Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Nos termos regimentais, declaro aberta 10ª Reunião do grupo de trabalho destinado a analisar e debater as mudanças promovidas na legislação penal e processual penal pelos Projetos de Lei nº 10.372 e nº 10.373, de 2018, e nº 882, de 2019, convocada para audiência pública com o objetivo de debater os temas propostos no roteiro de trabalho e deliberação de requerimentos.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Solicito a dispensa da leitura da ata.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois, não, Sr. Deputado. Está deferido o pedido de dispensa de leitura da ata.
Expediente. Mensagem eletrônica subscrita pelo Sr. Douglas Belchior, representando os movimentos sociais e a comunidade Irohin; CONAQ — Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, Geledés — Instituto da Mulher Negra; Rede Afirmação; UNEAFRO; Marcha das Mulheres Negras de São Paulo; EDUCAFRO; Núcleo de Consciência Negra; Crioula; Pré-Vestibular para Negros e Carentes — PVNC, PRECDDE. Na mensagem, foi indicado o nome do advogado e professor de Direito Penal, criminólogo da UFSC — Universidade Federal de Santa Catarina, doutorando na UnB, Dr. Luciano Góes, como representante das entidades na presente audiência.
Audiência pública para a análise e debate das mudanças na legislação penal e processual penal. Tema 06: execução de pena em decorrência de condenação criminal, exarada pelo órgão colegiado; progressão de regime; estabelecimentos penais federais de segurança máxima; sistema carcerário; falta grave do condenado; estabelecimento do juízo federal de execução penal em ocorrências dos presídios federais.
Foram convidados e encontram-se presentes: Dr. Lucas Villa, Dra. Thaméa Danelon Valiengo, Dra. Ludmila Lins Grillo, Dr. Luciano Góes.
Estamos aguardando a presença do Sr. Helder Jacoby e também do Sr. Luciano Góes, representando as entidades ligadas aos movimentos negro.
Solicito a atenção de todos para o tempo destinado à exposição dos convidados e aos debates dos Srs. Parlamentares.
Cada convidado disporá de 20 minutos para proferir sua fala, não podendo haver apartes. Os Deputados interessados em interpelar os convidados deverão inscrever-se previamente e poderão usar da palavra por 5 minutos, ao final das exposições, podendo haver réplica e tréplica.
Como nós temos hoje seis palestrantes e temos também o representante dos movimentos, então, nós temos cinco palestrantes hoje, eu vou compor Mesa, primeiramente, com três palestras e, em seguida, nós comporemos a Mesa com mais dois. Convido a Dra. Thaméa Danelon Valiengo, Dr. Luciano Góes e o Dr. Lucas Villa. (Palmas.)
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Eu vou compor a primeira Mesa com uma mulher e também a segunda rodada, para que tenhamos sempre mulheres à mesa.
Então, passo a palavra à Dra. Thaméa Danelon Valiengo, esclarecendo aos nossos palestrantes e aos demais convidados que esta audiência está sendo transmitida ao vivo, está sendo gravada e estará disponibilizada na página do nosso grupo de trabalho, ficando à disposição de pesquisadores, de estudantes, de profissionais da imprensa, enfim, deixando ali a historiografia dos nossos trabalhos à disposição da comunidade acadêmica e de demais profissionais que se interessem pelo teor das mesmas.
Gostaria, primeiramente, de cumprimentar os membros da Mesa e agradecer o convite feito pela Deputada Carla Zambelli. Comprimento a todos Deputados, servidores da Casa e convidados.
Primeiro, vou me apresentar rapidamente. Eu sou Procuradora da República, eu trabalho há quase 20 anos no Ministério Público Federal, em São Paulo, e esse tempo todo basicamente na área criminal. Tenho experiência de trabalhar com crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro e crimes de corrupção e também dei aulas de Processo Penal.
Por conta disso, pela minha atuação profissional e pela minha experiência acadêmica, dentre os pontos que são constantes do Tema 6, eu vou fazer o enfoque maior no primeiro item, que é a execução da pena em decorrência da condenação criminal exarada por órgão colegiado. Eu vou enfocar um pouco também o Projeto nº 882, apresentado pelo Ministro Sergio Moro, em que ele positiva, implementa no texto de lei a possibilidade da execução provisória da pena após segunda condenação, seja a execução da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. E a minha posição vai ser no sentido da concordância e da defesa dessa implementação na legislação. Por quê?
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Primeiramente, eu queria falar um pouco sobre o Direito Penal e o Direito Processual Penal. O que o Direito Penal e o Direito Processual Penal tutelam? O que protegem? Protegem diversos bens jurídicos. Protegem a honra das pessoas, o patrimônio das pessoas, a liberdade, a integridade física, a vida das pessoas. E como é feita essa proteção? Ela é feita através da tipificação dos crimes no Código Penal. No crime de homicídio, o intuito qual é? É proteger as vítimas de homicídio, proteger para que não sejam mortas; e tutelar uma eventual vítima de uma tentativa ou não. Então, o objetivo do Direito Penal e do Processual Penal não é uma punição indiscriminada, não é sair prendendo pessoas, encarcerando inocentes. Esse não é o objetivo. O objetivo da legislação é tutelar esses bens, proteger a vida, a liberdade, o patrimônio, a honra, a administração da justiça e a administração pública.
Diante disso, para que haja de fato essa proteção, para que a sociedade se sinta segura, é importante que o Direito Penal e o Processual Penal sejam efetivos, que tenham aplicabilidade. Não adianta nós termos uma lei muito bonita no papel e não haver aplicabilidade. E é importante que a lei mude a sociedade para o lado melhor. O objetivo da lei é trazer o quê? É trazer paz social, que é o objetivo do Estado; trazer o bem-estar social.
Estou fazendo essa introdução dizendo que o Direito Penal e o Processual Penal têm que ser menos interventores e mais leves contra a criminalidade mais leve. E nós temos exemplos na nossa legislação. Se há uma infração pequena, sem violência, sem ameaça, sem uma gravidade à sociedade, como um furto pequeno, um pequeno dano ao patrimônio, não há necessidade, evidentemente, que a pessoa seja presa, encarcerada, recolhida à prisão. Existem medidas alternativas. Existe a possibilidade até de uma transação penal, ou seja, a pessoa nem vai ser processada. Agora, quando tratamos da alta criminalidade, como crime organizado, crimes de colarinho branco contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro, grandes corrupções, o processo penal tem que dar uma resposta mais efetiva e tem que ser, de fato, mais rígido, mais contundente.
Não podemos tratar igualmente um homicida, uma pessoa que matou, por exemplo, a própria filha, e aquela dona de casa que vai ao mercado e furta um pacote de bolacha para alimentar o filho. Então, o Direito Penal e o Processual Penal têm que saber essa diferenciação.
Diante disso, é muito importante, havendo uma condenação penal e sendo essa condenação ratificada pelo órgão colegiado, no meu ponto de vista, eu penso, sim, que é interessante que fique na legislação essa possibilidade.
Nós temos que fazer dois exercícios. Primeiro exercício: pode ocorrer a execução provisória da pena? Segundo: ela deve ocorrer? Primeiramente, sobre se pode ocorrer a prisão após a segunda condenação — eu falo prisão, mas a execução provisória também diz respeito à pena restritiva de direitos —, nós entendemos que ela pode ocorrer sim. O primeiro ponto jurídico, para quem não é familiarizado com o Direito, a primeira condenação, em regra, é proferida por um juiz singular, seja um juiz federal ou estadual.
A pessoa condenada poderá recorrer e irá para um órgão colegiado composto por três juízes, três desembargadores.
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Quando a pessoa é condenada após a segunda instância, ela poderá ainda recorrer? Poderá recorrer. São os chamados, em regra, recurso extraordinário e recurso especial, que vão para as cortes superiores, só que esses recursos não têm o chamado efeito suspensivo. O que é isso? Eles não têm o condão de suspender aquela decisão condenatória. Então, ainda que a pessoa recorra para as cortes superiores, este recurso não suspende aquela condenação, logo essa condenação tem que ser implementada, tem que ser aplicada imediatamente. Esse é o primeiro ponto do nosso ordenamento jurídico que autorizaria a prisão após a segunda condenação.
Além disso, o art. 5º, da Constituição Federal, no inciso LVII diz o seguinte: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Esse é o princípio da inocência ou o princípio da não culpabilidade. Agora, nós entendemos que esse princípio não é atingido pela condenação e pela execução da pena após a segunda condenação, porque esse princípio não diz que ninguém poderá ser preso, a não ser após a condenação transitada em julgado. Ele diz que não será considerado "culpado". Ele fala sobre culpa. Então, culpa é uma coisa. A possibilidade de prisão é outra coisa. Nós temos, como exemplo, a possibilidade da prisão em flagrante. O que é a prisão em flagrante? Qualquer um do povo, não só uma autoridade, pode prender, em regra, alguém que comete um delito flagrante. Essa pessoa presa em flagrante é investigada? Não, não há um inquérito contra ela. Ela é processada? Não. Ela é condenada? Não, então não há culpa. Então, culpa é um instituto, e possibilidade de prisão é outro instituto. Temos também a possibilidade da prisão preventiva, em que a pessoa não foi condenada ainda. Muitas vezes ela nem foi processada. Então, a possibilidade da execução provisória da pena, após a segunda condenação, após um órgão colegiado, é plenamente cabível com o nosso ordenamento jurídico e com a Constituição. Lembro que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre essa possibilidade em diversas oportunidades, em quatro ou cinco oportunidades, no ano de 2016 e no ano de 2018. O próprio Supremo, vários Ministros, como o Ministro Edson Fachin e o Ministro Barroso, entenderam que é constitucional, ou seja, não viola a nossa Constituição Federal a possibilidade de execução após a segunda condenação. Então, esse é o posicionamento que responde à pergunta: pode haver uma prisão? Nós defendemos que pode haver, mesmo como já se encontra a legislação atual.
Há outra pergunta. Deve-se ter a execução da pena após a segunda condenação? Nós entendemos que sim.
Fazendo uma análise de direito comparado, nós temos duas nações que são berço da democracia, que são os Estados Unidos e a França. Essas duas nações autorizam a prisão após a primeira condenação. Então, nesses países, quando a pessoa é condenada a uma pena privativa de liberdade, automaticamente ela já é encaminhada à prisão. O que o Projeto nº 882 sugere nem seria a prisão após a primeira condenação, mas após uma segunda condenação.
Outros países também igualmente democráticos e desenvolvidos, como Canadá, Espanha, Alemanha e Portugal, autorizam também a prisão após segunda condenação.
Trazendo um pouquinho da minha experiência prática, nós sabemos que a nossa Justiça é um pouquinho lerda, principalmente em relação àquelas pessoas mais poderosas que têm poder político e poder econômico e que podem contratar bons advogados que se valem de recursos e de brechas na lei, para tentar procrastinar o processo. Não faço nenhuma crítica. Os advogados têm que se valer da lei, do que ela permite, para favorecer o seu cliente. Mas, no Brasil, nós temos quatro instâncias, o único país do mundo que tem quatro instâncias de julgamento. A primeira instância, a segunda instância — que no âmbito estadual é o Tribunal de Justiça e no âmbito federal é o Tribunal Regional Federal —, depois temos o Superior Tribunal de Justiça e o STF. Então, é muito demorada a aplicação da pena.
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Não faz sentido que pessoas, principalmente quando de alta periculosidade — traficantes, latrocidas, sequestradores, lavadores de dinheiro, altos corruptos —, aguardem em liberdade até que haja o trânsito em julgado. Então, para que o direito penal seja efetivo, é muito importante que as decisões sejam implementadas e cumpridas, porque não adianta termos um sistema em que é aplicada uma pena que não é executada. Quando a pena é cumprida provisoriamente, ela tem o caráter repressivo e o caráter preventivo de mostrar para outras pessoas que, se cometerem crimes graves como esse, ela também será punida, e a pessoa que está acostumada com a criminalidade, sabendo que vai haver uma repressão efetiva de que a lei vai funcionar, vai ter uma outra conduta, principalmente no que se refere à criminalidade de colarinho branco — crimes de lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro e crimes de altas corrupções. Quem fala isso são estudiosos, como, por exemplo, a Prof. Susan Rose-Ackerman, da Universidade de Yale. Ela sustenta que a impunidade fomenta as práticas delitivas de colarinho branco, estimula as práticas de corrupção. Agora, sabendo os praticantes desses crimes que a pena será aplicada após um segundo julgamento, evidentemente que isso vai inibir. Então, diante desse contexto, diante desse cenário, diante da obrigação do Estado de assegurar a liberdade individual das pessoas, de assegurar a segurança pública e de assegurar a vida das pessoas, para que esses bens tutelados pelo processo penal e pelo direito penal não sejam violados, nada mais adequado e razoável, no meu ponto de vista, que o Estado possa fazer cumprir a sua decisão.
Fazendo um paralelo, seria como se um de nossos filhos fizesse uma má-criação, por exemplo. E os pais falam: "Você não pode fazer isso; você vai ser punido; você será punido daqui a 15 anos". Então, isso não tem muita razoabilidade. A punição deve ser feita num tempo razoável para que aquela pessoa que cometeu a infração receba as consequências do seu ato. É claro que temos que por um lado garantir o direito da sociedade, mas também temos que garantir o lado do investigado ou do réu.
Evidentemente deve ser assegurada a ampla defesa, deve ser assegurado o direito ao contraditório e à utilização de todas as provas lícitas.
Então, nos dias de hoje, e principalmente quando falamos da alta criminalidade, situação em que essas pessoas têm condições financeiras para contratar bons advogados, esses réus estão devidamente representados, e o direito à ampla defesa é assegurado. Por quê? Porque eles sempre serão acompanhados pelos seus advogados, que irão exercer desde a defesa preliminar, a defesa prévia, que irão indicar as testemunhas que serão ouvidas, que poderão fazer perguntas às testemunhas de acusação, às testemunhas de defesa, e pedir provas. Então, ao longo de uma instrução processual penal, são completamente defendidos e assegurados a ampla defesa e o contraditório. Depois disso, o juiz de primeira instância profere uma decisão condenatória. Daí, aquela presunção de inocência ou presunção de não culpabilidade já é mitigada, já é diminuída como sentença condenatória. Ainda assim, há a possibilidade de um novo recurso para o tribunal de apelação, onde três juízes irão se debruçar sobre aquela mesma situação. Esses três juízes irão analisar novamente aquelas provas e poderão absolver ou não, ou manter a condenação. Depois de tantos anos, 1 ano ou 2 anos, e depois de quatro juízes se manifestarem, se eles entenderem pela condenação, nós entendemos que essa condenação, baseada em provas e em decisões de vários juízes, deva ser, sim, executada.
Eu gostaria só de levantar uma questão no que se refere diretamente ao Projeto nº 882, que traz essa possibilidade da execução após a segunda condenação. Eu apenas faço uma sugestão.
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Por exemplo, no art. 617-A, que trata da possibilidade da execução após a segunda condenação, o § 1º traz uma ressalva: "excepcionalmente, o juiz poderá deixar de autorizar a execução provisória". Do meu ponto de vista, esse § 1º deveria ser suprimido, porque, se se abre a possibilidade de uma exceção à execução após a segunda condenação, por questões constitucionais, é possível que todos os casos se enquadrem nessa exceção. Como nós temos uma Constituição Federal muito ampla que traz muitos direitos, qualquer questão pode ser inserida no seu texto, qualquer questão pode ser constitucionalizada. Então, do meu ponto de vista, esse § 1º perde um pouco a efetividade do caput do art. 617-A. Portanto, com muita humildade, eu faço essa sugestão da supressão desse artigo.
O art. 637 também trata da execução provisória. O seu §1º também fala do "não efeito suspensivo do recurso especial e do recurso extraordinário". Traz claramente no texto de lei que esses recursos não têm efeito suspensivo.
O §1º traz a possibilidade, a excepcionalidade de um efeito suspensivo. E, se for conferido o efeito suspensivo ao recurso especial ou extraordinário, a pena não poderá ser executada. Então, para se evitar que toda e qualquer situação seja considerada uma questão constitucional e seja inserida nessas exceções, a lei não vai ter aquele chamado enforcement, a aplicabilidade, a efetividade.
Outra retificação também nesse mesmo sentido diz respeito ao art. 492 do Código de Processo Penal que fala do júri. Lá também há a possibilidade da aplicação imediata da execução da pena, que é uma inovação muito importante, nos casos de júri popular: quando a pessoa for condenada pelo júri popular, o projeto traz essa possibilidade da prisão imediata, a prisão após a primeira condenação. Isso, em nome do princípio da soberania dos vereditos dos jurados. Quem decide no júri se a pessoa comete ou não o crime são seus pares, a própria sociedade. Então, esse é o princípio de que a posição dos jurados é soberana. Quando há um recurso no júri, o tribunal não pode alterar e absolver, caso o júri tenha condenado, e vice-versa. Então, para assegurar esse princípio, foi inserido esse artigo com a possibilidade da execução imediata da prisão após a condenação no júri. Mas o § 3º traz também a excepcionalidade: não será executado imediatamente se houver uma questão constitucional.
Então, as minhas pontuações e sugestões seriam a supressão do § 1º, do art. 617-A, a supressão do § 1º, do art. 637, e a supressão do § 3º, do art. 492.
Essa é a minha fala. Estou à disposição para eventuais esclarecimentos e questionamentos.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço a Dra. Thaméa pelas suas colocações e sua exposição.
O SR. LUCAS VILLA - Bom dia. Primeiramente, gostaria de saudar todos os Deputados da Casa, na pessoa da Deputada Margarete Coelho, e de parabenizar a iniciativa da Câmara por este debate, que é muito importante. Não podemos tratar desses temas referentes à legislação penal e processual penal sem submetê-los a um amplo debate com a sociedade e com a academia. Achei interessante, na composição desta Mesa, o diálogo inclusive com pessoas ligadas à criminologia. Acho que nós precisamos aprofundar este debate no Congresso Nacional quando se trata de legislar de matéria penal, porque nós temos três ciências criminais que necessariamente precisam caminhar coordenadamente: a criminologia, a política criminal e a dogmática penal, o Direito Penal. Então, sem um diagnóstico científico, como o diagnóstico que faz a criminologia, é impossível fazer política criminal de forma responsável. Ou seja, sem o diálogo entre os criminólogos e o legislador penal, vamos continuar legislando em matéria penal baseados no achismo e no amadorismo. E é isso que não queremos para o nosso País.
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Nós estamos insistindo nessa fórmula do populismo penal e da legislação penal simbólica, há mais de 20 anos, no nosso País, e é preciso que nós reassumamos o protagonismo da legislação por parte do nosso Congresso Nacional com um diálogo profissional e um diálogo científico, e é por isso eu peço vênia para fazer uma exposição aqui muito mais de natureza criminológica do que dogmática.
Como o tempo em que nós poderemos nos manifestar aqui é bem curto, eu vou procurar fazer uma análise bem genérica do espírito dos projetos, com uma abordagem mais criminológica. Fico feliz de estar aqui com o Prof. Luciano Góes também, que certamente trabalhará nesse mesmo viés, mas a ideia é que entendamos um pouco do espírito dessas reformas, sem adentrar especificamente cada uma das questões que foram postas, e aí depois no momento dos debates poderemos adentrar especificamente cada uma dessas questões, mas levantar uma reflexão geral sobre a proposta desses dispositivos.
