram, morreram por complicações de hemotransfusão. A transfusão sanguínea causou a morte de famílias inteiras, como é o caso do Betinho, do Henfil, do Chico, que morreram por complicações de doenças transmissíveis através do sangue, mas nem por isso a transfusão sanguínea foi abolida deste País.
Neste momento, ninguém questiona se deve ou não fazer uso de hemoderivados, mas, neste momento, garanto a vocês que ninguém aceitaria tomar o sangue sem saber de onde ele vem. Mesmo que esse sangue venha da sua mulher, mesmo que esse sangue venha do seu filho, ninguém aceita tomar o sangue sem saber de onde ele vem. E por que isso acontece? Eu quero fazer um paralelo. Será que existe algum paralelo em relação a essa questão dos hemoderivados e a Cannabis?
Através do sangue podem-se transmitir várias doenças, doenças virais, como a AIDS, como a doença de Chagas, e isso acontece com muito pouca incidência por conta de um sistema de regulação.
15:44
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Na década de 80, aconteceu no Brasil um grande programa de regulação de hemoderivados, o que fez com que esses hemoderivados, que praticamente eram fonte de morte para várias famílias de hemofílicos e outras pessoas que recebiam sangue, fossem transformados em produtos seguros. Quando a regulamentação aconteceu na década de 80, ninguém pensou em proibir o uso de hemoderivados, a não ser por questões religiosas.
Nos anos 80, houve interferência política e, por conta disso, a regulamentação que era para ter acontecido apenas por critérios técnicos demorou uma década para acontecer. Nesse processo, várias pessoas que precisavam receber sangue não receberam e várias pessoas que precisavam de hemoderivados tinham que ficar pulando de hospital em hospital para conseguir receber esse hemoderivado e o recebiam sem a garantia de não estar recebendo, junto com ele, alguma outra doença. Isso está descrito nesse artigo publicado nos anos 90 a respeito da saga que foi a regulamentação do uso de hemoderivados aqui no Brasil.
Depois de falarmos sobre isso, será que não existe realmente um paralelo em relação ao uso de hemoderivados ou de qualquer outro medicamento ao uso da Cannabis? Será que não existe uma relação do uso da Cannabis terapêutica como qualquer outro medicamento?
Em qualquer medicamento que nós usamos na nossa prática médica, existe risco. Em qualquer cirurgia que fazemos, está embutido um risco. Com a Cannabis, não vai ser diferente. E o risco dela pode ser menor do que o de muitos medicamentos. Certamente, o risco da Cannabis é muito menor do que o uso de hemoderivados sem nenhum tipo de segurança, sem nenhum tipo de teste.
Essa história não se pode repetir. Essa história pela qual os pacientes hemofílicos e os outros dependentes de hemoderivados passaram no Brasil não se pode repetir.
Eu tenho uma notícia para anunciar aos senhores. Aqui, no Brasil, já temos o Mevatyl, que é um extrato de Cannabis. Então, essa discussão a respeito do uso da Cannabis terapêutica no Brasil já foi superada. Esse produto está registrado no Brasil desde 2017 e, desde o ano passado, está à venda nas farmácias brasileiras.
Isso aqui é só a caixa, o medicamento não está aqui dentro, é lógico. É possível comprar esse produto nas farmácias brasileiras, com uma receita médica.
Antes de o Mevatyl ser liberado, já existia a possibilidade da importação excepcional de Cannabis, de extrato de Cannabis, de qualquer canabinoide. Mas eu não estou colocando isso como um ponto. Eu estou colocando como ponto o fato de que nós já temos efetivamente um medicamento à base de Cannabis, registrado no Brasil há 2 anos, que é o Mevatyl.
O Mevatyl é produzido por uma empresa inglesa chamada GW e é, na verdade, um extrato de Cannabis integral, não é sintético, como o nobre colega falou previamente.
Existe a Cannabis sintética, o CBD sintético. Não existe nenhum lugar do mundo que utilize o CBD sintético na prática médica, somente existem pesquisas a respeito disso. Ao contrário, nós temos esse medicamento chamado Mevatyl, que já está na prática médica há aproximadamente 10 anos. Então, qual o sentido de se propagar um produto que ainda nem foi testado em relação a um produto que já tem 10 anos de experiência na prática médica?
Infelizmente, o Mevatyl é o único medicamento no Brasil a base de Cannabis. Esse produto custa 2.800 reais nas farmácias. Se você entrar no site de algumas farmácias que o distribuem, vai ver o precinho dele de 2.800 reais. Em alguma situação excepcional, pode-se até conseguir algum desconto, mas ele custa 2.800 reais.
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Apesar desse preço abusivo — não sei se é abusivo, mas é caro —, esse produto não se encontra em qualquer farmácia, porque está com seu estoque esgotado. Essa caixinha aqui, para a qual uma paciente recebeu prescrição, ela teve que vir a Brasília comprar, porque no Rio de Janeiro não tem mais. Todo o estoque foi vendido — todo! —, ao custo de 2.800 reais cada caixa desse medicamento. Por quê? Há muita gente rica no Brasil? Há muitas pessoas capazes de comprá-lo? Com certeza não, mas porque está havendo grande judicialização sobre esse medicamento. Então, o SUS está pagando por isso; os Estados estão pagando por isso; os planos de saúde estão pagando por isso. E, no final, quem paga somos nós, os contribuintes.
Afinal, que produto é esse? Quem é a GW? Por que existe uma empresa que é capaz de produzir um produto como esse e colocá-lo no mercado de vários países do mundo, com valor agregado e com preço tão alto? Esse produto, como eu falei previamente, é um extrato alcoólico de Cannabis, não é um produto artificial. Eles misturam duas espécies diferentes, uma espécie com THC e outra espécie com CBD, na mesma proporção, e colocam aqui. Isso aqui não é CBD nem THC isoladamente. São os dois canabinoides.
O que será essa GW? Será que essa GW é uma empresa de rastafáris? Será que essa GW é uma empresa de hippies ingleses? Não, senhoras e senhores, a GW é uma empresa multibilionária. Eu chequei na semana passada, e o valor de mercado da GW é de 4,8 bilhões de dólares. É uma empresa que tem apenas um produto farmacêutico de alto custo, de difícil acesso, colocado em alguns países do mundo — em 28 países do mundo — e, para maior preocupação, para apenas uma patologia, a distonia muscular, que são as espasticidades e as contrações relacionadas à esclerose múltipla. Como é que uma empresa só consegue inserir um produto no mercado?
Aqui nesta imagem estão os hippies da GW, comemorando a entrada na NASDAQ. Aquela foto ali de cima é da instalação deles na Inglaterra. A GW produz plantas na Inglaterra e em Portugal e, depois, faz a manipulação do produto na Inglaterra, com todas as restrições inglesas ao uso da Cannabis.
E o que a ANVISA está fazendo? Essa regulamentação da ANVISA vai viabilizar a criação de GWs made in Brazil, não tenham dúvida disso. Então, toda essa dificuldade criada pela ANVISA, apesar de todas as críticas a respeito disso, será um marco importante na regulamentação da Cannabis no Brasil, porque possibilitará que deixemos de importar um produto extremamente caro e oneroso e passemos a produzir outro produto aqui no Brasil — eu espero —, com um custo bem menor.
Aí existe um questionamento: esse produto está registrado no Brasil para uso exclusivamente em casos de esclerose múltipla — a sigla em inglês é MS —, mas será que ele realmente só serve para isso?
Não, senhoras e senhores, porque existe uma figura em medicina chamada uso off-label. O que significa isso? É a possibilidade de se usar um medicamento ou uma tecnologia médica para outra finalidade. Uma vez que existe o uso off-label, qualquer médico pode fazer a prescrição para qualquer doença, e isso não é uma invenção. Isso já foi, inclusive, falado pelo CFM. O CFM permite o uso off-label, contudo, o médico tem que assumir a responsabilidade sobre qualquer complicação que ocorrer. E o médico pode responder, pode ser julgado, se as complicações acontecerem e se chegarem ao CFM.
