Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Bom dia, senhoras e senhores!
Declaro aberta a presente Reunião de Audiência Pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, destinada a "debater sobre as funções e serviços ambientais exercidos pelos institutos jurídicos da reserva legal e de área de preservação permanente para a regulação do clima, das áreas urbanas sensíveis e a produtividade rural".
O requerimento é de minha autoria. Comunico a todos que o evento está sendo transmitido ao vivo pela Internet, pela TV Câmara, e poderá ser exibido posteriormente dentro da grade da emissora.
Vou conceder a cada convidado o tempo de pelo menos 10 minutos para uma fala objetiva. Após as palestras, vou abrir para o debate. Esclareço também que temos quase 20 projetos tramitando nesta Comissão que tratam de assuntos relacionados à essa matéria do Código Florestal. Estamos no meio de uma discussão, em plenário, sobre a Medida Provisória nº 867, que modifica as regras de aplicação do Programa de Regularização Ambiental, modifica regras relacionadas ao Cadastro Ambiental Rural, regulamenta e amplia muito a anistia que estava prevista no Código Florestal em 2012. O total de área anistiada que não vai ser recuperada, ou não vai ser compensada, era de 41 milhões de hectares, em 2012, e a proposta que está hoje no plenário amplia isso em mais quase 6 milhões de hectares, dentro do art. 68.
Nós temos uma redação muito mal feita no art. 59, que pode ser interpretado como algo que susta os efeitos da lei da Mata Atlântica para as propriedades, no que diz respeito à aplicação do Código Florestal na área abrangida pela lei da Mata Atlântica. E nós temos várias situações complicadas, como a falta de prazo dentro do CAR e do PRA, o que de certa forma — e quero crer que não seja esse o objetivo — incentiva a grilagem de terra, porque a qualquer momento uma terra pode ser grilada, esquentada e colocada dentro do Cadastro Ambiental Rural. Então, são situações como essa que nos motivaram a realizar esta audiência pública.
Ao mesmo tempo, temos propostas tramitando no Senado que dizem respeito à extinção do Instituto da Reserva Legal. Se no Brasil temos hoje uma cobertura florestal no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste, essa cobertura não se dá por conta das nossas Unidades de Conservação. São poucas e diminutas as áreas das nossas Unidades de Conservação no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste. E o que nós temos de cobertura florestal, apesar da fragmentação, são áreas situadas dentro das propriedades rurais como reservas florestais legais. Então, é o equilíbrio entre a produção, a Reserva Legal e a Área de Preservação Permanente que garante o mínimo de sustentabilidade nessas Regiões. Portanto, eu tenho certeza de que esta audiência pública será muito esclarecedora para todos.
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Convido agora os palestrantes para tomarem assento à mesa e acompanharem o debate: o Dr. Antônio Souza Prudente, Diretor da Escola Superior da Magistratura Federal da 1ª Região; a Dra. Ana Flávia, Coordenadora de Preparação da SEDEC — Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Ministério do Desenvolvimento Regional; o Dr. Ricardo Bomfim Machado, Professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília, representando aqui a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; a minha querida amiga Malu Ribeiro, Coordenadora da Rede das Águas da SOS Mata Atlântica; o Sr. Guilherme Henrique Pompiano do Carmo, Engenheiro Florestal e Responsável Técnico da Associação Rede de Sementes do Xingu — ARSX; e o Dr. Tasso Azevedo, Professor da USP e Membro do Observatório do Clima, que está se deslocando para cá e logo estará compondo a Mesa conosco.
Antes de conceder a palavra ao primeiro painelista, o Dr. Antônio Souza Prudente, quero fazer um agradecimento especial a todos os painelistas que aceitaram o convite para vir debater hoje conosco. Esclareço que, embora tenha pouca gente na sala, a audiência pela Internet costuma ser alta. Então, muita gente vai acompanhar pela Internet, e isso vai ficar registrado. Não se preocupem com a baixa audiência na sala; a audiência virtual costuma ser muito maior que a presencial, e isso não deve ser motivo de preocupação. Com certeza, um assunto importante como esse será visto por muita gente, e espero que sirva de base para que muitas pessoas passem a ter uma ideia diferente dos nossos institutos e do nosso Código Florestal.
Acrescento ainda que estamos muito preocupados com o decreto que foi publicado ontem, e acredito que algumas pessoas daqui dele farão referência, pois aborda a mudança na estrutura do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Fui membro titular do CONAMA por 12 anos, representando a sociedade civil e os Governos Municipais. Então, fico muito triste por ver o que está sendo feito. O Conselho Nacional do Meio Ambiente é um dos Conselhos mais representativos, com mais de 100 membros, todos eles dos Estados e dos Municípios, entidades lá estavam representadas por Região, todos os Ministérios tinham assento no CONAMA, e agora o Conselho passou a ter apenas 22 membros. Retiraram inclusive a representação do próprio ICMBio de dentro do Conselho. Então, para nós, é algo extremamente preocupante, até porque um dos princípios do Direito Ambiental é justamente a participação.
Normalmente, temos tolerância com o tempo. Se tocar uma campainha, fiquem à vontade para concluírem suas falas. Esse alarme é automático. Então, não pensem que estarei cortando a palavra dos senhores. Mas vamos tentar ser os mais objetivos possível, porque, se chegarmos a determinado horário, teremos que encerrar sem realizar os debates. Muito obrigado.
O SR. ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE - Bom dia a todos! Quero agradecer o honroso convite do nobre Deputado Rodrigo Agostinho, que preside esta audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, na pessoa de quem cumprimento os demais membros da Mesa e as ilustres presenças a este evento.
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O novo Código Florestal, a despeito de todas as críticas que lhe são dirigidas, definiu, na minha ótica, com felicidade, o que vem a ser Área de Preservação Permanente como:
II - (...) a área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
III - (...) área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.
Essas duas definições legais estão perfeitamente afinadas com os objetivos do poder de polícia ambiental que a Carta Política Federal de 1988 estabeleceu nos incisos do § 1º do art. 225, no sentido de garantir o bem maior, que é o bem difuso ambiental, como bem de uso comum de todos, essencial à sadia qualidade de vida de todos, impondo-se, e não facultando-se, ao poder público, no que há de se considerar como poder público não só o Poder Legislativo mas também o Poder Executivo e o Poder Judiciário no contexto da República Federativa do Brasil... Todos os três segmentos de Poderes têm a grave responsabilidade de desenvolver e garantir políticas públicas convergentes na proteção do meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
O próprio art. 225, como já disse, estabelece um perfil de poder de polícia ambiental para os agentes do Executivo:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Quero destacar aqui, Sr. Presidente e eminentes membros da Mesa, a preocupação, já como cidadão brasileiro, desta nova política governamental, que agride constantemente o que dispõe o art. 49, inciso XI, da Constituição da República, que determina que o Congresso Nacional zele pela sua competência legiferante em face das intromissões normativas de outros Poderes.
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Nós sabemos que no Brasil há uma ameaça constante de legiferância decretal por parte do Chefe do Executivo, inclusive uma ameaça iminente, no sentido de cometer um grave desvio do Fundo Amazônico, o que, certamente, irá interferir no contexto do sistema de preservação do meio ambiente equilibrado e da biodiversidade, sobretudo do bioma amazônico, que, como nós sabemos, garante o equilíbrio climático do planeta.
Faço minhas as palavras de um nobre colega Juiz Federal, o Gabriel Wedy, que num feliz artigo publicado recentemente nos traz algumas reflexões pertinentes à temática que abordamos hoje, sobretudo no que tange à maior taxa de desmatamento da década. O Brasil nunca assistiu com tanta velocidade à agressão ao desmatamento dos nossos biomas, sobretudo do Bioma Amazônia. Isto, evidentemente, tem uma justificativa real em face da visão do novo Governo sobre a proteção, não dos ecossistemas, mas, sobretudo, da lucratividade daqueles que exploram essa região, que deve ser sempre protegida.
