1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(Audiência Pública Extraordinária)
Em 22 de Maio de 2019 (Quarta-Feira)
às 9 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Senhores e senhoras, declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, destinada a debater o princípio constitucional do não retrocesso em direito ambiental.
O requerimento para a realização desta reunião é de minha autoria.
Comunico a todos que o evento está sendo transmitido ao vivo pela Internet e poderá ser gravado pela TV Câmara para ser exibido posteriormente na grade de programação da emissora. Por isso, solicito a todos que falem sempre ao microfone.
Esclareço que o expositor Dr. Tiago Fensterseifer, Defensor Público do Estado de São Paulo, fará sua apresentação por videoconferência.
Prestados esses esclarecimentos iniciais, concederei a palavra a cada convidado por 10 minutos. Após as palestras, iniciaremos os debates. A observância do tempo faz-se necessária visto que à tarde, às 13h30min, nós teremos que iniciar os preparativos para a organização de outro evento. À esquerda, nós temos um cronômetro que vai orientá-los com relação ao tempo. Nos também teremos o acompanhamento pela Internet, através do portal e-Democracia. Então, perguntas pela Internet poderão surgir e serão encaminhadas aos expositores e respondidas ao final.
Solicito aos expositores que componham a Mesa. Quero fazer um agradecimento especial a todos por terem aceito o convite.
A primeira expositora é a Dra. Sandra Verônica Cureau, Subprocuradora-Geral da República. A Sandra está aqui ao meu lado. Fico muito feliz em revê-la, Sandra.
Convido para compor a Mesa o Dr. Luis Fernando Cabral Barreto Junior, Presidente da ABRAMPA — Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente; a Dra. Marina Grossi, Presidente do CEBDS — Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável; o Dr. Maurício Guetta, Consultor Jurídico do ISA — Instituto Socioambiental; o Dr. Leonardo Papp, Consultor Ambiental do Sistema OCB — Organização das Cooperativas do Brasil; e o Dr. Rodrigo Justus de Brito, Consultor da Área de Meio Ambiente da CNA — Confederação Nacional da Agricultura. (Pausa.)
Estamos fazendo uma pequena mudança na ordem dos expositores, porque o Tiago fará sua participação por videoconferência. Então, nós vamos começar pelo Tiago.
A primeira apresentação, por 10 minutos, será do Defensor Público do Estado de São Paulo Tiago Fensterseifer.
O SR. TIAGO FENSTERSEIFER - Bom dia a todos.
Estou ao vivo? Se alguém puder, confirme por mensagem. (Pausa.)
Acredito que sim.
Em primeiro lugar, quero agradecer ao Deputado Federal Rodrigo Agostinho, Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da Câmara dos Deputados. Eu acho que o momento não poderia ser mais oportuno para se trazer à discussão justamente o princípio da proibição de retrocesso em matéria ambiental.
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Eu gostaria de cumprimentar os outros Parlamentares e as autoridades presentes que compõem a Mesa, dentre os quais há inúmeros amigos que trabalham há bastante tempo na área de direito ambiental.
Há pouco mais de 7 anos, foi realizada uma audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, então presidida pelo Senador Rodrigo Rollemberg, cujo objeto foi exatamente esse. Na época, nós estávamos na antessala da Rio+20, a conferência da ONU que ocorreu pouco após o mês de junho de 2012. Então, tentou-se, de alguma forma, trazer essa discussão.
O Ministro Herman Benjamin foi um dos que capitaneou essa discussão. Inclusive, foi feita uma publicação, mas a ideia era que se introduzissem os documentos que seriam elaborados posteriormente, no âmbito da Rio+20, com a discussão em torno do princípio da proibição de retrocesso. Naquela época, 7 anos atrás, existia muito pouca produção doutrinária sobre o tema. Da mesma forma, o próprio suporte do Legislativo, que eu vou tentar aqui esboçar — o tempo é curto, mas vou tentar mapear um pouco disso para vocês —, e mesmo jurisprudencial, no Brasil, ainda era bastante incipiente. Hoje temos um cenário bastante diverso em relação a isso.
O princípio da proibição de retrocesso — é importante ter isso em mente — vem sendo consolidado há bastante tempo. Felizmente, se colocarmos numa perspectiva histórica a própria evolução da legislação ambiental brasileira, que já está chegando perto de pelo menos 4 décadas, 40 anos de existência, sempre esteve num caminhar, vamos dizer assim, evolutivo. Se colocarmos como marco inicial dessa construção a própria lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que foi o primeiro diploma a criar um microssistema legislativo com princípios próprios e com objetivos, que estruturou o Sistema Nacional do Meio Ambiente no âmbito da estrutura administrativa do Estado brasileiro, em todos os âmbitos federativos, esse caminhar, que começou no início da década de 80, sempre se deu de forma progressiva.
A Constituição foi um capítulo seguinte. Tivemos a Lei da Ação Civil Pública, também extremamente importante, principalmente por trazer o Ministério Público muito para dentro desse cenário estatal de defesa do meio ambiente, junto, por óbvio, aos órgãos administrativos, como eu falei antes, no âmbito de todos os entes federativos. Logo em seguida, nós tivemos a Constituição de 88, que foi, sim, de certa forma, o ápice da consagração da proteção jurídica do meio ambiente no sistema jurídico brasileiro. Não se via mais o meio ambiente num lugar periférico do nosso sistema jurídico, e sim no centro dele. Reconhece-se, então, o direito fundamental ao meio ambiente e, da mesma forma, os deveres de proteção a cargo do Estado. Aí eu me refiro ao Estado legislador, ao Estado administrador e mesmo ao Estado judiciário.
A proibição de retrocesso dialoga muito com essa perspectiva dos deveres que são atribuídos ao Estado na perspectiva da promoção do meio ambiente. O que é esse princípio? Como eu já disse, o tempo é curto. É justamente a ideia de se estabelecer a proteção e a defesa de um status quo jurídico, de alguma forma, já consolidado. Então, é a defesa daquele marco normativo relacionado à proteção ambiental, que já se encontra consolidado ao longo de um percurso — é bom dizer — evolutivo em determinado momento histórico. Qualquer movimento, seja do legislador, seja do Poder Executivo, de recuo em relação a esse status já consolidado, por assim dizer, coloca-se de forma contrária à perspectiva da proibição de retrocesso. No cenário internacional, isso está se fortalecendo muito também. O próprio Protocolo de San Salvador, Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que trata especificamente dos direitos econômicos, sociais e culturais, consagra, no art. 11, dentre os direitos humanos ali arrolados, não só os direitos sociais em sentido estrito, mas também o direito ao meio ambiente. No princípio do protocolo, nós temos consagrada justamente essa ideia de uma cláusula de progressividade, em que a doutrina identifica, na perspectiva especialmente do direito internacional, dos direitos humanos, o princípio da proibição de retrocesso, da não regressividade.
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Então, nós estamos falando, na verdade, de um documento de 1988, que, de alguma forma, posteriormente foi incorporado e internacionalizado no nosso sistema jurídico, que já trazia a consagração desse princípio não só na perspectiva dos direitos sociais, nos quais está a gênese da construção teórica e normativa desse princípio, que é originário da doutrina alemã e da jurisprudência constitucional alemã. Mas ali já existe essa possibilidade. Eu destaco inclusive que recentemente, numa das ADIs relacionadas ao caso do amianto, a Ministra Rosa Weber reconheceu o status supralegal — foi a primeira vez, até onde eu sei, que o STF o fez — de um tratado internacional de direitos humanos. No caso, ali se tratava da Convenção de Basileia.
Por essa lógica, o princípio da proibição de retrocesso pode servir ao exercício do controle de convencionalidade. Nós sabemos — esse é o entendimento do STF em relação à normativa internacional de direitos humanos, dentre os quais há o direito à vida e a um meio ambiente sadio e equilibrado — que isso pode ser feito em relação a toda a legislação infraconstitucional. Esse é o entendimento edificado pelo STF. Então, em relação ao Protocolo de San Salvador, ao qual me referi, não haveria nenhuma dúvida maior quanto a isso. Mas, além disso, o STF tem caminhado no sentido de reconhecer que os tratados internacionais relacionados ao direito ambiental também possuem esse status de supralegalidade, sendo, portanto, equivalentes às normas do direito internacional dos direitos humanos.
Caminho um pouco mais, porque, como eu falei, o tempo é curto. No âmbito interno, só relembro que, além desse cenário, existem outros documentos que eu não vou pontuar, porque não vamos ter tempo. Mas houve também, mais recentemente, o Acordo de Escazú. Trata-se de um documento extremamente importante, que foi firmado e celebrado no âmbito da CEPAL, que se restringe ao âmbito da América Latina e do Caribe. É um acordo que envolve os direitos de acesso à informação, de participação pública e de acesso à Justiça em matéria ambiental. Ele ainda não foi internalizado, por assim dizer, no nosso ordenamento jurídico. Então, ainda se aguardam os trâmites necessários, do ponto de vista do nosso Parlamento, do Poder Executivo, para finalizar esse processo. Mas o Brasil já é um dos signatários, além de ter participado da elaboração desse documento. No rol dos princípios do Acordo de Escazú, aparece não só o princípio da proibição de retrocesso consagrado expressamente, como também o princípio da progressividade, do qual eu queria tratar com os senhores, se der tempo. Há essa ideia de que o princípio da proibição de retrocesso tem uma espécie de dupla dimensão, na medida em que impõe deveres de não recuo, tanto que o Poder Legislativo, como eu disse para os senhores, da mesma forma que o Poder Executivo, coloca o dever de melhoria, de aprimoramento. Inclusive, eu disse para os senhores que a doutrina alemã trabalha muito essa ideia de imperativo, de otimização, de melhoria da qualidade ambiental, de um imperativo voltado para o poder público, de modo geral. Essa é a lógica que hoje se tem tratado. No âmbito dos direitos sociais, isso havia se consolidado de alguma forma também. A doutrina já fazia menção a isso, como eu disse para os senhores, em razão dessa cláusula de progressividade, que se encontra nos tratados internacionais relacionados a direitos sociais. Também na matéria ambiental, tem ganhado cada vez mais força. Então, existe essa recente consagração nos documentos mais novos e importantes da América Latina e do Caribe, que é o Acordo de Escazú.
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No âmbito interno constitucional brasileiro, trata-se de um princípio constitucional implícito — é isso o que a doutrina defende —, relacionado à própria ideia de segurança jurídica, do princípio do Estado de Direito, das garantias constitucionais, do ato jurídico perfeito, da coisa julgada, do direito adquirido. Inclusive, em recente decisão do STJ, reconheceu-se a existência de direitos adquiridos em matéria ambiental, que são justamente casos envolvendo o novo Código Florestal, discussões envolvendo a questão da aplicação retroativa ou não do novo Código Florestal a situações já consolidadas. Enfim, são mecanismos que vão se agregando e dando cada vez mais força à justificação do princípio da proibição de retrocesso em matéria ambiental.
Há outros mecanismos também relacionados aos próprios limites, tanto materiais quanto no caso das cláusulas pétreas. A questão da proteção ambiental e do direito fundamental ao meio ambiente tem sido considerada pela doutrina também como uma cláusula pétrea no nosso sistema constitucional, tanto quanto os próprios limites procedimentais existentes na Constituição. Todos são mecanismos constitucionais que buscam uma blindagem do poder discricionário do Estado, de um modo geral, como disse para os senhores, restrito apenas ao legislador, mas que visa justamente preservar aqueles conteúdos que são elementares ao uso e gozo dos direitos fundamentais. Aqui, em particular, nós estamos tratando do direito fundamental ao meio ambiente. Outras questões importantes, que têm avançado muito também, dizem respeito a uma certa eficácia contramajoritária, quando há, de alguma forma, essa invasão da atividade legislativa, em face, por assim dizer, desse núcleo essencial que se coloca.
Enquanto nós vamos falando, vou tentar destacar um pouco algumas decisões para os senhores, um pouco mais à frente. Eu sei que o meu tempo está correndo. Por isso, vou tentar avançar um pouco.
A ideia de que, junto com a proibição de retrocesso, existe esse dever de progressividade não é algo novo na própria legislação ambiental. A própria lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, como eu destaquei no início para os senhores, coloca como objetivo da Política Nacional do Meio Ambiente justamente a ideia de melhoria.
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O STJ já consolidou, em mais de uma decisão, que se trata de um princípio do direito ambiental brasileiro, o princípio da melhoria da qualidade ambiental. Trata-se de princípios que, na verdade, se colocam tanto como imperativos de conduta para o Estado, de um modo geral, quanto da mesma forma, na própria interpretação que o Poder Judiciário, juízes e tribunais, vão fazer em relação a conflitos ambientais.
É muito comum, por exemplo, haver conflitos legislativos. Várias decisões do STF passaram a tratar da questão, não só do princípio da proibição de retrocesso, mas também do próprio princípio da progressividade, do princípio da proibição de proteção insuficiente. Todos estão relacionados, de alguma forma, com esses limites que são colocados pelo ordenamento jurídico ecológico em relação à atuação do Estado. Trata-se de uma atuação, quando refratária, no sentido de se retirar direitos, ou seja, institutos jurídicos muitas vezes já consolidados, no sentido de, por assim dizer, enfraquecer e fragilizar o regime jurídico de proteção ambiental. Isso acaba fazendo com que o Poder Judiciário tenha que reconhecer a inconstitucionalidade dessas medidas.