Esse material está em eslaide, mas na verdade eu nem vou me ater muito a ele, não, porque é preciso ser mais breve. A ideia inicial é fazer uma breve explanação de viés criminológico sobre o projeto, tentando responder aquelas questões que nos foram feitas no convite, que nós tão gentilmente recebemos desta Câmara. A ideia é fazer uma análise criminológica para responder as perguntas que nos foram feitas no convite. Quais eram elas? Primeiro, a forma como o tema foi abordado pelos projetos de lei que são objeto de estudo por esse grupo de trabalho foi adequada? Segundo, quais os impactos positivos e negativos que essas modificações podem trazer à sociedade? Os projetos têm divergências e convergências, e é possível harmonizá-los? O texto pode ser aperfeiçoado? E como?
Bom, a primeira consideração geral que eu faria é que os três projetos têm em comum o viés punitivo. A ideia por trás dos três projetos é um enrijecimento da legislação penal e esse enrijecimento da legislação penal se projetará, por certo, em maior número de encarceramentos.
São projetos que têm um viés encarcerador, num momento em que nós vivemos já uma crise profunda do sistema carcerário no nosso País, com uma situação de superencarceramento.
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A segunda observação que se tem sobre esses projetos é que parece que eles partem de opiniões sem embasamento científico mormente criminológico e econômico. Parece-me que não precederam esses projetos um estudo de impacto social, um estudo de impacto na população carcerária, que essas medidas encarceradoras teriam, e também um estudo de impacto econômico, porque sabemos que se a pretensão dessa legislação penal é encarcerar mais, será preciso construir mais presídios, será preciso investir mais ainda no sistema prisional, que se encontra absolutamente deficitário. E eu vou trazer alguns dados para ilustrar isso daqui a pouco. Parece-me que não houve um estudo desse impacto econômico ou quanto custaria essa política criminal para o nosso País, que vem cortando gastos na educação, que vem buscando economizar com a reforma da Previdência e com a reforma da legislação trabalhista, mas parece-me que não está pensando em economizar na política criminal de construir presídios, de encarcerar, num modelo que, na verdade, se caracteriza como caro e inútil. Sabemos que, infelizmente, o sistema prisional brasileiro, longe de ser solução para problemas sociais, é muito mais um problema social a ser solucionado.
Os projetos se baseiam também em uma premissa que infelizmente é falsa, uma premissa que desde a década de 60 do século foi demonstrada falsa e é insistentemente demonstrada falsa pelas pesquisas em criminologia e em ciências sociais. Que premissa é essa? A premissa de que quanto mais pena menos crime. Essa é uma premissa que não é verdadeira, e isso já está provado exaustivamente pelas pesquisas em ciências sociais e em sociologia do castigo. Então, insistir na simples ideia de que aumentando as penas ou encarcerando mais nós melhoraremos a situação de segurança pública no País, infelizmente se baseia em uma premissa que é falsa.
Os projetos também parecem não terem sido pensados para a regra, mas para a exceção. São projetos que visam muito a criminalidade econômica, que visam muito as organizações criminosas, mas nós esquecemos que o grosso da população carcerária e o grosso da clientela do sistema penal que será atingida por essa reforma não é a clientela desse tipo de criminalidade. Na verdade, 80% do nosso sistema prisional é praticamente ocupado por três tipos penais: furto, roubo e tráfico de entorpecentes, e, em geral, o pequeno tráfico, e não o tráfico das organizações criminosas. Essa é a principal clientela desses projetos. Não adianta tentarmos fundamentá-los, imaginando lavagem de dinheiro, crimes contra administração pública, crimes praticados por organizações criminosas porque ele se vai voltar primordialmente para os jovens, negros, pobres com pouca escolaridade e poucas condições econômicas, essa é a clientela, em geral, do sistema prisional brasileiro, e nós não precisamos entrar em muito discussão sobre isso, porque é fácil perceber isso em qualquer visita ao sistema prisional.
Então, infelizmente, é mais um modelo de política criminal que insiste em mais do mesmo. Qual é o mais do mesmo? Direito penal simbólico, que pretende transmitir, por meio de um populismo penal, uma falsa sensação de segurança para a sociedade, fazendo parecer que se pode resolver o problema da segurança pública brasileira com golpes de caneta, como se fosse um ato mágico de anulação do conflito, nós criamos uma nova lei penal e imediatamente haverá redução da criminalidade. Isso, infelizmente, não é verdade.
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Há muito tempo, vem-se insistindo nesse modelo de política criminal no Brasil, com legislações que enrijecem o Direito Penal, que aumentam a pena, que dificultam a progressão de regime e com políticas públicas nessa seara que também insistem somente em construir mais presídios, comprar viaturas, comprar armamentos, comprar colete. E há poucas soluções criativas ou fora desse modelo que, como estamos vendo, por óbvio, não está funcionando no nosso País.
Essa discussão permite uma outra oportunidade interessante, que é a de que o Congresso Nacional recupere o protagonismo de criador do direito no nosso País. É preciso que o Congresso Nacional reassuma o protagonismo na criação do direito, porque nós não podemos viver num país em que existe separação de Poderes e o protagonismo legislativo, ou protagonismo de criação do direito, passa a ser muito mais do Judiciário, dos Tribunais Superiores e do Executivo, que encaminham projetos de lei, pautando esta Casa, do que do próprio Legislativo, que tem a competência constitucional para legislar.
E dou um exemplo: nesta Casa tramitam projetos, como o de um novo Código Penal e de um novo Código de Processo Penal, que discute todas essas matérias e que vem sendo debatido com a sociedade, com a comunidade acadêmica há muito tempo, e nós estamos passando essas reformas na frente dessa discussão que partiu desta Casa.
Outra questão é a execução provisória da pena. E aqui entro na primeira das propostas do Projeto de Lei nº 882, de 2019. A execução provisória da pena foi colocada pelo Supremo Tribunal Federal em interpretação diversa do que dispõem a Lei de Execuções Penais, o Código de Processo Penal e a própria Constituição Federal, legislações criadas por esta Casa, o que não poderia ser diferente. E o Supremo Tribunal Federal resolveu interpretar o texto constitucional de forma contrária à sua redação.
E aí eu vou ter que respeitosamente discordar da expositora que me antecedeu, porque me parece que a nossa Constituição é muito clara quando diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. E há o pressuposto da pena, nós sabemos. O pressuposto da pena é a culpabilidade. Nulla poena sine culpa, isso é um dos brocardos mais antigos da tradição do Direito Penal. Isto é clássico no fundamento do Direito Penal: não existe possibilidade de pena sem culpabilidade.
Prisão sem culpabilidade é possível? É possível sim, nos exemplos que a doutora nos deu anteriormente, como prisões de natureza cautelar: preventiva, temporária, em flagrante. Mas essas prisões não são pena, porque, para que exista pena, é preciso que exista o seu pressuposto básico, que é a culpabilidade. E o texto da nossa Constituição Federal diz que, para que haja culpabilidade, é necessário o trânsito em julgado. Além disso, esse texto é cláusula pétrea, versa sobre direitos fundamentais. E nós sabemos que, quando se fala em hermenêutica de direitos fundamentais, vigora o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Nós devemos interpretar dispositivos legais ou constitucionais que versem sobre direitos fundamentais de modo a lhes dar máxima efetividade, nunca de forma restritiva.
Ademais, nós somos signatários de uma quantidade enorme de tratados internacionais que versam sobre direitos humanos e que nos proíbem o retrocesso. É vedado o retrocesso em matéria de direitos humanos.
Uma vez que um direito humano é reconhecido como fundamental no nosso ordenamento jurídico, nós não podemos regredir para relativizá-lo ou reduzi-lo, num retrocesso na interpretação desses dispositivos.
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Quanto à progressão de regime, aos estabelecimentos penais federais, ao próprio sistema carcerário, às faltas graves de condenados, etc., e eu vou ter que passar rapidamente por isso, a tônica sempre é dificultar a progressão de regime em determinados aspectos, enrijecer o trato nos presídios de segurança máxima, enrijecer o trato no Regime Disciplinar Diferenciado — RDD e, inclusive, deixar cláusulas em branco, cheques em branco na mão do julgador que permitem discricionariedades, por exemplo, quando se determinam o tempo mínimo de cumprimento da pena em regime fechado antes da progressão de regime, o encaminhamento para o RDD ou para presídios de segurança máxima, com critérios absolutamente subjetivos.
Nós sabemos que o nosso sistema penal já é absolutamente seletivo. Se nós deixarmos esse sistema penal, que já é seletivo, em cláusulas abertas nas mãos do julgador, que vai decidir de forma subjetiva, nós teremos ainda maior seletividade e trato diferenciado no nosso sistema penal.
Os projetos pretendem, em sua essência, encarcerar mais. E aí eu faço uma pergunta aos membros desta Casa: nós prendemos pouco? O Brasil encarcera pouco, para que nós precisemos de uma reforma na nossa legislação penal e processual penal para que prendamos mais? E aí eu tendo a responder a essa pergunta negativamente. O Brasil é o terceiro país que mais encarcera em números absolutos no mundo, hoje existem aproximadamente 704 mil presos. E a capacidade do nosso sistema prisional é para apenas 415 mil presos, ou seja, o nosso déficit é de quase 300 mil vagas. O sistema prisional está operando com praticamente 70% acima da sua capacidade. Essa é a nossa situação.
Menos de um quinto desses presos trabalha. Um em cada oito desses presos tem acesso a estudo. Curiosamente, nenhum dos projetos tenta incrementar medidas para estudo ou para trabalho nos ambientes prisionais. Apenas três tipos penais são responsáveis por mais de 80% da nossa população carcerária: o roubo, o tráfico e o furto. O perfil do encarcerado no Brasil é prioritariamente de jovens, negros, de pouca ou nenhuma escolaridade, que vêm de camadas menos favorecidas economicamente da sociedade, pessoas em condição de vulnerabilidade.
No Nordeste, de onde venho, 58,75% dos estabelecimentos prisionais não dispõem sequer de assistência médica. E 44,64% das unidades prisionais brasileiras não oferecem aos internos assistência educacional. A incidência de vírus da AIDS, por exemplo, no sistema prisional é 138 vezes maior do que na sociedade em geral. Morrem 4 presos por dia no sistema prisional brasileiro, num verdadeiro genocídio da juventude negra em curso no nosso País, sob as barbas do Estado. São pessoas "morríveis", pessoas que morrem, que se podem matar sem que se esteja praticando homicídio, são pessoas descartáveis da nossa sociedade.
Há uma quantidade enorme de presos em situação de drogadição, de dependência química. O projeto também não contempla nenhuma política voltada para o tratamento de drogadição.
E sabemos que boa parte da criminalidade violenta é praticada por pessoas usuárias de entorpecentes, dependentes químicos, e não há qualquer sinal, em nenhum dos três projetos, de olhar para essa questão que é absolutamente negligenciada.
Outra ideia base que me parece errônea é imaginar que, com esses projetos voltados para o megaencarceramento, nós vamos combater as organizações criminosas e as facções criminosas. Esquecemos que as facções criminosas surgiram no sistema prisional e que é no sistema prisional que elas recrutam os seus membros.
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Então, mais encarceramento, ao contrário de enfraquecer as facções criminosas, fortalece as facções criminosas. Reduzir direitos dos presos, como se pretende também nesses projetos, como diminuir quantidade de visitas, diminuir tempo de visitas, fiscalização das correspondências, tudo isso gera insatisfação dentro do sistema prisional e é nesse momento de relativização dos direitos dos presos que as facções criminosas surgem e crescem, organizando-se em torno da defesa desses direitos. Isso a história das organizações criminosas no Brasil nos ensina.
Entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento aumentou em 119%, e a população carcerária, em 161%. Se esse ritmo se mantiver, em 2075, nossos filhos e netos vão estar vivendo no Brasil em que uma em cada dez pessoas estará encarcerada, uma em cada dez pessoas, se o nosso ritmo de crescimento do aprisionamento permanecer, em 2075.
A taxa de ocupação dos estabelecimentos prisionais brasileiros é de 161%. E aí eu faço uma pergunta: a pena deve ter alguma função? Ela serve ou deve servir para alguma coisa? Ou o sistema prisional é só um depósito de pessoas indesejadas? Nós os jogamos lá, para que passem um tempo por lá, sem nos preocuparmos com o que acontecerá com eles depois.
Deve existir uma função para o sistema prisional? É a primeira pergunta. Segunda pergunta: se existe uma função, o sistema prisional está cumprindo adequadamente essa função para quem já está lá? Se o sistema prisional não está cumprindo essa função, por que nós vamos continuar apostando nesse mecanismo e não em mecanismos alternativos de solução de conflitos, como justiça restaurativa, justiça terapêutica, direito administrativo sancionador, que podem ser, sim, utilizados para solucionar vários conflitos em que o Direito Penal pode não ser necessário?
Falamos em criminalidade grave, mas as propostas postas aqui, como, por exemplo, a execução provisória da pena, é proposta para todos os delitos, não é só para a criminalidade econômica, não é só para a criminalidade organizada. Não podemos pensar a regra a partir da exceção.
Outra pergunta que é importante fazer a esta Casa: quanto custa esse "direito" — entre aspas? Porque toda vez que se faz uma reforma legislativa há impactos econômicos. E aí a pergunta é: existe um estudo de impacto econômico para saber quanto custará para que se implementem condições no sistema prisional, para dar conta desse aumento da população carcerária que esses projetos trarão? Quantas novas vagas terão que ser abertas no sistema prisional? Quantos novos presídios precisarão ser construídos? Esse investimento é prioridade para o nosso País, que vem cortando gastos em todos os cenários? É prioridade investir, construir mais presídios nesse luxo caro e inútil que é o nosso sistema prisional?
Gasta-se em média, no Brasil, 1.500 reais mensais com a manutenção de cada preso, fora outros custos do sistema carcerário.
Se nós analisarmos o custo conjunto, vamos ter aproximadamente 2.400 reais por preso, mensalmente. Esse custo de um preso, no Brasil, é 13 vezes maior do que o custo de um estudante nas nossas escolas públicas. Isso totaliza, Srs. Deputados, um investimento estimado de cerca de 20 bilhões de reais anuais no sistema prisional. Em um sistema prisional que nós sabemos falido e que não atinge suas finalidades. Mais de 1,1 bilhão de reais foi gasto para a construção de novas vagas no sistema prisional de 2000 a 2014. E a população carcerária diminuiu? Não. O déficit da população carcerária duplicou, mesmo construindo mais vagas no sistema prisional. Segundo dados levantados pela CPI do Sistema Carcerário, em 2015 ainda, a despesa anual era de 12 bilhões de reais de valor empenhado só pelo Departamento Penitenciário Nacional com o sistema prisional.
E aí, curiosamente, nenhuma das propostas traz qualquer medida direcionada à redução da superpopulação carcerária, a políticas de tratamento de presos em situação de drogadição, a políticas voltadas para saúde, educação e trabalho nos presídios, a políticas de reinserção social e de assistência aos egressos do sistema prisional, à melhoria nas condições de trabalho e saúde psicológica dos agentes penitenciários, que trabalham em condições absolutamente desumanas, a alternativas ao sistema criminal como justiça restaurativa, justiça terapêutica e direito administrativo sancionador, à prevenção de mortes, rebeliões, torturas e maus-tratos no sistema prisional, porque nós sabemos que somos signatários de uma quantidade enorme de tratados internacionais de combate à tortura, e não há nenhuma medida de prevenção à tortura nos ambientes prisionais em nenhum desses pacotes. E, por fim, também os pacotes esquecem das vítimas e suas famílias: nenhuma proposta de reparação ou minoração dos danos, sejam eles materiais, sejam psicológicos, sofridos pelas vítimas, que têm o seu conflito confiscado pelo nosso sistema penal e são transformadas em meras testemunhas dos seus próprios conflitos.
E assim eu chego às conclusões provisórias abertas ao debate.
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Primeira pergunta que nos é feita: a forma como o tema foi abordado pelos projetos que são objeto de estudo por este Grupo de Trabalho foi adequada? A minha resposta é: eu imagino que não. Os projetos insistem em mais do mesmo, em fórmulas fracassadas e que já foram repetidas à exaustão no nosso modelo de política criminal brasileiro.
Segunda pergunta: quais os impactos positivos ou negativos que as modificações propostas podem trazer à sociedade? Primeiro impacto: um aumento na superpopulação carcerária, que vai resultar em um sistema prisional ainda mais ineficaz e ainda mais violador de direitos humanos; um aumento de gastos com um modelo comprovadamente ineficiente de sistema prisional; um fortalecimento das facções criminosas, porque, quanto mais encarcerados, mais fortes são as facções criminosas que recrutam lá dentro, operam lá dentro e são criadas lá dentro; um aumento na discricionariedade do Judiciário no exercício do poder punitivo, que torna o nosso sistema penal ainda mais seletivo.
Terceira pergunta: quais as principais divergências e convergências entre os projetos? É possível harmonizá-los? Eles convergem no espírito punitivista e na fragilidade das bases científicas. São igualmente compatíveis entre si e igualmente incompatíveis com o diagnóstico criminológico da realidade do nosso sistema prisional.
Quarta pergunta: o texto do projeto pode ser aperfeiçoado? Como?
Entendo que sim, incluindo medidas voltadas a: 1) redução da superpopulação carcerária; 2) políticas de tratamento de presos em situação de drogadição; 3) justiça restaurativa, justiça terapêutica, direito administrativo sancionador; 4) políticas voltadas para saúde, educação e trabalho nos presídios; 5) políticas de reinserção social e de assistência aos egressos do sistema prisional; 6) melhoria das condições de trabalho e de saúde psicológica dos agentes penitenciários; 7) atenção às condições das mulheres encarceradas, principalmente, as mulheres gestantes; 8) prevenção de mortes, rebeliões, tortura e maus-tratos no sistema prisional; 9) reparação ou minoração do dano material ou psicológico das vítimas e suas famílias.
Eu faço uma sugestão final: o Projeto nº 882 tem uma proposta de alteração no art. 33 do Código Penal, que fala da pena privativa de liberdade. Eu proponho uma redação alternativa ao pretendido § 5º a ser criado neste artigo. A redação seria a seguinte:
Art.33..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................
§ 5º Ninguém será submetido à pena privativa de liberdade por infração penal culposa ou que não envolva violência ou grave ameaça à pessoa, salvo em caso de reincidência em crime doloso ou de crime praticado por membro de organização criminosa.
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11:01
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Aí atendemos a um dos espíritos de ambos os projetos, que é o combate às organizações criminosas, mas podemos tornar mais prático, mais objetivo nosso sistema prisional, abrindo vagas, diminuindo a superpopulação, deixando o sistema prisional só para pessoas que são verdadeiramente perigosas e, com esse enxugamento do sistema prisional, é possível fazer investimentos mais racionais para que melhorem as condições desses sistemas prisionais e para que eles possam minimamente se aproximar dos objetivos a que se propõe.
Essa alteração traria também como consequência a necessidade de alteração no art. 44 do Código Penal, que passaria a ter no seu inciso I a seguinte redação:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando:
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Dr. Lucas.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Sra. Presidente, desculpe-me interrompê-la. Quero apenas solicitar aos convidados que, se puderem, forneçam o material para os Deputados podermos analisá-los junto à Comissão.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputado.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Sra. Presidente, bom dia.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputado.
Além de disponibilizar para os membros do grupo, os nossos convidados estão encaminhando as propostas que estão sendo apresentadas para a Coordenação, que as está disponibilizando na página do Grupo de Trabalho, a fim de que pesquisadores, estudantes, interessados, jornalistas possam também delas se apropriar.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Tem a palavra o Dr. Luciano para fazer sua explanação pelo período de 20 minutos.
