1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Ordinária)
Em 12 de Junho de 2019 (Quarta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:26
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Boa tarde. Vamos dar início à nossa audiência pública. Agradeço a presença a todos e a todas.
Ao saudar todas e todos aqui presentes, declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, destinada a debater a contaminação da água potável por agrotóxico no Brasil.
Esta reunião decorre de requerimento do Deputado Padre João, aprovado por esta Comissão.
O Brasil tem se destacado tanto na produção e exportação de commodities agrícolas quanto na produção de alimentos para o consumo da população. Não apenas os aspectos econômicos da produção agrícola devem ser debatidos. A utilização dos agrotóxicos é um assunto que interessa a toda a sociedade, e o debate deve ser profundo e isento, pensando não apenas em seus efeitos imediatos na produção, no meio ambiente e na saúde, mas também nas consequências para as futuras gerações, pois estamos falando do direito à vida com saúde.
Somos o maior consumidor de agrotóxicos do planeta em volume de produtos. Saímos da venda de 477 mil toneladas de ingredientes ativos, em 2012, para quase 550 mil toneladas em 2017. De 2007 a 2014, foram 25 mil pessoas intoxicadas, o que dá uma média de 8 intoxicações por dia. E esse número pode ser bem maior, em razão da subnotificação.
O aumento expressivo no registro de agrotóxicos deve ser analisado. Podemos citar o glifosato, o veneno mais consumido no Brasil. Em 2014, tínhamos 14 marcas registradas para comercialização, e 14 empresas o comercializavam. Até metade de abril de 2019, foram registradas 97 marcas, e 40 empresas estão aptas a comercializá-lo. Ao todo, temos mais de 2.200 marcas de agrotóxicos e mais de 300 ingredientes ativos registrados no Brasil.
Quanto à contaminação da água por agrotóxicos, tema específico desta audiência, é necessário saber precisamente quais os níveis de contaminação e se existem produtos já proibidos na água que consumimos.
Esperamos sair desta audiência com propostas com embasamento científico para o enfrentamento deste problema.
Esclareço, antes de chamar os expositores, que a ANVISA justificou sua ausência, informando que não tem competência para tratar do tema da contaminação da água por agrotóxicos. Nós recebemos uma comunicação da ANVISA há pouco. A comunicação veio hoje, às 12h06min. Está aqui o e-mail para quem quiser consultar.
Ademais, tendo em vista o espaço limitado na mesa, informo que comporemos uma Mesa estendida, considerando o grande número de expositores.
Dito isso, chamo para compor a Mesa o Sr. Murilo Mendonça Oliveira de Souza, representante da Associação Brasileira de Agroecologia. Seja bem-vindo! Convido também a Sra. Marcella Alves Teixeira, Coordenadora de Inteligência em Defesa Agropecuária da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Convido o Sr. Leomar Daroncho, Procurador do Trabalho e Diretor-Geral do Ministério Público do Trabalho. Também seja bem-vindo! Convido a Sra. Thais Araujo Cavendish, Coordenadora-Geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde. Também seja bem-vinda! Convido o Sr. Danilo Lourenço de Sousa, Coordenador de Controle Ambiental de Substâncias e Produtos Perigosos do IBAMA, que já está na mesa estendida. Muito obrigado pela presença. Convido também o Sr. Kleber Santos, Coordenador Nacional das Câmaras Especializadas de Agronomia do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia — CONFEA, que também já está posicionado ali. Muito obrigado. Por fim, convido o Sr. Jorge Machado, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva — ABRASCO. Muito obrigado.
14:30
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Esclareço que o tempo destinado aos expositores será de 12 minutos. As imagens e sons desta reunião estão sendo captados para transmissão ao vivo pela Internet e também para posterior registro de áudio e transcrição. Por isso, solicito que falem próximo ao microfone.
A audiência, para aqueles que desejarem, pode ser acompanhada ao vivo na página da Comissão de Direitos Humanos e no Facebook. Portanto, quem está presente e quiser divulgar o link do Facebook e também da página da Comissão de Direitos Humanos pode fazê-lo, para que assim mais pessoas acompanhem a nossa audiência.
Após as intervenções dos integrantes da Mesa, concederemos a palavra aos Deputados presentes por 3 minutos. Em seguida, vamos devolvê-la aos expositores da Mesa, para que façam suas considerações finais por 5 minutos.
Vamos, então, dar início às nossas exposições. Para isso, eu concedo a palavra ao Sr. Murilo Mendonça Oliveira de Souza, representante da Associação Brasileira de Agroecologia — ABA.
Antes de S.Sa. iniciar sua fala, registro a presença do Deputado Padre João, proponente desta audiência e 1º Vice-Presidente desta Comissão.
Tem a palavra o Sr. Murilo Mendonça Oliveira de Souza, pelo tempo de 12 minutos.
O SR. MURILO MENDONÇA OLIVEIRA DE SOUZA - Boa tarde a todos e a todas. Na pessoa do Sr. Leomar Daroncho, que tem lutado tanto com relação à questão dos agrotóxicos, cumprimento toda a Mesa, os companheiros que estão aqui para o debate e cada Deputado e Deputada desta Comissão.
A primeira coisa que quero fazer é ressaltar a importância deste debate na Comissão de Direitos Humanos. Temos um problema histórico relacionado à questão dos agrotóxicos no País, e é uma questão de direitos humanos. Há direitos humanos sendo violados no País, historicamente, e temos dado pouca atenção a esse processo.
14:34
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Temos realizado, na cidade de Goiás, o Seminário Nacional Agrotóxicos, Impactos Socioambientais e Direitos Humanos, que é exatamente o espaço em que temos tentado, por meio da Associação Brasileira de Agroecologia e da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, fazer essa relação entre direitos humanos — e há vários outros grupos nesse processo — e agrotóxicos. Deixo aqui o livro do evento com o Presidente da Comissão. Deputado Helder Salomão, está aqui o livro. Fica como presente para esta Comissão. E deixo o elogio com relação a todo o processo e luta desta Comissão e os parabéns a V.Exa. e ao Deputado Padre João, por esta iniciativa.
Meu nome é Murilo Mendonça. Sou da Associação Brasileira de Agroecologia, onde coordeno o Grupo de Trabalho sobre Agrotóxicos e Transgênicos. Eu e o Prof. Leonardo Melgarejo temos trabalhado muito na relação entre agrotóxicos e transgênicos e acompanhamos, entre várias outras temáticas com que temos trabalhado, essa pesquisa sobre a contaminação da água potável por agrotóxicos. Acompanhamos, paralelamente, esse trabalho que foi feito pela Agência Pública, pela Repórter Brasil e, principalmente, pela Public Eye, que foi quem teve o primeiro acesso aos dados e iniciou esse processo de estudo com relação aos dados de contaminação da água no Brasil. Realmente, os dados que temos já são alarmantes.
E, por convite exatamente desta Comissão, vou apresentar o estudo. Infelizmente, o pessoal da Public Eye, da Agência Pública e da Repórter Brasil, principalmente, não pôde estar presente para apresentar o estudo que, por direito, foi feito por eles. Eu vou cumprir a tarefa de apresentar esses dados, embora ache que quase todos já tenham tido acesso a esses dados, pelo menos de forma parcial. Quem não teve acesso a eles pode fazê-lo, eu acho, por celular. É um programa extremamente simples, e acho importante que todos tenham acesso a ele.
Então, eu vou passar algumas informações gerais com relação a esse estudo.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu acho que a primeira coisa a se falar é de onde vem essa investigação.
Essa investigação foi realizada pela Repórter Brasil, pela Agência Pública e pela Public Eye, uma organização da Suíça que já vem discutindo o tema, principalmente os agrotóxicos altamente tóxicos e altamente perigosos. E com esses dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano — SISAGUA, eles iniciaram essa discussão sobre a água.
Os dados do SISAGUA, do Ministério da Saúde, reúnem os resultados dos testes que mediram a presença de 27 agrotóxicos na água — depois vamos falar muito rapidamente quais são esses agrotóxicos. Essas informações são coletadas, normalmente, por meio de testes feitos nos Estados pelas empresas que realizam o abastecimento de água. Depois eles são repassados para o Ministério da Saúde para a constituição do SISAGUA.
O Prof. Pignati, do Mato Grosso, tem batido muito na questão da norma de potabilidade da água. Durante anos, houve aumento dos agrotóxicos, fizemos os testes, mas ainda permitimos que esses agrotóxicos estejam presentes na nossa água potável. Então, hoje pode haver 27 agrotóxicos num copo de água potável que essa água, ainda assim, vai ser considerada potável, desde que a concentração de agrotóxicos esteja dentro dos valores máximos permitidos de resíduos. Isso nós vamos ver depois também. Com certeza, a Mesa vai abordar esse assunto. Esses valores estão muito além do que a Europa permite.
A lei brasileira determina que os fornecedores de água no Brasil são responsáveis por realizar os testes a cada 6 meses. Então, a cada 6 meses, essas empresas que abastecem de água os Municípios são obrigadas a fazer essas análises e a apresentá-las ao Governo Federal.
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A base de dados traz o código VPM, que é o Valor Máximo Permitido — vamos ver os dados depois —, que indica qual é a concentração máxima na água que é considerada segura no Brasil.
Além do número de agrotóxicos na água, por cidade, constante deste estudo da Repórter Brasil, da Public Eye e da Agência Pública, os dados permitem também enxergar que há concentração dessas substâncias. Então, além de se verificar uma quantidade de agrotóxicos na água potável — e foi muito divulgado o estudo com relação ao coquetel de agrotóxicos encontrado na água, com 27 tipos —, consegue-se ver também, pelo estudo, pelas análises realizadas pelo SISAGUA, a concentração em microgramas por litro.
Então, o que a Repórter Brasil, a Agência Pública e a Public Eye fizeram? Fizeram dois mapas de forma geral. Este é o estudo. O primeiro deles fala do número de agrotóxicos presentes em cada amostra analisada. E o segundo fala da concentração de cada princípio ativo. Aí eles fazem essa comparação, utilizando bastante o estudo também da Profa. Larissa Bombardi, da USP, que fez essa relação entre Europa e Brasil a respeito da quantidade de resíduos máximos permitidos na água. O estudo utiliza esses dados da Profa. Larissa também para fazer essa comparação.
Este é um quadro que fizemos agora na ABA, que mostra qual é a toxicidade de cada agrotóxico. Na coluna da esquerda estão todos os agrotóxicos. Na sequência, eu vou apresentar os demais. Em vermelho, estão indicados os agrotóxicos autorizados; em verde, os proibidos. E as colunas indicam a situação no Brasil e na Europa. Então, o que está na cor verde ali são os que estão proibidos tanto no Brasil como na Europa, e os que estão na cor vermelha são os que estão autorizados, infelizmente. E, na relação de agrotóxicos ali estão: anacloro, aldicarbe, atrazina, carbendazim+benomil, carbofurano, clopirifós, clordano, DDT, entre outros que estamos vendo. Destaco o glifosato, que compõe hoje, pelo menos, 46% de todos os agrotóxicos utilizados no País e que tem apresentado várias questões relacionadas à saúde.
E, na última coluna, aparecem alguns problemas apresentados por esses agrotóxicos, principalmente com relação à saúde, mas também com relação ao impacto no meio ambiente, sobretudo a intoxicação de abelhas. Todos os 27 agrotóxicos encontrados na água, neste estudo, têm alguma relação com impacto à saúde, como vemos ali — distúrbios endócrinos, danos ao DNA, etc.; vários estudos têm sido feitos nesse sentido —, entre vários outros, e principalmente impacto sobre as abelhas.
Esta é a sequência da tabela, com destaque para o 2,4-D, que também é extremamente tóxico.
Aqui temos um mapa. É extremamente importante que tenhamos acesso a ele na plataforma digital interativa. Neste mapa pode-se ver, em cada Município, quais são os agrotóxicos encontrados na água e a concentração deles. Este é o primeiro mapa. O coquetel com 27 agrotóxicos foi achado em um de cada quatro Municípios brasileiros. Então, na parte mais escura do mapa, estão os Municípios em que foram encontrados todos os 27 agrotóxicos analisados.
É importante falarmos que muitos outros Municípios deveriam ser também analisados, como na Bahia, onde o próprio Ministério Público tem trabalhado, por intermédio da Dra. Luciana Cury, para tentar incluir outros agrotóxicos que devem ser analisados e que são utilizados em proporção muito grande também.
Vemos aqui Tocantins, Mato Grosso do Sul — que não é o maior consumidor de agrotóxico, mas, talvez, seja o Estado em que mais tem crescido o uso de agrotóxicos nos últimos anos —, São Paulo, Paraná e Santa Catarina com nível de contaminação, pela quantidade muito alta de agrotóxicos encontrados.
No Mato Grosso, há muitos espaços porque os dados das cidades não têm sido enviados.
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Os espaços em branco dizem respeito aos Municípios que não enviam suas informações ao Ministério da Saúde, portanto não entram no SISAGUA. O centro de Mato Grosso talvez seja o território que mais utiliza agrotóxicos no País, mas, infelizmente, os Municípios não enviam os dados ou não fazem os testes. Depois nós veremos o mapa que mostra o uso de agrotóxicos no País.
Aqui está o coquetel tóxico, que também consta do estudo da Public Eye, em que estão as cidades que detectaram o uso de todos os 27 agrotóxicos, com destaque para São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Do Estado de São Paulo, 504 Municípios tiveram resultados que apresentaram os 27 agrotóxicos que foram testados na água que é disponibilizada.
Aqui temos os Estados nos quais este coquetel foi encontrado com frequência. Os testes foram analisados entre 2014 e 2017. São Paulo tem 66 cidades nas quais anualmente foi encontrado o coquetel de agrotóxicos, de 2014 a 2017.
Aqui temos o mapa da concentração. A maioria dos agrotóxicos encontrados estão abaixo do limite máximo permitido pela legislação brasileira, mas eles estão acima do que é permitido pela União Europeia. Dos limites permitidos no Brasil, talvez este seja o maior problema: são extremamente altos e contrastam de forma muito intensa com o que é permitido na Europa e em outros países.
É importante destacarmos o sudeste da Bahia, o sul e o sudeste de Mato Grosso. Na Bahia, principalmente na região onde fica o Matopiba, algumas regiões encontraram altas concentrações de grande parte de agrotóxicos. Entre 15 e 23 agrotóxicos foram encontrados em concentrações acima do valor máximo permitido. Chama atenção a região do Matopiba, entre Tocantins, Bahia, Piauí e Maranhão. Há outros dados que pesquisadores apresentaram sobre o Piauí e sobre o Maranhão que demonstram que com certeza teríamos contaminação no Piauí, no Maranhão, se estes dados estivessem sendo enviados, talvez em concentrações mais altas em Tocantins.
Aqui temos o limite de segurança para a água — esta questão foi mencionada pelo estudo. Foram detectados 86,3% de agrotóxicos nas amostras analisadas, é claro que acima do limite considerado seguro no Brasil, uma quantidade em 0,3% apenas dos Municípios analisados. Depois nós veremos os dados que comparam os limites máximos no Brasil com os limites máximos na Europa. Nós vemos que é uma agressão a quantidade de agrotóxicos aceita na água brasileira.
Aqui podemos ver a concentração de agrotóxicos na água, com efeitos crônicos para a saúde humana. Trata-se de agrotóxicos proibidos na União Europeia. Segue a quantidade de agrotóxicos encontrados: clordano, anacloro e diuron. Estes dados foram apresentados pelo estudo. Nós ainda encontramos grande quantidade de agrotóxicos na água brasileira e de princípios ativos que estão proibidos não só na Europa, mas também nos Estados Unidos, além de outros países.
Aqui podemos ver, provavelmente, o maior impacto em se tratando de concentração. Foi algo que gerou o estudo. A Public Eye suíça chega ao Brasil para fazer o estudo sobre a atrazina e agrotóxicos altamente tóxicos — o foco era a Syngenta. O glifosato é um dos mais consumidos no País, e, no caso da atrazina, que provavelmente deve estar em segundo ou em terceiro lugar, foi encontrada uma quantidade extremamente alta de agrotóxico.
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Por que tanta diferença — acho importante frisar — que vem dos estudos da Larissa Bombardi na comparação entre o limite máximo permitido na Europa e o limite máximo permitido no Brasil do herbicida 2,4-D? Na Europa, o limite é de 0,1 micrograma e, no Brasil, é de 30 — uma diferença de 300%; do clorpirifós, de 300%; do diuron, de 900%. Eu chamo a atenção para o caso do glifosato: o que é permitido no Brasil são 5 mil vezes maior do que o limite permitido na Europa.
Finalizando, gostaria de falar da produção, para apresentar o centro de Mato Grosso, sobre o qual não temos dados. Quando pegamos os dados sobre o consumo de agrotóxicos, vemos que o consumo de agrotóxicos é extremamente alto. Chamo a atenção para a falta de monitoramento. Os dados mostram que, dos 5.570 Municípios brasileiros, 2.931 não realizaram os testes. A não realização de testes é mais um problema.
Quanto aos agrotóxicos proibidos, do total de 27 pesticidas que há na água dos brasileiros, 21 estão proibidos na União Europeia. Dos 27, são proibidos 21 na União Europeia. Quanto à mistura de agrotóxicos, o dado é extremamente preocupante, porque a União Europeia busca restringir a mistura destas substâncias. Na Europa, o máximo permitido na mistura de vários agrotóxicos na água é de 0,5 micrograma em cada litro de água, somando-se todos os agrotóxicos encontrados. No Brasil, o problema é que apenas os limites individuais são medidos. Assim, tomando-se todos os limites permitidos para cada um dos agrotóxicos monitorados, a mistura na nossa água pode chegar a 1.353 microgramas, ou seja, de 0,5 a 1.353 microgramas por litro, sem preocupar ninguém. Este valor equivale a 2.706 vezes mais do que o limite permitido na União Europeia. Trata-se de um grande problema. Quanto à mistura, a nova legislação do PL do Veneno vai regularizar principalmente a mistura e os diferentes tipos ativos.
Para finalizar, lembro o caso de Rio Verde, sobre a pulverização da escola no Pontal do Buriti, que completou 6 anos agora em maio. Foi exatamente a mistura de dois princípios ativos, o lambda-cialotrina e o tiametoxam, que compõem o inseticida engeo pleno. Nós não temos ideia alguma do que esta mistura causa de fato. É isso que acontece com a água do nosso País. Nós temos um coquetel, como o próprio estudo menciona, de 27 agrotóxicos, e não temos ideia do que isso pode causar à saúde humana e ao meio ambiente.
Meu abraço a todos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Murilo Mendonça Oliveira de Souza.
Como podemos ver, o problema é gravíssimo. Esta audiência vai nos ajudar a entender com mais profundidade os desafios que nós temos em relação a este tema trazido pelo Deputado Padre João.
Passo a palavra à Sra. Marcella Alves Teixeira, Coordenadora de Inteligência em Defesa Agropecuária da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. S.Sa. dispõe de 12 minutos.
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A SRA. MARCELLA ALVES TEIXEIRA - Boa tarde a todos.
Como já foi dito, eu trabalho na Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura. O Ministério passou por uma reestruturação e possui agora um setor que trabalha especificamente com análise de dados. Assim que se iniciou a discussão sobre os dados do SISAGUA, foi solicitado ao nosso departamento que fizéssemos uma avaliação destes dados, de forma a subsidiar o Secretário, caso fosse necessária uma tomada de decisões.
Eu vou mostrar a vocês um pouquinho do que a Secretaria de Defesa Agropecuária faz quanto à regulação de agrotóxicos e o que temos no Ministério da Agricultura sobre o monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos, área de competência do Ministério da Agricultura.
(Segue-se exibição de imagens.)
A Secretaria de Defesa Agropecuária trabalha com regulação em toda a cadeia produtiva de produtos de origem vegetal e animal. Porém, eu vou focar os produtos de origem vegetal. Nós garantimos a qualidade dos insumos, desde o preparo do solo com fertilizantes, passando à garantia de inocuidade das sementes e, é claro, aos produtos finais: os produtos vegetais e seus subprodutos. Quando se começa a falar sobre os ciclos de produção, é importante pensarmos que a questão é também de natureza econômica. Qualquer pessoa que produz algum produto tem algum interesse econômico. Na produção agropecuária, em se tratando de produtos vegetais, cerca de 50% dos custos com a produção se devem à obtenção de insumos.
Este dado que eu estou mencionando diz respeito à cultura de milho em Minas Gerais, mas nós temos o mesmo tipo de informação sobre várias outras culturas em outras regiões do Brasil que corroboram esta informação. Neste caso, estamos falando da necessidade de um empresário ou um agricultor fazer um bom manejo do seu sistema produtivo, de forma a manter uma margem de lucro sustentável para a atividade que exerce.
Quanto à defesa agropecuária, eu já falei dos fertilizantes e sementes. Uma das coisas que nos preocupa em se tratando de defesa agropecuária são as pragas que atacam os sistemas produtivos. No Ministério da Agricultura, já se levantaram vários dados, e vários artigos científicos mostram que diferentes pragas levam a diferentes impactos econômicos. Assim, o não controle de determinadas pragas pode acarretar a perda de 10 bilhões a 40 bilhões de reais ao ano. Existem alguns outros dados mundiais que são um pouco mais catastróficos, mas eu vou me manter falando sobre o Brasil — nossa referência é o nosso País.
A Secretaria de Defesa Agropecuária, quando faz o controle de pragas, para o qual nós lançamos mão de diversas formas de manejo integrado, determina, por exemplo, o vazio sanitário, que é a proibição de plantio de determinadas culturas em certas épocas do ano, ou o uso de práticas culturais para evitar a necessidade do incremento de custo ao produtor, que seria a obtenção de determinados insumos. Um deles, é claro, são os agrotóxicos.