Como eu disse para os senhores, trata-se de medidas que podem estar na esfera de atuação do Poder Legislativo, como, da mesma forma, na esfera do Poder Executivo.
A doutrina, há muito tempo, coloca o enfraquecimento da própria estrutura administrativa e dos órgãos administrativos em matéria ambiental a tal ponto que possa levar à inviabilidade de que venham a cumprir o seu papel na execução da Política Nacional do Meio Ambiente. Isso acarreta, na verdade, uma situação de flagrante inconstitucionalidade, que deve ser, sim, objeto de controle judicial, com as devidas medidas no sentido de afastar essa situação de ilegalidade.
Isso também não é algo novo. Já existe muita discussão a respeito disso na doutrina. Já é consolidado. O próprio STF, em algumas decisões recentes, como falei para os senhores, já vem reconhecendo também essa incidência do princípio da proibição de retrocesso ecológico, em face não só do legislador, mas também do Poder Executivo. O contexto brasileiro atual me parece bastante importante.
O meu tempo já se esgotou?
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Já, Dr. Tiago.
Se o senhor quiser, pode concluir.
O SR. TIAGO FENSTERSEIFER - Eu vou concluir.
Nós estamos no pico da proibição de retrocesso. Nesse contexto, ele se coloca hoje em um dos momentos mais cruciais. Nós tivemos, no início do mês de maio, a divulgação de um relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos da ONU, que exerce papel semelhante ao painel intergovernamental relacionado ao clima. Destacamos que, na verdade, há um cenário em que aproximadamente 1 milhão de espécies da natureza encontram-se hoje em extinção.
Isso coloca, na verdade, um limite imposto por dados científicos que o universo jurídico não pode ignorar. Cada vez mais, a legislação ambiental deve se servir da informação que vem se consolidando no universo científico, sob pena de não conseguirmos fazer o devido enfrentamento dessa situação. É uma crise climática, uma crise da biodiversidade. Da mesma forma, o princípio da proibição de retrocesso deve (falha na gravação).
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Dr. Tiago.
Vamos passar a palavra para a próxima expositora, a Dra. Sandra Cureau, Subprocuradora-Geral da República.
A SRA. SANDRA VERÔNICA CUREAU - Inicialmente, eu quero cumprimentar o Deputado Rodrigo Agostinho — eu o conheço há muito tempo — e agradecer-lhe o convite para participar desta audiência pública.
Quero também cumprimentar os demais Deputados Federais aqui presentes e meus colegas de Mesa: Dr. Luis Fernando Barreto Junior, Dra. Marina Grossi, Maurício Guetta, meu velho amigo, Leonardo Papp e Rodrigo Justus de Brito.
Nós estamos vivendo um momento, do ponto de vista do direito ambiental, muito delicado aqui no Brasil. Eu quero tentar demonstrar um pouco disso. Quero cotejar com a Constituição Federal, com a legislação existente.
Como vocês sabem, como todos nós sabemos, a Constituição Federal de 1988, a nossa Constituição Cidadã, produziu uma mudança total de paradigma. O paradigma anterior, que era voltado para os direitos do Estado, para os direitos individuais, passou a se voltar, na linha de todas as constituições mais recentes e mais avançadas, para os direitos coletivos, para a coletividade. Vejam os senhores, a título de exemplo, que, mesmo o direito de propriedade, que talvez fosse o mais absoluto dos direitos, passou a ter um freio: a função social da propriedade. Então, ele não é mais um direito absoluto, é um direito que deve cumprir a sua função social. Essa mudança de paradigma é o ponto mais importante de toda essa discussão.
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(Segue-se exibição de imagens.)
O Princípio Constitucional do Não Retrocesso em Direito Ambiental.
O que são princípios, afinal de contas? É a primeira coisa que devemos colocar. Princípios são mandamentos ou enunciados que formam o núcleo de determinado sistema. Então, você pode, por exemplo, ter princípios religiosos, princípios ético-políticos. Portanto, são realmente enunciados que formam o núcleo de um sistema determinado.
O direito ambiental, como os senhores sabem, como disciplina autônoma, só se consagrou na década de 90. A partir daí, surgiram os primeiros princípios de direito ambiental: o princípio da precaução e o princípio do poluidor-pagador. A esses princípios foram somados outros, à medida que o direito ambiental se desenvolvia no mundo e na própria legislação brasileira. Surgiu, então, como o Tiago falou, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, com um processo legislativo na área ambiental.
No campo do Direito, os princípios são a base das normas jurídicas. No caso do direito ambiental, a base das normas jurídico-ambientais são o princípio da precaução, o princípio da prevenção, o princípio da cooperação, o princípio da participação, o princípio da informação e o princípio da proibição de retrocesso, entre outros. Esses princípios podem estar explícitos na Constituição Federal ou mesmo em leis, mas também podem ser implícitos. Não é necessário que eles estejam escritos para que existam e tenham validade.
Qual é a função deles? A função dos princípios é balizar a interpretação das normas legais, evitando assim que haja interpretações divergentes e que se crie, dentro de determinado Estado, de um determinado sistema, incertezas jurídicas, o que não pode ocorrer. Então, esta é a função do princípio: balizar a interpretação das normas. Eles são o núcleo, a base das normas jurídicas.
Como eu já disse no início, prevenção e poluidor-pagador foram os primeiros princípios do direito ambiental. Depois, aos poucos, outros princípios foram sendo agregados, sempre no sentido de se obter a melhor proteção possível ao meio ambiente. A Constituição Federal, a nossa Constituição Cidadã, em seu art. 225, que todos nós conhecemos, dispõe que é dever do Estado e da coletividade proteger e preservar o meio ambiente sadio para as presentes e futuras gerações.
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Então, o que nós temos aqui? O Estado — o poder público — e a coletividade, ambos encarregados de proteger e preservar o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, ou seja, não só para as presentes, mas também para aquelas que virão. Nós temos que legar aos nossos descendentes condições de vida digna, de vida saudável.
Decisões políticas não podem dispor sobre questões que levem a um retrocesso dessa proteção. Decisões políticas não podem proceder a um retrocesso dessa obrigação, dessa proteção ao meio ambiente, porque, sem uma vida saudável, sem um ambiente saudável, não há vida no planeta ou, se houver, não será vida com o mínimo de qualidade como a Constituição Federal dispõe e exige.
Essa é a base de todo o raciocínio. Quer dizer, não se pode dar menos proteção ou reduzir essa proteção, sob pena de infração direta do art. 225 da Constituição Federal, porque, ao se diminuir o nível de proteção ambiental, não se está mais garantindo vida ou vida saudável às populações e a todas as formas de vida — fauna, flora etc.
A vedação da diminuição do grau de proteção, obviamente, vai trazer uma consequência. Que consequência é essa? A vedação de normas ou medidas que conduzam a uma redução das condições essenciais para a existência e o desenvolvimento na vida em todo o planeta. Então, a partir daí, não se pode editar normas, não se pode implementar medidas que reduzam essa proteção ambiental, que passou a existir no momento em que a Constituição Federal foi promulgada.
Sendo assim, evidentemente, a proibição do retrocesso não está submetida à cláusula da reserva do possível. Não dá para se dizer que o Estado X, teoricamente, deveria ter aterros sanitários, porque ele pode não ter aterros sanitários porque não dispõe de verba para isso. Não, absolutamente. A reserva do possível não vale em relação à proteção ambiental.
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Então, qualquer medida restritiva ao direito fundamental de proteção do meio ambiente precisa sempre encontrar respaldo na Constituição Federal, ou seja, ela tem que se justificar pela necessidade de proteção de outros direitos fundamentais.
E aí eu quero chamar a atenção para o fato de que não existe direito fundamental, por exemplo, de extinção de reserva legal; não existe direito fundamental do proprietário de simplesmente fazer uso de suas terras, de toda a sua propriedade para uso exclusivo de natureza econômica. Esse não é um direito fundamental. Apenas um direito fundamental pode se contrapor a outro direito fundamental. Nesse caso, então, outro direito fundamental poderia gerar uma medida restritiva a esse princípio constitucional. Senão, não é possível, é inconstitucional.
Ainda que esse ato retrocessivo deva atender a outras exigências, é necessário que se faça o exame da sua proporcionalidade, sem prejuízo da necessidade de se atentar ao núcleo essencial do direito que foi restringido, o direito ao meio ambiente, associado ao mínimo existencial ecológico. Esse é um comentário recente do doutrinador Ingo Sarlet, relativamente a uma decisão do Ministro Barroso no Supremo Tribunal Federal. Quer dizer, mesmo quando dois direitos fundamentais se contrapõem — e, repito, não existe direito fundamental a degradar, a reduzir parque nacional, a extinguir reserva legal —, mesmo quando haja um direito fundamental se contrapondo ao direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, ele tem que ser proporcional à perda que vai gerar.
Passo à última parte, então. A restrição, como dispõem todos os tratados de direitos humanos — e o Tiago já fez referência a eles agora —, tem que ser sempre emanada de lei em sentido material e formal, ou seja, lei emanada do Poder Legislativo. Caso contrário, não há essa possibilidade.
O Brasil é signatário de tratados de direitos humanos — isso já foi dito — que consagram direitos fundamentais, dentre os quais, o direito à vida e à saúde, que estão intimamente ligados ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O Brasil não pode simplesmente ignorar esses tratados, ignorar a Constituição Federal, para reduzir o patamar de proteção ambiental ou para, em certos casos, até mesmo extingui-lo, porque isso se choca frontalmente com o direito fundamental ao meio ambiente e com a Constituição Federal.
Muitíssimo obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Dra. Sandra, pelas palavras.
Concedo a palavra ao Dr. Luis Fernando Cabral Barreto Junior, Presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente — ABRAMPA.
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O SR. LUIS FERNANDO CABRAL BARRETO JUNIOR - Bom dia a todos.
Gostaria de agradecer inicialmente a V.Exa., Deputado Rodrigo Agostinho, pelo convite formulado à ABRAMPA, na pessoa de quem gostaria de saudar todos os que estão integrando a Mesa.
Quero saudar o Dr. Maurício Guetta e dizer que continuamos firmes para enfrentar todos os retrocessos, assim como saudar a minha querida amiga Cristina Seixas Graça, Presidente eleita da ABRAMPA, que assumirá a Presidência nos próximos dias — sou o Presidente em exercício em final de mandato. Estamos aqui os dois para deixar muito claro que a ABRAMPA continua firme para enfrentar esses retrocessos com os mecanismos constitucionais que nos foram concedidos.
Quero também agradecer ao Congresso Nacional, porque, nos últimos 4 anos, Deputado Rodrigo Agostinho, aqui estivemos várias vezes para tratar de licenciamento ambiental, principalmente, e da Lei de Política Nacional de Uso, Manejo e Conservação do Solo, sempre alertando que existe um marco temporal, que começou em 1989 e agora completa 30 anos. É o marco evolutivo da legislação ambiental. Esse marco não é apenas de conjunção de forças diferentes e dialéticas que estão envolvidas no processo de desenvolvimento entre aqueles que querem desenvolver, querem proteger, cada um com um paradigma um pouco diferente, Dra. Marina, mas principalmente por uma característica própria do direito ambiental, que é a sua relação, a sua interdisciplinariedade com as diferentes ciências.
Quando se fala em proteger algo, não se fala por uma diletância, não se fala porque proteger algum bioma, algum bem ambiental é interessante, mas, sim, porque ele é necessário, porque ele é fundamental. Nós não fazemos a proteção da fauna porque queremos tirar fotos de patos, mas porque ela diz respeito à proteção da própria vida, porque o fluxo gênico de fauna e flora é fundamental para todo o equilíbrio do planeta. Quando falamos de redução de resíduos sólidos e controle do licenciamento, nós o fazemos não porque achamos bonitos esses princípios ambientais, mas porque eles são necessários. Sabemos que as provas disso são permanentes. Quando podemos descumprir leis ambientais que estão em códigos não vamos jamais conseguir evitar os efeitos catastróficos causados pelas reações dos impactos ambientais. O impacto ambiental é sempre a resposta que o ecossistema nos dá e não aquilo que fazemos.
Quero começar dizendo que o direito ambiental é um direito de riscos, não é um direito de danos, ou seja, trabalhamos com os riscos. A principal função do direito ambiental é trabalhar numa perspectiva em que os danos ambientais não aconteçam. A pior resposta que damos à sociedade quando um dano ambiental acontece é a responsabilidade civil comparada com as outras alternativas, ou seja, não dar nenhuma resposta. O nosso foco tem que ser sempre o risco, porque, uma vez perdido um ecossistema, uma vez perdido um bem ambiental, ele é, em regra, irreparável.