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Bom dia a todos e a todas. Agradeço o convite, em nome do Movimento Negro Nacionalizado. Estou aqui representando essa organização e, portanto, a maior parte da população brasileira.
Começo a minha explanação pegando muitos ganchos da fala do Dr. Lucas, que facilitou um pouco a minha vida ao falar da criminologia. Quando falamos em Direito Penal no Brasil, principalmente em tempos de encarceramento em massa — para falar de um lugar comum no campo da criminologia, tema ao qual depois quero voltar —, as nossas medidas, as nossas propostas políticas estão sempre voltadas ao recrudescimento desse sistema. Trata-se de um sistema que não funciona, e estamos apostando no mesmo sistema que não funciona.
Eugênio Raúl Zaffaroni vai falar que é o embuste penal, porque esse sistema não cumpre nenhuma das funções que promete. Trago também para a minha fala Vera Regina Pereira de Andrade, que fala que esse sistema trabalha com uma função declarada e outra não declarada, aquela que perpassa os discursos e vai ser manifestada na prática. É a essa prática que a minha preocupação e a minha fala se voltam.
Para falarmos em Direito Penal no Brasil, temos que falar em racismo, em todas as áreas, âmbitos e manifestações, que são todas violentas, são todas formas de violação da pessoa humana, principalmente do corpo negro, que é o centro gravitacional desse sistema. Estou falando, portanto, de um sistema de controle racial que vai programar seus instrumentos punitivos. E o corpo negro é alvo, é o centro tanto desse sistema declarado — ao qual chamo de Direito Penal declarado —, quanto do sistema penal paralelo, que é o que provoca, por exemplo, o genocídio. Em todos esses dois sistemas temos o corpo negro como centro. De um lado, temos o encarceramento da massa, o encarceramento massivo da população negra. Cerca de 70% dessa população, ou seja, 70% da terceira maior população encarcerada do mundo é composta de jovens negros.
Isso não é obra do acaso, não é mero resultado de uma falha política, muito pelo contrário, é resultado de uma programação racista do nosso sistema. Quando nos tornamos República, da noite para o dia, o nosso sistema escravocrata foi colocado, absorvido por essa democracia que temos. Então, se estivermos falando e preocupados com essa democracia, pelo menos nos termos colocados, nós deveríamos estar tratando, senhoras e senhores, de como proteger vidas.
Este, Dr. Lucas, para mim, é o custo do nosso sistema: vidas — e vidas em todos os lados, por exemplo, dessa guerra às drogas. Acho que a essência do nosso sistema punitivo, que vai trabalhar nessas duas facetas, tem um inimigo racializado.
E aí muitas influências da criminologia positivista estão presentes no anteprojeto contra o crime, que, ao contrário do esperado, propõe um anteprojeto criminoso em relação a essa população, porque, além de possibilitar a execução de uma pena de morte inconstitucional, vai possibilitar o encarceramento em massa. Ou seja, é um projeto político para chegarmos a ser o segundo ou primeiro lugar nessa corrida mortífera que temos que é o sistema penal, sistema punitivo mundial, superando os Estados Unidos, que — como ocorre em muitos dos Estados que compõem aquela Federação — já estão regredindo em suas ideologias, que há bem pouco tempo eram pautadas na ideia de lei e ordem, por exemplo.
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Por essa programação, os nossos sistemas penais são seletivamente racistas. E a seletividade, senhoras e senhores, é característica fundamental do Direito Penal. Não existe Direito Penal que vá realizar a sua promessa de punir todos os crimes. Isso é uma ideia falsa, é um mito. A função da academia é exatamente essa: desconstruir mitos. A função da criminologia é essa, porque esse Direito Penal que se propõe e que vemos nos Códigos não se coloca em prática, ele não é passível de ser colocado em prática. A criminologia traz o Direito Penal para o chão e fala: "A prática não é assim, porque essa programação discursiva que está nos Códigos, que está positivada, não vai funcionar nunca, nem em nossos melhores sonhos".
Então, ao pensar em projetos na área penal, nós temos sempre que nos ater ao realismo marginal, tal como Zaffaroni nos ensina. E eu trago o realismo marginal para a discussão, porque é nas margens do nosso País que esse sistema penal se mostra claramente. É nesses fuzilamentos constantes, nesses tiros dados por helicópteros, no uso de snipers, enfim, é em uma série dessas situações que visam ao extermínio desse inimigo identificado racialmente.
E, quando falo em identificado racialmente, trago à discussão — e quem é do Direito ou até quem não é já deve certamente ter ouvido falar — Cesare Lombroso, porque ele vai trazer a questão do criminoso nato. Além de trazer essa categoria que está colocada no anteprojeto — para além de outras categorias, como "criminoso profissional", "criminoso por ocasião", "criminoso habitual", entre outros —, Cesare Lombroso teve o demérito de constituir ou construir o Direito Penal do Autor. É esse Direito Penal do Autor que vai caracterizar essa seletividade. Não são os nossos direitos tidos como fundamentais que vão tutelar determinados acusados, determinados condenados em nosso sistema penal, muito pelo contrário, a "cara de bandido" — como foi colocado por uma magistrada em uma sentença recente em São Paulo — vai demonstrar mais uma vez o que já sabemos.
Como o Dr. Lucas falou, é só nós pegarmos os dados do nosso sistema prisional para sabermos quem é essa clientela, de onde vem essa clientela.
Por falar em seletividade, nós temos que falar também em impunidade. A impunidade é a regra do nosso sistema. Não sou eu que estou falando isso, quem fala isso é Prof. Alessandro Baratta, em suas obras na criminologia crítica, que vai botar às claras a sistemática seletiva, a espiral seletiva que ele chama, em termos de Direito Penal.
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11:13
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Além dessas influências de uma criminologia positivista e, portanto, explicitamente racista — porque o racismo é a base de Lombroso, quando ele constrói a ideia do criminoso nato —, a categoria de periculosidade vem também no bojo. É a questão de nós sabermos, por exemplo, quem deve ser preso e por quais fundamentos. Os fundamentos não estão estabelecidos de uma forma objetiva, muito pelo contrário. As condições pessoais do art. 59 do nosso Código Penal vão trazer a questão do paradigma etiológico racista já colocado na obra desses autores — principalmente de Cesare Lombroso — para possibilitar uma condenação que está para além dos autos, para além do que foi trazido no processo. Esse Direito Penal do Autor parece-me que é a manifestação mais clara do nosso Direito Penal — um Direito Penal que, em termos teóricos, se propõe a muita coisa, inclusive à proteção da vida e de outros bens jurídicos considerados importantes, e, portanto, tutelados não só no nosso ordenamento, mas também nos ordenamentos punitivos modernos.
Mas não podemos esquecer que direitos não são presentes, que direitos não são empréstimos que podem ser cancelados, ou que têm uma concessão que pode ser em breve, ou em um longo período de tempo, cancelada. Direitos são aquisições, são conquistas de movimento — e principalmente de quem está na outra ponta do sistema —, a partir de reivindicações, e, portanto, eles devem ser tutelados.
Uma série de direitos constitucionais estão sendo afrontados nesses pontos levantados por este Grupo de Trabalho. Vou passar por alguns deles, a começar pela execução antecipada da pena. A partir de uma decisão do STF, do nosso Supremo Tribunal Federal, esse caso veio a ser colocado como pauta de positivação.
No meu ponto de vista — e falo pela criminologia crítica marginal principalmente —, a nossa Constituição é muito clara, quando fala do princípio do estado de não culpabilidade: "Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado da sentença penal condenatória", e ponto; não é vírgula, não é ponto e vírgula. E não é o STF que vai colocar reticências depois nesse princípio constitucional para fazer uma interpretação restritiva desse direito.
Esse direito deve ser assegurado, primeiro, porque na prática ele já não funciona. Mesmo como um direito fundamental, ele já não funciona, e essa massa encarcerada, a seletividade racial no nosso sistema penal fala por si só.
Nessa terceira maior população em situação de cárcere do mundo, 40% dessa população, mais ou menos, são de prisões provisórias, que depois se tornam definitivas, principalmente relacionadas aos crimes de tráfico.
Parece-me que, na proposta do anteprojeto, quando o autor fala que o tribunal determinará a execução provisória, isso não é um mandamento, isso não é uma ordem imperativa, porque isso não pode acontecer. A seletividade, mais uma vez, vai-se colocar aqui para falar: para alguns, isso pode ser; para outros, isso deve ser; e para outros, isso nunca vai acontecer, porque os direitos fundamentais — inclusive o estado de não culpabilidade — vão colocar em marcha o devido processo legal com todas as suas garantias fundamentais asseguradas, entre elas a ampla defesa, que possibilita o manejo de todo os recursos que nós temos no nosso ordenamento punitivo.
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11:17
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Outro ponto importante neste caso é falar que o Supremo Tribunal Federal, além de ter a última palavra, também tem a supremacia do erro. A interpretação dele nesse sentido foi uma interpretação equivocada, porque restringe, assim, um direito fundamental estabelecido na nossa Constituição como cláusula pétrea e que não pode ser alterado.
No anteprojeto, nós temos também uma possibilidade dessa execução antecipada pelo tribunal do júri, do órgão colegiado quando fala em tribunal. Isso quer dizer que, por exemplo, acusados ou, no caso, réus — a partir da condenação pelo conselho de sentença —, mesmo primários, sem nenhum tipo de periculosidade que nós possamos extrair do seu corpo, podem ser encarcerados, mesmo quando as condições jurídicas assim o contradizem, podendo eles responderem em liberdade. De novo, essa é uma tentativa de tornar a prisão como regra. Na verdade, o próprio Direito Penal nos fala claramente que, em Direito Penal, a pena de prisão é exceção — ultima ratio, como nós já sabemos há muito tempo.
Em termos de medidas de endurecimento no cumprimento da prisão, nós temos de novo mais recrudescimento. Aqui eu chamo a atenção para a progressão de regime subordinada ao mérito do condenado e as suas condições pessoais.
De novo, é um Direito Penal do Autor falando; de novo, a quem essa concessão vai ser apresentada vai depender muito de quem é o condenado, e não baseado nos requisitos objetivos, porque o anteprojeto também não traz isso; muito pelo contrário, ele traz apenas a característica subjetiva, também traz vedação da saída temporária no mesmo sentido de restrição de direitos.
Em termos do ponto 17, que fala sobre medidas para alterar o regime jurídico e federais, aqui nós temos mais uma inconstitucionalidade, porque ele pretende ampliar o rol de competência dos juízes federais, estabelecido no art. 109 da Constituição, por razão de matéria, e é um rol taxativo, quando ele fala que a competência dos juízes federais de execução para processar e julgar crimes cíveis e penais também passa por essa afronta à Constituição, além de ter uma inversão do ônus da execução. A execução da pena é uma fase posterior ao conhecimento. Na fase do conhecimento dos juízes da Justiça Estadual — que a maioria de quase praticamente todo o nosso ordenamento penal vai colocar nesse ponto —, vai haver essa alteração para jogar para o condenado uma culpa por um ato ilícito, por exemplo, caracterizado ou construído dentro dos presídios federais, que era para ser fiscalizado e impedido pelo poder público. Essa obrigação de impedimento de que isso aconteça é do poder público e não do condenado que vai receber essa alteração de competência.
Em relação à inclusão ou transferência de presos aos estabelecimentos penais, nós temos um ponto muito importante: a transferência ou inclusão de presos no sistema federal prisional por interesse de segurança pública. O que se quer dizer por interesse de segurança pública?
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11:21
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LUCIANO GÓES - Também, também! Ou seja, aquelas pessoas que são consideradas perigosas são perigosas porque confrontam um sistema de uma forma ou de outra, e não só em termos criminais. Como a colega ali colocou, vai ser possível fazer essa transferência. Essa inclusão no presídio federal piora a situação do Regime Disciplinar Diferenciado. É muito pior do que o RDD que nós já temos, que já é uma medida excepcional que confronta ou infringe uma série de tratados internacionais da própria Constituição, em termos de dignidade da pessoa humana, entre elas as Regras de Mandela, que o Brasil se comprometeu a cumprir.
Para ir fechando minha fala, pelo menos neste momento inicial, nós temos o isolamento celular. As Regras de Mandela, por exemplo, em sua regra terceira fala em não agravamento da pena. São regras mínimas que o Brasil deveria cumprir. Nós temos uma prisão por tempo indeterminado numa cela individual, porque o anteprojeto não diz, ao contrário do RDD, que tempo é esse dessa prisão celular.
Então, nós vamos ter um agravamento da pena.
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11:25
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Nas Regras de Mandela também, e aí como função da pena, mesmo que ilusória, nós temos como minimizar, vislumbrando reinclusão, reintrodução, reeducação, os discursos "res", que fundamentam nossa pena de prisão e que são todos ilusórios, porque eles não são colocados em prática, muito pelo contrário, como reduzir essa diferença entre intramuros e extramuros. Essa possibilidade de inclusão nos presídios federais agrava isso também.
Em termos de prisão solitária, ainda temos nas próprias Regras de Mandela o isolamento como tortura. Aí há uma afronta à Constituição no que tange às penas cruéis e degradantes, todas conflitantes com a dignidade da pessoa humana que lá estão estabelecidas.
Também temos no anteprojeto o monitoramento de todo meio de comunicação desse preso transferido para um presídio federal — todo meio de comunicação! Isso é uma invasão à privacidade do apenado, e não só do apenado, porque o anteprojeto coloca a possibilidade de gravação da sua entrevista com seu advogado ou advogada. Isso é uma afronta ao exercício da advocacia, ao exercício da democracia, à defesa dos direitos fundamentais assegurados e ao próprio status do advogado, da advogada, como essencial à justiça, que é também um ditame constitucional.
Ainda em termos relacionados à prática no exercício da advocacia, nós temos os atendimentos aos apenados. Prevê o anteprojeto que esses atendimentos devem ser requeridos previamente. Ora, senhoras e senhores, como possibilitar a garantia de todos os direitos fundamentais colocados, estabelecidas no art. 5º, se o advogado não puder estar presente no momento em que o apenado simplesmente some do nosso sistema penitenciário? É isso o que acontece na prática. Muitas vezes nossos clientes, nossas clientes são presos em determinados lugares, e depois ninguém sabe para onde eles foram. Nós somos as únicas pessoas que têm acesso livre a esses apenados, para pelo menos comunicar ou informar à família daquele preso ou daquela presa em que situação eles estão. Além disso, nós temos o papel de fiscalizar o exercício punitivo, colocados para alguns como direito punitivo do Estado, em relação a impedir que aconteçam torturas e maus-tratos.
Com o agendamento que acontece com as fiscalizações estabelecidas no nosso sistema, muitas vezes essas violações são veladas, ocultadas de uma forma ou de outra, para que as fiscalizações não as vejam, não as caracterizem como violações.
Esse agendamento, por exemplo, pode dar ensejo a isto: práticas de tortura que serão escondidas entre muitos fatores.
Só para constar — essa é a minha última colocação neste momento —, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, possibilita a comunicação livre com o advogado, com a advogada. Então, o anteprojeto, de forma direta ou indireta, afronta não só os direitos humanos estabelecidos nos tratados mas também afronta a própria Constituição, como em regra vem fazendo com os pontos elencados por este Grupo de Trabalho.
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11:29
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Prof. Luciano Góes.
Gostaria de convidar o Dr. Lucas Villa, o Dr. Luciano e a Dra. Thaméa — aproveito para pronunciar corretamente o nome da senhora — a tomarem assento nas cadeiras do plenário para que possamos fazer a segunda rodada. A partir deste momento, a Mesa fica extensiva até as cadeiras onde V.Sas. estarão ocupando.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PL - SP) - Eu queria pedir autorização à Presidente para fazer uso da palavra. Eu preciso me ausentar. Calculei mal, Presidente: achei que, de 9h30min até mais ou menos 11h45min, faríamos as cinco oitivas e eu teria tempo de pegar meu voo. Como acabou começando quase às 10h20min, não vai dar tempo para eu ouvir os demais palestrantes.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Fiquei honrado com essa confiança, Capitão.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PL - SP) - Mas eu acho que V.Exa. não fará as perguntas que eu gostaria de fazer ao palestrante. Fica para a próxima oportunidade.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Estava indo bem, Capitão.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PL - SP) - Porém, quero registrar que o Deputado Marcelo Freixo foi extremamente elegante nas colocações ontem, como sempre muito respeitoso, na audiência pública com o Ministro Sergio Moro.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado Capitão Augusto.
O SR. HELDER JACOBY - Bom dia, Exma. Deputada Margarete Coelho; Deputado Capitão Augusto, a quem agradeço pelo convite; Srs. Parlamentares; prezados colegas na assistência, em especial a colega Rita de Cássia, Agente Federal de Execução Penal, mestranda e mestre em criminologia, doutoranda na mesma área, que se deslocou do Rio Grande do Norte para nos prestigiar nesta audiência.
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11:33
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Quero também fazer uma identificação. Fui assessor no Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde trabalhei diretamente com alguém que achei que seria hoje um dos palestrantes aqui, o Dr. Victor Hugo Palmeiro de Azevedo Neto; fui membro integrante da comissão organizadora da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, nos idos de 2009 — há 10 anos, portanto —; advoguei no Tribunal do Júri durante 9 anos; e há 13 anos estou Agente Federal de Execução Penal, Presidente da Federação Nacional dos Agentes Federais de Execução Penal, composta pelos cinco sindicatos das cinco Regiões do País.
Queria dizer que às vezes ser o primeiro, Deputada, é incômodo, mas no meu caso seria maravilhoso, porque falar depois da Dra. Thaméa, do Dr. Lucas e do Dr. Luciano é um compromisso hercúleo. Então estou numa saia justíssima aqui.
Eu trouxe um material para tentar simplificar, porque um dos meus grandes defeitos é que sou muito prolixo. Mas já adianto aos senhores que não vou me atrever a debater dogmática jurídica, especialmente pelo brilhantismo dos debatedores que me antecederam, e vou me cingir a tratar, de forma compilada, dos projetos de lei apresentados, naquilo que nos é pertinente, que seria o sistema carcerário e o sistema penitenciário federal, de uma maneira superficial, até pela exiguidade do tempo. Então eu faria a minha apresentação dessa maneira.
Antes de iniciar minha explanação, gostaria de saudar o Ministro Sergio Moro pela coragem de ter apresentado este projeto, na mesma esteira que o fez pela Portaria nº 157, de 12 de fevereiro de 2019, que restringiu as visitas íntimas e as visitas de contato dentro do sistema penitenciário federal, sistema esse que deveria ter nascido assim. Há uma série de demonstrações, via várias rebeliões, decapitações, motins, balbúrdias Brasil afora, de que, após a existência do sistema penitenciário federal e com a atuação dessa tropa de elite que o Governo tem à disposição há 13 anos, esses servidores se deslocam numa força-tarefa de intervenção prisional, contêm e debelam o problema e devolvem ao Estado, sem que haja mais notícia de qualquer outra alteração. Via de regra, podemos citar a Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, a do Espírito Santo, onde nós também fizemos procedimentos, a de Manaus, e a do Ceará, onde estamos atualmente.
Dito isso, fica essa saudação registrada ao Ministro Sergio Moro, que teve a coragem de apresentar esse projeto, no qual vamos nos ater especificamente àquela área que nos é identificada.