O tema agrotóxico é extremamente regulado no Brasil. Três órgãos federais trabalham na regulação destes produtos. Eu vou falar de regulação porque as pessoas falam bastante sobre o registro dos produtos, mas se esquecem um pouco das atividades pós-registro que nós executamos.
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O Ministério da Agricultura, a ANVISA e o IBAMA vêm, historicamente, fazendo vários ajustes nos procedimentos, para regularem estes produtos da forma que consideram mais apropriada, considerando as missões das suas instituições.
Ainda falando sobre regulação, a primeira etapa é o registro, e os três órgãos se manifestam quanto ao registro dos produtos. Depois há outras etapas muito importantes, mas muito pouco consideradas pela mídia e pela sociedade: a fiscalização e o monitoramento. O Ministério da Agricultura fiscaliza a produção e a entrada de agrotóxicos no Brasil. A fiscalização do uso e do comércio de agrotóxicos não é de competência federal: é de competência estadual. No entanto, o Ministério da Agricultura trabalha bastante com os Estados para viabilizar estas atividades.
Eu vou falar um pouco sobre o monitoramento de produtos de origem vegetal, que é de competência do Ministério da Agricultura. Todas estas informações e, é claro, as novas informações obtidas no meio científico podem ser utilizadas para fazer o processo de reavaliação dos produtos, que é um processo feito continuamente, tanto pelo IBAMA como pela ANVISA. O Ministério da Agricultura toma parte neste processo de forma ativa. Nós também fazemos reavaliações quando consideramos que os agrotóxicos apresentam alguma redução de eficiência, talvez para o controle de pragas na agricultura.
Nosso sistema de monitoramento de agrotóxicos em produtos de origem vegetal é feito de acordo com o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes, que monitora tanto as micotoxinas como os contaminantes biológicos e, é claro, os agrotóxicos, que representam uma parte bem robusta do nosso plano.
O monitoramento é dividido em quatro subtemas ou submonitoramentos. O primeiro deles busca tirar uma fotografia do produto vegetal brasileiro, mostrando qual é a frequência e a existência de resíduos nos produtos vegetais. Nós também coletamos amostras de produtos importados. O Subprograma Exploratório é aquele em que nós monitoramos a presença de moléculas não autorizadas para determinadas culturas. Se o glifosato não fosse autorizado, por exemplo, no cultivo de uva, ainda assim nós pesquisaríamos o glifosato neste caso, para identificar, talvez, o desvio do uso.
O Ministério da Agricultura não faz todo este monitoramento apenas para a geração de dados. Eles também são analisados, mas cada resultado de monitoramento, havendo alguma violação, leva a um processo de investigação que garante a rastreabilidade até o produtor. Assim, o Ministério da Agricultura tem estrutura para fazer todas as medidas de fiscalização e de controle necessárias, tanto por meio da estrutura do próprio Ministério, como por meio da rede de suporte dos Estados e dos Municípios.
Eu falei um pouco sobre as coisas que nós fiscalizamos e monitoramos para falar dos resíduos na água. Quando se iniciou esta discussão, eu peguei todos os dados do SISAGUA. Na época, nós tínhamos os dados de 2014 e de 2017. Eu tenho dados recentes, de 2018. Nós fizemos toda uma avaliação e, caso seja do interesse de alguém, podemos passar as avaliações.
Assim como o Ministério da Agricultura, o Ministério da Saúde também determina que sejam monitorados diversos contaminantes, não apenas os agrotóxicos, já que estes fazem parte da preocupação destes Ministérios.
Eu friso que considerei o trabalho que o Ministério da Saúde já desenvolveu ao estabelecer que existem valores máximos permitidos. A Pasta é o órgão soberano no nosso País para fazer esta definição. Assim, tudo o que foi considerado acima e que o Ministério da Agricultura consideraria como violação está em azul. Aquilo que foi considerado dentro dos valores permitidos pelo Ministério da Saúde está em vermelho, segundo as imagens.
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Como podemos ver, o caso de agrotóxicos, entre os exemplos que eu citei, é o que tem a menor prevalência de inconformidades. Talvez tenhamos que nos questionar um pouco sobre esta informação.
Avaliando os dados históricos, esta é a análise inicial que nós fizemos, a conformidade, novamente considerando os valores máximos permitidos e estabelecidos pela legislação brasileira, não a europeia. O índice de conformidade é extremamente alto, enquanto a média histórica seria de 99,6%.
Cada Município faz seu mapa. O mapa que nós fizemos foi o mapa das inconformidades. Os Municípios em que ocorreram tais inconformidades estão marcados em vermelho. Realmente existe uma prevalência de contaminação ou de detecção de agrotóxicos no Estado da Bahia, que já foi discutida anteriormente. Eu acredito que o Ministério da Saúde já tenha feito todas as análises necessárias sobre esta temática e a prevalência de agrotóxicos nestes Municípios.
Chamou minha atenção algo que o Murilo mencionou: a inexistência de dados de 2.931 Municípios. Qualquer avaliação que nós fizermos, dizendo que um Estado é mais contaminado que o outro, se não for considerada a prevalência de dados de determinados Municípios e determinados Estados, a variação será estatisticamente muito falha. Portanto, nós temos que tomar muito cuidado quando mostramos os dados.
Eu fiz o seguinte levantamento. Peguei todos os 27 ingredientes ativos que são monitorados e mostrei qual é o número de violações e a porcentagem. Num cenário extremamente conservador, considerando 0,5% de inconformidade, nós temos quatro ingredientes ativos que foram encontrados em valores acima do permitido. Eu tenho certeza de que a Thais vai falar mais sobre este ponto.
A FAO tem documentos que mostram que se espera que estes produtos sejam encontrados porque são produtos de alta persistência no meio ambiente. Estes, sim, são produtos proibidos no Brasil. Existe uma razão para o Ministério da Saúde monitorar exatamente os produtos proibidos no País.
Outra coisa que foi dita é que os produtos são altamente tóxicos. Qualquer pessoa pode acessar o site da ANVISA e pegar as monografias sobre cada ingrediente ativo. Eu fiz este trabalho e trouxe a classificação toxicológica de cada um dos ingredientes ativos monitorados.
À esquerda, temos os ingredientes autorizados no Brasil. Podemos ver que há três produtos com classificação toxicológica alta. Eles são altamente, extremamente tóxicos. Os restantes são moderadamente tóxicos. Eu não vou entrar na discussão se se trata de um produto tóxico ou não. Isso não é da minha competência. Mas é uma informação que eu acho que todo mundo tem que analisar.
Voltando para as experiências do Ministério da Agricultura em relação ao monitoramento dos agrotóxicos, nossas competências são o registro e a fiscalização destas moléculas. Elas são claramente determinadas na legislação de agrotóxicos e na legislação interna do Ministério.
Nós fazemos, sim, o monitoramento de resíduos de agrotóxicos em produtos agropecuários. Eu mostro que o índice de conformidade é muito alto. Estes dados estão divulgados pelo Ministério.
Uma coisa que eu acho muito importante na atividade do Ministério é a ação posterior ao monitoramento: a fiscalização e, caso necessário, punição de quem infringe a legislação. Eu acredito que este também será um tema abordado durante esta discussão.
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Nós trabalhamos com comunicação de risco. Acho que todo mundo aqui se lembra do período em que nós tínhamos os resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos — PARA, da ANVISA, que mostravam os resultados de resíduos de agrotóxicos em alimentos. A comunicação daqueles dados era feita de forma bem diferente da que é feita atualmente. Assim, tanto o Ministério da Agricultura como a ANVISA trabalham em conjunto hoje para fazer uma divulgação mais robusta e para planejar melhor os dois programas de monitoramento.
O escopo do nosso programa começou com 17 culturas e, acho, 900 amostras coletadas. Hoje nós temos 36 culturas e 2.500 amostras coletadas. A análise é multirresidual. Nós não fiscalizamos apenas alguns agrotóxicos: são centenas de moléculas pesquisadas. As informações estão todas disponíveis no site do Ministério da Agricultura.
A intenção é mostrar claramente o escopo das atividades do Ministério e colocá-lo à disposição para qualquer discussão que vier a ser feita e qualquer auxílio que for necessário.
Se algum presente quiser fazer algum contato, posso passar o e-mail institucional da nossa coordenação. Nós fazemos a avaliação de risco e a análise de vários dados. Estamos no Departamento de Suporte e Normas da Secretaria de Defesa Agropecuária. Posso deixar também nosso telefone.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço à Sra. Marcella Alves Teixeira a exposição.
Antes de passar a palavra ao próximo expositor, registro a presença do Deputado Frei Anastácio, que já está inscrito para falar após as exposições. Lembro que o Deputado é membro desta Comissão.
Registro a presença também do nosso amigo Deputado Pedro Uczai, de Santa Catarina, a quem agradeço a presença.
Agradeço a presença de todos e de todas nesta audiência pública.
Dando continuidade à nossa audiência pública, passo a palavra ao Sr. Leomar Daroncho, Procurador do Trabalho e Diretor-Geral do Ministério Público do Trabalho. S.Sa. dispõe de 12 minutos.
O SR. LEOMAR DARONCHO - Muito boa tarde. Muito obrigado.
Parabenizo os Deputados Helder Salomão e Padre João pela iniciativa.
Infelizmente, o tempo é muito curto. Eu fiquei imaginando que a colega Marcella bebe água com tranquilidade, tendo em vista as informações que ela nos passou aqui.
Em Brasília, nós estamos protegidos pela ignorância porque, pelo que eu fiquei sabendo, Brasília não informou os dados. Desta forma, nós podemos continuar bebendo água tranquilamente, porque as informações não nos foram passadas. Portanto, nós estamos seguros. Em Goiânia, aqui perto, eu lembro o número: são 20 agrotóxicos na água potável.
(Segue-se exibição de imagens.)
O problema da água é grave, mas a questão dos agrotóxicos não se resume a isso. A água é apenas uma das manifestações.
Com base nesta imagem inicial, eu lembro o problema das abelhas em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, onde houver abelha. Fazendo uma pequena propaganda, quem puder assista à série Rotten, que está disponível. Ela conta o problema das abelhas e do mel. Há até aluguel de colmeias, porque algumas regiões já não têm mais abelhas para fazerem a polinização. Em Mato Grosso do Sul, há o problema do bicho-da-seda, além da mortandade. Aliás, nós acabamos de ouvir que é pesquisada a questão do glifosato na uva, e, no Sul, também está havendo problema do glifosato na uva, por causa da deriva. São marcadores, seres vivos, animais e vegetais, que estão nos indicando um problema, mas este problema está chegando ao ser humano também, pela água e por outras vias.
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Eu me lembro de ter estado há mais ou menos uns 2 anos numa cidade importante, uma importante fronteira agrícola no interior de Mato Grosso, em um dos Municípios que é um dos maiores produtores e mais consome veneno. Nós fomos a um hospital, falamos com um ginecologista e obstetra da cidade — só havia um —, o gerente do banco, a freira que dirigia o hospital. Perguntamos: "Mas este tanto de veneno aqui tem algum problema?" Eles começavam a pensar: "Que problema?" Aí começavam a lembrar: muitos casos de aborto espontâneo, partos precoces, crianças nascendo com má-formação.
Eu até sugiro ao Deputado Padre João, se houver outro evento, que convide a Dra. Silvia Brandalise, do hospital do câncer infantil em Campinas. O depoimento dela é avassalador! Mostra os casos e a origem das crianças que vão se tratar num hospital de referência no tratamento do câncer pediátrico. É possível cruzar as informações dos Municípios que mais consomem com aqueles que apresentam as maiores manifestações de doenças crônicas. A maioria das informações sobre dados que nós passamos aqui dizem respeito a manifestações agudas, imediatas, como o caso que esta freira mencionou no hospital em Mato Grosso: o trabalhador chega com banho de veneno, e eles têm que tirar o trabalhador do hospital, lavar do lado de fora, como ocorre num lava-jato, e ensacar a roupa. Senão, o hospital fica contaminado. Estes casos impressionam. Mais do que isso, eu acho que temos que ficar preocupados com as contaminações crônicas, que se dão ao longo do tempo, e, depois, nem se consegue mais estabelecer o nexo, por que se desenvolveu determinado tipo de câncer.
Em Mato Grosso, entre os filhos de procuradores e juízes que trabalham do no interior, há alto índice de autismo. Autismo é doença de rico, de quem tem um nível de informação para buscar o diagnóstico e tem dinheiro para isso. É caro! Então, filho de pobre não sofre autismo. Ele é "burro", "não aprende", não sei o quê mais. São várias desqualificantes. "Não adianta ir para a escola".
Nós precisamos buscar estas informações. A Organização Mundial da Saúde tem um dado que nos impressiona muito: apenas 2% dos casos de intoxicação são registrados. Nós temos um universo de informações para ser levado para dentro dos dados oficiais. Temos um problema de elevação dos índices de suicídios. Há uma pesquisa sendo feita pela Universidade Federal de Mato Grosso na região de intenso consumo.
Eu ouvi, na primeira exposição feita aqui, a referência de que alguns dos agrotóxicos têm uma atuação como desreguladores endócrinos. Se desregulam nosso sistema endócrino, são várias as consequências: depressões, problemas psíquicos etc. Precisamos cuidar disso. Há um universo de problemas que precisamos investigar.
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Eu tenho um problema: temos muita informação, mas estamos limitados pelo tempo. Então, eu tenho feito a apresentação ao contrário, ou seja, faço o spoiler e depois vou até aonde dá. E me interessa um pouco apresentar uma solução, senão ficamos apontando o problema e nunca discutimos a solução.
Há um problema grave na via do financiamento, que tem que ser tratado para tornar viáveis alternativas menos agressivas. Há um problema na pesquisa — não apenas na pesquisa desse modelo químico-dependente, mas também na pesquisa de modelos menos agressivos. Não é preciso ser comunista para falar isso, pois está na Constituição. Os dois estão em dispositivos da Constituição, da nossa ordem econômica. Precisamos resolver isso. É necessário que a pesquisa e o financiamento considerem o impacto ambiental daquilo que está sendo estimulado. Nós temos que apoiar métodos menos agressivos, além de instigar e cobrar a fiscalização. É aquilo que a Dra. Marcella estava falando aqui: é preciso que isso realmente exista. Aqui em Brasília, pensamos que isso existe, mas não existe, principalmente no interior. Ninguém fiscaliza pulverização aérea. Eu vou mostrar, à frente, fotos de pulverização aérea.
Portanto, devemos instigar e cobrar fiscalização, além de fazer incidir o custo real da produção. No mercado, vemos na gôndola o produto com veneno e o produto sem veneno, e um é mais caro do que o outro. Eu pergunto: será que ele é mais caro ou será que não está sendo cobrado tudo o que o mais barato custa? Quanto ele custa para a saúde pública? Quanto o Erário vai despender para curar aqueles que se contaminam com aquele produto que parece mais barato?
É preciso mobilizar a sociedade e informá-la de verdade. Todas as vezes em que aquele programa de sexta-feira à noite da Globo foca — isso acontece com alguma frequência — os produtos que apresentaram maior incidência de resíduos de agrotóxicos e fala de pepino, de abobrinha, de pimentão, de tomate e de mais alguma coisa, no outro dia, o CEASA não vende aquele produto. Todo o mundo que assistiu ao programa, na hora de fazer a feira, não compra esse produto, que acaba sendo recolhido.
É preciso saber que a pesquisa de resíduos em alimentos que é divulgada não contempla os dois produtos mais usados. Aquele número não é verdadeiro! É uma mentira! O glifosato, que representa mais de 50% dos agrotóxicos que nós aplicamos, não é pesquisado. O 2,4-D também não é pesquisado. A minha amiga Marcella mostrou aqui que o 2,4-D é oficialmente admitido como altamente tóxico, e ele não é rastreado. Então, aquela postura individualista da pessoa que vai à feira e diz "não vou comprar tomate, não vou comprar melão" não está resolvendo. Você está agindo com o benefício da ignorância ou da falta de informação.
Nós precisamos arranjar uma forma de notificar os casos. Isso demanda grande envolvimento dos profissionais de saúde. Se eu estou morando num Município em que há alto consumo de veneno e as pessoas têm manifestações compatíveis com essa exposição, eu tenho que perguntar o que aquela pessoa faz, onde é que ela mora. Isso tem que ir para o registro ou, pelo menos, deve-se ficar ligado, pois isso é um problema.
Falamos muito em eventos em que há pessoas muito preocupadas com as causas do meio ambiente, da saúde e da agroecologia. Eu sempre sou muito criticado quando mostro isso, mas é a pura verdade. Quando me perguntam o que eu quero, eu digo que quero duas coisas: parar de piorar e, se tiver que continuar piorando, que vá um pouco mais devagar. Essa é a verdade. Eu estou nesta causa há alguns uns anos e vejo que isso está só piorando. Neste ano, está piorando mais do que nos outros. Então, não me entendam mal. Isso não é ser pessimista, isso é ser otimista. Vamos parar de piorar.
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Nós não estamos falando tecnicamente de doenças, mas há evidências de problemas de pele, gastrointestinais, hepáticos, renais, neurológicos. Há índices apontando suicídios. No Rio Grande do Sul, no Município de Venâncio Aires, que é produtor de tabaco, há um estudo que correlaciona a elevação do índice de suicídios com o ano em que houve mais uso de agrotóxicos. As doenças crônicas são as que mais me preocupam, assim como as questões psiquiátricas e neurológicas e esse potencial desregulador endócrino.
Falo tudo isso sem ignorar que esse setor é muito importante para todos nós no Brasil. Eu também não gosto muito da ideia de acusar os agricultores, porque acho que eles são vítimas. A maioria deles está inserida num contexto em que não há alternativa de financiamento ou não há conhecimento, pois a pesquisa não foi desenvolvida. O agricultor está naquela roda viva e é empurrado para isso. Esse é um setor muito relevante para a nossa economia.
Eu fico me perguntando: quem está sendo protegido por essas medidas liberalizantes que estão normalizando a contaminação? Esse dado bem recente da CNA, de março, mostra que o PIB do agronegócio ficou estável. Na mudança de 2017 para 2018, ele cresceu 0,001%, mas computando-se todas as atividades. O setor de insumos cresceu 12,4%. A renda do produtor está sendo comprometida e corroída por isso. A defesa dos agrotóxicos não é uma bandeira do agricultor. Este é um método caro, que compromete inclusive a sua saúde.
O Censo Agropecuário 2017 revela dados bastante importantes: a área cultivada no Brasil cresceu 16,5 milhões de hectares, em 11 anos, ou seja, cresceu o equivalente ao território do Acre em termos de área cultivada; houve aumento do número de propriedades que usam agrotóxicos — antes, o número de propriedades era menor —; a mecanização aumentou; o número de proprietários diminuiu. Portanto, há mais terra sendo cultivada por menos gente em propriedades maiores e com menos empregos. Diminuiu 1,5 milhão o número de empregados. Então, houve concentração em propriedades maiores, com mais veneno.
Há um ponto importante na regulação e na fiscalização. Com frequência, eu sou contraposto com essa questão e os meus colegas também. É ilícito usar agrotóxicos? Não. O Brasil admite isso. É permitido, desde que não seja usado de qualquer jeito, segundo a nossa legislação. Há uma regulação, uma lei. A própria Constituição fala a palavra "agrotóxico". Há uma lei, uma Norma Regulamentadora — NR do Ministério do Trabalho, resoluções do CONAMA, além de leis ambientais. Todas as vezes em que se vai cobrar isso, parece que estão criando embaraço a quem quer produzir. Não é! Esse é o "desde que": pode-se usar agrotóxico, desde que cumpra tudo isto, ou seja, que o trabalhador que manuseia aquilo esteja instruído, esteja adequadamente protegido — e ele não está —, que os cursos d'água não recebam essas descargas de veneno, que não pulverizem em cima de escolas, de tribos indígenas. Há um "desde que" que impõe condições de vento, de temperatura. Recentemente, eu li um artigo sobre esses agrotóxicos que nós pulverizamos. Em Mato Grosso, quando está frio, a temperatura cai para 39,5 graus mais ou menos. Esses princípios foram desenvolvidos para a Europa. Como o trabalhador vai usar aquela roupa de astronauta? Quem fiscaliza isso? É impossível! A máscara entope. Cadê a máscara para substituir? Ele tira a máscara.
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Este aqui é todo o processo: autorização, fabricação, transporte, armazenagem, recolhimento de embalagem, pulverização. Tudo isso tem margens. Há normas. Na hora em que vão cobrar essas normas, fica parecendo que há burocracia, que há excesso de intervenção do poder estatal, e também se utiliza a expressão "o Estado está no cangote de quem quer trabalhar". Não é assim! Esse é o "desde que" que autoriza o uso do veneno.
Já tínhamos falado da contaminação. Essa perspectiva urbana de ver a maçã ou o morango com veneno está muito na ficção. E como fica o problema daqueles que estão nas regiões de produção? A mão que produz é inteiramente envenenada. Essa capa da revista Galileu foi muito feliz. Nós temos um grave problema de subnotificação.
Já passaram esses dados de uma comparação com a Europa.
Esse gráfico é da Profa. Larissa Bombardi. Vejam os produtos que usamos, por exemplo, na soja: dos 35 principais usados, 26 são proibidos na União Europeia. E temos, ainda, a pulverização aérea. Esse é um dado oficial da Vigilância de Populações Expostas a Agrotóxicos, do Ministério da Saúde, alertando para o problema da pulverização aérea.
Nós temos o problema da contaminação de outros produtores, que também querem ter o direito de produzir em áreas próximas e estão tendo contaminação. Até o chimarrão está com problema. Há pulverização em escolas.