O desmatamento não enriquece o Brasil, o empobrece. É de se verificar que o retrocesso ambiental pode custar, no pior dos cenários, US$ 5 trilhões de dólares ao país até 2050. É o quadro em que a governança é fragilizada ao extremo, o desmatamento explode e o Brasil tem que comprar créditos de carbono no exterior para cumprir sua parte no esforço global de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Neste exato sentido foi concluída pesquisa assinada por 10 destacados pesquisadores brasileiros e publicada na Nature Climate Change, uma das mais renomadas publicações científicas sobre mudanças do clima.
Nesta perspectiva, segundo recentíssimo relatório da ONU, um milhão de espécies podem sumir nas próximas décadas, em virtude de ações antrópicas, como o desmatamento, gerando abalo sem precedentes ao meio ambiente, ao ser humano e a economia mundial que ainda insiste no desmatamento e nos vetustos combustíveis fósseis como matriz energética.
Ainda bem que o § 2º do art. 109 foi mantido para não reduzir o nosso TRF a um tribunal de médias e pequenas causas. Na verdade, o nosso TRF da 1ª Região tem a gravíssima responsabilidade de preservar, tutelar e garantir os quatro maiores biomas no território nacional: o bioma da Amazônia, o bioma do Cerrado, o bioma da Caatinga e o bioma do Pantanal Mato-Grossense.
E essa responsabilidade tem que ser praticada no dia a dia, no julgamento, com a velocidade que se requer das ações ambientais, sobretudo aquelas que estão aguardando em face do clamor de inúmeras vítimas das tragédias de Mariana e de Brumadinho, que precisam de uma resposta do Poder Judiciário o mais rápido possível.
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Na verdade, Sr. Presidente, nós conseguimos, com a devida vênia, modificar uma jurisprudência do nosso TRF que incentiva o desmatamento, quando se colocava em sede de mandado de segurança e, ainda, em nível processual de medida liminar os apetrechos do desmatamento nas mãos do agente infrator do meio ambiente, ferindo toda a legislação ambiental, que estabelece que esses instrumentos, como serra elétrica, trator de esteira e tantos outros, devem ser apreendidos e colocados nas mãos de um fiel depositário. Ora, o agressor ambiental não pode ser considerado um fiel depositário, ele deve responder inclusive a um processo criminal e a um processo administrativo para perda desses instrumentos de agressão ambiental.
Essa jurisprudência modificou-se e hoje podemos dizer que o saldo positivo em prol do combate ao desmatamento já se sente de forma visível nas decisões dos nossos juízes.
Constituições, ademais em cenário de tal gravidade, não podem ceder frente a projetos de governo (de esquerda ou de direita), às matizes ideológicas, às histerias coletivas de praças públicas, movidas por projetos de comissões virtuais. O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado não pode ser suprimido ou descaracterizado por emenda constitucional e, a fortiori, por mera legislação infraconstitucional.
O Brasil, como nós sabemos, tem compromissos internacionais no sentido de garantir o meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações como direito humano que, a rigor, tem no seu núcleo a dignidade da pessoa humana.
Nós sabemos também que, em 2015, a Organização das Nações Unidas de que o Brasil faz parte editou uma agenda, a conhecida Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável do milênio, e que o seu Objetivo 15 deve ser respeitado porque está perfeitamente em harmonia com as disposições da nossa Constituição da República e do Código Florestal, no que define as áreas de preservação permanente e de reserva legal.
O Objetivo 15 estabelece que os Poderes constituídos devem proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda da biodiversidade.
Nós sabemos que, na prática, falta muito em termos de políticas públicas para cumprir esses objetivos, mas destaco, sobretudo, a grave ameaça desta legiferante decretal, que é próprio de ditadores, e não de um país republicano como o nosso. Somente esta Casa tem poderes para, através da lei, criar direitos e obrigações da ordem jurídica.
Não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, a figura do decreto autônomo. O decreto só pode ser secundum legem, nunca contra a lei ou fora da lei. Isso é muito importante para a conscientização dos trabalhos que se realizam em torno da aprovação ou não dessa medida provisória, que busca, de alguma forma, esvaziar a proteção dos nossos ecossistemas já protegidos pelo Código Florestal e com alguma flexibilização. De alguma forma, já arranhando o princípio da proibição do retrocesso. Isso poderá ficar muito mais grave.
Finalizando, Sr. Presidente, gostaria de destacar também o princípio quinto da Carta da Terra, documento importantíssimo assinado depois da ECO 92, com a mesma finalidade de proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da terra, com especial preocupação com a diversidade biológica e com os processos naturais que sustentam a vida.
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Outros documentos poderiam ser citados aqui, mas, em respeito ao tempo daqueles que precisam se manifestar, eu vou encerrar, lembrando, como sempre lembro, a voz altiva de um poeta que está sempre vivo em todo o contexto histórico onde a violência contra os oprimidos e contra os vulneráveis acontece ao longo da história.
Antônio de Castro Alves, no seu famoso poema Navio negreiro, conclui essa belíssima página, sempre atual, com estes versos:
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço as palavras do Dr. Antônio, que ainda nos presenteou com uma poesia. Ficamos muito contentes.
A Dra. Ana Flávia, Coordenadora de Preparação da Secretária Nacional de Proteção e Defesa Civil — SEDEC, do Ministério do Desenvolvimento Regional, é a próxima painelista.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Como Defesa Civil, nós falamos primeiro o que é desastre e tentamos enxergar essa relação entre desastre e questão ambiental. A definição de desastre que temos na legislação é a seguinte: desastre é um resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem num ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e os consequentes prejuízos econômicos e sociais.
Então, com essa definição, nós vemos que eles podem ser naturais ou provocados pelo homem. Num ecossistema vulnerável, nós fazemos essa relação tanto com as áreas de preservação quanto com áreas de reserva legal. Na definição de desastre, também são considerados não só os danos humanos como os ambientais.
Aqui são os principais desastres que acontecem no País. Na Região Norte, os tipos de desastres que mais relacionamos à ocupação de áreas de preservação permanente ou de reserva legal são principalmente as inundações, com ocupações de áreas às margens dos rios, e os deslizamentos. Então, principalmente na Região Nordeste, além das secas e estiagens, acontecem inundações e deslizamentos. Na Região Sudeste, isso também ocorre. Na Região Sul, há mais inundações, além de outros tipos de desastres como vendavais e granizo. Na Região Centro-Oeste, há ainda os incêndios florestais. O mesmo acontece na Região Norte.
Aqui é o conceito de Defesa Civil. Defesa Civil é o conjunto de ações de prevenção, de socorro, assistenciais e recuperativas destinadas a evitar desastres e minimizar seus impactos para a população e para restabelecer a normalidade social.
Aqui eu destaco o conjunto de ações. A Defesa Civil não é um órgão. Na verdade, é um conjunto de ações. Nesse conjunto de ações, devem atuar vários diferentes órgãos, constituindo um Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil — SINPDEC. Esse é o Sistema Nacional. Ele contém um órgão nacional, que é a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil; órgãos estaduais, seus equivalentes nos Estados; e os órgãos municipais de Defesa Civil. Isso olhando um recorte em torno do tema específico Defesa Civil.
Porém, como esse tema envolve vários outros órgãos e vários outros setores, esse sistema é muito mais amplo do que somente esse recorte em torno da área específica de Defesa Civil. Ele envolve tanto outras áreas como meio ambiente, habitação, economia, recursos hídricos, como também envolve o setor privado.
Isso em âmbito de governo. Mas ele também envolve o próprio setor privado e o terceiro setor. Para esse sistema realmente funcionar, de forma efetiva, a base dele necessária é a articulação entre esses diversos órgãos, tanto no nível federal como nos demais níveis federativos.
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Aqui eu trouxe um artigo da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Essa é uma política relativamente recente. Ela foi promulgada em 2012.