Peço vênia ao palestrante, o Dr. Lucas, para dizer que nós fizemos a exegese desses projetos e, humildemente, ouso discordar, nesse viés, quanto ao que o senhor afirmou. Na nossa interpretação, esses projetos não vieram para encarcerar mais.
Eles vieram para encarcerar melhor. Nós precisávamos, urgentemente, de medidas corajosas. O sistema carcerário é caótico, sim, mas, não fosse a ousadia do Ministro Moro e do Ministro Alexandre no encaminhamento desses projetos, nós estaríamos, daqui a 10 a anos, debatendo de novo como fazer para isolar efetivamente as grandes lideranças de organizações criminosas. Não são mais facções apenas. São organizações criminosas.
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11:37
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Ao longo desses 13 anos de sistema penitenciário federal — e temos o maior orgulho em dizer e devolver isso à sociedade brasileira —, houve zero fuga, zero rebelião, zero celular, zero corrupção. Isso é fruto, sim, do investimento na estrutura humana, no servidor que opera no sistema prisional federal, e também, obviamente, do rigorismo deste sistema penitenciário federal, rigorismo que a sociedade exige, rigorismo que a sociedade demonstrou nas urnas. Isso não é uma opinião; isso é uma constatação.
A sociedade demonstrou, neste novo levante, nesta nova composição da Câmara Federal — inclusive isso foi refletido nos Estados —, que é urgente que alguma coisa seja feita no que tange à segurança pública. Segurança pública, todos nós sabemos — isso vem desde o Império —, ela nasce e termina no sistema prisional. Entretanto, o sistema prisional e os seus operadores são seres ocultos, são sujeitos ocultos, eles não têm visibilidade. Por vezes, o próprio operador está imiscuído na figura do apenado, infelizmente.
Então, houve essa ousadia do Ministro Sergio Moro em propor essa imperiosa e imprescindível segregação e isolamento. Por quê? A mídia adora divulgar o sistema carcerário, e sempre negativamente, até porque são raros os pontos positivos, mas o SPF é um dos pontos positivos. Ela difunde sempre que houve e continua havendo liderança criminosa dentro dos presídios de uma maneira geral. Assim também o era, infelizmente, no sistema penitenciário federal, em que pese à qualificação dos seus servidores, mas a ausência dessa medida e de algumas estruturas agora pode ser sanada com essa Portaria nº 157, de fevereiro de 2019, do Ministro Sergio Moro, e com a apresentação desse projeto de lei.
Obviamente, houve mandos para queima de ônibus em São Paulo, para atropelos à sociedade civil nos morros do Rio de Janeiro, que saíam das penitenciárias de uma maneira geral e também das penitenciárias federais. Por quê? Porque hoje, dentro das penitenciárias federais, está segregado o que há de pior naquilo que se qualifica em matéria de bandidagem, de líder de organização criminosa.
Nós agentes federais de execução penal temos a prática de não nominar os perpetradores de crime e tampouco as suas organizações criminosas. Quando nós surgirmos, em 2006, era muito famoso, muito midiado — porque a mídia adora isso —, um determinado infrator no Rio de Janeiro.
Ele está segregado desde então e nunca mais se ouviu falar dele.
O sistema penitenciário federal é perfeito? Não, não o é. Recentemente, na gestão do Ministro Moro, a Operação Império, executada por nós em parceria com demais órgãos de segurança, segregou líderes de outra organização criminosa famosíssima na mídia brasileira e que também, por hora, não se ouve mais falar.
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11:41
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É imperioso que se reconheça compiladamente os projetos apresentados. Eu parto para uma análise mais superficial, até pela exiguidade do tempo, e não vou, conforme disse, me atrever a debater área de criminologia com os convidados que me antecederam, até porque não teria êxito algum.
Entendo que o art. 28-A do projeto de lei apresentado pelo Ministro Sergio Moro nos traz, sim, um tipo de desencarceramento. O projeto contempla uma série de benefícios que já existem na legislação penal, porque obviamente nós precisamos desencarcerar, mas evidente que — a Dra. Thaméa abordou brilhantemente isso — há crimes, há outros tipos penais e há infratores de tipos penais, e a proposta foi essa.
Então, a rigidez do projeto é para que se evite essa falácia no que se refere à segurança pública e ao sistema carcerário. Com todo o respeito, há muita falácia. Há muitos especialistas que não conhecem efetivamente a realidade do sistema penitenciário brasileiro. Isso nos chateia muito, porque há especialistas que jamais colocaram o pé dentro de uma penitenciária, seja estadual, seja federal, para que se entenda que, sim, é preciso isolar. Nós não podemos ser depositários eternos de seres humanos, mas é preciso, sim, isolar, para que depois não se diga: "Olha, saiu de dentro de uma penitenciária federal, de dentro de uma penitenciária estadual" — a estadual é muito mais parca de recursos, de estrutura física, de estrutura humana — "os comandos para executar juízes, advogados, procuradores..."
Ao longo dos últimos 13 anos, três colegas foram executados brutal e violentamente. A última foi a servidora Melissa, psicóloga do sistema penitenciário federal, executada na frente de casa, com dois tiros de fuzil no rosto, e ela estava com o filho de 8 meses no colo. Há um mando para isso. Isso é um achaque ao Estado, é uma provocação, é um deboche.
Segundo a nossa exegese, esses projetos não são para encarcerar mais, para ter necessariamente rigidez com quem já está lá, para atingir o coitadinho do preso. Esse sistema é, sim, para que se possa efetivamente isolar as lideranças criminosas no contato físico, porque de lá sai o comando para executarem, e sufocar também essas organizações criminosas, que são bilionárias. Então, também tem que haver esse estrangulamento.
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Eu já fiz a saudação ao Ministro Sergio Moro e aos Deputados que envergam essa mesma bandeira da segurança pública de forma corajosa.
Analisando a fala do Ministro Sergio Moro, fazendo uma analogia, usando as palavras da brilhante Procuradora, a Dra. Thaméa, em resumo, nós somos a favor da implementação desse projeto de lei na forma que está, naquilo que nos atinge, porque basicamente a fala das urnas foi essa.
O discurso do próprio Presidente Jair Messias Bolsonaro, assim como o do Ministro Justiça e Segurança, também afirma assim. E ele usou como viés — ele sempre defendeu isso — o argumento de que o sistema carcerário da Itália só teve solução com o surgimento da Polícia Penitenciária Italiana; e aí vêm a Operação Lava-Jato, a Operação Mãos Limpas. Então, o Brasil dá de ombros, dá as costas e não enfrenta, Deputado, com a seriedade que é necessária. E nós precisamos que esses projetos, o art. 28-A, e tantos outros que propõem rigidez do sistema a quem merece essa rigidez e a análise mais aprofundada do sistema previdenciário não fiquem também letra morta da lei, se não houver uma instituição capaz de fiscalizar e implementar isso. E essa instituição só pode ser contemplada — e aí apelo para todos os Parlamentares presentes e todos os demais — através da Proposta de Emenda à Constituição nº 372, de 2017, que cria a Polícia Penal Federal e a Polícia Penal Estadual. Não há outra maneira.
Percebe-se aqui uma demonstração daquilo que eu abordei anteriormente. O crime termina no sistema prisional, mas muitas vezes é iniciado e gerenciado dentro dele. Efetivamente é isso mesmo. Contemplo também pretensiosamente a fala do Dr. Luciano e do Dr. Lucas, no sentido de que prendemos muito e errado. Então, na nossa interpretação, o projeto contempla o seguinte: que se prenda mais qualitativamente e não quantitativamente. Evidentemente nós estamos fornecendo o soldado às organizações criminosas, ocasionando uma espécie de autopoiese. Então nós estamos retroalimentando o crime. E, quanto a esses segregados que para lá vão, há um grande problema que tem de ser debatido e mais bem aperfeiçoado. É evidente que hoje, ao segregarmos esse contato, como é imperioso que se faça para aqueles que estão reclusos, na via de convênio, no sistema penitenciário federal, eles são devolvidos ao Estado e é evidente que, quando voltam ao Estado, eles voltam ao Estado com a pretensão de dizerem que eles são PFs, presos federais, e lá eles conhecem outros presos federais. Este já é um grande dilema. Por isso, é imperioso que esse projeto ande no sentido da segregação efetiva.
Envolver neste debate os operadores e os gestores da segurança — é isso o que estamos fazendo aqui, agradecendo ao Deputado Capitão Augusto pelo convite — é imperioso, louvável e necessário.
Está em tramitação no Poder Legislativo a PEC 372/17, que já passou nos dois turnos do Senado e está pronta, madura, para ser tratada aqui na Câmara dos Deputados. Essa foi a diretriz mais votada em 2009, na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, com a participação tripartite: sociedade civil, operadores e gestores. Desde então nunca mais se tratou de polícia penal.
Então, é imperioso que isso aconteça, porque não há outro mecanismo para fiscalizarmos a efetiva prisão ou o efetivo desencarceramento com o uso de tornozeleira eletrônica e monitoramento efetivo.
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A prisão é necessária, mas de forma qualitativa e não quantitativa. É de conhecimento de todos que o Brasil tinha 726 mil presos em junho de 2016. Houve um aumento exponencial. Cerca de 40% dos presos hoje são provisórios.
Nesse eslaide, podemos ver um diagnóstico com dados do Departamento Penitenciário Nacional: 40% dos presos não têm condenação. Esses presos sem condenação, ao serem inseridos dentro de um sistema penitenciário de segurança máxima, geram autopoiese. Nesse sentido, o art. 28-A nos contempla, porque temos já a lei que permite medidas diferenciadas da prisão, temos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais estaduais e federais, criados pela Lei nº 9.099, de 1995. Esse dado é aterrorizante, porque esses 40% são soldados das organizações criminosas. A Lei º 9.099 beneficiou, sobretudo, as polícias que atuam diretamente através do Termo Circunstanciado de Ocorrência — TCO, que são as Polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal e, futuramente, também contemplará a Polícia Penitenciária Federal.
Há o plea bargain para crimes que também entendemos que estão inseridos nesse projeto. Para aquilo que não for da competência dos juizados, há esse benefício da lei para os crimes com penas até 4 anos, com as restrições que a própria lei estabelece.
Apoiamos, sim, conforme o caso, a vedação de saídas temporárias. A título de exemplo, é um achaque que Cristiane Richthofen saia agora para o Dia das Mães. Isso é um absurdo! Isso afeta a todos que tenham um senso de justiça um pouquinho arraigado.
Apoiamos ainda que atos sejam feitos por videoconferência, o que implicitamente compõe os projetos de lei. Hoje somos a carreira que mais faz escoltas aéreas da América Latina. Isso impende custos ao erário, isso impende segurança dos servidores, isso impende uma série de mazelas que também estão contempladas nesse projeto. Nós já executamos isso na maioria das vezes, quando o Judiciário assim o autoriza.
Aí há algumas considerações em relação aos projetos de lei, de forma geral e ampla, que para nós são fundamentais, entre elas, uma melhor seleção, com aproveitamento dos quadros técnicos para os dirigentes de departamentos especializados, mas não vou me ater a isso, até pela exiguidade do tempo.
Nós não podemos mais tratar recorrentemente de Sistema Penitenciário sendo capitaneados por pessoas que integram outras carreiras. Essa, inclusive, foi uma promessa de campanha do Presidente Bolsonaro, foi um compromisso do Ministro Sergio Moro. Isso tem que ser implementado. A nossa crítica se resume a isso. Nós precisamos urgentemente profissionalizar departamentos. Não podemos ter diretores e gestores por casuísmos. Não podemos ter, em 1 ano, quatro ou cinco Diretores-Gerais em um Departamento Penitenciário, por exemplo. A Polícia Federal tem hoje como seu capitão um integrante da carreira. A Polícia Rodoviária Federal tem um capitão hoje integrante da carreira. O Departamento Penitenciário Federal não o tem.
Isso é uma mazela, isso fragiliza a memória institucional, fragiliza um legado, fragiliza a continuidade e fragiliza, sim, essa comunicação, que deve ser imperiosa, do Departamento Penitenciário Nacional como paradigmatário de política penitenciária, refletindo nos Estados brasileiros.
Então, a conclusão é que, com relação aos projetos, externamos concordância e relevância dos dispositivos.
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Em paralelo ao encarceramento seletivo, deve existir uma fiscalização efetiva das medidas alternativas à prisão.
Evidentemente, para que esse projeto tenha êxito, assim como todos os outros que já existem, ele tem que ser encarado com seriedade. Os operadores, lídimos entendedores da questão, têm que ser chamados para o debate e para a participação efetiva da gestão. Além disso, precisamos, sim, aprovar a Polícia Penal Federal e a Polícia Penal Estadual, para que possamos ter um órgão efetivo, e não esquecido desde a Constituição de 1988.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Dr. Helder, pela explanação.
Inicialmente, quero cumprimentar a Presidente da Mesa, Deputada Margarete Coelho, bem como o Deputado Coronel Chrisóstomo, que me fez o convite para estar aqui hoje. Cumprimento ainda os demais palestrantes e demais Parlamentares.
Nós temos muito pouco tempo, mas primeiro vou me apresentar. Meu nome é Ludmila Lins Grillo. Sou Juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e trabalho na Comarca de Botelhos, uma comarca de interior, uma comarca de vara única, ou seja, lá o juiz é o clínico geral, julga todo tipo de demanda, não só as criminais, mas também as cíveis e, enfim, as da infância e juventude e tudo o mais. Sempre trabalhei nessa área criminal e também com a execução penal. Frequento presídios. Na minha comarca, existem presídios. Já trabalhei em outras comarcas também com presídios, inclusive, com penitenciária de segurança máxima, na Comarca de Francisco Sá, onde, pelo menos na minha época, havia cerca de 360 presos de altíssima periculosidade. Trata-se da única penitenciária de segurança máxima do Estado de Minas Gerais. Passei mais ou menos 1 ano como Diretora da Execução Penal na Comarca de Francisco Sá, coordenando os trabalhos junto a uma penitenciária de segurança máxima.
Então, eu tenho algumas considerações a fazer sobre esses temas, em especial, relacionadas à progressão de regime. Vou falar um pouco também sobre o tema que a Dra. Danelon falou a respeito da condenação em segunda instância, da execução da pena em segunda instância. Vou fazer algumas considerações também sobre o sistema carcerário e sobre um tema que não foi tratado aqui e também não está sendo tratado nem no anteprojeto do Ministro Sergio Moro e nem no Projeto de Lei nº 10.372, de 2018, que está sendo discutido por este grupo de trabalho.
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Portanto, vou fazer algumas considerações em relação à audiência de custódia, que não está sendo tratada nesses projetos, mas que eu considero um item importante hoje em dia, pelo menos para o debate.
Vou começar escolhendo alguns temas, porque não há tempo hábil para falar de todos os temas necessários. Eu fiz só uma seleção. Depois, eventualmente, se algum Parlamentar quiser tirar alguma dúvida ou quiser trocar alguma ideia, eu posso disponibilizar o número do meu WhatsApp e poderemos conversar depois. Eu escolhi alguns temas e vou tentar concentrar minha exposição neles.
Inicialmente, em relação à execução da pena em decorrência de condenação criminal na segunda instância, existe uma grande polêmica. Alguns palestrantes hoje, inclusive, sustentaram que não seria possível essa execução da pena em segunda instância, com a condenação por um Tribunal de Justiça, porque isso violaria, em tese, o princípio da presunção de inocência que está previsto na Constituição Federal, no art. 5º. Esse artigo da Constituição diz que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. É apenas isso que esse inciso do art. 5º da Constituição diz, que ninguém vai ser considerado culpado antes do trânsito em julgado, ou seja, antes do término completo do processo, quando não há mais possibilidade de recursos, quando aquele processo transita em julgado, quando ele acaba. Nesse momento, se o sujeito for condenado, ele é considerado culpado.
Quem defende, como eu, a execução da pena em segunda instância, em razão da condenação em segunda instância, antes do trânsito em julgado, entende que isso não fere a Constituição de maneira alguma. A Constituição é muito clara, os termos são os seguintes: “ninguém será considerado culpado.” Em nenhum momento, a Constituição falou que ninguém poderá ser preso antes do trânsito em julgado. A Constituição não usa esses termos. Essa é uma questão de interpretação de quem acha que o indivíduo não deve ser preso antes da condenação em segunda instância. Eu sustento que é perfeitamente possível e perfeitamente compatível com a Constituição, já que em nenhum momento do art. 5º é dito que ninguém poderá ser preso antes da condenação em segunda instância.
É de se pensar também que a condenação em segunda instância já pressupõe que se tenha passado por um juiz de primeiro grau e depois por um órgão colegiado, ou seja, mais de um juiz, no caso, desembargadores, na segunda instância. Então, não é mais um julgamento proferido por um só juiz. Já se passou por um órgão colegiado, onde mais de um juiz já analisou aquele processo e considerou a pessoa responsável por um ato criminoso. Então, a meu ver, isso não viola o art. 5º da Constituição Federal. Existe essa polêmica, e este grupo de trabalho foi instituído justamente para que os senhores tomem conhecimento das várias posições jurídicas possíveis e façam sua opção legislativa no momento de aprovar ou não essa lei.
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Notem o seguinte: a nossa Constituição Federal é extremamente analítica, analisa tudo. É uma Constituição que fala até do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, ou seja, analisa até o que não tem que se analisar. Uma Constituição, para ter essência de Constituição, tem que tratar de questões fundamentais de Estado, tem que tratar de organização dos Poderes, processo legislativo, direitos e garantias fundamentais, e não tratar do Colégio Pedro II, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Mas a nossa Constituição fala de tudo e um pouco mais, o que não é necessário. Daí aquela divisão de Carl Schmitt, de normas materialmente constitucionais e normas formalmente constitucionais. Há coisas que são materialmente constitucionais, ou seja, têm essência de Constituição, têm que estar lá para que um Estado possa existir. É preciso tratar da organização dos Poderes, da competência legislativa, enfim, para o Estado existir, ele tem que se basear em normas fundamentais. Essa é a essência de uma Constituição. E há outras normas que estão ali na Constituição por acaso. Não são essenciais para a formação do Estado. Existe, portanto, essa divisão.
O que seria, então, uma questão constitucional relevante? Como a nossa Constituição é analítica e fala sobre tudo, até sobre o que não interfere no funcionamento próprio dos Poderes de Estado, tudo é uma questão constitucional. Então, qualquer coisa vai ser óbice para a aplicação da execução provisória da pena em segunda instância. Além de o parágrafo se referir a qualquer questão constitucional — que ele não estabelece o que é —, fala também em qualquer questão legal relevante. Quantas leis nós temos no Brasil? Nós já devemos estar na lei 13 mil e alguma coisa. Qualquer coisa é uma questão legal relevante. Portanto, tudo vai ser óbice para a execução da pena em segunda instância, qualquer coisa. Tudo vai entrar na exceção. Esse § 1º do art. 617-A, que está previsto no Projeto de Lei Anticrime, a meu ver, mata a própria previsão de execução em segunda instância.
Portanto, peço uma atenção em relação a isso. Concordo com a Dra. Thaméa Danelon quando ela diz que o § 1º do 617-A não deve ser aprovado, ou seja, ele deve ser rejeitado, para que simplesmente seja determinada a prisão no momento da condenação em segunda instância. Essa é a primeira questão.