A grande diferença, senhores, que existe nas legislações da América Latina em relação às legislações europeias — sendo que as legislações europeias funcionam e as legislações da América Latina têm dificuldades de funcionar — é a capacidade de implementação dessas legislações por conta da fragilidade dos órgãos ambientais, da excessiva pressão econômica e, por consequência, da desmobilização da sociedade. Isso não fui eu que inventei. Isso está no livro da Profa. Lesley McAliester, publicado pela Universidade de Stanford como professora da Universidade de San Diego. Publicado nos anos 2000, esse livro demonstra claramente que na América Latina o único país que conseguiu ter algum avanço na implementação da sua legislação ambiental, seja pela jurisprudência, seja pelo trabalho executado, foi o Brasil, por conta da ação do Ministério Público.
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E é por isso que nós temos a ABRAMPA, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente. Nós reconhecemos que na América Latina só é possível cobrir esse ato, fazer essa ponte entre a legislação escrita, não efetivada, e a efetiva implementação se nós tivermos algum órgão de controle que seja externo, que tenha mecanismos capazes de impor ao Estado e ao particular o cumprimento de seus deveres. Esse é o papel do Ministério Público, e é nesse sentido que vou encaminhar as nossas posições sobre o que nós consideramos retrocesso.
Não vou aqui tecer mais detalhes sobre o que é o princípio da proibição do retrocesso, porque o Prof. Tiago Fensterseifer o fez muito bem, e a minha querida amiga Sandra Cureau também o fez muito bem. Mas nós vamos apontar claramente os retrocessos e por que são retrocessos. Nós não estamos falando que é retrocesso apenas porque temos uma legislação que achamos bonita. Não, ela tem funcionalidades.
Vamos pensar aqui em quatro retrocessos. Primeiro, as listas de dispensa de licenciamento que estão no projeto de lei, insistentemente pautado na Câmara. Quando se dispensa licenciamento para atividades, dispensa-se o controle do poder público sobre as atividades que estão sendo desenvolvidas, sobre os materiais que estão sendo expostos, sobre o manejo, sobre o modo de trabalhar e de produzir.
A nossa Constituição, no art. 225, § 1º, inciso IV, ao exigir o estudo prévio de impacto ambiental como mecanismo necessário de controle, o faz a partir da sua publicidade, da sua necessidade e do conceito de significativo impacto ambiental, e diz ainda que a lei regulamentará a sua forma, não as suas hipóteses. As hipóteses de exigência do estudo de impacto ambiental, e, por consequência, exigência do licenciamento, estão fora da capacidade legislativa. Por que está fora da capacidade legislativa dizer quais as hipóteses que sim e quais as que não? Porque, quando a Constituição prevê hipóteses, ela o faz como fez, por exemplo, na quebra do sigilo telefônico: "Nas hipóteses tais pode-se fazer quebra de sigilo telefônico".
Vejam que numa garantia fundamental ela deu hipótese, mas para o estudo de impacto ambiental não o fez. Por que isso? Porque simplesmente a avaliação tem que ser concreta. Ou seja, há a necessidade de uma decisão do órgão ambiental dizendo "aquilo ali, naquela condição, é uma condição de fato que exige um estudo de impacto ambiental ou se exige uma avaliação de impactos mais simplificada". E aí é muito preocupante quando se tenta reduzir as hipóteses em que se vai exigir licenciamento, porque, se não se vai exigir licenciamento, por consequência, não se exigirá estudos de impacto ambiental e, concomitantemente, desarticulam-se, desfazem-se e sucateiam-se os órgãos ambientais.
Aqui eu quero saudar a querida Suely e dizer mais uma vez o que nós do Ministério Público Ambiental temos dito aos funcionários do IBAMA, e V.Sa. foi Presidente do IBAMA há até pouco tempo: nós estamos como vocês. O Ministério Público não vai deixar de apoiar aqueles que estão no dia a dia, decidindo sobre autuar ou não autuar, fiscalizar, licenciar. São esses funcionários que colocam para funcionar o direito ambiental brasileiro. Não estamos abrindo mão da nossa função de fiscalização, mas sabemos ao lado de quem temos que lutar para evitar os retrocessos.
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Outro retrocesso grave é a volta da caça esportiva, é a liberação da caça. Há 30 anos nós deixamos de ter código de caça para ter lei de proteção à fauna exatamente porque é impossível ter caça e não haver crueldade contra animais. É inerente à caça a crueldade. Não há como conceber que haverá caça e não haverá crueldade, não haverá um abate violento. Então, esse é um dos pontos que nós vamos atacar.
Refiro-me ainda ao fim da reserva florestal legal, senhores, que tanto se discute. Deputado Rodrigo Agostinho, parabéns pelo seu voto, quando mostra muito claramente a inaplicabilidade de se criar novos marcos quando não se tem nem a escala de 1 para 5 mil ou 10 mil, de quais eram as fitofisionomias florestais. Mas o ponto principal, senhores, que demonstra haver retrocesso é que nós acabamos com a conectividade entre os fragmentos florestais. Já é difícil, com a fragmentação dos remanescentes florestais nas florestas privadas, manter a conectividade ou aquilo que também se chama de corredor ecológico, que outros chamam de fluxo gênico de fauna e flora. Não se pode reduzir mais ainda a reserva legal ou fazê-la desaparecer. Podem ter certeza de que a ideia de conectividade entre os fragmentos é necessária para a manutenção tanto de espécies florestais como da própria fauna. Nós temos espécies da fauna que precisam de espaços maiores. Não adianta dizer que nós vamos ter enormes unidades de conservação, se elas estarão como ilhas em distâncias oceânicas umas das outras. Nós vamos ter apenas fragmentos que estarão mais fragilizados, com menor biodiversidade, com maior competitividade e, por consequência, com a redução de muitas espécies. O pior da reserva florestal, se alguém tem dúvida de que ela é impactante, é negativa para a preservação do bioma brasileiro, além de todos os argumentos, é porque ela põe fim a conectividade.
Por fim, a prorrogação da disposição final ambientalmente adequada, que está em medida provisória, também é um grande retrocesso.
Eu quero sempre lembrar um episódio: o pior e mais famoso desastre nuclear do Brasil aconteceu por conta de um lixão em Goiás. A cápsula do césio 135 foi encontrada num lixão. Eu poderia falar de Vila Socó, falar de outros, mas vamos voltar para a memória. Dizer agora que é possível voltar a não cumprir a disposição final ambientalmente adequada, ou que há mais prazos, é abrir possibilidade para que isso se repita.
Pois bem, senhores, já que o prazo está se encerrando, eu quero apenas dizer que o Ministério Público Ambiental tem se posicionado firmemente através das notas públicas que está divulgando. Todas as nossas notas públicas sobre a MP, sobre o projeto de lei da fauna, sobre os licenciamentos, retratam a posição nacional do Ministério Público Ambiental.
Estamos sendo democráticos e transparentes de que continuaremos atuando através de arguição incidental de inconstitucionalidade caso a caso. Quero deixar muito claro que atuaremos caso a caso, que demonstraremos esses retrocessos processo a processo. Não vamos discutir isso abstratamente no campo de ADI. Nós vamos discutir isso em termos concretos caso a caso.
Para isso nós criamos a Comissão de Gerenciamento da Crise Ambiental no Brasil. O objetivo é articular entre todos os promotores de justiça quais os posicionamentos nacionais, para que os senhores saibam, inclusive, que quem está em Mato Grosso pensa de forma semelhante de quem está no Ceará, no Rio Grande do Sul, no Amapá ou no Maranhão, minha terra. Ou seja, a nossa circulação é plena para sermos transparentes. O Ministério Público não está naquela posição de quem não fala nem se pronuncia.
Muito obrigado a todos. Eu quero aqui ratificar o apoio do Ministério Público Ambiental às organizações não governamentais, como o ISA, que parabenizo pela posição atual. Fazemos parte do Observatório do Clima. E nós continuaremos na luta, Suely.
Muito obrigado. Desculpem-me por ter estourado o tempo.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Dr. Luis.
Passamos agora a palavra à Dra. Marina Grossi, Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável — CEBDS.
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A SRA. MARINA GROSSI - Obrigada, Deputado Rodrigo Agostinho. É um prazer estar nesta Comissão.
Em nome do Deputado Rodrigo Agostinho, eu saúdo cada um dos senhores e senhoras.
(Segue-se exibição de imagens.)
A sigla CEBDS é um pouco estranha, mas significa Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Temos 22 anos de atuação em prol do desenvolvimento sustentável. Eu, particularmente, antes de entrar no CEBDS — estou Presidente do CEBDS desde 2010 —, trabalhei muito no setor público e venho acompanhando a questão do desenvolvimento sustentável, sobretudo a mudança climática, da qual já fui negociadora. É impressionante como a nova economia, com baixa emissão, a economia verde, veio para ficar.
Finalmente, algo que antes era uma vantagem comparativa, mas não uma vantagem competitiva, hoje as nossas grandes empresas têm claro que é uma vantagem competitiva e têm aumentado muito mais o seu portfólio ambiental e social do que o portfólio tradicional.
O CEBDS reúne 60 grandes grupos empresariais, como os senhores podem ver, e atua como conselho empresarial, parte de uma rede global presente em mais de 60 países. Mas, de forma autônoma no Brasil, vivemos dos recursos dos nossos associados — apenas disso. Ele gera mais de 1 milhão de empregos e representa 45% do PIB nacional. Nesse grupo, dentro do CEBDS, temos também o chamado Conselho de Líderes, que são os nossos CEOs.
Nesse Conselho de Líderes — e estão à disposição desta Comissão tanto o CEBDS quanto o Conselho de Líderes —, desenvolvemos, já pelo segundo mandato presidencial, propostas para um país sustentável, com alguns critérios, como não fazer algo que já não esteja sendo feito. Então, nessas propostas, há sempre algo que as empresas já estão fazendo, mas elas fazem associações com outras empresas que possam ser replicadas, que possam ser escalonadas e que tragam competitividade para o País.
Dentro disso, colocamos temas prioritários nessas propostas. Água, clima e transição energética são temas prioritários. Quando tratamos de sustentabilidade, falamos sobretudo das externalidades que não são computadas e que não nos dão a real dimensão do custo. Um exemplo, quando falamos de água, é um estudo muito interessante que a Braskem fez quando houve escassez de água. Eu quero lembrar que aqui, nesta cidade, Brasília, no Fórum Mundial da Água, havia escassez de água. Também tivemos escassez em São Paulo quando a Braskem fez esse estudo. É claro, no Nordeste já temos isso há muito tempo, mas não se mexe com grande PIB ou com os grandes atores da política nacional.
Quando foi feito esse estudo, verificou-se que, como o valor não é computado, se você pensa em reúso de água, por exemplo, comparando o trabalho que a empresa tem para fazer o reúso da água com a distribuição da água, esse preço ficava duas vezes maior. Mas se você comparar não o custo, porque temos hoje a distribuição, mas não o custo da água; então, se você computar, numa escassez, ficar sem água e o que isso significa em termos da despesa para os seus funcionários, para sua licença para operar, para sua outorga, esse preço passou a ser 15 vezes mais vantajoso do que era antes. Então, fazer a conta certa, trabalho que fazemos o tempo todo, é muito importante.
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Há outro movimento para o qual eu quero chamar a atenção dos senhores. Digo que nessa pauta o Brasil tem enorme vantagem, que veio para ficar. Atualmente, o FSB, organismo que normatiza todos os bancos centrais do mundo, diz que os riscos climáticos, as medidas anticlimáticas devem ser computadas por todos os bancos centrais. A TCFD, outra sigla, que significa observar os riscos climáticos, foi feita no âmbito da ONU. O Bloomberg é o chair dessa iniciativa global, que sobretudo diz: "Eu tenho investidores aqui que querem investir em projetos sustentáveis. Onde é que eles estão?" Então, esse movimento de investidores por onde caminha o dinheiro tem aumentado de maneira exponencial.
Para os senhores terem ideia, num trabalho doméstico que fizemos dentro do CEBDS, em conjunto com o Carbon Disclosure Project, que tem uma base de dados muito consistente, vimos, para apresentação na última Conferência do Clima, na Polônia, que entre 36 empresas havia 85 bilhões de dólares em medidas para redução de emissões só no período entre 2015 e 2017. E fazem isso sem nenhuma obrigatoriedade, porque hoje não há essa obrigatoriedade no País; fazem isso porque é bom para o negócio. Então, é para isto que gostaríamos de chamar a atenção: oportunidade. O meu colega Luis Fernando falou um pouco sobre riscos, e as empresas são regidas por dois botõezinhos: oportunidade e risco. A oportunidade que o Brasil tem em relação à questão da nova economia é ímpar. Não há nenhum paralelo em nenhuma parte do mundo, e as empresas já o sabem.
Temos um projeto — e aí eu entro um pouco mais na pauta, motivo desta audiência — em inteligência agroclimática. Falamos que o Brasil tem condições de ser sustentável. Existe o desigual no processo no Brasil, que tem tanto uma agricultura muito avançada quanto uma agricultura ainda atrasada. Não podemos nos esquecer — e é assim que se estão sendo mobilizadas as nossas empresas — de que está cada vez mais criterioso o mercado externo. Esse mercado olha para as commodities agrícolas brasileiras e olha para as questões socioambientais como um dos requisitos para aceitar os produtos que vêm do Brasil. E podemos fazer isso muito bem. Então, não precisamos nos defender. Podemos levantar a cabeça e fazer isso muito bem.