Aqueles mapas já foram mostrados. Em Mato Grosso do Sul, há o problema do bicho-da-seda, o problema das abelhas.
Aqui, eu mostro a localização das unidades de recolhimento de embalagens. Para os senhores terem uma ideia, esse é um termômetro de onde mais se usa veneno, onde mais existem centrais de recolhimento de embalagens. Esta é a quantidade de unidades em Minas Gerais, no Espírito Santo, etc.
Também existe o problema do mito do uso seguro. Não existe uso seguro de agrotóxico! Seguir todo aquele ritual, com aquele astronauta aplicando o veneno, mitiga o risco, mas ele nunca vai ser seguro, porque é uma contaminação intencional do ambiente. Essa é uma expressão que o Prof. Pignati usa muito. E é isso mesmo! Não é por acaso que se contamina. Você aplica o agrotóxico com o objetivo de matar, de exterminar seres vivos. Então, é uma contaminação intencional.
Estes são os fabricantes de veneno. Eles preferem que os produtos sejam chamados de defensivos vegetais, remédio para plantas ou produtos fitossanitários. O sujeito teria que usar uma viseira, um boné árabe, uma máscara com respirador, uma luva de borracha nitrílica, um avental impermeável, uma bota impermeável, um jaleco, uma calça de tecido hidrorrepelente. Quem sabe a FIOCRUZ estabeleça um prêmio para alguém que fotografe um trabalhador assim, numa fronteira agrícola!
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Estas imagens — eu fotografei — são de uma central de recolhimento de embalagens. Aquilo é o que eles dizem que o trabalhador deveria usar; isto, do lado de cá, era o que o trabalhador estava usando. As embalagens de veneno são multifuncionais, servem para tudo: guardar roupas, depositar lixo, guardar mantimentos, usar como banco ou mesa.
Esta imagem mostra um avião pulverizando uma plantação. Sem desligar o pulverizador, ele passou em cima de uma tribo indígena. Esta foto não é minha, é de uma apresentação do Pignati.
Esta outra essa foto fui que eu tirei. Numa central de recolhimento de embalagens, há uma pista de terra, onde eu estive conversando com os pilotos, que são pessoas esclarecidas, que ganham bem, de um nível bom. Eu saí dali e vim para este lado, e ele passou jogando veneno em cima do alojamento deles. Como é que eu vou acreditar que ele vai poupar um rio, uma escola, uma floresta, uma horta, uma velhinha? Não vai.
Segundo a NR, a lei, as normas de fiscalização, toda embalagem de veneno deveria ser recolhida. Existe a questão da logística reversa. Ela dá uma concha muito ergonômica. Vocês podem ver que, se a embalagem for cortada em diagonal, dá uma concha boa, que eles usam.
Temos que estar atentos aos sinais. Este é um caso que ocorreu em Sorriso, onde houve uma série de abortos. Esse é o Município que mais produz soja no mundo.
Em Cuiabá, existe a Associação de Espinha Bífida de Mato Grosso — eu nem conhecia essa expressão. Trata-se de uma malformação congênita. Isso nos deixa preocupados.
Também em Mato Grosso, foi feita uma pesquisa sobre a contaminação do sangue e da urina dos trabalhadores rurais. Cerca de 65% a 70% deles apresentam resíduos de alguns agrotóxicos no sangue e na urina.
Estes dados são de uma pesquisa de campo sobre casos de aborto, câncer, diabetes, doenças neurológicas. A pesquisa foi feita de casa em casa, numa região de fronteira agrícola.
Esta outra pesquisa é sobre resíduo no leite materno. No mundo inteiro, quando se fale de agrotóxico, desde que não seja alguém financiado pela indústria química, vai ser citado este caso. Às vezes, a indústria química critica essa pesquisa. Das 62 mulheres que amamentavam, todas tinham resíduos de agrotóxico no leite materno. Ao apresentar isso numa audiência pública, o Pignati foi criticado. Foi dito que afirmar isso seria irresponsável, porque desestimularia o aleitamento.
Como todos sabem, existiram quatro portarias dispondo sobre aquilo que é considerado água potável. Nós tivemos uma portaria de 1977, uma de 1980, uma de 2004 e outra de 2011. Tratar a água é muito caro. Nós temos que beber água e ficar feliz, achando que está tudo bem. O Ministério da Saúde é o órgão responsável por dizer o que é água potável. Como tratar a água é muito caro, eles, progressivamente, vêm admitindo mais agrotóxicos, além de outros produtos, como solventes, metais pesados e desinfetantes.
A atual portaria, de 2011, admite 27 agrotóxicos, 15 solventes, 15 metais pesados e 7 desinfetantes, com índices bem mais altos do que a União Europeia, conforme demonstrado. A notícia boa é que nós temos 27 agrotóxicos, 15 solventes, 15 metais pesados. Qual é a notícia ruim? Essa portaria está em revisão. Alguém acredita que vai diminuir?
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Conclua, por favor.
O SR. LEOMAR DARONCHO - Eu preciso encerrar.
É isso. Eu fico agradecido. É uma pena ter que encerrar, porque eu teria mais coisas para falar. Eu acho que este é um assunto da máxima importância, pois está na água, está no ar, está nos alimentos. Por isso, precisamos cuidar disso.
Fico feliz pela oportunidade.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Leomar Daroncho a sua contribuição.
De fato, o tempo é curto e nós temos muitos expositores. Temos muito a debater sobre este assunto da mais alta relevância e importância em todos os sentidos aqui já abordados.
Quero convidar para fazer uso da palavra a Sra. Thais Araújo Cavendish, Coordenadora-Geral de Vigilância em Saúde Ambiental do Ministério da Saúde, pelo tempo de 12 minutos.
A SRA. THAIS ARAÚJO CAVENDISH - - Enquanto providenciamos a apresentação na tela, quero agradecer ao Deputado Helder Salomão e ao Deputado Padre João a oportunidade de, mais uma vez, estar aqui na Casa falando deste assunto, que, na verdade, é uma fatia enorme de uma contingência ainda maior, que é a exposição humana a agrotóxicos. Eu poderia passar o dia aqui tratando desse tema.
Eu me solidarizo com os colegas da Mesa que tiveram que encurtar muito toda a trajetória que eles têm sobre esse assunto. Eu vou ter que fazer o mesmo — é uma pena —, mas espero pelo menos deixar minha mensagem central.
Eu me coloco, desde já, à disposição para tudo o que vocês julgarem necessário. Ao final, vou deixar registrados aqui alguns endereços da Internet em que colocamos nossas informações de maneira transparente, para que vocês possam verificá-las.
(Segue-se exibição de imagens.)
Os palestrantes anteriores já abordaram bastante os efeitos à saúde e as rotas de exposição. Portanto, acho desnecessário perder tempo com isso. Esse risco já está bastante divulgado tanto para a sociedade quanto para os agricultores.
Hoje, nós já temos uma noção mais clara de que os agrotóxicos receberam esse nome, na legislação brasileira, exatamente porque são substâncias e compostos que têm a capacidade de gerar, na saúde humana, efeitos agudos ou crônicos, a depender da quantidade absorvida, da dose, do tempo de contato e do tempo de exposição.
Vou passar também por esse dado, que é um consolidado feito pela FIOCRUZ dos principais efeitos dos agrotóxicos. Quando você olha a classe do produto, o nome comercial do produto, o ingrediente ativo, sabe quais são os principais efeitos agudos e os principais efeitos crônicos. Vou passar essa parte, mas vou deixar aqui o material referente a ela, porque o que nos interessa mesmo, que foi objeto do convite feito ao Ministério da Saúde, é tratar de agrotóxicos em água.
Para começar a nossa conversa, eu trouxe essa linha do tempo, que nos posiciona em 1977, quando houve o primeiro marco legal, que entregou ao Ministério da Saúde a competência para normatizar a potabilidade da água para consumo humano, a primeira portaria elaborada a partir do decreto, e o caminho na linha do tempo que nos leva à nossa norma atual, que chamamos de Portaria de Consolidação nº 5, Anexo XX, que nada mais é do que uma renomeação da Portaria nº 2.914, de 2011. Todo o mundo a conhece por esse nome.
De lá para cá, não só atualizamos as normas como também desenvolvemos instrumentos para efetivar essa competência do Ministério da Saúde, a fim de desenvolver a atividade de regulação da potabilidade da água e monitorar a sua qualidade juntamente com o SUS — Sistema Único de Saúde, em consonância com o Ministério da Saúde, e com todos os principais atores regulados por nós, que são os prestadores de serviços de abastecimento, que têm competência enorme nesse sistema, e também os serviços de vigilância da qualidade da água nos Estados e nos Municípios, por meio das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
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Nesse assunto, a nossa norma atual, da forma como está posta hoje, cuja ementa dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e o seu padrão de potabilidade, se dedica não só a regrar aqueles parâmetros biológicos, químicos e organolépticos que tornam ou não tornam a água potável no País como também a definir as responsabilidades e competências de cada um dos atores regulados nesse processo. É uma portaria grande, que vale a pena ser lida na extensão para se entender como funciona esse sistema, que não é muito simples.
Há sistema de abastecimento, por exemplo, como o da Região Metropolitana de Brasília, a CAESB, que é um sistema grande, mas há populações morando em campo e em florestas que são abastecidas por soluções muito simples, como poços. É também objeto da vigilância da qualidade da água olhar por essas fontes de abastecimento.
Eu deixei aqui também uma foto do nosso site com as principais publicações que auxiliam a compreensão desse programa, que chamamos carinhosamente de VIGIAGUA — Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano e os principais documentos que orientam a leitura da nossa portaria para o entendimento do sistema. Também destaquei, ao lado, os principais pontos dessa portaria, para mostrar ao que ela se dedica. Ela atribui competências aos prestadores de serviços de abastecimento de água, ou seja, obriga esses prestadores a realizar monitoramentos intensivos, dependendo do parâmetro que se monitora. Por exemplo, quando falamos de parâmetros microbiológicos, que têm um risco imediato à saúde, há determinados planos de amostragem para esses prestadores. Substâncias químicas também são regradas nessa parte.
Eu preciso resgatar isto. A nossa portaria determina o monitoramento obrigatório de 27 parâmetros de agrotóxicos. Está expresso no nosso texto que esse é o monitoramento obrigatório do ponto de vista nacional. Nós incentivamos, capacitamos e praticamente orientamos Estados e Municípios a conhecerem melhor a sua realidade e desenvolver monitoramentos mais intensivos do que esse que envolve os 27 parâmetros. O monitoramento dos 27 parâmetros — vou mostrar isso daqui a pouco — não se refere a agrotóxicos permitidos; mas, sim, a agrotóxicos que podem estar presentes em água, agrotóxicos já banidos. São 11 os agrotóxicos banidos no Brasil dentro desses 27 que nós monitoramos exatamente pela persistência ambiental. São substâncias proibidas desde 1985, naquela leva que veio dos organoclorados, que nós monitoramos até hoje e ainda encontramos exatamente pela sua persistência ambiental. Isso retroalimenta muito as nossas políticas públicas, no sentido de que não adianta simplesmente escrever um papel e banir uma substância. Ela continua presente, dependendo das suas características ambientais. Isso é só um adendo — depois eu vou entrar nisso melhor.
Nós determinamos, nessa portaria, que a periodicidade mínima de monitoramento de agrotóxicos é semestral. Porém, cada sistema, cada Estado, cada Município que julgar que tem condições de fazer um monitoramento mais intensivo por parte do prestador e por parte da vigilância deve fazê-lo. Isso está muito claro no texto da portaria.
Nós determinamos três pontos de monitoramento principais: o ponto de captação, que é tido como manancial, a saída de estação de tratamento e o sistema de distribuição. Além disso, essa mesma portaria define planos de amostragem a serem realizados pelas equipes de vigilância em saúde ambiental, ou seja, é uma espécie de contraprova daquilo que o prestador de abastecimento está realizando no seu monitoramento. Esses dados que foram brilhantemente apresentados aqui pelos palestrantes anteriores vêm exatamente do nosso Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano — SISAGUA. Esse sistema é financiado pelo Ministério da Saúde exatamente ao longo daquela linha do tempo que eu mostrei a vocês, em que percebemos a necessidade de instituir um sistema robusto para monitorar isso. Afinal, estamos falando de água para consumo humano. Não há nada mais estratégico num país do que água potável. Então, foi muito clara a necessidade de instituir um sistema como esse. Temos trabalhado continuamente para melhorá-lo. Ele já foi muito mais simples do que é hoje.
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A robustez dos dados que vocês conseguiram mostrar hoje aqui ocorre muito em razão do esforço de poucas pessoas no Ministério da Saúde — algumas estão sentadas ali atrás —, que simplesmente dedicam parte importante do seu tempo para que isso seja possível, para que esses dados estejam aqui hoje, na Casa do Povo, no Parlamento, sendo discutidos, sendo abordados, de forma transparente, em atendimento à Lei de Acesso à Informação, que determina que sejam disponibilizados dados brutos. Os dados analisados são os que eu vou mostrar e os que vocês já mostraram. Os dados brutos são os que estamos tentando botar agora no nosso Plano de Dados Abertos. É por meio do SISAGUA que conseguimos isso.
Eu não vou entrar muito em detalhes, porque acho que o tema já foi brilhantemente explorado pelos participantes anteriores, mas, só para vocês saberem, cito o que o nosso sistema coleta de informação e que está disponível: as formas de abastecimento, cujos diferentes tipos eu já mencionei aqui; o ponto de monitoramento, de onde aquele resultado foi obtido, com coordenadas, inclusive informando se ele é um daqueles três, como a saída do tratamento e o manancial; a substância que foi analisada — e aqui eu estou falando de químicos, de agrotóxicos, mas isso se refere também aos nossos parâmetros microbiológicos —; a data de coleta para análise; os valores de limite de detecção e quantificação referentes àquele método utilizado; e o resultado da análise em si.
Como eu disse anteriormente, foi isso que brilhantemente a Agência Pública e a Public Eye estudaram. É para isto que divulgamos esses dados: para que a sociedade os consuma, para que a sociedade os entenda. Esses dados foram disponibilizados pelo Ministério da Saúde, no Plano de Dados Abertos. Está aqui o link. São dados brutos — é importante destacar isso —, são dados da forma como são inseridos no sistema. Eu considero uma riqueza enorme nós podermos disponibilizar isso e ter a chance de, com equipe e orçamento, colocar isso à disposição sem erros. É uma checagem bastante cuidadosa.
Está aqui o caminho para que vocês achem esses dados lá no site.
Sobre o nosso padrão de potabilidade, o conceito de valor máximo permitido é trazido pela OMS. A OMS foi citada aqui por alguns participantes. Eu gosto de mencionar a OMS exatamente porque é a Organização Mundial da Saúde. Qualquer país que tenha qualquer dúvida sobre o que fazer em saúde pública, se olhar para a OMS, certamente não vai errar ou, pelo menos, vai estar muito mais próximo de algo progressista, de algo relativo à proteção da saúde da população.
Então, o valor máximo permitido é um conceito normatizado pela OMS nessa publicação que eu estou mostrando aqui, Guidelines for drinking-water quality, que é justamente o olhar da OMS sobre o que é água potável, quais são os limites tanto de substâncias químicas quanto de parâmetros microbiológicos, padrão organoléptico, aquilo que nos faz aceitar e achar boa ou ruim a água que estamos consumindo.
Para definir esse padrão de potabilidade, adotamos diretrizes dessa publicação e de outras agências reguladoras, como a do Canadá, a da Austrália e a da Nova Zelândia, mas principalmente da OMS — eu vou mostrar isso logo à frente.
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Nós determinamos, então, um conjunto de substâncias que representam risco à saúde no País, de acordo com as nossas características ambientais, nossos ciclos produtivos, e que, portanto, devem receber um olhar das autoridades reguladoras para que essas substâncias não estejam presentes em quantidades que signifiquem riscos à saúde.
Esta publicação já é a quarta, mas ela vem sendo atualizada há muito tempo. Esta é de 2017. Informo aos senhores que seguimos esse racional para definir as substâncias que são incluídas, repito, no padrão de potabilidade considerado minimamente de monitoramento obrigatório. Olhamos todas as substâncias pelo seu potencial de toxicidade e não só pela sua toxicidade comprovada. Consideramos, por exemplo, aquilo que gera dúvidas e que nos enseja o princípio da precaução. Consideramos, no Brasil, o que ela representa em termos de risco e o gasto, nos serviços de saúde, com o monitoramento. Levamos em conta a ocorrência, o potencial de ocorrência dessa substância em mananciais de água tratada.
Volto ao que o Dr. Leomar nos trouxe. Na dinâmica do agrotóxico, em termos de saúde pública, olhar só para a água é um erro. Olhamos os agrotóxicos de um ponto de vista mais amplo, o da exposição das pessoas por todas as vias e todos os compartimentos que sejam possíveis. Para esse monitoramento, é muito importante que não se gaste recurso com substâncias que não vão estar presentes em água. A dinâmica ambiental delas — a hidrólise, a persistência, a solubilidade — não vai apresentar essa substância lá. Vai apresentá-la onde? Vai apresentá-la no solo, no ar, numa matriz biológica, por outros tipos de exposição. Então, olhamos isso com muito cuidado. Contamos com especialistas para isso. Ademais, nós olhamos para várias agências reguladoras, como eu disse aqui, e principalmente para a OMS, para ter uma segurança grande.
Quanto à viabilidade analítica em água para consumo humano, às vezes sequer temos laboratório para analisar determinada substância. Então, ao mesmo tempo em que olhamos para a substância, corremos atrás também do sistema brasileiro para procurar quem faz, ver onde se faz. Não raro viabilizamos logística para levar essas substâncias para locais onde essas análises são feitas.
Vou tentar acelerar a minha apresentação. É triste que o tempo seja curto.
Este é um quadro comparativo que utilizamos para justamente balizar os nossos valores permitidos. Não por acaso, no caso do Brasil e da OMS, um está ao lado do outro. De fato, os nossos valores máximos permitidos ou são idênticos aos da OMS ou são menores. No caso de serem maiores, existe algum racional técnico, mas nem me recordo de uma substância em que isso aconteça.
Apresento aqui Austrália, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia como exemplos também. Vou deixar com os senhores este material. Vão poder consultar esses dados detalhadamente.
Quanto ao nosso grande desafio hoje, do setor de saúde como um todo, e até coloquei um estado da arte aqui, de uma publicação recente, ressalto que a Organização Mundial da Saúde se debruça sobre o tema do efeito da exposição cumulativa a substâncias químicas, não só a agrotóxicos mas também a outras substâncias químicas, porque isso representa um grande vácuo de conhecimento que temos hoje. A própria OMS, conforme esta publicação, não nos aponta caminhos a seguir, não nos diz como podemos regulamentar misturas de substâncias do ponto de vista da sua ocorrência em água. A orientação que temos da OMS hoje, em várias regulações, é a de que vamos olhar valores individuais e sempre com o princípio da precaução ao lado. Então, em toda a cadeia de definição dos valores, usamos várias etapas de segurança, fatores de segurança, abordagens conservadoras, para que possamos garantir que aquele número seja o de máxima proteção possível.
Eu gostaria de ter mais tempo para explorar este assunto aqui, mas isso não vai ser possível, infelizmente.
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Sim. Peço que apresente as conclusões, porque o nosso tempo realmente é curto.
A SRA. THAIS ARAÚJO CAVENDISH - - Eu vou ser rápida.
Trouxeram como notícia ruim a revisão da nossa portaria, mas eu preciso discordar, porque nós contamos com o Ministério Público Federal, contamos com a ABRASCO, com a FIOCRUZ, nesse processo, com a Universidade Federal de Ouro Preto, com a Universidade Federal de Viçosa. Essa portaria deve ser revisada, a cada 5 anos, à luz do melhor conhecimento científico sobre exposição a substâncias químicas, agrotóxicos, padrões microbiológicos. Está em revisão agora. Eu cheguei ontem de Belo Horizonte, onde aconteceu a nossa reunião sobre agrotóxicos, e, devo dizer, senti falta do Ministério Público, senti falta da ABRASCO, senti falta da FIOCRUZ. Fiz recentemente ligações para convidá-los, mas não entendi o porquê da ausência.
A Procuradora de São Paulo, se não me engano, está confirmada para a próxima reunião, o que é ótimo, justamente porque podemos compartilhar todo esse racional e entender melhor como podemos avançar à luz do conhecimento científico. É disso que trata também o debate que o nosso querido Deputado nos convidou a fazer aqui. Neste momento nos encontramos ainda na discussão técnica. Temos um horizonte, o de concluir até o final do ano esse processo, fazer a consulta pública e trazê-lo aqui novamente para que possamos discuti-lo profundamente.
Estes são alguns resultados de uma publicação que vamos divulgar até o final do ano — vou ter que saltar esta parte da apresentação aqui, infelizmente. A publicação vai se chamar Agrotóxicos no Brasil e os impactos na qualidade da água para consumo humano. Vamos justamente pegar aqueles dados do Portal de Dados Abertos. Isso já está pronto, estamos só editorando. Vamos fazer o lançamento. Ela vai ser uma publicação grande que vai debulhar esses dados numa linguagem de mais fácil entendimento para a sociedade de maneira geral, vai mostrar a forma como olhamos esses dados e a ocorrência dessas informações. Além disso, vamos terminar a revisão da nossa portaria até o final do ano, se tudo der certo, se conseguirmos manter o ritmo.
Eu fecho a minha apresentação com um convite. Acho que vale a pena destacar aqui, diante dos Parlamentares, diante da sociedade, que o que foi dito anteriormente está correto. Temos um cenário que hoje podemos medir, mas a ausência de dados ainda é muito grande no País, principalmente na Região Norte. Se aqui estiverem Deputados que representam a Região Norte, a Região Nordeste, ressalto que não temos acesso a muitas dessas informações. Com as que temos, já podemos agir, já é possível agir.