Outro aspecto também causa certa perplexidade nesse § 1º. Vejam bem, para um sujeito ser condenado, deve haver um juízo de certeza, o juiz deve ter absoluta certeza de que aquele sujeito praticou aquele delito e não estava em nenhuma situação de excludente de ilicitude. O sujeito praticou o delito e vai ter que responder por aquilo. O juiz, quando condena, não pode ter dúvidas. Parece que esse § 1º prevê uma dúvida do julgador em segunda instância sobre as questões constitucionais e legais que envolvem aquele caso. Essa dúvida não pode haver no caso de uma condenação. Todo juízo de condenação deve se basear em um juízo de certeza. O julgador tem que ter certeza de que foi aquele sujeito que praticou aquele crime, de que ele não estava encoberto por nenhuma excludente de ilicitude. O Direito manda que aquele sujeito responda pelos seus atos, ou seja, não pode haver nenhuma dúvida sobre nenhuma questão constitucional e sobre nenhuma questão legal. O julgador tem que ter absoluta convicção de que ele está fazendo o certo e de que ele está fazendo justiça.
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Então, pode haver alguma dúvida sobre isso, mas, pelo menos a meu ver, parece-me que esse § 1º estabelece um juízo de dúvida na condenação em segunda instância, o que nunca pode haver. Não pode haver juízo de dúvida, qualquer condenação deve se basear em juízo de certeza absoluta. Esse § 1º me parece bem problemático por essas duas questões que analisei, tanto por ser muito abrangente, tudo vai cair na excepcionalidade, quanto por suscitar esse juízo de dúvida nas condenações, o que nunca pode acontecer. Portanto, a sugestão é de exclusão do § 1º do art. 617-A do Projeto de Lei Anticrime.
O segundo ponto que eu vou abordar é a progressão de regime. Já estou vendo que talvez não dê tempo de falar sobre tudo o que eu trouxe, mas vou tentar condensar. Tanto o Projeto de Lei Anticrime quanto o Projeto de Lei nº 10.372, que está sendo analisado aqui nesta Casa, tratam da progressão de regime. O Projeto de Lei nº 10.372 aumenta de 30 anos para 40 anos o tempo de cumprimento de pena. No Brasil, pode-se cumprir no máximo 30 anos de prisão, e o PL 10.372 é mais rigoroso, aumentando para 40 anos, o que me parece, também, uma medida acertada. Mas isso vai de cada um.
Esse projeto também faz modificação na Lei dos Crimes Hediondos, que é a Lei nº 8.072, de 1990, e aumenta as frações para a progressão de regime. Eu acho que isso realmente é um acerto, porque, pelas nossas frações de progressão de regime, o sujeito tem que cumprir muito pouco da sua pena originária para progredir de regime. Com isso, gera-se uma impunidade muito grande. Como juíza de execução penal e juíza criminal, eu vejo que muitos daqueles sujeitos que eu condenei, cuja execução penal eu acompanhei, muitos deles, na primeira saidinha, na primeira progressão de regime, voltam a delinquir. O índice de reincidência é muito alto, é extremamente alto. Essas pessoas são colocadas na rua antes, muitos antes, de poderem ser colocadas. Elas não têm aptidão ainda para serem colocadas na rua.
A Lei de Execução Penal prevê que deve haver o requisito objetivo e o requisito subjetivo para colocar um sujeito na rua mediante a progressão de regime. O requisito objetivo é o cumprimento da fração da pena, ou seja, se cumprir aquele pedacinho da pena, já pode progredir. O segundo requisito, o requisito subjetivo, é a aptidão para ir para a rua, ou seja, tem que haver um laudo ou um exame criminológico, um atestado carcerário, uma declaração do diretor do presídio de bom comportamento, uma análise do psicólogo, da assistente social, enfim, documentos atestando que aquele sujeito está apto a ir para a rua. Então, são dois requisitos. Não é só o cumprimento do tempo. Ele também tem que estar apto a ir para a rua.
Em relação a isso, também existe um grande problema: os exames criminológicos não estão sendo feitos. Eles são feitos por uma junta, formada por assistente social, psicólogo, jurista, advogado, que analisam a situação, em especial, daquele sujeito que está preso, analisam a situação concreta, olhando para o sujeito e verificando se ele está apto ou não. Mas o exame criminológico não tem sido feito, pelo menos em Minas Gerais. É preciso mandar para Belo Horizonte e é realizado só nos casos de muita periculosidade. Enfim, é extremamente complicado hoje em dia obter o exame criminológico. Isso está na Lei de Execução Penal, mas não é cumprido. Deveria haver uma insistência para que o exame criminológico acontecesse.
Portanto, o Projeto de Lei nº 10.372 aumenta as frações para a progressão de regime no caso de crimes hediondos, o que eu acho um acerto.
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O Projeto de Lei Anticrime, por sua vez, não fala exatamente do aumento das frações para a progressão de regime no caso de crimes hediondos, mas fala do aumento da fração de cumprimento da pena para três quintos quando o resultado envolver a morte da vítima. Ou seja, no caso de o sujeito cometer um crime hediondo que culminar na morte da vítima, o Projeto de Lei Anticrime prevê o aumento da fração de cumprimento da pena para três quintos.
Na minha opinião, três quintos, quando envolve morte da vítima, ainda é uma fração pequena. Mas vai do entendimento dos senhores, do legislador, saber o que é uma fração grande ou pequena. Digamos que ele seja condenado a uma pena de 5 anos. Então, no caso, se ele cumprir 3 anos, já poderá ter a progressão.
O Projeto de Lei Anticrime também subordina a progressão de regime ao mérito do condenado. É o que eu falei do exame criminológico, da análise das condições pessoais do preso, para ver se ele pode realmente voltar às ruas ou não. Isso me parece também um acerto. Essa parte deve ser aprovada.
Porém, para mim, há um probleminha. Eu vou apontá-lo aqui e depois os senhores analisam. Tanto o Projeto de Lei Anticrime quanto o PL 10.372/18 não abrangem a fração de pena de um sexto — que, na minha opinião, é indecente — para progressão de regime. Essa fração de um sexto é majoritária. Para crimes hediondos, há frações maiores. Para crimes que não sejam hediondos, a fração é de um sexto, ou seja, se o sujeito for condenado a 6 anos de prisão e cumprir 1 ano, ele já progride e já está fora.
Eu desconheço qualquer outro país do mundo que progrida o regime prisional de um sujeito com o cumprimento de apenas um sexto da pena. Parece-me uma fração muito pequena, insuficiente. Nem o Projeto Anticrime nem o PL 10.372/18 abordam essa questão. Fica para os senhores analisarem e, se for o caso, mexerem na Lei de Execução Penal, aumentando essa fração de um sexto.
Outro ponto: o Projeto de Lei Anticrime insere o § 5º no art. 33 do Código Penal, que diz que, no caso de condenado reincidente, havendo elementos probatórios que indiquem que ele seja reincidente, um criminoso habitual, um criminoso reiterado, um criminoso profissional, que comete crime de forma profissional, digamos assim, vive do crime, "...o regime inicial da pena será o fechado, exceto se insignificantes as infrações penais..."
Eu pergunto: o que seria uma infração penal insignificante? É o juiz que vai analisar o que é insignificante ou não. Isso torna a coisa muito subjetiva, fica muito ao arbítrio do juiz. No caso, eu estou até jogando contra a minha própria categoria, porque seria colocar poderes muito grandes nas mãos dos juízes. Nós sabemos que há muitos juízes que acabam seguindo opções extremamente garantistas e que vão se valer disso para realmente colocar criminosos perigosos na rua antes do tempo.
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Então, fica essa questão para se analisar o que seria uma ação penal insignificante, para tirar um pouco desse poder exacerbado que se colocou na mão dos juízes e colocar mais na mão dos senhores legisladores.
Sobre a exigência de exame criminológico para progressão de regime, dou uma sugestão também que não existe em nenhum dos dois projetos: a prova de indenização à vítima. Para progredir, aquele preso que eventualmente tiver condições de indenizar a sua vítima deve provar que o fez ou que fez alguma coisa para minimizar o sofrimento dela, porque tudo é feito sempre se olhando sob a ótica do criminoso e nunca sob a ótica da vítima.
Outra questão é a existência de uma previsão na Lei de Execução Penal de remissão da pena pelo estudo e pelo trabalho. Parece-me que essa previsão da LEP é equivocada, uma vez que tanto o estudo como o trabalho são coisas normais na vida de qualquer ser humano e jamais poderiam servir para diminuir a pena de alguém. Se uma pessoa foi condenada a uma determinada pena, ela deve cumprir aquela pena e acabou. A pena não deve ser reduzida pelo fato de o condenado ter estudado ou trabalhado. Isso são coisas normais, que todo mundo faz. Portanto, minha sugestão também é a extinção da remissão de pena pelo estudo e pelo trabalho.
Em relação ao sistema carcerário, os dois projetos preveem modificações no Regime Disciplinar Diferenciado — RDD, mas há algumas diferenças. O Projeto de Lei nº 10.372 fala que o RDD deve durar 2 anos, prorrogáveis; e o Projeto de Lei Anticrime, 3 anos, renováveis por igual período. Então, existe essa pequena diferença entre eles. O PL 10.372 pode provocar uma pequena confusão na prática, porque ele diz que o sujeito pode ser condenado a ficar 2 anos no RDD e que é possível a repetição. Na prática, o que vai acontecer? Os juízes vão começar a discutir: "É possível a repetição? Então só pode repetir uma vez? Ou será que pode repetir inúmeras vezes?" Na prática, isso vai dar discussão jurídica. Então, seria bom que o legislador estabelecesse claramente se vai poder repetir uma vez ou se vai poder repetir inúmeras vezes, de forma fundamentada.
No Projeto de Lei nº 10.372, existe a previsão da visita mensal ao preso. A LEP prevê a visita semanal e de até duas pessoas. Esse projeto de lei prevê que a visita seja mensal e por uma pessoa só. A única ressalva que eu faria seria com relação às crianças. Se, por exemplo, um preso tem filhos pequenos, não me parece muito razoável privar essas crianças do contato com o seu pai ou com a sua mãe, ainda que estejam presos. Não é um ambiente muito legal para crianças, mas, enfim, as crianças têm que ter algum contato com os seus pais. Então, parece-me razoável permitir o ingresso das crianças menores, independentemente da quantidade. Colocar visitas mensais me parece também razoável. Eu frequento presídios e sei o quanto as visitas semanais são trabalhosas: causam tumultos, muitas ocorrências policiais, ingresso de celulares no presídio, ingresso de drogas, recados de pessoas de fora.
Nessas visitas, pessoas de organizações criminosas passam recados para quem está dentro. Então, quanto mais visitação, pior para a sociedade. Com menos visitas, elimina-se um pouco esses problemas. Mas também acho razoável inserir as crianças, os filhos dos presos, nas visitações. Não acho razoável privá-las de ter contato com seus pais.
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Já se encerrou o meu tempo, e tenho várias outras coisas aqui para falar, mas vou pular porque acho muito importante no momento falar sobre as audiências de custódia. Nem o projeto do Moro nem o Projeto de Lei nº 10.372 preveem algo relacionado à audiência de custódia. Nós temos um problema sério hoje em dia: o STF legislou — ocupou o lugar dos senhores — e, com a ADPF 347, declarou a obrigatoriedade da apresentação do preso em 24 horas à autoridade judicial, ou seja, ao juiz. Fizeram isso com base em quê? Dizem os defensores da audiência de custódia que isso foi feito com base no Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção Americana dos Direitos Humanos. Mas o que diz essa Convenção?
5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)
Esse finalzinho estão sonegando dos senhores. Esse finalzinho ninguém está comentando. Só falam que tem que apresentar o preso ao juiz, mas todo mundo resolveu esquecer o que fala a última parte do art. 7º do Pacto de São José da Costa Rica: "...outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais..." Eu vou traduzir o que significa "outra autoridade autorizada a exercer funções judiciais". Isso significa "delegado de polícia". O delegado de polícia, num primeiro momento, é o primeiro juiz da causa. Ele analisa a legalidade daquele flagrante, ele analisa se aquela prisão foi feita corretamente, ele ratifica ou não aquele flagrante e, aí sim, manda para o juiz homologar aquele flagrante ou não. Isso sempre foi feito dessa forma. A coisa sempre aconteceu perfeitamente de acordo com o que diz a Convenção Americana dos Direitos Humanos. Isso quer dizer que o Pacto de São José da Costa Rica sempre foi cumprido. O delegado é essa outra autoridade prevista pela lei para exercer funções judiciais. Naquele primeiro momento, quem é o juiz da causa, quem exerce a função judicial é o delegado de polícia, não é o juiz. O juiz só entra depois, num segundo momento. Então, o pacto sempre foi cumprido, mas essa última parte todos estão sonegando. Por quê? Querem tumultuar o sistema, querem pegar os policiais que estão na rua e fazê-los passarem o dia inteiro levando presos para o fórum, deixando a cidade desguarnecida.
Na cidade onde eu trabalho, existem 17 policiais. Alguns estão de férias, alguns estão fazendo cursos, alguns estão licenciados, outros vão ter que levar o preso para a audiência de custódia, e a cidade vai ficar completamente desguarnecida. A audiência de custódia já preenche as condições do pacto, não viola nada e, se continuar acontecendo, milhões e milhões de reais do dinheiro público serão jogados fora. Policiais estarão fora das ruas, levando presos para audiências de custódia, onde o juiz nem sequer pode perguntar o que aconteceu. Ele só tem que perguntar se o preso foi bem tratado, tem que olhar os dentes dele para ver se estão no lugar. Que história é essa?
Milhões de reais estão sendo jogados fora por conta de algo que já é feito legalmente, que já está sendo feito de forma razoável e perfeitamente compatível com a Convenção Americana dos Direitos Humanos.
Os senhores podem me perguntar como é que resolve isso pela via legislativa, já que há uma decisão do STF na ADPF 347, que obriga a realização de audiência de custódia. Então, eu tenho uma sugestão para que se resolva isso pela via legislativa, o que obrigaria depois o STF a rever ou a confirmar sua posição. No entanto, pela via legislativa, nós temos a via da norma explicativa. Por exemplo, a lei penal tem normas incriminadoras e normas não incriminadoras. No Código Penal, vemos normas incriminadoras, que são as que estabelecem o crime e a sanção, tal como o art. 121:
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Há também as normas penais não incriminadoras, que são as que não preveem penas nem estabelecem crimes. No Código Penal, por exemplo, há um artigo que explica o conceito de funcionário público para leis penais. Trata-se de uma norma explicativa. As nossas leis também têm função explicativa, ou seja, pode haver um artigo na lei explicando alguma coisa, e não apenas prevendo uma sanção. Então, existe a norma explicativa, da qual os senhores podem se valer para explicar o conteúdo da Convenção Americana dos Direitos Humanos. A proposta seria um acréscimo ao Código de Processo Penal explicando que o preso será apresentado em 24 horas à autoridade judicial ou à autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais, como o delegado de polícia, ou seja, esclarecendo no próprio Código de Processo Penal que é o delegado de polícia essa outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais.
Com isso, o legislador mostra que é ele quem tem que estabelecer isso, ou seja, se o preso vai ser apresentado ao juiz ou ao delegado. Essa norma tem que vir do Poder Legislativo, e não do Poder Judiciário, que está em claro ativismo judicial nefasto. Isso não pode ser admitido. Os senhores não podem admitir que o Poder Judiciário interfira dessa forma no Poder Legislativo.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Dra. Ludmila, pela sua exposição.
Passo, então, para a segunda fase da audiência pública, em que os Parlamentares fazem questionamentos e pedidos de esclarecimento aos nossos convidados. Eu gostaria de reiterar aos convidados que estão nas cadeiras do plenário que esta Mesa fica estendida até S.Sas.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Sra. Presidente, mais uma vez parabenizo V.Exa. pela condução dos trabalhos.
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Eu creio, Sra. Presidente, colegas, que, na verdade, nós estamos nos submetendo a um debate muito maniqueísta, carregado de uma relação excludente, mas é possível, sim, encontrar caminhos de confluência, caminhos de unidade, a partir da constatação, por exemplo, de que existem duas espécies de criminalidade.
Nós temos a criminalidade convencional, que é a criminalidade com a qual nós já estamos acostumados a lidar: a criminalidade do furto, do roubo, do tráfico, de alguns homicídios, da apropriação indébita, do estelionato. Essa é a criminalidade que foi objeto de atenção do Código Penal de 1984, na sua Parte Geral, a criminalidade denominada arroz com feijão.
Eu me lembro de um debate — li o livro que condessou as exposições dos palestrantes — realizado pela OAB em 1980. Naquela época, o grande desafio, a grande crítica que se fazia ao sistema penal era a seletividade, no sentido de que a força estatal recaía apenas e tão somente sobre os mais vulneráveis, e que era preciso, portanto, para legitimar o sistema que o braço estatal, a máquina, a carga punitiva estatal recaísse também sobre os criminosos de colarinho-branco. Isso em 1980. Hoje a situação mudou.
Agora eu falo da segunda espécie de criminalidade, que é aquela de colarinho-branco. A criminalidade de colarinho-branco, ao contrário da criminalidade convencional, tem outras raízes. Na criminalidade convencional, pode-se trabalhar as categorias sociológicas de um ponto de vista criminológico mais presente. Por exemplo: ela tem, sim, uma raiz social e econômica muito presente. São pessoas que estão vulneráveis economicamente, que nascem numa situação precária, que não têm uma educação formal, que estão alijadas do processo social e que são cooptadas por organizações criminosas e encontram ali modos de sobrevivência.
Aqui há algumas explicações razoáveis para a criminalidade convencional, e eu reputo que o nosso sistema penal, o nosso Código Penal — a lei penal e processual penal — já está suficientemente aparelhado para reprimir e prevenir crimes.
Entretanto, Sra. Presidente, eu quero fazer uma reflexão mais aprofundada sobre a criminalidade de colarinho-branco, que, ao contrário da criminalidade convencional, precisa, sim, de um olhar mais atento por parte dos legisladores.
Sobre o crime de corrupção, vamos partir do contrato social. Se V.Exas. e os colegas observarem, nós nascemos, formamo-nos como pessoas e temos que trabalhar obedecendo regras. O que o corrupto faz? Ele é desleal no contrato social. Por quê? Enquanto o Presidente da Federação, a Juíza, eu e outros Parlamentares todo mês recebemos "x" e não podemos sair disso até o momento em que nós nos aposentarmos — agora falando em relação às carreiras de Estado, não aos Parlamentares — como é que o corrupto age?
Ele age de forma desleal na perspectiva do contrato social. Em virtude da ganância e da ambição desenfreada, ele procura meios para se locupletar ilicitamente, deixando os outros competidores do contrato social para trás, de forma desleal. Esses merecem uma repressão mais rigorosa, porque não têm a justificativa de terem praticado crime por falta de uma educação, por falta de acesso à saúde, por falta de condições adequadas para viver. Eles tiveram tudo isso. Aliás, muitos tiveram até de forma privilegiada e, mesmo assim, optaram por praticar crimes.
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Mas, muito bem, Sra. Presidente. Eu já vou concluindo. Lembro aos colegas que nós temos que estar atentos para essa distinção entre criminalidades, a criminalidade convencional e a criminalidade de colarinho-branco, porque, se é verdade que na criminalidade convencional muitos praticam crimes em virtude de problemas econômicos, sociais e culturais — e isso é fato —, para os criminosos de colarinho-branco essas razões não se encaixam. Os criminosos de colarinho-branco praticam corrupção por conta de ganância, por ambição desenfreada. E o Estado precisa agir, sim.