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No ano passado, o próprio Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o uso off-label é válido e os planos de saúde devem pagar. Então, o uso off-label já está estabelecido na prática médica. Não existe nenhum questionamento sobre isso.
Sobre o número de pacientes, de que o Dr. Leandro falou, vou citar apenas três patologias com possível utilização de uso off-label no Brasil, que são: a dor crônica, que representa 2% da população; o autismo, 1% da população; e a epilepsia intratável. Então, podemos usar esse medicamento virtualmente, pelo menos, para 7,4 milhões brasileiros. Imaginem o custo disso, senhoras e senhores. Imaginem o custo que isso vai ser para o Brasil, para os planos de saúde, para o Sistema Único de Saúde — SUS.
Então, o que eu digo? A questão da Cannabis ser ou não liberada no Brasil não existe. A questão é a seguinte: nós vamos continuar importando ou vamos produzir aqui? Nós vamos usar a regulamentação a nosso favor ou vamos continuar importando insumos? Como o próprio Leandro falou, uma empresa vai produzir os insumos lá fora, mandá-los para o Brasil, para aí produzirmos o medicamento aqui. Esse é o marco regulatório, é isso que deve ser discutido, e não se a Cannabis pode ser usada ou não como medicamento. Essa história já foi discutida em 2017. Já é passado.
A ANVISA percebe na pele esse aumento de demanda. Então, apesar de toda a dificuldade que o Dr. Leandro mostrou, 10 mil pacientes já conseguiram autorizações excepcionais para importar Cannabis aqui no Brasil. O pessoal da ANVISA viajou, como o Dr. William Dib falou, a vários países para pesquisar como funcionam os sistemas regulatórios. E, senhores, o sistema regulatório de Cannabis não é de hoje. O Canadá já regula Cannabis desde 2001; a Holanda, desde 2003; Israel, desde 2012. Existem empresas com quase 20 anos de experiência em Cannabis. Então, não é uma coisa de agora que os médicos brasileiros estão aqui inventando. Isso já acontece no mundo inteiro há bastante tempo.
A ANVISA criou uma regulamentação que parece um Fort Knox, parece que está lidando com plutônio, e não com uma planta.
A regulamentação da ANVISA é extremamente restritiva. Só permite o cultivo em ambientes herméticos, fechados, com luz artificial, com sistema de ventilação, com um sistema de proteção a qualquer tipo de invasão, a qualquer tipo de desvio de finalidade.
Então, se a preocupação de alguém é que esse produto vai cair na mão do tráfico de drogas, que alguém vai entrar lá e pegar, essa preocupação tem que ser diminuída. É claro que situações podem acontecer. É claro que nenhum sistema é impossível, mas vai ser muito difícil. Existe também a rastreabilidade. Todo sistema da ANVISA prevê quem vai tomar conta de qual lugar, quem pode ou não entrar, com exigência de biometria. Então, essa questão os personagens, os técnicos da ANVISA fizeram de uma forma magistral. Se alguém tem preocupação sobre a segurança do cultivo da Cannabis, com base nessa RDC, basta ler a RDC que vai ficar bem tranquilo. Não é possível continuar com essa preocupação.
Vamos chegar ao final, que é a consulta pública — quer dizer, já está sendo a consulta pública. Eu acho que todo cidadão que tem algum interesse na Cannabis como medicamento, seja como paciente, seja como pai de paciente, seja quem trabalhe como prescritor, deve fazer sugestões à ANVISA. Eu mesmo farei sugestões à ANVISA.
Eu acho que a questão que foi colocada aqui sobre o uso magistral, na manipulação, é muito interessante. Então, em vez de restringir apenas para grandes empresas, poderia colocar em uso magistral, porque já existe regulamentação a respeito disso. E pode ser que as associações virem magistrais, virem farmácias de manipulação.
Só para terminar, não existe nenhuma regulamentação pétrea. Qualquer regulamentação que seja feita é mutável, pois a regulamentação é um processo. Essa regulamentação da Cannabis, com certeza, com o passar do tempo, com erros e acertos, vai ser modificada, assim como aconteceu na regulamentação do Canadá, assim como aconteceu na da Holanda e na de Israel está acontecendo.
Então, não temos que pensar essa regulamentação como uma lei absoluta, uma regra pétrea. Isso vai mudar. E acho que cabe a nós cidadãos brasileiros e, principalmente, àqueles que trabalham diretamente com a Cannabis como medicamento, os médicos e os pesquisadores, fazer sugestões a respeito disso. Então, senhoras e senhores, eu agradeço por poder participar desta reunião e estou à disposição para qualquer pergunta ou esclarecimento.
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Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Eu quero agradecer ao Dr. Ricardo Ferreira, representante da Associação Brasileira de Estudos da Cannabis.
Convido o Dr. João Paulo Becker Lotufo, que aqui representa o Conselho Federal de Medicina.
V.Sa. tem 15 minutos.
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Sou pediatra e trato dos assuntos relacionados ao álcool e às drogas na Sociedade Brasileira de Pediatria, na Sociedade de Pediatria de São Paulo e na Associação Médica Brasileira. Por isso, venho em nome do Conselho colaborar com o grupo para a prevenção de drogas lícitas e ilícitas. Eu estou aqui representando o Presidente Carlos Vital.
O Conselho Federal de Medicina está preocupado com toda essa situação. Nós fizemos, no mês passado, um fórum sobre maconha, hoje e amanhã, estamos fazendo um fórum sobre alcoolismo e, em setembro, faremos um fórum sobre tabagismo.
Quanto à preocupação da Sociedade Brasileira de Pediatria em relação às drogas, eu vou exemplificar com três casos.
Uma criança de 4 meses e meio chegou ao pronto-socorro do Hospital Universitário, no mês passado, convulsionando. Ela começou a convulsionar às 16 horas e, às 20 horas, ainda convulsionava. Resumindo o caso: o pai da criança dissolveu um sachê de droga sintética numa garrafa de água mineral, e a mãe da criança, inadvertidamente, fez a mamadeira da criança com essa água mineral que estava em cima da pia. Essa criança convulsionou por 4 horas e 30 minutos.
Outra criança, de 15 dias de vida, chegou convulsionando no pronto-socorro, teve uma parada cardiorrespiratória, foi intubada, foi para UTI, ficou 2 meses em terapia intensiva e acabou falecendo. A causa da convulsão foi cocaína, o que foi detectado na urina dessa criança de 15 dias, cuja mãe era usuária.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Eu não exclamei, quando você estava falando. Então, vou pedir para você também não exclamar.
Havia cocaína presente na urina de uma criança de 15 dias de vida. As drogas estão chegando à pediatria de diferentes maneiras.
Em relação à maconha, há muitos casos de gravidez indesejada em adolescentes. Nós temos 1.535 partos de adolescentes entre 12 e 17 anos, e grande parte delas engravidou sem saber de quem, após a ingestão de álcool, uso de maconha e outros, em bailes de periferia, etc. Essa é a nossa realidade. Dez por cento dos partos do hospital são de adolescentes. O abandono escolar e outras situações ligadas à aprendizagem também estão relacionadas, assim como nós temos observado a diminuição do QI.
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O CFM não se coloca contra o uso do canabidiol. Como o Quirino já disse, essa expressão "maconha medicinal" ou "Cannabis medicinal", na cabeça de um jovem, é preocupante. No sentido de "maconha medicinal", então maconha é remédio. O termo correto seria "canabidiol medicinal". Nós não usamos heroína no pronto-socorro, mas morfina, que vem da mesma planta. Então, essa correção tem que ser feita.
A iniciação precoce na droga é uma preocupação da Sociedade Brasileira de Pediatria. Segundo dados, até os 17 anos, 25% dos jovens já experimentaram o tabaco; 20%, a maconha; 6%, o crack, e 60%, o álcool. Vinte por cento de experimentação de maconha até os 17 anos é muito próximo ao percentual do tabagismo. Então, muitas vezes, a maconha tem sido a primeira droga utilizada. Isso, do ponto de vista pediátrico, tem a sua relevância.
