1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(Audiência Pública Ordinária)
Em 22 de Maio de 2019 (Quarta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Boa tarde, senhoras e senhores, declaro aberta presente reunião de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, destinada a debater o marco temporal na Lei Florestal.
O requerimento para realização deste evento é de minha autoria.
Convido todos os expositores para comporem a Mesa.
Solicito a presença do Dr. Gabriel de Jesus Tedesco Wedy, Juiz do TRF-4, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do Rio Grande do Sul; do Dr. Paulo Sérgio Ferreira Filho, Procurador da Procuradoria-Geral da República; do Dr. André Nassar, Presidente da ABIOVE, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais; da Dra. Cristina Seixas Graça, Presidente Eleita da ABRAMPA, Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente; e do Dr. Raul do Valle, Diretor de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
Comunico a todos que o evento está sendo transmitido ao vivo pela Internet e poderá ser gravado pela TV Câmara para ser exibido posteriormente. Por isso, solicito a todos que sempre utilizem os microfones.
Solicito também a todos que façam sua apresentação da forma mais objetiva possível, para que possamos destinar mais ou menos 10 minutos para cada orador. Claro que sempre damos um tempo a mais, para que as pessoas possam encerrar a sua fala, mas peço que não nos prolonguemos tanto, até porque hoje nós estamos com uma pauta bem pesada aqui na Câmara, e muito provavelmente a medida provisória que trata desse assunto pode entrar votação ainda hoje. Peço que todos se atentem a isso.
Nós podemos receber algumas perguntas também pela Internet, que serão apresentadas ao final.
Inicialmente, passo a palavra ao Dr. Gabriel, Juiz do TRF-4, para que seja o primeiro a fazer a sua apresentação.
Sinta-se à vontade para, se quiser, utilizar o microfone sem fio.
O SR. GABRIEL DE JESUS TEDESCO WEDY - Sr. Presidente, Deputado Rodrigo Agostinho, Presidente desta Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Dr. Paulo Sérgio; Dr. André Nassar; Dr. Raul do Valle; Dra. Cristina; Srs. Deputados; demais pessoas aqui presentes, é uma alegria muito grande voltar à Câmara dos Deputados, a uma audiência pública, para tratar de um tema que para mim é tão caro, que é justamente a tutela do meio ambiente.
Como Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil — AJUFE, participei de alguns debates na condução e na construção do novo Código Florestal, quando ficou bem pautado que o Código Florestal deveria ser regido pelo princípio do desenvolvimento sustentável, que tem como seus pilares principais a inclusão social, a tutela ambiental, o desenvolvimento econômico e, mais modernamente, após a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, construída no âmbito da Organização das Nações Unidas, também a boa governança, ou seja, o conceito de desenvolvimento sustentável vai para além do Relatório Brundtland, de 1987.
(Segue-se exibição de imagens.)
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É importante grifar que a Lei Florestal brasileira deve permitir o desenvolvimento sustentável como princípio. Mas nós não podemos ignorar que nos últimos 10 anos houve um aumento do desmatamento no Brasil: o aumento no desmatamento no Brasil, no ano passado, foi de 7.900 hectares. Embora tenha sido bem menor do que o observado no ano de 2005, essa é uma tendência a ser observada e que fica bem clara nos últimos anos.
Também podemos observar que existe o aumento de perda da cobertura da floresta tropical no Brasil, fato absolutamente inegável.
Essa imagem mostra a proporção do desmatamento por Estados no Brasil.
Nós observamos o Pará liderando o desmatamento no ano de 2018, seguido por Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Roraima e Acre.
Posteriormente, o gráfico de degradação ambiental por Estado: Mato Grosso, Pará, Amazonas, Acre e Rondônia, demonstrando que, sim, a nossa Floresta Amazônica, a Amazônia, corre risco.
O Brasil lidera um ranking nada positivo: nós estamos em primeiro lugar em maior perda de floresta primária.
Esse gráfico é bastante elucidativo e mostra o Brasil liderando este ranking negativo.
Também a concentração de dióxido de carbono na atmosfera bateu recorde há cerca de uma semana, conforme medido pelo Mauna Loa Observatory, e atingiu o nível alarmante de concentração de CO2 de 415 partes por milhão na atmosfera.
A temperatura global tem aumentado desde 1880.
Conforme esse gráfico divulgado pela NASA, a temperatura global hoje já ultrapassa mais 1 grau Celsius, se nós formos levar em consideração desde o início das medições, no ano de 1880. Então, realmente é um gráfico que não deixa dúvidas de que o aquecimento global é uma realidade a ser combatida.
Também as catástrofes ambientais — deslizamentos, tempestades extremas, secas e enchentes — têm aumentado desde 1980 até os dias atuais. Nós tínhamos cerca de 100 eventos extremos em todo mundo nos anos de 1980, e eles hoje já estão ultrapassando a marca das 700 catástrofes ambientais por ano.
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São dados bastante seguros, são dados comprovados, são dados inclusive divulgados pela NASA.
Aqui nós podemos observar cenas catastróficas, como essa coluna da água caindo a céu aberto no sul dos Estados Unidos no ano de 2015 e a formação de 3 ciclones categoria 4 ao mesmo tempo atingindo o arquipélago do Havaí. Essa realmente é uma situação sem precedentes, se nós formos analisar os últimos 150 anos.
O Brasil é o 18º país que mais sofre com as mudanças climáticas no mundo. E ele tem sofrido muito. A Germanwatch acabou de divulgar um relatório em Katowice, no ano passado, durante a COP-24. Então, o Brasil está inserido nisso e vem sofrendo prejuízos em virtude desses eventos extremos, que nós temos acompanhado na mídia: enchentes, secas, deslizamentos, ciclones tropicais e situações que nós não víamos antes.
A minha cidade, Porto Alegre, quase foi invadida pelo Rio Guaíba. Não foi invadida por um palmo, graças o Muro da Mauá. E o nosso barco característico de Porto Alegre, o Cisne Branco, foi atingido por uma super tempestade e naufragou, foi a fundo. É um marco da cidade.
Se formos parar para conversar com as pessoas do povo, com as pessoas mais antigas, Brasil afora nós vamos ouvir, em todos os Estados, relatos de situações que nossos pais, avós e bisavós não viam e que hoje são observadas.
E o pior disso é que desmatar não gera lucro; desmatar gera prejuízo. Os prejuízos podem chegar a 5 trilhões de reais, segundo estudo bastante interessante realizado por 12 respeitados cientistas brasileiros e publicado na revista Nature Climate Change. Segundo o estudo, no pior dos cenários nós podemos sofrer um prejuízo de 5 trilhões de dólares. Ou seja, no worst case scenario poderemos sofrer um prejuízo de 5 trilhões de dólares. É claro que esse é o pior dos casos, mas o melhor dos casos também, por certo, não é animador.
E o nosso Código Florestal? Eu participei de alguns debates na sua construção. Inclusive a AJUFE, com notas técnicas, colaborou com a sua elaboração, sempre de modo muito moderado, querendo equilibrar os pilares do desenvolvimento sustentável: o crescimento econômico, a inclusão social e a tutela ambiental. Mas o que se observa após o Acordo de Paris é o seguinte: devastar o meio ambiente, desmatar, não gera lucro; gera prejuízo a longo prazo.
Nós temos que fazer a grande guinada dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. Esse é o grande caminho, porque, mais cedo ou mais tarde, o carbono vai ser precificado. Nós vemos que em vários países importantes — Canadá, países da União Europeia e até mesmo a China — já existe o mercado do cap and trade funcionando muito bem, o mercado de emissão de licenças — aquele que polui mais emite mais e lucra menos. Existe também a tributação sobre o carbono, criada no Canadá.
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E esse é um caminho sem volta, porque precisamos equilibrar as temperaturas a não mais que 2 graus Celsius a mais, tentando buscar um aumento de 1,5 grau Celsius até o ano de 2100, tendo como marca inicial a era pré-industrial. Esse é o objetivo do Acordo de Paris, que nós temos que cumprir no prazo de 3 anos. E o Brasil nem pode renunciar a ele, nem mesmo os Estados Unidos podem fazê-lo, porque os maiores estados são signatários, as cidades são signatárias, as grandes corporações são signatárias. Então, nós temos que conviver com o Acordo de Paris e vê-lo como uma coisa boa, como uma abertura de mercados, como uma situação positiva. Vamos olhar para o futuro, que são os carros elétricos, a biomassa, a energia eólica, a energia solar, a energia marítima. Esse ponto é importante que se veja.
E os princípios que devem tutelar as leis florestais de proteção brasileira são o princípio da precaução e o princípio da prevenção, justamente para que se evitem danos e catástrofes ambientais.
Há também o princípio do poluidor-pagador, ou seja, aquele que desmata, aquele que polui e que emite deve ser responsabilizado.
E isso não é resultado de ações de juízes ativistas ou de ecorradicais. Isso é o que diz a lei brasileira, a Lei nº 6.938, de 1981; isso é o que diz a Constituição Federal e a interpretação que a ela concede o Supremo, quando diz que o meio ambiente é um direito constitucional fundamental de terceira geração ou de novíssima dimensão; quando diz que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, que basta a prova do dano e do nexo causal e que nem mesmo as excludentes de ilicitude são aceitas, de acordo com a jurisprudência do egrégio STJ — sei que hoje pela manhã, ou ontem, esteve aqui o grande jurista Ministro Antonio Herman Benjamin.
Então, há questões que devem ser observadas, como esses princípios, para que se tomem ações precautórias e se evitem danos às pessoas, ao meio ambiente, às atuais e às futuras gerações e também prejuízos econômicos, como eu acabei de demonstrar. Ou seja, investir em combustíveis fósseis hoje é financiar mais prejuízo para o Estado, para a reparação de catástrofes ambientais. Esse é o grande ponto, e não é uma questão de esquerda ou de direita.
Um governador muito progressista do estado da Califórnia, como governador, foi Ronald Reagan. Arnold Schwarzenegger é um conservador de direita, um republicano. A questão não é de esquerda ou direita, mas de bom senso. A China, por exemplo, adota o mercado do cap and trade. A China criou um mercado de compra e venda de licenças em várias das suas regiões.
Então, são questões que os senhores podem construir com uma visão equilibrada de desenvolvimento sustentável, mas que respeite a tutela do meio ambiente.