Podemos lembrar o desastre que aconteceu na região serrana em 2011. Na época desse grande desastre, em 2011, na região serrana do Rio de Janeiro, tanto o Poder Executivo quanto o Poder Legislativo elencaram uma série de ações para tratar do tema. No Poder Executivo, foram fortalecidos e criados órgãos de monitoramento e alerta, ações estruturantes, ações de mapeamento de risco no território nacional. No Poder Legislativo, foi trazida toda uma discussão para a criação dessa Política Nacional, que, de fato, não existia como uma lei até então. Foi um período bem curto, se pensarmos na criação de uma política nacional. Se formos compará-la a outras políticas nacionais na área de meio ambiente, por exemplo, elas têm um tempo de bastante discussão aqui na Câmara e no Senado, na área legislativa.
Essa política começou a ser discutida em 2011 e, em 2012, já estava publicada, até como uma resposta à sociedade, que esperava uma resposta dos Poderes.
Com isso, percebemos que talvez tenha faltado um pouco mais de discussão para essa política. Então, aqui, eu destaco um dos artigos iniciais dela, que diz que a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil deve integrar-se às políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e às demais políticas setoriais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável. Então, ela trouxe essa visão da necessária articulação entre as diversas políticas.
Aqui eu trouxe os objetivos, que são quinze, mas destaquei alguns relacionados à temática que estamos discutindo hoje. Como objetivos gerais da política, há objetivos como reduzir os riscos, prestar socorro à população, bem como estimular o desenvolvimento de cidades resilientes e os processos sustentáveis de urbanização. Entre esses, há vários outros, por exemplo, monitorar eventos meteorológicos. Outros que eu destaquei aqui são: produzir alertas antecipados; orientar as comunidades; integrar informações; estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em vista a sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos e da vida humana.
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Outro objetivo da política que destaquei foi: combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco; promover a realocação da população residente nessas áreas; estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em local seguro e desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastres.
Esse eslaide apresenta um ciclo das diferentes fases de um desastre, desde a parte de gestão de riscos, que trabalha com a prevenção e a mitigação; até o gerenciamento do desastre, após a ocorrência.
Então, essas são algumas ações — como alertas, sirenes, reconhecimento e resposta ao desastre em si — que a secretaria efetua.
Na hora em que destacamos a necessária integração entre as várias políticas e olhamos um ciclo de desastres, percebemos a necessidade de que essa integração seja feita em todo o ciclo. Não adianta só na hora da resposta integrar agências. A integração dessas agências precisa ser feita aqui na fase de prevenção.
Aqui, então, apresento algumas fotos que mostram o grande desafio que temos para tratar na temática de Defesa Civil e áreas de preservação ambiental e de reserva legal.
Esse é um deslizamento de encostas, com pessoas residindo em áreas vulneráveis sem a percepção desse risco. Isso reforça também a questão do trabalho, da educação da população, para que ela passe a ter informações que lhe garantam uma maior percepção de risco.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço à Ana Flávia, que nos mostrou um pouco do trabalho da Defesa Civil e da necessidade de conservação, principalmente, das áreas de preservação permanente relacionadas às encostas, aos topos de morros e às áreas marginais aos cursos d'água. Então, preservação dessas áreas é fundamental.
O SR. RICARDO BOMFIM MACHADO - Deputado Rodrigo Agostinho, na pessoa de quem faço os agradecimentos pelo convite e estendo o cumprimento aos demais Deputados e o público presente.
Estou aqui representando a academia e também a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
E, como tal, eu não poderia deixar de apresentar aqui a nossa indignação e repúdio ao Decreto nº 9.806, publicado ontem pelo Ministério do Meio Ambiente, que alterou a composição do CONAMA. A academia e as sociedades científicas foram literalmente defenestradas da participação no CONAMA. Essa é uma situação complicada.
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Aparentemente, o Ministério do Meio Ambiente não quer a colaboração da academia, não quer a colaboração dos cientistas, ao contrário do que faz esta Casa, que sempre tem o cuidado e a delicadeza de convidar os cientistas e os acadêmicos para colaborar com processos de debates como este.
Então, em nome da academia e da SBPC, solicito que esta Comissão apresente uma solicitação de convocação do Ministro do Meio Ambiente, para que ele explique nesta Casa por que ele acha que a academia não é necessária para ajudar na tomada de decisões importantes na área ambiental.
(Segue-se exibição de imagens.)
Somente para relembrar, serviços ambientais são quaisquer processos ecológicos que acontecem normalmente na natureza, mas cujo resultado, quando o ser humano se apropria desses processos, gera gratuitamente bem-estar e vantagens econômicas. Nós chamamos isso de serviços ambientais. Ou seja, são os processos utilizados em benefício do ser humano.
Também para relembrar, esses serviços ambientais são agrupados em diferentes classes. Então, temos serviços de suporte, de provisão, de regulação e serviços culturais, todos associados com o atendimento das necessidades humanas.
Vou me ater aqui a dois desses aspectos: o papel das unidades na regulação do clima local e polinização, sobre a qual vou falar um pouco, que é um serviço ambiental do qual o ser humano aufere benefícios.
A primeira pergunta que eu gostaria de explorar é se, de fato, as áreas nativas regulam do microclima.
Todos devem reconhecer esse mapa que apresenta o Estado de Goiás e o Distrito Federal. No período pré-europeu, esse território tinha 100% da cobertura vegetal nativa. Não temos nenhuma razão para supor que existiam, antes da chegada dos portugueses, grandes extensões desmatadas nessa região. Então, partimos do pressuposto que essa era a condição original.
Em 2017, a vegetação do Estado de Goiás e do Distrito Federal foi bastante reduzida. Hoje, a média para o Estado de Goiás é de menos de 40% de cobertura vegetal. No Distrito Federal, essa média é de 53%. Falamos que essas são as médias, porque em algumas regiões, a exemplo do sul de Goiás, há muito menos do que 40% de cobertura.
A imagem da direita foi obtida do satélite Terra, do sensor MODIS, que mostra a temperatura da superfície do Estado de Goiás, vista a partir do espaço. Então, podemos ver aqui as cores mais escuras, que representam regiões mais frias; a cores laranja e amarelo indicam as regiões mais quentes. Visualmente, quando comparamos esses dois mapas, podemos perceber que as áreas que têm vegetação tendem a ser mais frias do que as áreas que não têm vegetação.
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Todos já devem ter ouvido falar na expressão "O Cerrado é um hotspot de conservação", ou um ponto quente de conservação. Então, ele está ficando cada vez mais quente.
A ausência da vegetação e o aumento da temperatura têm um efeito cascata que reduz a disponibilidade de água, causa um impacto na agricultura, que, por sua vez, requer a necessidade de se fazer a irrigação dos cultivos, pela falta de água. Isso tem impacto no sistema hídrico, que, por sua vez, tem impacto no abastecimento humano.
Não podemos nos esquecer que Brasília ficou quase 1 ano e meio em regime de racionamento de água exatamente por falta da disponibilidade de água. A gente está combinando falta da vegetação nativa, que garante o suprimento de água, e também o fato de sermos 3 milhões de pessoas vivendo nessa região. Tudo isso leva ao problema da falta de água e o racionamento. Então, as áreas nativas têm um papel fundamental para evitar esse tipo de situação.
Outra questão que eu queria abordar é a relativa à polinização. Devemos saber o seguinte: existem vantagens econômicas com a presença de áreas nativas? O produtor rural pode se beneficiar disso?
Somente para usar como exemplo, vou citar a produção de café. Em 1997, foi criado um consórcio de 10 instituições que estavam preocupadas em melhorar a produção e a produtividade de café. Nessa época, a produtividade média do Brasil era de 8 sacas por hectare. Depois de 21 anos de "balbúrdia" — ou seja, de pesquisa, de investimentos, etc. —, a produtividade do café passou para 28 sacas por hectare, o que significa um aumento de 360% na produção. Isso é fruto de pesquisa, de seleção de variedades, de melhoria no plantio e assim por diante. Mas devemos nos lembrar que as áreas nativas também têm uma contribuição.
Esse estudo publicado por um colega da Universidade Federal de Goiás demonstrou que cafezais que estão próximos a áreas nativas são 14% mais produtivos do que cafezais que estão longe de áreas nativas. Esse serviço é o da polinização feita por insetos, que fazem com que a produtividade chegue a até 32 sacas por hectare, sendo que essas quatro sacas — representadas aqui na cor verde — são gratuitamente oferecidas pela natureza.