O que falta, na verdade, é regulamentação. Quando se pergunta a um jovem: "Qual é a droga que faz menos mal?" Qualquer aluno da segunda etapa do ensino fundamental ou do ensino médio diz: "O álcool e a maconha". Então, é essa conotação que precisa ser modificada.
Como funciona, por exemplo, na Holanda? A maconha é liberada? Não, ela é tolerada, segundo nos disse o seu embaixador aqui no Brasil, quando conversamos com ele. Há os coffee shops, onde se pode usar a maconha, e os cafés, onde se pode consumir bebida alcoólica. Onde se usa maconha, não há bebida alcoólica; e onde se consome bebida alcoólica, não há maconha. É regulado, e isso fica claro. Então, não é que é liberado e se pode usar onde quer e do jeito que quer.
Se regularmos a plantação e tudo mais, isso tudo vai trazer benefícios para uma pequena população. Agora, qual é o malefício que isso eventualmente poderia causar? Essa é a discussão. Na verdade, é preciso esclarecer a população, do mesmo jeito que foi feito em relação ao tabagismo. Hoje não se discute fumar aqui dentro. Isso está claro para todo mundo, mas não era assim. Hoje, quando eu digo para um residente de medicina que até 2005, no Hospital Universitário, o médico, fumando, atendia o paciente, ele acha isso totalmente fora de cogitação. Agora, quando se pergunta a um aluno de medicina sobre regular o álcool, por exemplo, como existe um projeto de lei em São Paulo para acabar com as festas open bar, ele ainda tem uma dificuldade de aceitação. Há 25 anos, a discussão sobre a aceitação de fumar tabaco era totalmente fora de cogitação.
Então, é preciso esclarecer a população sobre os malefícios da droga, para que o plantio ou o uso medicinal do canabidiol não se confunda com a maconha dita medicinal. São coisas bem diferentes. Essa é a nossa preocupação.
16:04
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Um dos personagens médicos que falou no fórum sobre maconha, o Valentim Gentil, disse claramente que o benefício que o uso do canabidiol vai trazer versus o malefício que eventualmente pode trazer o uso da maconha dita medicinal é algo complicado. Por isso, nós precisamos ter o esclarecimento da população, principalmente da população jovem. Quando eu vejo o Ministério da Cidadania liberar não sei quantos milhões de reais para as clínicas de recuperação de drogados, isso me dói um pouco, porque nada é liberado para a prevenção e para o esclarecimento da população. E as coisas podem caminhar conjuntamente, podem caminhar em paralelo.
No livro do fórum, um livrinho ou um livreto, como foi dito, nas págs. 110 e 111, estão as indicações precisas para o uso do canabidiol. Só que não se pode confundir uma coisa com a outra. É difícil se discutir isso no CFM porque, por exemplo, o título do livro de maconha do fórum foi A tragédia da maconha: causas, consequências e prevenção. Nós que organizamos o fórum fomos contra esse título. Como o processo é democrático, perdemos, e o título ficou sendo esse.
Mas qual é a tragédia? A tragédia é o jovem começar a usar uma droga precocemente. Não é possível que, num consultório pediátrico, eu assista a seis surtos. Eu sou pneumologista, trato de asma, bronquite, diarreia e vômito, mas eu não sei atender esquizofrênico em surto psicótico. E isso vem acontecendo na mesa do pediatra. Esse é o grande problema.
Podemos plantar e produzir o canabidiol — acho até que devemos —, mas temos que esclarecer a população sobre o fato de que não há maconha medicinal, há canabidiol medicinal. São coisas bem diferentes. É nisso que a Sociedade de Pediatria está se baseando, e a preocupação do Conselho Federal de Medicina é nesse sentido. E eu acho que nós vamos caminhar para chegar a uma conclusão adequada.
O esclarecimento da população aconteceu acerca do tabagismo passivo. O esclarecimento da população aconteceu também acerca do malefício que o cigarro traz para a população. Disso ninguém tem dúvida hoje. Nós precisamos de medidas de esclarecimento da população para que ela possa entender o uso tranquilo do canabidiol, nos convulsivos e em outros doentes.
Nós precisamos também aumentar as pesquisas para ter esclarecimento real do ponto de vista científico. Eu não tenho problema emocional ou problema financeiro em relação ao uso de drogas, não tenho conflito de interesse nenhum com isso. E eu acho que nós vamos chegar a ter o canabidiol no Brasil. Mas o esclarecimento da população é fundamental. Nós não podemos ter 20% da população jovem utilizando maconha sem conhecer o risco que ela traz.
Era isso.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Agradeço a participação ao Dr. João Paulo Becker Lotufo, representando o Conselho Federal de Medicina.
Vou dar oportunidade a todos os Parlamentares que quiserem fazer uso da palavra. Peço que passem a lista de inscrições.
Antes, passo a palavra para o Dr. Mauricio Consalter, pelo tempo de 5 minutos.
O senhor pode falar daí mesmo.
16:08
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O SR. MAURICIO CONSALTER - Obrigado.
Eu não sou Deputado, nem Senador, nem político! Meu nome é Mauricio Consalter. Eu sou brasileiro, formado em Curitiba, na PUC. Estou radicado nos Estados Unidos desde 1996. Sou o fundador do Grupo Medici. Sou Diretor Médico da Medical Cannabis Outreach. Sou fundador, Diretor Médico e Chief Medical Officer da Competional Clinical of South America. Nós estamos em cinco Estados americanos: Illinois, Missouri, Ohio e Pennsylvania, começando a atuar agora em Nova York também.
Eu comecei a trabalhar com esse termo que está deixando todo mundo confuso agora para diferenciar canabidiol, maconha, THC. É um rolo! Isso aí é tabu, gente! Nós temos que discutir isso entre nós e quebrar esse tabu. Essa é a primeira coisa a ser feita. Todo mundo tem um ponto correto e tem um ponto errado. Mas a discussão aqui é como quebrar o tabu, é como quebrar o estigma da maconha.
Eu comecei por clínica médica, por geriatria e por medicina paliativa. Então, eu tinha uma quantidade grande de pacientes com câncer. Os meus pacientes com câncer me convenceram sobre a maconha. Eu não era convencido sobre isso. Eu era da medicina tradicional. Mas nós usávamos maconha com os pacientes que estavam em tratamento de quimioterapia e com os pacientes terminais. E a primeira coisa que nós notávamos nos pacientes com câncer era o seguinte: primeiro, eles comiam melhor; segundo, eles tinham mais energia, dormiam melhor, estavam vivendo mais que os pacientes que não estavam usando maconha.
Quando a lei foi aprovada no Estado de Illinois, eu já tinha uma população de pacientes com câncer que fazia uso da maconha, e isso foi muito interessante, porque as famílias desses pacientes começaram a trazer tias, sobrinhos ou amigos que tinham fibromialgia, convulsão, Alzheimer. De repente, a minha vida, nos últimos 4 anos, ficou dedicada aos pacientes em uso de Cannabis.
Atualmente, nós temos sete médicos e temos enfermeiras practitioners, que é a enfermeira-padrão que pode prescrever nos Estados Unidos. Nós temos 11 mil pacientes fazendo uso diário de maconha. E, dia e noite, eu procuro os malefícios da maconha. Existem malefícios na maconha? Existem. Quais são eles? O risco é muito menor que os benefícios.
Há alguns pontos que eu gostaria de discutir aqui e que foram postos na mesa, como, por exemplo, a relação de patologias, as patologias múltiplas. O Sr. Quirino estava questionando como o Canadá estava tratando tanta doença e tanta coisa. Mas quero me referir ao que disseram o Dr. Ramires, que está sentado aí, e o Dr. Ferreira.
O Dr. Ramires levantou um tópico sobre o sistema endocanabinoide, que é onde a maconha trabalha. A maconha é um importante anti-inflamatório e tem dois componentes anti-inflamatórios, o CBD e o THC. E o THC tem as variações indica e sativa...
(Desligamento automático do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Peço que finalize sua intervenção.
O SR. MAURICIO CONSALTER - Posso finalizar agora?
