1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Extraordinária)
Em 28 de Maio de 2019 (Terça-Feira)
às 14 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Boa tarde. Ao saudar todas e todos aqui presentes, declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias destinada a avaliar os aspectos econômicos e institucionais do desastre da Vale em Brumadinho.
Esta audiência atende a requerimento de minha autoria aprovado no âmbito desta Comissão.
Discutiremos o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho sob a perspectiva dos direitos humanos, bem como conheceremos a forma pela qual a ganância e a busca por lucro impactaram a vida de cidadãos e cidadãs. A prioridade em oferecer retorno aos acionistas implicou a falta dramática de cuidados com a segurança, e disso decorreu que as pessoas mais impactadas foram as pessoas pobres e negras que moravam no entorno do perímetro inseguro da barragem.
Essa tragédia teve, portanto, um componente racista bastante evidente e perverso. Essa foi uma das conclusões a que chegou o Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade da Universidade Federal de Juiz de Fora, presentes no relatório Minas não há mais: avaliação dos aspectos econômicos e institucionais do desastre da Vale na bacia do rio Paraopeba, que será hoje aqui apresentado.
Os direitos humanos devem estar acima do lucro. A defesa da vida e do bem-estar dos trabalhadores das comunidades atingidas pela mineração não podem ser relativizados pelo interesse de acionistas.
É isto que motiva a realização desta audiência pública: trazer ao conhecimento público problemas apontados no relatório e formas de combater a inação do Estado quando se trata de empresas com elevado poderio econômico.
Dito isto, vamos à composição da Mesa.
Convido para compor a Mesa os seguintes convidados: o Sr. Bruno Milanez, Pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora; o Sr. José Reginaldo Inácio, Diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria — CNTI; o Sr. Antônio Sérgio Tonet, Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais; o Sr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, Procurador da República; o Sr. Eduardo Araújo de Souza Leão, Diretor da Agência Nacional de Mineração. Sejam todos bem-vindos.
Informo que, embora insistentemente convidada, a Vale do Rio Doce comunicou a impossibilidade de enviar representante. O Ministério do Meio Ambiente também foi insistentemente convidado, tampouco indicou participante para esta audiência pública.
Informo ainda que o expositor Luiz Jardim de Moraes Wanderley, pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, não pôde vir em virtude de um problema de saúde.
14:50
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Esclareço que será concedido o tempo de 12 minutos aos expositores. As imagens e sons desta reunião estão sendo captados para transmissão ao vivo pela internet e também para posterior registro de áudio e transcrição.
A audiência pode ser acompanhada ao vivo na página da Comissão de Direitos Humanos e no Facebook. Por isso, solicito aos que forem fazer uso da palavra que o façam próximo ao microfone.
Após as intervenções dos integrantes da Mesa, abriremos a palavra aos Deputados presentes, por 3 minutos. Em seguida, devolveremos a palavra para os expositores da Mesa fazerem suas considerações finais, por 5 minutos.
Antes de dar início às exposições, quero registrar a presença da Deputada de Minas Gerais, pelo Partido dos Trabalhadores, Margarida Salomão, que participa desta audiência. Também registro a presença do Deputado Pedro Uczai, de Santa Catarina.
Vamos à primeira exposição.
Convido o Sr. Bruno Milanez, Pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora, para fazer sua exposição. S.Sa. dispõe de 12 minutos.
O SR. BRUNO MILANEZ - Bem, agradeço a oportunidade de estar na Câmara dos Deputados, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, para conversar um pouco sobre esse estudo que nós realizamos lá na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Eu coordeno o Grupo PoEMAS — Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade. E nós já vimos, há algum tempo, debatendo essa questão, particularmente a partir do rompimento de Fundão, sobre alguns aspectos institucionais. Infelizmente, algumas das fragilidades que nós percebemos na legislação, em 2015, não foram superadas, e nós voltamos a ter agora essa situação em Brumadinho. E a ideia aqui é trazer alguns pontos que nós consideramos cruciais.
Nós temos acompanhado as propostas de mudança na legislação aqui na Câmara e vamos tentar reforçar alguns pontos que são consequência do estudo. O estudo é bastante amplo. Nós conseguimos consolidar um sumário executivo e estamos aproveitando a oportunidade para lançá-lo aqui nesta audiência pública. Ele está disponível aqui para quem tiver interesse. A partir daqui é possível acessar o estudo na sua complexidade.
O estudo trata não apenas do papel da Vale em Brumadinho, da sua importância econômica, da dependência econômica que existe na cidade, mas também de aspectos econômicos da mina em si. Depois disso, nós nos desdobramos um pouco para entender as mudanças na legislação de Minas Gerais e o que é decorrente, no caso, do rompimento da Barragem I.
A ideia original era que o Prof. Luiz Jardim também estivesse presente, pois nós íamos dividir essa apresentação. Eu vou começar com a parte que me cabia e depois complementar com alguns comentários que ele iria trazer também.
(Segue-se exibição de imagens.)
Uma das coisas que nós achamos crucial, que tem que ser realmente questionada, é o processo que já vem acontecendo há bastante tempo aqui no Brasil referente ao sistema que nós chamamos de automonitoramento das barragens, por parte das mineradoras. O que nós vemos é que esse modelo, no qual as mineradoras escolhem as empresas que vão auditá-las e as remuneram, tem se mostrado inviável no contexto brasileiro. Quando a mina da Herculano Mineração rompeu em 2014, em Itabirito, o auditor tinha dito que ela era estável, e ela caiu. Antes de a de Fundão romper, em 2015, o auditor disse que ela era estável, e ela caiu. Antes de a de Brumadinho romper, o auditor disse que era estável, e ela caiu.
14:54
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Fiz um breve levantamento do histórico das barragens da Vale, em particular em Minas Gerais, e o que vemos ao longo do tempo, em diferentes barragens, é que elas vêm repetidamente... Por exemplo, em relação às Barragens BR-2 e BR-3, ano após ano, após ano, o auditor disse que elas eram instáveis, mas nada foi feito. Particularmente é mais complicado ainda fazer algo porque elas foram retiradas do inventário de Minas Gerais. Há também a seguinte situação: em relação às Barragens B3 e B4 da Mina Mar Azul e à Barragem Sul Superior, durante anos o auditor disse que eram estáveis, e de repente elas foram para o nível 3. Então, há alguma coisa errada nesse sistema de monitoramento. Isso precisa ser urgentemente verificado.
As mudanças na legislação em Minas Gerais, agora na lei estadual, não previram nenhuma alteração significativa. Até onde eu sei, a Resolução nº 4, de 2019, da ANM, também não chegou a tocar nesse assunto. Seria até interessante ouvir um pouco da posição da ANM sobre essa questão.
No caso particular, quando saímos da situação mais ampla e fomos para a dinâmica do automonitoramento, é curioso ver como os auditores vão às minas. Esse é um compilado de relatórios que consegui fazer a partir dos dados disponíveis, porque o acesso aos dados particularmente é bem difícil. Vemos que, ano após ano, os auditores fazem as mesmas recomendações às mineradoras, e nada acontece.
Em 2010 o auditor já recomendava, em relação à Barragem 1, em Brumadinho, que fossem feitos novos estudos de liquefações, reclamava, questionava a manutenção da largura da praia. Isso voltou a acontecer em 2014. O problema de piezômetros danificados aparece em 2010, em 2014 e em 2017. É curioso ver que em 2014 o auditor recomendou novamente um novo estudo de liquefação, e a Vale decidiu fazer só em 2016.
Então, no sistema, em que há muita fragilidade, muita vulnerabilidade, a relação de poder entre auditores e mineradoras está muito desproporcional.
Vou citar só dois trechos. O primeiro é do Samuel Loures, o auditor que atestou a estabilidade da Barragem de Fundão meses antes de ela cair. Este é um depoimento que deu para o livro sobre Mariana, em que diz: "Se eu soubesse desse histórico da barragem, eu teria analisado e incluído no meu caderno de inspeção. O meu relatório não é válido. Eu fui enganado pela Samarco".
Então, um auditor disse que não teve acesso aos dados fundamentais de que precisava para fazer análise. Da mesma forma, está no relatório do Ministério Público Federal, do Ministério Público de Minas Gerais e da Polícia Federal, sobre o caso de Brumadinho: "Considerando que, segundo depoimento, a Vale S.A. comunicou à TRACTEBEL que, em razão da 'divergência de critérios utilizados para avaliação da segurança geotécnica para o modo liquefação', essa empresa não mais seria responsável por conduzir os trabalhos (...)".
Se a auditora oferece um laudo que não é satisfatório à empresa, a empresa tem autonomia para se desafazer dessa empresa e escolher outra. É uma relação de poder muito desigual, e isso pode estar comprometendo esses laudos. Então, seria muito importante que a legislação revisse e pensasse em outros modelos de como fazer isso.
Como alternativa para os problemas do automonitoramento, sugerimos: a própria ANM deve ter auditores — existe uma questão de pessoal, mas podemos entrar nessa questão na parte do debate —, ou mesmo auditores terceirizados, um rol de empresas que sejam escolhidas aleatoriamente, ou por sorteio, o que for. Tirar da empresa mineradora esse poder, essa relação que ela tem, parece ser uma questão essencial. Nesse aspecto, é preciso trazer também, aproveitando também a presença do Sr. Reginaldo, a presença dos trabalhadores e das comunidades para essa auditoria.
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Se nos inspirássemos no exemplo de CIPA — Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, talvez pudéssemos ter um sistema em que os dados fossem transparentes. Hoje em dia, a população não tem acesso aos laudos de estabilidade, não tem acesso ao dam break. Então, não se sabe o que vai acontecer. Por isso, é preciso permitir que a comunidade de trabalhadores tenha acesso a documentos, para que, a partir daí, de forma mais participativa, os trabalhadores que estão lá no chão da mina mesmo se envolvam, participem dessa auditoria. Eles com certeza estão muito preocupados com a própria segurança, porque são eles que estão debaixo da barragem. Portanto, é preciso que haja maior divulgação tanto dos danos ambientais quanto dos estudos de estabilidade.
Aí vão dizer: "Mas a ANM não tem estrutura para isso". Bom, a ANM não tem estrutura para isso por uma decisão política. Decidiu-se não priorizar a fiscalização e o monitoramento de barragens neste País. É um absurdo! Vemos aqui: essencialmente em 2015 e 2018, apesar do valor autorizado beirar os 800 milhões de reais, no melhor ano, a ANM não recebeu 400 milhões. Em março agora, mesmo depois do rompimento em Brumadinho, já foram bloqueados 22% do orçamento da agência. Como fazer uma fiscalização decente com isso? Como isso repercute exatamente na fiscalização?
Ali, no lado esquerdo, estão dados gerais de recursos. Em 2017, o DNPM — ainda não existia ANM — deixou de fiscalizar 73% das barragens. Em 2018, para Minas Gerais, o orçamento de fiscalização era 163 mil reais. Isso dá 375 reais por barragem. Como garantir um monitoramento efetivo com esse valor? Isso mal paga a gasolina do fiscal que tem que ir lá atestar a estabilidade. Então, é uma decisão de se priorizar o contingenciamento de recursos em detrimento da segurança.
E de onde vem esse dinheiro? Como eu disse, é uma questão de opção. Vemos que a quantidade de isenção fiscal dada para o setor mineral é uma cosia que realmente chama a atenção. Somente na Amazônia, as isenções para a Vale são da ordem de 1,1 bilhão, lembrando aqui que o orçamento da ANM, pelos dados que eu tive, em 2018 beirou os 5 milhões. A isenção fiscal na Vale é de 1,1 bilhão. Perdas fiscais com a Lei Kandir são quase 7 bilhões por ano. Então, o volume de dinheiro que o Estado opta por abrir mão, deixando de ter recursos para a fiscalização, é muito importante.
Já existem nas propostas de lei que estão sendo encaminhadas nesta Casa algumas mudanças que tentam trabalhar particularmente na questão da Lei Kandir.
Provisionamento de recursos. Essa é uma coisa que também já vem sendo trabalhada, já vem sendo discutida desde 2015. O próprio conselho internacional das empresas mineradoras recomenda que seja feito esse provisionamento. Existe uma série de experiências com diferentes instrumentos no mundo novo.
Vemos que em Minas Gerais já houve alteração em termos de cheque caução. Nos PLs que estão em discussão aqui, também já se está caminhando nesse sentido. É importante que esses PLs caminhem com uma certa urgência para se tentar fazer essas modificações.