Em conclusão, quero dizer que nos tempos atuais nós não podemos aceitar retrocessos ambientais, ou seja, alterar a legislação para retirar a proteção ambiental é medida inconstitucional, porque é um retrocesso ambiental.
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As conquistas em matéria de direitos fundamentais não podem retroagir, de acordo com art. 60, § 4º, da Constituição, e o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito fundamental — aliás, o meu amigo Ingo Sarlet, que deveria estar aqui, é especialista nessa parte de retrocesso ambiental e, inclusive, poderia ser ouvido em outro momento.
A verdade é que as garantias de proteção do meio ambiente criadas pelo antigo Código Florestal não podem ser retiradas. O marco temporal não pode ser alterado ou interpretado de modo a retirar a proteção do meio ambiente, sob pena de retrocesso ambiental. E essa não é uma questão ideológica de esquerda ou de direita, até porque regimes de esquerda e regimes de direita cometeram verdadeiras atrocidades ambientais.
Eu entendo que se deve fazer aqui uma reunião madura, construtiva, observando que o Brasil é um País capitalista, mas deve fazer a verdadeira guinada da matriz energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis e deve, sim, observar o Acordo de Paris, justamente para que possa crescer economicamente a longo prazo. E só vai crescer economicamente a longo prazo quem se inserir nessa nova era de economia verde. Isso me parece evidente. Por que a Europa está comprometida com isso? Por que a maioria dos Estados americanos estão comprometidos com isso, apesar das declarações desconexas do Presidente Trump?
Vale destacar que uma das partes do Direito que mais se desenvolve hoje é o Direito das Mudanças Climáticas. E vários litígios climáticos estão acontecendo em todo o mundo: para combater desmatamento e emissão de combustíveis fósseis, para estimular as energias renováveis, para compelir o Estado e os entes particulares à adoção de medidas de precaução e de prevenção. Evidentemente, ninguém aqui está falando em destruir a agricultura, até porque as pessoas precisam se alimentar. E um dos pilares do desenvolvimento sustentável é a inclusão social. No entanto, essa guinada no sentido de dar verdadeiros nudges a favor da energia renovável, como diz o Prof. Cass Sunstein, da Universidade de Harvard, e nudges contrários à indústria de combustíveis fósseis é fundamental para o fortalecimento desse conceito de desenvolvimento sustentável e moderno em nosso País.
O Ministério Público tem uma função fundamental de promover litígios climáticos para evitar o desmatamento e para que posamos alcançar o equilíbrio climático até o ano de 2100, a fim de evitarmos prejuízos ambientais, humanos e sociais. Aliás, a ONU divulgou um relatório na última semana dizendo que mil espécies estão ameaçadas de extinção em virtude das mudanças climáticas. E, de acordo com a ONU também, se o clima não for estabilizado no máximo em 1,5 grau Celsius, em 12 anos sobrevirão mais catástrofes ambientais, num ritmo muito mais acelerado do que eu acabei de mostrar aqui no gráfico.
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Então, eu peço aos senhores que reflitam sobre este momento, sobre esta era das mudanças climáticas que nós estamos vivendo e sobre este debate a respeito dessa verdadeira riqueza do Brasil e da humanidade que são as nossas florestas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço ao Dr. Gabriel, que nos traz uma visão bastante preocupante da situação dos conflitos relacionados ao clima.
Quero dizer, a título de contribuição, que, na verdade, são muito mais do que mil espécies ameaçadas de extinção. Foram diagnosticadas mil espécies, mas são milhares de espécies em todo o mundo. Só no Brasil, 334 espécies de aves estão ameaçadas. E agora, na revisão, passam de mil, somente no que diz respeito a aves. Nós estamos diante de um processo de extinção em massa, sim.
Passo a palavra ao próximo painelista, Dr. Paulo Sérgio Ferreira Filho, Procurador da Procuradoria-Geral da República — PGR.
O SR. PAULO SÉRGIO FERREIRA FILHO - Boa tarde a todos.
Agradeço a esta Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados o convite, que concedeu este espaço ao Ministério Público Federal para que fosse uma das vozes a debater aqui este assunto com os senhores.
Cumprimento V.Exa., Sr. Presidente, e os demais integrantes da Mesa.
Primeiramente, quero parabenizar pela exposição o Juiz Federal Gabriel Wedy, que me poupou do trabalho de falar sobre os princípios do Direito Ambiental, sobre a importância de se buscar um desenvolvimento sustentável. Eu não vou precisar reintroduzir um assunto tão importante e fundamental para que tenhamos a real compreensão do tema e da magnitude dos impactos globais que podemos causar não só na sociedade brasileira, mas também no mundo, diante do tamanho e da importância da ecologia para a humanidade. Devido ao pouco tempo de que disponho, isso será muito bom.
Quando fui convidado para esta audiência pública eu me perguntei por que a PGR havia me indicado — eu, um Procurador da República do Município de Resende — para vir aqui falar sobre o tema. Eu atuo no meio ambiente de forma bastante ativa, porque nós temos três ou quatro unidades de conservação federais ali na região das Agulhas Negras e também o Parque Nacional de Itatiaia, o sétimo parque mais visitado do País. Só que, por acaso, na minha dissertação de Mestrado, um dos grandes debates foi sobre marcos temporais no Código Florestal. E depois eu trabalhei internamente no Ministério Público Federal no Manual de Atuação, que eu vou divulgar ao final.
Então, eu vou direto ao ponto de que temos que tratar, para depois mostrar os impactos que a MP 867 e o PLV 9/19 podem causar na proteção ambiental que temos buscado implementar no Brasil há décadas — e o último grande diploma legal foi justamente o Código Florestal de 2012.
(Segue-se exibição de imagens.)
Do que eu tratei na minha dissertação?
Eu vou investir um pouco mais de tempo nesse eslaide, porque depois eu poderei generalizar os conceitos para os demais marcos temporais.
Não existe apenas um marco temporal no Código Florestal. Há diversos marcos temporais importantíssimos para diferentes tipos de APPs e situações.
Na minha dissertação eu tratei das APPs consolidadas em áreas urbanas.
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Há um marco específico para áreas urbanas e outros marcos para outros tipos de APPs, como, por exemplo, áreas rurais e reservatórios artificiais de abastecimento de água ou de energia.
Esse eslaide mostra bem resumidamente a evolução de marcos temporais para áreas consolidadas em APPs urbanas.
Primeiramente, a Resolução CONAMA 369, de 2006, fixou apenas para algumas APPs a possibilidade de regularização em área urbana e colocou um marco temporal para 10 de julho de 2001. Esse marco temporal foi instituído por uma norma infralegal. Há debates jurídicos sobre a pertinência ou não disso.
A Lei nº 11.977, de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida, um grande marco da regularização urbana, trouxe outro marco temporal somente para áreas de interesse social, ou seja, áreas de interesse específico, de renda mais alta, que não eram passíveis de regularização em APPs urbanas, e estipulou como marco legal para consolidação 31 de dezembro de 2007. Ou seja, quem havia consolidado suas áreas urbanas até 31 de dezembro de 2007 poderia regularizá-las; dali para frente, não. Dali para frente teriam que ser coibidas todas as intervenções regulares que desrespeitassem a lei ambiental.
No Código Florestal, de 2012, houve uma omissão quanto ao marco temporal. Não se falou nada. Ele foi omisso no que se refere a áreas urbanas. Não revogou a Lei nº 11.977, de 2009, mas, ao mesmo tempo, trouxe outras hipóteses de regularização, como a de interesse específico. Por exemplo, quem conhece a realidade de Brasília sabe que existem muitas casas de alto padrão em Áreas de Preservação Permanente. Com a lei de 2012, essa regularização também foi possível.
O que nós debatemos internamente no MPF e buscamos perante o Judiciário para reafirmar o nosso posicionamento? Apesar de a lei ser omissa quanto ao marco temporal, é necessário estancar uma consolidação de áreas que infringiram a lei à época, para que não crie incentivo, uma corrida para consolidações que gerem regularizações futuras, num ciclo vicioso que gera a completa deterioração das áreas ainda vegetadas do País.
Mas o que acontece? Em 2017, quando eu já havia terminado a minha dissertação de Mestrado — e no Manual do MPF eu abordo a nova lei —, uma nova lei revogou por completo a Lei nº 11.977, de 2009, e definiu, no seu art. 11, inciso III — e ela não trata de APPs especificamente, mas de regularização urbana como um todo —, uma possibilidade, em tese, de regularização pró-futuro.
O que nós defendemos então? Que isso não pode, pelo menos nas áreas ambientais, ser admitido, porque, como eu disse, seria um retrocesso ambiental, geraria uma corrida para novas devastações, com a esperança e a expectativa de que o poder público viesse a anistiar e a regularizar esses novos desmatamentos.
Então, nós defendemos a necessidade de uma interpretação conforme, que impeça o marco temporal futuro. Estabelecemos, então, o marco temporal passado, que entendemos o mais conveniente, que seria a vigência do novo Código Florestal, que trouxe outras hipóteses de regularização, ou seja, julho de 2012. O que foi consolidado até julho de 2012 poderia ser regularizado; o que fosse invadido ou devastado após julho de 2012 deveria ter atuação estatal para reprimir essas infrações e obrigar a recuperação dos danos ambientais cometidos.
Mas o que nós trazemos aqui?
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O marco legal, em si, passado não é suficiente para que se tenha uma efetiva proteção ambiental. Por quê? Trago aqui alguns referenciais teóricos da análise econômica do Direito e comportamental do Direito.
Quando você anistia uma infração, quando você diz que vai regularizar e impõe o marco temporal, você está dizendo o seguinte: "Você errou. Não faça mais isso daqui para frente. O que você fez vou perdoar".
Quando uma mãe fala isso para o seu filho, nós sabemos o que acontece: ela fala a primeira vez, e a criança até respeita. Ela vai testar a mãe: vai infringir a segunda vez. Se ela passar a mão na cabeça pela segunda e terceira vez, a palavra dela de que não vai ter outra vez não vai ser mais respeitada. Aquilo vai ser o que se chama de cheap talk, papo-furado.