Eu vou falar uma coisa para as autoridades brasileiras. Eu tenho uma filha autista. Eu quero dizer o seguinte: tratem com compaixão pacientes com dores crônicas, pacientes com câncer, com convulsão ou com Alzheimer. Pensem nos pacientes, pensem nas famílias, pensem na medicina efetiva. Quando bem usada, quando bem tratada, quando cultivada e processada no local correto, a maconha tem custos financeiros que são benéficos para a sociedade toda. Está bem?
Obrigado, gente. (Palmas.)
16:12
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Passo a palavra ao Deputado Dr. Luiz Ovando.
O SR. DR. LUIZ OVANDO (PSL - MS) - Deputado Eduardo Costa, parabéns pela iniciativa! Cumprimento V.Exa. e, na sua pessoa, cumprimento todos os componentes da Mesa, os expositores, os nobres Deputados e a prezada ex-Deputada Cristiane Brasil, que nos dá a honra da sua presença e que é bastante interessada nesse tema.
Eu gostaria de colocar aqui alguns aspectos. Não há dúvida de que todos estão com a razão. Nós percebemos isso. E, quando vejo o Dr. Ramires falar, eu fico realmente convencido da situação. Mas eu gostaria, Dr. Ramires, de desafiá-lo, porque o que nós vemos aqui, em termos de conclusão, é que todas essas doenças já são basicamente padronizadas em termos terapêuticos. Mas existem algumas doenças... Eu não sou pediatra, mas eu me lembro da síndrome de Little, aquela em que a perna cruza e há convulsões subentrantes, enfim, uma doença extremamente resistente em termos de tratamento. Então, o que se percebe? O senhor coloca de uma forma bastante convincente o uso do extrato, no caso, o canabinol, como 100% efetivo...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. DR. LUIZ OVANDO (PSL - MS) - Espere só um pouquinho. Deixe-me terminar.
O senhor apresenta o canabinol como 100% efetivo. E outra coisa que eu gostaria de levantar é o seguinte: o senhor mostrou, nos dados estatísticos, que, lá no seu Estado, há pouco mais de 200 mil pessoas com convulsão.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. DR. LUIZ OVANDO (PSL - MS) - Não, isso foi mostrado ali. Isso apareceu ali.
O que acontece é que, de uma maneira geral, existe nessa população um grupo de indivíduos que tem uma dificuldade maior de responder à terapêutica clássica, e alguns não respondem, principalmente em algumas situações específicas. O indivíduo faz uma infecção, faz uma desidratação, como mesmo o senhor falou, quando citou a questão da água.
Aliás, abro um parêntese aqui para dizer que esse é um grande problema. Nós, inclusive, estamos tendo dificuldades nos hospitais para hidratar corretamente os pacientes. Os pediatras são melhores para hidratar do que os clínicos. Os clínicos estão perdidos em termos de hidratação. Se se coloca um pouco mais em sódio, a cabeça do indivíduo incha, a célula fica irritável, e não se controla mais.
Eu gostaria de saber quantos por cento dessas pessoas que têm convulsão são resistentes ao tratamento clássico, em temos de resposta.
O senhor falou sobre também sobre o sistema endocanabinoide, e é importante nós sabermos que é um mecanismo inclusive de proteção, principalmente em alguns casos, como colocado de forma interessante pelo Dr. Mauricio, para os pacientes terminais. Vemos isso com relativa frequência. Quando não há muita coisa a se fazer por um paciente, temos que lançar mão de uma série de medicamentos que têm efeitos colaterais. E percebemos que aqueles que nós geralmente renegamos e deixamos são aqueles que se salvam, aqueles que melhoram: é o paciente que usa corticoide, enfim, aquele paciente que normalmente deixamos é o que melhora quando está em tratamento. Então, esses pacientes acabam melhorando também nessas situações, e seria interessante nós também termos estatística sobre isso.
E outra, é importante conhecer os efeitos colaterais. É importante saber aquilo que na verdade será determinante nesse paciente, no seu sistema cardiovascular, no sistema respiratório, no sistema renal, na filtração, e outras coisas mais que estamos acostumados a ver quando começamos a usar uma medicação. E isso nós não temos.
16:16
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Então, nós sabemos hoje que há uma preocupação muito grande de se contar com drogas que sejam eficazes em situações extremas e percebemos que essa medicação consegue em alguns casos controlar certas situações. Mas é necessário haver um estudo mostrando os efeitos, qual a porcentagem de acerto, o que isso tem em termos de efeitos colaterais, o que pode se aumentar em termos de dose, qual é o alcance terapêutico, se é possível o uso para todos os pacientes que têm convulsão, se é possível o uso para todos os pacientes com esclerose múltipla que têm espasmos em determinadas situações. Como é isso? Eu, na verdade, preciso ter esses dados.
De maneira geral, o que se percebe é que a coisa está sendo colocada assim: de um lado tem gente que não quer que isso seja usado, mas isso já foi aceito em 2015, já existe, se não me engano, uma portaria liberando isso. Agora precisamos de um estudo científico para ter segurança no tratamento do paciente.
Obrigado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Cabe resposta.
Tem a palavra o Dr. Leandro Ramires.
O SR. LEANDRO RAMIRES - Em primeiro lugar, eu agradeço pelos seus comentários.
Eu não disse que funciona para 100%. Nosso estudo mostrou que tem efeito em controle de 50% das crises e que, dentro de uma definição do que é epilepsia refratária, 78% dos pacientes tiveram benefícios. Eu não disse que funciona para todos.
Quanto ao número de 200 mil eu acho que o senhor se equivocou, porque eu mostrei o número de neurologistas por habitantes no meu Estado.
A ciência é fundamental. O que precisa acontecer é uma mudança de paradigma na busca da evidência. Dados são colocados, às vezes, de maneira irresponsável.
Escutei do representante do CFM que 30% da população jovem faz uso de Cannabis. Não foi isso que você disse? Ou é menos?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LEANDRO RAMIRES - Está bem. Então, 20% fazem a experimentação.
Mas pesquisa da FIOCRUZ limitada pelo Governo mostrou que 1,5% da população pesquisada, de 12 a 65 anos, fez uso de Cannabis nos últimos 30 dias. Então existem dados conflitantes. Por que a FIOCRUZ não pôde mostrar a realidade da Cannabis no Brasil?
A mesma pergunta, Deputado, foi feita sobre o álcool. Trinta por cento da população pesquisada, de 12 a 65 anos, fizeram uso de álcool nos últimos 30 dias. Quando se pergunta para essas pessoas se o uso problemático trouxe algum impacto na sua vida, o impacto negativo do álcool chega a ser o dobro do da Cannabis nessa pesquisa. Não estou dizendo que ela é verdadeira. Acho que uma pesquisa deve ser questionada, acho que uma pesquisa tem que ser feita novamente.
A questão aqui é uma discussão sobre o uso da Cannabis para fins medicinais. Nós usamos água para fins medicinais, usamos uma série de substâncias para fins medicinais, e eu acho que essa discussão não cabe.
Este evento aqui visa promover informação para os legisladores, a fim de que seja criada uma regulamentação que atenda os interesses da sociedade. Mas eu vejo uma discussão sobre o uso de drogas, e uma coisa não tem nada a ver com a outra. Inclusive, na nossa cartilha, o que propomos, num dos itens principais, é a proibição de qualquer publicidade, é a informação do jovem na escola sobre o uso problemático da Cannabis em todos os seus níveis. Nós queremos o bem da planta, e não o mal da planta.
16:20
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Este Plenário, esta instituição precisa entender que, se o Supremo tivesse permitido o porte, como a semente não é mais proibida, estaria resolvido o problema do paciente. Então, uma coisa é o sofredor, outra coisa é o legislador. Agora, a ciência tem que prevalecer com as ferramentas adequadas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Eu queria convidar para fazer uso da palavra o Deputado Alexandre Padilha.
V.Exa. está com a palavra, Deputado.
O SR. ALEXANDRE PADILHA (PT - SP) - Muito obrigado, Presidente.