Clamamos por abordagens um pouco mais preventivas. Nós monitoramos, sim, os agrotóxicos em água. É importante fazer esse monitoramento para que possamos agir e proteger a saúde das pessoas que consomem essa água, mas muito mais eficaz do que olhar o final da cadeia, olhar como esses agrotóxicos estão se comportando na água, é olhar o uso, é olhar o abuso do uso, é olhar lá atrás, na cadeia produtiva, o que está acontecendo nos Estados e nos Municípios, nas áreas produtivas, é observar se está faltando vigilância em saúde, se está faltando assistência técnica rural, se está faltando fiscalização, para que isso realmente não gere o impacto que esperamos em água de consumo humano, que é só um dos fatores que consideramos quando pensamos em exposição.
Estão nesta imagem os nossos sites, as nossas principais fontes de informação, para que possam buscá-las e se informar.
Eu me coloco à disposição aqui para o debate.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Muito obrigado, Sra. Thais Araújo Cavendish pela sua exposição.
Antes de dar continuidade aos trabalhos, registro a presença, nesta audiência pública, do Deputado Darcísio Perondi. O Deputado Nilto Tatto esteve aqui, mas teve que se ausentar.
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Gostaria de convidar o Deputado Padre João, 1º Vice-Presidente desta Comissão, proponente desta audiência pública, para assumir a Presidência.
Concedo a palavra ao Sr. Danilo Lourenço de Sousa, Coordenador de Controle Ambiental de Substâncias e Produtos Perigosos do IBAMA, que pode dar início à sua exposição.
O SR. DANILO LOURENÇO DE SOUSA - Boa tarde.
Sou analista ambiental do IBAMA e estou coordenando a Coordenação de Controle Ambiental de Substâncias e Produtos Perigosos do IBAMA — CCONP.
Agradeço, em nome do IBAMA, o convite para participar desta discussão polêmica, mas muito importante e necessária.
Na minha apresentação, não vou usar o painel, vou só falar mesmo.
Ao corroborar a exposição dos diversos palestrantes, digo que meu objetivo aqui é simplesmente falar sobre o papel do IBAMA nesse contexto do registro de agrotóxicos e também do acompanhamento e monitoramento dessas substâncias no meio ambiente.
Foi bem exposto pelo Sr. Leomar que os efeitos, considerada não só a saúde humana mas também o contexto ambiental, são vários, e não só em relação à água. Os efeitos relativos às abelhas estão sendo mostrados pela mídia. Os efeitos referentes aos peixes, a mortandade de peixes, isso não está sendo tão explorado pela mídia no momento. Conseguimos visualizar efeitos isolados dessas substâncias no meio ambiente.
O IBAMA participa do registro, como disse a Marcella, juntamente com a ANVISA e também com o Ministério da Agricultura. A nossa competência é fazer avaliação ambiental. Para fazer isso, temos duas etapas. Uma é a avaliação do perigo, que é a característica intrínseca da substância. Solicitamos então estudos físico-químicos, estudos de comportamento ambiental da substância, de mobilidade, de transporte, e estudos de toxicidade também relacionados a organismos, peixes, microcrustáceos, minhocas, abelhas, para que se tenha conhecimento da toxicidade daquela substância. É o que chamamos de potencial de periculosidade ambiental.
Vencida essa etapa, partimos para uma avaliação de risco. Nessa avaliação de risco, utilizamos simuladores, modelos matemáticos nos quais jogamos características do pior cenário. É considerado tipo de solo, clima, recursos hídricos. Criamos o pior cenário. Fazemos o input do número de aplicações, forma de aplicação, para que tenhamos no simulador uma radiografia do meio ambiente que esses produtos podem atingir. Como o Sr. Leomar falou, sabemos do problema desses produtos. De posse dos dados desses simuladores, colocamos medidas de mitigação. Então, restringimos uso, restringimos doses, restringimos o número de aplicações, para que os efeitos sejam diminuídos. O ideal é que o produto não saia da área de aplicação. Fazemos, portanto, toda essa avaliação.
O número de produtos realmente é grande, porque a legislação prevê o registro por marca comercial e por cultura. O glifosato, por exemplo, tem n marcas comerciais, porque a legislação permite isso. E nós, o IBAMA, temos que fazer essa avaliação.
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Como eu disse, a nossa avaliação de risco é feita com simuladores para realizarmos a calibração. É até um feedback. Para vermos se a nossa avaliação está sendo eficiente, temos que partir para o monitoramento. É o que IBAMA está fazendo agora. Temos um projeto piloto que começou a rodar colhendo matrizes de solo, água superficial. Também colheremos água da chuva. Vamos verificar se está havendo o que chamamos de dispersão global. O agrotóxico chega até a água; com a evaporação, há formação de nuvem, e assim é levado para outra região; com a precipitação, pode atingir outras áreas. Então, vamos coletar água de chuva também.
O projeto é piloto, como falei. Por que é piloto e por que está começando só agora? O IBAMA, que é um órgão do MMA, não tem laboratório próprio. Então, tem que correr atrás de convênios, e isso demanda orçamento. Precisamos ter orçamento direcionado para isso. No final de 2017, conseguimos um financiamento, conseguimos fazer convênio com alguns laboratórios. Partimos então para esse monitoramento num projeto piloto, até para sentir se as metodologias teriam alguma resposta. Selecionamos cinco Estados. Mato Grosso é um deles. Alagoas, apesar de não ter uma produtividade tão expressiva em grandes áreas, tem pequenas áreas produtivas e um relevo interessante, inclusive com recursos hídricos. Foi dito que, no Distrito Federal, não tínhamos dados, mas fizemos coletas na FLONA que usamos como controle. Já temos até o resultado: não há agrotóxico na água da FLONA. O objetivo era este mesmo. Como teríamos que calibrar a metodologia dos laboratórios, escolhemos um local que provavelmente não teria agrotóxico. Coletamos água na FLONA e já temos esses resultados. Fizemos coleta em Mato Grosso, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Alagoas recentemente. Falta fazer a coleta, se não me engano, em Rondônia, que é o último ponto do projeto piloto. Desses outros Estados, ainda não temos resultado para mostrar, mas vamos fazer uma publicação, vamos divulgá-los.
Para que vamos utilizar esses dados? Para retroalimentar o nosso modelo de avaliação ambiental, para ver se aquilo que estamos fazendo com base nos estudos apresentados pelas empresas detentoras ou nos pleitos de registro de produto, se os nossos simuladores, se isso está tendo uma resposta efetiva no meio ambiente. Caso contrário, teremos que repensar os nossos modelos ali.
A ideia também — esta é outra coisa que depende de orçamento — é fazer crescer esse projeto de monitoramento, para conseguirmos realizar isso no Brasil igualmente em outras matrizes. A respeito agora de contaminação de abelhas, por exemplo, recebemos diariamente denúncias. Às vezes, o apicultor coleta a abelha no local, só que não temos laboratório credenciado para verificar se aquela abelha morreu devido a agrotóxico; para verificar se existe resíduo de agrotóxico nela e também em matrizes vegetais. Como eu disse, só estamos considerando solo, água superficial e, agora, água da chuva.
Outra atividade que o IBAMA realiza é a fiscalização na parte de agrotóxicos. Tentamos combater produtos que já foram banidos do Brasil, mas que foram encontrados novamente. Pode ser que agrotóxico ilegal entre pela fronteira. A ação de fiscalização tem que ser muito efetiva, para que tenha um resultado que se some a todo esse conjunto, que é o cenário do controle de agrotóxicos, não só do registro.
Para me ater ao tempo aqui estabelecido, digo basicamente que o IBAMA participa do registro, solicita estudos laboratoriais e pode também chegar a estudos de campo. Estamos executando agora esse projeto de monitoramento, cujos dados não temos ainda, e também participamos da fiscalização ambiental.
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Estou à disposição. O IBAMA está à disposição para participar dos debates.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Danilo Lourenço de Sousa, do IBAMA.
Tem a palavra o Sr. Kleber Santos, Coordenador Nacional das Câmaras Especializadas de Agronomia do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia — CONFEA, a quem, desde já, agradecemos a presença.
O SR. KLEBER SANTOS - Em nome do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, agradecemos o convite.
Muito boa tarde a todas e a todos. A exemplo do colega do IBAMA, eu não tenho um material para apresentar, vou apenas falar sobre o papel do conselho profissional sobre este importante tema.
O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia é um conselho multiprofissional. Ele envolve todas as engenharias e também o grupo de agronomia, de geografia, de geologia, etc. Temos, em cada unidade federativa, um conselho regional que fiscaliza o exercício profissional. Nesse conselho há uma câmara de agronomia, onde estão os engenheiros agrônomos, os engenheiros de pesca, os meteorologistas. No caso, eu fui eleito representante das 27 Câmaras de Agronomia, que estão nos respectivos conselhos regionais.
Vou tentar me ater ao tempo e seguir o exemplo da Dra. Marcella, porque acho que isso é importante, até para que sobre tempo para o debate.
Queria trazer uma contribuição mais do ponto de vista da agricultura, e sei que é importante tratar desse tema também na Comissão de Direitos Humanos, obviamente. Por que se usam insumos? São usados porque o agricultor quer usá-los ou são usados porque muitas vezes há necessidade mesmo, embora algumas vezes não haja? Um dia eu estava assistindo a um vídeo em que se dizia que o Brasil, antes, importava alimentos. Isso tem um custo social muito grande. Não fazemos ideia do que é faltar comida na mesa dessa forma nos últimos 20 anos. O acesso ao alimento é uma questão básica. Quem nasce agora não enfrenta aquela situação. Existe ainda uma série de questões para se discutir. É importante trabalhar mais a qualidade, mas o acesso ao alimento é uma questão social importantíssima, e isso envolve produção. Segurança alimentar é produção, distribuição de alimento, qualidade do alimento. A pessoa que vai consumi-lo tem que ter certeza de que não vai passar mal. Também é preciso trabalhar a nossa biodiversidade, a nossa agrobiodiversidade. Há essas quatro dimensões.
Quanto à produção de alimentos, o Brasil é um país que se destaca bastante no cenário mundial. Por isso também é referência. Há as condições de produção. Este é um país tropical, subtropical. Quem trabalha com biologia das espécies sabe que há condição favorável para multiplicação inclusive de insetos. É claro que temos de trabalhar o equilíbrio do ecossistema, existe a questão da agroecologia, mas quem trabalha com agroecologia sabe a mão de obra que é produzir. Para um agricultor, perder produção em decorrência de ataque de pragas é como ver um paciente falecer por falta de tratamento. Isso é fato. Eu queria trazer essa outra contribuição. Sempre procurei trabalhar muito também com agricultura familiar. Sabemos desses dilemas. O agricultor que está lá precisa desse suporte.
15:58
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Essa é uma condição em que se vive sob pressão, e no País há uma riqueza de discussão de sistemas. Como comentou a doutora da vigilância ambiental, a Thais, a nossa contribuição é discutir o sistema de produção atual e o anterior.
A questão das análises é importante comentar. Eu sou de um conselho que tem engenheiros sanitaristas e outros especialistas. Não vou me ater muito a isso, porque também não disponho de muito tempo nesta audiência. Depois podemos conversar mais, Thais. A metodologia das análises é importante. Deve-se saber se as coletas estão sendo feitas a montante ou a jusante, porque, se a coleta está sendo feita na foz, há uma série de contaminantes e poluentes urbanos inclusive. Não estou justificando nada, só estou dizendo que tudo isso tem que ser considerado. Uma série de outras questões precisam ser consideradas.
Inclusive, eu vi um dado que depois tenho que conferir. Eu até queria tirar esta dúvida. Quando um dos 27 princípios está ausente, ele não aparece na planilha como ausente, aparece como nível mínimo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. KLEBER SANTOS - Não? Está bem. Eu disse isso porque me passaram esse dado. Então, já tirei essa dúvida.
Da nossa parte propriamente dita, ressalto que os nossos agrotóxicos estão definidos pela Lei nº 7.802, de 1989. Agrotóxico é qualquer agente físico, químico e biológico de controle de pragas e doenças. Na agronomia dizemos, brincando, que até sola de sapato, por esse conceito, é agrotóxico, porque ela pode esmagar algo.
Isto é interessante: o movimento da agricultura orgânica trabalhou muito por uma legislação, e hoje todos os registros de produtos para a agricultura orgânica são enquadrados como agrotóxicos.
Esta é outra questão: "Ah, estão registrando uma série de produtos!" Mas o índice de produtos para controle biológico é muito alto no País. Uma série de produtos identificados como agrotóxicos na legislação são produtos de controle biológico, que são necessários nas lavouras e têm baixa periculosidade. Isso é importante comentar.
Eu queria também dizer que temos como referência no nosso conselho os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Estamos trabalhando mais essa discussão. O ODS 2 está ligado à agricultura sustentável e ao combate à fome. O 2.4 foca a agricultura sustentável. E é essa agricultura sustentável que nós temos que visar.
Acho que uma série de outras questões que estão postas para o País podem colaborar, porque precisamos trabalhar alternativas de viabilidade para o agricultor também. Se se retirar dele a ferramenta e não lhe propuser nada, haverá aquele outro cenário, o da importação de alimentos, e não se deve ir por aí.
Há a chamada bioeconomia, que está crescendo, em que se busca trabalhar cada vez mais os produtos com elementos da natureza.
16:02
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Estão aqui presentes alguns Parlamentares. Nesta Casa há alguns projetos de lei interessantíssimos que eu gostaria de citar, como o PL 6.670/16, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, o PL 1.687/15, do Senado, que cria política nacional de apoio aos agrotóxicos naturais. O que são agrotóxicos naturais? São defensivos de baixa periculosidade ambiental e humana. São ferramentas de trabalho do agricultor. Então, temos que olhar para essas questões também.
Semana passada, a Associação de Engenheiros Agrônomos do Tocantins organizou o IX Congresso Brasileiro de Defensivos Agrícolas Naturais. O Ministério da Agricultura estava lá, bem como vários órgãos, inclusive estaduais. O Brasil hoje registra números que não passam de 10% do total. Então, há esta questão: vamos retirar todos os insumos? Vamos dizer aos agricultores que se virem? Não! Tem que haver alternativas.
Há também aquela questão sobre o uso racional dos produtos. Eu queria abordar isto que comentamos no nosso conselho: o receituário agronômico, o famoso receituário agronômico. A Lei nº 7.802 diz que qualquer produto agrotóxico tem que ser comercializado mediante um receituário agronômico. O nosso entendimento é de que o profissional tem que ter formação e habilitação para prescrever esse receituário, e isso é pouco discutido. É complicado que uma pessoa vá a uma revenda e pegue um produto sem receita.
Eu queria abordar a questão dos domissanitários. Pela legislação, são produtos que não são classificados como agrotóxicos e, portanto, não têm controle. Agora, os domissanitários têm princípios ativos de agrotóxicos. Vários piretroides são vendidos até em supermercados. Temos que abrir o leque. Há a questão do controle urbano. A norma — eu não gosto de falar de outros profissionais — não olha a questão da formação e da habilitação. Isso está crescendo muito. Então, vamos discutir isso num leque bem amplo, bem aberto, porque os domissanitários não têm controle do IBAMA e da ANVISA, quanto a registro, nem do Ministério da Agricultura, e não têm exigências de receituário agronômico.
O receituário hoje, por uma resolução do CONFEA, só pode ser expedido por quem é habilitado engenheiro agrônomo ou agroflorestal, conforme a habilitação. Várias decisões judiciais estão concedendo habilitação para técnico agrícola. Vem então outra questão: todo mundo pode tudo? Todos os profissionais têm as suas competências, mas vamos discutir isso.
Eu já estive várias vezes no Ministério Público da Bahia — acho bem interessante o trabalho deles — e apresentei esse questionamento. Ele me respondeu o seguinte: "Kleber, nós vamos ter que ver isso mesmo". Isso é complicado. Todo mundo pode tudo? Não. Acho que quem estudou para isso, quem tem formação pode isso ou pode aquilo. Vamos fazer essa discussão, sim, porque essa é uma preocupação do processo.
Eu queria fazer um comentário também sobre a competência da fiscalização. Um dia, eu estava numa discussão e me disseram que fiscalização é uma coisa antipática. No caso de Brumadinho, por exemplo não se tem que discutir se a fiscalização é antipática ou simpática, ela tem que acontecer. Mas todo mundo sabe que fiscalização não é para pegar tudo. Entendo que fiscalização é para diminuir o sentimento de impunidade. Temos que ter mais instrumentos de fomento, uma legislação que favoreça práticas sustentáveis e um receituário agronômico que seja efetivo. O agricultor muitas vezes é vítima do processo.
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Então, quanto à nossa fiscalização sobre a questão da emissão da receita por profissional habilitado, nós estamos aprimorando os procedimentos e também estamos trabalhando fortemente nas Comissões de Ética, por quê? Será que um profissional habilitado está isento de fazer uma receita sem olhar as questões ambientais e as questões de eficácia do produto? Porque também não é de interesse da indústria que o produto perca a sua eficiência.
Se um produto é mal recomendado, e não é culpa do profissional que recomendou, ou se ele é mal aplicado, esse produto não funciona direito. Então, tudo isso precisa ser considerado.
Quanto à questão do receituário, nós temos batido muito na questão do diagnóstico in loco, porque a lei disse que só pode liberar se tiver receituário, receita, mas será que essa receita não está num bloco ali na revenda? É importante ter essas questões e instrumentos para denunciar. Assim como o médico faz a receita médica, o engenheiro agrônomo faz o receituário agronômico.
Eu queria, só para finalizar, comentar um acordo de cooperação que fizemos no ano passado entre o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia e a Secretaria de Defesa Agropecuária, do MAPA, para restabelecermos um encontro nacional de fiscalização de agrotóxicos. A ideia do Conselho é reforçar o receituário nesse encontro e discutir inclusive as questões trazidas pelo Ministério Público para trabalhar nesse processo.
Para finalizar, queria enfatizar que o Sistema CONFEA/CREA é um conselho profissional estruturado numa rede de câmaras especializadas, que é uma autarquia, e que nós estamos como Presidente da Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil.
Este é um debate importantíssimo. Nós sabemos da nossa responsabilidade e temos muita vontade de colaborar com ele.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Kleber.
Desculpe-me por não ter acompanhado sua exposição, mas está em curso uma votação nominal na Comissão de Legislação Participativa, da qual sou membro. A assessoria vai me passar o que perdi aqui.
Ao nosso ver, engenheiros são fundamentais para a fiscalização, daí terem sido convidados para esta audiência.
Registro a presença da Deputada Joenia Wapichana. A Região Norte está muito bem representado pela Deputada, que é indígena de Roraima, assim como estão bem representados por ela indígenas e quilombolas, povos cuja saúde está sendo ameaçada por pulverizações aéreas, conforme denúncias que recebemos.
Passo a palavra ao Sr. Jorge Machado, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva — ABRASCO, por até 12 minutos.
O SR. JORGE MACHADO - Boa tarde.
Agradeço o convite. É uma honra representar aqui a ABRASCO, que tem uma trajetória de acompanhamento da discussão sobre agrotóxicos e que já publicou dossiê sobre os agrotóxicos no Brasil.
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Eu faço parte da ABRASCO desde sua fundação e, nos últimos anos, tenho sido representante do GT de Saúde do Trabalhador. Embora esta discussão também diga respeito ao GT de Saúde do Trabalhador da ABRASCO, ela é mais intensamente ligada ao GT de Saúde Ambiente da associação. Mas, como eu estou em Brasília, e como esta audiência foi convocada de uma forma rápida, fui indicado para fazer esta representação. Não que eu não tenha legitimidade — pelo contrário, tenho uma trajetória bastante grande nessa discussão desde o Rio de Janeiro que foi, depois do Paraná, o primeiro Estado que começou a registrar as intoxicações exógenas pelo Estado. Acompanhei essa discussão desde a unidade federada. Depois, estive aqui, fui colega da Taís, e participei de todas as comissões sobre discussão de agrotóxicos dentro do Departamento.
Fui orientador do Pignati, que depois me orientou no meu pós-doutorado em Mato Grosso. Tive a felicidade de conhecer o Procurador Leomar. Já estive aqui em outras audiências com o Pignati. Enfim, tenho acompanhado a discussão.
Eu queria trazer aqui uma discussão mais na linha do que fazer, mas na linha de apresentar propostas, mais na linha de como o Kleber finalizou, ou seja, discutir a fiscalização, a intervenção e a redução desse risco na água. Como poderíamos trabalhar no sentido de reduzir o risco de contaminação humana a partir da redução dos agrotóxicos, na água especialmente, como também na sua circulação em todos os componentes, em todas as situações de exposição?
(Segue-se exibição de imagens.)
Este desenho eu fiz quando estava meio revoltado, voltando de Mato Grosso de avião. Aqui estão nuvens tóxicas, o aviãozinho, a situação de contaminação sistêmica e de onde vem esse agrotóxico que aparece na água. Vamos trazer aqui um pouquinho de uma discussão teórica em que a ABRASCO também tem trabalhado, a saúde coletiva, a ligação com a discussão da geografia.
Eu acho importante discutirmos tanto a epidemiologia e a evidência dos casos, como também a geografia, o território, o espaço, isto é, onde essas situações de risco se territorializam, como é essa espacialização, a determinação social do risco no espaço. A discussão da geografia crítica impõe um deslocamento estrutural a partir dessa discussão transdisciplinar. Há várias competências, mas a competência maior é o entendimento desse contexto, que é transdisciplinar, e esses deslocamentos estruturais, especialmente, têm que ter estrutura para produzir ação sobre esse conhecimento.