Então, essas áreas nativas nas propriedades, as quais costumamos chamar de reserva legal, são importantes para manter esse tipo de serviço ambiental.
E, se as áreas nativas são importantes para regular o clima e oferecer esse tipo de serviço, qual deve ser o mínimo de cobertura que devemos manter nas nossas paisagens?
Rapidamente, quero mostrar um estudo de uma aluna de doutorado — que, por coincidência vai defendê-lo amanhã, embora já tenhamos submetido à academia esse artigo — que apresenta, no eixo X, a variação da cobertura vegetal em unidades de paisagem. Por exemplo, essas unidades podem ser microbacias. Então, aqui na direita temos áreas 100% com cobertura vegetal até áreas totalmente desmatadas. E aqui no eixo Y temos um indicador dos serviços — e aqui vemos impressa uma paisagem —, que é a conectividade.
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Então, existe uma relação entre a variação na cobertura e a conectividade. Só que essa variação vai até 40%. Abaixo de 40% de cobertura vegetal, em qualquer região, a conectividade da paisagem ou outros serviços ambientais se perdem.
Nós deveríamos manter, na verdade, cobertura vegetal acima de 40%, em qualquer área, e não 20%, por exemplo, como determina a legislação. Nós deveríamos ser mais ousados nesse aspecto de trazer benefícios para as comunidades locais e também para os proprietários rurais, que devem ser os maiores interessados em ter oferta de água e outros serviços.
Gostaria somente de lembrar que a conectividade de uma paisagem é perdida quando a cobertura nativa fica abaixo de 40%.
As propriedades privadas, desde a Constituição de 1988, devem cumprir a sua função social, que inclui a preservação do meio ambiente.
Eu não consigo imaginar como um instrumento infraconstitucional pode ser mais permissivo do que a própria Constituição de dizer que podem existir propriedades que não cumprem a sua função social e propriedades que a cumprem. Essa distinção eu não consigo entender.
Se nós compreendermos que o papel das áreas nativas, na forma de reserva legal, APP e também das áreas públicas, é essencial para garantir um meio ambiente equilibrado — isso é importante, é um aspecto positivo —, então, a lei poderia até retroceder e ser utilizada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Dr. Ricardo.
É muito bacana ver a ciência discutindo a implementação da legislação e como esta interfere na qualidade ambiental da paisagem.
Deputado Rodrigo Agostinho, muito obrigada pelo convite, por abrir as portas da Comissão de Meio Ambiente, desta Casa, para a sociedade civil.
Como muito bem disseram os colegas que me antecederam, esse espaço ficou para que a sociedade tenha voz, condições de trazer aqui as nossas necessidades, preocupações e alertas, propostas de agendas positivas para o País, porque perder espaço de participação social, como este decreto do CONAMA — Conselho Nacional do Meio Ambiente, é um retrocesso sem precedentes na nossa história, desde a Constituição de 1988.
Nós não imaginávamos que poderíamos chegar aqui, em um momento como esse, de consolidação da jovem democracia brasileira, perdendo esses espaços de tomada de decisão, que renegam, acima de tudo, a ciência e a educação.
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Que futuro pode ter um país sem educação, sem ciência, sem discussão, sem participação de sua sociedade? São lamentáveis os caminhos que o Brasil vem trilhando, na contramão da história, como, aliás já denunciávamos, desde a Rio+20, a juventude, a sociedade, as ONGs, a Academia.
Marchamos, nas ruas do Rio de Janeiro, em marcha a ré, mostrando os retrocessos que vinham das ameaças de mudança no Código Florestal brasileiro. Naquela época, estávamos discutindo para tentar impedir a aprovação deste novo Código Florestal, que agora está sendo, ao invés de implementado, novamente fatiado, esfaqueado — eu diria —, porque perder a reserva legal é um retrocesso sem precedentes.
Nós tivemos agora, no dia 27, o Dia da Mata Atlântica e, felizmente, notícias positivas para a Mata Atlântica: o nível de desmatamento no Bioma Mata Atlântica caiu 9,3%, no ciclo de 2017 a 2018, quando comparado ao ciclo de 2016 a 2017. Foi o menor nível de desmatamento, desde 1985.
E a que se deve isso? Há uma lei específica de proteção desse bioma, que não foi uma lei de cima para baixo, foi uma lei discutida amplamente nesta Casa, com ampla participação da sociedade, com muitos argumentos científicos, fruto de muita pesquisa, de muita mobilização da sociedade, sancionada pelo Governo Federal, que vem sendo colocada em prática, desde então, com a participação de todos os entes do SISNAMA — Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Municípios, do Estado, da União, das organizações civis, dos proprietários que cuidam, que têm suas RPPNs — Reservas Particulares de Patrimônios Rurais, suas áreas protegidas particulares, os Comitês de Organismos de Bacia, que reconhecem a importância desse bioma, que é a casa de três, entre cada brasileiro. Nós vivemos no bioma. Uma de nossas espécies é emprestada para dar nome à Nação e a outra é o símbolo da Nação: o ipê amarelo.
Mesmo assim, essa queda no desmatamento não significa que está tudo bem. Infelizmente, dos 17 Estados do Bioma Mata Atlântica, nove chegaram ao nível do desmatamento ilegal zero, o que é pouco, sem dúvida nenhuma, como mostrou muito bem o colega da Academia Brasileira de Ciências. Nós deveríamos ter mais, nós deveríamos estar subindo a régua agora, e não simplesmente cumprindo a lei.
As mudanças climáticas, os eventos climáticos extremos, o aumento das demandas da sociedade por serviços ambientais e ecossistêmicos exigem que essa proteção aumente, que nós não nos limitemos a cumprir a lei. É como se nós quiséssemos dar somente o básico para a nossa sociedade. Não, nós precisamos garantir bem-estar, conforto, necessidades humanas, ecossistêmicas, equilíbrio.
E, para isso, nós precisamos de mais. Para garantir segurança hídrica, resiliência climática, segurança sanitária, segurança de saúde e bem-estar, que são serviços essenciais das áreas de preservação permanente, das áreas protegidas, principalmente da reserva legal, nós temos que subir essa régua.
Infelizmente, cinco Estados ainda não atingiram o Desmatamento Zero na Mata Atlântica e, novamente, são os recordistas do desmatamento do bioma. Para nossa tristeza e impacto para grandes regiões hidrográficas do Brasil, Minas Gerais volta a ser o Estado recordista. Por 5 anos consecutivos, se manteve nesse ranking como o Estado que mais desmata a Mata Atlântica. Havia saído dessa posição, mas voltou, não por tragédias e crimes como o da Vale, mas por atividades que impactam diretamente o bioma, principalmente a exploração da Mata para carvão e atividades agrícolas.
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Perdemos, em Minas Gerais, 3.379 hectares nesse ciclo. No Paraná, segundo recordista de desmatamento, 2.049 hectares. No Piauí, onde há uma luta para reconhecimento da existência e da importância do bioma, foram 2.100 hectares. O Piauí está em terceiro lugar, seguido da Bahia, com 1.985 hectares, e de Santa Catarina, com 905 hectares.
Isso é reflexo da sinalização, infelizmente, que dá o Governo Federal da anistia e do licenciamento do bioma Mata Atlântica de forma fragmentada por Municípios. O não reconhecimento da integridade do bioma é um problema no Estado de Santa Catarina e tem sido um problema no Estado do Paraná. Quando se fragmenta e divide o bioma, repassando a competência para os Municípios, cria-se um conflito legal.
Ouvir aqui nesta Casa que o Código Florestal, Deputado Rodrigo, poderá, com uma medida provisória, extrapolar uma lei ordinária é no mínimo absurdo, porque existe uma hierarquia legal. A Lei da Mata Atlântica é uma lei específica, portanto, vem acima do Código Florestal. E não há por que entender o contrário. Seria o mesmo que querer que a lei orgânica de um Município fosse soberana perante a Constituição Federal. Uma lei ordinária é soberana a outro diploma legal. Pelo menos foi assim que aprendemos até agora. É preciso que haja harmonia entre as leis.