Agora, a questão para fechar: mas, agir em que limites? E aí, lembrando o contrato que nós fizemos em 1988, a sociedade se reuniu em torno de um documento, que é a Constituição Federal. Esse documento não pode ser, abre aspas, "vítima de puxadinhos hermenêuticos" por conta de conjunturas e circunstâncias. Nós fizemos um pacto, um pacto de fé democrática. E esse pacto precisa ser respeitado.
Quando se diz lá que ninguém pode ser considerado culpado, é verdade. Lá não está dito que ninguém pode ser considerado preso. Mas, na execução provisória da pena, quem vai preso vai a título de culpa, culpa provisória. E a culpa provisória, de acordo com o art. 5º, não é admitida no sistema. Existem outros instrumentos para se prender antes da formação integral da culpa: nós temos prisão em flagrante; nós temos prisão preventiva; nós temos prisão decorrente da sentença de pronúncia; nós temos prisão temporária. Então, se nós utilizarmos esses instrumentos de uma forma racional, não precisaremos discutir sobre construções paralelas e que não têm compatibilidade com a essência constitucional, justamente por conta desse pacto que nós celebramos.
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Quando reconhece uma inconstitucionalidade relacionada a uma questão de negócio privado, o Supremo age para impedir as suas consequências. Por que o Supremo não agiu para impedir as consequências, reconhecendo a inconstitucionalidade do sistema prisional? Será que é porque os que estão presos são diferentes de nós? Nós estamos aqui, e eles estão lá? Eu não divido as pessoas assim, não, e não aceito que o maniqueísmo me coloque ao lado daqueles que praticam crimes. Estou procurando, na qualidade de Deputado Federal, legislar pensando em todos os brasileiros. E os que estão presos praticaram crimes, devem ter a sua liberdade suprimida, mas não perdem a condição de filhos da nossa Pátria.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Obrigado, Presidenta. Cumprimento os demais membros deste grupo de trabalho e os convidados. Boa tarde a todas e todos.
Eu estou muito instigado aqui e preocupado com o meu tempo, porque foi uma Mesa muito rica sobre um tema muito importante. O objetivo aqui é que possamos contribuir para um relatório final, mais do que com as nossas convicções pessoais, mas que possamos, através delas, contribuir para algo diferente e propositivo.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Coloquial.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - É um debate também de concepção de sociedade. Não tem como fugirmos muito disso. Quando vamos discutir o sistema penal, o que não é novo — se quiser conhecer uma sociedade, veja as suas prisões —, também temos que ver um pouco do que nós consideramos como sociedade. Qual é a nossa expectativa?
O projeto do Moro — e já converso diretamente com o Dr. Helder — não é um projeto de segurança pública, é um projeto penal. Eu já falei isso para o próprio Moro. O projeto de segurança pública... E aí tenho uma preocupação, porque a ideia de que a segurança pública começa e termina no sistema prisional é um pouco perigosa. A ideia de que o sistema prisional faz parte do debate de segurança pública é inconteste. Não tem como separar isso. O senhor tem toda a razão. Mas a ideia de que o debate de segurança pública termina no sistema penal é a ideia de que o sistema penal não tem mais nada para fazer.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - É claro que o senhor não pensa isso, mas essa frase pode nos levar a esse entendimento. É a ideia de que chegou ao sistema prisional; prendeu; e resolveu o problema da segurança pública. É como se ali as coisas não pudessem piorar, como se ali as coisas não pudessem inclusive se agravar. E podem.
O que esperamos das prisões numa perspectiva de uma sociedade mais segura? Mas um projeto de segurança pública tem que falar da estrutura da polícia. Um projeto de segurança pública tem que falar de garantia de direitos. Um projeto de segurança pública tem que falar de enfrentamento das desigualdades. Um projeto de segurança pública é maior do que um debate policial, porque o que faz uma sociedade ser mais segura não é só a polícia. A polícia faz parte. O sistema prisional faz parte. Mas a segurança de uma sociedade passa por outros elementos, e nenhum deles, nem sequer as estruturas de polícia, estão contemplados no projeto do Ministro Sergio Moro. Não há uma linha sobre reestruturação, inteligência, integração, composição. Não há uma linha sobre isso. Então, não é um projeto de segurança pública, é um projeto penal.
Nesse sentido, o que nós esperamos do sistema prisional? O nosso racismo é estrutural.
O senhor tem razão. Basta ver a quantidade de negros que nós temos na sociedade e a quantidade de negros que temos presos. Nós não prendemos quem investigamos, Dra. Ludmila, porque não investigamos. A nossa capacidade de investigação é mínima, e não investimos nisso. Nós prendemos quem vigiamos. Isso é evidente, inconteste. Nesse sentido, o sistema prisional é o reflexo de um modelo de sociedade e de uma determinada concepção de segurança que nós temos.
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Quero dizer uma coisa para a senhora, Dra. Ludmila. Eu trabalho há 30 anos no sistema prisional. Sou professor de História e dei aula dentro das prisões durante muitos anos. Gostaria muito de levar a senhora para conhecer alguns projetos educacionais. Quem dera tivéssemos os presos estudando e trabalhando, como determina a lei, mas nós não temos.
Nós não temos prisões de segurança máxima, temos prisões de ociosidade máxima. Determinadas concepções de prisão são concepções de bastilhas, derrubadas na França no século XVIII, o que não nos serve numa sociedade contemporânea. Essas pessoas saem de lá um dia. A ideia de que elas têm que ficar lá mais tempo sem qualquer perspectiva de ressocialização aumenta a sua preocupação, doutora, com a reincidência.
Criminoso habitual? Em que lugar do Código Penal está definido o criminoso habitual? Eu sempre dou este exemplo: eu não acho nem o Eduardo Cunha um criminoso habitual. Não acho que nem ele seja um criminoso habitual, porque criminoso habitual é lombrosiano, é determinismo, é grave. É muito preocupante a utilização desse termo. Nós temos reincidência. Queremos discutir reincidência? Vamos falar de política de egresso, porque esse mesmo sistema que a senhora acha que deve tirar a progressão por estudo e por trabalho é capaz de prender uma pessoa por 20 anos e, quando a libertada, não há um documento para ela. Mas isso parece não estar no radar de preocupação da senhora. Nós prendemos por 20 anos e soltamos essa pessoa sem um documento.
A ideia da restrição das visitas é absolutamente inconstitucional. Como é que nós vamos ressocializar, doutora, sem permitir que o núcleo familiar exista? Esse núcleo familiar é fundamental para que aquela pessoa não volte para o crime. As famílias são tratadas como condenadas, e não cometeram crime algum. Assim nós estamos estimulando a desumanidade nas prisões, o que tem um efeito absolutamente perverso na sociedade como um todo.
Por que há reincidência? Isso não tem nada a ver com a ausência de política penitenciária. Isso acontece há muitos Governos. Não ter política penitenciária é a política penitenciária. Nós não nos preocupamos, porque mandamos para lá quem nós vigiamos e quem não nos interessa. Queremos que fiquem mofando na cadeia quem nós não queremos na sociedade, porque não temos compromisso ético com eles. São os outros, são aquelas pessoas que não servem: não servem para uma sociedade de mercado, não servem para uma sociedade consumista, não servem para a concepção de educação que nós temos. Então, nós trancamos e esquecemos. Os muros precisam ser altos, doutora, para que a nossa amnésia seja cada vez maior. É disso que nós estamos falando. Esse projeto é a prova concreta de que tudo que é ruim pode piorar.
Audiência de custódia é acesso à justiça. Nós temos 42% dos presos brasileiros sem julgamento. Os presos provisórios são 42%. Como isso não está no radar de preocupação de todos nós? É normal ter 42% dos presos brasileiros — nós estamos falando da terceira maior população carcerária do planeta — provisórios?
Aí trancamos uma pessoa 3 anos, 2 anos, e depois dizemos: "Você foi inocentado". Quem devolve esses 2 anos? De que maneira se devolvem esses 2 anos a essas pessoas? Não nos preocupamos com isso por quê? Porque são os outros, são aqueles diferentes de nós, são aqueles a respeito dos quais precisamos produzir medo, para podermos a nossa capacidade humana de enxergar um projeto de sociedade. Desculpe o desabafo, mas o que eu ouvi hoje realmente me leva a essa necessidade.
Eu estou há 30 anos trabalhando dentro do sistema, Helder — permita-me também essa franqueza —, e acho que aprendi muito com os agentes penitenciários, mas tenho certeza absoluta de que eles também aprenderam muito comigo. Acho que essa troca e essa capacidade de diversas inteligências sobre o sistema têm que ser somadas. Nós não podemos achar que quem pode falar sobre o sistema é quem está dentro do sistema.
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Eu também lamento muito que a academia conheça pouco o universo das prisões de dentro das prisões, mas também lamento que quem está dentro das prisões, às vezes, não consiga enxergar o que acontece fora. Há limitações de todas as partes. O importante é que nós possamos somar esses encontros, como acontece aqui no GT. O importante é que possamos somar esses conhecimentos e gerar algo que nos diga melhor — eu já passei muito do tempo, perdão — o que nós queremos com o sistema prisional. O que nós desejamos? Que sociedade nós queremos?
Eu não quero uma sociedade que se divida entre uns e outros. Eu quero um sistema penitenciário que tenha eficácia. Eu quero um sistema penitenciário que produza redução de violência. Não é isso o que queremos? Queremos reduzir violência. Não dá para reduzir violência tendo uma proposta de sistema penitenciário que seja absolutamente violenta, que restrinja educação, que restrinja trabalho, que restrinja família, que restrinja dignidade. Nós achamos que isso vai trazer uma sociedade com menos violência, a violência sobre aqueles com quem eu não me identifico, porque eles são diferentes de mim? Não dá!
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado Marcelo Freixo.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Presidente, V.Exa. já...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu vou retomar a lista agora.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Por favor!
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Passarei a palavra exatamente a V.Exa., para as suas considerações.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Sim, senhora.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Por favor! Já passei a palavra para V.Exa.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Muito grato, nobre Presidente. V.Exa. sabe que Coordenadora não é o caso. No meu caso, é Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Meus cumprimentos aos nobres colegas Deputados aqui presentes, aos convidados e, em especial, à Dra. Ludmila. Agradeço muito a sua vinda a este Congresso Nacional e a este plenário. Com certeza, V.Sa. está contribuindo e vai contribuir com esse pacote anticrime exposto aqui pelo nosso Ministro Sergio Moro. Muito grato pela sua presença.
Nós nos apaixonamos tanto que escrevemos e acabamos não entendendo aquilo que escrevemos. Escrevi sobre todos os palestrantes aqui. O assunto nos apaixona mesmo.
Eu vou contar uma historinha aqui em 30 segundos. Quando comecei a fazer Direito, na primeira aula do curso, o professor entrou na sala — todos nós estávamos ali ansiosos —, subiu na mesa e disse assim: "Quem aqui não quer contar, às vezes, uma historinha que não é verdade?" Nós ficamos... "Quem aqui não quer inventar, às vezes, algumas coisas para o processo poder caminhar?" Isso é real.
Ninguém levantou o braço. Aí ele disse assim: "Então podem sair daqui, porque ninguém serve para ser advogado".
(Risos.)
Isso me deixou, realmente, muito, mas muito sem entender aquilo que o professor queria nos passar. Mas, nobre Deputado, era um professor! Nem sempre aquilo que ensinamos, que orientamos, seja fora, seja dentro de algum órgão, é o entendimento geral, é aquilo que se deve falar, é aquilo que se deve ouvir. Isso é apenas para nós podermos aqui...
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Logicamente, isto aqui é um seminário. Todas as autoridades que vêm aqui apresentam aquilo que entendem do seu viver na sua profissão. Todas as palavras e todas as sugestões são bem-vindas, sem dúvidas! Dessa forma, todas as palestras foram maravilhosas.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu gostaria só de esclarecer o procedimento.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Nós estamos fazendo o seguinte procedimento: todos os convidados falam...
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Eu faço as...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Em seguida, todos os Parlamentares interpelam. Depois, na mesma ordem em que falaram, eu devolvo a palavra aos senhores e às senhoras.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - O.k. Sim, senhora. Está bom.
Uma outra pergunta. Eu enfatizo e depois faço a pergunta. Dr. Luciano Góes, sobre o isolamento dos encarcerados, é o isolamento das lideranças e das facções que inviabiliza ordens de ações contra a sociedade? Já no início do ano, tivemos o exemplo da ação de isolamento contra a onda de violência no Ceará. Eu gostaria que o senhor enfatizasse isso, ouvir o que o senhor quer nos dizer. Mas vamos esperar o momento.
Dra. Ludmila, conforme V.Exa. explicou, o § 5º do art. 33 do PL Anticrime prevê que o regime inicial da pena será o fechado, salvo se insignificantes as infrações penais pretéritas ou de reduzido potencial ofensivo. Isso deve ser retirado, conforme V.Exa. apresentou. Causa subjetivismo pelo juiz e é um poder arbitrário. Eu queria que a senhora também enfatizasse, no momento em que lhe for passada a palavra, este item aqui.
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Para encerrar, porque eu também já passei do tempo — a Presidente já está me olhando aqui —, quero parabenizá-la, juíza. Gostei muito do seu posicionamento. A senhora é uma juíza prática! É disto que o Brasil precisa: juízes práticos e não juízes que falam, falam, e o cidadão não entende. Parabéns a V. Sa.!
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Queria perguntar ao Dr. Luciano, porque há uma dúvida que sempre me incomoda. Talvez o dado específico pudesse, com as mesmas premissas, ajudar a elucidar um pouco sobre o que se fala do assassinato das pessoas negras.
Eu acho que, realmente, o País tem problemas com racismo, tem problemas com preconceitos contra gays, assim como tem preconceitos também contra outras pessoas. Há uma série de preconceitos. Alguns são mais conhecidos, outros são menos conhecidos, mas também acontecem. O ser humano, de uma forma geral, é muito preconceituoso. Eu gostaria de saber até que ponto isso chega. Queria saber qual é a porcentagem, seguindo a mesma premissa, de população negra no Brasil e qual é a porcentagem dos negros assassinados no Brasil em relação ao total, para sabermos se isso distorce muito. Se tiver esse dado, eu gostaria que o senhor nos falasse.
A SRA. CARLA ZAMBELLI (PSL - SP) - É, em porcentagem. Por exemplo: dos 206 milhões de habitantes, 40% ou 60% são negros. Do total de assassinatos, quantos por cento são negros? São 60% também ou não? São 80 e poucos por cento? Desse modo, vamos entender se a quantidade de negros que morrem é proporcional ao número dos nossos habitantes ou se realmente morrem mais negros do que brancos, asiáticos, etc., colocando todos os demais num calabouço só.
Por exemplo: quando dizem que mulheres são mais assassinadas do que homens — eu vi alguns dados outro dia que me deixaram um pouco chocada —, na verdade, homens são muito mais assassinados. Existe muito mais homicídios de homens do que de mulheres.
Em relação à população carcerária, eu também comecei a estudar um pouco o assunto. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Eu gostaria que a Juíza Ludmila e a Procuradora Thaméa comentassem isso. O fato de nós termos a terceira população carcerária do mundo — e eu percebo que somos o quinto país do mundo — fez-me estudar um pouco os outros países.
Na China, país que inclusive visitei, quem é pego com alguns gramas de droga vai automaticamente para a pena de morte. Casos de grande corrupção descobertos têm pena de morte. Como há muito reconhecimento facial, a violência é muito baixa. A população carcerária da China é muito pequena: a pessoa é condenada à pena de morte, porque cometeu um crime grave, ou a pessoa não se mete em crimes pequenos. É muito difícil isso acontecer. A população carcerária da China é realmente muito baixa, porque a incidência é muito baixa.
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Eu gostaria que a juíza e a procuradora comentassem, porque é um dado que as pessoas usam para poder justificar — claro que há uma preocupação com os direitos humanos, como o Deputado Marcelo Freixo tem — um excesso de cuidado: "Não podemos prender". Enquanto isso, a população está nas ruas, desesperada. Uma mulher não tem coragem de sair com uma saia mais curta, uma mulher não tem coragem de sair com um decote, porque pode acontecer alguma coisa com ela. Quer dizer, nós estamos vivendo uma situação em que estamos isolados nas nossas casas. Quando vamos sair, tem que ser com segurança, tem que ser com cuidado. Estamos passando por uma situação muito difícil no Brasil nesse sentido.
Aí a população elege um Presidente como o Bolsonaro — sabendo que o Bolsonaro é como é, ou seja, que bandido vai para a cadeia, que assassino vai para a cadeia e que vai ficar pior —, e vem um Ministro como o Sergio Moro e diz que membros do PCC, uma das piores organizações criminosas do mundo, irão ser isolados. E a população o aplaude. Nós já prevíamos tudo isso.
O Bolsonaro ganhou com maioria na eleição, de forma democrática, e a população sabia o que estava escolhendo, sabia que ia ver o fim do desarmamento, sabia que ia ver um maior encarceramento. Ele dizia: "É só não roubar, é só não prender, é só não matar. Senão tu vai pra cadeia, pô!". Ele não falava assim? Isso viralizou no Brasil. Todo mundo sabia em quem estava votando. Isso foi prometido para a população, e nós temos que cumprir. Eu, como base do Governo, quero cumprir o que o Bolsonaro prometeu. Também prometi que as mulheres vão sair às ruas sem medo de serem estupradas; que as mulheres que quiserem sair armadas e vierem a ser estupradas podem matar o bandido ou dar um tiro na perna dele, se forem muito boas de tiro.
Agora, o que não dá é para tentarmos justificar um pacote anticrime nos preocupando tanto assim com o bandido. A preocupação está sempre sendo com o bandido. O que eu escuto aqui é assim: "Qual é o direito do bandido? Como é que ele vai ficar? Como é que vai ficar a família?" Eu entendo a preocupação.
Falemos de uma ideologia como a do Deputado Marcelo Freixo, o que eu super respeito. E ele sabe que nós temos um relacionamento muito respeitável. O Deputado está aqui para exercer esse papel. Como disse, ele está trabalhando há 30 e poucos anos nesse sistema. Então, eu o respeito por estar aqui defendendo isso, assim como respeito os 50 e tantos milhões de brasileiros que votaram no Bolsonaro e esperam dele essa reação.
Se falarmos nos 13 anos do Governo do PT, no qual os direitos humanos eram uma prioridade, por que, nesses 13 anos, não foi feito nada para ressocializar os presos? Por que, nesses 13 anos, a criminalidade só aumentou? O crime compensa no Brasil hoje, porque, nos últimos anos, na última década e mais, não foi dada ao preso a socialização que se pedia e não foi dado ao preso o encarceramento correto.
Eu acho, sim, que temos que fazer um estudo para ver quem está preso indevidamente. Isso eu apoio. Conheço o caso de pessoas que estão presas indevidamente ou que já cumpriram o prazo da pena e continuam lá. Por quê? Porque o pobre não tem recurso para poder se defender. Então, vamos aumentar o poderio de defesa pública. Eu sou favorável a aumentar o poderio de defesa pública. Vamos melhorar as condições estruturais das cadeias. Como? Colocando os presos para fazerem obras dentro da prisão, aumentando a prisão, aumentando os locais onde eles vão ficar, melhorando os locais, socializando os presos, levando até eles, por exemplo, educação de ensino a distância, para eles poderem sair dali com uma preparação técnica.