Uma questão importante que está passando um pouco em branco nessa discussão de dependência econômica, dependência da mineração, é a monotização, quer dizer a falta de alternativas econômicas que os Municípios têm. Está-se delegando aos Municípios a responsabilidade de realizar essa diversificação, e eles não têm capacidade para isso. É preciso uma discussão em nível estadual ou federal mesmo de como fazer essa diversificação. Nós temos uma total dependência de Municípios. Então, quando o preço do minério cai, os Municípios entram em crise.
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Aqui nós vamos ter uma visão em termos só de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais — CFEM. Congonhas: são quase 14%, ou seja, 50 milhões de reais vêm da CFEM. Mariana: fica na faixa também de 14%; antes do rompimento, eram 19%. Então, no caso do rompimento, nós vemos que caíram de 71 milhões para 40 milhões os royalties recebidos por Mariana, o que gera obviamente uma grande dependência. Isso tem a ver também com o número de empregos gerados: 40% em Congonhas, 20% em Brumadinho, 20% em Mariana — isso em 2018. É importante dizer que esses são empregos de baixa remuneração. Vamos ver que a mineração, apesar de gerar emprego, é concentradora de renda. Isso tem que ser discutido também.
A faixa média é em torno de 4 a 12 salários mínimos de trabalho gerado. Temos que entender que, embora o PIB de Brumadinho esteja na 51ª posição em PIB per capita, em termos de domicílios com rendimento mensal abaixo de meio salário mínimo, a posição é 611ª. Então, é para ver como, apesar de gerar riqueza, a mineração não garante que essa riqueza vá ser bem distribuída. Isso precisa ser endereçado.
A última questão é bem pontual, há avanços sobre isso, que é essa discussão — o detalhe é que tem que se ter muito cuidado com a questão legal —, sobre o uso da palavra "descomissionamento" ou "descaracterização", porque há ainda uma ambiguidade no sistema legal de Minas Gerais e no sistema federal, tanto no adotado pela ANM quanto nos códigos. Existe o receio de haver uma brecha, uma dupla interpretação, e isso levar as empresas a tomarem determinadas decisões que não são as esperadas. Então, é preciso particularmente unificar essa nomenclatura. Na legislação federal, parece que há bastante avanço nisso, mas é preciso dialogar com a legislação estadual de Minas Gerais.
Vou encerrar por aqui.
Muito obrigado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Ela vai estar disponível no site da Comissão de Direitos Humanos e Minorias hoje ainda.
Bom, quero agradecer, então, ao Sr. Bruno Milanez, pesquisador da Universidade Federal de Juiz de Fora, pela contribuição a esta audiência pública. S.Sa. é pesquisador e professor. Esta última informação não está aqui na nominata, mas eu a complemento com a observação da professora e Deputada Margarida Salomão.
Convido agora o Sr. José Reginaldo Inácio, Diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria — CNTI, para fazer sua exposição. S.Sa. dispõe de 12 minutos.
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - Eu queria, desde pronto, dar boa tarde a todos e saudar a Mesa, na pessoa do Deputado Helder Salomão, a quem agradeço o convite e a possibilidade de falar em nome da classe trabalhadora dos mineiros.
É importante destacar o papel que tem sido colocado. Costumo dizer nos debates que, via de regra, o trabalhador é o primeiro a ser afetado em desastres ou acidentes dessa natureza e o primeiro a ser esquecido também.
Nós trouxemos algumas reflexões que consideramos fundamentais, mas sem que deixássemos de lado o momento caótico por que passa o debate da saúde e segurança no atual Governo. Há uma preocupação que nós trazemos como uma grande reflexão, que começa pela possibilidade da renormatização da regulamentação do trabalho.
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É muito preocupante saber que o Governo pretende rever 90% das normas regulamentadoras. E, logo de cara, na Norma Regulamentadora nº 1, ele já muda várias conceituações que têm uma implicação direta nos novos modos de contrato de trabalho hoje existentes. Isso afeta frontalmente a nossa condição de trabalho e proteção.
No momento em que nós mais precisamos de proteção social do trabalho, com esses novos modos de contrato de trabalho que tendem a degradar e precarizar as condições de trabalho, nós vemos muito claramente que, ao adotar uma mudança radical, a partir da Norma Regulamentadora nº 1, que é a conceituação, a definição de todos os conceitos existentes nas normas regulamentadoras, automaticamente o Governo sinaliza que...
Inclusive a Norma Regulamentadora nº 22, dos trabalhadores da mineração, que é uma das melhores normas regulamentadoras da mineração não só no Brasil, mas também no mundo, é uma das poucas que prevê a possibilidade efetiva de o trabalhador parar o processo produtivo, ainda que não seja adotado sobretudo dentro dos quadros produtivos da Vale, mas efetivamente a CIPAMIN, que é CIPA dos mineiros, tem essa autonomia.
É fundamental também não perder de vista, no momento em que se discute uma reforma da Previdência, que a condição especial de trabalho de todo trabalhador que se submete à insalubridade, à periculosidade e também a casos de penosidade está altamente sendo afetada.
Então, de pronto, antes de iniciar pontualmente a questão, estamos destacando que é fundamental o empenho dos Parlamentares aqui presentes no sentido de cerrar fileira com o movimento sindical, com as emendas que já estão surgindo, para se poder, de alguma forma, tratar a aposentadoria por condição especial de trabalho como algo apartado dessa reforma da Previdência, que é uma desconstrução da própria proteção social do trabalho.
Feito esse recorte, eu queria destacar que a questão da mineração já vem com uma discussão central na situação do trabalhador há muitos anos. Mesmo em períodos antes até de Cristo, nós vemos algumas passagens. É fundamental recuperar isso que fala das doenças dos mineiros já no século XVII.
O Ramazzini trouxe essa preocupação, dizendo: "Aqueles que mais padecem dos danos pestíferos escondidos nos veios metálicos subterrâneos são os cavouqueiros, que passam grande parte de sua vida nas profundas entranhas da terra, como se entrassem diariamente no inferno". E ele cita Ovídio, do século I, antes de Cristo: "Vão ao fundo da terra, extraem ocultas riquezas guardadas pelos estígios espectros, para logo servirem de estimulante ao mal".
Sobre os cavouqueiros, Lucrécio disse ainda também, século I antes de Cristo: "Não viste ou ouviste como morreram em tão pouco tempo, quando ainda tinham tanta vida pela frente?" É importante destacar que são os mineiros de hoje. Não é diferente a situação dos que morreram. Foram praticamente 300 trabalhadores que morreram em Brumadinho.
"Por isso, a extração de metais, onde há minas, foi considerada, antigamente como agora, um castigo, sendo condenados aos perigos dos metais os piores criminosos (...), conforme lemos na obra de Gallonio sobre os suplícios dos mártires. (...) Numa antiga estampa do livro de Pignorio, 'Dos servos', vê-se como é infeliz a condição dos mineiros: tinham a cabeça semirraspada (para distingui-los dos desertores que a têm completamente raspada) e vestiam túnica com capuz".
Eu trago essa reflexão muito mais para nós podermos entrar na discussão da ostentação dos suplícios na mineração. Quem aqui leu Vigiar e Punir, de Michel Foucault, vai lembrar que há em todo o contexto, sobretudo nos primeiros capítulos do Vigiar e Punir uma colocação sobre a questão da ostentação do sofrimento, a pena fazer sofrer o corpo. Nesse momento, Foucault traz uma reflexão que remete ao ente político. Ele diz:
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O corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de proteção que o corpo é investido por relações de poder e de dominação; mas, em compensação, sua constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado calculado e utilizado); o corpo só se torna força útil, se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso (...).
Por que trago isso? Porque a grande ostentação que há na discussão de Brumadinho é o desmembramento dos corpos. Quando se retiram da lama os corpos dos trabalhadores, eles não estão como corpos inteiros, estão supliciados, como os criminosos nos séculos XV, XVI e XVII. A partir do século XVII, suprimem-se essas formas de suplício. Na mineração isso permanece acontecendo com certa frequência. Pode-se dizer que isso não foi interrompido na história da civilização trabalhadora.
Agora, Marta Freitas, de Minas, tem falado muito do terrorismo de barragem. Vivemos uma intensificação do terrorismo de barragem, haja vista a situação, por exemplo, de Barão de Cocais, haja vista a situação de outras barragens. Vamos pegar o exemplo de Congonhas, onde há a preocupação da população em relação à possibilidade de rompimento de uma minha, não da Vale, mas de outra mineradora dentro do Estado.
Voltando à colocação feita pelo Bruno, quando traz elementos de Mariana para discussão, é importante destacar que sabemos de uma série de crimes. De certa maneira, podemos informar que o Ministério Público Federal e as Procuradorias dos Estados de Minas e do Espírito Santo apresentaram uma série de elencos: em que crimes foram enquadradas as empresas Samarco, BHP e a própria Vale; e, nesse caso específico de Brumadinho, que crimes estão implicados também a essa empresa.
Para se ter uma ideia, temos convicção de que vários pontos da NR 22 não foram cumpridos. Vários pontos da Convenção nº 174, sobre acidentes maiores, também não foram cumpridos. Pontos da Convenção nº 176, convenção internacional da OIT, também sobre mineração, não foram cumpridos.
Para vocês terem uma ideia da situação do cumprimento de legislações por parte da Vale, só em Minas Gerais são 6.300 processos trabalhistas contra a Vale. Essa informação foi retirada do próprio TRT-3 ontem, dia 27 de maio. Somados com os processos do Espírito Santo, que são 2.189 processos trabalhistas contra a Vale, dão um total de 8.489 processos trabalhistas contra a Vale — isso só Minas e Espírito Santo. E aí há uma diversidade de elementos fundamentais para colocarmos.
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Do ponto de vista da mineração, entrando um pouco na questão estatística, só para se ter uma ideia, neste ano, de modo geral, já foram registrados no Brasil até hoje, às 11h44min, 259.992 acidentes do quadro de trabalhadores celetistas, de quem tem carteira, de quem está no mercado formal de trabalho. Repito: foram já registrados, de modo geral — não é da mineração —, 259.992 acidentes. Mortes: já foram registradas, até esse mesmo horário, 950 mortes no espaço de trabalho, sendo que dessas, fatalmente, 350 são de trabalhadores de Brumadinho.
É importante destacar, fazendo uma comparação rápida, que, em 2017, em Minas Gerais, houve 262 óbitos no trabalho. Só o acidente de Brumadinho supera o número de óbitos no trabalho do ano de 2017, seguramente do ano de 2018 também. Podemos até afirmar que, de algumas regiões geográficas brasileiras, esse é um ponto central.
Sobre a questão da saúde e da segurança na mineração, há um dado estatístico muito importante. Nós fizemos um levantamento recente, em 2015 — em termos de estatísticas, na área de saúde e segurança, podemos dizer que é recente, temos dificuldade em conseguir essas informações. Enquanto no Estado de Minas Gerais como um todo, o índice médio de óbitos registrados na Previdência Social, por 100 mil empregados, de acordo com a RAIS — Relação Anual de Informações Sociais, foi de 8,66%, especificamente para o setor extrativo mineral foi de 21,99%. Essa comparação é só para se ter uma ideia do quanto esse espaço de trabalho é doentio, do quanto as condições de trabalho são letais.
Para se ter uma ideia da taxa de incidência de aposentadoria por invalidez permanente na mineração, enquanto o setor extrativo atingiu a marca de 48,5% mortes por 100.000 vínculos de trabalho, no geral brasileiro, é 12,3%. É um setor que adoece muito as pessoas.
Em um levantamento feito pela Previdência — é o único que temos, ainda que seja de 2012 —, em um período de 8 anos, houve 33.641 casos de adoecimento ocupacional. Desses mais de 33 mil casos de adoecimento, 341 tornaram-se óbito, ou seja, o trabalhador não só se acidenta, mas também morre doente na mineração. Daí a importância da aposentadoria especial para esse setor.
No caso da mortalidade, é importante destacar: enquanto o setor extrativo atinge a taxa de mortalidade de 10,5%, o geral brasileiro atinge a de 3,8%. Então, vemos que os números falam por si só da importância de se discutir a mineração.
Para se ter uma ideia, no espaço de trabalho, em todos os ambientes de trabalho, existem 15 agentes patogênicos que adoecem o trabalhador. No setor de mineração, estão presentes todos os 15 agentes patogênicos que podem adoecer o trabalhador no trabalho. Daí, Deputado, a urgência de discutirmos o modus de fazer trabalho na mineração que não seja esse modo produtivo existente.