Porque estamos na Semana da Mata Atlântica, que antecede a Semana do Meio Ambiente, eu peço licença para ler o manifesto que a SOS Mata Atlântica trouxe para celebrar o dia desse bioma, em 27 de maio:
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Se você quer que a preservação do meio ambiente continue no jogo, pegue a sua bandeira e entre em campo.
Eu me inspirei a ler esse manifesto em função do trecho do poema de Castro Alves declamado aqui, que fala da nossa bandeira. Não foi à toa que a SOS Mata Atlântica fez esse logotipo, ressuscitando o lema com que, nos anos 80, nós defendíamos a Mata Atlântica. Estão tirando o verde da nossa terra.
Deputado Nilto Tatto, mais do que nunca, a sociedade precisa de vocês, a sociedade precisa do Parlamento. Esta Casa tem que ser o eco da sociedade. Manter as áreas de preservação permanente, a reserva legal, o Código Florestal e os nossos direitos é garantir segurança hídrica, climática e sanitária, como muito bem trouxe a Organização das Nações Unidas no Fórum Mundial da Água realizado aqui em Brasília. É garantir, sobretudo, a função ecossistêmica de saúde pública, de saneamento ambiental. O Brasil está tratando saneamento ambiental ainda de maneira medieval, tentando também legislar sobre um tema tão estratégico, tão essencial para a vida de todos os brasileiros por medida provisória. Não é assim que o País deve legislar, não é assim que o País deve tratar de questões tão estratégicas para os dias de hoje e para o futuro da Nação.
Acho que, mais do que falar, eu quero reiterar o que foi dito pelos colegas sobre as funções legais, científicas e estratégicas das áreas de preservação permanente urbanas e rurais, das reservas legais, das áreas protegidas e, sobretudo, do direito e da contribuição que a sociedade civil traz, de forma honorífica e cidadã, nos colegiados participativos do Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Malu, muito obrigado pela fala.
Eu acho que essa conexão entre o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica é essencial. Ao longo de toda a nossa história — pouco mais de 500 anos da história do nosso País —, apenas um bioma conseguiu ter sua legislação própria, a Mata Atlântica. Estamos com um texto bem avançado aqui na Câmara que diz respeito ao Pantanal, mas só a Mata Atlântica tem uma lei específica.
Na Medida Provisória nº 867, que está sendo debatida agora na Casa, havia apenas uma modificação ao Código Florestal, prorrogando o prazo para a regularização ambiental das propriedades, a implementação do PRA — Programa de Regularização Ambiental. Um parágrafo, dentro do art. 59, diz que, num debate entre uma legislação geral e uma lei específica, fica valendo o Código Florestal.
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Isso, de certa forma, susta os efeitos da Lei da Mata Atlântica no que diz respeito à cobertura florestal das propriedades. Esse absurdo jurídico, essa aberração jurídica é algo que está presente no texto do projeto de lei de conversão que está no plenário e vai ser votado hoje, muito provavelmente, assim que obtivermos quórum no plenário. Essa é uma situação muito ruim para todos nós.
(Segue-se exibição de imagens.)
Sempre se diz que muvuca, que é o método que usamos, é muvuca de gente e muvuca de sementes. Ela não funcionaria se não tivesse a diversidade de sementes e a diversidade de pessoas. Assim é feita a restauração ecológica em escala nas cabeceiras do Xingu.
Para quem não conhece, aqui eu vou mostrar um pouco o que é a cabeceira da Bacia do Xingu. Esta é a cabeceira do Xingu. Podemos ver que foi delimitado o Rio Xingu. Ele passa totalmente dentro das Terras Indígenas, e suas cabeceiras, suas nascentes, estão todas fora do território indígena. A cabeceira do Xingu tem 54 milhões de hectares, 21 Terras Indígenas, 9 unidades de conservação e 24 povos indígenas.
(Mostra imagem.)
Essa fala "A cabeça do Xingu está doente" é de um indígena. O Instituto Socioambiental trabalha no Parque Indígena há muito tempo: desde 1994. Eles começaram a perceber, como eu disse no início, que o Xingu está bem no centro, e as nascentes dele estão todas fora dos limites do Xingu. O que podemos ver? Que as nascentes estão todas degradadas. Como já tínhamos um trabalho, há muito tempo, com os indígenas, eles nos disseram: "Vocês que são brancos conversem com os seus "parentes". A nossa água está ficando turva. O nosso peixe está diminuindo".
Com isso houve, em 2004, o Encontro Nascentes do Xingu, em Canarana, onde foi possível reunir os indígenas, os moradores urbanos, os fazendeiros, os assentados, as instituições do terceiro setor, as empresas privadas, os órgãos públicos para discutir sobre isso, sobre o que está acontecendo. Todo mundo que estava ali sabia que a água é um bem maior do que a diversidade de pessoas. Digo isso porque o preconceito é grande, mas eles sabiam que a água era importante.
Então, a partir disso, surgiu a Campanha Y Ikatu Xingu, que significa "salve a água boa do Xingu".
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A partir da Campanha Y Ikatu Xingu, vieram as necessidades. A nossa região tinha áreas degradadas, então, nós tínhamos necessidades. Tinha que haver uma restauração de baixo custo e feita pelas pessoas que pertencem ao lugar, porque sabemos que, se a pessoa não pertence ao lugar, o processo de restauração não dá certo.
Fomos observar como eram as áreas degradadas que os indígenas vinham falando que precisavam ser recuperadas. Encontramos áreas muito extensas de degradação, áreas de fácil mecanização, porque eram totalmente planas, estradas precárias — isso continua, porque ainda há muitas estradas de terra —, e poucos viveiros de mudas.
Aí veio a pergunta: "Nós vamos usar muda mesmo?" Nós sabemos que, anteriormente, houve plantio de mudas, e isso não teve muito sucesso. Há até um ponto de interrogação aqui. Muda? Veio, então, a ideia: "Muda!", vamos mudar isso.
(Exibição de vídeo.)
O SR. GUILHERME HENRIQUE POMPIANO DO CARMO - Como está na fala dele, nós só conseguimos fazer o trabalho porque houve a junção entre fazendeiros, indígenas, pequenos produtores e pessoas que moram na cidade.
Às vezes as pessoas perguntam o porquê do nome Muvuca. Segundo o dicionário, "muvuca" é o agrupamento ruidoso de pessoas que estão se divertindo. É isso mesmo a Muvuca. Não se trata apenas de um plantio, de jogar sementes e ver uma restauração. Nós queremos que todo mundo que está em volta se envolva com aquela atividade.
Isto é uma muvuca de sementes, composta de espécies nativas e espécies de adubação verde. Aqui está só um pouco da diversidade das espécies que são plantadas. Isso faz com que as pessoas que estão no território se envolvam. Quando vamos fazer o plantio, as pessoas gostam de ver a diversidade de sementes e as cores e saber como o plantio é feito.
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Com essa demanda por semente para plantio de áreas de restauração — conforme o que eu falei, não existe muvuca de sementes sem muvuca de gente —, surgiu a Rede de Sementes do Xingu, que é composta hoje por 568 coletores e conta com uma diversidade de pessoas. Há tanto coletores urbanos e assentados quanto indígenas do território indígena do Xingu e indígenas xavantes. Então, na Rede de Sementes do Xingu, tem que haver confiança; acordos e pactuações; diversidade tanto de sementes quanto de pessoas, porque é isso que faz com que ela funcione; e conectividade.
A rede funciona da seguinte forma: o coletor passa a lista de potencial, que contém o que ele vai conseguir colher naquele ano. A central administrativa a pega e faz o pedido, com base no que recebeu dos produtores rurais, no que eles vão comercializar. E os produtores rurais passam aos coletores o recurso financeiro. Então, os coletores recebem o pedido, fazem a coleta, o manejo, a secagem, o armazenamento e transporte das sementes para a casa de sementes, onde é feita a análise da qualidade, em conjunto com as parcerias, e é feito o transporte para se fazer o plantio. Essa é a Rede de Sementes do Xingu.