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O Governo já está preparando alguns projetos. Há um no qual 127 mil presos trabalham. O Governo está ajudando para que que isso aconteça.
Se queremos fazer políticas sociais e de urbanização para minimizar os crimes... Primeiro, a Esquerda, que defende os direitos humanos, teve 13 anos para fazer isso. Se ela não conseguiu fazer em 13 anos, eu acho que, talvez, a solução não seja por ali. Vamos ter que tentar uma outra solução.
A educação seria uma solução de longo prazo? Sim. Se nós tivéssemos educado corretamente os nossos filhos na última década, as últimas duas gerações que passaram pelo PT também, hoje a criminalidade estaria reduzida. Inclusive, eu gostaria de saber, Thaméa, se V.Sa. puder falar, se a criminalidade é maior ou menor entre os jovens. E esses jovens são o resultado da educação que o PT deu. Então, eu gostaria de saber: essa educação melhorou a criminalidade? "Não". Então, tem que mudar a educação também.
Eu acho que o brasileiro colocou o Bolsonaro na Presidência por um motivo: o povo percebeu que tratar bandido com carinho não dá; que não dá para educar sem falar não, sem disciplina; que tratar o PCC com medo também não dá. E aí, finalmente, temos um Ministro que teve a coragem de separar o PCC e de levá-lo para uma prisão nacional. Então, por tudo isso, o brasileiro votou no Bolsonaro.
Eu não tinha nenhuma pergunta para o senhor — desculpe-me! —, mas, se quiser comentar, ficarei muito feliz. Não ouvi a sua explanação. Então, peço que o senhor me desculpe.
Pelo amor de Deus, entendam! O brasileiro não votou no Bolsonaro por causa dos olhos azuis dele, mas por causa da maneira incisiva como ele trata a segurança pública. E aí, desculpe-me, mais uma vez, mas é, sim, uma questão de ideologia. O povo brasileiro está esperando isso.
Agora, vamos discutir questões constitucionais? "Vamos". Gostaria de perguntar à Sra. Thaméa sobre a questão do trânsito em julgado, da culpabilidade da pessoa. Queria que V.Sa. explicasse um pouquinho mais: "Ah, a pessoa não pode ser considerada culpada até o trânsito em julgado". Só que o STF entende que não se perde a presunção de inocência ao começar a cumprir a pena. E outra: vocês têm a quantidade, mais ou menos, de processos que são alterados da primeira para segunda instância e da segunda instância até o STF? Até onde eu tenho informação, é mais ou menos 1,5% de todos os crimes. Então, estamos falando que, por causa de 1,5% das pessoas que conseguem reverter em última instância, deixamos soltos 98,5% dos culpados.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputada.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Presidenta, só uma observação rápida, só para descontrair o ambiente.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Não é direito de resposta, não.
Eu fico muito feliz de ouvir a Deputada Carla Zambelli, que é minha amiga, dizendo que as pessoas sabem por que votaram no Bolsonaro, que votaram pelo que ele dizia. Fico feliz em saber que a Deputada vai votar contra a reforma da Previdência, então, porque Bolsonaro sempre foi contra a reforma da Previdência.
(Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Passo a palavra ao Deputado Subtenente Gonzaga.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (PDT - MG) - Boa tarde a todas e todos. Peço desculpas à Comissão e aos nossos convidados por ter chegado tarde. Eu estava em outras missões e, portanto, não ouvi a manifestação dos nossos expositores, que, com certeza, deram suas contribuições. Mas conheço o Helder de longa data.
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13:01
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Eu sou policial militar. Nós temos, no nosso regulamento disciplinar, a pena de prisão disciplinar. Em Minas Gerais, isso acabou, graças a Deus, desde 2002, por esforço nosso. Num debate, certa vez, buscando o fim da pena de prisão, ouvimos o famoso Ariosvaldo Campos Pires, mineiro, quando falou da função da pena de prisão. Ele estava dialogando conosco sobre prisão disciplinar, e me marcou uma manifestação dele em relação à pena como castigo. Ele defendeu que o Estado não deveria ver a pena como castigo, defendeu o fim da nossa pena de prisão — o que nós conseguimos inclusive. Porém, ao mesmo tempo, há a defesa intransigente de instrumentos rígidos de controle e eficácia no cumprimento da pena, ainda que não seja de prisão.
Esse não é um tema que está colocado a partir dos projetos anticrime dos Ministros Moro e Alexandre de Moraes. Esse é um tema que perpassa longos anos aqui. Eu quero me reportar a um projeto que foi objeto de uma Comissão Especial em 2006, o Projeto de Lei nº 7.223, de 2006, que estava parado na gaveta da Câmara com mais de 40 outros projetos apensados, dialogando sobre esse tema, progressão de regime. O projeto original era para criar o sistema penitenciário de segurança máxima, com até tem um nome equivocado, Regime Disciplinar de Segurança Máxima, que foi adotado.
Nós trabalhamos esse tema. Eu queria aqui dividir isso, até porque está na pauta do plenário. Ainda há tempo de nós aperfeiçoarmos o texto. Eu acho que ele dialoga um pouco com o que se propôs para a nossa Comissão em termos de sistema prisional e de progressão de regime. Esse projeto está em plenário hoje criando o Regime Disciplinar de Segurança Máxima, que dá uma possibilidade de isolamento por mais tempo, com restrições mais rígidas que o atual RDD — Regime Disciplinar Diferenciado. Qual foi a inovação que o debate produziu sobre esse Regime Disciplinar de Segurança Máxima? Ele estabeleceu o vínculo com o crime, diferentemente do RDD, que tem vínculo com o comportamento. Isso nos levou a propor uma alteração no Código Penal, no art. 33, para permitir, de imediato, desde o primeiro dia, tendo-se os pressupostos — toda decisão judicial deve ter ampla defesa e contraditório —, que alguns crimes, por exemplo, chefia de organização criminosa voltada e estruturada para crimes violentos e hediondos, tenham tratamento diferenciado do ponto de vista de restrição e isolamento.
Outra construção que esta Comissão produziu responde a um clamor de pelo menos parte da população. É bom nós não cairmos na tentação de querer dar DNA para ninguém. Foi o debate que construiu essa solução. Hoje temos a contribuição grande do Deputado Fábio Trad e de vários outros Deputados que dialogaram conosco no plenário a partir do final do ano. Neste momento do texto, estamos alterando as regras de progressão, inclusive absorvendo uma tese trazida pelo Ministro Moro no projeto que estamos debatendo. Estamos fazendo uma progressão que leva em conta a reincidência e a violência. Então, permanecem os 16%, que são um sexto da pena, para o crime sem violência, se for agente primário, mas aumentamos para 20% em caso de reincidência do crime sem violência, 25% para o crime com violência contra a pessoa e 30% em caso de reincidência desse mesmo crime.
Estabelecemos 40% para quem exerce o comando de uma organização criminosa, independentemente de violência ou não. Mantivemos 40% para os crimes hediondos, se agente primário. Absorvemos a tese trazida pelo Ministro Moro no projeto de 50% para crime hediondo que resulte em morte. Agravamos para 70% em caso de crime reincidente que resulte em morte. Mantivemos 60% para o reincidente em crime hediondo.
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Então, são medidas que, na nossa visão, não comprometem em nada a necessidade de termos um sistema prisional que promova a ressocialização e que seja humanizado. Eu não consigo compreender que necessariamente a rigidez e a efetividade no cumprimento da pena impeçam a ressocialização e a humanização dos presídios. As duas coisas têm que caminhar juntas. Nós dialogamos, mas infelizmente o projeto não dialoga com a outra necessidade urgente que é a de investimento no sistema prisional em todos os aspectos, para garantir de fato o que nós precisamos em termos de humanização e capacidade de ressocialização.
Sei que posso gerar também direito de resposta, mas eu não compreendo, meu amigo Deputado Marcelo Freixo, que uma coisa não possa caminhar neste debate, que é conseguirmos, do ponto de vista legal, um tratamento diferenciado para aqueles criminosos que são diferenciados, até porque, no Brasil, o regime fechado é acima de 8 anos. Então, ainda que nós tenhamos a convicção, até pelos exemplos que temos — que não são muitos, mas temos e, se tivermos um, já é demais — de erro judicial, de pessoas presas ou condenadas que são inocentes, ainda que tenhamos isso, o regime fechado é para penas acima de 8 anos. Então, nós não estamos falando de pouca coisa. Não estamos falando de menor potencial ofensivo, que tem transação penal. Nós estamos falando de alguém que já está condenado a uma pena acima de 8 anos, porque só aí é que vai automaticamente para o regime fechado. Então, nós precisamos fazer esse enfrentamento.
Eu fiquei muito triste quando debatíamos esse tema, porque o Governo à época foi contrário à proposta de uma nova modulação para a progressão de regime, dizendo que o Estado não tinha condição de cumprir. Fizeram uma discussão meramente financeira. "Ah, o Estado não tem dinheiro para isso." Eu, que votei contra a PEC do teto, sei que vamos precisar romper essa barreira. Acho que nós precisamos garantir investimento, seja na perspectiva de humanização, seja na perspectiva de ressocialização, seja na perspectiva de endurecimento e de efetividade maior no cumprimento da pena do regime fechado, considerando que é a partir de 8 anos. Nós temos várias possibilidades para aqueles que não tiveram condenação acima de 8 anos.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Sra. Presidenta, como é a segunda vez em que eu sou citado — o que não é problema —, só quero fazer um esclarecimento de 1 minuto.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputado.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Eu acho que as considerações do Deputado Subtenente Gonzaga são fundamentais. O meu intuito é debater a eficácia. Eu acho que ele tem razão, acho isso absolutamente possível. Mas qualquer política pública, para que seja boa, tem um primeiro passo, que é ser produzida a partir de dados, de experiências internacionais, de evidências científicas, para nós não ficarmos no "isso aí é de cada um". Não dá para ser "isso aí é de cada um", política pública não é "isso aí é de cada um". Política pública tem que romper com o senso comum.
Deputado Subtenente Gonzaga, a pena máxima vai deixar de ser de 30 anos e passar a ser de 40 anos. O.k. Mas, baseado em que estudos, isso vai trazer determinados benefícios? Quais serão os benefícios?
Porque, sem esses estudos, há um show de senso comum. Nós temos que evitar isso. Por que se vai romper com os benefícios? De acordo com dados do DEPEN — Departamento Penitenciário Nacional, nas visitas periódicas do regime semiaberto, não voltam 4% — são 4%. Esses dados oficiais são do DEPEN. Nós desconsideramos esses dados e anulamos os benefícios. Mas fizemos isso baseados em que dados e em que política?
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - É verdade. Primeiro, tem-se que saber quem a política vai alcançar e depois quem ela vai excluir, porque, se não, não se mede a eficácia dela.
A SRA. THAMÉA DANELON VALIENGO - Primeiramente, eu gostaria de agradecer-lhes as perguntas. Eu vou tentar ser rápida para abordar tudo o que foi dito.
O Deputado Coronel Chrisóstomo fez a seguinte pergunta: "A impunidade que nós temos decorre dos recursos protelatórios do nosso ordenamento jurídico?". Eu respondo que sim. O que nós podemos ver, ao longo desses 19 anos de experiência trabalhando no Ministério Público Federal, é que a impunidade diz respeito somente aos mais ricos, aos mais poderosos, aos politicamente poderosos. Ocorre a punição para aqueles mais humildes, mais pobres. Como eu já disse na minha exposição, os mais poderosos, que têm condições financeiras de contratar excelentes advogados, vão utilizar as brechas do sistema para procrastinar ao máximo o processo.
Por exemplo, há o caso — eu acho que V.Exas. se recordam — do ex-Juiz Nicolau. Eu trabalhei nesse caso quando entrei na carreira em 2000. Eu não era Procuradora titular, mas tive uma participação nesse caso, que durou mais de 23 anos. Só o ex-Senador Luiz Estevão, que foi um dos condenados pela prática do desvio do TRT, interpôs mais de 35 recursos. Isso é inadmissível! Por que caberiam tantos recursos? Agora, no caso de uma pessoa mais pobre, mais humilde, seja ela assessorada por um advogado ou defensor público, seriam interpostos os recursos devidos, não procrastinatórios.
Há outra coisa: o mesmo ex-Senador somente foi preso depois que o Supremo mudou o entendimento em 2016, autorizando a execução provisória da pena, porque ele estava livre. Depois de quase 20 anos de processo, ele estava livre. Eu não acho isso justo, assim como eu acho injusto que os mais pobres permaneçam encarcerados por crimes pequenos. Isso não tem cabimento nem razoabilidade.
Respondo à Deputada Carla Zambelli quando fala que nós temos a terceira população carcerária e a quinta população do mundo. De fato, nós temos uma grande população carcerária. Mas por quê? Porque se prende demais? Não! Porque muitos crimes são cometidos. O objetivo do nosso trabalho, do Ministério Público — e acredito que seja o objetivo do Projeto Anticrime —, não é prender indistinta e indiscriminadamente, não é prender o mais pobre, o menos favorecido. Nesse ponto, eu discordo do Dr. Luciano e do Prof. Lucas.
Eu não vejo que esse é o viés, porque os mais pobres já são presos, muitas vezes, por cometerem crimes evidentemente. A ideia é democratizar a punição. Como assim? Prendendo os mais ricos, os mais poderosos, que sempre estiveram acobertados pelo manto da impunidade.
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Nós temos uma população carcerária alta, porque temos muitos criminosos infelizmente. Essa população é alta, mas é baixa se comparada à proporção dos crimes que não são descobertos. Temos um dado que mostra que em menos de 8% dos homicídios são identificados os autores. A nossa polícia não consegue trabalhar a contento, porque são tantos crimes praticados que não se consegue apurá-los devidamente. Se todos fossem apurados, iria aumentar o índice de encarcerados. O objetivo é aumentar o número de encarcerados? Não, o objetivo é punir quem deve ser punido e deixar solto quem tem que ser solto.
Há outra questão mencionada pela Deputada Carla Zambelli: se a criminalidade é maior entre os jovens. Ela é maior entre os jovens no que se refere aos crimes comuns, como o Deputado Fábio bem expôs. Nós temos dois tipos de crime. Um deles é o crime comum, o estelionato, o furto, o crime de dano, até homicídio também, embora grave, e o latrocínio. Mas nós estávamos acostumados a lidar com esses crimes há pouco tempo. Agora temos a alta criminalidade. Não só temos os crimes organizados, praticados por organizações criminosas de tráfico de entorpecentes e lavagem de dinheiro, mas temos também os crimes de corrupção. No que se refere aos crimes de colarinho-branco, não são os mais jovens que praticam esses crimes, são pessoas de idade média para cima.
A Deputada Carla Zambelli também perguntou sobre o índice de alteração das decisões dos Tribunais Superiores. O dado que nós temos — é uma questão muito importante no que tange à possibilidade da execução provisória da pena — diz que apenas 0,7% das decisões condenatórias são alteradas nas Cortes Superiores. Repito: apenas 0,7%.
Há outra questão que vou fazer um gancho com um comentário do Deputado Fábio. Além de fazer essa diferenciação do crime comum, do crime organizado e do crime do colarinho-branco, o Deputado Fábio diz que não se poderia desrespeitar a Constituição quando se fala da culpa, que só pode haver prisão se houver culpa, como disse também o Dr. Luciano. Agora, senhores, há uma questão importante de se pontuar para quem não é do meio do Direito. Quem analisa culpa ou inocência é o juiz de primeiro grau e o tribunal de apelação apenas. As Cortes Superiores, o STJ e o STF, não analisam se a pessoa cometeu crime ou não, se a pessoa é culpada ou não. Jamais o STJ ou o STF poderá absolver ou condenar alguém. Portanto, isso é importantíssimo. As Cortes Superiores apenas se debruçam sobre questões legais ou constitucionais. Só cabe ao STJ ou ao STF, por exemplo, anular um processo, mas não dizer se uma pessoa é condenada ou culpada. Como essa análise da culpa é feita apenas pelo juiz de primeiro grau e pelo tribunal, quando a pessoa é condenada em segundo grau, a culpa é determinada. Isso é bem importante de ser pontuado.
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Agora, quando nós falamos da criminalidade ordinária, comum, aí sim é possível se pensar numa ressocialização. Para aquele jovem menos favorecido, que cometeu um delito para sustento próprio ou da família, por falta de condição de estudar, para esse jovem é possível se pensar uma ressocialização. Agora, o foco deste Projeto Anticrime não é o menor infrator, não é o pobre, desculpe-me, Dr. Luciano, mas não é o negro, que, sim, é excessivamente preso — o jovem, o negro, o pobre. O objetivo não é encarcerar ainda mais essas pessoas. O objetivo é encarcerar corruptos, corruptores, políticos desonestos, empresários corruptores, agentes da criminalidade elevada, do crime organizado. Então, esse é o foco. Essas pessoas é que devem ser afastadas da sociedade. E essas pessoas dificilmente serão ressocializadas. Eu acho muito difícil falar em ressocialização de pessoas que estudaram, que têm nível superior. Essas pessoas dificilmente serão ressocializadas. Então, a punição tem que ser mais repressiva. Entendemos que elas têm que ser presas desde que já seja uma segunda condenação.
Eu acho que abordei basicamente tudo. Ah, só há mais uma questão. O Prof. Lucas fala do custo do encarceramento. No entendimento dele, esse projeto objetiva o encarceramento em massa. Eu não tenho essa visão. Eu já penso diversamente. Ele traz a questão de que não foram examinados dados do custo, de quanto custaria ter que construir mais presídios. E me pareceu, pelo ponto de vista dele, que seria contra aumentar o encarceramento.
Agora, eu acho importante fazermos uma pergunta inversa. Qual é o custo de um homicida solto? Não é o custo em dinheiro. O que se tem para proteger é a vida. Isso custará vidas. Vidas serão vilipendiadas. Qual é o custo de estupradores soltos? A saúde da mulher. A mulher tem que ter segurança de sair na rua. Então, o custo não é financeiro, não é monetário, mas é do medo disseminado nas mulheres. Qual é o custo de um corrupto solto? É grande. Esse custo pode ser milionário, até bilionário. No âmbito da Operação Lava-Jato, um dos diretores da PETROBRAS tinha 300 milhões de reais numa conta na Suíça! Como ele obteve esse dinheiro? Imaginem quantas creches poderiam ser construídas, quantos hospitais! Então, em relação ao custo, se tiver que se construir presídios, que sejam construídos presídios. Agora, eu acho que não se pode, para justificar a economia de valores, colocar em risco a vida, a integridade física e o patrimônio das pessoas.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada. Dra. Thaméa.
Eu inicio pegando um gancho da exposição da Dra. Thaméa, que dá a entender sempre que esses projetos, principalmente o Projeto nº 882, de 2019, têm por finalidade primordial o combate à criminalidade econômica, aos crimes de colarinho-branco. Não consegui entender, por mais que eu tenha estudado os projetos, não consegui descobrir em que dispositivo do projeto isso está dito, porque, por exemplo, a execução da pena em segundo grau não vai valer só para crime econômico, ela vai valer para todo mundo.
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13:21
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Como eu já frisei na minha exposição sobre a criminalidade brasileira, 80% do nosso sistema prisional é povoado por pessoas que praticaram furto, roubo ou pequeno tráfico. Essa é a grande clientela. Não podemos pensar a regra a partir da exceção. Concordo que são criminalidade diferentes. A criminalidade dita "marginal", cometida por aquelas pessoas que estão à margem social e economicamente, é diferente da criminalidade econômica, da criminalidade de colarinho-branco. Não há dúvida disso. O que não podemos é fazer um pacote de reformulação da legislação penal e processual penal pensada a partir dessa exceção, mas valendo para a regra.