Mas como? Estamos falando aqui de uma Casa Legislativa que faz as leis cogentes, que tem todo o aparato estatal para impô-las, e a sociedade é obrigada a respeitá-las. Como uma lei pode ser papo-furado? Ora, a lei não é uma regra abstrata, que vive nos papeis ou nos tribunais. A lei é vivida na sociedade. Ela precisa de todo o aparato judiciário, de Ministério Público, de polícia, de fiscalização, do Legislativo — que vai editar, repensar e aperfeiçoar essa lei — e do tecido social, que a absorve e entende como obrigatória ou não. No Brasil é famoso ouvirmos falar em lei que pega e em lei que não pega. Leis que não pegam são parte da nossa realidade. E por que elas não pegam? Há vários subsistemas sociais que dialogam uns com os outros — religião, família, costumes sociais, subsistema jurídico — e que, juntos, tornam uma regra como de observação obrigatória ou não por aquela sociedade. Você internaliza ou não aquela obrigação de preservar aquele objeto jurídico que foi tutelado por uma norma legal.
Toda vez que eu mudo um marco temporal, eu tenho um custo reputacional. A sociedade começa a entender o recado: essa lei é obrigatória, mas não é tão obrigatória assim. Eu, o Estado, estou perdendo a minha reputação de aplicador e sancionador das infrações legais e já não sou tão mais respeitado pelos atores sociais, que já têm uma expectativa de futuras anistias. Então, toda vez que você anistia alguma irregularidade você tem esse custo reputacional. Às vezes é impossível você agir de outra forma, como em 2012 o legislador entendeu: você teve anos e anos de omissão do Estado, que não foi eficiente na aplicação e fiscalização da lei ambiental, que gerou consolidações de áreas rurais e urbanas em áreas que deveriam ter sido preservadas, e seria muito custoso para a sociedade fazer uma recomposição integral do que era em 1965. Então, você criou marcos temporais distintos: os urbanos, que eu apresentei; as APPs em áreas rurais, que nos arts. 61 e 61-B dizem diversas APPs, dependendo do tamanho do módulo fiscal da propriedade rural, diferentes faixas de recomposição que são obrigatórias desde que estivessem consolidadas em 22 de julho de 2008. Esse é o marco temporal mais importante do Código Florestal: 22 de julho de 2008.
APPs de reservatórios artificiais para abastecimento de água ou de energia, cujo marco é a autorização ou a concessão para o empreendimento anterior a 24 de agosto de 2001, que é a data de uma medida provisória que trata do setor.
Áreas consolidadas em reserva legal, que também têm o marco de 22 de julho de 2008. Como eu disse, esse é um marco fundamental principalmente para as áreas rurais.
Inclusive o art. 68 estabelece outro marco legal, também em 22 de julho de 2008, dizendo que aquelas propriedades de até 4 módulos fiscais que tivessem ainda, em 22 de julho de 2008, vegetação nativa remanescente teriam como reserva legal apenas essa vegetação ativa. Isso foi alterado agora pelo PLV.
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Há outro marco importantíssimo — e aqui eu falo de uma sucessão de prazos que vão enfraquecendo o poder do Estado de exigir a aplicação da lei —, que é o Cadastro Ambiental Rural, instrumento importantíssimo para o proprietário rural declarar e demonstrar ao poder público a sua regularidade ambiental e para o poder público também poder fiscalizá-la.
Houve aqui também uma sucessão de marcos. Primeiramente, você teria um prazo original de 1 ano após a implantação do CAR pelos Estados, prorrogável por mais um ano. O CAR foi implantado pelos Estados, e ninguém o cumpriu. Foi prorrogado. Ninguém implantou o CAR — muito pouca gente. Ninguém, não, porque houve proprietários rurais que seguiram a lei e têm cumprindo os programas, independentemente das sucessivas prorrogações. Depois veio uma nova lei em 2016 que o prorrogou por mais 1 ano o prazo, que foi novamente prorrogado por decreto até 31 de dezembro de 2018. Ou seja, é que nem o REFIS: ninguém mais parcela débito no Brasil, porque sai um REFIS e já se espera que vai haver outro REFIS no ano seguinte de novo. Então, ninguém vai fazer um custo, porque há a expectativa de que esse prazo vai ser sempre adiado.
O PRA — Programa de Regularização Ambiental, importantíssimo para a recomposição das APPs e da reserva legal, já com a anistia parcial que o Código Florestal deu em 2012, também foi adiado várias vezes: inicialmente em 1 ano; depois se remeteu ao prazo do CAR, que venceu em dezembro de 2018; e agora, com a MP 867, no seu texto original, seria prorrogável até o final deste ano, ou seja, por mais 1 ano. Ou seja, vamos adiar algo importantíssimo para 8 anos após a entrada da vigência do Código Florestal.
Tínhamos 20 anos para, a cada 2 anos, recompor 10% das nossas matas. Já se passaram 8 anos e ainda não implementamos isso; estamos adiando.
E quem acredita, se essa MP foi aprovada, que essa será a última vez? Sempre é a última vez. A sociedade não acredita mais. A sociedade já está esperando a próxima prorrogação. Para isso mudar, é preciso uma mudança de postura, uma mudança com a reprovação dessa MP e a aplicação da lei florestal, que foi debatida amplamente no Supremo Tribunal Federal, foi considerada inconstitucional.
E ali se debateu o quê? Ali foi estabelecido um marco de composição da sociedade civil em torno de uma agenda ambiental e de uma agenda econômica em que se chegou a um acordo, após amplos debates Parlamentares. E agora, em medida de urgência, em uma medida provisória, isso aqui, que já seria danoso o suficiente para uma reprovação, virou um PLV que altera praticamente todos os marcos temporais: você tira o prazo expresso do CAR, que já está vencido — e aí eu não sei a real influência; achei um pouco confuso o texto como ficou. Eu usei aquele quadro de comparação legislativa; você tira o prazo do PRA e passa para 1 ano após feito o CAR, que tirou o prazo, notificado pelo órgão ambiental de um déficit na sua vegetação, e aí você teria 1 ano para aderir ao PRA, com anistia de multas; você altera também um prazo de 31 de dezembro de 2017 para 31 de dezembro de 2020 para financiamentos de áreas que estejam sem inserção no CAR e recomposição da sua vegetação, ou seja, adia-se mais uma sanção. Finalmente, no art. 68, há uma legislação de perigoso alcance que pode acabar com toda a proteção ambiental que temos no Código Florestal de 1934 a algumas situações até 2000. Por exemplo, o Cerrado só teria proteção legal a partir de 1989; vegetações como Pampa, Pantanal e Campos de Altitude, como eu tenho lá em Itatiaia, só a partir de 2000.
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Então, nós estamos nos perguntando: o que sobrou de Pantanal em 2000? Nós já fizemos uma anistia parcial; a reserva legal já pode ser recomposta em 20 anos; da APP só parte vai ser recomposta. É esse o recado que o Parlamento quer dar para a sociedade? Que aquele debate de anos e anos em 2012 não serviu para nada? Porque, se dissermos que não serviu para nada e alterarmos tudo de novo, quem disse que eles vão confiar que dessa vez isso vai ser para valer?
É preciso mudar isso, e o Estado passar a aplicar o Código Florestal que este Parlamento aprovou. Este Parlamento deve ser soberano e exigir o cumprimento do Código Florestal pelo Executivo, pelo Judiciário e pelo Ministério Público.
Aqui, no último eslaide, que depois será disponibilizado, estão os textos de que eu falei.
Esse é um artigo específico em que eu trato do limite temporal. Ele está online na Veredas do Direito, uma revista de Direito Ambiental de Minas Gerais.
Desse último também é importante falar. É o Manual da 4ª Câmara do Ministério Público. É a posição oficial do Ministério Público acerca de regularização fundiária urbana e em APPs.
Os outros são publicações minhas também que talvez despertem algum interesse para o tema.
Enfim, eu me alonguei um pouco no tempo, mas achei importante abordar todos os impactos que a legislação pode ter e o compromisso da solidariedade intergeracional, que não é só uma obrigação moral, mas uma obrigação constitucional — está expressa no art. 225 da Constituição.
O Ministério Público Federal entende que nós, com a obrigação de decidir por aqueles que não estão vivos ainda, pelas gerações que ainda estão por vir, devemos trabalhar para que esse PLV não seja aprovado, nem a medida provisória, na sua redação original. É preciso que se faça valer a lei florestal neste País a partir de algum momento, e esse momento tem que ser agora, por tudo o que já se fez e que eu expus aqui.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço a apresentação do Dr. Paulo, que foi bastante ilustrativa da situação que vivenciamos nos dias de hoje, relacionada principalmente a mais tentativas de anistia, enquanto precisamos efetivamente é da implementação do Código Florestal.
Passo a palavra agora ao Dr. André Nassar, Presidente da ABIOVE — Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais.
O SR. ANDRÉ NASSAR - Deputado Rodrigo Agostinho, obrigado pelo convite.
Quero cumprimentar a Dra. Cristina, o Dr. Gabriel, o Dr. Paulo Sérgio, o Dr. Raul. É um prazer estar aqui.
Eu vou fazer o seguinte: vou mostrar rapidamente o que eu trouxe e depois vou fazer algumas considerações de ordem mais política, estratégica, eu acho, porque, evidentemente, a visão que a ABIOVE traz é diferente. É uma visão que tem muito mais a ver com o setor que está implementando políticas de sustentabilidade do que com uma discussão mais no nível jurídico, vamos dizer assim.
(Segue-se exibição de imagens.)
É sempre importante as pessoas entenderem o que é a ABIOVE.
A ABIOVE é uma associação. Os nossos associados estão ali — não vou ficar mostrando cada um.
Vou rapidamente falar da nossa representatividade.
O meu resumo é aquele ali. Vou falar um pouco dos programas setoriais que a ABIOVE desenvolve e é claro que vou casar essa fala com o tema da audiência.
Vou falar um pouco sobre como nós trabalhamos a questão do desmatamento, porque de fato ela é muito importante.
Eu não concordo com tudo que o Dr. Gabriel falou; agora, eu concordo que é importante nós reduzirmos o desmatamento, visando eliminá-lo das cadeias agrícolas. Então, acho que podemos falar um pouco disso.
Depois eu queria fazer umas considerações de ordem mais política sobre a MP especificamente: quais são as nossas preocupações e quais são as questões da MP que eu acho que, na verdade, vamos dizer assim, não têm problema numa visão de implementação do Código.
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Vou correr, para não perder tempo.