Quando pensamos nos 12 anos passados, percebemos que o caminho não foi fácil. Houve muita desconfiança de várias pessoas. Além disso, a legislação para sementes florestais segue o mesmo da legislação para a agricultura, que é totalmente diferente — para fazer a análise, deve-se considerar que uma semente nativa não tem o mesmo crescimento que uma de soja ou de milho. A partir do Código Florestal, que saiu em 2012, houve uma grande diferença na comercialização, e o número de sementes vendidas para implantação reduziu, porque houve uma insegurança. Então, há 12 anos, estamos trilhando este caminho.
Em 2007, nós éramos cinco coletores trabalhando com 120 espécies. Hoje nós somos 568 coletores, sendo que 62% são mulheres indígenas, coletores urbanos e pessoas de assentamento rural.
Eu acho que este número é bem legal. Em 2007, nós comercializamos 5 toneladas de sementes, e 19 mil reais foram repassados aos coletores. Em 2018, mais de 120 toneladas de sementes foram comercializadas, e já foram repassados 4,6 milhões de reais aos coletores.
Lá em 2007, nós conseguimos a implantação de 59 hectares. Hoje há 6 mil hectares em processo de restauração.
Algumas pessoas perguntam para nós: "Há só 6 mil hectares em processo de restauração?" Nós não precisamos fazer nada além de perguntar: "Você já plantou quantos hectares?" Plantar não é fácil, porque é preciso envolver todo mundo. Eu, que também planto e faço restauração, falo com as pessoas: "Não derrubar é muito mais fácil do que plantar. Agora você vai ter um custo, você vai ter um trabalho".
Por que as fazendas fazem restauração? O principal motivo é cumprimento de TAC — Termo de Ajuste de Conduta. Se isso cair, a porcentagem de plantios vai diminuir. Outro motivo é o Selo Verde, com o que o produtor vai conseguir melhorar o preço do produto que ele tem na fazenda. O terceiro motivo é o entendimento da importância da restauração, que é no caso a minoria, mas existe.
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Nós sempre tentamos também, além de ter nossos encontros, fazer informativos, fazer livros, tanto para os de dentro quanto para os de fora. São 568 coletores, então, há uma complexidade na transmissão da informação para todos. Nós também queremos passar as informações para as pessoas que são de fora, para elas entenderem a rede.
Isto aqui, Florestação, é um jogo bem legal. Quem quiser, entre em contato com a Rede de Sementes do Xingu, para nós o apresentarmos depois.
Não sei se vocês conhecem a realidade de lá, mas não foi fácil juntar a diversidade socioambiental que existe no coração do Brasil, onde há sulistas, indígenas. Nós conseguimos, através da Campanha Y Ikatu Xingu, que todo mundo entendesse que é preciso salvar a água boa do Xingu.
(Exibição de vídeo.)
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O SR. GUILHERME HENRIQUE POMPIANO DO CARMO - Esse vídeo foi uma expedição que fizemos nos plantios do Caminho da Semente, lá em Canarana.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Guilherme, que nos apresentou um trabalho muito bonito e que está servindo de exemplo no Brasil inteiro.
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Presidente Rodrigo Agostinho, primeiro, quero parabenizá-lo pela iniciativa deste debate e cumprimentar todos os expositores. É um debate mais do que oportuno nesta conjuntura, neste momento, inclusive no dia de hoje, em razão da matéria que está em debate e votação aqui na Câmara Federal.
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Acho que todos vêm acompanhando a Medida Provisória nº 867, que era muito simples, pois tinha apenas um artigo e que pretendia prorrogar o Programa de Regularização Ambiental, que é um dos instrumentos do Código Florestal. O objeto da medida era muito claro. Mas a bancada ruralista, aproveitando essa medida provisória, está inserindo uma série de mudanças que, na verdade, deforma completamente o Código Florestal.
E todos sabem que o acordo em torno do Código Florestal, talvez, seja o que mais mobilizou o País inteiro — não só os ambientalistas, mas o setor produtivo e o meio rural — depois do processo da Constituinte. Talvez tenha sido o momento mais emblemático e de maior mobilização. E, ao final, chegou-se a um acordo de que precisávamos repensar a agricultura, trabalhando na perspectiva de que precisávamos cuidar do solo, da água, dos serviços ambientais que as florestas fornecem, que são importantes para a agricultura não só do ponto de vista de se manter a produtividade, mas do papel que a agricultura tem na balança comercial brasileira, em função da nossa extensão territorial, e da responsabilidade de produção de alimentos não só para o Brasil, mas para o mundo.
E os agricultores também sentiram isso, tanto é que a grande maioria — e podemos falar que algo da ordem de 5 milhões de proprietários — fez o cadastro e seguiu em frente, cumprido aquilo que foi acordado. E, hoje, temos pouco menos de 150 mil proprietários que não conseguiram fazer o referido cadastro. Isso ocorreu com uma pequena parte, porque o próprio Estado não conseguiu a eles chegar. Mas uma boa parte desses poucos não o fizeram por boicote. Mas, mesmo assim, entendemos que seria importante prorrogar o prazo por mais 1 ano, até para que todos cumprissem aquilo que foi acordado no Código Florestal. Mas não é possível aceitar as mudanças que foram inseridas naquela medida.
Ficou muito claro na explanação de vocês o que a própria ciência diz. Então, é importante dizermos que vemos lideranças da bancada ruralista — e estou falando de um setor minoritário, inclusive, do ruralismo brasileiro —, mesmo quando vocês mostram a importância da área de proteção preservação permanente, da reserva legal, dos serviços ambientais de proteção de solo, da polinização, enfim, mesmo diante de tudo aquilo que a ciência vem mostrando, elas têm coragem de tachar isso como ideologia. Eles falam: "Ah! Isso aí é discurso ideológico". Isso é negar aquilo que a ciência mostra.
Então, é oportuno fazer esse debate porque, aqui dentro da Casa — e ontem começou a votação da referida medida provisória —, eles têm 280 votos, o que é o suficiente para acabar com o Código Florestal, para comprometer o futuro da agricultura brasileira, para colocar na lata de lixo tudo aquilo que nós — e me refiro ao povo brasileiro — avançamos em termos de produção de consciência e de legislação, de preocupação com a questão ambiental, com o direito ambiental. Eles podem colocar na lata de lixo o direito ambiental. E é um setor minoritário.
Então, se não temos como ganhar esse jogo, só há uma forma de mudá-lo, que é quando isso vem da sociedade civil, quando vem da sociedade como um todo.
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Então, quero aproveitar este momento aqui para chamar a atenção daqueles que estão nos acompanhando para pressionar os Deputados, para pressionar o Presidente da Casa, porque não é possível votar essa medida provisória da forma como ela está no projeto de conversão. Nós aceitamos prorrogá-la, porque estamos indo no caminho da implementação do Código Florestal, e entendemos que, mesmo que seja uma parte minoritária, vamos acolher, para que todos entrem na estratégia de implementação do Código Florestal, mas não de acabar com o Código Florestal, como estão querendo fazer.
Parabéns, Deputado Rodrigo Agostinho, pelos debates que V.Exa. tem promovido. Inclusive, se pegarmos as últimas três semanas, perceberemos que o conjunto de debates da Comissão de Meio Ambiente está muito focado, está muito centralizado no enfrentamento dos retrocessos que vimos acompanhando no âmbito federal. Mas também quero dizer que nós também precisamos trazer o debate para cá. Nós não podemos aceitar o fim do CONAMA, como está sendo anunciado nesse decreto que saiu.
Imaginem que, no Conselho Nacional do Meio Ambiente, não há ninguém do ICMBio. Então, não podemos aceitar isso, porque se está colocando em jogo o futuro do País. Que país queremos construir?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço as palavras do Deputado Nilto Tatto.
O SR. DANIEL COELHO (CIDADANIA - PE) - Obrigado, Presidente Deputado Rodrigo Agostinho. Quero parabenizar os palestrantes deste seminário, a Malu, a Ana Flávia, o Antônio, o Ricardo, o Guilherme, pelo debate.