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Sobre o número de trabalhadores — só para fechar e concluir, e não perdermos o foco — lá em Brumadinho: são 1.915 postos de trabalho do setor extrativo mineral como um todo, num total de 14 empresas. Desse total, nós podemos considerar que 21% correspondem aos postos de trabalho do Município de Brumadinho. Empregados da Vale registrados, conforme dados da própria Vale: são 613 empregados diretos e 28 terceirizados. Nós sabemos que esse número de terceirizados não bate com a realidade colocada.
Ficamos à disposição.
Era isso.
Agradeço a oportunidade.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. José Reginaldo Inácio, Diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, pela exposição.
Antes de passar para o próximo expositor, quero informar que esse relatório Minas não há mais: avaliação dos aspectos econômicos e institucionais do desastre da Vale na bacia do rio Paraopeba, que foi aqui apresentado pelo Sr. Bruno Milanez, está à disposição de todos os que se interessarem pela publicação.
Vamos agora para o próximo expositor, o Sr. Antônio Sérgio Tonet, Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais. S.Sa. dispõe de 12 minutos.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Boa tarde a todas e a todos.
Gostaria de cumprimentar o Presidente, Deputado Helder Salomão, e elogiá-lo pela iniciativa desta reunião, agora sob a perspectiva dos direitos humanos e das minorias. Nós temos diversas perspectivas nesse crime de Brumadinho, mas, sem dúvida alguma, o olhar nessa perspectiva é aquele que melhor encarna a nossa natureza humana nesse momento difícil que nós estamos vivendo.
Quero cumprimentar os meus colegas da Mesa, o pesquisador e professor Bruno Milanez, que trouxe um interessantíssimo trabalho para apreciação de todos nós; o Sr. José Reginaldo, da CNTI; o Dr. Eduardo Araújo, da Agência Nacional de Mineração; e o Dr. Edmundo Antônio Dias Netto, Procurador da República, que tem trabalhado diuturnamente conosco no âmbito dos trabalhos de apuração das responsabilidades em todos os níveis desse crime.
Quero cumprimentar a nossa Deputada de Minas Gerais, Margarida Salomão, também aqui presente, e lamentar a ausência da Vale para discutir, nessa perspectiva dos direitos humanos, o crime de Brumadinho.
Quero dizer que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais agradece também o convite para que possamos prestar contas do trabalho que vem desenvolvendo não só no âmbito da tragédia de Brumadinho, mas também no contexto da defesa do meio ambiente e dos direitos humanos de uma forma geral.
Assim que ocorreu a tragédia, no mesmo dia, nós já organizamos uma espécie de força-tarefa interna entre promotores e servidores do Ministério e comparecemos a Brumadinho. Um outro núcleo ficou em Belo Horizonte.
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Naquele mesmo dia, já arquitetamos os três núcleos de enfrentamento desta questão: o núcleo socioambiental, o núcleo socioeconômico e o núcleo criminal. Esses três núcleos passaram a trabalhar incessantemente em conjunto. Internamente, o que facilitou e tem facilitado muito o trabalho de apuração e principalmente de pressão em face da Vale foi a união das instituições, Sr. Presidente.
Nós conseguimos no primeiro dia, no dia 25 de janeiro, às 21 horas, reunir todos os ramos do Ministério Público: o Ministério Público do Estado de Minas Gerais; o Ministério Público do Trabalho, que tem feito um trabalho excelente e digno de elogios na defesa das questões relacionadas ao direito do trabalho; o Ministério Público Federal; a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais; a Defensoria Pública da União; a AGU — Advocacia-Geral da União; a AGE — Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais; a Polícia Militar; a Polícia Civil e a Defesa Civil. Essas dez instituições formaram uma força-tarefa, e nós começamos a traçar estratégias conjuntas e uniformes de atuação para que não acontecesse o que aconteceu por ocasião da tragédia de Mariana.
Naquela ocasião, todas as instituições passaram a trabalhar imediatamente da mesma forma, com o mesmo afinco, com a mesma vontade de acertar, só que não houve uma harmonização e uma manutenção dessa harmonização, desse trabalho conjunto. Cada instituição, a seu tempo e modo, passou a buscar soluções e ações muitas vezes divergentes. Consumimos muito tempo para discutir questões processuais e formais. Isso deu uma certa força, um certo fôlego para as empresas Samarco, BHP e Vale.
Naquela época, também surgiu a questão da intermediação e da culpa. Foi criada a Fundação Renova para gerir a responsabilidade civil, de certa forma para coordenar as indenizações. Isso também fez com que desaparecesse de modo imediato a pessoa jurídica das empresas.
No caso da tragédia de Brumadinho, já no segundo dia, no sábado, nós deixamos muito claro para o Presidente da Vale que não iríamos aceitar isso. No sábado, eu tive uma reunião rápida com o Presidente da Vale no aeroporto, quando da chegada do Sr. Presidente, que foi fazer uma visita de inspeção ao local. Na segunda-feira, tivemos uma reunião com o Advogado-Geral do Estado e com o Governador Romeu Zema e fomos muito claros. Eu especificamente disse que nós não iríamos aceitar, porque já se cogitava de a Renova entrar para intermediar as indenizações ou de se criar uma nova fundação. Eu fui bem claro: "Nós estamos unidos, e o poder de fogo institucional é muito forte".
Isso tem feito a diferença. A Vale tem encontrado pouquíssimas brechas para desunir as instituições. Dessa forma, nós estamos conseguindo lavrar acordos, lavrar termos de ajustamento de condutas, muitos dos quais já foram homologados em juízo numa velocidade sem precedentes, algo que não aconteceu em Mariana. Isso tem ajudado muito a compor essas indenizações.
No eixo socioeconômico, que está mais diretamente ligado aos direitos humanos e às minorias, no segundo dia, no sábado, o Ministério Público entrou com uma cautelar e conseguiu bloquear 5 bilhões de reais para satisfazer as indenizações futuras. Já há uma ação principal, essa situação já está posta na Justiça. Dentro dessa ação, há diversos aspectos em relação à indenização, inclusive ações para garantir a pureza, o fornecimento de água, porque não há mais a possibilidade de captação de água no Rio Paraopeba. Então, diversas ações têm sido impetradas pelo Ministério Público, inclusive para a defesa da fauna, do patrimônio histórico, cultural.
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Na área dos direitos humanos, no socioeconômico, as ações já foram propostas. Nós acautelamos 5 bilhões de reais. O Estado conseguiu acautelar 1 bilhão de reais também na 6ª Vara da Fazenda Pública, em Belo Horizonte.
No eixo socioambiental, nós também conseguimos uma liminar de 5 bilhões de reais, logo no primeiro dia, na própria sexta-feira, e já entramos com ação cautelar também para buscar não só a responsabilização, mas também a reparação integral do meio ambiente. É o que nós pretendemos fazer ao longo do tempo.
Há um outro eixo sobre o qual nós estamos trabalhando em conjunto com a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, com o Ministério Público Federal e até mesmo com a Polícia Federal, que é a apuração das causas e das respectivas responsabilidades criminais de pessoas no âmbito dessa tragédia.
Quando se fala em responsabilização em área cível, não há dúvida de que a empresa Vale é objetivamente responsável por essa indenização, por essa tragédia, por esse crime. No âmbito dos crimes ambientais, da mesma forma. Agora, no que concerne às mortes e às lesões corporais, a polícia, o Ministério Público precisam identificar a culpa, identificar responsabilidades. E é isso que nós estamos fazendo neste exato instante.
A cobrança realmente é pertinente. A sociedade clama por uma responsabilização integral. O Ministério Público, como eu disse, está trabalhando em conjunto com a Polícia Civil, com a Polícia Federal e com o Ministério Público Federal, e já estamos numa fase bem adiantada dessas apurações. Muitas prisões foram decretadas. Salvo engano, 11 servidores e diretores da própria Vale foram presos. Depois houve a soltura dessas pessoas, porque elas já haviam cumprido com a finalidade investigatória.
Então, nós estamos terminando, estamos aguardando alguns laudos, não só relacionados com as mortes, mas também com as lesões corporais e com a causa. As instituições já estão terminando isso. Eu acredito que, num curto espaço de tempo, talvez uns 60 dias, conseguiremos concluir essa apuração criminal e apresentar isso à Justiça.
Eu não posso dizer ainda se a classificação será a mesma daquela levada a efeito pelo Ministério Público Federal por ocasião da tragédia de Mariana, homicídios dolosos. Nós precisamos terminar para fazermos a classificação correta, por quais crimes responderão os culpados, aqueles que forem apontados e identificados como culpados.
A par disso, nós temos tido também um cuidado muito específico em colaborar com o Poder Legislativo na formatação de uma legislação, de um marco regulatório que dê segurança, que confira à população uma maior segurança com relação principalmente à declaração ou à certificação de estabilidade, de segurança dessas barragens.
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Há um problema seriíssimo. Todas essas barragens têm a sua certificação. E é uma relação empregado/empregador. Há uma relação que precisa ser desqualificada ou melhor qualificada. Nós estamos buscando modelos, inclusive internacionais. Estivemos agora na Holanda. Ficamos 1 semana lá. A Agência Nacional de Mineração e o Ministério Público Estadual estiveram lá. Eu designei duas Promotoras de Justiça. Nós estamos buscando um modelo, porque o grande "x" da questão é a certificação. Se a sociedade não puder confiar na certificação, o pânico será permanente.
Eu gostaria de, pela primeira vez... Essas declarações foram dadas ontem pela Vale, que acusou o Ministério Público de estar realizando terrorismo em torno dessa situação. Eu me pergunto: depois da tragédia de Mariana, com 19 mortes e o maior dano ambiental da América Latina de todos os tempos, depois de uma nova tragédia, com quase 300 mortos e um dano ambiental violento, quem está praticando terrorismo? O Ministério Público, que está buscando zelar, juntamente com outras instituições, por uma transparência nessas relações, ou a própria Vale, que tem, de forma silenciosa, mas progressiva, cultivado essas barragens à sombra de relações mais transparentes? Porque há uma promiscuidade muito intensa entre essas empresas, as mineradoras, no caso a Vale, com as certificadoras.
Esse modelo precisa ser alterado. E nós estamos apresentando sugestões ao Congresso Nacional para que um novo modelo seja editado. Minas Gerais já deu um exemplo significativo, um avanço num marco regulatório estadual, que pode ser replicado pelo Congresso Nacional e melhorado, principalmente no que concerne à certificação, na busca de empresas, auditorias independentes que prestarão esses tipos de serviços, custeados evidentemente pelas empresas, pelas mineradoras, mas regulados pelo poder público.
Com essas considerações, eu agradeço mais uma vez a oportunidade que tem o Ministério Público para prestar contas e me coloco também à disposição desta Comissão para quaisquer outros esclarecimentos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Antônio Sérgio Tonet, Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais.
Eu quero informar que, neste momento, está acontecendo a CPI do Rompimento da Barragem de Brumadinho. Portanto, Deputados que gostariam de estar aqui estão nessa outra atividade.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Se me permite V.Exa., eu gostaria de dizer que nós estamos acompanhando e aplaudindo as CPIs. Há uma CPI em curso na Assembleia Legislativa do Estado de Minas. Há uma CPI em curso na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, enfocando principalmente a questão da água. Há uma Comissão Especial aqui na Câmara, que foi muito importante e que já nos primeiros dias compareceu a Brumadinho e começou a entender toda a dinâmica, e que já foi aproveitada na CPI da Câmara. Houve muita eficiência. Não está havendo o retrabalho. E há uma CPI do Senado também. Nós tivemos várias reuniões lá em Belo Horizonte e aqui. E todo o trabalho que está sendo elaborado pelo Ministério Público Federal, pelas Polícias e pelo Ministério Público Estadual está sendo utilizado pelas CPIs numa harmonia muito grande, evitando retrabalho, fazendo com que as CPIs e as Comissões possam de se dedicar à busca de uma legislação mais compatível com a segurança.
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Eu lhe agradeço as análises.
Registro que o Deputado Túlio Gadelha esteve aqui. Disse que tem que terminar outra atividade, mas retornará. As atividades estão intensas na Câmara Federal.
Antes de passar a palavra ao Sr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, Procurador da República, para sua exposição, registro que esta Comissão tem dialogado com o MAB — Movimento dos Atingidos por Barragens. Estamos ainda na fase de definição. Mas, certamente, no segundo semestre, realizaremos uma diligência desta Comissão com a participação dos movimentos envolvidos, que será divulgada, para que a Comissão possa acompanhar os desdobramentos.