Essas, só para vocês entenderem, são as nossas empresas. As empresas, juntas, representam mais ou menos 60% da comercialização e exportação de grãos do Brasil. Então, nós temos uma representatividade muito grande.
Muita gente acha que as empresas da ABIOVE produzem soja e milho. Nós não os produzimos; nós somos o chamado trader: compramos, processamos e industrializamos a soja e exportamos o produto industrializado. O nosso papel é o papel muito relevante de ser o facilitador entre o produtor e o consumidor, lá na ponta. É por isso que nós argumentamos muito que quem conhece o que o mercado quer somos nós. O produtor nem sempre o conhece, porque ele não está no dia a dia da conversa com os importadores, com os supermercados, com as indústrias que consomem o nosso produto.
O leque de produtos nossos é exportação de soja; exportação de milho; industrialização de soja, que gera a produção de farelo de soja — e 80% da soja vira farelo, que é a base da alimentação animal de suínos, aves —, um pouco de leite, no Brasil e em outros países até gado de corte também, óleo de soja. Metade do óleo de soja que produzimos vai para consumo doméstico — vocês compram no supermercado o produto das marcas das nossas empresas —, e metade, biodiesel. Esses são os principais produtos com os quais operamos.
Vamos falar rapidamente dos nossos programas.
Nós temos a Moratória da Soja, que já está completando 13 anos. Tenho alguns dados sobre a Moratória que eu gostaria de mostrar.
Só para vocês entenderem o que é Moratória da Soja, lá em 2006, depois de 2004 e 2005, quando o Bioma Amazônia passava pelos seus mais altos índices de desmatamento, houve uma pressão muito grande de supermercados e também de organizações da sociedade civil sobre as empresas associadas da ABIOVE, e as empresas tomaram a decisão, naquele momento, de não comprar mais soja de área desmatada. A data de corte era 2006; depois, com o marco temporal do Código Florestal, de 2008, passamos a data para 2008.
Então, o que fazemos? Todo ano fazemos o mapa de soja no Bioma Amazônia. Se houve expansão de soja, nós identificamos os polígonos onde houve expansão; cruzamos essa informação com o dado do INPE de desmatamento, com o dado do PRODES, de 2008 para frente — ou seja, não só daquele ano; quer dizer, nós vamos olhando de hoje até 2008, para trás. Se houver coincidência, ou seja, se houver expansão de área de soja em área desmatada, nós identificamos o produtor e informamos às nossas empresas que não podem comprar soja daquele produtor. Esse é o conceito da Moratória da Soja.
Isso trouxe alguns efeitos importantes, que eu vou mostrar daqui a pouco.
Isso é feito junto com a sociedade civil. Temos um grupo de trabalho, de que participam Greenpeace, WWF, TNC, IPAM e mais algumas ONGs que são parte do programa da Moratória da Soja.
O segundo é o programa de Governança Ambiental para o Cerrado. Estamos trabalhando bastante, junto com a sociedade civil, para desenvolver uma governança. Também vou detalhar um pouquinho até onde eu posso.
Temos ainda o Programa Soja Plus. Desenvolvemos esse programa em vários Estados no Brasil. Só para vocês terem ideia, em Mato Grosso ele é desenvolvido em conjunto com a PROSOJA de Mato Grosso — Associação dos Produtores de Soja e Milho. Existe a associação em Minas Gerais, em Mato Grosso do Sul, na Bahia — são diferentes associações. É um programa que chamamos de melhoria contínua.
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O que é isso? Você vai à fazenda do produtor, identifica todos os problemas de ordem ambiental ou trabalhista, as condições de trabalho, as construções rurais, o descarte de embalagem de defensivos, tudo isso. Você ranqueia esse produtor, mostra onde ele tem uma bandeirinha verde, uma bandeirinha amarela e uma bandeira vermelha, e aí você dá um treinamento gratuito para ele poder melhorar o padrão onde ele teve bandeirinha vermelha e bandeirinha amarela.
Nós acreditamos muito nos programas de melhoria contínua, quer dizer, de você ir, chegar até o produtor e mostrar para ele onde ele está errando e estimular esse produtor a consertar os erros dele. Isso funciona muito bem, o programa é um sucesso.
Temos um programa chamado Protocolo de Grãos do Pará, que é feito junto com o Ministério Público Federal. Basicamente ali nós temos um compromisso de só comprar de áreas com desmatamento legal, ou seja, com autorização de supressão; não pode estar em lista de trabalho escravo, não pode estar dentro de unidade de conservação, mas isso é padrão e nós já fazemos há muito tempo.
Temos também dois programas de logística reversa, sendo um de óleo. Nós temos um programa pioneiro de logística de óleo. É até uma pena que o Luciano Loubet não esteja aqui, porque nós tivemos uma longa conversa com ele sobre a logística de embalagem em Mato Grosso do Sul.
Deixe-me seguir, porque senão vai dar tempo. Só para vocês entenderem, nós trabalhamos em parceria com os nossos clientes. O cliente europeu, hoje, quer desmatamento zero na soja. O cliente chinês — e eu só estou dando esses dois exemplos, porque são os dois maiores mercados — quer rastreabilidade na cadeia, quer saber se há desmatamento ou não e se esse desmatamento é legal ou ilegal.
Então, vejam que a questão do desmatamento não é um tabu necessariamente. O importante que eu acho aqui é nós separarmos o desmatamento legal do desmatamento ilegal. Todos nós queremos eliminar o desmatamento na nossa cadeia, mas eu não faço isso assim num viés, digamos, legalista, judicial. Não funciona assim. Esse é um processo em que as cadeias têm que ser convencidas de que você precisa eliminar o desmatamento e de que não há a necessidade de desmatar. Mas, como no Brasil é permitido desmatar, esse processo tem que ser feito da forma correta. Nós temos que mostrar para o mercado que é possível eliminar o desmatamento num prazo aceitável.
O grande problema do Brasil hoje é que nós não sabemos o que é desmatamento legal e ilegal. Então, se nós pegarmos empresas como as nossas, que precisam comunicar para o seu mercado se está comprando em área desmatada ou não, as nossas empresas não conseguem dizer se aquela compra foi com autorização de supressão ou sem.
A meu ver, hoje o grande problema do Governo é ser incapaz de separar o desmatamento legal do ilegal, e isso acabou por obrigar a empresas a terem que fazer o seu próprio controle quando aquilo era função do Estado. Essa é a primeira coisa que queria colocar.
A estratégia da Amazônia é a moratória, já falei. Estratégia do Cerrado. Nós estamos buscando uma solução diferente, que é separar o desmatamento legal do ilegal e gerar um sistema de Pagamento por Serviços Ambientais para aquele produtor que pode desmatar, mas topa trocar a abertura de área por um Pagamento por Serviços Ambientais. Portanto, estamos numa longa discussão, na cadeia da soja, para ver como organizamos esses recursos para estimular o produtor que está no Cerrado e tem o direito de desmatar para que ele deixe de desmatar e receba um pagamento em troca e mantenha aquela floresta conservada, ou seja, o excedente de reserva legal dele conservado. A meu ver, isso que é uma política moderna, é por aí que nós temos que ir.
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Conservar tem custo. Evidentemente, o que está dentro da lei é dentro da lei e é custo de quem é o objeto da lei, mas, daquilo além da lei, nós temos que encontrar uma forma de todo mundo que é beneficiado por aquela conservação contribuir financeiramente com aquela conservação, e é isso que nós estamos buscando atualmente na cadeia da soja.
Eu quero mostrar duas coisas só. Acho muito interessante esse gráfico da moratória. A moratória da soja está em vigor desde 2006. O que esse gráfico mostra? A área de soja na Amazônia mais do que triplicou de 2006 até hoje, ou seja, ela saiu de 1 milhão e meio de hectares para quase 5 milhões de hectares. Quanto de desmatamento associado dá isso? Sessenta mil hectares. Então, a moratória da soja comprovou que é possível aumentar a produção em área já aberta. Esse é o grande mérito da moratória da soja: ela é uma comprovação prática de que é possível expandir a produção de soja sem prejudicar economicamente os produtores, sem abrir área. Esse é o grande mérito da moratória. Não é tão simples fazê-la para o Cerrado, mas nós fazemos questão de reforçar essa mensagem.
Por fim, para terminar porque já está acabando o meu tempo, vou mostrar dois gráficos.
Traduzindo o que acontece hoje na Amazônia, de tudo que a soja expande na Amazônia 2% é com abertura de área e 98% em área já aberta. Como a expansão de soja está acontecendo no Cerrado? Isso só no dia a dia, certo? Eu não sei se é desmatamento legal ou se não é. É só o que está acontecendo na própria agricultura e na própria visão das cadeias, como a da soja, que há que se reduzir o desmatamento. No passado, 27% do que expandia de soja era com desmatamento e 73% era em área aberta. No período intermediário, de 2006 até 2014, caiu para 18% o desmatamento, e hoje esse número é de 7%.
O que está acontecendo? A própria pegada de desmatamento da soja está caindo pela pressão do mercado de entender que é preciso reduzir o desmatamento. Na verdade, Dr. Gabriel, o desmatamento já está sendo combatido pelo setor privado. Nós estamos combatendo o desmatamento pelo setor privado, só que não pode ser assim. Você não fecha a torneira amanhã e acabou. Esse é um processo contínuo. Como os senhores podem ver ali, no Cerrado, esse processo teve início em 2000. Nós precisamos de muitos anos para chegar lá, e isso eu acho muito importante.
Deixe-me dar só mais uma informação aqui que eu acho legal. É uma informação um pouco econômica, mas eu acho boa de falar.
O gráfico da esquerda mostra a produtividade da agricultura brasileira. Se os senhores olharem ali a coluna verde, o Brasil é o terceiro país com maior ganho de produtividade no mundo. Entre os países grandes produtores de produtos agrícolas, o Brasil é um dos que mais ganha produtividade no mundo. Então, a nossa agricultura é altamente produtiva.