A Exame fala da Revolução Verde. Nesse nosso projeto de inteligência agroclimática, colocamos que temos que ter um maior aproveitamento da terra. Hoje, ainda temos o gado latifundiário, ou seja, uma cabeça de gado para uma área extensa — e podemos diminuir muito essa área. Podemos combinar isso justamente com pagamentos por serviços ambientais, por valoração do capital natural, por valoração da reserva legal e uma indústria de produção e recuperação florestal.
É interessante, fizemos duas propostas. Eu vou deixá-las com o Deputado Rodrigo Agostinho. Uma, como eu disse antes, é para este Governo: o que as empresas estão fazendo em relação ao Acordo de Paris. Depois, uma proposta nossa, em que colocamos os CEOs de 60 grandes empresas para conversarem sobre propostas interessantes para o País durante 4 anos. Eu vou deixar esse material aqui, para ser distribuído a todos.
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A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura fez também a mesma coisa que o CEBDS, mas pensando na floresta e na agricultura juntas, pensando no que isso poderia trazer de impacto e benefício para o País. Somos os fundadores da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que surgiu um pouco antes do Acordo de Paris e tem mais de 190 membros, entre ONGs e empresas. Temos na administração um pouco do balanço entre setor privado e sociedade civil. Eu acho que são duas experiências ímpares no mundo inteiro.
Essa iniciativa reflete a nova forma de conversar — e queremos que seja a nova forma de conversar nesta Casa também —, baseada em temas, e não uma empresa só conversando tanto com o Executivo quanto com o Legislativo, com o Prefeito ou com o Governador. Isso tem que se dar, sim, em torno de temas que são importantes para o País, para o Estado ou para a cidade. Temos que tocar esses projetos em conjunto, com redução de custos.
Na Coalizão também há consenso, desde ONGs até empresas, em torno do que poderemos ganhar com a nova economia, com a nova agricultura, a partir de uma revolução 4.0, por meio da qual você tem como aliado a floresta, o reflorestamento e a agricultura.
Só para mostrar alguns exemplos, foram feitos estudos que mostram que pode haver a geração de 215 mil empregos, 6,5 bilhões de reais em impostos e investimentos anuais de 3,7 bilhões de reais até 2030. Então, são estudos bastante tangíveis em relação ao que poderemos ganhar com essa nova economia.
Por fim — e já estou terminando —, cito o mercado de carbono. O CEBDS, conselho empresarial que presido, fez uma proposta de mercado de carbono. Hoje, há 40 regiões do mundo já precificando o carbono. Temos vantagens, porque nós somos uma economia limpa. A maioria dos países — vou citar aqui a Alemanha e a Holanda — não consegue cumprir as reduções de emissões estabelecidas. Conseguimos oferecer commodities — a floresta é uma delas, a agricultura é uma delas —, para que eles cumpram isso. Temos o menor custo para oferecer ao resto do mundo. Na nossa produção, temos o menor custo, temos vantagens. Por isso, fizemos uma proposta de precificação de carbono e a entregamos para o ex-Ministro da Fazenda Eduardo Guardia. Agora, conversamos com o Secretário Especial da área econômica, Carlos Da Costa, para justamente colocarmos em prática essa proposta de precificação de carbono, que contempla 13 setores da economia brasileira. Então, o Brasil, com essa vantagem comparativa enorme, tem que estar presente nesse processo.
Por fim, deixo a mensagem — e sobre isso os meus colegas já falaram bastante — de que, para podermos aproveitar tudo aquilo no qual somos competitivos, temos que mostrar sinais de que o assunto está pacificado, de que algo que foi, a exemplo do Código Florestal, discutido durante 5 anos não tem que ser reaberto, porque se reabre uma Caixa de Pandora. Não é só um lado que vai falar, mas os dois lados. Enquanto isso, perdemos um tempo precioso. E a Agricultura, que pode contribuir muito com esse processo, preservando florestas, tem muito a ganhar com isso. Sem isso, o País perde. Entramos numa área de risco e deixamos de explorar a oportunidade do que significa uma agricultura dentro da nova economia, tendo a floresta como aliada.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Dra. Marina.
Passamos ao palavra ao Dr. Maurício Guetta, Consultor Jurídico do Instituto Socioambiental.
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O SR. MAURÍCIO GUETTA - Bom dia a todos e todas.
Quero cumprimentar em especial o Deputado Rodrigo Agostinho, Presidente da Comissão de Meio Ambiente.
O tema da audiência hoje não poderia ser mais oportuno. Infelizmente, temos vindo recorrentemente à Câmara para debater retrocessos. Gostaríamos muito de debater, como Marina Grossi coloca muito bem na sua exposição, avanços na agenda ambiental. Entretanto, tanto por parte do Governo quanto por parte do Legislativo, não é o que temos visto.
Quero cumprimentar meus colegas de Mesa, que são todos grandes referências na área do direito ambiental. Quero cumprimentar especialmente a ABRAMPA, que vem com seu antigo Presidente e a atual Presidente, Cristina Graça Seixas. Quero cumprimentar especialmente os Deputados Nilto Tatto e Erika Kokay, Parlamentares que são referência no combate ao retrocesso ambiental aqui na Casa.
Diante dos nomes que me antecederam, eu preparei uma apresentação um pouco diferente. É claro que eu não teria autoridade para tratar do princípio da proibição de retrocesso depois da Profa. Dra. Sandra Cureau. Portanto, eu vou focar em algumas decisões paradigmáticas e avançar no tema das políticas de combate ao desmatamento na Amazônia, como estamos retrocedendo e chegamos hoje, em 2019, ao ponto de praticamente anulá-las.
(Segue-se exibição de imagens.)
Inicialmente, eu quero registrar que os Tribunais Superiores conhecem e estão atentos à questão da crise ecológica. Uma decisão de 2017 do Supremo Tribunal Federal diz:
A Ecologia, em suas várias vertentes, reconhece como diretriz principal a urgência no enfrentamento de problemas ambientais reais, que já logram pôr em perigo a própria vida na Terra, no paradigma da sociedade de risco. É que a crise ambiental traduz especial dramaticidade nos problemas que suscita, porquanto ameaçam a viabilidade do continuum das espécies.
Essa é uma decisão paradigmática, que representa o entendimento dos tribunais nos últimos tempos em relação ao tema.
Cito duas referências científicas. Recentemente foram lançados diversos estudos, inclusive aquele sobre a crise na biodiversidade mundial, da ONU, que chamam a atenção para os graves riscos que destacam. Temos Carlos Nobre e Thomas Lovejoy apontando o novo tipping point, ou o ponto de não retorno da Amazônia, que seria, segundo esses autores, a partir de 20% a 25% de desmatamento na Amazônia. A floresta entraria num ponto de não retorno, a partir do qual passaria a se transformar gradualmente numa savana, uma vegetação mais próxima do cerrado. Hoje, nós temos 18,6% de desmatamento acumulado na Amazônia. Portanto, estamos à beira do precipício. Infelizmente, as políticas ambientais de combate ao desmatamento ilegal não refletem a urgência dos temas que suscita.
Antônio Donato Nobre aponta: "(...) o futuro climático da Amazônia já chegou. Portanto, a decisão urgente e já tardia pela intensificação da ação não pode esperar. (...) A responsabilidade é nossa sobre o que faremos com esse conhecimento".
Quero lembrar a todos que não se trata apenas de debates sobre o princípio da proibição de retrocesso em matéria ambiental. Quando tratamos do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da Constituição, estamos a tratar de todos os direitos humanos, porque todos eles são vulneráveis à degradação ambiental, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos coloca muito bem em decisão paradigmática de 2017. O exemplo mais evidente é o da saúde, altamente dependente da efetivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
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Aqui apresento uma decisão do Supremo, reconhecendo o princípio da vedação de retrocesso em matéria ambiental. Eu não trago as mais recentes, porque os acórdãos não foram publicados ainda, mas eu diria que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.717, de 2018, que tratou justamente da vedação de redução ou extinção de unidades de conservação por medida provisória, em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o princípio da vedação de retrocesso. É graças a essa decisão que hoje o Governo Federal não tem poderes para, por medida provisória, fazer o que o Ministro Ricardo Salles pretende: revisar todas as áreas protegidas do País. Essa decisão da ADI 4.717 é muito importante.
Também o STJ — só trago uma decisão exemplificativa — reconhece o princípio. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é pacífica sobre o reconhecimento desse princípio. É evidente que ele não tem por finalidade obstar as atividades legislativas. O princípio funciona como uma ponderação, como a Dr. Sandra aponta, uma relação de proporcionalidade entre os direitos fundamentais, evitando que se extinga o núcleo essencial do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Não só ao Poder Legislativo, onde estamos, esse princípio se aplica. A minha apresentação hoje ressalta a aplicação do princípio no Poder Executivo. É evidente que essa minha linha de argumentação se refere aos retrocessos que temos visto na agenda ambiental promovidos pelo Presidente da República, pelo Ministro do Meio Ambiente. Atualmente, a principal fonte de ameaça ao meio ambiente vem do Ministério do Meio Ambiente, que estaria extinto se não fosse a pressão comercial feita por atores internacionais.
O Ministro Herman Benjamin, que infelizmente não pôde vir, ressalta a possibilidade de judicialização pela vedação de retrocesso da descontinuidade ou do desmonte de políticas públicas destinadas a combater o desmatamento na Amazônia.
E o Supremo diz que, se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, como o dever de combater o desmatamento ilegal na Amazônia, incidirá em violação negativa do texto constitucional, e que a omissão do Estado, como temos visto no Poder Executivo, qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica e também ofende direitos que nela se fundam, além de impedir, por ausência de medidas concretizadoras, a aplicabilidade dos postulados e princípios da lei fundamental.
O Supremo está basicamente dizendo que o retrocesso em políticas públicas, por parte do Executivo, como vemos no PPCDAm, também é objeto de controle judicial pela vedação de retrocesso.
Aqui também, no mesmo sentido, está uma manifestação do STJ.
Agora já entro na política de combate ao desmatamento na Amazônia. O desmatamento acumulado, como eu disse, corresponde a 18,6%. O ritmo de desmatamento na Amazônia brasileira, para terem uma ideia da gravidade, é 170 vezes mais rápido do que aquele registrado na Mata Atlântica — e hoje não sobra quase nada de Mata Atlântica no País. Além do desmatamento, a degradação florestal na Amazônia está em 125 milhões de hectares, valor numérico acima inclusive do valor de desmatamento acumulado.
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Até 2004, o Estado brasileiro não tinha uma política de Estado, uma política pública de Estado, como foi o PPCDAm, a partir de 2004, e os índices de desmatamento giravam em torno de 2 milhões de hectares na Amazônia. Com a adoção da política do PPCDAm — eu quero destacar este gráfico —, a partir de 2004, o Estado brasileiro adotou a política pública de Estado, que é o programa de combate ao desmatamento na Amazônia, com a atuação de 11 Ministérios, e tinha várias vertentes: reconhecimento de unidades de conservação em terras indígenas, regularização ambiental, promoção da economia sustentável na Amazônia e uma série de outras medidas que foram adotadas. O desmatamento caiu vertiginosamente, saindo de 27 mil quilômetros quadrados em 2004 e chegando a 2012 com pouco mais de 4 mil quilômetros quadrados. Aí nós vemos que, quando há vontade política, quando o Estado quer promover o combate ao crime ambiental, ao desmatamento ilegal, isso se reflete rapidamente nos dados de desmatamento. A partir de 2012, com a aprovação do Código Florestal e as anistias que foram concedidas — a Dra. Sandra Cureau foi a proponente das ADIs no Supremo desse Código Florestal —, o desmatamento volta a subir, com o desinvestimento nas políticas públicas do PPCDAm e a aprovação de leis que anistiam desmatamento ilegal.
Quanto às unidades de conservação em terras indígenas, onde o desmatamento é ilegal por essência, entre 2013 e 2017, 76% das unidades de conservação da Amazônia sofreram com desmatamentos, e em terras indígenas esse valor é de 71%. Portanto, o desmatamento, que deveria ser, em regra, ilegal e, portanto, não deveria acontecer nessas áreas protegidas, acaba acontecendo em sua maioria, justamente pelo desinvestimento feito pelo Estado no combate ao crime ambiental.
Aqui vemos um pequeno exemplo, da Terra Indígena Areões, no Mato Grosso, que é acachapante. Vejam a imagem verde da terra indígena em 2016. Em 2017, ela estava praticamente toda degradada. O aumento do desmatamento foi de ordem de 18.000% em 1 ano.
Isto aqui é uma das referências, ressaltando o abandono das políticas públicas de controle ao desmatamento. Aqui temos um rápido gráfico do PPCDAm. Se formos analisando a média de orçamento do PPCDAm conforme as suas fases, temos: na primeira fase, cerca de 2 bilhões, em média; na segunda fase, quase metade deste valor, 1,1 bilhão; em seguida, 700 milhões; e, na última fase, 600 milhões. Evidentemente, com as políticas mais recentes adotadas pelo Governo Jair Bolsonaro de incentivo ao crime ambiental e de desmonte da máquina pública voltada ao combate ao crime ambiental, isso será ainda mais reduzido.