Não basta acompanharmos todos esses processos que aqui estão sendo questionados. Nós precisamos acompanhar também os desdobramentos sob a perspectiva dos direitos humanos das famílias que foram atingidas, as famílias atingidas pela lama, as famílias que perderam seus entes nessas tragédias humanas que poderiam ter sido evitadas. Assim que essa diligência for definida, nós certamente a tornaremos pública. Durante pelo menos 2 dias, em Minas Gerais e no Espírito Santo, nós faremos um acompanhamento in loco, com as famílias, com os movimentos desse problema que se arrasta desde Mariana e que atingiu agora Brumadinho com muito mais vítimas e muito mais sofrimento para todos nós brasileiros.
É preciso que nós tenhamos efetivamente uma ação que seja capaz de colocar fim a esse problema, que se dá em função da irresponsabilidade de quem poderia evitá-lo, mas, em função de outros interesses, coloca em segundo plano o meio ambiente e as vidas das pessoas.
Passo a palavra, para sua exposição, ao Sr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, Procurador da República, também por 12 minutos.
O SR. EDMUNDO ANTÔNIO DIAS NETTO JÚNIOR - Boa tarde a todos.
Eu agradeço ao Deputado Helder Salomão o convite, cumprimento, em sua pessoa, todos os integrantes da Mesa e o parabenizo desde já não apenas por este evento, mas pelo anúncio de sua ida a Minas Gerais neste momento tão triste de sua história e ao Espírito Santo, também atingido pelo desastre do rompimento da Barragem de Fundão.
O tema que foi definido pela Mesa é o desastre da Vale em Brumadinho, aspectos econômicos e institucionais. Todos sabemos que pagamos um preço elevadíssimo pelo modelo de mineração no nosso País. Isso se mostra extremamente agudo em Minas Gerais devido ao modelo que data do final do século XVII com o início do ciclo do ouro. Nós presenciamos, em Minas Gerais e em outras regiões, um fenômeno que se tornou conhecido por minério-dependência, em que há um baixíssimo grau de desenvolvimento, sobretudo se considerado em seus aspectos humanos, refletidos no Índice de Desenvolvimento Humano e em outros indicadores que vão além do crescimento meramente econômico.
15:38
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Drummond, há mais de 50 anos, escreveu com grande engajamento textos criticando a mineração em Minas Gerais, em Itabira, onde inclusive se encontra o berço da Vale. Em uma obra, reeditada muito recentemente, O Canto Mineral, nome de uma de suas poesias, ilustrada pelo pintor mineiro Carlos Bracher, ele enuncia duas riquezas: minas e o vocábulo. Então, Minas é muito mais do que mineração, embora o vocábulo hoje represente exatamente essas minas minerais, que são aquelas que Drummond denunciou e que hoje se mantêm atuais. Nós precisamos virar a página para um novo modelo de mineração que propicie, de alguma forma, desenvolvimento e não apenas crescimento, que resulta nessa minério-dependência.
Minas responde por aproximadamente 48% do PIB mineral brasileiro, e o número de servidores responsáveis pela fiscalização, desde a época do Departamento Nacional de Produção Mineral até a atual Agência Nacional de Mineração é reduzidíssimo. De maneira que, entre 2012 e 2015, das 220 barragens inscritas no Plano Nacional de Segurança de Barragens em Minas Gerais, 144 não haviam sido vistoriadas. Com o corpo de funcionários da Gerência de Segurança de Barragens de Mineração, estima-se que seriam necessários 5 anos e 2 meses para a fiscalização de todas elas.
Esse é um modelo que se tornou ainda mais agudo com o fenômeno conhecido como "boom das commodities", que se iniciou em 2003, que levou a um aumento da produção e a uma sobrecarga das barragens, sobrecarga esta amparada no risco deliberadamente assumido pelas mineradoras. Hoje, nós sabemos, com muita tristeza, que havia inclusive planilhas que monetarizavam o valor das vidas humanas e estimavam quanto custaria a reparação de cada uma que se pudesse perder.
Então, nós vivemos esse modelo em que as mineradoras aumentam o seu lucro desmesuradamente sobre o risco à vida humana, em um contexto de reprimarização da economia, que nos remete a um contexto de reprodução de um modelo colonial que data do final do século XVII, em que as mesmas amarras que nos prendiam à então metrópole portuguesa nos deixam presos a uma dependência dentro de um sistema periférico de exportação de commodities.
Mas, dentro desses dois versos de Drummond, Duas riquezas: Minas e o vocábulo, nós devemos nos voltar para o primeiro deles: minas, as minas formadas por pessoas, pelo meio ambiente, por suas dinâmicas sociais, por suas relações para muito além do vocábulo que remete apenas às minas minerais. E, nesse contexto, é preciso enfatizar que não apenas no desastre de Brumadinho, como também no de Fundão, cujo rompimento da barragem havia anunciado o rompimento da de Brumadinho, a dimensão humana não é, em absoluto, inferior à dimensão ambiental. Tanto é assim que há hoje já 243 mortes confirmadas no desastre de Brumadinho e 27 pessoas ainda desaparecidas. A academia — e aí eu me refiro diretamente ao Prof. Bruno Milanez — se refere a esses desastres como desastres sociotécnicos: desastres tecnológicos, desastres em que está presente a mão do homem. Não é um fato isolado. Não é um desastre natural. Não é algo casual. É um desastre em que estão presentes as mãos criminosas das empresas e dos homens que buscam o lucro sobre o risco à vida humana. E esse risco não entra nas equações que costumam ser avaliadas quando se fala em reparação da exploração mineral.
15:42
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Portanto, é preciso que se estabeleça um novo marco regulatório da atividade de mineração em que outras variáveis, inclusive intangíveis, como essas de risco humano... Hoje eu li uma reportagem no jornal Folha de S.Paulo em que um determinado morador de Barão de Cocais dizia: "É melhor que essa barragem rompa logo, porque a gente não consegue mais conviver com essa sensação de risco, de insegurança". Esse tipo de situação não costuma entrar na equação, seja para a tributação da atividade minerária, seja para a reparação às pessoas atingidas.
E, pensando em um novo marco, eu quero iniciar, já que o tempo é curto, falando em um marco. V.Exa. mencionou a sua interlocução com o Movimento dos Atingidos por Barragens, Presidente. É necessário que haja um marco regulatório dos direitos das pessoas atingidas por barragens que necessariamente deve ter como princípio primeiro o Princípio da Centralidade do Sofrimento da Vítima. Esse é um princípio que foi anunciado inicialmente em um relatório do antigo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em uma comissão sobre direitos das pessoas atingidas por barragens, que foi sucedido pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos. Por que o Princípio da Centralidade do Sofrimento da Vítima? Porque todo o processo de reparação, como pudemos ver no caso do Rio Doce e no de Brumadinho, gira em torno da pessoa atingida, da vítima, porque é ela a titular do direito.
Aí nós tangenciamos o tema do acordo que foi firmado, o termo de compromisso entre a Vale e a Defensoria Pública do Estado, no dia 5 de abril. Trata-se de um acordo de gabinete em que se construiu uma matriz de dano sem a participação das pessoas atingidas. E isso, sem dúvida, coloca em segundo plano os titulares dos direitos. Isso é algo que também precisa ser regulamentado em um marco que trate dos direitos dessas pessoas atingidas. Tanto é assim que nós viemos a saber que, no dia 9 de abril, a Vale pediu sigilo, em um processo que corre na Agência Nacional de Mineração, sobre o potencial minerário de cerca de 905 hectares e um potencial minerário de 430 mil toneladas nas proximidades da comunidade do Córrego do Feijão, que foi atingida justamente por estar na região da mina. Eu assisti a uma entrevista do Prof. Bruno Milanez em que ele mostra, pontua que, embora a Vale tinha dito que não era algo significativo, quando há um potencial dessa natureza, ele é capaz de gerar uma sustentabilidade econômica, e, portanto, não pode ser desprezado. Aquelas pessoas fizeram acordos sobre seus terrenos sem ter o conhecimento de que havia o potencial minerário buscado pela Vale, e a Vale pleiteando sigilo perante a Agência Nacional de Mineração. Isso traz o tema dos direitos do acesso, e nele nós fazemos uma tripartição: direito de acesso à informação, direito de acesso à Justiça e direito de acesso à participação efetiva. São os três pontos, Sr. Presidente, que se encontram protegidos no Acordo de Escazú, firmado em 4 de março de 2018, na Costa Rica. É um acordo regional que foi subscrito, foi assinado pelo Brasil, em 27 de setembro de 2018, ao lado de outros 13 países, dentro do Marco do Princípio 10 da Rio-92, que trata da participação cidadã, e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 16 da Agenda 2030, que trata de paz, justiça e instituições eficazes.
15:46
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Agora se encontra ao encargo do Congresso Nacional a aprovação desse acordo, para sua ratificação e incorporação ao Direito brasileiro. Isso me parece da maior importância, para que nós possamos evitar fatos como esses, que decorreram de termo de compromisso firmado pela Vale com a Defensoria Pública, em que acordos foram feitos sem que os titulares dos direitos nem sequer tivessem conhecimento desse potencial minerário.
Mas, fazendo uma referência ao caso Rio Doce, ali foi um aprendizado em que vários direitos foram conquistados e puderam ser trazidos desde o início para o processo de reparação no âmbito do desastre do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão. Entre eles está o direito a uma assessoria técnica independente.
Em 16 de novembro de 2017, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais... Aqui eu faço uma referência, Dr. Tonet, ao colega André Sperling Prado, que comigo participou de mais de 40 reuniões para que ali se alcançasse um acordo com as empresas e, a partir de uma interlocução muito rica com a academia e com um grupo de trabalho do qual participou a sociedade civil, se reconhecesse o direito para toda a bacia a uma assessoria técnica independente, interdisciplinar e transversal, seja na área jurídica, médica, psicológica ou arquitetônica, para as comunidades reassentadas.
Há previsão desse direito, que também já foi reconhecido em 20 de fevereiro deste ano, e nós e as instituições que viemos atuando conjuntamente optamos por estarmos lado a lado — Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública do Estado — na ação que tramita, inicialmente ajuizada pela Advocacia Geral do Estado, perante a 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual. Nela interviemos para que, lado a lado, possamos ter pedidos convergentes com vista a uma reparação mais eficaz. E esse direito à assessoria técnica foi ali também reconhecido no dia 20 de fevereiro deste ano. Outro parâmetro, outro paradigma de reparação, que é o pagamento mensal emergencial, e que também havia sido reconhecido no caso do Rio Doce, foi trazido para o processo que corre na 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual em que atuamos conjuntamente. Mas eu preciso dizer que, naquele longo caminho e penoso processo de reparação do Rio Doce, o grande aprendizado foi este mencionado pelo Dr. Tonet: a necessidade de atuação interinstitucional, o que fez com que, desde o princípio, S.Exa. convidasse todas essas instituições para uma reunião na sede do Ministério Público do Estado de Minas Gerais e, desde então, tivéssemos todas essas instituições atuando conjuntamente. Esse aprendizado fica para que se possa alcançar de uma maneira mais efetiva e rápida uma reparação integral, que é o que nós, que já vínhamos atuando com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e com as defensorias públicas da União e estadual no caso Rio Doce, agora procuramos desde o princípio também fazer no caso do desastre da Vale na mina do Córrego do Feijão. Nesse marco que é importante propor para os direitos dos atingidos por barragens, Sr. Presidente, é relevante mencionar o que ainda hoje na reportagem li na Folha de S.Paulo. Uma atingida se queixava: "Os psicólogos terceirizados estão nos adoecendo, eles querem minimizar o problema" — fecha aspas. Inclusive, é uma ex-funcionária da mineradora.
15:50
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Então, é importante que esse marco dos direitos dos atingidos preveja que o poluidor pagador, que polui o meio ambiente e que por isso se torna responsável por puxar integralmente o processo de reparação, custeie também no contexto, inclusive, do direito à assessoria técnica independente, psicólogos que possam tratar dessas pessoas.
É preciso prever mecanismos de recomposição dos cofres do Sistema Único de Saúde, porque também a Secretária Municipal de Saúde de Barão de Cocais declarou nessa reportagem à Folha de S.Paulo de hoje — abre aspas — "A cidade adoeceu. Ninguém mais dorme. Temos um só Hospital Municipal, nossa demanda está altíssima e não conseguimos atendê-la." Ou seja, é importante que os poluidores pagadores, essas empresas mineradoras que ganham em cima do lucro, recomponham os cofres estatais para que os custos da reparação dessa atividade privada não sejam compartilhados com todos.