Nós estamos tratando da importância das Áreas de Proteção Ambiental. E eu quero reforçar o que disse o Deputado Nilto Tatto. É extremamente preocupante a votação que nós estamos tendo hoje aqui na Câmara. Ontem inclusive estivemos mobilizados, porque se ultrapassaram as barreiras do que é Governo, Oposição, Direita, Esquerda, daquilo que é sensato, que é a proteção do nosso País.
Uma medida provisória que veio a esta Casa para prorrogar prazos da regularização agrícola e fundiária no Brasil foi transformada no verdadeiro desmonte do nosso Código Florestal, o qual, por anos, foi debatido e discutido com a sociedade brasileira. Isso é impressionante! A página inicial da medida provisória tinha três artigos, tinha meia página, mas foi feito um calhamaço de 7, de 8 páginas, com mudanças — é importante que a sociedade entenda o que estamos colocando aqui —, ao ponto de se colocar que, se o PLV, quer dizer, a conversão que foi feita, for aprovada, não mais haverá a obrigação de se regularizar a propriedade agrícola. Você só terá que regularizá-la se o Governo o notificar, quando temos um Governo que não tem interesse de notificar ninguém.
Então, temos a certeza de que, nos próximos 4 anos, não haverá nenhum tipo de regularização fundiária agrícola no País. Quer dizer, é matar de vez o Código Florestal e a proteção ambiental no nosso País.
Isso é uma coisa completamente absurda. Isso quer dizer que você pode fazer tudo até você ser notificado. E o Governo já diz que não vai notificar.
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Então, a partir deste artigo que é colocado — eu não vou nem entrar aqui no detalhe dos demais —, isso é realmente um grande absurdo. Nós lamentamos isso que está ocorrendo. Ontem conseguimos obstruir, ganhamos o dia. A primeira emenda que será votada, que é a primeira da pauta, é uma emenda nossa, do Cidadania, pedindo que seja votada a medida provisória original, que é razoável, porque se prorroga prazos, mas mantém obrigações, mas nós não podemos, de forma alguma, permitir que seja aprovado dessa maneira, em cima de uma medida provisória, o desmonte do Código Florestal.
É importante que a Comissão do Meio Ambiente se posicione hoje em Plenário, Deputado Rodrigo Agostinho. V.Exa. tem toda a confiança deste Colegiado, inclusive para fazer uma fala em nome de todos nós. Nós vamos, individualmente, debater. Dentro dos partidos, evidentemente, haverá apoio, mas é muito importante que a Comissão se posicione, porque, sem nenhuma dúvida, é inaceitável que se faça uma destruição do Código Florestal em cima de uma medida provisória escrita nas coxas, sem debater com a sociedade, construída na Frente Parlamentar de Agropecuária — FPA. Eu não tenho nada contra a FPA, mas esse debate teria que ter vindo também para o fórum da Comissão do Meio Ambiente.
Então, por mais que os Deputados sejam ligados à Frente Parlamentar da Agricultura, a FPA não tem o direito de desconstruir o Código Florestal em cima de uma medida provisória sem debater isso com a sociedade. Então, a nossa preocupação é grande e, tenho certeza, de todos os brasileiros que se preocupam com a pauta ambiental.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado pela palavra, Deputado. Nós temos um grande desafio pela frente. Está ocorrendo todo uma articulação para que a sessão possa começar a qualquer momento, e já com o início da votação. Há inclusive uma proposta do Governo que acaba com nosso destaque com votação em bloco.
O SR. CAMILO CAPIBERIBE (PSB - AP) - Quero cumprimentar V.Exa., Deputado Rodrigo Agostinho, e parabenizar pelo debate todos que vieram participar da exposição desse importante tema para a questão climática e para o desenvolvimento do nosso País.
Quero falar da nossa preocupação, no contexto em que estamos debatendo, nesta Comissão e, ao mesmo tempo, no Plenário da Câmara, os instrumentos de construção que foram estabelecidos através do Código Florestal, visto que todos estão sendo desmobilizados e desmontados, e isso implica dificuldades na construção de políticas ambientais para o Brasil.
Nós estamos mudando os parâmetros. Portanto, torna-se muito difícil se conseguir articular uma política, por exemplo, de pagamento de serviços ambientais. Por exemplo: isso seria baseado em quê? Em que momento estamos aferindo se houve ou não desmatamento? Qual a recuperação que deve ser feita? Quem vai ter direito ou não a receber alguma coisa? Essa política interessa ao próprio setor do agronegócio e se tornará muito mais complicada depois da votação, se o relatório da MP 867, que começou a ser apreciado ontem no Plenário, vier a ser aprovado.
O Código Florestal não é perfeito. Eu vou citar apenas o caso do Amapá para exemplificar. O Amapá é um Estado da Amazônia e hoje ele é a última fronteira do agronegócio. O agronegócio chegou com força no Amapá há aproximadamente 15 anos. Nós não estamos falando aqui do Centro-Oeste, estamos falando do extremo norte do País, e lá, como é Amazônia, nós temos 80% de Reserva Legal.
No entanto, mais de 70% da área do Estado são protegidas por lei. É o único Estado que tem uma área tão grande de seu território protegida. Foi colocada no Código Florestal uma regra reduzindo para 50% a área de reserva legal que fosse superior a 70%. No caso do Amapá, caiu de 80% para 50%.
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Naquela época, quando o Código Florestal foi aprovado, eu era Governador do Estado. Vim ao Congresso Nacional e me uni à bancada do Estado para pleitear que aquela mudança não fosse colocada no Código. O Amapá era o Estado mais afetado pela decisão. Mas nós fomos ignorados, e aquilo foi aprovado, contra a manifestação política clara de todos que estávamos lá. Isso mostra um pouco a força dos interessados na aprovação do relatório como ele se encontra no plenário.
Nosso partido e vários outros estão em obstrução, porque nós acreditamos que isso afeta não apenas a vida dos proprietários rurais, isso afeta eles de maneira negativa no mercado internacional, isso afeta a nossa capacidade de articulação das políticas ambientais, e no contexto que nós estamos vivendo hoje.
Nesse momento, o Ministro do Meio Ambiente negocia utilizar os recursos do Fundo Amazônia para indenizar proprietários rurais. Anunciou isso antes de ouvir Alemanha e Noruega, que são os doadores. Alemanha e Noruega reconhecem que a política, da maneira como é executada, é favorável, é boa, tem resultados positivos. O TCU também. Mas o Ministro acredita que não. Quer mudar. E esse é apenas um exemplo. O Deputado Nilto falou, todos estão falando.
Teremos outra no mês de junho para discutir o Pagamento por Serviços Ambientais no contexto dessa confusão que está sendo feita agora por um dos setores interessados nessa política. Realmente, é difícil entender o objetivo disso, que não seja meramente desmantelar a possibilidade de se articular uma política pública clara de mudanças climáticas, de recuperação de áreas degradadas, de proteção de mananciais, para garantir um futuro melhor para todos nós, inclusive para quem está querendo derrubar as regras hoje do Código Florestal.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Deputado Camilo, agradeço muito as suas considerações. Acho que nós temos o desafio enorme de trazer um pouco de lucidez para o Congresso. Obviamente, o agronegócio é importante para a economia brasileira, é importante para a economia dos Municípios, mas nós temos que buscar a sustentabilidade, e nem mesmo as grandes entidades do agro estão concordando com o texto que se discute aqui na Casa.
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No Estado de São Paulo, o ICMS Ecológico é diluído dentro do valor que é repassado para os Municípios, dentro do Fundo de Participação, mas nós temos poucas estratégias. Uma política que pode ser adotada daqui para a frente talvez seja a do pagamento por serviços ambientais. Em algumas regiões, nós temos comitês de bacia ativos que também acabam investindo na restauração de áreas importantes, principalmente áreas de preservação permanente.
A SRA. MALU RIBEIRO - O Deputado Rodrigo citou os comitês de bacia. Nós temos experiências muito positivas em relação a esse apoio, com programas de adoção de nascentes e de formação de parques lineares, projetos que apoiam a conectividade entre áreas protegidas urbanas, por meio das APPs, dos córregos e rios urbanos, transformando esse conjunto de revitalização de paisagem. Mas, além dos que o Deputado Rodrigo já citou, ainda não existem instrumentos econômicos específicos.