A CGU aponta que, entre 2013 e 2016, houve também uma redução de cerca de 42% no orçamento da fiscalização ambiental. Tivemos neste ano mais cortes na fiscalização ambiental. O IBAMA dispunha de 1.600 fiscais para o combate ao desmatamento em 2009. Em 2016, o número de fiscais chegou a 965. Essa situação é periclitante, porque boa parte dos fiscais está para se aposentar, e não temos qualquer previsão de reposição deles.
Então, com a omissão do Estado, aquele gráfico que nós vimos caindo de 2004 a 2012 certamente continuará a crescer nessa nova fase de desmatamento, de 2012 até o atual momento.
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Este é um gráfico do próprio IBAMA mostrando como a ausência do Estado tem efeito concreto no desmatamento da Amazônia. De 2012 a 2016, enquanto se reduziram o orçamento e o pessoal no IBAMA, o desmatamento cresceu.
O Tribunal de Contas da União afirma que em relação às unidades de conservação a situação é alarmante no que diz respeito à sua vulnerabilidade e à incidência de queimadas e incêndios florestais, justamente pela falta de efetivo no ICMBio, que hoje está ameaçado de extinção.
Este é o orçamento da FUNAI de 2012 a 2017. Vejam no gráfico como ele vem caindo. A própria FUNAI, em seu site, diz: "Esta FUNAI conta com dotação orçamentária significativamente insuficiente para o cumprimento de sua missão institucional". Ela consegue apenas garantir o funcionamento mínimo das unidades administrativas, alcançando a lamentável condição de atender apenas as emergências. Portanto, o desmonte da FUNAI também se reflete no aumento do desmatamento e de crimes ambientais dentro de terras indígenas, que são as áreas mais protegidas do País.
Chegamos a 2018, com a campanha eleitoral. O então candidato Jair Bolsonaro fazia uma ofensiva contra os órgãos ambientais. Dizia que acabaria com a farra das multas do IBAMA. Infelizmente, não há essa farra de multas do IBAMA, porque menos de 3% do que se que se multa é de fato arrecadado, mas essa fantasia foi criada. O então candidato afirmou por diversas vezes que tiraria o Estado do cangote de quem produz. Na realidade, ele queria dizer tiraria o Estado do cangote de quem comete crime, porque quem produz não tem medo de fiscalização.
Durante a campanha eleitoral, com a mera sinalização da ausência do Estado, houve um aumento do desmatamento da ordem de 39%. Em terras indígenas, esse aumento foi ainda maior, de 62%; em unidades de conservação, de 95%.
Eu já vou concluir, Presidente. Só vou listar os últimos acontecimentos da política deste ano, do Governo Jair Bolsonaro. Hoje mesmo saiu uma notícia no Estadão — não deu tempo de incluí-la na minha apresentação — sobre novos recordes de desmatamento neste ano. Portanto, nós estamos nos distanciando da meta climática que temos para 2020, prevista na Política Nacional sobre Mudança do Clima, e estamos aumentando drasticamente o desmatamento na Amazônia com o desmonte promovido pelo Ministério do Meio Ambiente e pela Presidência da República.
Não se extinguiu o Ministério do Meio Ambiente, mas agora o desmonte vem acontecendo com a nomeação de uma pessoa ligada à Pasta do agronegócio, que sinceramente acredito que não represente o agronegócio, porque o desmonte do Estado em relação a essa matéria, na minha visão, não interessa a nenhum setor econômico. Ele é condenado em primeira instância judicial por adulterar um plano de manejo de unidade de conservação.
No primeiro dia de Governo, ele excluiu das competências do Ministério do Meio Ambiente o combate ao desmatamento ilegal e o combate às mudanças climáticas. Foi a primeira medida desse Ministro que se diz Ministro do Meio Ambiente. Houve cortes orçamentários profundos, afetando principalmente as ações de fiscalização do Estado, vacância de cargos diretivos no Ministério. A Secretaria que antes cuidava de combate ao desmatamento está inteiramente sem nomeações, quer dizer, a própria direção desse tema inexiste.
Há uma deslegitimação dos dados oficiais do INPE. Os funcionários e servidores que cumprem sua missão institucional têm sido perseguidos pelo Ministro, com processos disciplinares e exonerações. O IBAMA tem hoje o menor índice de autuações lavradas em 24 anos. Também está havendo a indisponibilidade de informações públicas, como o mapa de áreas prioritárias, e a possibilidade de extinção ou redução de unidades de conservação.
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O último fato que eu gostaria de mencionar, concluindo já a minha apresentação, é um episódio muito sintomático: em Rondônia, na unidade de conservação da Floresta Nacional do Jamari, houve a atuação de fiscais do IBAMA contra madeireiras ilegais, e o Presidente Jair Bolsonaro resolveu gravar um vídeo deslegitimando a ação dos fiscais do IBAMA, anunciando que o Ministro Ricardo Salles abriria processos disciplinares e sancionatórios contra esses fiscais por cumprirem a lei e dizendo que esse tipo de fiscalização não mais aconteceria, ou seja, uma atividade essencialmente ilegal foi expressamente apoiada pelo Presidente da República. E eu lembro que a empresa que atua legalmente na área, com a concessão do serviço florestal brasileiro, é também prejudicada. Então, não se trata aqui de defender a unidade de conservação ou o meio ambiente; trata-se de defender atividades lícitas, como o CEBDS vem promovendo, como diversas entidades empresariais têm ressaltado.
Presidente, eu agradeço novamente o convite e ressalto que, ao lado da ABRAMPA, no Ministério Público, das entidades empresariais e de todos os demais setores, estaremos firmes no combate ao retrocesso ambiental, se preciso for, levando questões como essa à Justiça.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Dr. Maurício.
Passamos a palavra agora ao Dr. Leonardo Papp, consultor ambiental do Sistema de Organização das Cooperativas Brasileiras.
O SR. LEONARDO PAPP - Muito bom dia a todos.
Na pessoa do Presidente Rodrigo Agostinho, agradeço o convite feito à Organização das Cooperativas Brasileiras para participar da discussão e da reflexão sobre este tema, que tem se tornado tão importante, na medida em que a ideia de proibição de retrocesso vem sendo, cada vez de maneira mais constante, utilizada no plano do Judiciário e também aqui, no plano do Legislativo, como uma forma de discutir a validade e a constitucionalidade de normas que tratam do meio ambiente.
Eu quero iniciar dizendo que, até em razão da complexidade do tema e da limitação do tempo, eu tenho muito pouca pretensão aqui. Mais do que revelar verdades e certezas, eu quero me propor a indicar reflexões sobre esse tema a partir de uma perspectiva muito específica: a do direito. Então, vou falar do princípio da proibição de retrocesso sob a perspectiva jurídica e no contexto da relação entre o momento da elaboração da norma jurídica, ou seja, a atividade deste Parlamento, com o momento da aplicação da norma jurídica, aquilo que o Executivo faz e, mais especialmente, aquilo que o Judiciário faz. Este é o recorte que eu proponho para o tema: falar sobre a perspectiva jurídica aplicada a essa relação entre a atividade legislativa e a atividade de aplicação da norma feita pelo Executivo e, mais propriamente, pelo Judiciário.
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Se vamos falar do princípio da proibição de retrocesso nesse sentido, temos que começar pelo começo, porque, na verdade, as discussões sobre o princípio da proibição de retrocesso estão num contexto muito mais amplo do que este princípio em especial. Então me parece adequado que, para começar pelo começo, comecemos questionando a própria existência do princípio da proibição de retrocesso como um ditame constitucional, porque, a rigor, não há noção de proibição de retrocesso explicitada na Constituição Federal. Isso só pode ser feito — e é assim que a doutrina tem trabalhado, e parte da jurisprudência também — a partir da descoberta implícita desta ideia de não retrocesso dentro do texto constitucional. Acho que um primeiro ponto que precisa ser necessariamente enfrentado é esse.
Para que eu não seja mal compreendido, eu quero deixar de maneira absolutamente clara a minha visão sobre os princípios e os princípios implícitos no ordenamento jurídico brasileiro. Primeiro, princípios existem no direito. Princípios são uma modalidade de normas, princípios têm força cogente. Eu não estou duvidando nem discutindo em relação a isso. Segundo, existem princípios implícitos no nosso texto constitucional. A ideia de princípios implícitos é compatível com o nosso sistema constitucional. Então, não é por aí que eu quero propor a reflexão, porque, já na premissa, eu adoto o reconhecimento da existência de princípios implícitos. A terceira premissa é que o momento da aplicação da norma jurídica também é parte da definição do conteúdo da norma jurídica. A aplicação da norma — saber o que a norma diz, qual é o comando nela contido — é uma atividade que não se esgota no Legislativo; é uma atividade que se completa no momento da interpretação e aplicação dessa norma pelo Executivo ou pelo Judiciário. Essas três premissas me parecem claras e devem ser colocadas desde logo para que a minha fala não seja compreendida por aquilo que ela não é.
Ainda assim, de novo sob a perspectiva jurídica, precisamos refletir sobre quais são esses princípios implícitos e, no nosso caso específico, se a vedação ao retrocesso é um princípio implícito da Constituição. Por que isso? Porque, na medida em que nós estamos num sistema como este, principiológico, de regras implícitas, com o momento da aplicação participando da definição do conteúdo da própria norma, na verdade nós temos consequências, e a principal consequência é dar àquele que aplica a norma, a nós advogados, promotores, defensores, juízes, operadores de políticas públicas, ferramentas poderosas de construir o que a norma é. E, no sentido oposto, essas ferramentas diminuem o papel do Poder Legislativo como ente em instância exclusiva de criação das normas jurídicas, de definição do conteúdo das normas jurídicas.
Então, esse caminho de adotar princípios leva a isso, leva ao empoderamento do momento da aplicação da norma jurídica. A questão é que, com grandes poderes, devem vir também grandes responsabilidades. Embora seja evidente que o nosso direito trabalhe com princípios, embora seja evidente que haja aspectos positivos da inclusão de princípios no funcionamento do nosso sistema legal — e essa é a parte do poder —, nós também temos que ter a responsabilidade de estarmos atentos aos riscos que isso envolve. Eu quero destacar dois deles. Na verdade, não sou eu quem os destaca, mas a doutrina em geral.
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O primeiro deles é o risco da principiologização — esse é um termo cunhado, por exemplo, pelo Prof. Dimitri Dimoulis —, que é, entre aspas, "a indevida tentativa de considerar que tendencialmente todos os problemas de interpretação jurídica se resolvem pela aplicação de princípios", ou seja, o risco que nós temos de querer resolver qualquer problema jurídico através de princípios, mesmo quando não é necessário ou não é cabível a referência a princípios para resolver um determinado problema de aplicação da norma. Este é um risco com o qual nós precisamos ter cuidado, porque, se o uso de princípios for feito de maneira exagerada, o resultado disso será a redução exagerada do grau de participação daqueles que foram legitimamente escolhidos para tomar as decisões políticas que acarretam leis. E, quando eu falo desses legitimados, obviamente eu estou fazendo referência aos Deputados, aos Senadores, que, no sistema de separação de Poderes, são quem tem a incumbência de tomar as decisões políticas acerca do conteúdo das normas.
O segundo risco, que está associado a essa ideia de principiologização, é o de usar os princípios não como um fundamento propriamente jurídico, mas como um discurso pretensamente jurídico, que, na verdade, pode esconder, pode escamotear uma discordância política, uma discordância ética, uma discordância técnica da decisão adotada pelo Parlamento. Então, a transferência da decisão política para fora do Parlamento é um risco que também precisa ser avaliado quando tratamos desses princípios implícitos.
Mais uma vez, isso não é nenhuma novidade. A doutrina do Brasil e a de fora dele tratam disso. Eu vou trazer dois exemplos. Fora do Brasil, o Prof. Richard Posner, numa passagem que em tudo se aplica à nossa realidade, faz este alerta: "Quando o direito é definido de modo que inclua, sob a rubrica de princípio, as normas éticas e políticas que os juízes usam para decidir os casos mais difíceis, a decisão, segundo o direito, e a decisão, segundo a preferência política, tornam-se difíceis, quando não impossíveis, de distinguir uma sociedade tão heterogênea quanto a nossa". No plano interno, também vários doutrinadores apontam esse risco decorrente da responsabilidade de trabalhar com princípios. Por todos, eu vou citar, de novo, o Prof. Dimitri Dimoulis e a Profa. Soraya Lunardi, que, numa obra importante, alertam o seguinte: "O que não se deve é abrir espaço para qualquer tentativa de transformar as cortes em instâncias que permitirão aos derrotados da luta política anular a vitória da maioria em nome de considerações subjetivas sobre as melhores soluções".
Eu encerro o meu primeiro bloco com a seguinte reflexão proposta: não obstante princípios implícitos existirem, não obstante o momento da aplicação da norma também definir o seu conteúdo, não obstante ser positivo que tenhamos o compartilhamento dessa definição do conteúdo da norma entre o legislador e aqueles que aplicam a norma propriamente dita, qual é o limite disso, especialmente quando nós estamos nos baseando em princípios que não constam expressamente na Constituição e que constam a partir de uma construção retirada implicitamente do texto constitucional? Parece-me que, quanto maior o risco de ideologização do uso de um determinado princípio, mais cautela nós precisamos ter em relação a ele.