Eu queria só mostrar esta foto (mostra fotografia) para ilustrar para todos que este é um desenho que foi feito por uma criança de 7 anos, William, para entregar para os bombeiros como um pedido de que eles buscassem o corpo do avô. Muito tempo depois desse desenho, um fragmento, um chamado segmento, do corpo do avô foi encontrado. Mas esta ilustração mostra que muitos dos danos que ocorreram nos desastres, seja na Bacia do Rio Doce, seja no Rio Paraopeba, não podem ser reparados.
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Como no Canto Mineral, de Drummond, de quem o Prof. Bruno Milanez é um apreciador, é preciso abandonar o modelo das "minas esgotadas, a suor e ais". Nós precisamos realmente virar essa página, atingir um novo modelo de mineração. No que diz respeito ao marco regulatório sobre a mineração propriamente dita, precisamos pensar na criação de um fundo de natureza pública, a partir da tributação mais abrangente às empresas mineradoras, para que possam ser contratadas entidades independentes que façam a certificação das barragens, sem que essas entidades tenham sido escolhidas pelas empresas mineradoras.
Com isso eu encerro.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, Procurador da República, a sua exposição, a sua participação nesta audiência pública.
Quero registrar a presença dos Deputados Aroldo Martins, membro desta Comissão, e Camilo Capiberibe, 3º Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Passo a palavra ao último expositor, Sr. Eduardo Araújo de Souza Leão, Diretor da Agência Nacional de Mineração.
Depois falarão os Deputados Aroldo Martins e Camilo Capiberibe.
O SR. EDUARDO ARAÚJO DE SOUZA LEÃO - Vou tentar ser breve.
Cumprimento todos os presentes.
Sr. Presidente, permita-me fazer um fechamento do que foi dito. Cheguei a preparar uma apresentação, mas eu percebi que não vai ser muito o foco desta reunião. Quero comentar um pouco tudo que foi dito e também corroborar esta discussão.
A tragédia realmente é um fato. Apesar de tudo isso, o pior momento para nascer alguma coisa também é no desespero de crise, que é o caso da própria agência, criada em dezembro do ano passado. Quando ocorreu a tragédia de Brumadinho, realmente estávamos totalmente desprevenidos, repensando o que faríamos.
Também vou tentar fazer não uma defesa da agência, o que não é o caso, mas contribuir, com o que podemos mudar realmente nesse setor. A Agência Nacional de Mineração nasceu, substituindo o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral — DNPM, com novas atribuições, porém com menos gente. Houve um veto, em que o crescimento de infraestrutura humana não foi permitido. Permaneceram 850 servidores, para fazer todo esse papel da mineração. E nós temos 750 barragens de mineração, sendo que 430 estão dentro da política nacional de mineração. Como fiscalizar tudo isso? Logicamente, sem tirar as dez minas, que também têm que ser fiscalizadas. Ou seja, é uma tarefa muito árdua para ser executa por 850 servidores, sendo que, destes, 350 podem estar aposentados hoje.
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E ainda mais não temos a dotação orçamentária. Uma coisa que foi dita na belíssima fala de Bruno, realmente o projeto dele, de que eu não tinha conhecimento, eu peguei aqui, está totalmente alinhado com a nossa linha de atuação, com o que estamos defendendo dentro da agência. Nos últimos 5 anos, nós deveríamos ter o repasse da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais — CFEM em torno de 1,5 bilhão de reais. E foram repassados menos de 150 milhões de reais.
Só para terem uma ideia, o nosso orçamento deste ano, que foi aprovado no ano passado — o Governo atual tem tentado nos ajudar bastante em relação a essa questão orçamentária —, foi de 60 milhões de reais, sendo que, destes, 20 milhões de reais são simplesmente para existirmos — despesas de aluguel de prédio, combustível, energia, telefonia. Enfim, é muito complicado fazer a gestão de um setor tão importante.
Eu sempre digo que a mineração é a base para o desenvolvimento. Ela não tem que ser pensada como o ápice do desenvolvimento, porque ela é a base para muitas coisas. Mas como muitos também disseram, a mineração exaure, tem tempo de vida. E um dos grandes erros que vejo — e aí eu também tenho tentado corroborar até os Municípios mineiros pelos quais temos passado — é que há dependência de tudo numa cesta só, como é o caso de Brumadinho, Congonhas e Ouro Preto, que dependem 99% ou 100% da mineração... Então, sem botar essa matriz econômica, diversificação econômica, não vamos conseguir também sair disso. E a mineração vai acabar. Ponto!
Usando esse último argumento do Procurador de fazer um fundo, exatamente uma das primeiras coisas que eu pensei quando fui convidado para estar na agência foi fazer algo similar ao Fundo Soberano, ao que o petróleo faz na Arábia. Por que não fazer alguma coisa similar também aqui para a mineração não só para custear esses estudos, que deveriam ser idôneos, propriamente dito, e também para a não contratação direta das empresas? Esse realmente seria o melhor dos mundos para esse tipo de gestão. Só que o automonitoramento também é uma prática nos grandes lugares, como Canadá, Alemanha e Holanda, onde também é realizado o automonitoramento. Mas, logicamente, lá há realmente a confiança em que ele é realmente idôneo, enquanto no Brasil estamos passando por toda essa situação, desculpem-me a palavra, de desconfiança e de insegurança. É isso o que acaba estando um pouco em jogo, o que em outras nações não acontece tão veementemente, como a situação que estamos passando hoje.
Quanto à situação pós-Brumadinho, e repetindo também o que pode ter ocorrido no pós-Mariana em 2015, 2016, houve avanços por parte das agências de mineração sim, por mais que — tanto o automonitoramento quanto o monitoramento responsivo, como temos chamado dentro da Agência — precisemos, lógico, do total comprometimento das empresas na prestação das informações. O SIGBM — Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração até funcionou no ano passado e retrasado. Só que ele não foi divulgado, até porque o departamento não tinha uma assessoria de comunicação. Isso só surgiu agora, a partir da criação da Agência. Depois do episódio de Mariana, com a criação do SIGBM e uma reformulação realmente das normas sobre barragens, nove incidentes foram evitados.
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O que é o SIGBM? É um sistema on-line, em que a empresa coloca input de taludes para ver como está a vegetação, se está drenando, se está drenando com muitos sedimentos. Há 21 parâmetros por meio dos quais as empresas se reportam semanal ou quinzenalmente. Existe uma periodicidade. No passado, nove pontos foram corrigidos devido ao SIGBM, que as empresas colocaram, e de forma correta. Houve atuação da agência com a defesa civil e conseguiram contornar situações, inclusive com obras emergenciais para refazer taludes e coisas do tipo.
Só que, infelizmente, tanto em Brumadinho quanto em Mariana ocorreu a base do efeito da liquefação, que ainda é uma ocorrência que precisa ser mais estudada. Não existe ainda muita teoria de como isso ocorre. Esse não é problema da mineração do Brasil, mas da mineração mundial. Em Mount Polley, no Canadá, houve rompimento, em 2014, também por motivo de liquefação e até hoje ainda o caso não foi respondido. Mas eu cito isso só como exemplo, não comparando ao caso de Mariana ou de Brumadinho.
Enfim, existem muitas coisas a serem feitas. E Bruno comentou muito bem sobre a Resolução nº 4, que está sendo revisada. Tivemos 270 contribuições, algumas muito boas e outras que pediam mais prazos para o atendimento. Nós estamos compilando, porque não queremos fazer uma entrega simples, muito baseado naquela sua fala, o descomissionamento, a descaracterização. Existe uma dúbia interpretação em alguns casos. Até coloquei para a equipe: vamos fazer como se fosse um workshop de entrega, para haver um nivelamento de informação sobre o que estamos querendo com isso aqui. Vamos convidar o setor, as empresas de consultoria que prestam esse serviço, para termos um nivelamento e acabarmos com esse tipo de problema de interpretação ou coisa do tipo.
São algumas das ações que nós estamos fazendo. Só que o grande cerne da prática da ANM, para que haja realmente a melhor prática possível, acaba sendo a revisão no nosso código. Nós temos um... O que foi aprovado nas MPs de 2017? A criação da agência, em que houve essa questão humana que foi vetada. Tivemos as novas CFEMs — Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. E, por falar nisso, a nossa CFEM já está com uma arrecadação nunca comparada. Nós já tivemos no mês de maio 1,5 bilhão de reais de CFEM arrecadada, que, se fosse comparada com os anos anteriores, era para estarmos com 600 milhões de reais, 800 milhões de reais, por causa da mudança da alíquota. Só que também havia uma MP relacionada ao novo marco legal que não passou. Já houve inúmeras tentativas.
Então, isso é o que eu acho importante retratar. Se realmente queremos mexer nisso, tanto esta Casa, Presidente, quanto o Senado, tem que trabalhar para colocar em prática um novo marco legal adaptado para a nossa realidade. Só para terem conhecimento, em Mariana há uma multa da ANM, o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral — DNPM. O senhor sabe de quanto é a multa, Deputado? De 3.400 reais, porque é o nosso limite. Eu não posso multar além disso. E há outro problema ainda: mesmo com a multa, há recurso da Vale.
Então, temos que tentar atuar em conjunto para conseguir mudar essa realidade. E hoje o nosso principal papel na ANM — e tenho batido muito nesta tecla com todo mundo, estou sendo até meio chato com isso — é com relação à transparência e comunicação. Hoje se entrarem no site da ANM — foi uma força minha brutal fazer isso, mas estamos conseguindo, e ainda precisa melhorar — verão que todos os relatórios de vistorias estão on-line hoje, os que existem, porque ainda há muitos sendo trabalhados pela equipe. Então, quem quiser pode saber quantas barragens já foram fiscalizadas, onde estão, como está o relatório de vistoria na íntegra, como está essa informação.
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A nossa principal preocupação é com a sociedade. Não é só com a sociedade trabalhadora, mas também com o vizinho da barragem, com o vizinho da mineradora. Nós temos que ter o costume da transparência.
Também estou trabalhando na linguagem. A linguagem de mineração é muito técnica. Estou pedindo para os nossos técnicos fazerem relatórios sintéticos, resumos executivos realmente com fotos, para as pessoas conseguirem entender o que está morando ali do lado delas, se elas estão seguras, se elas não estão seguras.
Estamos trabalhando também no próprio SIGBM, que é bastante técnico, mas hoje é simplesmente visualizado por técnicos das empresas e das mineradoras. Estou tentando fazê-lo se tornar público, para que qualquer pessoa tenha acesso a ver na íntegra o que está rolando no quesito barragens. Também vamos tentar fazer outros sistemas em relação a toda a mineração. Existe esse problema de sigilo, do sigilo de processo, mas é uma coisa que estamos avaliando muito bem para, antes de conceder o sigilo, ver o que está em risco ali, primando, logicamente, pela transparência e pela comunicação.
Só para finalizar a minha fala, vou falar um pouco de território. Sou do Pará. Fui Secretário de Mineração do Estado do Pará no Governo passado e tive uma boa experiência de gestão territorial. Eu sinto muita falta — e aí não é um problema de A, B ou C — desse contexto de território. Nós temos hoje uma licença ambiental sendo feita por um órgão ambiental, temos uma concessão feita pela ANM, temos uma ação da saúde, temos uma ação da educação, só que, muitas vezes, todos eles não estão no mesmo conselho, no mesmo comitê, numa visão estratégica daquele território. Muitas dessas informações, às vezes, se perdem nisso.
Se nós conseguíssemos fazer algo... E é isso que estou tentando estruturar com ONU, PNUD, um projeto-piloto até com a OCDE relacionado a isso. A OCDE está tentando me ajudar nisso. O objetivo é fazer um comitê territorial de mineração, em que nós tenhamos todos esses entes, mas principalmente a sociedade. Hoje o principal ponto de ação da sociedade no processo minerário praticamente é no licenciamento ambiental, numa audiência pública única. Ela não é dinâmica, e a mineração é dinâmica.