Eu queria começar a partir da fala final do Dr. Leandro Ramires, porque eu acho que nós temos que ter o olhar, o coração, a alma e o nosso esforço de sabedoria, de produção de conhecimento, de produção científica, muito voltados para o sofredor.
Eu acho que esta Casa não pode de forma alguma esperar o STF, nem ficar dependente da ousadia, da coragem da ANVISA. Depois de finda a consulta pública, vai haver detalhamento da consulta pública. Então, precisamos avançar fortemente na regulamentação do uso da Cannabis medicinal em nosso País.
O Presidente Rodrigo Maia inclusive anunciou a possibilidade de se criar uma Comissão Especial para tratar de PLs que vão nesse sentido. Temos aqui PLs nesse sentido.
Eu acho que existe um conjunto de evidências das famílias, das pessoas. Quantos médicos não receitam cada vez mais os derivados de Cannabis, depois de garantida a possibilidade da importação? Nós estamos dificultando o acesso dessas famílias, das pessoas, dos pacientes, a um conjunto de situações, e hoje estão muito mais claros os efeitos terapêuticos que podem ter a Cannabis e seus derivados no cuidado dessas pessoas.
Segundo, quero repetir, o Brasil não pode perder a oportunidade econômica e de desenvolvimento tecnológico. Eu fiquei muito preocupado com a fala do representante do Ministério da Cidadania aqui, posicionando-se contra a autorização e a regulamentação do plantio para a produção de medicamento, para fins terapêuticos. O Brasil tem clima, tem terra, tem espaço para isso. Além disso, tem cultura e tem até tradição em plantar. Isso é real. O Brasil tem até tradição em plantar, provavelmente, desde muito antes de se transformar em uma droga ilícita. Nós vamos perder a oportunidade. Nós vamos ficar dependentes única e exclusivamente da produção sintética desses derivados, que têm dezenas e dezenas de patentes.
Nós somos dependentes na produção de medicamentos no nosso País e na importação de insumos. Nós vamos nos permitir ter outra área de dependência ou nós vamos utilizar o potencial enorme que nós temos de produção e com isso atrair a indústria, a inovação tecnológica, associar-nos à universidade, fazer parcerias com a indústria internacional que tem inclusive interesse em investir aqui no nosso País, tendo o Brasil uma característica que poucos países têm, que é o grande mercado público?
O grande fator atrativo do Brasil para a produção tecnológica de qualquer medicamento, de qualquer terapia, em primeiro lugar, é a diversidade que o nosso País tem, a diversidade genética, epidemiológica, a possibilidade de nós podermos, produzindo aqui, desenvolvendo tecnologia aqui, fazer estudos dos mais variados tipos, porque o Brasil tem diversidade epidemiológica, tem diversidade genética, fruto da nossa miscigenação, da imigração, do tamanho que tem o nosso País. Outro grande fator atrativo é o fato de nós termos um mercado público. Pouquíssimos sistemas nacionais públicos têm como obrigação garantir à população assistência farmacêutica integral, garantir que o medicamento chegue às pessoas independentemente de elas poderem pagar ou não. Do tamanho do sistema do Brasil não há nenhum. Não há nenhum sistema nacional público do mesmo tamanho que o do Brasil que tenha essa obrigação. Vários países têm sistemas tradicionais com copagamentos em que a pessoa tem que pagar, de forma integral, pela assistência farmacêutica, sem contar o sistema americano, que é totalmente privado. Portanto, nós não podemos perder esta oportunidade.
16:24
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Eu concordo com os temas trazidos pelo Dr. Lotufo, que eu respeito muito, assim como com o que meu colega e Deputado Dr. Luiz Ovando também apresentou. Há uma terceira dimensão: ao regulamentar e autorizar não só a circulação, mas também a comercialização e a produção da Cannabis e de seus derivados, bem como o plantio para a produção com efeitos terapêuticos, há uma lição de casa que precisa ser feita não só pelo Brasil, mas também pelo mundo todo, que é dar continuidade ao conjunto de pesquisa sobre a efetividade do tratamento e a finalidade a que se destina.
Mas vamos combinar, de todos os medicamentos registrados no Brasil, quais deles têm evidências de classe I para todos os tratamentos autorizados? São pouquíssimos, nós sabemos disso. É cada consenso e cada diretriz que sai sobre qualquer tema! Como médico, eu continuo atendendo. Eu estava revendo o último consenso sobre hipertensão. O que nós vemos de recomendações que são classe I chama a atenção. Nós achamos algumas que já eram classe I, mas não eram, porque não havia evidências.
Diante disso, o Brasil não pode perder a oportunidade de produzir pesquisa sobre o assunto. Para produzirmos pesquisa, nós precisamos dar este novo passo, ou seja, regulamentar a comercialização, a distribuição, o plantio, a produção terapêutica, os efeitos terapêuticos, para criar um ambiente mais produtivo para a produção de pesquisa sobre o tema e salvar famílias, aliviar o sofrimento de tantas pessoas que sofrem.
Quando surge a oportunidade de acesso a medicamentos por meio de importação, às vezes, a pessoa usa a própria renda, gasta volumes enormes de dinheiro, tem que encontrar o médico que pode dar a receita, para chegar à autorização da ANVISA. Nós estamos dificultando o acesso de milhões de brasileiros e, com isso, perdendo a grande oportunidade de, além de aliviar o sofrimento por que essas pessoas passam, produzir um grande parque de inovação tecnológica e de conhecimento no nosso País. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Convido o Deputado Alexandre Padilha a novamente tomar assento e assumir a Presidência dos trabalhos. Como nós estamos em votação, eu preciso ir ao plenário.
Convido para fazer uso da palavra a Sra. Margarete Santos de Brito, que aqui representa a Associação de Apoio a Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal — APEPI.
A SRA. MARGARETE SANTOS DE BRITO - Boa tarde a todos e a todas.
Eu represento, no Rio de Janeiro, a Associação de Apoio a Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal — APEPI. Eu sou mãe da Sofia e entrei nesta história no fim de 2013. De lá para cá, eu venho trabalhando nesta pauta para ajudar centenas de pacientes que nos procuram diariamente.
Eu queria falar com o Dr. João Paulo, que representa o Conselho Federal de Medicina. Quando vocês falam, eu sempre tento entender que, em algum ponto, nós devemos concordar. Eu venho tentando fazer o esforço de achar um meio do caminho onde haja algo com que devemos concordar. Não é possível que, nesses 5 anos, nós estejamos falando aqui sempre as mesmas coisas, mostrando que não existe a molécula sintética, que não existe o canabidiol puro e que o canabidiol puro não vai funcionar.
Eu queria que vocês tivessem ouvido o depoimento da Senadora Mara Gabrilli, que falou de manhã na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Ela relatou sua experiência individual e mostrou que começou a utilizar o produto, mas não funcionou. Hoje em dia, existem produtos que são purificados, que vêm dos Estados Unidos. A Senadora começou a fazer uso do extrato artesanal, quando descobriu diversos benefícios.
16:28
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Quando nós falamos sobre este assunto, às vezes parece bobagem, pois nós não temos a mesma credibilidade que tem uma pessoa como a Senadora Mara Gabrilli. Portanto, seria importante vocês, principalmente aqueles que são contra esse avanço, acharem esse vídeo que fala sobre o assunto.
É bom também deixarmos claro que, ao longo desses 5 anos que estamos vindo aqui sempre para falar as mesmas coisas, nós percebemos que as pessoas que mais travam o andamento desta pauta, nos últimos 5 ou 6 anos, são sempre o Ronaldo Laranjeira e o Osmar Terra, que são da ABP e do Conselho Federal de Medicina. Eles estão sempre fazendo declarações públicas contra o avanço desta pauta.
Isso representa um atraso! É uma pena que eles não estejam aqui para ouvir o que nós temos a dizer. É muito fácil a pessoa falar e ir embora. A pessoa emite opiniões equivocadas e depois vai embora, sem nem sequer ouvir o que as outras têm a dizer.