A nossa agricultura convive com três coisas que não existe em nenhum outro lugar do mundo: alta produtividade, alta conservação... Se pegarmos quanto há de vegetação nativa em pé, hoje, dentro das propriedades rurais, isso vai dar algo ao redor de mais de 50%. Nenhum país do mundo tem tanta vegetação nativa em propriedades rurais como o Brasil. Só que convivemos com uma outra coisa, que é, ao mesmo tempo, um dos maiores índices de desmatamento. Vejam, não é verdade que só temos notícias ruins para contar, que é o desmatamento. Também protegemos muito. Nós temos que encontrar uma forma de ir reduzindo esse desmatamento e conservar o que está em pé. Essa é a grande equação que precisamos encontrar. Também não existe aumento de produção agrícola sem aumento de área. Só ganho de produtividade não é suficiente. Então, a área agrícola vai continuar se expandindo. O que temos que fazer é criar incentivos para que ela se expanda nas áreas já abertas.
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Só para finalizar, com respeito à MP 867, o que eu acho? O Código Florestal de 2012 precisa ser fortalecido. Nós não podemos tentar reabrir discussões que o STF já fechou. A meu ver, essa é a primeira coisa. As decisões no Supremo foram um marco para o Código Florestal. Ele diz que quase tudo ali está certo e só diz que existe um negócio lá chamado "identidade ecológica", que ninguém sabe o que é realmente. Eu também não sei. Enfim, ele diz que quase tudo está lá. Essa página tem que ser virada, está resolvido. O art. 68 está lá. O art. 68 diz que o produtor que abriu área no momento em que não havia legislação não tem que restaurar.
Eu acho o seguinte: o foco na MP 867 não é a discussão do art. 68. Eu não entraria no debate do art. 68, porque estou entendendo que o que está acontecendo ali é basicamente você detalhar o que o art. 68 já dizia. Onde eu acho que a MP 867 está se equivocando? No fato de tirar o prazo do Cadastro Ambiental Rural. Qual é a grande inovação do Código Florestal? O Cadastro Ambiental Rural. Por que nós, como indústria, podemos fazer um trabalho de controle de desmatamento? Porque eu vou lá no Cadastro Ambiental Rural, vou identificar o produtor e vou dizer para o produtor: "Eu não quero que você desmate" ou "Para você não desmatar, eu vou lhe pagar". Eu vou implementar minhas políticas porque existe um Cadastro Ambiental Rural, que serve de base de dados para trabalhar as nossas políticas de sustentabilidade do setor. Então, quando você tira o prazo do cadastro, você dá uma sinalização muito ruim.
Não é verdade, Dr. Paulo Sérgio, que só alguns produtores estão no cadastro. Existem 500 milhões de hectares lá. Não são só alguns. Em torno de 95% dos produtores declararam as suas informações no cadastro. O cadastro é um verdadeiro sucesso planetário. Ele não existe em lugar nenhum. Agora, sem prazo ele é um problema, porque amanhã o produtor tira o cadastro e não precisa voltar.
Deveríamos focar agora na discussão do prazo. Temos que trazer o prazo de volta. Sem prazo podemos iniciar uma reação em cadeia de, aí sim, enfraquecimento do Código Florestal. Eu não entraria na discussão do art. 68. A meu ver, vamos jogar cartucho fora na discussão do art. 68. Penso que o foco é prazo para o Cadastro Ambiental Rural. E o mais importante: os Estados têm que fazer o seu papel. Aquele cadastro tem que ser validado pelos Estados. É obrigação das Unidades da Federação dizer se aquele cadastro está certo ou errado, para que aí comece a se implementar o PRA. O meu questionamento em relação à MP 867 é que é preciso voltar o prazo do Cadastro Ambiental Rural. Não dá para ser 2019? Jogue mais 1 ano. Quer jogar para 2020? Jogue, mas feche essa discussão. Sem prazo, a meu ver, há um grande problema. Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço ao expositor as palavras.
Passo a palavra à Dra. Cristina Seixas Graça, que é Presidente eleita da ABRAMPA — Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, e que tem contribuído muito com o debate nesta Casa de Leis.
Muito obrigado.
A SRA. CRISTINA SEIXAS GRAÇA - Muito obrigada, Deputado Rodrigo Agostinho. Eu queria parabenizá-lo pela inciativa desta audiência e por este debate profícuo. Eu estou aqui desde de manhã. Também observei que ontem se discutiu muito a questão do retrocesso ambiental. Acho isso de uma relevância ímpar.
Queria também saudar todos os meus companheiros de Mesa, o Dr. Paulo Sérgio, do Ministério Público Federal; o Dr. Gabriel Wedy, Juiz do TRF4; o Dr. André Nassar; e o Dr. Raul do Valle.
Aproveito este momento — dispomos de pouco tempo — para dizer que de manhã observamos muitas pessoas falarem sobre a questão principiológica do direito ambiental, mencionaram bastante o princípio de não retrocesso, o princípio da progressividade de normas mais protetoras. Eu vou passar um pouco por cima disso considerando que nós já tivemos aulas brilhantes aqui. Creio que esta discussão precisa ser levada para alguns outros pontos que nós do Ministério Público também estamos avaliando.
(Segue-se exibição de imagens.)
Como disse o meu colega Presidente da ABRAMPA, o Dr. Fernando Barreto, o Ministério Público brasileiro... E eu posso dizer isso porque a ABRAMPA congrega hoje a maioria dos promotores ambientais, procuradores da República e outros ramos do Ministério Público que têm relação direta com a questão ambiental. Nós todos temos um consenso da existência de um retrocesso muito grande na proteção ambiental no Brasil nesses últimos tempos.
Já que todos falaram muito aqui sobre o princípio do não retrocesso, eu queria falar do nosso compromisso com a integridade ecológica, do nosso compromisso, como cidadãos, com essa construção de uma sociedade sustentável, de uma sociedade que tem que proteger e restaurar os processos ecológicos, que tem que garantir a função dessa vegetação nativa, garantir evidentemente aquilo que é mais rico para nós, que é o processo de viver num ambiente saudável — não só os homens, mas todos os seres vivos.
E aí podemos observar um amadurecimento ideológico, sim — por que não ideológico? —, mas também científico e tecnológico para a proteção ambiental. Nós podemos observar que todos nós estamos num momento de muita reflexão sobre as mudanças que o planeta está sofrendo. Nós, seres humanos — seres que têm essa capacidade de se agregar —, já fizemos diversos pactos, diversos acordos de proteção desse ambiente. E o Brasil não se furtou a esse acordo. O Brasil continua inserido nesse acordo. O Brasil tem que cumprir suas obrigações, tem que estar vinculado àquilo que deliberou como sociedade que busca um crescimento socioeconômico e ambiental.
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Não podemos deixar de observar que essa garantia de proteção de direitos fundamentais está inserida nisso, que o princípio do não retrocesso ambiental está explícito, não está implícito na Constituição Federal, como hoje ouvimos falar. Ele está dentro de todas aquelas normas que favorecem a aplicação de uma proteção ao meio ambiente. E nós temos uma cláusula de responsabilidade para as próximas gerações, de longa responsabilidade, inclusive. Então, nós não podemos renunciar a direitos fundamentais, não podemos negociar com esses direitos fundamentais, e estamos falando disso quando analisamos o Código Florestal. Nós estamos falando de direitos irrenunciáveis, não estamos brincando com sustentabilidade. Nós queremos fazer sustentabilidade.
Quando a Constituição Federal estabeleceu a função social da propriedade, ela disse claramente que nós temos que garantir o aproveitamento racional e adequado da propriedade. Nos direitos fundamentais, mudamos os conceitos de propriedade. A propriedade tem que exercer a sua função social. E o proprietário rural tem que saber que ele tem que cumprir exatamente o que estabelece a Constituição Federal no seu art. 186 e nos outros artigos que são inerentes ao direito de proteção ao meio ambiente e ao direito de proteção à vida.
A utilização adequada desses recursos também está clara como um direito de propriedade, como uma função social da propriedade. Não podemos dizer que existe mais ônus para quem protege. Ele tem que proteger, não é verdade? Nós temos que pensar sob esse aspecto.
Evidentemente, não vou discorrer mais sobre a perspectiva do não retrocesso nem sobre a perspectiva da progressividade de proteção, mas vou dizer que, acontecendo de novo aquilo que já ocorreu com o Código Florestal de 1965 e com o Código Florestal de 2012, evidentemente, haverá insegurança jurídica muito maior. Por quê? Porque o Ministério Público brasileiro não está apenas trabalhando com ideologia, ele também está trabalhando com ciência e com tecnologia. Nós hoje temos condições de aferir questões muito mais científicas do que antigamente. Hoje nós podemos usar toda a visão de um laboratório de geoprocessamento para dizer como está sendo o desmatamento hoje, agora, e como será amanhã. Acompanhamos de perto hoje o desmatamento. Os Promotores de Justiça estão fazendo análises, estudando para verificar a efetividade desse Código Florestal, a efetividade dos instrumentos que foram trazidos para esse Código Florestal. Então nós não estamos fazendo isso por ideologia. Estamos fazendo isso por ciência, por dever de ofício.
O Estado brasileiro precisa garantir as suas normas, como foi dito aqui antes. Diante de todas as falas que foram feitas até agora, estamos tendo que observar que esse direito fundamental não pode ser postergado. Se ele for postergado, será preciso fazer muita judicialização. Vamos ter que brigar muito ainda para que, com toda essa temporalidade de proteção, desde 1934, possamos pelo menos garantir o mínimo, que foi concedido a partir do Código de 2012.
15:25
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Nós já perdemos muito com o Código de 2012. Até brincava aqui com o colega Gabriel que nunca pensei que eu fosse defender o Código de 2012. Estou defendendo o Código de 2012 para que possamos efetivamente garantir esse pacto que foi celebrado no Judiciário, porque foi o Supremo Tribunal Federal quem decidiu sobre a constitucionalidade e inconstitucionalidade de uma legislação, em que nós, que trabalhamos com essa questão há muito tempo, entendemos que há muito prejuízo ambiental, muito retrocesso de proteção.
Então, analisando uma medida provisória e PL 2.362/19, observamos que há, efetivamente, uma visão retrógrada de sustentabilidade, uma visão que perpassa por situações muito claras de desconhecimento, talvez, do que possa existir de bom em cumprir o atual Código Florestal.
Nós temos aqui uma clara visão de que Reserva Legal não é ruim nesses moldes atuais. Nós temos aqui aspectos positivos até com essa visão para o produtor rural. A Reserva Legal pode gerar muito lucro e muita melhoria para a sua propriedade. Ela vai cumprir uma função muito importante para a própria permanência a longo prazo da agricultura.