Vou citar rapidamente um caso no Pará. Houve uma exigência ambiental, uma condicionante para a construção de um hospital de alta complexidade, de uma região remota lá do Pará. A mineradora gastou quase 100 milhões de reais para construir o hospital. Construiu. Foi uma obra bonita e que foi fiscalizada pelo Estado e tudo o mais. Na hora de botar para funcionar, ela foi repassar para a Prefeitura, e a Prefeitura, 4 anos depois de ver construir aquilo, disse: "Eu não tenho dinheiro para tocar esse hospital. Eu não tenho dinheiro para manter isso". A Prefeitura preferia que ela construísse o hospital, porque a Prefeitura pega um financiamento, e a mineradora tocasse o hospital.
São coisas desse tipo que têm que ser colocadas à Mesa. E, às vezes, sem essa visão estratégica se perde. É algo para nós discutirmos, Presidente.
Muito obrigado pelo pedido, que contribuiu bastante.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Sr. Eduardo Araújo de Souza Leão, Diretor da Agência Nacional de Mineração.
Concluímos, assim, a primeira fase dos expositores.
Passemos agora para a fala dos Deputados. O primeiro a se pronunciar será Aroldo Martins. Se alguém que acompanha a audiência também quiser fazer uso da palavra, por favor se identifique aos servidores da Comissão que estão aqui a minha direita.
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Com a palavra o Deputado Aroldo Martins.
O SR. AROLDO MARTINS (PRB - PR) - Muito obrigado, Deputado Helder Salomão, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Quero saudar o Presidente, todos os membros da Mesa, o colega Deputado Camilo Capiberibe, todos os presentes e todos que nos assistem.
É muito triste nós participarmos nesta Comissão desta audiência sobre este assunto. Os senhores estão diretamente ligados a tudo que aconteceu em relação a Mariana, a Brumadinho e a tudo aquilo que tem se passado. Foi uma perda humana irreparável. É triste a sua colocação, Sr. Edmundo, sobre a criança William expressando o sentimento de uma criança pela perda do avô. Esse é um bem irreparável. A perda humana é uma coisa incrível.
Nós nos colocamos a pensar sobre as declarações de missões, de organizações, de empresas; nós nos colocamos a pensar até mesmo no nosso papel, na nossa participação no capitalismo que nós vivemos, no lucro em detrimento do valor humano, no lucro versus vidas, e na legislação. Até que ponto, não é isso? Até que ponto? Nada neste mundo pode ter mais valor do que a vida do ser humano. É triste isso.
Eu estava lendo aqui sobre a empresa de certificação alemã, TÜV SÜD, que deu a certificação atestando a segurança de Brumadinho, uma empresa de reputação, com mais de 9 mil empregados. É um dos institutos de comprovação de maior importância da Alemanha. Até que ponto há envolvimento? Há transparência, não há transparência, ou houve? Nós não estamos aqui no papel de juízes, mas nós nos pomos a pensar no que houve por trás. O que levou um instituto tão renomado, de primeiro mundo, um instituto de certificação, a dar um atestado para algo que deu no que deu? Era previsível? Não era previsível? Afinal de contas, já havia precedentes... Pegou todo mundo de surpresa.
Então, quando se fala em cima de uma declaração de missão de uma organização, de uma empresa, de uma entidade, que diz respeito a um sumário de objetivos e valores que a empresa tem, onde o ser humano é colocado, onde famílias são colocadas? Existe aquele velho provérbio que diz que "a corda sempre arrebenta no lado mais fraco". Nós vemos, em tragédias como essa, que os mais prejudicados são os... É claro que atinge todo mundo, isso não importa, mas há perda de vida, perda de vida e perda de vida.
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Nos Estados Unidos, os senhores sabem disso, e em outros países do mundo, a reputação é um bem tangível de maior valor numa instituição, numa organização. Quando se tem a reputação tocada, maculada, a empresa perde um valor incrível em tudo — valor de mercado, valor das ações —, porque se mexe muitas vezes em valores como esses, em valores que tocam no ser humano. Então, qual seria o procedimento da Vale ou de uma equivalente à Vale, se fosse no mercado americano? Como seria a comoção popular, da sociedade?
A declaração de missão de uma empresa e a sua reputação são algo incalculável. Eu me lembro que uma vez uma empresa japonesa — os direitos humanos no Japão são algo de suma importância —, uma empresa fabricante de um pequeno bolo, que tinha uma rede por todo o Japão, faliu, porque escondeu uma informação do público. A título de conhecimento, existe na época do Natal no Japão um grande feriado, que não é como o nosso Natal, mas é um grande feriado, em que as famílias todas celebram em casa com um bolo que elas compram. Havia no Japão uma rede de lojas de um fabricante muito conhecido desse bolo. A fiscalização sanitária foi a uma das fábricas desses bolos e, ao se deparar, no lixo da fábrica, com cascas de ovos que eram utilizadas para fazer os bolos, o fiscal disse: "Vocês se esqueceram de jogar o lixo fora hoje" ou "vocês se esqueceram de jogar o lixo fora ontem". "Não, não, isso não é de ontem, isso é de hoje". Só que no Japão o ovo só pode ser usado no mesmo dia. Todo ovo, quando sai para ser vendido, tem o carimbo do dia, então, se ele não é vendido naquele dia, ele não pode mais ser vendido no dia seguinte. O comentário que foi feito na loja sobre o lixo — "não tiraram este lixo de ontem" — foi porque, dentro do lixo, havia cascas de ovos do dia anterior. O funcionário disse: "Não, este lixo não é de ontem, é de hoje". E o fiscal disse: "Então, vocês estão usando hoje ovos que vocês não poderiam utilizar, porque eles só poderiam ser utilizados ontem". Isso causou uma multa muito grande da defesa sanitária àquela empresa. Os diretores daquela empresa pediram aos fiscais da vigilância sanitária que não divulgassem o que havia acontecido, que deixassem passar o feriado, quando haveria a maior venda do ano, e os fiscais concordaram. Depois que acabou a festa e houve a venda, eles chamaram a imprensa para fazer aquilo que é costume no Japão, que é se desculpar diante do público, confessando o erro que cometeram, dobrando-se e pedindo perdão ao público, porque a defesa do consumidor é um negócio muito difícil.
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Quando aconteceu isso, chamaram os jornalistas, e a empresa disse: "Nós queremos pedir perdão porque aconteceu isso". Aí um jornalista foi esperto e perguntou: "Mas quando aconteceu isso?" Ele disse: "Aconteceu antes do feriado". O jornalista disse: "Então quer dizer que eu corro o risco de ter ido a uma de suas lojas e ter comprado um dos bolos feitos com ovos vencidos?" Eles foram obrigados a dizer que poderia ter sido possível. Houve uma comoção popular tão grande que aquilo provocou a falência dessa rede que era centenária no Japão. Isso é para os senhores verem como o valor humano tem que estar acima de todas as coisas. O bem intangível do ser humano tem que ser visto acima de qualquer lucro econômico ou seja lá do que for.
Então, muito obrigado pela presença dos senhores aqui.
Nós estamos juntos nessa causa, nós, como membros da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, porque é o ser humano em primeiro lugar, acima de qualquer coisa. Por isso, eu sou a favor da privatização, porque, se não tem a mão da estatal por trás, então aí, sim, vai sentir no bolso aquilo que fez o outro sentir, que é irreparável, mas não deixa de ser uma maneira de reparar. E, quando há estatal, os senhores sabem como a dificuldade existe.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço ao Deputado Aroldo Martins.
Passa a palavra ao Deputado Camilo Capiberibe.
O SR. CAMILO CAPIBERIBE (PSB - AP) - Quero saudar o Deputado Helder Salomão, o nosso Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o Deputado Aroldo Martins e todos os que se pronunciaram.
O Brasil vem assistindo com muita perplexidade a essas tragédias. Não são desastres, são tragédias que têm um custo humano muito elevado. E a mineração é muito importante para o Brasil. O senhor falou que é do Pará. Eu sou do Amapá. O Estado do Amapá tem um potencial de mineração. Aliás, a história do Estado do Amapá é completamente vinculada à mineração, porque o Estado do Amapá fazia parte do território do Estado do Pará, até que, em 1943, o Presidente Getúlio Vargas o desmembrou e criou o Território Federal para que o minério de manganês fosse explorado — e de uma tal maneira que a reserva de mais alto teor de manganês do mundo foi completamente exaurida.
Exauriram completamente aquela reserva mineral. Lá foi construída uma infraestrutura para exploração, um porto, uma ferrovia, duas cidades, sendo uma no meio da floresta. Não houve uma tragédia de rompimento de barragem lá, mas houve a contaminação de uma comunidade ribeirinha inteira que fica ao lado do Município de Santana, onde ficava o porto, por arsênio. E vejam que as dificuldades são muito grandes. Há falta de transparência e de prestação de contas, porque nós estamos falando de capitais enormes envolvidos na mineração. Há laudos que comprovam a contaminação, com pessoas sendo atingidas, morrendo de câncer — é um índice de câncer muito mais elevado do que no resto do nosso Estado —, mas a empresa sempre vai driblando, contrata um perito daqui, um perito dali. As multas vão vencendo. Uma multa de 40 milhões de reais dada em 2001 até hoje não teve efeito prático.
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Então, o que nós estamos vendo? É a empresa Vale do Rio Doce, é Brumadinho, agora são outras barragens em risco. O que está acontecendo no nosso País? A empresa Vale operou, durante muitos anos, como uma empresa estatal. E eu não quero aqui dizer que o fato de ela ter sido privatizada seja a causa, mas é muito estranho que esse tipo de tragédia não tenha acontecido enquanto ela foi uma empresa estatal e que haja nesse momento, em que ela é privatizada, um acúmulo, um passivo, que não dá para comparar. É a tragédia de Mariana, que destrói o Rio Doce, é a tragédia de Brumadinho, que mata. Nós estamos falando de seres humanos que vivem, constroem as suas vidas em torno da mineração.
Eu diria que mineração é Minas Gerais, Pará e Amapá. O Amapá não avançou mais por causa do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, das aldeias indígenas, mas, agora, no Senado, querem tirar todas as proteções dessas regiões para explorar as enormes reservas minerais que nós temos no Amapá. Mas explorar como? Dessa maneira? Dessa maneira, a um custo altíssimo de vidas humanas e de impacto ambiental? Nós temos rios destruídos, completamente destruídos.
Rapidamente, o último aventureiro que passou pelo Amapá... Não quero dizer que o Grupo Antunes e o Grupo Caemi foram aventureiros. Eles exploraram e acabaram. Foi o Eike Batista que ativou a MMX, em Pedra Branca do Amapari, e a vendeu para a Anglo American, que vendeu para a Zamin Ferrous, uma empresa de um financista indiano. E a Anglo e a Zamin — irresponsavelmente — destruíram o porto construído pela Indústria e Comércio de Minérios S.A. — ICOMI. Estocaram tanto minério de ferro às margens do rio que o porto cedeu, e cinco trabalhadores desapareceram, morreram — e ficaram soterrados.
A mineração está mostrando esse exemplo como um modelo de desenvolvimento que não é o adequado. Aguardamos aqui que a CPI de Brumadinho traga para esta Casa debater de que maneira nós podemos salvaguardar os interesses ambientais, os interesses sociais e os interesses econômicos do nosso País. Precisamos debater essa questão em profundidade.
Parabéns, então, ao Deputado Helder Salomão pela condução dos trabalhos!
E eu deixo aqui a minha solidariedade aos atingidos por essas enormes tragédias e também para esse passivo social e ambiental que há lá no meu Estado do Amapá, porque ele não é do tamanho do que vemos nessas tragédias enormes, mas está lá sangrando a vida do povo da Amazônia e dos que moram no meio da floresta no meu Estado.
Eu espero que nós possamos aqui exercer o nosso papel e evitar que tragédias como essa se repitam no futuro.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Deputado Camilo Capiberibe.
Antes de passar para os expositores fazerem suas considerações finais, eu vou apenas fazer alguns comentários e algumas indagações aos expositores, e, assim, passamos então para o encerramento da nossa audiência com as considerações finais dos nossos convidados.
Agradeço, mais uma vez, a participação e as perguntas dos nossos Deputados Aroldo Martins e Camilo Capiberibe.
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Uma questão direcionada ao professor, pesquisador Bruno: o relatório apresentado traça um interessante e preocupante perfil socioeconômico dos atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho. V.Sa. poderia nos falar mais um pouco sobre essa relação entre os mais seriamente atingidos e a raça, a renda? Como de fato isso traduz no sofrimento dessas pessoas?
Do José Reginaldo: de que maneira a precarização das relações de trabalho, acentuada pela reforma trabalhista de Temer, impactou os trabalhadores da mineração? Houve aumento real da precarização das relações no setor? A garantia de direitos por acidentes de trabalho, já tão comuns em trabalhadores na área da mineração, agora somados ao rompimento das barragens, está a contento? Trabalhadores e trabalhadoras estão conseguindo acessar seus direitos?