Então, que se deixe claro que o projeto tem por fim trabalhar uma exceção, que se trabalhe excepcionalmente os casos excepcionais, e que não se julgue a regra a partir da exceção. A execução da pena em segundo grau, por exemplo, não vai atingir só praticantes de criminalidade econômica. O aumento da pena máxima de 30 anos para 40 anos não vai atingir só quem pratica criminalidade econômica. A maior fração para progressão de regimes e crimes hediondos não vai atingir a criminalidade econômica. A finalidade é outra. A criação de critérios subjetivos para o juiz determinar o mínimo de pena antes de ser possível a progressão de regime, isso também não vai atingir somente a criminalidade econômica. Os vários cheques em branco dados ao poder julgador, ao Poder Judiciário, que esses pacotes trazem vão se aplicar à criminalidade marginal também, não só à criminalidade econômica.
Além disso, as ofensas, por exemplo, à advocacia são muito graves. Aliás, causa-me incômodo sempre que eu escuto justificativas de um recrudescimento do sistema penal, porque fulano ou beltrano tem direito e condição de contratar advogado, e o advogado é um "estorvo", como se o advogado e o direito de defesa fossem um empecilho ao exercício da Justiça. O que é preciso dizer é que esse pacote tem projetos de, por exemplo, fiscalizar a visita do advogado ao constituinte, filmar e gravar as entrevistas privadas do advogado com o seu constituinte. Isso é uma violação terrível das prerrogativas da advocacia.
Eu digo sempre, como diz o Prof. Eugenio Raúl Zaffaroni, não existe um Estado de Direito puro, não existe um Estado de polícia puro. Eles convivem em uma relação dialética. Todo Estado é de Direito e de polícia. Determinadas medidas que se tomam nos aproximam mais do Estado de polícia e nos afastam mais do Estado de Direito e vice-versa. Medimos o grau de desenvolvimento de um Estado Democrático de Direito pelo grau de respeito às prerrogativas que a advocacia nele possui. A garantia do direito de defesa garante a existência do Estado Democrático de Direito. Quando se imagina que advogado é empecilho para o exercício da Justiça e que o advogado precisa ser fiscalizado no momento da entrevista com o constituinte, quando se relativiza o direito à entrevista privada do advogado com o seu constituinte, não se ofende o advogado; ofende-se a cidadania.
O nome "advogado" já diz lá no latim: ad vocatus. O advogado é aquele chamado para falar em nome dos que não têm voz no sistema de justiça. A voz do advogado é a voz do cidadão, que não pode falar por si diante do sistema de justiça. Então, eu não entendo, por exemplo, que recursos ou o exercício da ampla defesa e do contraditório sejam empecilho para a existência ou a eficácia do sistema penal. Não entendo que os advogados devam ter cerceadas as suas prerrogativas no momento do seu debate construtivo com os seus constituintes para que possam ser formuladas as teses de defesa. E não entendo que nós devamos pensar em uma reforma no sistema penal e processual penal a partir de exceções e não de regras. Isso me preocupa bastante.
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Critérios subjetivos me preocupam também. Eu não tive tempo de analisar com calma cada um dos dispositivos, mas depois vou disponibilizar a análise para a Deputada Margarete Coelho. Por exemplo, quanto a condicionar progressão de regime nos crimes hediondos a critérios subjetivos, o que diz o projeto é: "ao mérito do condenado e à constatação de condições pessoais que façam presumir que ele não voltará a delinquir", ou seja, a presunção é de reincidência e não de inocência. É preciso comprovar condições que demonstrem que se pode presumir que ele não vai reincidir. Ou seja, ele não é presumidamente inocente, ele é presumidamente reincidente. Isso me parece uma inversão da lógica do nosso sistema penal.
Aí volto à questão da execução da pena em segundo grau quando digo que a culpabilidade é, sim, pressuposto para a pena. Ninguém aqui está dizendo que a culpabilidade é pressuposto para a prisão. Ninguém está falando de prisão, porque nem toda prisão é pena. Existe prisão cautelar, prisão preventiva, prisão temporária, prisão em flagrante, mas a prisão, quando é pena, tem como requisito a culpabilidade. Não existe pena sem culpabilidade. Isso é básico do Direito Penal moderno. É fundamento do Direito Penal moderno a culpabilidade como pressuposto da pena. Não podemos inventar culpabilidade em outro lugar que não seja na Constituição Federal, que está nos dizendo com muita clareza que ela não existe antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Dr. Lucas.
Vou começar falando da questão que foi pontuada sobre o anteprojeto de combate ao crime — ou "anti-projeto" —, com o objetivo de combater a criminalidade de colarinho-branco ou a criminalidade da elite. Se o objetivo fosse realmente esse, por que nós não teríamos ou por que não temos, no anteprojeto, uma classificação dos criminosos, assim como o Ministro colocou a classificação da criminalidade massiva — o criminoso habitual, o criminoso profissional? Por que não está colocado ali o criminoso político habitual ou o corrupto habitual ou o corrupto no Congresso Nacional? Isso demonstra para nós, já de antemão, a quem se direcionam esses dispositivos, que são incriminadores, que representam um recrudescimento penal.
Outro objetivo que eu não consegui falar na minha exposição inicial foi um direcionamento à privatização do nosso sistema carcerário, porque o sistema não vai dar conta disso. Esse é um processo que nós já vemos em curso. Há um aumento, então, desse ramo da segurança pública. Segurança pública e Judiciário: há um erro de conceito aí, porque a única segurança que eu vislumbro no sistema judiciário é a segurança em termos de compromisso com a Constituição. Isso é o mínimo que um Estado Democrático de Direito que se quer democrático verdadeiramente tem que ter como fundamento.
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Pensar nisso é pensar também a função da pena de prisão como medida preventiva ao cometimento de novos crimes. Se o Direito Penal realmente servisse nesse sentido, por exemplo, nos Estados Unidos, onde há Estados que têm pena de morte, não haveria mais criminalidade, porque a pena de morte colocada como sanção penal impediria, em tese, esses criminosos de cometerem novos delitos.
Sobre as colocações do Deputado Coronel Chrisóstomo, vou falar do isolamento, pensando em termos teóricos. Só em termos teóricos é que eu concebo essa possibilidade, porque não acredito no sistema penal em hipótese alguma. Se nós queremos uma democracia, temos que pensar em um sistema de responsabilidade não excludente. É preciso pensar no isolamento, por exemplo, dos chefes das facções.
Nos termos que eu estava colocando, da classificação de criminosos de colarinho-branco, isso vem no mesmo sentido. Se esse é o objetivo, por que não ele está colocado aos chefes das organizações criminosas, aos chefes com "potencial" — várias aspas nisso — de periculosidade comprovada durante o processo? Isso não está no anteprojeto. Ou seja, vai respaldar mais ainda a seletividade racial do nosso sistema, que é a sua essência.
Se nós pensarmos nessa seletividade, vemos como o sistema não está direcionado, não está preocupado com a criminalidade dessa elite dos crimes de colarinho-branco, crimes econômicos. Aliás, nos crimes econômicos, quando são objetos de legislação penal, não raro há uma disposição de isenção da pena por pagamento daquela conduta. Normalmente, são "condutas não violentas" — entre aspas de novo — e que se restringem à questão econômica. Então, há a isenção da pena pelo pagamento dessa indenização, que restitui aos cofres públicos a quantia.
Enfim, nesse viés do isolamento desses criminosos, desses chefes de facções, por exemplo, vamos pensar em dois casos que, para mim, são emblemáticos. Em 2013, houve o caso do helicóptero com 450 quilos de cocaína, que não foi tratado como perigoso, que não é tratado como caso de prisão federal ou de investigação massiva, porque o dono do helicóptero, de fato, não é uma pessoa perigosa. Então, não há essa preocupação do sistema penal em reprimir isso. Mas, em outra ponta, temos a criminalização e a condenação de Rafael Braga, que foi preso por 0,6 grama de maconha e 9 gramas de cocaína como um grande traficante. São desses Rafaeis Bragas que o nosso sistema penal está cheio. Os pequenos traficantes são colocados como os megatraficantes e os perigosos da nossa sociedade.
Em relação às perguntas da Deputada Carla Zambelli, dados do Fórum de Segurança Nacional mostram que, entre 2006 e 2016, fazendo a relação de proporção entre população e letalidade, há um aumento de 23% na morte de jovens negros, enquanto na morte de jovens brancos essa possibilidade cai para 6,8%.
Então, há um aumento de 40,2% de mortes por 100 mil habitantes relacionadas à população negra.
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Segundo dados da UNESCO de 2017, o risco de morte de um jovem negro ou de um homem negro é três vezes maior do que o de um homem branco. Então, só pelo fato de eu ser um homem negro, a minha possibilidade de ser morto é três vezes maior do que a de muitos outros homens.
Essa não é uma questão de quem está sendo morto porque, dentro de um carro, perante um batalhão do Exército, por exemplo, qualquer homem negro é simplesmente um homem negro. É um potencial criminoso que, enfim, pode receber 80 tiros. E não se procura saber quem é essa pessoa, não há essa preocupação. Muito pelo contrário: há um desprezo por essas vidas. Esse desprezo é também estruturante no sistema punitivo brasileiro, que se mantém e se direciona sempre à desumanização, sempre à exclusão.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada. Agradeço muitíssimo a V.Sa., Dr. Luciano.
A SRA. LUDMILA LINS GRILLO - Primeiramente, vou responder ao questionamento do Deputado Coronel Chrisóstomo. Ele perguntou a respeito do art. 33, § 5º, que foi um acréscimo do projeto anticrime:
No caso de condenado reincidente ou havendo elementos probatórios que indiquem conduta criminosa habitual, reiterada ou profissional, o regime inicial da pena será fechado (...).
Ele perguntou a respeito da insignificância, porque se diz que isso só não vai se aplicar se essas infrações penais forem insignificantes ou se forem de reduzido potencial ofensivo.
Eu considerei, de fato, esse dispositivo extremamente subjetivo, porque não explica o que é uma infração penal insignificante. Eu entendo que o legislador, se quiser realmente excluir alguns crimes da incidência deste parágrafo, deverá dizer exatamente quais crimes pretende ver excluídos. Isso diminui o subjetivismo do juiz na hora de considerar uma infração como insignificante ou não.
Em relação também ainda ao § 5º, reporto-me à fala do Dr. Luciano Góes, que acabou de abordar justamente o fato de que este parágrafo não menciona, por exemplo, o corruptor habitual, não fala dos crimes mais graves, fala simplesmente de crime habitual, criminoso habitual, criminoso reiterado. Isso significaria, segundo o palestrante, digamos assim, uma racialização, como se fosse uma norma voltada exclusivamente para punir pessoas negras, pessoas das chamadas minorias.
Parece-me que o dispositivo é justamente o contrário, porque não se refere a crime nenhum.
Fala-se criminoso habitual, reiterado ou profissional — ou seja, não está se referindo a crime nenhum especificamente — e ainda fala lá no final "salvo se insignificantes". Ou seja, o dispositivo está querendo justamente retirar dessa lei penal mais grave os crimes insignificantes, que ele não explica quais são — e eu já fiz a minha crítica sobre isso.
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A corrupção, parece-me, é justamente um dos escopos, um dos objetivos a serem atingidos por este parágrafo.
Então, esta é a consideração que eu faço. Não me parece um dispositivo racial. Não estava se referindo a nada aqui. Muito pelo contrário, está excluindo os crimes insignificantes. Ou seja, parece-me que está querendo incluir justamente o crime de corrupção entre os mais graves. Meu entendimento é diametralmente oposto ao do Dr. Luciano.
Respondo agora ao questionamento da Deputada Carla Zambelli a respeito do número de encarcerados proporcionalmente à população do Brasil. Existe uma narrativa de que o Brasil prende demais, de que existe uma cultura punitivista. O meu entendimento é justamente o contrário: eu entendo que o Brasil prende de menos.
Basta observar uma questão muito simples, muito clara e muito lógica sobre apenas um dos crimes do Código Penal, o art. 121, crime de homicídio: nós temos mais ou menos 60 mil assassinatos por ano, com uma taxa de esclarecimento pela polícia de, mais ou menos, 8%. Portanto, a polícia supostamente esclarece 8% desses 60 mil, e todos os outros ficam sem nenhum esclarecimento. Desses 8% que foram apurados, um percentual menor ainda resulta em condenação. Muitas vezes, desses 8% que vão para a Justiça para ser julgados e, no fim das contas, vão ser absolvidos. Alguns deles até são culpados, mas outros acabam sendo absolvidos, ou porque não houve investigação ou produção de provas eficiente, ou porque o juiz não considerou aqui aquelas provas suficientes. Enfim, menos ainda de 8% resulta em condenação. Então, milhares de homicidas que deveriam estar presos não estão. E eu só estou me referindo ao art. 121, fora os outros tantos crimes do Código Penal.
Outra coisa: o Brasil tem a quinta maior população mundial. Portanto, essas estatísticas me parecem razoáveis, já que o Brasil é mais ou menos o quinto maior em população mesmo. Então, está proporcional. Não vejo exatamente uma anormalidade nisso. Se o Brasil é a quinta maior população mundial, nada mais razoável que seja a quinta maior população carcerária. Então, não vejo nenhuma anormalidade nisso em princípio.
Quanto ao que o Deputado Marcelo Freixo falou em relação ao estudo e ao trabalho, eu sou extremamente favorável ao estudo e ao trabalho, até porque eles dignificam o homem e vão levar dignidade ao preso. Eu sou apenas contrária a que isso diminua a pena. Mas sou extremamente favorável ao estudo e ao trabalho e jamais impediria um preso de estudar ou trabalhar, até porque isso vai dignificá-lo.
Quanto à questão da dignificação do preso, até sustentei que o Projeto de Lei nº 10.372 deveria abranger também a possibilidade de visitação pelos filhos menores — este projeto não contempla essa possibilidade —, como forma de prestigiar as crianças, que nada têm a ver com o fato de seus pais estarem presos.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Dra. Ludmila.
Saúdo meu grande amigo, permita-me, Deputado Subtenente Gonzaga. Estamos nessa cruzada desde 2008, na luta pela dignificação dos servidores e operadores do sistema de segurança pública deste País, diretriz fundamental para que a gente consiga avançar sob qualquer viés, qualquer projeto de lei ou qualquer medida que devolva à sociedade aquilo que ela espera de nós.
Eu deixei para a Presidente da Comissão um diagnóstico do sistema carcerário, sob o ponto de vista da Federação Nacional dos Agentes Federais de Execução Penal, no que tange ao sistema penitenciário federal, e um apanhado sobre o sistema carcerário nacional.
Salvo engano, só quem fez uma referência direta a nós e à nossa fala foi o Deputado Marcelo Freixo. Eu, talvez, Deputado, tenha me equivocado na minha fala, ou assim o senhor entendeu. Mas, certamente, devo ter me equivocado quando o senhor diz que eu disse que o sistema prisional começa e termina. O que tentei dizer na ocasião — e, talvez, não tenha me colocado corretamente — foi o seguinte: o sistema de Justiça criminal no Brasil é absolutamente falho. Isso é de conhecimento público. O que ocorre é que, quando há o cometimento de um crime, a Polícia Militar e a Polícia Civil fazem a ação imediata, a intervenção; o Ministério Público atua; o processo é entregue ao Poder Judiciário; agem a Defensoria Pública ou o defensor privado; e o condenado é colocado no sistema prisional. A partir daí, não se fala mais em política dentro do sistema prisional.
Então, esse sistema é falho porque, desde o advento da Constituição, houve uma delimitação clara das atividades relacionadas à prevenção e à repressão — sistema judiciário, Ministério Público, Defensoria, etc. —; não há, porém, nesse aspecto, qualquer menção ao sistema de execução penal. Foi nesse sentido que eu quis dizer que ele começa e termina, mas se esqueceram de tratar do sistema de execução penal.
O Deputado Fábio abordou também que havia — e há, no entendimento dele — duas espécies de crime, que são os crimes comuns e os de colarinho branco. E eu me atreveria a dizer que há, também, uma terceira espécie de crime hoje, que é praticamente a "mexicanização" que estamos vivendo, perpetrada por organizações criminosas. Então, há três espécies de crimes.
E entendo, humildemente, que foi neste viés que vieram esses projetos de lei apresentados corajosamente pelo Ministro Sergio Moro. Faço eco à fala da Deputada Carla Zambelli, porque não há mais como falarmos em sistema carcerário sem um efetivo enfrentamento de pretensa solução disso. E acho que os projetos de lei apresentados, tanto pelo Ministro Alexandre quanto pelo Ministro Sergio Moro, são sim de extrema coragem.
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13:45
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Faço eco à fala de S.Exa. e apenas faço uma menção no que tange a essa imperiosa necessidade do que o projeto deveria tratar, respeitando a Conferência Nacional, em 2009, que é uma diretriz tripartite, conforme disse — servidores, operadores e sociedade civil —; respeitando o texto do SUSP, que prevê que a gestão dos órgãos de segurança pública deve se dar por servidores de carreira.
Então, é apenas nesse mote. E, depois, vou pedir até um socorro depois, como sempre peço ao Deputado Subtenente Gonzaga, à Deputada Carla Zambelli, até porque é do partido do Presidente Jair Messias Bolsonaro, para que lembre ele disso, que foi uma proposta, e as urnas responderam isso. E para que esse eco e essa lembrança também cheguem ao Ministro Moro — e não vai aí nenhuma crítica à escolha do Ministro Moro —, mas essa promessa de campanha tem que vingar, quer dizer, tem que ser entregue aos efetivos operadores, seja das polícias ou do sistema penitenciário, a gestão de suas casas.
Já disse isso em audiência pública anterior: nós não podemos decidir e debater democraticamente sistema prisional quando o caput desse sistema prisional é um coronel de Polícia Militar ou um Delegado de Polícia, seja federal ou estadual. Não dá mais. Então, tem que ser respeitado o texto, a vontade popular tem que ser respeitada nesse sentido.
Para encerrar, queria dizer à Dra. Ludmila Grillo, respeitosamente, que os PMs do seu Município devem ser apaixonados pela senhora, pela sua postura profissional, evidentemente, porque quisera tivéssemos mais juízes e juízas com a praticidade, clarividência que S.Exa. tem e com resposta social que dá, pois S.Exa. é uma entidade de poder e dá essa resposta à sociedade.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigado, Dr. Helder.
Gostaria de renovar os agradecimentos a todos os nossos convidados e também à digníssima plateia que nos tem acompanhado, aos representantes de instituições, enfim.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Só se houver alguma dúvida sobre o conteúdo. Na verdade, estou atendendo um pedido da Defensoria Pública.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Na verdade, o requerimento trata do encaminhamento de nomes a serem ouvidos nas nossas audiências públicas.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Presidenta, só um esclarecimento em relação a esse requerimento: em audiências públicas ou na possibilidade de reunião fechada no GT, o que talvez facilite a operacionalidade de atendermos a Defensoria Pública.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputado.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos. Antes, porém, convocando audiência pública para o dia 14 de maio, às 9h30min, em plenário a definir, para debate e análise dos temas previstos no roteiro de trabalho, especificamente o Tema 7: Identificação genética. Banco Nacional de Perfis Balísticos. Implementação, inclusão e exclusão de registros.
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