Há muitas questões a serem discutidas quando se trata dessa proteção da Reserva Legal. Vamos observar a necessidade hoje, diante de todos esses processos climáticos que estamos vivendo, de tantos desgastes da natureza, que era possível, através da Reserva Legal, reabilitarmos processos ecológicos e conservarmos a biodiversidade, que hoje tão afetada nos trópicos.
Todo mundo comenta — existem hoje diversos estudos — sobre a proposta de que o Brasil é muito preservador e tem uma condição de preservação incrível, mas não observamos várias questões voltadas para essa forma de permissão da Reserva Legal. Estamos observando que foi permitida a desconectividade dessas áreas e estamos verificando que houve propostas de acumular recomposição de APPs com Reserva Legal. Então, muitas questões precisam ser realmente observadas. Os retrocessos ambientais foram enormes. Se esses dois projetos legislativos forem aprovados, haverá um prejuízo muito grande na própria condição econômica do País.
Acho que as pessoas entendem melhor quando falamos de economia em vez de direito ultimamente, mas a questão aqui é de direito efetivo voltado para garantir um Estado socioambiental de direito. Nós estamos vivendo, até então, um Estado socioambiental de direito.
Os desgastes das estruturas do Estado é que estão justificando o retrocesso de proteção? Será que é isso que estamos vivendo aqui?! As estruturas que o Estado tem que manter para garantir o cumprimento da lei vão ficar como justificativa para que flexibilizemos mais ainda uma legislação importante para o País?!
É preciso fortalecer as estruturas de gestão. É preciso dar condições a essas estruturas de gestão para que elas façam o papel que lhes cabe: o papel de comando e controle de fiscalização, porque não adianta ter política interna própria de setores se não há regulamentação, porque um ou outro vai descumprir, porque haverá uma voluntariedade no seu cumprimento.
15:29
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Nós estamos num Estado de Direito Ambiental. Então, regulação tem de existir — e regulação com fiscalização.
Enfim, observamos que, se dermos curso a projetos como estes dois que estão tramitando aqui nesta Casa, nós teremos — e não sou eu quem está dizendo, são todos os estudiosos da questão da preservação das florestas— a consolidação de 4 a 5 milhões de hectares de vegetação nativa devastada. Isso é muito crítico, é quase um país como a Noruega. Estão dizendo que é quase a Noruega. Então, é preciso verificarmos que esta medida provisória trará uma série de prejuízos e retrocessos para a própria economia do País.
Eu não vou ficar aqui falando de todas as medidas destas MPs, que são chamadas de jabutis, porque já foi muito falado isso aqui. Existem análises muito importantes dessa medida provisória sobre o Código de 2012, que é essa alteração, representando evidentemente um retrocesso de proteção, quase uma devastação dos tais 155 milhões de hectares que o CAR disse que tem de Reserva Legal. Se isso acontecer, perderemos todo esse território de mata nativa.
Mas eu queria também fazer uma proposta que garanta e incentive o produtor rural a cumprir a lei, uma vez que a Medida Provisória nº 867, de 2018, transformada no PLC nº 9, de 2019, é um desestímulo, é quase uma desobediência civil no País, porque muda completamente o sistema jurídico de proteção da vegetação nativa pelo Código Florestal.
Não sei se os colegas concordam comigo, mas nós estamos destruindo completamente o Código Florestal. Qual era a intenção deste Código? Era preservar os recursos hídricos, preservar o solo, preservar a biodiversidade, preservar as funções ecológicas. Isso estava previsto nas APPs, nas reservas legais. Se você deixa de cumprir o PRA no tempo adequado — essa prorrogação do PRA vai gerar um prejuízo ainda maior para a biodiversidade e para a questão hídrica —, teremos efetivamente uma destruição do Código Florestal, como ele foi aprovado.
Então, a nossa proposta é que não sejam mudadas essas normas, que elas sejam mantidas porque o Brasil efetivamente não é campeão de preservação ambiental. O Brasil não é. Por que o Brasil não é? Porque o Brasil não consegue isso, com essa gestão que ele tem das áreas reservadas, por exemplo. Já foi dito aqui: a maioria das unidades de conservação brasileiras não tem gestão, não tem plano de manejo, não tem recursos. Os recursos inclusive estão contingenciados numa conta.
Até agora o Ministério Público está trabalhando nisso para que possamos ter um fundo para a gestão das unidades, a partir do que estabelece o art. 36 do DUC, que são aquelas compensações pelos impactos ambientais dos grandes licenciamentos ambientais. Isso dá um valor absurdo, mas nunca foi descontingenciado para cumprir a finalidade da norma. Nós temos unidades de conservação aos montes, mas ninguém tem certeza de que elas estão efetivamente preservando porque estão mal geridas, do ponto de vista econômico e de gestão.
15:33
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Também há outra questão clara: o CAR é muito bom como instrumento ainda de declaração. Mas não há uma validação de, sequer, se eu não me engano, 5% das suas declarações. Então, pelo que temos lá, ainda não dá para interpretar qual é efetivamente a proteção ambiental.
Dois colegas, Marcelo Vacchiano e Fábio Corrêa, fizeram uma pesquisa muito importante sobre o CAR na Bahia e em Mato Grosso — inclusive em Mato Grosso, que é um dos maiores produtores de soja, de algodão, de carne bovina, etc. —, se não me engano, somente 0,73% das 128.682 propriedades cadastradas foram validadas. Então, o tempo de validação é muito pequeno porque não há condições de os órgãos ambientais fazerem a validação da quantidade de declarações no CAR.
Tanto em Mato Grosso quanto na Bahia foram constatadas diversas inconsistências na declaração, como, por exemplo: Reserva Legal a mais, áreas de preservação devastadas, declaradas como conservadas, e uma série de outras questões. É complicado também dizer que estão preservados 150 milhões de hectares de mata nativa em Reserva Legal. Por quê? Porque não se validaram efetivamente todas as declarações do CAR.
Essas declarações têm de ser interpretadas, elas têm de ser validadas para, assim, o serviço florestal brasileiro conseguir definir o que efetivamente tem de proteção, de mata conservada e quais são aqueles que estão começando a fazer o PRA. Agora, se passar, nós não vamos mais ter o PRA.
Então, precisamos observar que há uma deficiência muito grande de informação para dizer que o Brasil preserva mais do que todo o mundo. Fora isso, o relatório da ONU mostra que mais de 1 milhão de espécies animais e plantas estão em risco de extinção — isso já foi falado aqui hoje. É óbvio que os Estados Unidos e a Europa usam o território deles muito mais do que o Brasil. Ocorre que nós temos um país de florestas tropicais, com diversos biomas, com várias discussões sobre a biodiversidade dessas áreas. Não é igual lá, que eles têm uma ou outra espécie, ecossistemas com pouca biodiversidade.
Eu fiz um curso agora na Espanha sobre mudanças climáticas e fui ver o Parque Nacional dos Cabaneiros. Lá, o professor que trabalhou conosco disse: "A senhora está vendo aqui a mesma paisagem que os romanos viram há séculos". Era tudo igual.
Nós não somos assim. Nós somos biodiversos. Nós precisamos ainda conhecer a biodiversidade. Nós precisamos garantir aquilo que ainda não é conhecido. Nós estamos dando um tiro no escuro, matando talvez a galinha dos ovos de ouro, quando destruímos a natureza brasileira.
Por isso, é preciso ter muito cuidado quando falamos sobre Reserva Legal, área de preservação permanente, a própria floresta nativa, de modo geral, e sobre a questão da preservação brasileira. Nós temos então uma visão inadmissível agora à defesa do Código Florestal: alterar o Código Florestal como ele está hoje em razão de tantos problemas que vamos realmente garantir no Brasil.
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O que podemos observar de todos os estudos? Eu tive o cuidado com os colegas do Ministério Público de avaliar as possibilidades. Já que estamos falando em economia, porque se deixar o Código Florestal a economia brasileira pode quebrar, nós tivemos o cuidado de observar que há vários estudos, há vários pesquisadores, a ciência hoje comprova a possibilidade importantíssima de se usar a Reserva Legal para ganhar dinheiro. É uma possibilidade de negócios, uma oportunidade de negócios, inclusive para garantir os novos mercados verdes, os novos mercados de biotecnologia, os novos mercados que estão surgindo e que são muito importantes.
Nós precisamos garantir que esses negócios de baixo carbono sejam implementados, sim. É um dever do Estado brasileiro incentivar o produtor, incentivar aquele que tem a oportunidade de ter uma área de Reserva Legal, uma APP, buscando esses negócios, buscando essa sustentabilidade, talvez mais vantajosa do que a própria atividade agrícola muitas vezes. É necessário pensarmos sobre isso, discutir sobre essa economia verde, mudar o padrão e o paradigma dessa agricultura que só pensa em retirar os recursos naturais, já que também vai ficar sem água, vai ficar sem restauração florestal.
Há também a necessidade de um avanço em pesquisas para definir a exploração dessa biodiversidade, melhorar a condição de pesquisa dessa área. Talvez isso seja algo que precisamos realmente repensar, discutir, trazer um pacto nacional sobre como melhor proteger e usar a biodiversidade brasileira, uma biodiversidade tropical, diferente do que vemos fora do Brasil.
Portanto, além do cumprimento da própria legislação, nós precisamos fazer uma difusão, trazer o conhecimento da importância e das funções que a Reserva Legal e as Áreas de Preservação Permanente têm no Código Florestal, a importância da recomposição dessas áreas. Não há falta de diálogo, há falta de conhecimento — parece-me — quando se trata de projetos como esses da MP 867, do próprio projeto que extingue o art. 68 do Código Florestal. Repito, há falta de conhecimento, há falta de noção nossa relativa à importância ecológica com a Reserva Legal. Nós precisamos fazer o envolvimento desses setores produtivos. Há muita coisa, sim, que já pode ser discutida. Nós precisamos efetivamente nesse momento cumprir a lei, porque é ela que vai nos dar segurança para o futuro e para garantir uma sociedade justa e realmente mais inclusiva.