Para o Sr. Antônio Tonet: o Ministério Público de Minas Gerais está acompanhando de perto o acordo que a Vale vem fazendo com as vítimas, esses acordos, ou esse acordo está sendo feito caso a caso, ou um caso dá os parâmetros para os demais? Como o Ministério Público está auxiliando essas vítimas, especialmente ao se observar o perfil dessas vítimas e o poder socioeconômico? Como tem sido o comportamento da Vale?
Inclusive lamentamos e deixo aqui o meu repúdio pela não participação da Vale nesta audiência pública. Não foi por falta de convite e de insistência.
Ao Sr. Edmundo Antônio Dias: como está a situação dos indígenas atingidos? A Vale está honrando os acordos? Como está sendo prestado o auxílio a essas populações?
Ao Sr. Eduardo Araújo: a Agência Nacional de Mineração determinou o fim da utilização de barragens como essas que romperam. Como esta violação será aplicada? Como a agência atuará para garantir a aplicação da norma até 2021?
Para encerrar, eu quero registrar que eu sou lá do Espírito Santo e tenho acompanhado de perto o drama e o sofrimento de milhares de capixabas que também sofrem as consequências em especial do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana. Milhares de pessoas foram atingidas. Além do dano ambiental de grandes proporções — já foi dito aqui, o maior da América Latina —, houve um dano socioeconômico imenso. Uma reclamação grande das famílias dos atingidos e do Movimento dos Atingidos por Barragem é em relação a essa empresa que faz a interlocução com os atingidos, a Fundação Renova. Segundo inúmeros relatos, a fundação tem deixado a desejar inclusive com o não cumprimento de acordos que foram celebrados e de postergação de ações que já deveriam ter sido realizadas para não resolver o problema. Já foi dito aqui por vários, especialmente pelo Sr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, Procurador da República, que por mais que se faça, por mais que as reparações sejam aplicadas, isso nunca vai voltar a ser como era antes, e nunca vão se reparar de fato todos os danos que essas famílias sofreram e os danos sofridos pelo meio ambiente.
16:30
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De uma maneira geral, eu queria só dizer que foi muito abordado aqui a necessidade de aperfeiçoamento ou da elaboração de um novo marco regulatório da mineração e também de um marco regulatório de pessoas atingidas por barragens. Eu até deixo aqui um pedido para que os senhores que abordaram essas questões em relação à necessidade de novos marcos regulatórios. Se tiveram alguma proposta elaborada ou em construção, que possam encaminhá-la a esta Comissão. Nós temos uma CPI funcionando aqui na Casa e queremos que esta audiência pública possa recolher informações, sugestões para que posteriormente possamos nos debruçar sobre esse tema e ouvir mais especialistas para que seja possível se pensar em que parâmetros podemos aperfeiçoar a nossa legislação para tornar mais efetivo o controle e efetiva a punição daqueles que preferem o lucro aos direitos humanos garantidos na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Então, agradeço, mais uma vez, a presença de todos, e passo para as considerações finais, iniciando pelo professor e pesquisador Bruno Milanez.
O SR. BRUNO MILANEZ - Obrigado pela oportunidade da pergunta. Como eu tinha dito antes, a expectativa é que o Prof. Luiz Jardim estivesse aqui, professor da UERJ também. Havia alguns pontos do relatório que eu acabei não podendo abordar por falta de tempo. O relatório está disponível na internet, então, quem quiser, quem precisar se aprofundar sobre isso, ele está à disposição.
Há alguns pontos que nós achávamos que deveriam ter sido abordados aqui, muito rapidamente — só para pontuar um deles. Depois seria importante dialogar com a ANM sobre isso também e com os próprios membros da Casa a questão das barragens abandonadas. Nós temos uma série de barragens de mineradoras que foram fechadas, que decretaram falência, estão simplesmente com passivos, que ninguém assume. Então, essa é uma questão superimportante e, até onde eu acompanhei, os códigos não estão dando conta disso.
Outra questão é exatamente a das populações — entrando agora mais especificamente na pergunta que foi feita — que vivem na zona de autossalvamento. Houve avanço em relação a se evitarem que novas barragens sejam construídas e deixem pessoas na zona de autossalvamento. Mas existem hoje populações, centenas, milhares de pessoas que vivem nessas zonas. Acho que talvez o caso mais emblemático seja o de Congonhas, que foi mencionado aqui. As pessoas estão no vácuo ainda de continuar vivendo abaixo, a jusante de barragens.
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Em relação ao perfil das populações atingidas, no caso de Fundão, que foi muito específico, nós vemos, na verdade, um gradiente em relação racial de proximidade e de risco. Em Bento Rodrigues, 84% da população era não branca; em Paracatu, que foi a localidade que ficou em seguida, 80%; Gesteira, 70%; Barra Longa, 60%.
Quando trazemos para a situação de Brumadinho, embora no Município a média seja de 52% de população não branca, em Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão, era de 70% e 60%. Então, o que vemos, obviamente, não é questão de o impacto ser mais intenso. Eu acho que, independente da raça, todos sofrem igualmente. Mas existe uma predominância da população não branca vivendo nessas áreas de risco.
Considerando a preocupação desta Comissão com a questão das minorias, essa é uma pauta que precisa ser levantada e questionada e inclusive trazida para dentro, por exemplo, dos licenciamentos ambientais. Muitas vezes não trazem esse perfil racial, e é preciso que isso seja mais bem compreendido.
Além disso, eu apenas coloco o estudo à disposição, coloco o Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade — POEMAS à disposição para dialogar tanto com membros desta Casa quanto com a Agência Nacional de Mineração — ANM na construção de outras soluções.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Sr. Bruno Milanez, pela sua participação de muita importância para a nossa Comissão, para esta Casa e para este debate sobre a necessidade de termos ações mais concretas. É importante ouvir aqui a sua exposição, que nos coloca elementos de uma pesquisa, de um estudo sobre essa temática. Muito obrigado.
Passo a palavra ao Sr. José Reginaldo Inácio, também para as suas considerações finais.
O SR. JOSÉ REGINALDO INÁCIO - Eu queria, de pronto, já agradecer esta possibilidade, Deputado Helder Salomão, e, ao mesmo tempo, agradecer a contribuição com algumas questões importantes que consideramos questões de referência.
O primeiro ponto que eu queria destacar é o que foi comentado sobre o Movimento dos Atingidos por Barragens — MAB. Eu queria dizer que com o Movimento pela Soberania Popular na Mineração — MAM nós fazemos a discussão sobre a mineração desde 2013. Desde 2013, nós temos travado um debate grande, é um movimento dos atingidos pela mineração, apontando algumas direções e tentando repactuar a questão das contrapartidas socioambientais, que têm sido tão pouco debatidas dentro do Congresso, e, de alguma forma, há uma dificuldade imensa de avançar.
O Deputado Camilo Capiberibe apontou uma situação crítica: as cidades que, de certa maneira, sofrem com a abstinência da mineração. Nós podemos dizer que são cidades que ficaram viciadas, de certo modo, com um processo produtivo caótico que adoece, e, de certa maneira, as pessoas não conseguem mais se abster, e essa abstinência tem provocado vários colapsos, de toda natureza.
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Há cidades — entrando em alguns questionamentos que o senhor fez — próximas daqui que são cidades adoecidas. Temos Catalão, aqui ao lado; temos Minaçu; temos Niquelândia; temos a própria Congonhas; Mariana; agora, Brumadinho e várias outras cidades que poderíamos citar. Mas fundamentalmente o que nós percebemos, muito claramente falando, é que não podemos perder de vista que as novas sistemáticas de precarização — induzidas pela Lei nº 3.467, que é a grande desestruturação trabalhista do Governo Temer, que pode ser mais acentuada ainda pelo Governo atual — apontam modos de contrato de trabalho que dividem mais a classe trabalhadora, fragmentam mais a classe trabalhadora, dificultam a organização da classe trabalhadora no momento em que ela precisa se organizar.
Nesse sentido, é importante até observarmos algo. Por exemplo, em Niquelândia, há uma empresa, como nos foi informado, com 200 trabalhadores, dos quais 150 estão em intermitência, ou seja, não estão em trabalhos. Os trabalhadores estão literalmente apavorados com essa situação. Eles estão contratados de modo intermitente, não têm trabalho efetivo; apenas 50 trabalham de modo contínuo, e os outros 150 não. Este é um exemplo do impacto na questão da saúde, inclusive psíquica, do trabalhador que fica nessa iminência. "O meu dinheiro é continuo ou intermitente? A minha conta é continua ou intermitente?". Este é um exemplo.
Do ponto de vista da terceirização, vou até me valer aqui do trabalho do POEMAS, que traz um dado importante. Em 2015, do total de 166.300 trabalhadores do setor, 92 eram trabalhadores terceirizados, ou seja, 55,4% eram trabalhadores terceirizados. Nós insistimos em dizer que esse dado tende a ampliar, haja vista que a terceirização se tornou, desde da Lei nº 3.429, irrestrita. Dessa forma, é óbvio que isso tende a ampliar. Então, são elementos que, de uma maneira ou de outra, nos mostram uma possibilidade real de complicação da situação do trabalhador.
Quando eu citei a questão da institucionalidade, o papel que hoje teria a Superintendência Regional do Trabalho, a antiga Delegacia Regional do Trabalho, é importante dizer que, se for aprovada a mudança da Norma Regulamentadora nº 1, algumas das atribuições da Subsecretaria ou da antiga Delegacia Regional do Trabalho, que era embargar obras, interditar estabelecimentos, etc., notificar empresas, atender requisições judiciais para realização de perícias, deixam de ser atribuições da Delegacia Regional da Superintendência Regional do Trabalho, que se tornou a Subsecretaria de Segurança e Saúde no Trabalho. São pontos fundamentais e todos têm ligação com a precarização das condições e direitos do trabalhador.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Sr. José Reginaldo Inácio, Diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, pela sua contribuição a esta audiência pública. Agradecemos imensamente sua colaboração.
Passamos agora para as considerações finais.
Tem a palavra o Sr. Antônio Sérgio Tonet, Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais.
O SR. ANTÔNIO SÉRGIO TONET - Muito obrigado, Sr. Presidente, inclusive, pela pergunta.
A indenização é um processo bastante complexo, e a Vale, desde o primeiro dia, dos primeiros contatos, tem se revelado extremamente propícia a indenizar, a fazer os acordos. Isso, de uma certa forma, para minorar o dano à sua imagem e porque é extremamente sedutor esse discurso da indenização rápida, segura. Isso vem ocorrendo por dever de justiça. Nós conseguimos avançar em muitos aspectos. Despesas importantes, atividades importantes estão sendo custeadas pela Vale em função de acordos que foram feitos e consumados em juízo.
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A intenção da Vale sempre é fragmentar o outro lado, se possível discutir no aspecto individual sempre. Por quê? A Vale tem um batalhão de advogados, especialistas, assessores que têm todas as informações possíveis e impossíveis e imagináveis. Muitas vezes nós do lado de cá sozinhos ficamos fragilizados. Então a intenção é fragmentar. O que ocorreu dessa vez? Como eu disse inicialmente, nós nos organizamos, nós formamos também um paredão do lado de cá com nove entidades: Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, AGU, AGE e no campo. E ela busca minar esse grupo de todas as formas.
Na questão da indenização individualizada, eu faço uma constatação. É direito do cidadão, é direito do vitimado, do atingido escolher o seu advogado contratado ou advogado público como a Defensoria Pública. Mas o que nós apregoamos? Nós apregoamos que a melhor indenização, a melhor forma de trato é o trato coletivo, sem desprezar as indenizações individuais. Então, nesse aspecto, a Defensoria Pública realizou um acordo com a Vale. Nós não tínhamos conhecimento desse acordo. A Defensoria Pública agiu de acordo com as suas atribuições. Não estou criticando. O que nós criticamos e lamentamos foi que não houve um acordo, uma interação para descobrirmos e identificarmos pontos frágeis nesse acordo. Há pontos extremamente favoráveis nesse acordo feito pela Defensoria Pública, mas há pontos de fragilidade. Por exemplo, a Vale não informou a Defensoria Pública como não informou os atingidos que ela detém pesquisas de mineração naquela área do Feijão. Ela está comprando mediante esses acordos.