Portanto, eu lamento e reitero que estou à disposição para tirar qualquer dúvida. Nosso trabalho se baseia num fato social. Eu disse hoje de manhã na Comissão de Direitos Humanos do Senado e repito: esta medicina é baseada em evidências.
Quanto ao uso medicinal da Cannabis, talvez nós tenhamos que pensar fora da caixinha, porque se trata de uma medicina diferenciada. Como já foi explicado, há centenas de cepas, e nós temos nosso sistema endocanabinoide, que deve ser olhado de forma diferente.
Agradeço a todos.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Margarete.
Informo que temos várias perguntas daqueles que estão nos acompanhando pela Internet. Como o Deputado Fábio Mitidieri estava inscrito, passo a palavra a S.Exa. Na sequência, vou ler as várias perguntas que nos chegaram pela Internet. Antes, se o Deputado Ricardo Barros quiser fazer uso da palavra, S.Exa. tem preferência; caso contrário, a palavra retornará à Mesa.
O SR. FÁBIO MITIDIERI (PSD - SE) - Primeiro, como o dia está um pouco tumultuado na Casa, eu não tive como acompanhar todas as falas, mas quero deixar muito clara a importância desta audiência pública, Deputado Alexandre Padilha, e parabenizar V.Exa.
Aproveito para fazer um convite aos colegas. O Presidente Rodrigo Maia autorizou a criação de uma Comissão Especial para analisarmos o Projeto de Lei nº 399, de minha autoria, que tem por objeto regularizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da Cannabis sativa em sua formulação, notadamente para uso medicinal.
Para compor esta Comissão Especial, ainda há vagas a serem preenchidas: temos nove vagas para titulares no grupo do PSL, PP, PSD, MDB, PL, PRB, DEM, PSDB, PTB, PSC e PMN; duas vagas para titulares no grupo do PDT, Podemos, Solidariedade e outros; no grupo do PT, PSB e PSOL, há três vagas; para o NOVO, temos uma vaga.
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Portanto, faço um apelo aos colegas Deputados que tiverem interesse pelo tema para que se inscrevam ou peçam aos seus partidos que os incluam nesta Comissão Especial. Nós vamos trabalhar para que os outros partidos também façam as indicações para que a Comissão prospere. No ano passado, o Presidente Rodrigo Maia abriu a Comissão Especial, mas, por falta de membros, de Deputados interessados, a Comissão foi arquivada. Neste ano, ela foi reaberta. Agora nós precisamos que outros colegas participem. Aí, sim, nós teremos a Comissão instalada, quando poderemos dar um parecer ao PL e, assim, poderemos ter algo concreto que vire lei e regulamente esta situação.
Acho que já passou da hora de discutirmos este tema, Deputado Alexandre Padilha. Trata-se de um tabu que já foi superado pela sociedade, mas falta ser superado pelos Parlamentares. Eu entendo que, com o apoio de V.Exas., nós poderemos, sim, instalar esta Comissão e muito em breve poderemos ter uma lei para regulamentar este tema.
Nós estamos falando não do uso recreativo da Cannabis, mas, sim, do seu uso medicinal, que pode aliviar a dor de muitas pessoas que hoje sofrem com o tratamento de câncer. Ela apresenta resultados reconhecidos em todo o mundo. Portanto, não podemos ficar atrás. O Brasil, que é um país de ponta em várias áreas, também deveria tomar esta iniciativa.
Espero poder acompanhar um pouco mais as falas de V.Exas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Deputado Fábio Mitidieri. Eu já havia passado este informe e me colocado à disposição pelo meu partido, o Partido dos Trabalhadores, para fazer parte da Comissão.
Pelo que vejo, o Presidente Eduardo Costa prefere ficar por um tempo ao lado do Ministro Ricardo Barros.
Eu vou ler as perguntas que recebemos pela Internet. Eu gostaria que nossos convidados da Mesa pudessem anotá-las. Depois, passaremos a palavra ao Ministro Ricardo Barros e retornaremos à Mesa, para tirarmos possíveis dúvidas. Eu acho que não há nenhum Parlamentar que queira se posicionar.
Eis uma das perguntas: "Existe uma data para a ANVISA publicar a nova regulamentação?"
Conforme anunciamos aqui, a data de encerramento da consulta pública é 19 de agosto. Portanto, sugestões podem ser apresentadas até o dia 19 de agosto.
A pergunta seguinte é para o Dr. Quirino, do Ministério da Cidadania, que, no entanto, teve que se ausentar. Não sei se ficou algum representante. "Onde existe canabidiol sintético?" Talvez a ANVISA, o Dr. Ramires ou outros possam responder a esta pergunta.
Segue a pergunta feita pela Sra. Hellen Leite: "Boa tarde, Sr. Presidente. Qual a opinião sobre as associações que executam hoje, voluntariamente, um trabalho verdadeiro e significativo para a população? O interesse da ANVISA será monopolizar, de forma que a população não tenha o poder de escolha por formas alternativas de tratamento?"
A mesma Sra. Hellen Leite faz outro comentário: "Solicito que o doutor e psiquiatra leia em voz alta para todos da bancada e para o povo brasileiro a bula do Rivotril, seus efeitos colaterais, e faça um comparativo com os efeitos colaterais da maconha".
Sr. Leandro Lima: "Boa tarde. Análise de literatura mostrou que existem evidências crescentes, tanto epidemiológicas como biológicas, de que o uso de maconha pode desencadear o início da esquizofrenia, pelo menos em indivíduos predispostos". Ele está levantando este ponto como uma preocupação, sobretudo no uso abusivo do THC, dizendo que se dá apenas em quem já tem predisposição, e não em todos os indivíduos.
O Sr. Tiago Brasil pergunta se existe evidência de que a vaporização é um método válido de consumo desse remédio.
16:36
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São estas as perguntas.
Pergunto ao Ministro Ricardo Barros, Deputado e membro da nossa Comissão de Seguridade Social e Família, se gostaria de fazer uso da palavra.
O SR. RICARDO BARROS (Bloco/PP - PR) - Sr. Presidente, quero elogiar a iniciativa desta audiência pública. Este assunto, que já foi debatido em outros países, vai necessariamente se resolver rapidamente no nosso País. Nós temos a necessidade de tratamentos mais baratos e efetivos no Brasil, para cuidarmos de doenças que podem ser controladas com o uso do canabidiol. Eu acredito que nós vamos avançar neste sentido.
A ANVISA está determinada e já tem o tempo necessário para dar seu parecer sobre o tema. Já são anos de avaliação! Eu acredito que nós vamos ganhar muito com a definição de como utilizarmos o canabidiol no tratamento, especialmente, da paralisia cerebral e de outras doenças em relação às quais já houve comprovação de que há resultados efetivos com o uso desta substância.
É claro que há uma discussão quanto às variedades da planta — são muitas as variedades desta planta —, e nós, obviamente, precisamos escolher o caminho certo. Mas eu estou convencido de que este é um debate que interessa ao Brasil e pode reduzir muito, para o SUS, o custo de determinados tratamentos, especialmente se nós tivermos a liberdade de utilizar a planta adequada da forma mais simples. Pode ser, por exemplo, um chazinho. Isso pode resolver o problema perfeitamente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Ministro Ricardo Barros.
Como o Presidente Eduardo Costa já tinha me pedido, passo a palavra ao Sr. Sanford Stein, especialista que vai trazer um pouco da experiência em Chicago. Um colega vai traduzir sua manifestação.
Tem a palavra o Sr. Sanford Stein, por 3 minutos.
O SR. SANFORD STEIN - (Manifestação em língua estrangeira.)
O SR. INTÉRPRETE - Obrigado a todos, a todo o painel da Comissão, nesta tarde.
Meu nome é Sanford Stein, sou advogado nos Estados Unidos. Como sou norte-americano, sofro uma condição: eu falo apenas uma língua. Teremos a tradução.
Obrigado pela oportunidade de fazer esta introdução sobre a Cannabis medicinal nos Estados Unidos para vocês aqui hoje. Eu tenho 40 anos de experiência nos temas governamentais nos Estados Unidos. A leis relativas à Cannabis, no princípio, eram muito difíceis, mas, pelo trabalho com o Congresso dos Estados Unidos, nós estamos chegando a um ponto em que já estamos caminhando muito melhor. Vocês podem ver leis aprovadas em diferentes Estados.