Aqui nós temos, portanto, muitas coisas voltadas para a utilização econômica da Reserva Legal. Verificamos aqui claramente o que a biodiversidade e os ecossistemas podem nos dar: segurança climática, segurança alimentar, segurança hídrica, segurança energética, saúde humana. Além disso, podemos conseguir driblar as mudanças do uso do solo. Hoje, grande parte do solo está realmente degradado. É um crime ambiental degradar solo, porque solo é um bem ambiental e está previsto na Política Nacional do Meio Ambiente. Além disso, a biodiversidade e os ecossistemas podem nos garantir uma nova visão das mudanças climáticas, com atitudes mais sérias para evitar os seus efeitos, instituições com deficiência para atuar, ou seja, garantir uma melhor estrutura do Estado para atuarem e driblar a crise econômica com novos métodos de atividade econômica. Eu queria agradecer a oportunidade e pedir desculpas pela minha falta de análise devido ao tempo, tendo em vista que que acabamos nos empolgando com o assunto.
15:41
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Muito obrigada a todos.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Obrigado, Dra. Cristina.
Passo a palavra agora ao Dr. Raul do Valle, Diretor de Políticas Públicas da WWF.
O SR. RAUL DO VALLE - Boa tarde a todos.
Eu queria, em nome do Deputado Rodrigo Agostinho, agradecer o convite e parabenizar toda a Mesa pela exposição. Tive a sorte de ser o último a expor. Eu estou aproveitando que todos já falaram para dizer que concordo com quase tudo que meu colega André Nassar colocou, mas discordo de um ponto: o art. 68, que é justamente o tema dessa mesa e sobre o qual eu vou falar.
Mais para frente vou concordar com várias outras coisas, mas considero importante falarmos sobre esse artigo porque não é um assunto descartado, não é um assunto menor. Do que trata o art. o 68? A Lei nº 12.651, o Código Florestal de 2012, trouxe no seu art. 68 a seguinte regra simples: aqueles que desmataram, segundo a lei da época, não seriam obrigados a recuperar a vegetação para uma lei posterior que seja mais rigorosa, que exija mais preservação, do ponto de vista da Reserva Legal, porque não se tratou de APP. Naquela época ninguém tratou de APP.
Qual foi a razão disso? O que foi acordado à época? Aqui nesta sala há alguns que estavam lá e sabem qual foi a negociação. A negociação era o seguinte, era simples: na Amazônia, durante anos, o Código Florestal dizia que a Reserva Legal era 50%. Muitos produtores foram para lá, compraram terra, ganharam terra, colonizaram a Amazônia, abriram suas áreas legalmente, vários com licença dada pelos órgãos ambientais, mantendo 50% de Reserva Legal.
Em 1996, pico de desmatamento, Fernando Henrique Cardoso edita medida provisória e aumenta de 50% para 80% a área que não pode ser desmatada na Amazônia. Depois, com várias e sucessivas medidas provisórias, isso foi consolidado com uma regra: na Amazônia Legal é 80% a Reserva Legal. No entanto, havia produtores que, sim, haviam aberto suas áreas legalmente e tinham 50% de Reserva Legal, em alguns poucos casos — frise-se, em alguns poucos casos, mas não importa se eram poucos casos porque é uma questão de Justiça —, estavam sendo obrigados a recuperar os outros 30% para seguir a lei mais recente e mais rigorosa com relação ao meio ambiente.
Ficamos 10 anos discutindo no Congresso Nacional o novo Código Florestal. Houve um acordo àquela época voltado para a Amazônia Legal, que não era razoável, não era justo, que esses produtores que abriram legalmente fossem obrigados e eventualmente multados para recuperar para 80%.
A conta era simples. Eram poucos produtores, era justo, era razoável, o impacto ambiental era pequeno. Isso sinalizava segurança jurídica. O importante era a segurança jurídica.
15:45
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Essa é a razão de ser, essa é a memória de cálculo do art. 68, tal qual está lá.
E o que traz o substitutivo da MP 867? A medida provisória original não trata desse assunto. Esse é um assunto totalmente novo. A medida provisória tratava originalmente apenas da extensão de prazo para o produtor aderir ao Programa de Regularização Ambiental. O substitutivo traz uma novidade, e não é uma mera interpretação da lei no passado. Este é o ponto: não se trata de uma mera interpretação, traz uma novidade, traz uma interpretação sui generis da lei. O substitutivo diz, em linhas gerais, que o Cerrado, por exemplo, só tem Reserva Legal a partir de 1989, e que outras formações que não são formações florestais stricto sensu — campos de altitude, Pampas, Pantanal — só teriam proteção a partir da medida provisória de 2001. Isso causa um impacto grande. Já foi medido: mais ou menos 5 milhões de hectares deixarão de ser recuperados ou deixarão de ser conservados, porque isso impacta o mecanismo de compensação de Reserva Legal. Ou seja, produtores no Cerrado que têm área conservada, que poderiam deixar de desmatar ao receber a compensação de um produtor que, em vez de recuperar, está compensando, não farão, não receberão, poderão desmatar.
Muito bem. A questão central é a seguinte: é razoável isso aí? É verdade isso? Eu posso dizer que não. Eu achei até que antes viria essa questão à Mesa, mas não veio, e eu vou fazer muito brevemente um histórico do Código Florestal porque considero importante.
O Código Florestal de 1934 — vamos lembrar: o de 1934 foi nosso primeiro Código Florestal — já trazia a Reserva Legal com outro nome que era aquele um quarto que não podia ser desmatado, e dizia então que um quarto das matas existentes não poderiam se desmatadas. Era isso. Alguns interpretam, "bom, então só valia para a floresta. Mata é igual a floresta, Cerrado não é floresta. Portanto, Cerrado, Pampa ou Pantanal e vegetações campestres não tinham nada". Aplicava-se a florestas stricto sensu: árvores altas, dossel fechado, sombra ao meio-dia, digamos assim.
Só que isso não procede. O próprio Código de 1934, no seu art. 2º, trazia uma disposição muito expressa que dizia:
Art. 2º Aplicam-se os dispositivos deste código assim às florestas como às demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem.
Reconhecia-se que qualquer forma de vegetação era de utilidade às terras que revestiam e que o que se aplicava à floresta, se aplicava aos outros tipos de fisionomia.
A exposição de motivos do Código de 1934 era muito clara. Dizia o seguinte: "No significado vulgar, floresta é toda a vegetação alta e densa cobrindo uma área de grande extensão." Isso é o que nós imaginamos popularmente como floresta. "Evidentemente, porém, não é só essa forma de vegetação que necessita ser protegida, apesar do nome dado ao Código. O anteprojeto resolveu a dificuldade estatuindo no parágrafo único do art. 2º que, para os efeitos do código — todos os efeitos — são equiparadas às florestas todas as formas de vegetação que sejam de utilidade às terras que revestem, o que abrange até mesmo as plantas forrageiras nativas que cobrem os nossos vastos campos naturais próprios para criação de gado."
O Código de 1934 já trazia essa disposição. Tudo que ele dizia se aplicava para florestas e outras formas de vegetação. Então, por floresta entenda-se outras formas de vegetação. Muito bem. O Código de 1934 foi revogado pelo Código de 1965, e o Código de 1965 trazia disposições um pouco mais confusas do que o de 1934. Ele trazia basicamente o art. 16. O art. 16 falava que haveria de ter... não se chamava Reserva Legal ainda. Falava o que o art. 16?
15:49
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Art. 16. As florestas de domínio privado, (...) são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:
a) Nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, (...) respeitado o limite mínimo de 20% (...).
Estabeleceu-se aí a Reserva Legal de 20% — leste meridional, sul e centro-oeste. Não falava das regiões brasileiras. Da Região Centro-Oeste, falava na parte sul, onde está o Cerrado. Na parte sul do Centro-Oeste já há Cerrado, nessa parte do leste meridional já há Cerrado, já há outras formas de vegetação. Mas aqui se falava de florestas. E ia falando de outros dispositivos: na Região Sul, da araucária e tudo o mais.
No art. 44, ele falava da Região Norte e da região norte do Centro-Oeste e que em qualquer desbravamento de área tinham que ser mantidos pelo menos 50% — não eram nem 20% — de área protegida. Nem se falava de florestas, falava-se de qualquer área a ser aberta, relação à manutenção de 50%.
Bom, muito se discutiu sobre isso. Desde 1965 havia a discussão: "Ah, mas isso se aplica só a florestas". Mas o Código também fala de outras formas de vegetação — "aplicam-se as disposições deste Código às florestas e a outras formas de vegetação" —, assim como o de 1934.
O fato é que o Superior Tribunal de Justiça, em 2012, colocou uma pedra sobre esse assunto e unificou a sua jurisprudência: "O Código Florestal de 65 se aplica a todas as formas de vegetação, não apenas a florestas".
Eu vou citar aqui um dos acórdãos que virou leading case — e depois vários outros seguiram este — sobre a Reserva Legal:
d) é espaço de proteção da flora nativa, e não exclusivamente de floresta nativa, daí a inexatidão do termo "Reserva Florestal Legal", como de resto da própria denominação de "Código Florestal", já que o campo de aplicação do diploma, nas palavras do legislador, são as "florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação".
Então, o Superior Tribunal de Justiça, em 2012, unificou sua jurisprudência no País, disse que se aplica a florestas e a outras formas de vegetação a mesma regra de reserva legal.
Bom, mas isso não é uma questão só teórica, é uma questão prática. Eu vou pedir licença para me levantar e mostrar algo na tela.
(Segue-se exibição de imagens.)
Não sei se dá para ler. Basicamente, o que é isso aqui? Eu tenho várias aqui e posso mostrar. São certidões de averbação de Reserva Legal feitas em janeiro de 1989. O marco legal que se quer utilizar na MP 867, para dizer que não havia Reserva Legal no Cerrado antes de 1989, é uma lei que foi promulgada em julho de 1989. Então, a tese subjacente à MP 867 é de que antes da lei de 1989 não havia Reserva Legal no Cerrado. Em janeiro de 1989, em Francisco Sá, um Município vizinho a Montes Claros... Quem aqui conhece Montes Claros sabe onde se situa. Montes Claros está na região de transição entre Cerrado e Caatinga. Grande parte dessa região aqui é um ecótono entre Cerrado e Caatinga: não tem nada de Mata Atlântica, não tem nada de Floresta Amazônica. Vocês não acharão praticamente nenhuma formação parecida com floresta nem em Francisco Sá, nem em Montes Claros.