Não há acordo pior do que aquele realizado em Mariana. Em Mariana, no acordo que nós conseguimos firmar com as empresas, o atingido foi indenizado integralmente pelo valor da propriedade, mas ficou com a propriedade. Agora, diferentemente no caso de Brumadinho, a Vale está se apropriando dessa propriedade em relação à qual ela já tem uma perspectiva de mineração. Os atingidos não sabiam disso. Nós viemos a saber depois, porque ela pediu sigilo nesse processo na Agência Nacional de Mineração.
Então são questões que o Ministério Público, juntamente com todas as instituições, inclusive a Defensoria Pública, tomando conhecimento disso agora... Na ação civil pública que nós entramos, nós usamos um recurso novo do novo Código de Processo Civil que se chama tutela de evidência. Adotamos esses parâmetros que foram feitos pela Defensoria Pública com parâmetros mínimos, uma indenização provisória. Outros benefícios que virão na negociação coletiva poderão ser incorporados em favor desses atingidos nessa ação principal. Nós colocaremos isso para o Juiz como uma indenização mínima provisória até que venha toda a matriz verdadeira, a matriz de dano que será constituída por assessorias independentes, composta por muitos profissionais de todas as áreas para estabelecer toda a extensão do dano.
E, só para concluir, nós estamos também, já há algum tempo, investigando e acompanhando a segurança de outras barragens, não apenas a de Brumadinho. Há muito tempo, e depois com base em informações da própria Vale, nós elegemos TOP 10, 10 barragens relacionadas pela própria Vale. As duas de Brumadinho afundaram. Inclusive, agora, a questão de Barão de Cocais está causando bastante comoção nacional, isso está realmente tirando o nosso sono e o da população principalmente, exigindo muito das autoridades neste momento.
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Então, para finalizar, mais uma vez eu gostaria de agradecer a oportunidade e elogiar a Comissão de Direitos Humanos e Minorias por essa iniciativa.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Sr. Antônio Sérgio Tonet, Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, pela sua contribuição em nossa audiência pública.
Passo, agora, a palavra ao Sr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, Procurador da República, também, para as suas considerações finais.
O SR. EDMUNDO ANTÔNIO DIAS NETTO JÚNIOR - Eu quero, inicialmente, somar-me aos demais componentes da Mesa na crítica à ausência da Vale nesta audiência pública. Seria uma oportunidade, inclusive, de informar a sociedade brasileira e de cumprir com o seu dever de viabilizar o direito de acesso à informação. Eu mencionei inclusive a necessidade de ratificação do Acordo de Escazú, que trata também do tema do acesso à informação.
Também me somo ao Dr. Tonet, nas suas considerações sobre o quanto se avançou no caso de Brumadinho, e eu não poderia deixar de fazer uma referência ao juiz da causa, o Dr. Elton Pupo Nogueira, que realmente, enquanto juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, tem feito uma diferença enorme ao impor à Vale que avance na reparação às pessoas atingidas.
Nós estamos atuando juntos, MPs e Defensorias, desde o primeiro momento, e eu me lembro de que houve uma reunião em que estivemos à mesa, o Dr. Tonet estava lá, o colega Promotor de Justiça André Sperling e defensores públicos do Estado, da União, e a Vale se retirou da mesa na antevéspera da audiência do dia 20 de fevereiro. Um dos temas era o direito à assessoria técnica, justamente até para que se possa alcançar essa lógica da reparação coletiva, o direito ao pagamento mensal emergencial, que também foi reconhecido em juízo. E eu até disse aos advogados da Vale, na ocasião, que ainda há juízes em Minas Gerais, ainda há juízes em Belo Horizonte; e, com grande alegria, eu vejo que o Dr. Elton Pupo Nogueira realmente tem sido um juiz como o famoso juiz de Berlim.
Agora, com relação à pergunta que me foi especificamente dirigida, da situação dos indígenas atingidos, os Pataxó e os Pataxó Hã Hã Hãe, que residem na Aldeia Naô Xohã, no Município de São Joaquim de Bicas, no dia 5 de abril de 2019, o Ministério Federal realizou um termo de ajustamento preliminar que trata de medidas emergenciais dos mesmos parâmetros daquele que havia sido firmado em juízo no dia 20 de fevereiro, em que nós já havíamos, na ação judicial, intervindo enquanto amicus curiae est, num mecanismo inédito utilizado nesse caso, o Dr. Tonet sabe bem disso, no sentido de permitir a atuação conjunta das instituições com a preocupação de não ocasionar o deslocamento de competência. O art. 178 do novo Código de Processo Civil prevê expressamente que a figura do amicus não ocasiona deslocamento de competência, porque se está atuando conjuntamente na Justiça Estadual. E ali havia sido previsto um parâmetro de um pagamento mensal emergencial de um salário mínimo por adulto, meio por adolescente e um quarto por criança.
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Extrajudicialmente, num acordo firmado em 5 de abril acerca dos direitos dos Pataxós e dos Pataxós Hã Hã Hãe, foi firmado este mesmo parâmetro, acrescido do direito a uma cesta básica, com a previsão de um frete para a entrega na própria Aldeia Naô Xohã, dada a dificuldade de locomoção, também previsto o direito a uma assessoria técnica específica escolhida pelos Pataxós e pelos Pataxós Hã Hã Hãe para a elaboração em conjunto com a Secretaria Especial de Saúde Indígena e com o Distrito Sanitário Especial Indígena de Minas Gerais e Espírito Santo — sabemos que a Coordenadoria Regional abrange os dois Estados — de um plano de atendimento à saúde.
Sobre o ponto se a Vale está honrando os acordos, digo que nem todos os indígenas ainda estão recebendo esse pagamento mensal e emergencial. Uma parte deles está recebendo, mas nem todos.
Somo-me aqui, ao final, Sr. Presidente, às suas críticas à Fundação Renova. Nós mesmos do Ministério Público Federal podemos questionar essa figura da Fundação Renova, que foi prevista no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta, firmado entre os entes federativos, ou seja, a União, o Estado de Minas e do Espírito Santo, e as empresas poluidoras, Samarco, Vale e BHP, no dia 2 de março de 2016, que criou esse verdadeiro anteparo que se coloca entre as empresas e as pessoas atingidas, como se o processo de reparação a partir de então não dissesse respeito diretamente às empresas, como se se tratasse de uma terceirização.
Quaisquer erros conduzidos ao longo do processo de reparação — e são vários, nós mesmos questionamos, no dia 2 de maio, quando ajuizamos a ação civil pública pelo MPF — são atribuídos à figura da Fundação Renova. Isso gerou vários erros continuadamente cometidos pela Fundação Renova.
Houve uma recomendação interinstitucional do MP Estadual, que também esteve presente ao lado do MPF e do MP do Espírito Santo, da Defensoria Pública de Minas e do Espírito Santo, da DPU e, como ali também esteve, do Ministério Público do Trabalho, ou seja, sete instituições recomendaram ali a correção dos equívocos graves cometidos pela Fundação Renova. Não é possível que essas sete instituições estejam erradas e que a Fundação Renova esteja certa.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Sr. Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, Procurador da República, pela sua valiosa contribuição a esta audiência pública.
Encerramos as considerações finais com o Sr. Eduardo Araújo de Souza Leão, Diretor da Agência Nacional de Mineração.
O SR. EDUARDO ARAÚJO DE SOUZA LEÃO - Para ser breve, a pergunta foi relacionada exatamente à nossa norma, a Resolução nº 4, que trata da questão do encerramento das barragens a montante. Foi exatamente a Resolução nº 4 que eu mencionei. Ela está em última etapa de contribuição, estamos analisando todos os requisitos e vamos fazer um workshop de deliberação do que estamos acreditando que seja o melhor formato para fazermos um alinhamento de conceitos com o setor.
Existem muitos pedidos de prorrogação de prazo que estamos analisando com bastante critério, porque era para as barragens serem encerradas até 2021. Acho que ainda estão em operação para serem descomissionadas e estão tendo muitos dias de prazo. Estamos realmente avaliando caso a caso o que pode ser e o que não pode ser, porque algumas barragens até podem ter cronograma de descomissionamento diferente das outras. Então, estamos analisando isso com bastante critério para também sermos justo em relação a isso.
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Outro ponto da resolução que acreditamos ser muito importante também — e vamos ser muito fiéis a isso — é retirar as estruturas físicas da zona de inundação, para não ocorrer o fato de Brumadinho, que é o refeitório estar bem próximo à zona de inundação e ser um dos primeiros a ser atingido. Então, isso teria um prazo para este ano. Logicamente pode ser que posterguemos alguma coisa, mas vamos ser o mais criterioso possível para tirar as pessoas dessas zonas de inundação.
Esclareço que zonas de inundação — para finalizar a minha fala — são entendidas como área de risco. Então, a mesma coisa é uma pessoa morar no topo de um morro e também estar habitando uma zona de inundação. Há a discussão de quem veio primeiro, se o ovo ou a galinha, mas também temos que fazer esse juízo de valor. Os próprios gestores públicos têm que ter mais conhecimento dessas zonas de inundação, para saber o que está dentro do seu Município, qual é a área que está em risco, se há uma mina nova, o que está em risco futuro para não permitir o zoneamento e ocupação daquela área. Ou seja, nós temos também que ter esse papel de gestão pública bem ativa relacionada à mineração. Logicamente, a própria mineradora pode ter uma parcela disso, mas nós, como gestores públicos, e até Agência Nacional de Mineração — ANM temos que ter esse papel para fazer o melhor para a sociedade.
Finalizando a minha fala, quero dizer que a mineração tem um grande problema e temos que tentar reverter. Já trabalhei em mineradora e sei como é que a maioria pensa. O agronegócio, ao contrário da mineração — eu também já tive uma experiência com agronegócio —, gosta muito da difusão de informação. Ou seja, o que é melhor prática em um o outro já copia muito rápido e já começa a disseminar aquilo. Na mineração, é o contrário. No Pará, temos um ditado da mineração que é o seguinte: "Casa de muro alto". Uma coisa que se faz dentro não se fala para o outro não saber o que está sendo feito, porque é um diferencial de mercado. Temos que tentar quebrar essa barreira para os mineradores começarem a falar mais. A mineração tem coisa boa, mas ela também tem que socializar tudo com a sociedade, para a sociedade voltar a crer que a mineração pode ser algo bom.
O que foi mencionado pelo nobre Deputado do Amapá em relação ao modus operandi de hoje é absolutamente correto. Não podemos permitir que esses eldorados continuem, senão a mineração não vai ser efetivada. Então, temos que primar pela mineração como base de desenvolvimento, mas ela tem que ser melhor utilizada. A ANM está com esse foco também.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado, Sr. Eduardo Araújo de Souza Leão, Diretor da Agência Nacional de Mineração.
Agradeço mais uma vez a todos os convidados e expositores desta audiência pública. Quero lembrar que o requerimento que deu origem a esta audiência é de minha autoria, mas a solicitação foi feita pelo Movimento de Atingidos pela Mineração — MAM. É dever desta Comissão estar aberta às demandas da sociedade, zelar pelo cumprimento da legislação, especialmente daquela que diz respeito às garantias dos direitos humanos, dos direitos fundamentais da pessoa humana. Neste caso, esta audiência pública explicita de forma clara as várias violações que foram ocasionadas pela irresponsabilidade da empresa Vale, que se negou — e eu deixo, mais uma vez, registrado nesta reunião — a participar desta audiência pública, quando deveria estar aqui para esclarecer, para ouvir e para falar para a sociedade brasileira das providências que estão sendo tomadas. Mas, infelizmente, a empresa não compareceu.
16:58
RF
Agradeço a todos pelas valiosas contribuições. Agradeço ao MAM, que foi quem provocou para que esta audiência pública acontecesse. Quero também agradecer aqueles que nos acompanharam pela Internet. As audiências desta Casa têm uma participação grande daqueles que não podem estar aqui, mas que nos acompanham pela Internet. Depois que o link é disponibilizado, muitos divulgam, especialmente pelos aplicativos. O aplicativo WhatsApp é muito usado para divulgar as audiências desta Casa. Muitas pessoas, através das redes sociais, têm nos ajudado a divulgar os trabalhos aqui realizados, porque eles são relevantes e importantes para toda a sociedade brasileira. Muito obrigado também a todos que participaram presencialmente.
Antes de encerrar esta reunião, convoco reunião ordinária deliberativa a ser realizada amanhã, dia 29, quarta-feira, às 14 horas, no Plenário 9 desta Casa.
Declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
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