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Como meu tempo é limitado, eu vou falar de algumas coisas que eu acho que seriam boas como o próximo passo a se seguir aqui no Brasil. São três os componentes cruciais para uma legislação e para o futuro: o processamento, a venda e o cultivo. É preciso assegurar o acesso a todos os pacientes que necessitam. Há uma regulação para todos os tipos de plantas que são cultivadas nos Estados Unidos, e a segurança é primordial. Nos Estados Unidos, é preciso que cada Estado liste os sintomas, porque eles são diferentes. Depois disso, o Estado qualifica, quando o médico faz a prescrição.
Este aqui é meu cartão, meu medical card. Eu também sou paciente. O médico teve que tomar esta decisão para que eu tivesse as condições de pegar este cartão no Estado de Illinois. Um médico licenciado no sistema de saúde nos Estados Unidos, do Estado de Illinois, deu-me este cartão baseado nas leis dos Estados Unidos e de Illinois. Apenas o departamento de saúde pública pode liberar e administrar este cartão. Com ele, eu posso comprar uma quantidade limitada em Chicago.
Eu recomendo a vocês que considerem as leis do Estado de Illinois, porque elas são as mais compreensíveis e as mais seguras em termos das legislações aprovadas.
Nos Estados Unidos, nós temos não só um governo federal, mas também a independência dos Estados. Muitas vezes, os Estados brigam entre si. Nesta experiência da Cannabis, nós já sabemos quais procedimentos funcionam e quais não funcionam.
Muito obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Sr. Stein.
Passo a Presidência dos trabalhos ao Deputado Eduardo Costa, autor do requerimento desta audiência pública.
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Obrigado, Ministro.
Passarei a palavra aos palestrantes para que cada um deles, no tempo de 3 minutos, faça as suas considerações finais e responda aos questionamentos feitos pela plateia ou mesmo via Internet.
Primeiro, tem a palavra o Dr. Leandro.
O SR. LEANDRO RAMIRES - Eu gostaria de agradecer a oportunidade ao Deputado Eduardo Costa e de fazer, mais uma vez, uma solicitação aos que têm mandato nesta Casa, porque é o que me compete.
Gostaria de deixar claro que no site da nossa associação, amame.org.br, estão todas as afirmações voltadas ao benefício médico da Cannabis, referenciadas com literatura científica, com todos os arquivos e artigos disponíveis para download. No site, não se faz apologia, demonstra-se o potencial terapêutico da Cannabis.
Eu ouvi dizer aqui que a Cannabis está fora dos Estados Unidos no que diz respeito à oncologia. Como cirurgião de câncer, eu quero dizer que o NCCN, que rege o padrão do tratamento de câncer nos Estados Unidos, prevê o uso da Cannabis para caquexia e para tolerância de quimioterápicos. E, realmente, isso melhora a sobrevida dos pacientes, simplesmente porque aqueles que fazem uso paliativo de Cannabis suportam melhor a quimioterapia, e os tratamentos são mais integrais.
E não é só isso. A própria Cannabis e o sistema endocanabinóide têm um mecanismo antineoplásico que, incrivelmente, não compete com a quimioterapia. É inteligente fazer junto as duas coisas. Nós precisamos mudar o paradigma. Nós precisamos entender que o Brasil tem tudo para ser um sucesso — insolação, condições de produzir. E eu acho que isso vai gerar emprego, renda, e vai mudar um pouco a sociedade brasileira.
Em casa não pode? Mas pode fazer cerveja artesanal com qualquer quantidade de álcool. Em casa não pode? Mas pode, com um alambique, fazer inúmeras garrafas de cachaça. Pode beber essa cachaça e sair no trânsito. Ninguém faz cachaça para tratar. Nós não estamos aqui defendendo o uso do extrato de uma planta para deixar alguém numa situação que não seja menos convulsão, menos agressão, menos dor de cabeça para familiares e cuidadores. Nós não estamos defendendo o uso da Cannabis por nenhum outro motivo que não o alívio. Essa é uma questão muito mais humanitária. As associações vão atender uma minoria de pessoas. Não cabem 10 milhões de pessoas nas associações.
Eu agradeço a oportunidade e espero que o Brasil caminhe para frente.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Deputado Dr. Luiz Ovando, V.Exa. quer usar a palavra?
O SR. DR. LUIZ OVANDO (PSL - MS) - O Ramires talvez tenha entendido errado o meu posicionamento. Só para sintetizar, Deputado, eu não questiono o efeito terapêutico da droga, do medicamento.
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O que percebemos é a preocupação do Conselho Federal de Medicina exatamente com o outro lado, ou seja, com a vulgarização do processo e a disseminação do uso recreativo. Essa é uma outra questão. Se fosse assim, não poderíamos usar os derivados da papoula, de onde vêm a morfina, a heroína, a papaverina, todos esses elementos que são fantásticos em uso hoje, inclusive o fentanil, que é um analgésico fantástico e que se faz necessário.
Quando se olha de forma muito apaixonada para um lado, a tendência é dar uma escorregadinha do ponto de vista da influência. Por isso, Ramires, eu levantei a questão.
Eu gostaria de saber — e por isso perguntei — qual percentual de convulsão resistente, refratária, que existe num tratamento normal de paciente em universo convulsivo; e aí você entra com a droga. Não é usá-la disseminadamente para todos, e a mesma coisa para a esclerose, para o canceroso e assim sucessivamente, para que possamos ter uma sistematização de ações médicas, uma hierarquização terapêutica desses casos.
Você está coberto de razão, nós temos que ir atrás. Eu não vejo motivo para ficar nessa amarra, nessa dificuldade que o País está enfrentando em termos de comercialização. Já está liberado, conforme disse o Dr. Ricardo Ferreira. Desde 2015 temos liberação e em 2017 começou, mas o preço é muito elevado. É importante caracterizar bem, porque sabemos dos riscos e das escorregadas que na terapêutica acabam acontecendo: isso serve para isso, isso serve para aquilo. É o off-label. Ele colocou muito bem, sabemos disso.
Existe, inclusive, uma série de trabalhos, principalmente na área de hipertensão, de dislipidemia, enfim, em que se começa a verem aqueles clássicos consagrados que, diante de medicamentos simples, realmente não perduram e não se sustentam, mostrando que é preciso estarmos muito atentos para isso.
Não podemos nos esquecer, e vou concluir, do livro Medicamentos mortais e crime organizado, do Peter Gotzsche, um sueco que trabalhou durante muitos anos em laboratório. O pessoal escorrega e vai empurrando, essa é a grande questão a que devemos estar atentos, mas isso não implica tirar o valor e a importância da medicação.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Retornando às considerações finais, convido o Dr. João Paulo Lotufo, representando o Conselho Federal de Medicina.
O SR. JOÃO PAULO BECKER LOTUFO - Dentro da pediatria temos uma patologia que tomou vulto muito grande: o refluxo gastroesofágico. Caim e Abel golfaram quando nasceram, e desde então toda a criança golfa, mas isso virou uma patologia contra a qual se usam três medicamentos que não têm estudo nenhum em criança, e tomou vulto muito grande nesse sentido.
Então, eu acho que o controle tem que existir. Quando se diz que discutimos por 5 anos as mesmas coisas, há dificuldade dos dois lados de escutar o outro lado. Nós não estamos contra, a Sociedade Brasileira de Pediatria apoiaria uma medida controlada no sentido de plantio, etc., mas temos que caminhar juntos na prevenção e na orientação da população para que não se caia para o outro lado. Quando se legalizou ou descriminalizou nos Estados Unidos, dobrou-se o uso da droga. Consequentemente, dobrou-se o número de mortes em acidente automobilístico e de intoxicações em adultos e crianças. É isso que queremos evitar.