15:53
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Esse aqui é um termo de responsabilidade de preservação de floresta feito pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, sob a delegação do então IBDF, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal — lembremos que o IBAMA não existia nessa época ainda —, segundo o qual o proprietário da Fazenda Riacho dos Carneiros tinha que manter 20% da vegetação nativa preservada, sob os auspícios dos arts. 16 e 44 do Código Florestal de 1965.
Ou seja, em resumo, o que a MP 867, ao alterar o art. 68, está dizendo é que isso aqui não existe, que essas averbações de Reserva Legal não existiam porque não existia Reserva Legal no Cerrado, não existia averbação. E isso aqui existe. Então, vários produtores, vários proprietários fizeram suas averbações no Cerrado, na Caatinga, em várias formações florestais mais ou menos densas, antes de 1989, e tiveram que preservar.
Se houver interesse, vou deixar à disposição da Câmara dos Deputados algumas... Isso aqui é um título exemplificativo. Aqui há pelo menos seis documentos. Mas há vários outros casos.
Portanto, senhores, o que nós temos hoje, com a MP 867, é uma mudança de regra, não é uma simples interpretação de regra. Assim como o Dr. André Nassar colocou e outros tantos, acho que nós estamos aqui num momento de implementar a lei e de parar de modificar. O Código Florestal ficou 10 anos sendo discutido nesta Casa. Todos os setores participaram. Ninguém ficou satisfeito. Eu pessoalmente não fiquei satisfeito. Tenho certeza de que o André não ficou 100% satisfeito. Ou seja, ninguém ficou satisfeito. Mas foi o acordo possível. Foi para o Supremo, e o Supremo decidiu: "Vamos cumprir a lei". Modificar o Código Florestal antes que ele comece a ser implementado — ou seja, o processo de Cadastro Ambiental Rural está em andamento, os programas de regularização estão em elaboração — equivale a dizer que não existe palavra, que não existe acordo neste País, que não existe segurança jurídica e que tudo o que é feito pode ser desfeito no passo seguinte. Isso nos transforma numa "república de bananas". E nós não somos uma "república de bananas". A lei tem que valer aqui. Acordos têm que valer nesta Casa e neste País. Senão, nós nunca vamos andar para a frente.
Em vez de estarmos aqui discutindo o art. 68 — e aí eu concordo com o André —, deveríamos estar discutindo política de pagamento por serviço ambiental. O que ele colocou é muito importante. Como vamos fazer cumprir a lei? Como vamos remunerar aqueles produtores que conservaram mais do que os outros? Como vamos incentivar aqueles que querem recuperar? Como vamos fazer isso num cenário de constrição fiscal, num cenário em que somos um grande exportador agrícola? Essa deveria ser a nossa discussão. Mas, infelizmente, estamos voltando ao looping da discussão sobre como vamos enfraquecer a legislação florestal e desfazer acordos que foram feitos a duras penas aqui, quando todos estavam no mesmo bonde. Todos nós estávamos na mesma onda: "Vamos colocar o Código Florestal em implementação. Não acho ele perfeito, mas vamos fazê-lo acontecer". E nós estamos voltando, infelizmente, estamos dando passos para trás. Isso vai gerar uma insegurança enorme. E não é só em relação ao prazo do CAR, mas também em relação ao fato de que qualquer alteração na lei neste momento vai ser a seguinte sinalização: "Essa lei não é para valer, não cumpra essa lei. Quem fez desfaça, e quem não fez não faça ainda, porque pode ser que mudemos um pouquinho mais à frente. Vamos trazer o prazo mais para cá, vamos simplificar mais, vamos diminuir a proteção". E não é isso o que nós queremos.
Temos aqui representantes da área jurídica de um setor moderno, o do agronegócio. O moderno agronegócio já deu o recado: "Não queremos mudar a lei, queremos implementar". Como vamos fazer? Há mil discussões. Podemos fazer aqui altas discussões relevantes. Já há coisas acontecendo, tanto no mercado quanto em políticas estaduais e, incipientemente, em políticas federais, mas temos que dar corpo a isso. Onde vamos conseguir recursos? Como vamos fazer as políticas eficientes? Nós não estamos fazendo isso, estamos discutindo novamente, estamos voltando para trás.
15:57
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Para finalizar, eu queria dizer que o problema não é só em relação à quantidade de área que vai ser anistiada, que são os 5 milhões de hectares, mas também que o art. 68 tem outro complicante. Mesmo que ele fosse juridicamente correto, historicamente correto, o que não é, ele traz um complicador enorme. Eu produtor rural que estou numa área de Cerrado, falo: "Beleza. Desmatei, e não tenho que recuperar. Mas desmatei o quê?". Eu teria que ter desmatado 100% ou mais do que 80% daquilo que existe no imóvel antes de 1989 ou antes de qualquer marco legal. Eu teria que comprovar o limite do imóvel lá em 1989, o limite do imóvel em 1965, porque está voltando para 1965 em vários casos de floresta na Mata Atlântica. Isso vai gerar um looping administrativo gigantesco. E, mais uma vez, nós vamos incentivar produtores rurais a contratarem advogados, e não engenheiros agrônomos para restaurar as suas áreas. Os advogados vão discutir, no órgão ambiental, qual era o meu imóvel, se a declaração de venda do café do meu avô vale para comprovar que já existia aquele móvel naquele tamanho. Vão ficar mais 20 anos discutindo, cada um deles, se deve ou não deve recuperar a Reserva Legal, quando a nossa discussão deveria ser esta: "Como vamos fazer? Como vamos pagar? Como vamos compensar? Como vamos efetivar isso?".
Eu queria deixar claro que é um atraso gigantesco alterar de novo o Código Florestal, além do prazo de adesão ao Programa de Regularização Ambiental — PRA. O prazo de adesão ao PRA é algo com que todos concordávamos. Ninguém estava em desacordo, porque isso está no caminho da consecução da lei. Todas as demais alterações propostas pela MP 867 são prejudiciais à implementação da lei e vão gerar esse efeito.
Eu queria agradecer novamente à Câmara dos Deputados e dizer que nós estamos bastante atentos. Esperamos que os Deputados e os Senadores tenham consciência de que não se deve reabrir uma discussão que tanto prejuízo causou a este País, uma discussão da qual todos saíram entendendo que foi democrática e que um acordo havia sido feito. Teremos, não só para o meio ambiente, mas também para a segurança jurídica deste País, um prejuízo imenso se novamente for alterado o Código Florestal.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Quero agradecer pelas palavras ao Dr. Raul do Valle, que deu uma aula para nós sobre o marco temporal do Código Florestal.
A qualquer momento entre o dia de hoje e o dia 3 de junho, essa medida provisória poderá ser colocada em votação. Eu acho que é extremamente importante nós nos atermos ao acordo que foi feito 8 anos atrás, em 2012, que foi o responsável pela aprovação do Código Florestal.
O que se percebe é que existe um agro com o olhar no futuro, um agro que pensa na sustentabilidade, que está no mesmo caminho do restante do planeta, que busca a sustentabilidade e o equilíbrio entre produção e conservação, que se preocupa com a questão climática, e existe ainda aqui dentro da Casa um agro do atraso, um agro que pensa no lucro acima de tudo e que não está preocupado sequer com a qualidade ambiental da sua própria propriedade. É algo que realmente nos chama a atenção e que foi motivador da realização desta audiência pública.
Eu consulto os painelistas sobre se gostariam de fazer mais alguma consideração final ou se poderíamos encerrar este debate. (Pausa.)
Indago também a quem está assistindo a esta audiência se gostaria de fazer alguma pergunta, algum questionamento. (Pausa.) Não?
Tem a palavra o Raul.
16:01
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O SR. RAUL DO VALLE - Eu queria só fazer mais uma consideração, sobre um ponto importante que o André colocou aqui, sobre a discussão do desmatamento legal e ilegal. Isso volta à questão da lei.
Eu estou de acordo, acho que não acabamos com o desmatamento ilegal num passe de mágica. Isso está correto. Temos que reconhecer que o próprio setor moderno da agropecuária brasileira avançou — e a ABIOVE faz parte dele —, que as moratórias e os pactos vêm avançando nisso e que o setor tem a visão realista de que é um processo. Temos que separar o joio do trigo: os produtores modernos que produzem e exportam dos que são especulativos. Acho que há um consenso na sociedade de que essa diferenciação tem que ser feita. Temos que reconhecer os bons, e aplicar a lei em relação àqueles que estão fora da lei.
Mas há um perigo subjacente a ficarmos só no que é legal e ilegal, porque não pode ser uma questão meramente formal, que esteja destituída de conteúdo. Eu sei que não é isso o que a ABIOVE faz hoje, nos pactos. Não. Se só queremos combater o desmatamento ilegal e modificamos a lei, e tudo passa a ser legal, teremos desmatamento ilegal zero, mas muito desmatamento e pouca sustentabilidade na cadeia produtiva. Essa discussão tem que vir à luz também. Não basta apenas o desmatamento ilegal zero. Temos que trabalhar para que ele seja zero em algum tempo e, depois, para que haja desmatamento zero em algum tempo.
É importante termos uma lei forte, uma lei razoável. É importante que não retrocedamos na lei. Se ficarmos meramente na discussão sobre legal e ilegal, sem conteúdo, nós não alcançaremos os nossos objetivos. E eu tenho certeza de que os mercados internacionais sabem identificar isso. Eu tenho ouvido no discurso de alguns — que não é o seu, quero deixar bem claro; é o de alguns outros — um pouco desta dubiedade: "Será que vamos ficar só no desmatamento ilegal? Essa é a nossa missão, mas não importa o que está na lei, vamos modificando a lei".
Então, eu queria chamar a atenção para isso e dizer que é importante reconhecermos que é um processo e que temos que trabalhar nesse processo, mas que o conteúdo da lei é relevante.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço ao Dr. Raul.
Vou encerrar esta audiência agradecendo mais uma vez a todos os painelistas. Num período muito curto a Câmara dos Deputados deve iniciar a Ordem do Dia no plenário. Então, nós conseguimos cumprir com a missão de fazer esta audiência pública e de concluí-la antes do horário da Ordem do Dia. Eu agradeço a todos.
Agradeço também aos painelistas da parte da manhã que ficaram aqui para acompanhar a audiência agora à tarde.
Esperamos que a Câmara dos Deputados tome a decisão com maturidade e com o olhar na sustentabilidade.
Está encerrada a reunião.
Muito obrigado.
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