Eu acho que essa é até uma questão interessante para trazermos, no âmbito das cidades e sobretudo em planos de regiões metropolitanas, instrumentos para que possamos valorizar, no âmbito dos Municípios, dos planos municipais, a criação desses instrumentos, dos parques lineares e de áreas que não estão diretamente ligadas, por exemplo, as áreas de manancial ou as áreas de recarga de aquífero em programas de macrodrenagem ou programas de drenagem.
Nós temos incentivos a projetos de saneamento que tratam dessas questões, que vinculam principalmente o apoio de organismos multilaterais para a adoção de conjuntos de infraestrutura cinza e infraestrutura verde. Então, acho que esse é um caminho interessante para pensarmos, inclusive aqui na Comissão de Meio Ambiente, em trazer não só o pagamento por serviços ambientais, mas o pagamento por serviços ecossistêmicos e de regulação climática. Acho que é uma agenda bem bacana.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Mais alguém quer comentar? Ricardo, Antônio?
O SR. ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE - Sr. Presidente, eu gostaria de destacar, depois dessas exposições muito claras e objetivas, sobretudo no sentido de respeitarmos a competência desta Casa congressual, que é a Casa do Povo. Todo ato normativo que venha do Poder Executivo agredir a competência do Congresso Nacional merece uma intimação. O poder de polícia congressual deve chamar o agente público a dar explicações ao povo brasileiro, como aqui já foi sugerido. Isso é uma decorrência lógica da norma do art. 49, inciso XI, da Constituição do Brasil.
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Por tudo o que está exposto, em termos de garantia e de eficácia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, numa dimensão de responsabilidade social intergeracional, para garantir o bem-estar das presentes e futuras gerações, obviamente nem sequer uma proposta de emenda à Constituição poderá ter trânsito para ferir essa garantia fundamental, sobretudo o perfil de poder de polícia constitucional, que os incisos do § 1º do art. 225 da Constituição Federal estabelece. O art. 60, § 4º, da Constituição do Brasil garante os direitos individuais, os direitos fundamentais, como este ao meio ambiente equilibrado. Isso é cláusula pétrea, que deve ser respeitada. Então, nós estamos diante de uma questão jurídica da maior importância.
Para encerrar, Sr. Presidente, eu não poderia deixar de lembrar um leading case do Supremo Tribunal Federal, na voz do seu decano, o Ministro Celso de Mello, no que tange à importância do primado da Constituição e do meio ambiente equilibrado, quando assim proclamou:
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, entre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral.
O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (ADI 3.540-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno).
Sr. Presidente, fico perplexo, como cidadão e juiz, diante do princípio primeiro da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no sentido de que os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável e têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.
Nós estamos assistindo a um espetáculo de terror dos cidadãos que habitam quatro cidades populosas na mira de um desastre iminente de uma das barragens da Vale do Rio Doce, sob o controle da Defesa Civil local e, também, dos próprios técnicos da Vale.
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A rigor, já poderiam essas pessoas ser deslocadas, com os custos da empresa causadora do dano ambiental. E o Ministério Público, a Defensoria Pública do Brasil já poderia ter pedido ao Judiciário a implosão de todas essas barragens, porque não é do interesse de nenhum cidadão viver nesse estado de terror, de suspense, aguardando que o cenário se transforme no cemitério de Brumadinho.
Realmente temos que criar incentivos para que os proprietários rurais que têm condições de prover serviços ambientais possam fazer isso. Criamos incentivo fiscal e incentivo econômico para desenvolvimento, mas não criamos isso para a preservação e para esse tipo de coisa. Esse é um lado.
A outra vertente é acabar com os desestímulos. O proprietário rural não é estimulado, tem vários desestímulos para cumprir mais do que a lei exige. Se tem um excedente de área, ele pode ser até apenado por causa disso.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço muito a sua fala, Ricardo.
Vou passar à segunda pergunta. A Regina Froes pergunta quais as possibilidades de incluir os pequenos produtores, que já participam ativamente com preservação, na política de pagamento por serviços ambientais.
Apenas para esclarecimento, temos em tramitação na Casa um projeto relacionado à regulamentação da política de pagamento por serviços ambientais, e hoje existe um acordo do ponto de vista de texto, que inclui o setor do agro, que acredito podermos votar ainda este semestre. Então existe uma grande chance de se aprovar o pagamento por serviços ambientais ainda este semestre. E ele inclui todos, não apenas os grandes; ele inclui os pequenos e até mesmo comunidades tradicionais, quilombolas, extrativistas, enfim. É claro que isso vai depender de regulamentação depois, vai depender de haver recursos financeiros para isso, mas essa é uma estratégia importante.
Eu acredito que, havendo o marco legal, a normatização, aqui, podemos caminhar em busca da sua implementação.
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Então, nada mais havendo a tratar e a discutir nesta audiência, eu quero agradecer muito a presença de todos vocês aqui. A cada momento conseguimos esclarecer mais a importância de cada um dos dispositivos do Código Florestal, o entendimento, não é, Dr. Antônio?, de que o Código Florestal está protegido pela nossa Constituição. Eu acho que é importante termos essa clareza.
Quando o art. 170, em Da Ordem Econômica e Financeira, fala da necessidade de que a ordem econômica seja conciliatória com a proteção ao meio ambiente; quando o art. 186 fala da função social da propriedade, nós estamos tratando da constitucionalidade do nosso Código Florestal. A Constituição fala das competências e estabelece a competência de legislar, de proteger, a competência comum da proteção ao meio ambiente no art. 23. E todos os dispositivos do art. 225 mostram para nós a constitucionalidade e a necessidade de o Brasil, que é um país florestal, um país megadiverso, fazer a sua lição de casa no que diz respeito a isso. A conciliação da produção agrícola com a preservação é essencial.
Vemos a Defesa Civil aqui presente. A Defesa Civil muitas vezes é chamada depois que o estrago está pronto, depois que a população já ocupou o morro, vieram as chuvas, e tudo aquilo veio abaixo.
Precisamos ter uma visão um pouco diferenciada, uma visão de como prevenimos essas situações. Uma boa parte da prevenção está justamente no respeito à legislação, ao ordenamento territorial, ao planejamento urbano. Quando a Malu vai, com os equipamentos dela, analisar a qualidade da água de um rio, muito daquela qualidade tem a ver com a floresta que existe ou que está faltando na margem do rio, na nascente. Então, a conciliação de tudo isso é essencial na busca da sustentabilidade. Está lá o Guilherme com um esforço hercúleo para tentar recuperar um pouco do que foi aquela vegetação nas Áreas de Preservação Permanente do Xingu. Se a legislação tivesse sido respeitada, se todo mundo tivesse respeitado as faixas de preservação permanente, as nascentes, se não tivessem aquela ganância de querer plantar até a beira do rio, isso não estaria acontecendo.
O SR. ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE - Sr. Presidente, permita-me, nesse seu raciocínio, considerar que nós temos uma política pública votada nesta Casa congressual que nunca foi cumprida por nenhum Governo. Na verdade, trata-se de uma determinação posta na Constituição do Brasil para assegurar a efetividade deste meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Determina o texto constitucional ao poder público:
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Sr. Presidente, para dar eficácia a essa política pública, foi editada a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que é a lei que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, que, portanto, determinou ao poder público, como visto:
I - (...) nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente.
VI - à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais.
Portanto, creio que o Poder Executivo tem falhado, desde a edição dessa lei, em dar eficácia plena a uma política pública que esta Casa congressual votou para garantir exatamente o comando constitucional.
Nesse contexto, se não há essa formação entre os Poderes, sobretudo o diálogo que deve existir entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Educação, que, acredito, nunca conversaram a respeito da eficácia dessa legislação... Nós teríamos, com certeza, com a implantação, desde o ensino fundamental, da educação ambiental, uma formação de consciência ecológica que contribuiria muito para evitar essas agressões ao meio ambiente.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Dr. Antônio.
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