Mas, superada essa questão — e este é o segundo bloco de reflexões, o mais breve que eu proponho —, partindo do pressuposto de que de fato precisamos de um princípio da proibição de retrocesso ecológico, de que aquilo que nós já temos na Constituição não é suficiente, de que a ponderação de direitos fundamentais, a razoabilidade, a proporcionalidade, nada disso é suficiente para resolver esses problemas, de que precisamos de um princípio implícito que seja reconhecido, como aplicar esse princípio?
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De novo me parece que a preocupação deve ser no sentido de dar parâmetros de aplicação a esse princípio, a fim de evitar que ele se torne algo que comporte qualquer discurso e que, portanto, acrescente, aumente, potencialize esse risco de atuar exacerbadamente sobre a função que originariamente é de quem teve voto para fazer as escolhas políticas a partir da construção da legislação. Aqui me parece que há alguns parâmetros que, bem ou mal, a doutrina e a jurisprudência ainda tateiam para construir e que ajudam na aplicação deste princípio, se for o caso, sem que se caia no extremismo de um discurso não jurídico. Os parâmetros são poucos, e eu os pontuarei.
Primeiro parâmetro: o princípio deve ser aplicado como princípio, não como regra. Essa é uma distinção básica para os operadores do direito. Não se pode dizer que uma norma é incondicional porque viola determinado princípio sem considerar outros princípios que também estão em jogo. Parece-me que às vezes existe a tentativa de colocar o princípio da proibição de retrocesso na lógica do tudo ou nada, que é uma lógica das regras, e não dos princípios.
Quanto ao segundo parâmetro, não me parece adequada a pretensão de aplicar o princípio da proibição de retrocesso de forma aritmética. Isso é simplista. Se determinado dispositivo legal reduzir de "x" para "x menos alguma coisa" determinado parâmetro, automaticamente isso é um retrocesso inconstitucional e, portanto, a norma deve ser afastada. Ainda que haja o princípio da proibição de retrocesso, nós não devemos, na minha opinião, cair no risco de interpretá-lo e aplicá-lo juridicamente de forma tão simplista.
Terceiro parâmetro: a avaliação do que é retrocesso não pode ser feita sob uma perspectiva meramente formal, porque muitas vezes uma norma pode ser mais protetiva no papel mas estar tão desconectada com a realidade que ela não tem condições de gerar a proteção que se esperaria dela, ao passo que outra norma, construída de outra forma, pode gerar as condições materiais necessárias para alcançar uma proteção efetiva do meio ambiente.
O penúltimo parâmetro é o de que não se deve aplicar o princípio da proibição de retrocesso a partir de um dispositivo isolado: "O artigo tal, no inciso tal, alínea 'a', é inconstitucional porque viola a proibição de retrocesso". É necessária uma análise um pouco mais detalhada, que leve em consideração o contexto normativo no qual determinada norma ou determinada regra está inserida. Então, a ideia de retrocesso ou de avanço não depende da análise isolada de um dispositivo, mas de todo o contexto normativo no qual ela está inserida.
Por fim, o último parâmetro proposto é de que a ideia de avaliação de retrocesso ou avanço depende não só da consideração de aspectos estritamente ambientais, mas de todos os direitos fundamentais envolvidos numa determinada discussão. Afinal de contas, a legislação ambiental não é em si uma legislação de apenas proteção do meio ambiente; é, no nosso sistema, uma legislação de desenvolvimento sustentável. Então, aquilo que é um retrocesso sob a perspectiva de um dos pilares da sustentabilidade pode ser um avanço sob a perspectiva de outro. Tudo isso deve ser colocado na conta quando se avalia avanço ou retrocesso para fins de aplicação desse princípio.
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Encerro, de maneira muito breve, em razão do que o tempo nos permite, dizendo que são estas as duas reflexões que me parecem relevantes: como reconhecer esse princípio de modo que ele não se transforme num instrumento de, através de um discurso pretensamente jurídico, rediscutir no Judiciário as decisões políticas que foram tomadas legitimamente aqui no âmbito do Poder Legislativo e, uma vez superado isso, se for o caso de se superar a primeira questão, que parâmetros devemos ter para aplicação desse princípio de modo que ele não se transforme numa possibilidade de discurso em que caiba tudo e qualquer coisa, dependendo daquele que esteja escrevendo ou decidindo.
Parece-me que o Supremo está atento a isso. Ainda não temos os acórdãos das ADIs do Código Florestal, mas quem acompanhou a lida dos votos percebeu que o Supremo contemporizou essa questão da proibição de retrocesso com o princípio democrático. E, mesmo quando os Ministros do Supremo atuam no plano doutrinário, também há atenção a essa questão.
Quero encerrar com uma breve citação do Ministro Luís Roberto Barroso que trata justamente dessa tensão entre o momento da elaboração e o da aplicação da norma e da função da Suprema Corte em situações como essas, que eu acho que em tudo se aplica à ideia de como o princípio da proibição de retrocesso, se de fato considerado inserido no nosso texto constitucional, deve ser visto. Diz o Ministro, não em voto dele, mas em obra doutrinária: "A presunção da constitucionalidade, portanto, é uma decorrência do princípio da separação de Poderes e funciona como fator de autolimitação da atuação judicial. Em razão disso, não devem juízes e tribunais, como regra, declarar A inconstitucionalidade de lei ou ato normativo quando a inconstitucionalidade não for patente e inequívoca, existindo tese jurídica razoável para a preservação da norma". Ele conclui: "Quando o processo político majoritário está funcionando com representatividade e legitimidade, com debate público amplo, juízes e tribunais deverão ser menos proativos".
Então, o que nós temos aqui é um manuseamento delicado do regime de separação de poderes no momento da aplicação e no momento da construção da norma, que deve, sim, ser discutido de maneira institucional entre todos os Poderes. Porém, com esse grande potencial gerada pelos princípios, nós também devemos estar atentos para os riscos que disso decorrem. E aqui estou falando em riscos sob a perspectiva estritamente institucional, jurídica, de não dar a quem não é votado pelo povo prerrogativas superiores àquelas de que têm a legitimidade para tomar decisões políticas.
Desculpem-me se falei rápido demais, difícil demais, por tempo demais.
Fico à disposição para os debates.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço ao Dr. Leonardo.
Passo a palavra, agora, ao último expositor, o Dr. Rodrigo Justus de Brito, consultor da área de meio ambiente da CNA — Confederação Nacional da Agricultura.
O SR. RODRIGO JUSTUS DE BRITO - Sr. Presidente, senhores membros da Mesa, Srs. Parlamentares, demais participantes, primeiro, queria agradecer mais este convite. A Comissão de Meio Ambiente sempre teve papel relevante nas discussões da legislação ambiental brasileira aqui. Hoje está ocorrendo mais um evento. E ontem já participamos aqui de outra discussão.
11:40
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Queria dizer, já de antemão, tendo em vista até que o Guetta falou da questão do desmatamento, que a CNA acredita que o Congresso produz leis para que venham a ser cumpridas, venham a ser aplicadas. Então, o desmatamento irregular, ilegal, o desmatamento criminoso, tem que ser punido, porque, senão, do que adianta nós ficarmos aqui discutindo, fazendo regras? Eu digo "nós" porque, na verdade, nós temos uma bancada que defende os nossos interesses também. De nada adiantaria ficarmos a ver navios. O que nós, como entidade confederativa, vamos dizer para aqueles que cumprem toda a legislação?
Nós precisamos, para nos tornar um país desenvolvido, começar por uma educação voltada ao cumprimento das regras. E, quando as regras não estão suficientes, não estão boas ou não estão exageradas, o Congresso tem o papel de, através de seus representantes, fazer essas adequações.
(Segue-se exibição de imagens.)
A questão do princípio da vedação ao retrocesso, aproveitando as falas anteriores — sou o último expositor, e o último não deve repetir o que falou o penúltimo e os demais —, está posta. No caso do setor rural, ela atinge diretamente questões relacionadas ao Código Florestal. Embora tenha havido um julgamento relacionado a isso, até hoje não houve um acórdão publicado. Existem pontos que com certeza ambas as partes podem até questionar, existem os embargos de declaração. Portanto, é uma questão que está praticamente decidida, mas ainda está sendo finalizada, e sobre ela ronda toda espécie de especulação. Então, eu vou tratar a questão aqui do ponto de vista técnico, na provável suposição de que essas ações tenham provimento integral.
O novo Código Florestal manteve todos os principais institutos: a reserva legal, a APP, os percentuais. O que na verdade ocorre é que foi necessário criar um programa de regularização para estabelecer as questões que estão ligadas aos motivos pelos quais nós precisávamos de uma lei: estávamos há 16 anos com 67 medidas provisórias sendo reeditadas no tempo. Então, como pode o produtor saber qual é a distância de um rio se a regra muda, se o percentual de reserva vai e volta? É necessário haver estabilidade, até porque se abre uma área e depois não há como fazer aquela reconstituição do status quo anterior do ponto de vista ambiental. Nós podemos até reflorestar uma área, mas nós não estamos dando aquele retorno.
Na discussão do código, alegava-se que o Brasil tinha passado a ser um grande player, o primeiro produtor de açúcar, café, soja, suco de laranja, frango, etc., porque o setor rural tinha desmatado todo o Brasil e não tinha sobrado nada. O setor teria desmatado tudo e precisava de uma lei para anistiar tudo isso e deixar a coisa para lá, em aberto. Depois, vinham suposições: iriam desmatar mais 100 milhões de hectares na Amazônia, mais 50 milhões de hectares — isso, inclusive, está hoje publicado. Dizia-se que o Brasil não conservava o meio ambiente, que os produtores não tinham feito as suas reservas. Mas nós, na lei, fizemos as reservas e colocamos lá um acordo, um pacto de fazer o Cadastro Ambiental Rural e tornar transparente quem é regular, quem não é regular e quem tem passivos.
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Isso aconteceu. Foi feito o Cadastro Ambiental Rural, e, como resultado, chegou-se à conclusão de que os produtores rurais têm nas suas propriedades aproximadamente 220 milhões de hectares de área conservada. Individualmente, essa área é maior do que todas as unidades de conservação ou do que as terras indígenas ou ainda do que a soma da superfície total de 25 países da Europa.
Então, existe, sim, um percentual de área conservada nas propriedades rurais no Brasil. E existem, sim, passivos ambientais, seja decorrentes do desrespeito às normas, seja decorrentes da questão interpretativa do marco temporal, a aplicação da lei no tempo. E os produtores que fizeram os cadastros esperam que os Governos dos Estados façam a análise do Cadastro Ambiental Rural. Foram feitos 5 milhões de cadastros. Cabe agora ao poder público analisar esses cadastros, dizer quem está regular e quem não está regular e fornecer àqueles que estão corretos uma certidão de que eles estão efetivamente regulares e não precisam fazer o seu acerto de contas com o Governo.
Esta figura é interessante. Ela é feita pelo serviço geológico dos Estados Unidos e pela NASA. É o levantamento relacionado a quanto da sua área cada país usa para a produção agrícola: a Dinamarca usa 76%; o Brasil, 7,6%, ou seja, a Dinamarca usa dez vezes mais área do que o Brasil para a produção agrícola. Temos a área de pecuária, que está entre 18% e 20%. Ela não está lançada aí porque esse mapeamento considera só a atividade agrícola. Então, o Brasil usa poucas terras para produzir tudo aquilo que está aí, e ainda há terras degradadas da pecuária que podem ser incorporadas, sim, ao processo de produção, através da correção.
Quanto à melhoria de produtividade, temos ótimos produtores, que estão dentro de todo o compliance e têm maior produtividade, e temos aqueles que necessitam melhorar o seu padrão, o seu standard, melhorar a qualidade ambiental de suas propriedades.
Eu faço aqui uma simulação da situação caso essas ADIs tivessem tido provimento. Eu coloco algumas questões, como a de que haveria a extinção do Programa de Regularização Ambiental, e coloco um case relativo aos impactos econômicos decorrentes disso.
O Código Florestal de 1965 trazia as áreas de uso restrito, que são áreas inclinadas de declividade média. Nós temos as APPs acima de 45 graus, que é uma declividade já absurda — é impossível desenvolver atividade nela —, e temos os morros, as montanhas, essas regiões todas do Brasil. Como ficaria essa questão se houvesse o provimento das ADIs? Eu teria que retirar toda a produção de café do Brasil. E por quê que eu vou tirar o café do Brasil se a Colômbia também planta café no ambiente montano, se todos os países, na verdade, produzem café em ambiente montano, que é feito para essa produção? Na verdade, nós temos que usar técnicas de conservação. Nós teríamos que tirar toda a uva do Brasil. O que vai fazer o pessoal do Vale dos Sinos, de Bento Gonçalves? Onde viveria toda aquela população urbana que está vinculada a essa atividade econômica? A uva, na França, é produzida nas mesmas condições do Brasil. Na Alemanha, ela é produzida até em ambientes com 60 graus de declividade. É construído até muro de concreto para segurar a terra. Teríamos que acabar com a pecuária leiteira, que, se feita com sustentabilidade, com conservação do solo, com todas as técnicas de manejo adequado, não causa problemas ambientais. Teríamos de tirar a maçã. Teríamos de acabar com a silvicultura, porque ela está em área de uso restrito, embora não esteja em APP. Teríamos de acabar com a suinocultura e a avicultura. Nós produzimos 40% de toda a carne de frango. De todo consumo mundial de carne de frango, 40% são brasileiros. E 35% dos suínos são produzidos em áreas do Estado de Santa Catarina consideradas de uso restrito. Pelo provimento integral das ADIs, essa atividade teria de ser retirada de lá. A aquicultura também acabaria. Havia um pedido específico para se proibir aquicultura em planícies. Na verdade, a aquicultura só pode ser feita em planície.