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Então, temos que ouvir os dois lados. A prevenção é algo que deve acompanhar esse movimento de regulação da droga.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Agradecemos e passamos a palavra, por 3 minutos, à Sra. Cejana Passos, representando, aqui, a ANVISA.
A SRA. CEJANA PASSOS - Agradeço, Deputado Eduardo Costa.
Para nós é um momento muito feliz e oportuno estar aqui participando desta audiência. É oportuno porque é neste momento em que a agência está aberta a receber a contribuição sobre os dois textos.
Fundamentalmente, dedicou-se a abordar questões que foram aqui colocadas pela Mesa e por este Plenário, no sentido de permitir a pesquisa com insumo no Brasil e também o registro de medicamentos, valorizando o que disse aqui o Presidente da ANVISA: que a ideia é a produção nacional de medicamentos seguros, para que estejam disponíveis à população, mediante prescrição e acompanhamento do médico.
A agência tem a expectativa de, até o dia 19 de agosto, receber as contribuições, o que para nós, neste momento também é valioso. É muito valioso receber essas contribuições, a fim de que, ainda no segundo semestre, nós tenhamos chegado aos textos finais para a produção nacional, o cultivo da planta aqui no País, sob regras e condições determinadas, em atendimento aos compromissos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Com base neles, foi efetuada tanto a legislação de drogas, a Lei n° 11.343, de 2006, quanto o decreto do mesmo ano que a regulamentou.
Essas competências deixam a ANVISA dentro do seu papel de regulamentar o mercado farmacêutico. Dentro do mercado farmacêutico, estão compreendidas as indústrias e os produtores de medicamentos. Então, é fundamentalmente nesse âmbito que a agência tem competência para atuar.
Fora disso, nós não temos competência, e, por isso, os textos estão dedicados a respostas à questão de regulação, ao mandamento que a lei traz para que a ANVISA faça a regulamentação da pesquisa para a produção nacional, de acordo com evidências de tratamentos — que doses são seguras, para que públicos e doenças —, com o objetivo de que isso aconteça aqui no território nacional; e, da mesma forma, respostas à regulamentação para o registro e a venda desses medicamentos, atendendo ao dever da agência.
Em relação ao canabidiol sintético, a nossa resolução de registro pode receber propostas do setor farmacêutico para o registro tanto de medicamentos sintéticos como também de medicamentos naturais. Nós não temos conhecimento, ainda não chegou até a agência uma proposta de canabidiol sintético, mas existem outras moléculas sintéticas, e também existem disponíveis na natureza várias moléculas vegetais.
Todas essas estão abrangidas nas propostas que a agência realizou para que medicamentos possam ser registrados à base de substâncias que estejam amparadas na composição da Cannabis medicinal.
Então, novamente agradeço, Deputado Eduardo, o convite. A agência está sempre à disposição pelos nossos canais. As consultas estão disponíveis no portal da ANVISA para receber as mais diversas contribuições.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Nós é que agradecemos.
Passo a palavra ao Sr. Carlos Goulart, representando aqui o Ministério da Agricultura, para suas considerações finais.
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O SR. CARLOS GOULART - Obrigado, Deputado.
Gostaria de reiterar a disposição do Ministério da Agricultura de contribuir com o que for necessário para a discussão e para o avanço das regulações que exigirem a nossa participação.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Finalmente, tem a palavra ao Dr. Ricardo Ferreira, representante da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis, por 3 minutos.
O SR. RICARDO FERREIRA - Muito obrigado, Deputado.
Eu gostaria de aproveitar estes curtos minutos para tentar desmistificar essa questão do CBD e do THC. A planta da Cannabis pode ter tanto o canabidiol, que é o CBD, quanto o THC. Nenhum dos dois é bom ou ruim. Os dois têm valor medicinal, os dois têm valor terapêutico, só que um funciona melhor para determinada pessoa, e o outro funciona melhor para outra pessoa. É lógico que, como o CBD não tem o efeito psicoativo dissociativo, ou seja, não altera a sensação da percepção, o CBD sempre deve ser a primeira opção, mas muitas das vezes o CBD não funciona. Não funcionando o CBD, o paciente, às vezes, experimentando o THC, pode ter alívio da sua dor, pode ter alívio do seu sofrimento, pode ter alívio da epilepsia, pode ter alívio de doenças como o Parkinson e a esclerose múltipla. Não existe um canabinoide do bem e um canabinoide do mal. Tanto o CBD quanto o THC têm efeitos terapêuticos. Muitas das vezes, a combinação deles pode aumentar muito a eficácia terapêutica e pode inclusive reduzir o efeito psicoativo. Então, não existe essa questão de permitir apenas o CBD e banir o THC ou permitir apenas o THC ou proporções entre eles. A medicina precisa de combinações diferentes para pessoas diferentes. Nenhum remédio funciona para todo mundo. Não existe apenas um remédio para hipertensão. Existe na farmácia uma variedade, uma gama de medicamentos para hipertensão, justamente por causa disso, porque nenhum medicamento funciona para todo mundo. Uma pessoa vai se dar melhor com A, outra pessoa vai se dar melhor com B, outra pessoa vai se dar melhor com C, ou vai ter mais ou menos efeitos colaterais. Com a Cannabis ocorre a mesma coisa.
Como o nobre Deputado Ricardo Barros disse — e foi até surpreendente para mim ele conhecer isso —, existem inúmeras variedades de Cannabis, e essas variedades vão variar não só em relação a suas propriedades psicoativas, mas também em relação a suas propriedades terapêuticas, nessa combinação entre canabinoides, que são o CBD, o THC e mais uma centena de canabinoides. Há outras substâncias também presentes na planta, chamadas de "terpenos", substâncias que têm compostos aromáticos, que têm a possibilidade de fazer a modificação da percepção e da terapia da Cannabis, dependendo da espécie que se utiliza.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Antes de encerrar a reunião, eu passo a palavra à nossa ex-Deputada Cristiane Brasil.
A SRA. CRISTIANE BRASIL - Bom, eu queria parabenizar V.Exa. pela condução dos trabalhos, agradecer a presença de todos os palestrantes e parabenizar, pelo uso da palavra, cada um dos presentes, inclusive os nossos palestrantes, convidados, presentes e internacionais e os Deputados. Queria agradecer aos representantes da sociedade e das associações de pais que estiveram presentes nesta audiência.
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Queria ler um pequeno trecho de texto, disponível no portal da ANVISA, que fala sobre o Mevatyl, o Único medicamento Farmagrade — que tem grau de fármaco — que há no portal da ANVISA, a título de curiosidade: "O medicamento (...) e está aprovado em outros 28 países, incluindo Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Suíça e Israel".
Queria dizer a vocês, em especial ao nosso representante da CFM, o seguinte: "Conforme estudos clínicos realizados (...), a ocorrência de dependência com o seu uso é improvável". Mesmo que contenha THC e CBD, é um medicamento que não causa dependência. Isso significa que o THC não causa dependência, então, conforme estudos clínicos comprovados.
Se um medicamento passa por todos os graus de pesquisa, se foi feita pesquisa em 28 países, se é aprovado com grau de fármaco em 28 países e tem THC e CBD, isso significa que ele não pode ser plutônio, que ele não pode fazer tão mal para a saúde das pessoas e que ele é um remédio. Espero que ele seja usado no Brasil como remédio, para que milhares, milhões de pessoas possam se beneficiar desse medicamento e tratar suas doenças com esse medicamento no Brasil.
Agradeço à ANVISA por tomar a frente desse processo. Espero que em breve tenhamos as modificações necessárias na legislação, para que essa mudança de paradigma, essa quebra de preconceito aconteça na nossa sociedade.
Muito obrigada, Deputado Eduardo Costa, por estar à frente desse processo.
Muito obrigada a todos os presentes. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Costa. Bloco/PTB - PA) - Agradeço a contribuição da nossa querida ex-Deputada Cristiane Brasil, assim como agradeço aos senhores convidados pela ilustre presença.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, antes convocando reunião ordinária para esta quarta-feira, dia 10 de julho de 2019, às 9h30min, neste Plenário 7, para a discussão de itens da pauta.
Declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado a todos.
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