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Não adianta produzirmos conhecimentos teóricos importantes, racionalidades, se não temos um meio de ação para que esse conhecimento seja efetivado. Temos que ter alguma coisa que vá fazer a redução do risco de agrotóxicos sobre a saúde humana. Quando colocamos, por exemplo, os limites de aferição da potabilidade da água em uma amostra, estamos fazendo uma discussão disciplinar, toxicológica. Não estamos fazendo uma excursão transdisciplinar, não estamos dizendo que essa água não oferece risco à saúde. Aquele agrotóxico bebido sistematicamente vai causar risco. Qualquer presença de agrotóxico da água representa um risco. Qualquer presença de agrotóxico carcinogênico, disruptor endócrino, tem um risco. É um risco pequeno. Se a água não é potável, o risco de consumo daquela água é muito maior naquele momento, mas ela está marcada como um risco. Tem que ser feita uma vigilância, uma retroengenharia para saber de onde vem qualquer agrotóxico que apareça dos 27, inclusive do passado. De onde vêm os persistentes? De um terreno? Qual é seu percurso?
Então, tem que haver um espaço, alguma instituição onde se possa fazer a retroengenharia da fiscalização. Existem a vigilância e saúde. Estamos propondo uma vigilância e saúde de base territorial integrada e participativa que vai produzir estrutura, especialmente de uma ligação hoje, para ser mais simplista, da vigilância ambiental com as EMATERs, como o sistema EMATER, que tem capacidade de produzir uma vigilância junto com a participação das entidades regionais, locais das organizações civis, dos agricultores especialmente.
Tem que ser pactuada com a agricultura a discussão da redução do risco do agrotóxico, especialmente na água, como também nas origens dessa contaminação. Estamos propondo isso. É uma proposta que está sendo colocada em curso lá em Mato Grosso. Temos tido isso também no Pontal do Paranapanema. Temos discutido isso em vários locais no Brasil. Existe, é claro, uma dificuldade muito grande de se trabalhar conjuntamente, de se fazer uma rede de governança interativa. Nós temos que nos estimular. O Parlamento, esta Casa tem que trabalhar com o princípio de criarmos de uma potência maior dessa fiscalização. Aqui vemos o ciclo de vida do agrotóxico. Essa é a forma como mundialmente se faz a gestão dos riscos de agrotóxicos, de substâncias químicas. Nós fizemos um gráfico sobre isso, e ficamos trabalhando muito em registro. Nós podemos romper essa cadeia em qualquer desses momentos. Aqui estamos falando especialmente da destinação final e também da utilização das derivas, ou seja, as derivas levam a uma destinação final que vai para água. Tudo que não está na planta, que não é absorvido pelo foco da pulverização é deriva e é acidente. É uma calamidade o grau de contaminação do Brasil. Em 1 ano, são 500 mil toneladas de glifosato — há cem tipos de glifosato sendo comercializados no Brasil. A atrazina, que está em 7º lugar, com 35 mil litros, é encontrada na água de poço de escola no Mato Grosso. Então, nós temos uma contaminação sistêmica muito importante, e nós temos foco, porque se esses são os mais comercializados, eles são o foco da fiscalização. O glifosato, que é 50%, como foi dito aqui, é foco de fiscalização. A atrazina apareceu na água de um poço de escola, ela é foco de fiscalização conjunta por agricultor, EMATER e Vigilância Ambiental. Hoje, a EMATER consegue fazer controle de febre aftosa plenamente no Estado de Mato Grosso. Por que ela não consegue fazer o controle da contaminação por agrotóxico?
16:18
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Sobre isso todos já falaram, mas eu trago este mapa também para vermos onde não está vermelho. A Chapado do Apodi está ali, verdinha, entre o Rio Grande do Norte e o Ceará. Mato Grosso é uma área crítica de contaminação. O Pontal do Paranapanema, essa ponta de São Paulo, está amarelinho. A situação lá é gravíssima, porque há uma monocultura de cana ao lado do maior acúmulo de assentamentos rurais do Brasil. Existe uma pressão absurda da cana em relação à contaminação do agrotóxico no Estado de São Paulo. Se se pegar o zoneamento da possibilidade de se fazer agricultura em São Paulo, o zoneamento ambiental de São Paulo, tirando a faixa litorânea, em todo lugar é permitido fazer atividade agrícola. Só que a atividade agrícola permitida é para cana e para a agricultura familiar, para agrofloresta e para monocultura. Ela não distingue produtor de alimento e produtor de commodity. Fala-se muito aqui na agricultura como produção de alimento, mas nós, com a monocultura e a falta de planejamento da espacialização ambiental de São Paulo, por exemplo, estamos pressionando a nossa soberania alimentar. O Estado de São Paulo, com a vocação que tem para fazer múltiplas coisas, está acabando com a biodiversidade. Hoje, no Pontal de Paranapanema, o Parque Estadual Morro do Diabo é o único local de preservação de mata. Em todos os outros lugares não existe mais biodiversidade. Acabou. Não há contato, não há a menor possibilidade, acabou.
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O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Jorge, eu detesto interromper, mas preciso ser justo. Já se passaram 15 minutos.
O SR. JORGE MACHADO - Desculpem-me. Já finalizo.
O Pignati trouxe o conceito do acidente rural ampliado em 2007. Esse conceito quer dizer que toda a pulverização é um acidente rural ampliado. Levantou voo e vai fazer pulverização? Já há deriva com 30% calculado, isto é, 30% no ambiente. Isso vai para água. Isso vai ser evaporado, vai para o lençol freático.
A contaminação é sistêmica, ocorre em todos os meios, não só na água, como já está provado. Os habitantes dessas áreas mais críticas são 100% contaminadas. Na área em vermelho no Mato Grosso, 100% das pessoas está contaminada. Não existe ninguém na cidade que não tenha algum agrotóxico no sangue. Estou falando da população inteira de uma cidade. É uma questão de saúde pública. Se não há efeitos imediatos, certamente haverá efeitos a longo prazo, efeitos coadjuvantes de doenças.
Aqui estão os dez mandamentos da redução do uso de agrotóxicos, conforme consenso. Basicamente é a transição do modo de produção no campo da agropecuária extensiva para um sistema de plantio mais sustentável e racional. Estamos falando de transição, não de mudança radical. O glifosato está em revisão? Nós temos que colocar os limites. Vamos por limites para as pulverizações, com vistas a bani-las num determinado horizonte de tempo.
16:26
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Um dos dez mandamentos é a implantação de acompanhamento de base territorial pela Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos — VSPEA e da Assistência Técnica e Extensão Rural — ATER, com a participação dos agricultores. Para isso, tem que haver musculatura institucional e de serviço. Não dá para ficar aqui dizendo: "Não há muitos dados; faltam 50% dos Municípios...". Temos que ter uma meta de 100% dos Municípios acompanhados pela vigilância da qualidade da água. Precisamos aperfeiçoar o sistema.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Peço que conclua.
O SR. JORGE MACHADO - Neste eslaide, nós temos a soja, de novo com o glifosato. Ela é a cultura que mais intoxica agudamente no Mato Grosso. E ela não é tudo isso maior do que as outras: ela é apenas 30% — milho e algodão são 15% e pastagem é 15%. A cultura da soja está concentrando risco e deve ser foco de vigilância.
Este eslaide é sobre a rede de apoio intersetorial e integração com a população. Ela está lá no Município. Cabe a nós ativá-la para a ação de vigilância.
Há outros indicadores de impacto na agricultura que também estamos trabalhando. A monocultura acaba por inviabilizar a agricultura, a atividade agrônoma e a biodiversidade nos territórios, que é importante para os agrônomos, é importante para o MAPA. Fazer uso da monocultura como se faz com a cana e a soja não é sustentável, já está matando e vai acabar matando mais.
Nós trabalhamos com cursos de formação, não só nessas áreas, mas também no Semiárido. Trabalhamos, o caminho das águas, as cinco linhas de luta pelas águas. Precisamos trabalhar junto com os agrônomos, junto com os biólogos.
Este eslaide, por fim, mostra como víamos a gravidade dos agrotóxicos em 1991. Hoje em dia sabemos que ela é bem mais grave.
Desculpe-me ter extrapolado o tempo.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Jorge. Nós percebemos que o tempo prejudicou todos, mas até que o senhor foi beneficiado pela tolerância do Presidente.
Estão inscritos os Deputados Frei Anastacio Ribeiro, Pedro Uczai e Joenia Wapichana.
O Deputado Darcísio Perondi pede para falar como Líder. S.Exa. tem preferência.
O SR. DARCÍSIO PERONDI (Bloco/MDB - RS) - Agradeço a bondade da Mesa, do 1º Vice-Presidente da Comissão, o Deputado Padre João, e dos colegas.
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Eu gostei da qualidade dos palestrantes. Não ouvi todos, mas ouvi à maior parte. Houve uma referência inicial à ANVISA. A ANVISA não pode deixar de estar atenta para esse assunto, mas ela respeita os espaços governamentais. A água livre é do Ministério da Saúde e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — MAPA. A ANVISA entra no terceiro tempo, com a água envasada. A autorização dos agrotóxicos passa por ela e ela não se omite, nem poderia, porque essa é uma de suas missões, mas o fato de ela respeitar os espaços legais é a razão de ela não estar nesta Mesa hoje, como não estava ontem. Num futuro próximo, conforme a necessidade, ela poderá estar aqui presente — ela está aberta para todas as Lideranças desta Casa.
Devo dizer que gostei muito do que disse a Dra. Thais, técnica bem ponderada do Conselho que deixou a pergunta: como vamos fazer para produzir alimentos apenas com recursos orgânicos? De fato, no tempo do homo sapiens, do homo neanderthalensis, o homem era só caçador, não plantava. Depois houve uma evolução fantástica, e hoje há 6 bilhões de pessoas no mundo. Então, é preciso ter muito equilíbrio.
Em relação ao glifosato — eu fui o Relator da Lei de Biossegurança e dos Transgênicos —, há um bom número de informações de que o glifosato pode aparecer na água, mas a campanha que está se fazendo contra o glifosato no Brasil precisa de mais embasamento técnico para se sustentar. Na área econômica, então, nem se fala. Precisamos de embasamento técnico. Precisamos tomar muito cuidado.
Parabéns, Deputado Padre João, por esta audiência e por trazer para a Casa esse assunto que não se encerra hoje — haverá ainda muitos debates!
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Deputado Darcísio Perondi, a ANVISA foi convidada — nós entendíamos que mesmo para esta Mesa a presença da ANVISA era fundamental —, mas parece que ela própria se desconvidou.
Como esta é a primeira audiência, nós percebemos que hoje estamos mais levantando os problemas. Nós desenvolver um trabalho continuado, e será fundamental a presença da ANVISA, que precisa ver o desdobramento destes registros, onde está havendo repercussão. Antes, o foco maior era a questão dos alimentos, através do PARA — Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, mas é preciso entender que o principal alimento, a água, está contaminado. Foram trazidos estudos de 1.300 Municípios, mas na verdade esse número está muito aquém. Muitos outros Municípios nem sequer os apresentaram.
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A situação é grave. Há estudos do mundo inteiro sobre o nexo com doenças renais, câncer, doenças neurológicas e tantos outros problemas. Então, é uma questão de saúde pública, e nenhuma atividade econômica justifica a geração de doenças e mortes — nenhuma!
Nós estamos discutindo a questão da atividade minerária. É uma atividade econômica estratégica e importante? É, mas até quando se pode nela matar e ficar impune? Agricultura e pecuária são importantes? São, mas até que ponto? Nós temos dados e pesquisas suficientes parar mostrar que é possível produzir alimentos que garantam saúde e vida para o nosso povo.
Esta é apenas uma consideração que faço para ser justo com a presença de V.Exa.
Na ordem, os próximos oradores são: Deputado Frei Anastacio Ribeiro, Deputado Pedro Uczai e Deputada Joenia Wapichana.
Tem a palavra o Deputado Frei Anastacio Ribeiro, por 3 minutos.
O SR. FREI ANASTACIO RIBEIRO (PT - PB) - Esse problema do agrotóxico na água, que no momento está sendo muito debatido, é um problema corrente hoje. Na Paraíba mesmo, a Grande João Pessoa tem mais ou menos 1 milhão de moradores, e há denúncia de que o manancial de Gramame, próximo a João Pessoa, está contaminado por agrotóxico, o que coloca em risco seus trabalhadores, sua população. No último sábado eu estive nessa região. Na segunda-feira, estive com o Dr. José Godoy, Procurador Federal, que está se prontificando a ir nos próximos dias ver o problema in loco.
Em relação ao glifosato, a ANVISA fez uma consulta pública, que terminou no dia 6 de junho. Eu pergunto o seguinte: qual é o motivo da prorrogação da consulta pública, visto que até a data limite havia 4 mil manifestações contrárias à liberação do glifosato e aproximadamente 1.700 manifestações favoráveis, tendo havido, entre estas 1.700, 700 manifestações favoráveis com restrições? Essa é uma primeira pergunta.
Como é que funciona a fiscalização e o monitoramento dos agrotóxicos nas indústrias? Quando foi a última vez em que a ANVISA, o MAPA e o IBAMA fizeram fiscalização das indústrias e o que encontraram de irregularidades?
A terceira pergunta é: os ingredientes ativos dos agrotóxicos importados sofrem algum tipo de controle de qualidade quando chegam ao Brasil? Que análises laboratoriais são realizadas no Brasil desses produtos importados?
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Tenho outras perguntas, mas eu me contento com essas três. Não sei quem vai responder.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Deputado Frei Anastacio Ribeiro.
Peço aos os convidados que anotem as perguntas para que respondam a elas em bloco.
Tem a palavra o Deputado Pedro Uczai.
O SR. PEDRO UCZAI (PT - SC) - Deputado Padre João, eu queria cumprimentá-lo pela iniciativa desta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
É um direito humano se alimentar. Qual é a qualidade da água e da comida que são consumidas? Hoje, o objeto da discussão aqui é a água.
O que estamos percebendo aqui é que o diagnóstico, de modo geral, está bastante profundo. Temos conhecimento científico. Está havendo pesquisas em várias áreas, identificando os impactos, os efeitos, as consequências para o meio ambiente, para a saúde humana, para o solo, etc. O segundo ponto é que, diante desse diagnóstico, as respostas do Governo atual nos preocupam.
A pergunta para os membros do Governo, tanto para o Ministério da Saúde quanto para o Ministério da Agricultura, é se, na liberação desses registros a granel, tiveram toda a precaução. Foi usado o princípio da precaução para liberar tantos registros, dos quais muitos inclusive são de produtos proibidos em outros espaços mundiais? Onde é que estão os critérios? Havia um pacote com tudo pronto — os critérios, os estudos — para que, então, se pudesse liberar? Ou se está liberando discricionariamente, por decisão mais política do que técnica e científica?
Em segundo lugar, está diagnosticado que não há fiscalização no Brasil — não há. Há vontade do Ministério da Agricultura de fiscalizar mesmo? Ou a decisão política é não fiscalizar? Qual é a decisão política? É fiscalizar ou é não fiscalizar? Nesse sentido, eu acho que o Ministério da Saúde vai ter muitos problemas e desafios.
Presidente, pela importância do tema, eu queria, como Vice-Líder da bancada, usar alguns minutos do tempo de Liderança, até para pensar em soluções.
Quanto aos diagnósticos de que nós estamos falando, em Santa Catarina, foram feitas análises em 100 dos 295 Municípios, e se constatou em 22 Municípios água contaminada com resíduos de agrotóxicos. Inclusive, no Município de Coronel Freitas há contaminação por agrotóxicos em águas profundas, águas subterrâneas, o que chamou atenção dos pesquisadores da política pública.
Eu acho que está mais do que na hora de desconstruir dois argumentos fortes. Diz-se que se usa agrotóxico em nome da ciência, em nome da tecnologia, em nome da produtividade, e que só há um problema, que é a falta do cuidado devido por parte do agricultor, que não usa bem o agrotóxico, que não faz bem o uso, não tem equipamento, não tem isso, não tem aquilo. Não se discute efetivamente e cientificamente o que os agrotóxicos, mesmo com o uso de todos os equipamentos, produzem de impacto na água, no solo e na qualidade do alimento. Eu acho que essa é a primeira coisa.
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Aí surge no debate o grande argumento — e a propaganda é forte — de que se precisa usar tudo isso porque é necessário alimentar o povo, dar comida para o povo. Isso está sendo colocado cada vez mais em xeque, porque é essa comida que está matando o povo, é essa água que está matando o povo. E, às vezes, essa comida tem baixa qualidade nutricional, o que eu acho que é outra discussão que nós poderíamos fazer aqui. Está-se matando e destruindo a biodiversidade.
Eu queria perguntar ao Ministério da Agricultura e ao Ministério da Saúde se há laboratórios no Brasil inteiro para continuar diagnosticando todos esses novos agrotóxicos liberados. Há laboratórios para qualificar e classificar não só toxicidade, mas outros elementos contaminantes? Que tipo de análise se faz?
Eu queria concluir aqui numa outra direção. Nós estamos em disputa dentro deste Congresso. Há dois projetos em disputa aqui. Este não é lugar nem de santo, nem de pecador, mas de contradição da sociedade brasileira, que expressa os seus interesses e valores. Qual é o centro? É o mercado, é o dinheiro, é a economia? O agrossistema é que tem que se submeter à tecnologia, à agronomia, à economia e à agricultura?
Existe na Casa outro projeto sobre o tema, um projeto que "libera geral" o uso de agrotóxicos. Eu nem sei se precisamos mais votar esse projeto aí. Com o que estão fazendo no Governo nos últimos 5 ou 6 meses, eu não sei se precisamos mais votar o que se chamou de pacote do veneno. Eu não sei se precisamos mais votar. Eles estão escancarando tudo. Eu queria ouvir os membros do Governo sobre isso.
Do outro lado, temos a PNARA, a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos. As entidades da sociedade civil — estão aqui a ABRASCO e tantas outras — nem pediram para eliminar o uso de agrotóxicos; pediram para reduzir o uso de agrotóxicos.
É chocante para nós quando o Sr. Leomar fala das duas possibilidades, parar o estrago ou diminuir a velocidade do estrago, da tragédia que está se produzindo neste País. Pare ou diminua, vá devagar. E nós estamos querendo ir devagar. Então, nós estamos nessa segunda tese, a de ir devagar na redução de agrotóxicos neste País.
Esse é o objetivo da PNARA, que é uma experiência acumulada. Eu fui Relator do projeto na CLP — Comissão de Legislação Participativa. Depois, participei da Comissão Especial, e conseguimos aprová-lo no final do ano passado. O Governo tem disposição de construir uma política como a PNARA? Eu pergunto para a Marcella, do MAPA: qual é a posição do Governo nos Ministérios? O PNARA poderia ser uma alternativa?
Eu termino dizendo, Deputado Padre João, demais Deputados, que eu acho, sim, que nós temos que pensar em alternativas. Nós temos que nos aprofundar. As alternativas estão produzidas, mas nós estamos agindo bastante como uma pata: nós pomos os ovos e não cantamos muito. O agro é pop, o agro é tech, o agro é com veneno, o agro é sem veneno. Eles fazem muita propaganda! Nós não temos essa possibilidade. Então, nós precisamos criar mecanismos para demonstrar que existe ciência, que existe tecnologia e que dá para produzir alimento em pequenas propriedades em base agroecológica, em médias propriedades em base agroecológica e em grandes propriedades.
Há empresários da área rural e fazendeiros que estão produzindo vários fertilizantes, alternativas que as grandes indústrias da química nem sabem que eles estão desenvolvendo. Eu visito a Fazenda da Toca, com 2,3 mil hectares, e duvido que haja qualquer questionamento sobre a produtividade daquela propriedade, sobre a qualidade nutricional ou sobre a sustentabilidade ambiental, social, econômica e produtiva. E ela tem 2,3 mil hectares! É possível ou não é possível? É possível. Nós temos ciência e tecnologia disponíveis. A decisão é política, e nós vivemos este processo contraditório no País.
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Então, eu quero dizer duas ou três coisas aos que defendem tanto o veneno, com um discurso aparentemente científico. O problema é que são sempre científicos os discursos — sempre científicos, sempre científicos, sempre científicos. É muito engraçado. Mas, cientificamente, o Ministério da Saúde diz que há pessoas morrendo com doenças crônicas por consumirem água contaminada, alimento contaminado.
É por isso que os planos de saúde vão abandonar o atendimento de saúde, o atendimento médico para todas as doenças crônicas. Esse atendimento vai ficar para o SUS. Isso já está ocorrendo, porque o custo é alto. A doença crônica tem tratamento longo, e os planos de saúde não querem mais atender esses pacientes. Ou vão falir os planos de saúde, ou vai falir o sistema público. Como congelaram por 20 anos os investimentos em saúde, nós sabemos em que isso vai dar.
São as pessoas humanas o centro da política econômica, social e produtiva? Ou não?
Eu parabenizo V.Exa., Deputado Padre João. Desculpe-me por ter me estendido um pouco, mas eu estou convencido de que nós temos que construir um programa nacional de fomento e desenvolvimento de sistemas agroflorestais, de base agroecológica. Eu acho que nós temos que construir esse programa e queria dar a minha contribuição.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Deputado Pedro.
Passo a palavra para Deputada Joenia Wapichana, de Roraima.
Salvo engano, os mapas mostram que o Estado da Região Norte que está mais contaminado é Roraima.
A SRA. JOENIA WAPICHANA (REDE - RR) - Eu queria compartilhar justamente essa preocupação, Deputado Padre João. Saúdo todos aqui e parabenizo V.Exa. pela iniciativa.