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Vamos aos impactos sociais e econômicos. Este é um gráfico de balança comercial. A parte que está acima da linha é superávit; a outra é déficit. Isso mostra que as exportações agropecuárias do Brasil seguram a balança comercial brasileira. Se nós tivéssemos que cumprir tudo que está pedido no Código Florestal, teríamos um impacto de 40% sobre todo o Valor Básico da Produção — VBP, que, na verdade, é o PIB agropecuário. Nós teríamos uma redução de 40% nesse PIB e precisaríamos de 1 trilhão para recuperar as áreas, o que colocaria o Brasil numa situação econômica extremamente difícil.
Então, a legislação determina conservação de água, de solo. O produtor tem que fazer todo o seu manejo e toda a sua adequação. Nós entendemos que o produtor tem que cumprir toda a legislação — toda: a trabalhista, a de resíduos sólidos, a de agrotóxicos. O produtor tem que ser responsável no exercício de suas atividades.
Dessa forma, nós defendemos a aplicação da legislação, defendemos que os ilícitos sejam punidos e que possamos ver o Governo implementando a sua parte do Código Florestal, fazendo a análise dos cadastros e implementando programas de pagamentos de serviços ambientais também para complementar a questão da renda e a redução dos custos de transação que os produtores acabam tendo com a manutenção dessas reservas todas, que servem não só a ele, mas à sociedade brasileira.
Eram essas as minhas colocações. Eu fico à disposição.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Eu lhe agradeço as palavras, Dr. Rodrigo.
Nós recebemos duas perguntas do e-Democracia. A primeira é do participante Assis Marinho, que diz: "O direito ambiental não deve retroceder. Entretanto, como fica a população prejudicada, como a de Roraima, quando não é permitido que seja construído um linhão em uma terra indígena? É necessária maior lucidez, e não somente rigidez em situações como essa".
Coincidentemente, estão aqui a Deputada Joenia Wapichana, que é de Roraima, e o Deputado Nilto Tatto. Nós estivemos juntos em Roraima conhecendo a situação da Terra Indígena Waimiri-Atroari. Vou fazer apenas uma observação: a legislação não impede, não proíbe a construção da linha de transmissão; ela apenas precisa passar por todo o regramento, toda a consulta. A consulta deve ser feita aos povos indígenas. Há todo o licenciamento. Enfim, nós estivemos lá, e houve muita lucidez da parte dos próprios indígenas, que demonstraram que, na verdade, eles não são contra. Eles são contra o formato, como isso está sendo desenhado, sem consulta. Deixo apenas essa observação em relação a isso. Não existe a proibição. A linha de transmissão é uma obra de utilidade pública, mas há um jeito correto de se fazer a coisa. Já foi feita no passado a construção de uma rodovia atravessando essa terra indígena. Além disso, parte da terra indígena foi transformada em área de mineração.
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O participante John Silva Sousa pergunta: "Se a questão é a conservação do meio ambiente e a fauna, porque não é proibido o uso de agrotóxico e do desmatamento? Esses são os principais causadores de extinções de espécies". Na verdade, a legislação brasileira regulamenta a utilização de agrotóxicos e dispõe sobre a questão das autorizações para desmatamento, sendo que, no Brasil, temos muito desmatamento não autorizado, não licenciado.
Essas são duas perguntas de caráter bem geral, mas acho que é importante também registrá-las.
Eu quero abrir a palavra agora para o debate. Gostaria de saber se algum dos presentes gostaria de fazer uso da palavra. (Pausa.)
Tem a palavra a Deputada Joenia Wapichana.
A SRA. JOENIA WAPICHANA (REDE - RR) - Bom dia, Srs. Parlamentares, senhores presentes.
Eu apenas gostaria de complementar a resposta em relação ao Linhão de Tucuruí, esclarecendo alguma informação que não esteja bastante clara.
A nossa legislação tem um arcabouço muito específico quando se fala sobre povos indígenas. Não se trata de uma questão simplesmente de ideologia, de discurso, mas de legislação.
A questão do licenciamento ambiental já vem sendo discutida desde 2011, só para vocês terem uma ideia. Nós estamos em 2019, e até o presente momento o processo não avançou, não porque o povo indígena waimiri-atroari tenha o posicionamento de que se respeite o direito de consulta, mas porque houve falha nos procedimentos, no devido processo legal, em relação ao licenciamento ambiental. Então, se houve algum erro, se há algum atraso, se existe algum problema, não é culpa dos indígenas. Quero deixar isso bem claro. Existe uma culpa relacionada a erro de procedimentos. Não foi observado o devido processo legal para que houvesse uma conclusão desses projetos.
Nós estivemos lá na Terra Indígena Waimiri-Atroari no mês de abril, e as lideranças indígenas que estavam presentes manifestaram, inclusive, que não há uma posição contrária à passagem do Linhão de Tucuruí. Eles não questionam a passagem para Boa Vista. Não há uma questão contra a energia, como na mídia se propaga. Inclusive, há uma pressão contra os próprios povos indígenas pelo fato de que eles seriam contra a passagem da energia para Boa Vista, para Roraima. Eles não colocaram isso. O que eles deixaram bastante claro é que eles estão aguardando chegar o processo legal para que possam ser consultados. Qualquer cidadão brasileiro tem o direito de questionar seus direitos. Ninguém gostaria que um trator passasse por sua casa fazendo derrubadas sem o devido processo de licença, sem saber quais são os tipos de impacto que iria sofrer — impactos sociais, impactos ambientais, impactos culturais.
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Quanto tempo vai demorar todo o processo de construção? Porque uma coisa é passar uma fibra ótica para Internet — inclusive, eles confirmaram que foi passado um metro e meio —, basta cavar um buraco, colocar um fio, que passa. Passou. Inclusive, eles fizeram um processo de consulta com relação a isso, foram ouvidos, receberam uma compensação por isso. E passou tranquilamente. Mas outra coisa é colocar torres de energia, aquelas torres que vão provocar um impacto diferente. Vai haver pessoas trabalhando, não sei quanto tempo vai demorar para passar. São mais de 123 quilômetros de passagem. Então, eles precisam ser informados sobre quais serão os impactos, o que o projeto diz. Enfim, é necessário esclarecer todas essas informações. Eu não estou pedindo mais do que nosso direito, o direito que consta na nossa Constituição, que já consta na Convenção nº 169 da OTI.
Sendo Parlamentares e sendo juristas, nós precisamos ter conhecimento disso e respeitar.
Eu só gostaria de esclarecer isso e contribuir um pouco com esta discussão.
A SRA. SANDRA VERÔNICA CUREAU - Deputada, eu acredito que neste caso e em vários outros o problema esteja em que, quando se constrói aqui no País uma usina hidrelétrica, por exemplo, que é do que estamos falando, existe uma fragmentação, é um processo fatiado. Então, faz-se todo um procedimento de licenciamento, cheio de falhas, normalmente com uso de dados secundários, para a construção de barragens, para a construção de usinas. Mas as linhas de transmissão não entram nesse processo. Elas vão entrar num segundo momento, depois que tudo está pronto e que obviamente nenhum juiz vai mandar desfazer a obra. Então, aí entra a questão das linhas de transmissão.
Nós tivemos um caso de que eu me lembro muito bem — eu ainda era coordenadora da Câmara de Meio Ambiente de Rondônia —, em que eu pedi para trazer o mapa, e as linhas de transmissão tinham exatamente esse problema. Elas passavam em terras indígenas. Nas terras indígenas nós não tínhamos sequer informação sobre se iriam passar em lugares sagrados, etc. Por quê? Porque não é feito um processo de licenciamento que envolva todo o projeto. Ele é fatiado. Aí quando se chega nas linhas de transmissão surgem esses problemas, que poderiam muito bem ser evitados se desde o início o processo fosse claro, fosse completo.
Eu só queria dizer mais uma coisa em relação ao pronunciamento do representante da CNA. Em nenhum momento, nas três ações que eu ajuizei, eu contestei plantações em áreas de encosta. Em nenhum momento. Na verdade, o problema que nós temos com as áreas de encosta é o contrário, é o desmatamento. Há outras ações, inclusive, nesse sentido. Esse desmatamento que é feito desmesuradamente é o que causa aquelas enchentes horrorosas quando chove, que faz os barracos nas favelas, principalmente no Rio de Janeiro, e elas caem, as pessoas morrem. Isso ocorre porque não há mais vegetação para sustentar aquela terra.
12:00
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Então, a tese é exatamente o inverso. Não é isso. Em nenhum momento eu questionei plantações em encostas, de maneira nenhuma.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - O Deputado Nilto Tatto pediu a palavra.
V.Exa. tem a palavra.
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Quero cumprimentar o Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o Deputado Rodrigo Agostinho, e todos os componentes da Mesa.
Eu queria começar por essa pergunta que a Deputada Joenia Wapichana fez, e o próprio Deputado Rodrigo Agostinho já respondeu. Mas ela é simbólica, ela simboliza aquilo que vem ocorrendo no submundo da política. Os senhores sabem que essas fake news sobre os índios não deixarem asfaltar ou não deixarem colocar as cancelas nessa estrada lá dos waimiri-atroaris vêm rodando na Internet antes mesmo de existir o WhatsApp ou o Instagram. Elas vêm rodando pelos e-mails há pelo menos uns 20 anos.
Lembram que a notícia era assim: "Fulana de Tal, bióloga, tal, tal, que passou pela região..."? E essa bióloga conta um relato. Mas essa bióloga não existe e nunca existiu. Isso é só para podermos entender o que é esse submundo da política.
Hoje, num evento da Frente Ambientalista, foi apresentada uma pesquisa sobre caça no Brasil. Noventa e cinco por cento da população brasileira, não importa o sexo, não importa a região, não importa a classe social, são contrários à caça! Noventa e cinco por cento da população brasileira são contrários à caça! No entanto, uma pequena parcela, que representa os 5% que são favoráveis à caça, conseguiu soltar um decreto para liberar a arma e colocar armas nas mãos de pelos menos mais 20 milhões de pessoas. É só para entendermos esse submundo.
Dos 95% dos proprietários, se não me engano, que já fizeram o cadastro, uma parcela de 5% boicotou o cadastro e uma parcela o Estado não conseguiu chegar a tempo. Assim, por causa desses 5%, justifica-se a necessidade de prorrogar o prazo para o Programa de Regularização Ambiental. Nós até concordamos com isso, até porque o Estado não criou as condições para que essa parcela se cadastrasse. Mas se aproveitam disso. Estou falando que essa parcela de 5% que não se cadastrou enfiou um monte de jabutis dentro da medida provisória destruindo praticamente o Código Florestal, que é uma conquista de toda a sociedade brasileira. Estou falando dos produtores sérios, dos ambientalistas e de todo mundo que está interessado.
Então, vivemos um momento em que uma pequena minoria — minoria mesmo! — tem voz forte aqui dentro do Congresso Nacional e no Executivo agora para destruir aquilo que é conquista. Aqui no Congresso Nacional, quando eu vejo a quantidade de liberação de agrotóxicos, eu até pergunto aos colegas do Ministério Público, da Procuradoria: "Não dá para parar por lá, pelo menos na Justiça?"
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Nós sabemos dos efeitos desses agrotóxicos que estão sendo liberados aqui no Brasil e que são proibidos no mundo inteiro. Nós temos que criar algum mecanismo. Se aqui dentro não temos força política... Evidentemente, dependemos aqui da força política que está colocada aqui. Nós estamos falando da vida de pessoas, não estamos falando da biodiversidade.
Mesmo nesse caso que o Maurício citou, dos fiscais que foram lá cumprir a lei, se eles não cumprissem, tinham que ser demitidos, tinham que receber um processo administrativo. Pois bem, eles foram lá para cumprir a lei. Todo mundo sabe das condições desses fiscais. Eles aparecem com uma caneta e uma caderneta na mão para enfrentar jagunços, madeireiros inescrupulosos, aqueles que invadem terras públicas para tirar recursos que são do povo brasileiro, que não são deles. Aí o Presidente da República vai lá, desautoriza, ameaça o servidor público que está cumprindo a lei. Não cabe nada ao Presidente da República? O que ele está fazendo? O que ele está dizendo para o povo brasileiro? Que não se deve cumprir a lei? O que fazemos?
Este é um momento muito difícil, porque temos que ter, evidentemente, serenidade, mas também precisamos ter coragem para fazer os enfrentamentos, porque não dá para haver retrocessos naquilo que conseguimos avançar do ponto de vista civilizatório. Eu estou falando de uma pequena parcela. Ontem eu fiz questão de dizer, e todos vêm acompanhando isto, que várias medidas provisórias estão para vencer nesta Casa. O próprio Governo acabou anulando uma medida provisória para entrar com essa da reestruturação.
Há uma movimentação muito grande aqui nesta Casa para acabar ou deixar a questão da demarcação das terras indígenas para o Nabhan Garcia, que é quem cuida da questão fundiária no Ministério da Agricultura. Ele é um dos fundadores da União Democrática Ruralista — UDR. Na época da sua fundação, ele não só fazia leilões para contratar jagunços no Mato Grosso do Sul, no Pontal do Paranapanema, como também ia pessoalmente dar tiros em assentamentos de sem-terra no Pontal do Paranapanema. Há até processos com relação a isso. Então, é ele quem vai cuidar da demarcação das terras indígenas, da reforma agrária e da demarcação de território quilombola.
Aqui dentro, depois de muito debate e de pressão da sociedade, modificou-se essa medida provisória. Colocou-se de volta para a FUNAI, porque o significado da terra indígena para os índios não é o mesmo para nós brancos ou para o proprietário de terra. Para eles, a terra não é simplesmente um bem material, tanto é que pela legislação do Brasil a terra não é dos índios; a terra é do povo brasileiro, a terra é do Estado, a terra é da União. O usufruto dela é dos índios. A relação que eles têm com aquele território não é meramente econômica, como costumamos achar. Isso está garantido na Constituição. Por isso é que o cara que vai resolver a questão fundiária, a favor do latifúndio, não deve cuidar das terras indígenas. Isso tem que ser discutido onde se discute a questão do direito consagrado na Constituição. E há uma movimentação muito grande para a votação da Medida Provisória nº 870, de 2019, que será feita hoje. Querem tirar aquilo que é uma conquista da Deputada Joenia, que foi uma das que liderou essa luta aqui dentro e articulou muito, participando inclusive da Comissão para que a FUNAI, com todas as suas prerrogativas, inclusive de demarcação de terras indígenas, voltasse para o Ministério da Justiça, que é o lugar onde está concebido, do ponto de vista tradicional e histórico, na legislação brasileira, no conceito jurídico brasileiro, como um direito dos índios.
12:08
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Outra questão que talvez esteja para entrar na pauta é a da prorrogação do Programa de Regularização Ambiental do Código Florestal. Quero repetir o que eu disse ontem: se essa medida provisória caducar, se ela não for votada em tempo, uma pequena parcela dos proprietários ficará prejudicada porque não conseguirá acesso ao crédito para a sua produção e, uma parcela deles, por responsabilidade do Estado, que não conseguiu dar as condições para eles se cadastrarem. Essa medida provisória corre risco porque não há consenso no Plenário em votá-la com essas emendas, esses jabutis, que modificam o Código Florestal e anistiam muitos que desmataram ilegalmente. Se ela fosse para o Plenário da forma como veio do Executivo, simplesmente prorrogando o programa, que é o seu objeto, provavelmente ela passaria com 100% dos votos dos Parlamentares.
Então, quero chamar à responsabilidade as entidades que representam o agronegócio no Brasil, porque são elas as proponentes das mudanças que estão nessa medida provisória. A decisão de incluir as emendas nessa medida provisória foi tomada numa reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária. Por isso, as entidades que representam o setor produtivo rural têm que puxar para si a responsabilidade se essa medida provisória caducar, colocando-se no limbo os proprietários de terra, mesmo que seja uma pequena parcela dos que não conseguiram se cadastrar. Isto é importante dizer: não são os ambientalistas, não são os Deputados da Frente Parlamentar Ambientalista que serão responsabilizados se essa medida provisória da prorrogação do Programa de Regularização Ambiental não for aprovada. A responsabilidade é totalmente das entidades que procuraram a Frente Parlamentar da Agropecuária e protagonizaram as mudanças nessa medida provisória.
Obrigado, Presidente.
12:12
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço as palavras do Deputado Nilto.
O Dr. Tiago está nos acompanhando por videoconferência e gostaria de fazer alguns comentários.
Depois, eu passarei a palavra aos expositores para fazerem as considerações finais, inclusive sobre essas últimas ponderações do Deputado Nilto.
(Segue-se participação por videoconferência.)
(Falha técnica.)
O SR. TIAGO FENSTERSEIFER - Peço desculpas, porque estou com dificuldade em relação à imagem...
(Falha técnica.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Estamos com um problema técnico. (Pausa.)
Retomaremos com o Tiago em breve.
Questiono os expositores se gostariam de fazer o uso da palavra para considerações finais.
Tem a palavra o Dr. Luis Fernando Cabral Barreto Junior.
O SR. LUIS FERNANDO CABRAL BARRETO JUNIOR - Sendo bastante breve, quero, na verdade, prestar contas, dar uma satisfação ao Deputado Nilto Tatto.
Ratificando o que eu disse no começo, a ABRAMPA agradece muito a receptividade que teve nos últimos 4 anos aqui no Congresso Nacional. Posso dizer que V.Exa. foi um dos que estavam sempre nos recebendo. Estávamos aqui sempre juntos também com o Maurício, com o Deputado Sarney Filho, com o Deputado Vitor e tantos outros Deputados que estiveram conosco em vários momentos difíceis.
Deputado Nilto, nós estamos trabalhando com essa questão do agrotóxico, sim. Nós criamos na ABRAMPA a Comissão de Gerenciamento da Crise Ambiental. No nosso entendimento, existe uma crise ambiental instalada e ameaçadora. E, quanto ao ponto dos agrotóxicos, pode ter certeza de que haverá uma reação do Ministério Público muito em breve. É preciso dizer que estamos apoiando a Frente Parlamentar contra o PL da caça.
O Ministério Público atua perante o Poder Executivo, perante o Poder Legislativo e também perante o Poder Judiciário. Acredite no Ministério Público. Nós vamos fazer o nosso papel e contamos com o senhor.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Tem a palavra a Sra. Marina Grossi.
A SRA. MARINA GROSSI - Obrigada.
Vou acrescentar apenas que estamos à disposição. Acho que o setor empresarial pode contribuir mostrando justamente o que perdemos ao não avançarmos nessa agenda. Quais são os trade-off disso? Acho que ilustrando com mais dados à Casa e à sociedade talvez possamos caminhar e buscar maior consenso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Tem a palavra a Dra. Sandra Verônica Cureau.
A SRA. SANDRA VERÔNICA CUREAU - Novamente quero agradecer pela oportunidade.
Quero lhe dizer, Deputado Nilto Tatto, que sou gaúcha. No Rio Grande do Sul, a quantidade de suicídios, a quantidade de má-formação de fetos, a quantidade de crianças que nascem com deficiências físicas ligadas ao uso de produtos de agricultores que fazem uso de agrotóxicos é imensa, principalmente na área dos plantadores de fumo. Eu, por exemplo, tenho um primo plantador de fumo que tem dois filhos surdos-mudos. No ano passado, em setembro, eu perdi uma filha com 37 anos de idade para o câncer, e ela era vegetariana há mais de 20 anos.
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Dentro do Ministério Público, nossa primeira comissão interministerial envolvendo os Ministérios Públicos Federal, Estadual e do Trabalho foi de combate aos agrotóxicos. Isso começou em Pernambuco e hoje já existe em todos os Estados da Federação. Há uma preocupação muito grande, inclusive, com essa nova onda de liberação de agrotóxicos que já estão há muito tempo proibidos no mundo inteiro. Tenham a certeza de que nós continuaremos lutando contra isso. Eu senti na pele as consequências.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Tem a palavra o Sr. Maurício.
O SR. MAURÍCIO GUETTA - Eu queria novamente agradecer ao Presidente da Comissão de Meio Ambiente o convite e exaltar a sua atuação e a dos demais Deputados que participaram desta audiência na defesa do meio ambiente.
Tendo em vista as votações de hoje, quero chamar a atenção, assim como fez o Deputado Nilto Tatto, para as Medidas Provisórias nºs 867 e 870, que estão na pauta do Plenário hoje.
Eu tive oportunidade de comentar a Medida Provisória nº 867 ontem, na audiência pública. Ela é um tiro no pé do agronegócio. Ela reduz, por meio de contrabando legislativo, os níveis de proteção do Código Florestal. Isso certamente será judicializado. O Luis Barreto emitiu nota, por meio da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente — ABRAMPA, afirmando essa possibilidade de judicialização. E é interessante que ontem chegou uma pergunta dos internautas dizendo: "Nem começamos a cumprir o Código ainda, e já vão mudar as regras do jogo?" Quer dizer, qual é a segurança jurídica, até para o comércio internacional, de um país que muda sua regra florestal, a sua legislação florestal por meio, nesse caso, de medida provisória, sem possibilidade de se debaterem a fundo essas alterações? Qual é a segurança jurídica de um país que promove alterações desse nível? Então, quero reiterar aqui a nossa posição pela aprovação da MP em sua redação original, que tinha apenas e tão somente um dispositivo, para a prorrogação do prazo do Programa de Regularização Ambiental.
Em relação à MP 870, estamos sabendo de uma articulação de parte da bancada do agronegócio para que a demarcação de terras indígenas e o licenciamento ambiental em terras indígenas — é importante que se diga isso — seja novamente passado ao Ministério da Agricultura. O Ministério da Agricultura não tem, nunca teve e nunca terá competência técnica para tratar do direito fundamental dos índios, previsto na Constituição Federal, no art. 231, e para tratar de proteção das terras indígenas já demarcadas, que são terras da União, como previsto desde a Constituição de 1937. Isso denota, evidentemente, um conflito flagrante de interesses, porque boa parte da bancada do agronegócio sempre atuou contrariamente à demarcação de terras indígenas, inclusive com a PEC 215, que combatemos aqui no Congresso Nacional. Então, é um acinte inclusive à imagem do País ter o agronegócio cuidando das terras indígenas no Brasil.
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Nós sabemos que a intenção deste Governo é, como disse o Presidente da República, não demarcar mais um palmo de terra indígena, e isso certamente parará no Supremo, como já foi dito pelo Ministro Luís Barroso. Mas é preciso que se guarde um mínimo de institucionalidade e razoabilidade para que a FUNAI e a demarcação fiquem onde há competência técnica, onde há competência legal e constitucional, ou seja, no Ministério da Justiça.
Com essas considerações, eu novamente agradeço à Comissão e a parabenizo pelo importante evento.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Tem a palavra o Sr. Leonardo.
O SR. LEONARDO PAPP - Muito brevemente, quero agradecer novamente a oportunidade, a possibilidade de contribuir para o debate, para a reflexão neste que nos parece ser o local para esses debates, para essas reflexões e para a decisão politicamente legitimada, por mais difíceis, por mais áridos, por mais controvertidos, por mais ideologizados que possam ser os temas que são submetidos a este Parlamento. Então, obrigado pela possibilidade de participar do processo de reflexão e discussão sobre o assunto.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Tem a palavra o Sr. Rodrigo.
O SR. RODRIGO JUSTUS DE BRITO - Sr. Presidente, na verdade, eu quero só reiterar o que eu coloquei na minha palestra em relação às áreas inclinadas, às áreas de uso restrito. De fato, o art. 11 foi impugnado na ADI. Por quê? Porque ficou estabelecido no texto do código aprovado que, em áreas com inclinação de 25 a 45 graus, que são essas áreas inclinadas... Na lei anterior, a Lei nº 4.771, só constava que era permitido apenas o manejo florestal — não era permitida nenhuma atividade agrícola ou pecuária ou a manutenção das instalações e construções. Isso foi trazido para essa lei, e o art. 11 foi impugnado. Pediu-se sua inconstitucionalidade dizendo-se que essas áreas deveriam ser integralmente recuperadas e nelas só se poderia fazer manejo de extração de madeira nativa. Então, é só isso que eu reitero. Isso está no texto das ADIs.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Vamos tentar retomar agora a participação do Sr. Tiago, por videoconferência. (Pausa.)
Eu entendo que teria que haver uma solução técnica. Em virtude do impedimento, vamos caminhar para o encerramento.
Quero agradecer a todos os painelistas, expositores. Peço desculpas ao Dr. Tiago por estarmos com esse problema técnico.
Nós temos um desafio enorme pela frente. Entre hoje e o dia 3, nós discutiremos duas medidas provisórias que são muito complicadas para a questão ambiental. Uma delas é a que reabre a discussão do Código Florestal. Se for para fazer isso, eu também quero discutir um monte de coisas dele, com que estou engasgado desde 2012. Se for para rediscutir o Código Florestal, vamos reabri-lo por inteiro. Eu acho que essa que é a grande discussão que nós temos aqui. A discussão não pode ir só para um lado. Se é para haver segurança para um setor, eu acho que tem que haver segurança jurídica para quem quer conservar também.
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Há também a discussão da MP 870, que envolve a FUNAI, as atribuições do Ministério do Meio Ambiente e o Serviço Florestal Brasileiro. Então, há muita coisa para debater pela frente.
Quero agradecer a todos. Fico feliz de rever alguns colegas que eu não via há muito tempo, que acompanhava apenas pela Internet.
Muito obrigado a todos.
Hoje é o Dia Internacional da Biodiversidade, e nós estamos fazendo este debate sobre a proibição do retrocesso em matéria ambiental.
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