Nós indígenas da Amazônia nos interessamos muito por essa discussão, principalmente para que sejam adotadas algumas medidas, inclusive para que nós no Parlamento não deixemos avançar proposições que só venham a causar efeitos negativos para a população brasileira como um todo, não só para indígenas, mas para não indígenas também. Os povos indígenas sempre tiveram cuidado com a forma de manejo do solo, da floresta e da água, principalmente. Nós temos esse cuidado milenar, que já vem de nascença.
Eu venho do Estado de Roraima e, pela minha experiência em terras indígenas, diria que há até mesmo um confronto relacionado a algumas monoculturas. Inclusive, há crimes até hoje impunes. Nós tivemos aquela experiência com a plantação de arroz em Raposa Serra do Sol. Naquela época, a Comissão de Direitos Humanos até mesmo fez uma visita lá. Para se ter uma ideia, quando havia a plantação de arroz naquela terra indígena, uma das lutas que os povos indígenas tinham era justamente contra a pulverização de agrotóxico via aérea. As comunidades indígenas, que têm por hábito morar próximo aos rios, tinham que respirar agrotóxicos que muitas vezes não eram fiscalizados, que muitas vezes não eram nem licenciados aqui no Brasil. Houve muitas denúncias, inclusive na Polícia Federal, de indígenas que encontravam sacolas de agrotóxicos escondidas no solo. Foram cavados buracos para colocar e esconder esse tipo de agrotóxico. A contaminação vinha pelo ar, porque, quando se pulveriza uma plantação de arroz, de soja ou outra monocultura, o vento, que em Roraima é muito forte, leva o agrotóxico para lugares muito distantes — peço que acrescente o tempo de Liderança da Rede Sustentabilidade. Isso vem causando impacto na saúde da comunidade indígena. Viam-se crianças com coceiras, mulheres grávidas sofrendo aborto. Havia muitos problemas. Nós não sabemos sequer como está hoje a situação daquela comunidade. A área ficava do lado da comunidade de São Marcos, Xiriri. Eu acho que a região merecia até um estudo de caso, se alguém tiver interesse em fazer. Por mais que reclamássemos, ouvíamos da ANVISA, da ANA, do IBAMA, de todos os órgãos fiscalizadores que essa não era uma questão a ser tratada, porque a terra indígena não era demarcada.
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Eu acredito que muitas comunidades indígenas na Amazônia ainda passam por uma situação de querer esconder um caso de obrigação de fiscalização porque existe uma pendência na demarcação de suas terras. Queria compartilhar essa experiência porque creio que isso, apesar de ter acontecido uns 15 anos atrás, tem relação com esta discussão.
Existe uma preocupação muito grande da sociedade brasileira com a questão da alimentação. Eu acho que nós não podemos desconsiderar a necessidade de a população ter uma segurança alimentar, mas essa segurança tem que ter alguns cuidados. E cabe a nós — principalmente os servidores públicos, os gestores públicos — ser responsáveis, sérios e conscientes de que não existe uma contradição em ter cuidados com a alimentação, cuidados com o meio ambiente e uma preocupação relacionada à fiscalização.
Preocupa-me bastante a questão do licenciamento no uso dos agrotóxicos. Em 2016, por exemplo, houve 20 licenças; em 2017, 47 licenças; em 2018, 60 licenças. Somente até o começo de março deste ano, 2019, foram expedidas mais de 86 licenças, ou seja, em praticamente 100 dias foram expedidas mais licenças do que em 2 anos somados.
Boa parte dos princípios ativos de agrotóxicos que são liberados tem seu uso proibido em países que têm mais seriedade em cuidar da alimentação de sua população, como, por exemplo, os Estados Unidos e boa parte da Europa, justamente porque nesses países foi feita uma análise técnica, com argumentos técnicos, e não com argumentos ideológicos. A preocupação não é só com o meio ambiente ou com algum segmento, mas com a população em geral, porque o que me afeta pode afetar vocês, pode afetar qualquer um, não escolhe cor nem origem. Foi comprovada a ligação com o câncer, com a má-formação de embriões. Então, essa é uma preocupação que nós precisamos levar a sério.
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Gostaria de saber se os órgãos têm algum trabalho em conjunto para analisar os impactos do uso do agrotóxico. E não me refiro somente à questão econômica, porque, como já foi afirmado muitas vezes, a questão econômica não está, digamos assim, acima de todos os outros direitos. Nós temos direito à vida, à saúde, à integridade física. A questão dos direitos humanos e a questão da demarcação das terras indígenas não podem se sobrepor; são conciliáveis. Tem que haver uma seriedade quando se combinam os princípios dos direitos humanos.
Já que estamos falando de água, quero dizer que nós temos uma preocupação muito grande na Amazônia, porque a maior parte das nascentes de água está dentro das terras indígenas. Nós, como guardiões da água, temos esses cuidados, mas todos precisam ter uma responsabilidade compartilhada em relação à proteção dos recursos hídricos. É preciso proteger não só as nascentes, mas a água que está fora delas também. O rio não fica parado.
Eu fico muito preocupada com essa contaminação em Roraima. Já que foi detectado que o nosso Estado está avançando nessa contaminação, tem que haver algum cuidado especial. E muito dessa contaminação decorre não do uso de agrotóxico, mas do uso do mercúrio. A questão dos garimpos é uma coisa bastante séria. Eu já ouvi alguém falar que uma prioridade para o desenvolvimento é a regularização da mineração. Para nós, não. Para nós, isso vai ser um retrocesso para o País, pelo impacto que vai causar não só nos indígenas que estão dentro das terras indígenas, mas nas pessoas que consomem essa água, que vivem e dependem da água que vem das terras indígenas.
Então, é preciso que nós tenhamos mais seriedade ao lidar com os impactos que estão acontecendo, para tomarmos medidas de prevenção. Nós ainda temos tempo de mudar esse comportamento Precisamos de regulamentação, fiscalização e medidas que realmente possam ser positivas para todos.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Deputada Joenia.
Passo a palavra ao Deputado Carlos Veras, do PT de Pernambuco — a região de Petrolina é uma área em que há bastante veneno —, pedindo ao Deputado Pedro Uczai que presida a sessão para que eu possa usar a palavra depois como autor do requerimento e como Líder.
O SR. CARLOS VERAS (PT - PE) - Vamos deixar o nosso Presidente interino chegar à mesa.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Tem a palavra o Deputado Carlos Veras, pelo tempo regimental. Depois, falará o Deputado Padre João.
O SR. CARLOS VERAS (PT - PE) - Obrigado, Deputado Pedro. Agradeço também ao Deputado Padre João.
Quero cumprimentar todos os expositores e expositoras desta audiência importante, que trata dos agrotóxicos nas águas. Eu sou da agricultura familiar. Sem água e sem terra, nós não produzimos, e vocês também não sobrevivem. A raça humana não existe sem a terra e sem a água. Acredito que os cientistas ainda não descobriram uma possibilidade de sobrevivermos sem elas.
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O agrotóxico é veneno. Ele impacta diretamente as nossas vidas, a produção. Até que ponto é válido aumentar a escala de produção em detrimento da vida de pessoas? Trata-se de um ataque à vida. O nosso Rio São Francisco está sendo contaminado por agrotóxicos, por venenos. Quando se contamina a água, ela não fica ali parada; contamina-se o solo, contamina-se a terra. Ora, como respondemos à Mãe Terra? Envenenando-a. Como temos respondido à natureza? Com o processo de envenenamento. Isso volta para todos nós.
Nós produzimos organicamente, plantamos produtos agroecológicos, orgânicos, no Estado de Pernambuco. Grande parte daqueles que compram esses produtos agroecológicos é exatamente quem usa o veneno, quem envenena, quem produz através do uso massivo de agrotóxicos. Muitas vezes, nós que produzimos esse alimento acabamos não o consumindo, porque precisamos vendê-lo para tirar nosso sustento. Então, quem produz usando venenos acaba não comendo o próprio alimento que produz.
Esse é um tema sério, um tema que coloca na pauta vidas. Aqui, não estamos discutindo simplesmente se a escala de produção vai diminuir ou vai aumentar; estamos discutindo que País queremos, que meio ambiente, que natureza, que terra nós queremos, que tipo de vida nós queremos para o povo brasileiro.
Por isso, é muito importante este debate. Precisamos aprofundá-lo e proteger o povo brasileiro.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Obrigado, Deputado Carlos Veras.
Passo imediatamente a palavra ao Deputado Padre João, autor do requerimento desta audiência pública nesta Comissão, que tem o tempo regimental somado ao tempo de Liderança.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Presidente, pelo menos neste ponto me coloco em pé de igualdade com os convidados. Como autor do requerimento, tenho direito a 5 minutos. Com os outros 7 minutos, tenho 12 minutos.
Primeiro, eu quero agradecer aos convidados.
Quero também reafirmar o meu protesto à ANVISA. Com todo o respeito, eu acho que a ANVISA tem um recorte que lhe é específico, diferente daquele do Ministério da Saúde. Eles se somariam aqui. Um não descredenciaria o outro, porque cada um tem um papel específico.
Nós estamos acompanhando todo o processo, desde o registro até os desdobramentos. O envenenamento da água é um desdobramento, mas há uma corresponsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério da Saúde, da ANVISA e do MAPA.
Eu estou muito mais assustado hoje do que no dia em que produzimos e aprovamos o requerimento — muito mais. Eu retomo o que eu disse ao Deputado Darcísio Perondi: nenhuma atividade econômica justifica matar, nenhuma.
Thais e Marcella, nós tínhamos que fazer as contas do impacto relacionado a doenças. A agricultura está produzindo isso. Há um impacto econômico — o produto vai para a exportação, por exemplo. Mas qual é o impacto relativo a doenças? Nós temos estudos que comprovam o nexo com as doenças, e são doenças cujo tratamento é mais caro. Então, o impacto no orçamento da saúde é enorme.
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Para mim, nunca foram referência os Estados Unidos, mas nós já vimos a justiça americana dando ganho de causa para vítimas do veneno lá. Para muitos aqui, infelizmente, a referência são os Estados Unidos. Então, que eles também tenham como referência isso.
Marcella, quantos fiscais tem hoje o MAPA? E quantos têm o IBAMA e a saúde? Quais são as ações dos fiscais e a periodicidade de atuação da fiscalização do MAPA em relação ao agrotóxico?
Eu não sei se eu bem entendi, Marcella, mas parece que desqualificaram os estudos citados. Pelo menos, V.Sa. tentou passar alguma coisa assim. Só para não ser injusto, é importante voltar a falar em relação ao estudo, se há algum questionamento, se há dúvidas em relação aos dados que foram aqui apresentados.
Nós lamentamos que isso tenha ficado para cima da hora. Parece que uma das pessoas responsáveis por toda a análise estava grávida, e não foi possível fazer. Mas acho que nós vamos ter que retomar. A própria audiência pública deixa claro para nós que tem que ser um trabalho permanente, numa linha mais propositiva, mostrando aqui que todos estamos sendo envenenados, independentemente de sermos de direita ou de esquerda — eu fiz um pronunciamento hoje no Plenário sobre isso —, de sermos ou não filiados, de sermos da cidade ou da roça. Somos todos! A questão é muito grave.
O que nós estamos analisando aqui são as consequências dos agrotóxicos dos anos passados. Imaginem este ano! Na verdade, estamos sempre desatualizados. Até ontem, estávamos trabalhando com dados que apontam 200 novos registros. Parece que hoje esses registros já passam de 250. Falaram que liberaram nesta segunda-feira mais trinta e tantos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Então, são 219 até ontem, Marcella? Alguém me diz aqui que já chegam a 250. Mas, vejam, é assustador!
A Marcella afirma que são 219 até o dia 11 de junho de 2019 — essa é uma informação do MAPA. Alguém me falou que chegam a 250. Mas está bem. Fiquemos aqui com os 219, segundo informação do MAPA, até este 12 de junho de 2019. É bom que fiquem registradas as datas aqui.
Isso é assustador! Então, qual será a consequência daqui a 3 anos se, com o aparato que já tínhamos, os dados já são assim aterrorizantes? Como será daqui a 3 anos ou 5 anos, porque, segundo dados que tenho, não há fiscalização, não há comprovação relativa à questão da pulverização aérea. Ela é precaríssima em relação à umidade relativa do ar, em relação à velocidade do vento, em relação à temperatura. Esses dados não chegam. Além disso, há muitos aeroportos clandestinos, que não estão cadastrados, e que estão utilizando. Também não há dados da pulverização em relação à altura. Isso é um problema sério, Deputado Pedro Uczai. Às vezes vemos como é a pulverização na soja. Aquela relação dos produtos ali não traz o feijão. É porque são muito relativos esses dados. Há determinadas regiões onde o feijão é o principal item. Se pegarmos a situação de Unaí, é uma coisa assustadora. Os dados parecem universais, do País inteiro. Também não trazem ali nada sobre o eucalipto. A pulverização aérea no eucalipto é uma coisa absurda — absurda! —, no combate ao percevejo bronzeado, que atacou novamente. Há uns 5 anos houve uma infestação de percevejo bronzeado na região do Jequitinhonha, norte de Minas. E agora de novo, de novo!
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Então, imaginem o que é a deriva em relação à altura, porque ele pega lá da pontinha. Tanto a evaporação quanto a deriva vão muito mais longe. Só um apicultor do Município de Veredinha, na comunidade de Mendonça, perdeu mais de 100 caixas de abelha. Só um apicultor perdeu mais de 100 caixas de abelha! Ele perdeu!
Embora aqui o foco seja água, pergunto que procedimentos nós podemos adotar em relação à saúde nesses Municípios que não têm apresentado as informações? O que podemos fazer aqui enquanto Congresso, enquanto Câmara dos Deputados? Isso vale para a Marcella, para a Thais e para o Danilo. Quais são os laboratórios que têm feito essas análises? Qual é a rubrica do Orçamento que nós temos em relação a essas análises? Estamos procurando um laboratório, mas não conseguimos um laboratório que nos dê garantia da análise de agrotóxico. Mesmo com as universidades e tudo, estamos tendo dificuldade.
Estou quase exonerando o Pedro, que está nos acompanhando (Riso.). O Pedro é o assessor, é um médico veterinário da minha equipe. Eu dei essa tarefa para ele, mas ele não me traz os resultados. Não estamos conseguindo um laboratório que nos dê garantia. Estamos dispostos a pagar. Há Municípios onde a situação é muito mais grave! Gravíssima! Parece que as doenças renais são uma epidemia, sobretudo no Alto Jequitinhonha.
Então, há essa questão de laboratório, a questão de orçamento. Imaginem a minha angústia, porque eu não consigo enxergar uma solução! Hoje, havia um projeto meu para ser apreciado na Comissão de Seguridade Social e Família, mas os ruralistas não deixam tramitar. É preciso simplesmente corrigir a tabela. Quando olhamos a tabela dos Estados Unidos e de outros países, vemos está lá nas alturas. Aqui é uma migalha. E eles ainda não permitem. Há vários projetos de nossa iniciativa que não tramitam, além dos que foram apensados justamente para que sejam engavetados, para que se impeça sua tramitação. Mas eles também estão sendo envenenados. Nós temos colegas que já estão com câncer. Eles sabem que vão ser vítimas e que seus familiares já estão sendo. Mas a pergunta que eu estava fazendo era em que rubrica do Orçamento é possível trabalharmos com emenda parlamentar, porque eu não tenho muita esperança de que o Governo vai fazer isso, com toda a verdade. Mas há a nossa disposição de colocar como vamos construir isso até agosto, para trabalharmos com algumas universidades ou com laboratórios, até para equipar universidades, se preciso for, com equipamentos mais necessários, porque eu percebo que está muito aquém a análise da água potável. E as empresas estão sendo criminosas, inclusive a COPASA e a COPANOR, em Minas Gerais, lá em cima, porque às vezes analisam a questão de coliforme fecal e ficam muito nisso. Na verdade, o coliforme vai dar uma disenteria, algum problema assim, mas isso não é nada em relação ao veneno, digo, ao coquetel.
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Parece-me que nem a ANVISA tem esse estudo — pelo menos não tinha. O Ministério da Saúde analisa o efeito daquele agrotóxico específico. Mas, quando junta o agrotóxico que está na maçã, com o que está no tomate, com o outro que está no pimentão, nas folhas, no legume, isso forma um coquetel. E não há um estudo que analise o impacto desse coquetel. Ainda vemos que nas redes sociais muitos dizem: "Coloca de molho na água com vinagre, e isso vai tirar o agrotóxico". Mas a água está contaminada!
Então, nós temos que ir à raiz dos problemas. Eu acho que a raiz do problema, de fato, está nessa liberação escandalosa. Eu não sei como está sendo essa liberação tripartite. Como o IBAMA está atuando? Quem do IBAMA está atuando? O IBAMA está dando aval para isso tudo? O IBAMA está consciente do extermínio de abelhas, da contaminação do meio ambiente, da água? O IBAMA analisa e tem que dar o atestado em relação ao impacto no meio ambiente. Então, os técnicos do IBAMA estão assinando um atestado para matar os rios, matar a biodiversidade? Isso não é um tiro no coração do próprio agronegócio? Quase 60% das culturas dependem da polinização até mesmo de abelhas. E aí, isso não é um tiro no pé? A Rússia já adverte que não vai querer soja envenenada. Nós estamos aqui também querendo contribuir até com o agronegócio, porque pode chegar o momento em que vai haver veto. Cargas de laranja já foram devolvidas. Cargas até de rapadura já foram devolvidas.
Então, isso não é sustentável ambientalmente, nem socialmente, porque está matando, gerando doenças nos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, e não o é também economicamente. Uma hora isso vai pôr em xeque as exportações.
Eu creio, Sr. Presidente, que nós temos que ter um grupo de trabalho permanente. É importante que a ANVISA venha aqui. Não sei se regimentalmente se mantém a aprovação quanto à ANVISA. Foi aprovado um requerimento para que ANVISA estivesse aqui. Como damos continuidade? Pedimos perdão em relação ao tempo, mas acho que as mesas extensas também não são produtivas. Talvez o melhor fosse trabalhar por áreas, definir que áreas poderíamos trabalhar e como criar condições para pressionar e avançar na PNARA, que está parado no Plenário. Nós temos que criar condições para isso. Eu luto com a questão da mineração desde 2003, quando era Deputado Estadual. Nesse período não avançamos em nada porque tanto o Congresso quanto as Assembleias Legislativas eram altamente contaminados pelo poder econômico da mineração. Precisou que morressem 19 pessoas em Mariana, com o crime da Samarco, Vale e BHP Billiton, e agora 270 pessoas em Brumadinho, para que se criassem condições para avançarmos um pouco no marco regulatório. Mesmo assim, ele está emperrado no Plenário. Vamos ver se conseguimos votar de hoje até manhã, de nove projetos, pelo menos dois. Havia um acordo para votar na semana passada, mas não conseguimos. Mesmo assim, as condições são favoráveis para avançarmos no aprimoramento do marco regulatório da mineração, da atividade minerária, das licenças, da segurança de barragem, tudo isso. E o agrotóxico? Será que isso não assusta o nosso povo do campo e da cidade? A grande mídia não pode contribuir com isso? Os artistas? Os atores? Nós temos que criar condições para fazer frente a uma bancada que pouco se importa com a vida, com o meio ambiente, com as pessoas, com a qualidade dos alimentos, sobretudo da água, que é nosso principal alimento. A água é fonte de vida, e estão transformando-a em fonte de doença e de morte. Isso é uma coisa absurda, criminosa, que tem que ser revertida.
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Eu não desisto. É assustadora a conjuntura, mas faço aqui um apelo, representando o poder público, sobretudo ao pessoal do Ministério da Saúde, do MAPA, do Meio Ambiente, à participação popular, aos movimentos sociais organizados que sempre contribuíram, à agroecologia, com a ABA, que sempre participou de maneira propositiva, a nos ajudarem. Eu acho que o CONFEA também pode nos ajudar mais. O Ministério Público tem sido um grande parceiro do nosso trabalho.
Como minhas considerações finais, gostaria de pedir que nos ajudem no sentido de estabelecer que trabalho continuado podemos fazer e em que áreas, para podermos avançar e buscar mais dados, pois sabemos que esses dados ainda estão aquém da realidade. Essa é a nossa tristeza, pessoal. Essa é a nossa tristeza.
E o veneno que é utilizado no café? O café da montanha vem na primeira chuva. Há pulverização aérea nas áreas de cana-de-açúcar várias vezes, muitas em área de montanha. Então, os dados estão aquém da realidade. Todos esses dados, infelizmente, estão aquém da realidade. Em alguns lugares é mais complicado ainda, como em Unaí e no próprio Alto do Jequitinhonha. Em regiões onde predomina a monocultura percebemos que o veneno pede mais veneno, que pede mais veneno e que só vai ampliando, nunca diminui, nunca diminui.
Obrigado, Presidente. Acredito que usei os 12 minutos que estavam previstos.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Como todos os palestrantes tiveram 1 minuto a mais, V.Exa. também pode passar um pouquinho, sem problema.
Eu acho que seria conveniente ver se a ANVISA tem disposição de vir em outro momento, em forma de convite. Outra forma é a Comissão convocá-la — e dá para convocá-la —, se for importante para a Comissão.
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O segundo encaminhamento é construir um grupo de trabalho, inclusive para contribuir com o Governo, principalmente o Ministério da Saúde, às vezes o IBAMA, que precisa do apoio da sociedade civil, representada inclusive no Parlamento brasileiro, para dar legitimidade às suas ações. E sabemos muito isso porque vivenciamos essas experiências históricas e acompanhamos isso não só neste Governo, mas também nos outros Governos.
O terceiro encaminhamento é pressionar a Casa a dar uma demonstração de que está preocupada com a redução — não com a extinção — de agrotóxico e votar o PNARA.
O quarto ponto, que o Deputado Padre João levantou, é o Orçamento. Acho que precisaria ser feito um grande debate sobre o Orçamente, que é dinheiro que vem da sociedade brasileira. Antes de pensar em tratamento para a saúde, deveríamos evitar que alguém ficasse doente ou pela água, ou pelo ar, ou pelo consumo de alimento.
Eu sempre desafio os profissionais que defendem a produtividade com o uso de insumos químicos, fertilizantes e agrotóxicos, na relação com outras experiências produtivas e econômicas, que são totalmente desiguais em termos econômicos — e não vamos nem falar em quantidade aqui. Se começássemos a diminuir a distância dos recursos no Orçamento público para pesquisa, se a EMBRAPA colocasse 50% dos recursos em pesquisa em formas convencionais de fazer agricultura e 50% em formas alternativas e outras bases tecnológicas, em 5 anos ou 10 anos nós teríamos outra base para a agricultura brasileira. Poderíamos investir nas universidades públicas e em institutos federais. Eu sou professor de uma universidade, mas acho que os próprios profissionais da agronomia, da medicina veterinária ou da zootecnia, tendo em vista grande parte das grades curriculares, só receberam formação para um único modelo agrícola. Há um único modelo! Não há outro. Acho que hoje as próprias empresas privadas já dão conta disso. É até um problema ético, Deputado Padre João, as grades curriculares em institutos federais e em universidades federais terem um único currículo. É um problema ético.
Eu provoquei um instituto federal que ia implantar um curso de agronomia — e eu gosto de trabalhar com os cursos de pós-graduação de agronomia, de medicina veterinária, de bovinocultura, de suinocultura, de avicultura, na minha região, que são as bases da América Latina para teorizar e problematizar esses temas —, eu o desafiei a fazer um curso em que pelo menos um profissional saísse da universidade com duas opções para orientar o agricultor: na forma convencional, com os insumos, com os fertilizantes químicos, com o agrotóxico, com o veneno; e na base agroecológica, para fazer análise de solo, de produtividade, de resultado, de resultado nutricional, de resultado para o meio ambiente, para a sociedade, para o consumo humano e para a saúde humana.
Eu acho que existem diferentes variáveis. O dinheiro é público, mas o dinheiro público está canalizado para um único modelo de agricultura. Pelo menos um dos institutos se sentiu desafiado e vai ter 5 hectares de base agroecológica e 5 hectares de base convencional. Esse instituto fica em Araquari, no litoral norte, perto de Joinville. Eles desafiaram-se a construir essas possibilidades, e daí o técnico pode dar ao agricultor duas alternativas. Hoje o técnico não dá alternativa, porque ele não tem formação para isso. Ele não tem. Pelo contrário, ele duvida, ele desconfia do outro, porque só se formou numa direção, só se formou tecnologicamente, cientificamente, vamos falar assim, com essas expressões, num único modelo de produção agrícola, que vige há 50 anos. Não é coisa pequena!
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Os senhores que são do Conselho têm todo um acúmulo e uma formação dentro de uma cultura profissional tecnológica, mas o poder público, Deputado Padre João, tem que desafiar os órgãos de pesquisa e os órgãos de formação profissional para outra direção, além da expectativa de produção. Se não mexermos no estrutural, nós não teremos resultados a médio e longo prazos. Acho que as entidades nos ajudam, diagnosticam e nos colocando em xeque, colocam em xeque também as políticas públicas brasileiras.
Acho que tem que haver essa outra possibilidade, pelo menos democraticamente. Quem sabe um dia, nós sonhamos que todos os 100% sejam de base agroecológica. Mas eu estou aqui mediando um pouco para que pelo menos, democraticamente, haja a possibilidade de formar um profissional com duas perspectivas de produção agrícola. Está bom?
Eu acho que é isso, Deputado Padre João. Vamos passar para as considerações finais dos palestrantes? Estamos na Ordem do Dia, está aqui piscando a luzinha. Temos um processo de votação.
Então, os palestrantes vão ter que ser objetivos.
Vamos inverter. (Pausa.)
O senhor gostaria de fazer uma observação?
O SR. SÍLVIO SÁ - Boa tarde a todos. Meu nome é Sílvio Sá, eu sou técnico em química da Companhia de Saneamento de Sergipe. Estou aqui na condição de presidente do sindicato dos trabalhadores da nossa empresa, que está ligado ao abastecimento e irrigação no Estado.
O pequenino Sergipe só é lembrado quando, às vezes, faz-se referência a Israel, pois eles têm a mesma extensão territorial.
Como o Deputado de Pernambuco Carlos Veras falou aqui, mais da metade da população sergipana é abastecida pelo Rio São Francisco. Qual é a nossa preocupação? Irrigação, agrotóxico. Sergipe é o último Estado e tem 1 milhão e 100 habitantes abastecidos pelo São Francisco.
Nós temos no nosso Estado produção de milho no Alto Sertão; de cana-de-açúcar no Vale do Cotinguiba; de laranja na região centro-sul. A região da olericultura é o Agreste. Temos duas barragens de acumulação que abastecem grandes cidades. No Baixo São Francisco, a rizicultura acabou. Agora, só há produção de camarão. A salinização na foz do Rio São Francisco é outro impacto ambiental. Temos também Barragem de Brumadinho, Rio das Velhas e Paraopeba convergindo para o São Francisco até lá.
Anos atrás, em Petrolina, visitei aquelas indústrias de produção de frutas que vão para países de Primeiro Mundo. Fiquei orgulhoso em ver o tratamento que se dá às frutas: ar condicionado. Tive que entrar de touca e de avental. Não se via um inseto. E olhamos para o outro lado, nos hospitais existem pessoas morrendo de câncer, sem o tratamento devido. E essas frutas vão para o exterior. E aquelas de terceira categoria? "Deixem para os brasileiros, eles vão consumir". Ficamos preocupados, porque o consumo maior hoje de água é na irrigação, 80%, enquanto 12% são na indústria e 8% vão para a contaminação.
Tenho uma dúvida. A Marcella fez uma apresentação em que mostrou que o Estado da Bahia é um dos que mais tem contaminação de agrotóxico. A maior parte, Urucuia e Bambuí, os dois aquíferos que abastecem o São Francisco, convergem lá para o nosso Estado. Ali eu vi num gráfico que ela mostrou que, em média, dos 35 agrotóxicos usados no Brasil, algo em torno de 25 não são usados em países de Primeiro Mundo.
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Uma curiosidade: esses alimentos que nós produzimos, esses países aceitam, se 25 dos 35 usados aqui são proibidos lá?
Eu gostaria de agradecer por minha participação e parabenizar o Deputado Padre Pedro... (Risos.)
Perdão, é Deputado Padre João.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Faltou a benção de um bispo para eu ser padre. Então, ainda vai ser o Padre João. (Risos.)
O SR. SÍLVIO SÁ - Por último, quero pedir a todos os Parlamentares aqui presentes o seguinte: não vamos privatizar o saneamento.
Um abraço a todos.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Obrigado pela sua contribuição.
Mais alguém gostaria de dar uma pequena contribuição? (Pausa.)
Deputado Padre João, V.Exa. quer conduzir aqui?
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Eu sugiro que pudesse falar a parte governamental e depois todos também poderiam falar.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - V.Exa. quer vir presidir aqui, Deputado Padre João? (Pausa.)
Tem a palavra a Thais, do Ministério da Saúde.
A SRA. THAIS ARAÚJO CAVENDISH - - Muito obrigada.
Eu tenho três ou quatro folhas de anotações...
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Não poderá ser hoje.
A SRA. THAIS ARAÚJO CAVENDISH - - Eu adoraria permanecer aqui, atrapalhar a Ordem do Dia dos Parlamentares e ficar discutindo esse assunto.
Eu trabalho há 6 anos com isso e discordo muito de qualquer visão de que qualquer pessoa que proteja a saúde e o meio ambiente seja ideológica. Não há como ser mais técnico do que alguém que pense que saúde e meio ambiente é o único futuro que todos nós temos. Se não protegermos isso, realmente não vale apena, é melhor assumirmos outras premissas.
Bem, vou tentar ser muito sucinta em relação a tudo o que foi levantado aqui pelos Parlamentares e pelos palestrantes. A primeira coisa: eu acho que vale a pena deixar as portas da minha Coordenação e do nosso Departamento abertas para discutir todos os assuntos ligados às dificuldades que os senhores estão tendo.
O Deputado Padre João não vai lembrar, mas nós trabalhamos juntos no negócio do Rio Verde, que foi uma situação horrenda. Ali tivemos uma articulação muito poderosa entre o poder público e o Parlamento, e eu acho que nada nos impede de fazer isso novamente.
Então, quando os senhores tiverem qualquer dificuldade com relação a laboratórios, vejam que nós temos a nossa rede de laboratórios, nossas centrais de saúde pública, que é a nossa referência para fazer as análises. Mas, além disso, vamos lembrar que temos uma instituição de peso, que é a FIOCRUZ. Ela é ligada ao Ministério da Saúde e, inclusive, nessa agenda, é a nossa referência técnica no País para desenvolver essas análises laboratoriais. Eu não falo aqui pela FIOCRUZ, mas tenho certeza de que ela, pela imensa dedicação a esse assunto, certamente se colocará à disposição para receber essa agenda de contribuir com as análises laboratoriais.
Eu vou fechar tudo que eu tinha para dizer, que é muito, endossando o apoio do Ministério da Saúde... Desculpem, mas eu preciso lembrar que a PNARA vem da PRONARA, que foi uma construção que acompanhei às vezes de perto, às vezes de longe. Eu acho que não houve pacto de Governo melhor do que o que nós alcançamos com a PRONARA. Para nós, as idas e vindas que a PRONARA teve fez com que, ainda bem, a sociedade civil a tenha alçado a um projeto de lei, e eu acho que ele hoje merece esse status.
Volto a endossar o nosso apoio ao que está lá, porque ali é um pacto. Nós não estamos falando ideologicamente de exclusão e não uso de agrotóxicos, estamos defendendo a melhor musculatura institucional de todos nós, num País de dimensões continentais, para reduzir o uso, racionalizar o uso, colocar aquilo quando é necessário e proteger a saúde e o ambiente da população diante dos nossos sistemas de produção alimentares, agropecuários e tudo mais. Eu acho que esse é um grande pacto. Eu endosso o apoio ao projeto e me coloco à disposição para outros momentos.
17:30
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Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Agradeço à Sra. Thais em nome da Comissão.
Agora a Sra. Marcella Alves Teixeira tem a palavra.
A SRA. MARCELLA ALVES TEIXEIRA - Realmente são muitos pontos, e eu deixei o meu contato para quem precisar falar sobre mais alguma coisa.
Quanto à questão da rede laboratorial, o Ministério da Agricultura tem seis laboratórios espalhados pelo País, e nós fazemos um trabalho de ponta. O orçamento já foi de 150 milhões de reais, hoje é de 80 milhões de reais, e 15 milhões de reais estão contingenciados agora. Então, a Secretaria de Defesa Agropecuária tem passado por um momento muito difícil de contingenciamento, o que teria potencial de afetar diretamente suas atividades.
Em relação à fiscalização de agrotóxicos no Brasil, o Deputado Pedro falou sobre ser uma questão política. Houve recentemente uma auditoria da CGU sugerindo que nós estabelecêssemos critérios de avaliação de risco, fixando qual o risco de inconformidade que determinados produtos apresentam para o País, para que fizéssemos, então, um planejamento de fiscalização baseado nisso. O raciocínio é muito direto: as empresas que produzem um volume maior de determinados produtos — e aí eu posso falar tanto de agrotóxico quanto de alimentação — têm um potencial maior de causar dano, caso os seus produtos estejam fora da conformidade. Então, elas teriam que ser fiscalizadas com maior frequência.
Esse trabalho está sendo harmonizado dentro da Secretaria de Defesa Agropecuária e inclui tanto a parte de agrotóxicos quanto a de fertilizantes, sementes, produtos de origem animal e vegetal e seus subprodutos. Então, o melhor do meu conhecimento e o melhor do trabalho técnico que vem sendo feito pelo Ministério da Agricultura é para que não exista influência política nos critérios de fiscalização e nas atividades de fiscalização.
Nós temos laboratórios, e eu acho que podemos fazer um trabalho de parceria também. Eu imagino que possamos colocar os laboratórios à disposição para auxiliar naquilo que for necessário.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Marcella, onde estão localizados esses seis laboratórios no Brasil?
A SRA. MARCELLA ALVES TEIXEIRA - No Rio Grande do Sul, em Goiás, Minas, em Pernambuco... Eu vou ficar devendo os outros dois.
(Não identificado) - Em Belém...
A SRA. MARCELLA ALVES TEIXEIRA - Em Belém há um.
Além disso, nós contamos também com uma rede credenciada de laboratórios, que têm um trabalho muito próximo ao nosso.
Em relação à questão de desqualificar os dados, nós temos hoje 2.500 fiscais, que são agrônomos, veterinários, zootecnistas, farmacêuticos e químicos. Eles são direcionados para diferentes atividades dentro do Ministério. Isso ocorre na SDA, que é a Secretaria de Defesa Agropecuária. Não são todos direcionados para agrotóxicos, parte deles vai para os agrotóxicos. A maior parte dos fiscais são veterinários. Existe uma demanda recorrente no Ministério da Agricultura para a realização de concurso, para a reposição do nosso quadro, porque o cenário é terrível. É o Ministério mais antigo da Esplanada. E as aposentadorias, especialmente no cenário atual, estão acontecendo em massa. Se vocês olharem o Diário Oficial da União, verão que saem dezenas de aposentadorias todos os dias, todas as semanas. Isso ajudaria muito a atividade do MAPA.
Então, quanto a desqualificar dados, eu não quis em nenhum momento desqualificar dados de ninguém. Só que, como funcionária pública, como analista de dados, na posição que estou hoje, eu preciso analisar os dados à luz da legislação. Eu não posso fazer nada fora da legislação. O Ministério da Saúde já se posicionou anteriormente sobre a avaliação desses dados, e eles foram muito claros ao dizer que há um critério para a determinação dos VMPs.
17:34
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A Thais foi muito feliz em falar isso novamente aqui. Existem critérios muito claros para isso, que seguem padrões internacionais inclusive para isso. E não é minha competência, como Ministério da Agricultura, dizer se esses valores estão corretos ou não. O que eu posso fazer é o mesmo tipo de análise que faço dos meus dados. Se eu digo que se pode ter até determinado limite, eu posso cobrar que se tenha até esse determinado limite. Eu não posso dizer que se está inconforme se se estiver abaixo dele. Apesar de haver detecção de agrotóxico, não se trata de uma inconformidade. Então, a minha análise foi feita dessa forma, considerando o critério de legislação. Eu não posso me exceder e fazer alguma coisa diferente nesse sentido.
Eu respeito demais — trabalhei muitos anos com registro de agrotóxicos com a ANVISA e o IBAMA, e o Danilo sabe disso — as atividades desses dois órgãos, tanto o de saúde quanto o de meio ambiente.
Fiscalização de produto importado. Alguém falou sobre isso também e questionou.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Foi o Deputado Frei Anastacio Ribeiro.
A SRA. MARCELLA ALVES TEIXEIRA - Os produtos importados são submetidos a controle de qualidade. Todas as empresas têm que fazer o controle de qualidade quando da importação desses produtos, e nós fiscalizamos esse controle de qualidade. O controle de qualidade tem que ser feito em laboratórios credenciados e há todo um critério que todas as empresas têm que seguir.
O nível de conformidade dos agrotóxicos fiscalizados no Brasil hoje é acima de 99%, isso é histórico, tanto dos produtos importados quanto dos produtos produzidos no Brasil. O Danilo faz esse mesmo tipo de fiscalização no IBAMA, inclusive nós fazemos em conjunto às vezes.
Eu tentei ao máximo responder os questionamentos. Qualquer outra pergunta eu...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. MARCELLA ALVES TEIXEIRA - São 209 registros, corrigiram-me. Foram 209 até ontem, aliás, até agora. Eu pedi os registros até agora. Então, o dado é do dia 12, não é de ontem, é de hoje. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Está ótimo. Obrigado, Marcella, pela sua generosidade e por se dispor a participar.
São três os representantes do Governo, por orientação e sugestão do Deputado Padre João. Depois serão os demais palestrantes.
Tem a palavra o Danilo Lourenço de Sousa.
O SR. DANILO LOURENÇO DE SOUSA - Realmente, são vários itens aqui.
Todos os Parlamentares espantaram-se com a quantidade de produtos liberados.
Da liberação participam três órgãos. O Ministério da Agricultura é o órgão registrante e só emite o registro se tiver o aval do IBAMA e da ANVISA.
Falando de IBAMA, por que existe essa diferença hoje e não existia no ano passado? Que tipo de produto está sendo liberado?
É importante frisar que, historicamente, o setor de avaliação de produtos agrotóxicos do IBAMA não tinha servidor. A lei é de 1989, o IBAMA foi criado também em 1989. A portaria que hoje dentro do IBAMA rege o registro é de 1996. Nós tivemos o primeiro concurso do IBAMA em 2002, e ele não supriu a área. Nós criamos a Diretoria de Qualidade, que é onde está o registro de agrotóxicos, em 2005. Nós tivemos concurso em 2005, mas servidores foram seduzidos por outros concursos mais vantajosos. Isso se repetiu no concurso de 2009. Nós tivemos o último concurso em 2013, quando a nossa equipe se estabeleceu. Mesmo com essa "seca", vamos dizer assim, de concurso no Executivo, na área federal, nós conseguimos manter uma equipe. E essa equipe desenvolveu-se, de 2013 até 2015, em termos de avaliação e capacidade técnica. Então, hoje nós temos um corpo técnico, vamos dizer assim, diferente, mais robusto do que nós tínhamos antes de 2008, 2010.
Apesar de nós estarmos com mais servidores, eles não são ainda suficientes devido à quantidade de demanda que nós temos.
17:38
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Você falou em 209 registros. Na nossa fila estão mais de mil registros. O nosso passivo continua em mais de mil registros.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - São mais de mil solicitações de registros.
O SR. DANILO LOURENÇO DE SOUSA - Isso, são mais de mil registros na fila.
É importante frisar também que a legislação permite que as empresas façam pleito de registro, não há nada que as impeça. E, se elas fazem o pleito, nós temos que avaliar. Isso é uma questão a se colocar. Então, há essa questão de pessoal, de que nós temos estrutura, mas nós estamos pedindo concurso porque precisamos de mais gente, são mil registros que nós temos de avaliar, pois a legislação pede, ainda não é suficiente.
Feito isso, nós nos estruturamos em termos de sistema. Nós temos investido em sistema de informação, o que agiliza algumas coisas. Como eu falei na apresentação, nós utilizamos modelos matemáticos. Enfim, existe uma estrutura e é importante frisar que, desses 209 registros, a maior parte, eu chuto 90%, são registros de marcas comerciais dos mesmos ingredientes ativos. É importante frisar isso. Eu não tenho 209 novos componentes liberados.
Eu quero passar para a parte de laboratório, porque eu fiquei com inveja do MAPA, que falou em 150 milhões de orçamento.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. DANILO LOURENÇO DE SOUSA - Era. Eu tenho orçamento de 900 mil. Então, se você está com 80 milhões, já está bom. (Risos.)
Em relação ao monitoramento que o IBAMA está fazendo, nós o iniciamos agora. Por que nós o iniciamos agora? Por questão de orçamento. Na verdade, o nosso projeto-piloto começou em 2017, e nós conseguimos pegar 900 mil que não estavam sobrando. Nós tiramos esse recurso de outras áreas e jogamos ali para nós conseguirmos fazer um termo de referência, porque não temos laboratórios credenciados como o MAPA ou o Ministério da Saúde, que tem a FIOCRUZ. Então, nós tivemos que pagar pelas análises, e isso é via orçamento.
Nesse projeto-piloto, nós estamos colhendo amostras de solo, de água superficial e de água de chuva em cinco Estados brasileiros, num total de 520 amostras. Ele custou 900 mil. É o que nós estamos executando agora.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - É isso.
O SR. DANILO LOURENÇO DE SOUSA - Se eu prorrogar o meu projeto, neste ano eu não terei dinheiro para fazer mais nada, nem para vir aqui. É uma coisa assim... Digo isso em termos de orçamento. Trabalhar emenda parlamentar, que foi uma solução apresentada aqui, é interesse do IBAMA, porque nós queremos ampliar...
Hoje nós estamos pegando três matrizes: solo, água superficial e água da chuva. Nós queremos pegar matriz vegetal, porque queremos saber sobre a contaminação das florestas, e também matriz animal. Houve mortandade de abelha. Então, nós precisamos verificar qual agrotóxico está causando isso, porque nós temos indícios...
(Não identificado) - O bicho-da-seda também...
O SR. DANILO LOURENÇO DE SOUSA - Exatamente, o bicho-da-seda. Então, nós temos que ampliar esse projeto. Para isso nós precisamos de recursos. O nosso orçamento é curto.
Bom, eu acho que também me estendi, mas há várias outras questões aqui.
Sobre a fiscalização a Marcella e o colega falaram muito bem, nós a fazemos juntos.
A conformidade é alta. Eu lembro que uma desconformidade que nós encontramos numa indústria foi questão de formulação, de mudança de corante, alguma coisa assim, mas é muito pouco frente ao universo. É pequena a desconformidade, realmente.
Outra coisa, já excedendo muito o meu tempo, é a questão dos produtos importados. É importante frisar que os produtos importados para utilização aqui no Brasil passam pela mesma avaliação do produto que é produzido internamente, não há diferença.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Obrigado, Danilo. Vamos aplaudi-lo também por sua generosidade de compartilhar conosco. (Palmas.)
Tem a palavra o Jorge Machado para suas considerações finais. E agora não tem 1 minuto...
O SR. JORGE MACHADO - O.k., eu vou me comportar.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - É brincadeira, Jorge. É brincadeira, mas não tem 1 minuto a mais.
17:42
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O SR. JORGE MACHADO - Eu acho importante estar aqui na Comissão porque a água é um direito humano, a qualidade da água está colocada como direito humano. Não se trata só de quantidade, mas também de uma água com qualidade e quantidade adequada. Acho que isso é importante para o nosso marco da Comissão.
A segunda coisa é que, além de ser da ABRASCO, eu sou da FIOCRUZ. Isso quer dizer que nós nos colocamos... Também estivemos presentes na construção do PRONARA. Esse apoio é permanente ao Ministério da Saúde, com o qual temos um trabalho. Nossa primeira missão é o apoio ao SUS.
Mas eu queria destacar uma coisa que eu tinha falado: a construção de uma rede de fiscalização, talvez uma fiscalização do IBAMA, do MAPA, da vigilância ambiental. Tínhamos que fazer essa fiscalização chegar ao território; fazer uma discussão com a agronomia e o agricultor local; fazer uma discussão com o poder local, com os Prefeitos, com a organização de uma ação local. Não se trata de um problema ideológico, e sim de um problema universal de saúde pública. Nessas áreas as pessoas todas estão com indicadores biológicos afetados — todas.
Naquele dado que Leomar trouxe, vimos que cada princípio ativo lá tinha 60%. E, juntando os dados, todas as pessoas estavam contaminadas naquela região, nos três Municípios onde há maior concentração de uso do agrotóxico. Isso se dá de várias formas em muitos outros lugares. Há também o impacto no meio ambiente, na biodiversidade.
Eu só queria destacar para vocês os dez mandamentos, que são uma provocação. Eu os trouxe, e não deu para conversar sobre eles. Essa linha da transição agroecológica não é uma proibição imediata. Mas, por exemplo, em relação ao glifosato tem que haver uma restrição. Temos que trabalhar nisso. Esta Comissão tem que — esse é um dos encaminhamentos — colocar restrições para o glifosato.
Existe uma dependência da agricultura brasileira em relação ao glifosato, que é uma ameaça à segurança alimentar. Isso não dá. Também é uma questão do MAPA, é uma questão da agricultura, não é questão só da saúde e do meio ambiente. Temos que colocar limites e metas temporais. Também colocamos a linha do PRONARA como a que poderíamos seguir em um caminho de interação.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Obrigado por sua disposição.
Com a palavra agora o Sr. Kleber Santos, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, para suas considerações finais. Obrigado por sua presença.
O SR. KLEBER SANTOS - Obrigado, Deputado.
Eu queria, brevemente, nessas considerações finais, falar de quatro pontos. Inicialmente, parabenizo a Comissão pela riqueza do debate, em nome do Deputado Padre João, que já conhecemos há um tempo.
A primeira questão é que o movimento agronômico tem um histórico de luta dos profissionais por uma agricultura sustentável, ambiental, social e econômica. O movimento agronômico tem uma história de trabalho. Eu falo que os profissionais são trabalhadores. O pessoal está na pesquisa, na extensão, no ensino. São servidores públicos, servidores da iniciativa privada também passando pelos aperreios que passam. Sabemos que as coisas não estão fáceis. Então, são trabalhadores lutando pela sobrevivência, que têm como mote a defesa da vida, etc.
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Quanto ao movimento agronômico, eu queria deixar registradas, porque o tempo é curto e às vezes nos atropelamos, algumas palavras sobre a questão do PRONARA. Nós temos a concepção de que, realmente, esse é um projeto de lei importantíssimo, bem como o que cria a Política Nacional de Apoio ao Agrotóxico Natural. Essa é uma denominação que está ali. O que é isso? São os defensivos naturais, extratos de plantas, animais, até minerais, e micro-organismos, com baixa periculosidade, com baixo impacto ambiental e social. Esse PL estabelece e incentiva a pesquisa e também as linhas de crédito diferenciadas para o agricultor.
Hoje, do total de agrotóxicos registrados — a Dra. Marcella deve saber disso melhor —, não devem passar de 5% os defensivos naturais. Eu não queria usar a palavra "insumo", Murilo, mas isso é fundamental como ferramenta para a agricultura também.
A terceira questão, como o Deputado Pedro Uczai comentou, é a formação profissional. No momento atual, nós temos cerca de 450 cursos de Agronomia — o número exato eu não lembro. Nós estamos com uma discussão muito forte sobre a questão da agroecologia na formação, porque há cursos de Agroecologia. Há uma discussão no sentido de por que não internalizar isso nos cursos de Ciências Agrárias. Vamos criar algo separado? Então, está havendo essa discussão no conselho profissional porque isso rebate na atribuição profissional. E a atribuição depende da formação. Tem que haver uma formação. O manejo do agroecossistema e a questão da bioeconomia são termos que vêm muito a calhar nessa questão da formação e da atribuição.
Quanto à atribuição, eu queria novamente reforçar a questão do receituário agronômico. A atual lei que regula os agrotóxicos, a Lei nº 7.802, de 1989, não define quem é o habilitado. Ocorre que não se trata de questão corporativista, e sim de questão de que às vezes se libera para profissionais que não sabemos se têm essa formação. Eles têm que ter noção ambiental de ecossistema, noção de eficácia do produto. Enfim, o mercado é que regula, como se diz, é a mão livre. Então, é preciso ter uma legislação que defina fortemente o receituário do profissional habilitado.
Queria comentar que o conselho está aprimorando a fiscalização. Eu tenho números que posso disponibilizar sobre o aumento dos autos de infração e dos processos na Comissão de Ética. O pessoal está fazendo mais coisa errada? Não. O que ocorre é que está havendo um aprimoramento dos processos. Inclusive, os órgãos de controle têm tido um papel muito importante no apoio desse processo.
Finalmente, coloco o conselho à disposição, Deputado Padre João e demais Parlamentares, para o trabalho contínuo.
Parabenizo todos os palestrantes.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Obrigado por sua contribuição aqui nesta audiência pública.
Deputado Padre João, acho que o Kleber comentou pouco e eu não tive a oportunidade de ouvi-lo nesta perspectiva.
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O conselho tem um poder enorme na definição, inclusive, das políticas públicas na área de formação e no registro desses profissionais. Ele poderia pensar, quem sabe, a própria grade curricular com as instituições formadoras desses profissionais, trazer as universidades federais, as privadas e as comunitárias por um momento. Quem sabe vocês, que estão tendo essa experiência no Conselho Federal, consigam também se envolver, participar e mediar essa conversa? Eu acho que merecemos uma audiência nesse sentido.
Eu sou professor e estou muito... Quando os profissionais vão se formando, vão tendo a sensibilidade de perceber aquilo que o senhor fala lá de Sergipe. Dependendo de como eu olho, não enxergo, entendeu? Nós não enxergamos.
Então, é necessária essa formação, e eu acho que o conselho pode contribuir muito. Se ele tem essa tendência que o senhor está colocando aqui, de abrir essa sensibilidade, eu acho que poderíamos avançar nisso.
Com a palavra o Leomar. Depois falará o Murilo.
O SR. LEOMAR DARONCHO - Primeiro, quero agradecer a oportunidade e o convite do Deputado Padre João. Agradeço à Mesa, que agora está sendo presidida pelo Deputado Pedro Uczai.
O Ministério Público está à disposição. Uma das linhas de atuação das nossas coordenadorias é justamente a que cuida de meio ambiente, do trabalho. Nós participamos do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, e o nosso coordenador era o Procurador Pedro Serafim, lá de Pernambuco. Participamos junto com MPF e com o Ministério Público Estadual. Nós estamos à disposição.
Essa é uma pauta importantíssima. Na última tragédia da barragem de Minas Gerais, o número de mortos foi duzentos e...
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Duzentos e setenta.
O SR. LEOMAR DARONCHO - Pois é, ninguém sabe direito.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Já estão incluídos... Já havia 245 identificados e 25... Esta semana já acharam mais 4 corpos, eu acho.
O SR. LEOMAR DARONCHO - Esse número já está bem parecido com o de brasileiros mortos na Segunda Guerra, os expedicionários. O número é dessa ordem de grandeza, perto de 300, o que demonstra a magnitude do acidente. Ele também é um acidente de trabalho. Eu já li textos de estudiosos de direito do trabalho falando que o maior acidente de trabalho do Brasil seria o da barragem da Vale. Nós não falamos o nome da cidade para não marcar a cidade, mas para marcar o transgressor, tentando dizer que esse é o maior acidente.
O maior acidente de trabalho do Brasil é dos agrotóxicos. Só em Paulínia, no caso Shell e Basf, foram 64 mortos. O veneno não é produzido para ficar lá. De lá, onde é concentrado, ele atinge o Recanto dos Pássaros e é espalhado no Brasil. O número de mortos por doenças crônicas ou mesmo por mortes instantâneas é muito maior, só que nós não conseguimos juntar os corpos. Então, estamos aí com uma subnotificação muito grande.
Eu estou solidário aos técnicos. É chocante o orçamento das unidades técnicas. Nós estamos falando de um quarto do PIB. Esse setor é muito importante para o País. O Brasil tem que cuidar dessa área técnica, dos laboratórios, da fiscalização. Vejam que o desrespeito e o descaso com os laboratórios do setor dos frigoríficos geraram o quê? Carne fraca. Qual foi o resultado disso? A nossa produção ficou estigmatizada no exterior pela baixa capacidade de controle, e houve um prejuízo imediato e um prejuízo de imagem.
Agora o largo uso de veneno está produzindo o quê? A Rússia sentiu-se autorizada a nos repreender, ameaçando parar de comprar. Na semana passada, a maior rede de supermercados da Suécia iniciou uma campanha de boicote à produção brasileira. Então, não há adversários nessa causa.
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Nós estamos na causa da vida. Como é possível alguém estar do outro lado? Não há interesse legítimo que se contraponha a esse. Mesmo o interesse do setor econômico é só um interesse imediato, porque, a longo prazo, o descuido com essa pauta vai tornar o Brasil um produtor de produtos de segunda linha. Os mercados que podem escolher vão nos descartar e vão selecionar produções de melhor qualidade. Nós vamos ser banidos dos mercados que pagam melhor, que podem escolher.
A Noruega está de olho na produção da nossa soja não transgênica, que eles levam para consumo animal, especialmente de peixe, preocupada com o veneno. Eles estão monitorando. A tendência é que comecemos a ser cercados, ainda que seja por barreiras comerciais usando pretextos fitossanitários. Vai haver represália. Nós vamos pagar caro por isso, por ser marcado como um País de produção de segunda linha.
E há um desafio aos técnicos. Eu acho que os técnicos têm um grande papel aqui de mostrar o seu protagonismo. Eles tendem a ser mais valorizados também se nós pudermos ter a contribuição técnica para uma produção de melhor qualidade, saindo um pouco da zona de conforto desse método tradicional e envenenado.
Mas eu saio com uma notícia pelo menos boa daqui — eu ouvi da Thais: eu não devo ficar pessimista com a revisão da portaria da água. Se ela me diz isso, eu saio daqui feliz e fico tranquilo.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Que bom! Obrigado, Leomar.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Deputado Pedro, quero dar uma informação só para colaborar.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Pois não, Deputado Padre João. Aqui V.Exa...
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Em 2013, eu fui o Relator da Subcomissão do Agrotóxico, cujo Presidente foi o Deputado Osmar Terra. Só em Unaí, nós encontramos 1.262 casos de câncer — em Unaí, uma cidade que está aqui perto. Naquele período, a cidade de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, tinha o maior índice de suicídio por causa do tabaco. Na verdade é isso. Infelizmente, não há como juntar os corpos. É um escândalo de mortes que têm nexo com agrotóxico.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Na minha cidade de Chapecó, onde tive a oportunidade de ser Prefeito, nós temos um hospital que trata do câncer. Depois, foi habilitada a cidade de Joaçaba, que trata do câncer, e agora foi habilitado São Miguel do Oeste, que também trata do câncer. Ou seja, num raio de 200 quilômetros, nós temos três hospitais regionais habilitados. No extremo oeste, há 705 casos.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Nós temos que mexer nisso, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Em Santa Catarina, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde, a cada 100 novos casos de câncer, 18 estão identificados em profissionais como os agricultores. É a maior profissão com essa incidência; e a segunda representa 6,7%. Ou seja, os agricultores estão sendo as primeiras grandes vítimas de incidência de câncer no nosso Estado de Santa Catarina, para vocês terem uma ideia.
Então, Marcella, temos de fazer alguma coisa.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Lá, a principal demanda que eles me apresentaram foi a necessidade de se criar um hospital do câncer. Eles estão se organizando para isso, mas à audiência na Câmara ninguém vai. O pessoal ainda tem medo de falar, de denunciar.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Há um tabu em relação a isso.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - E dizem: "Isso vai criar um impacto"; "Isso é estratégico".
O SR. LEOMAR DARONCHO - Peço mais 1 minuto.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Concedo a palavra por 30 segundos, com tolerância de mais 30 segundos.
O SR. LEOMAR DARONCHO - Nós fizemos uma audiência pública na região dos Municípios onde há uso mais intenso, no Vale do Rio Juruena, no Município de Campos de Júlio, e correu a notícia de que haveria retaliação. Disseram isso para que as pessoas não fossem à audiência pública.
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Disseram: "Não, nós vamos fazer a audiência pública. Quem quiser ir, vai estar à disposição". E a sala estava cheia de mulheres, porque as mulheres são cuidadoras. São as que estão preocupadas, por exemplo, com a filha que está grávida ou com o marido. Este pode não ter medo, mas, se tiver uma doença crônica, será cuidado pela mulher também. Portanto, as pessoas sabem que há alguma coisa errada.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Obrigado.
Tem a palavra o Sr. Murilo Mendonça para as suas considerações finais.
O SR. MURILO MENDONÇA OLIVEIRA DE SOUZA - Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer a realização desta audiência. Agradecemos porque nós sabemos, Deputado Padre João, que nós completamos, neste ano, 8 anos da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos pela Vida, do qual o GT Agrotóxicos e Transgênicos da ABA — Associação Brasileira de Agroecologia é parceiro e faz parte da organização. Desde então — nós nos lembramos do Francis, que organizou todos os projetos de política que havia —, sabemos e temos em conta todo o apoio que V.Exa. tem dado não só à campanha permanente mas também à ABA. Reforço, nesse sentido, que esta Comissão tem um papel essencial nesse processo.
Eu acho que, em respeito à Deputada Joenia Wapichana, que estava aqui e manifestou a sua questão, nós temos que voltar às nossas análises — inclusive, a ABA tem feito isso pelo GT — para os territórios e populações atingidas. Nós estamos no terceiro evento em Goiás, evento que reúne o País inteiro e a América Latina para discutir direitos humanos e agrotóxicos. Nós temos que voltar os olhos para essas comunidades atingidas de forma verdadeira.
Só para citar alguns exemplos, lembro que a foto que V.Exa. mostrou é do povo xavante, de Marãiwatsédé, de Mato Grosso. Esse povo foi violentado pela pulverização aérea. Os guarani-kaiowá estão sendo violentados pela pulverização aérea e pelos agrotóxicos. As populações indígenas do País inteiro estão sendo contaminadas. Os quilombolas, em várias partes, como em Formosa, que fica aqui ao lado de Brasília, estão sendo contaminados.
E agora, resgatando o caso que nós acompanhamos desde o começo, no dia 3 de maio, completou 6 anos da pulverização em Rio Verde. Sei que a Thais e outras pessoas acompanharam isso. Nós acabamos de fazer um vídeo, 5 anos depois da pulverização. O vídeo que está disponível no Youtube. As pessoas continuam com os mesmos problemas, ou com problemas piores, porque agora as questões são crônicas. O acompanhamento não existe mais. As pessoas não conseguem o atendimento básico em Rio Verde. Se elas tiverem qualquer problema, de forma geral, não conseguem atendimento.
Nós não acompanhamos essas pessoas, e eu acho que nós temos que talvez dialogar sobre esse processo. Nós os acompanhamos durante um período, seja o Ministério da Saúde, sejamos nós, como grupos de apoio. Nós não acompanhamos esse povo.
A Karen Friedrich, que está no MPT — Ministério Público do Trabalho, está propondo um projeto. O custo é muito alto, politicamente, para quem vai pagar, mas para nós não é nada: fica entre 2 milhões a 5 milhões de reais o custo para se realizar o follow up, que é o acompanhamento dessas pessoas, para que se possa entender quais foram os sintomas e efeitos agudos disso, mas também quais são os efeitos crônicos. Rio Verde, Tomar do Geru, em Sergipe, como foi dito aqui, e vários outros locais no País têm que ser acompanhados de forma constante.
Nós temos construído índices na Associação Brasileira de Agroecologia para tentar analisar esses territórios. Nós temos que analisar esses casos e acompanhá-los a longo prazo para entender não só esses impactos, mas também propor a agroecologia, principalmente. Eu acho que a metodologia é esta: acompanhar esse território, seja com análises, seja com qualquer outra coisa.
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Com relação à fiscalização, eu acho difícil falarmos, no País — o Pedro já falou da questão política, que é clara —, de agronegócio e de utilização de agrotóxico sem que seja ilegal essa utilização. No agronegócio, a utilização de agrotóxico no País é ilegal o tempo todo, porque, se nós formos fazer uma análise aprofundada, verificaremos que os limites de contaminação são superiores. As pessoas estão sendo contaminadas.
Lá em Rio Verde também, o próprio IBAMA — Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis não acompanhou isso e houve multa ambiental. Depois, abandonaram o acompanhamento e não houve um acompanhamento constante. Nós não temos um processo de fiscalização que seja concreto.
Fico muito feliz com a postura do Kleber. Nós precisamos demais do apoio do CREA — Conselho Regional de Engenharia e Agronomia nesse processo. Nós sabemos que há profissionais seriíssimos, que tentam acompanhar e fiscalizar, mas que são ameaçados constantemente. Mas a fiscalização, de fato, não tem acontecido.
Para citarmos um exemplo, há uma cidade de Goiás que, em princípio, não tem agricultura em larga escala, mas usa toneladas de agrotóxicos nas pastagens. Há na cidade uma quantidade de agrotóxicos imensa, e não há nenhuma loja ou estabelecimento autorizado a comercializar.
Portanto, a primeira coisa é olhar para as populações atingidas de forma mais prolongada. Rio Verde, acredito, é um exemplo que tem que ser resgatado e acompanhado. Nós estamos com um projeto lá do Ministério Público. Em segundo lugar, devemos fazer com que a fiscalização aconteça. Esse é um grande desafio. Entendemos, Kleber, esse desafio. Fazer com que a legislação seja cumprida: acho que este é um grande passo. E, acima de tudo — neste caso, pela Associação Brasileira de Agroecologia —, acho que o PNARA é o nosso cabo de guerra. O PNARA é um projeto extremamente sólido no País, mas vários outros países também têm estudado o projeto como base para implantarem um processo não só de redução de uso de agrotóxicos mas também de consolidação da agroecologia como proposta. Nós temos que dar espaço.
E nós temos que resgatar — com o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, com a bancada que luta contra os agrotóxicos aqui no plenário — essa rede de pesquisa, fortalecer principalmente essa rede que nós temos, Pedro. Não se trata de falta de pesquisa, em momento algum. Nós temos feito pesquisas, e não são poucas. Eu acho que nós temos que resgatar essa articulação e, de fato, conseguir construir um trabalho em volta não só do PNARA; temos que garantir que essas populações atingidas sejam visualizadas e sejam vistas. Na maioria das vezes, as pessoas não sentem, não sabem o que aconteceu com os estudantes que estavam em Rio Verde ou com as pessoas que estavam em Tomar do Geru, lá em Sergipe, ou em vários outros lugares. As pessoas não conseguem sentir a realidade dos agrotóxicos. Portanto, eu acho que esse é o processo.
Agradeço novamente o convite feito à Associação Brasileira de Agroecologia. Nós nos colocamos à disposição, Deputado Padre João, para contribuir nesse processo. Nós temos feito várias análises. O laboratório que nós temos tido como parceiro é o de Santa Maria, o mesmo em que o Pignati fez as análises do Mato Grosso. É o laboratório que tem conseguido responder por essas análises. Infelizmente, nós entendemos, o LANAGRO foi parceiro muitas vezes, mas está sem estrutura para conseguir, de fato, fazer as análises. Portanto, Santa Maria é um foco. E nós nos disponibilizamos, pela Associação Brasileira de Agroecologia, para contribuir com esse processo de construção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Obrigado, Murilo.
Antes de encerrar, tenho uma notícia que considero boa para a Comissão de Direitos Humanos: o Supremo Tribunal Federal formou maioria, Deputado Padre João e demais presentes, impedindo a extinção dos vários conselhos da sociedade civil no País. (Palmas.)
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Há representantes de conselhos presentes. O Kleber representa o CONFEA. O CONSEA — Conselho Nacional de Segurança Alimentar foi o primeiro a ser alvejado, logo no início de janeiro. Por maioria, decidiu-se que os conselhos não podem ser extintos por decreto, portaria ou resolução; tendo sido criados por lei, a extinção deve ser feita por meio de lei. Eu acho que se criou uma jurisprudência positiva para a democracia e para a cidadania.
Antes de encerrar esta reunião, convoco reunião de audiência pública destinada ao debate do tema Autistar é resistir: cidadania e participação política, para discussão do protagonismo das pessoas autistas em busca de seus direitos. A reunião será realizada no próximo dia 18 de junho, às 14h30min, no Plenário 9.
Muito obrigado, Deputado Padre João, pela iniciativa!
A todos os palestrantes dirigimos o nosso muito obrigado! Até a próxima oportunidade!
Declaro encerrada a reunião.
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