1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(Audiência Pública Ordinária)
Em 7 de Maio de 2019 (Terça-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Boa tarde a todos e todas. É um prazer recebê-los em mais uma audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Casa.
Nós estamos aqui hoje para discutir os resultados da reavaliação toxicológica do glifosato realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA. Sabemos que o glifosato é um dos herbicidas mais amplamente utilizados no País e que recentemente inúmeros países criaram regras próprias em relação a ele. Como o glifosato não tem mais patente, está havendo inclusive a liberação para vários outros fabricantes comercializarem o produto no Brasil.
Esta audiência pública está sendo realizada a partir de um requerimento feito pelo Deputado Nilto Tatto, a quem eu convido para compor a mesa conosco.
Comunico a todos que este evento está sendo transmitido ao vivo pela Internet e pode ser gravado pela TV Câmara. Também é possível a utilização do Portal e-Democracia, que é a ferramenta interativa da Câmara dos Deputados. Então também haverá um debate interativo nesta audiência pública. Os servidores da Comissão estão encarregados de monitorar o Portal e moderar as perguntas dos internautas. As pessoas vão poder acompanhar pela Internet e mandar perguntas e sugestões, que serão lidas aqui, após a moderação, pelos servidores da Comissão.
Cada um dos convidados terá cerca de 15 minutos para poder se manifestar.
Eu convido os expositores para que possam compor a mesa. O primeiro expositor será o Daniel Roberto Coradi, Coordenador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA. Convido também a Letícia Rodrigues, pesquisadora do Grupo de Desenvolvimento e Sistemas Técnicos da Universidade Federal do Paraná; o Reginaldo Minaré, Consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil; e Flávio Zambrone, especialista da Força Tarefa de Reavaliação do Glifosato.
Em face de o requerimento ter sido feito pelo Deputado Nilto Tatto, eu passo a palavra a S.Exa. para que ele possa fazer as suas considerações iniciais. Depois nós passaremos aos expositores, que terão até 15 minutos. O tempo será marcado no painel ao lado, que ajudará a todos a controlar o tempo. Depois iniciaremos os debates.
Informo também que hoje na Câmara dos Deputados está havendo reuniões para discutir duas medidas provisórias. Por isso, muitos Deputados vão passar por aqui, mas também vão participar de outras reuniões de medidas provisórias que têm muito a ver com a questão ambiental que vai ser a matéria do debate de hoje.
Então passo a palavra ao Deputado Nilto Tatto para que possa fazer as suas considerações.
O SR. NILTO TATTO (PT - SP) - Quero cumprimentar o Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o Deputado Rodrigo Agostinho; o Daniel Roberto Coradi, Coordenador da ANVISA, agradecendo por ter aceitado o convite; a Dra. Letícia Rodrigues, pesquisadora do Grupo de Desenvolvimento e Sistemas Técnicos da Universidade Federal do Paraná; o Reginaldo Minaré, Consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil; e o Flávio Zambrone, especialista da Força Tarefa de Reavaliação do Glifosato.
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Esse requerimento é para debatermos a questão do glifosato na Comissão de Meio Ambiente. É responsabilidade e é missão desta Comissão analisar um veneno, um agrotóxico que, já sabidamente, as pesquisas vêm demonstrando, é causador de um impacto muito grande não só para a saúde das pessoas mas também para a biodiversidade, para o solo e para os mananciais. Ele tem um impacto drástico para o meio ambiente, com consequências não só para a nossa geração, deixando sequelas do ponto de vista do solo e da biodiversidade, comprometendo inclusive o futuro.
Todos vêm acompanhando que o glifosato também vem de um debate no âmbito internacional, com vários países adotando legislações mais duras, alguns até proibindo-o. Estão acatando aquilo que a ciência vem demonstrando sobre o impacto para a saúde e o meio ambiente, indo no caminho de parar com o seu uso no futuro.
Assim era também o entendimento que vinha acontecendo no âmbito do próprio Governo brasileiro, digo principalmente dentro da ANVISA, que, com o apoio de várias outras instituições — FIOCRUZ, Instituto do Câncer, universidades — vinha produzindo conhecimento, sistematizando e tendo o entendimento de que também no Brasil o glifosato estava trazendo uma série de impactos para a saúde humana, para a biodiversidade e para o meio ambiente.
No entanto, nós nos surpreendemos com uma conjuntura em que estamos batendo recorde histórico de liberação de agrotóxico. Desde 1º de janeiro, quando o Presidente Bolsonaro assumiu o Governo, já houve cento e sessenta e poucas liberações — até perdi o número —, dando uma média de duas liberações a cada 3 dias. É isso, mais ou menos. Nunca houve isso em momento algum da história do País. Nunca! Nunca houve isso, com essa velocidade.
Isso nos dá a entender, para quem acompanhou o debate na legislatura passada, mais especificamente no ano passado, na Comissão Especial em que se tentou aprovar um projeto de lei no sentido de flexibilizar mais a legislação para liberar novos agrotóxicos ou agrotóxicos existentes para novas culturas, dá a entender que vivemos uma conjuntura com um Governo que hoje está implementando aquela lei que nem sequer foi aprovada aqui. Ficou patente e muito claro para todos que acompanharam aqueles debates nas audiências públicas que na verdade se tratava de um projeto de lei que não atendia aos interesses da agricultura — nem da grande, nem da pequena, nem da agricultura familiar, nem do agronegócio. Aquele projeto de lei atende, muito especificamente, aos interesses da indústria agroquímica, mais especificamente da indústria dos agrotóxicos. Isso ficou muito patente para todo mundo que acompanhou o debate naquela Comissão. Esse é entendimento que devemos debater aqui, para bem compreendê-lo. Por que a ANVISA chega à conclusão — pelo menos é o que foi divulgado — de que o glifosato não mais apresenta características mutagênicas e carcinogênicas e não é desregulador endócrino? Isso quer dizer o quê?
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Estou falando isso porque, no debate sobre o PL do Veneno, ocorrido no ano passado, como também em todo o debate sobre o projeto de lei que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, era unânime a opinião dos pesquisadores que vinham aqui: todos diziam que o glifosato causa câncer.
E aqui estamos com um entendimento da ANVISA, que, de repente, reavaliou e chegou à conclusão de que o glifosato não mais causa câncer. Parece que é esse o entendimento.
Para isso, precisamos fazer este debate, para melhor entendermos. Mudou a fórmula do glifosato? Mudou a forma de avaliar? Mudaram a perspectiva lá dentro? Mudaram as pessoas? O que aconteceu para haver essa reavaliação de uma hora para a outra, tão drástica e completamente inversa do entendimento que vinha sendo construído ao longo de vários anos?
Então, quero aqui agradecer aos convidados. Espero que este debate possa trazer luz e que nós, desta Comissão do Meio Ambiente, possamos aproveitar ao máximo a opinião de vocês que aceitaram o convite, para vermos o que pode ser feito no âmbito da Casa, especificamente nesta Comissão de Meio Ambiente, para entendermos e avançarmos em alguma proposição e no próprio monitoramento do Governo Federal.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Agostinho. PSB - SP) - Agradeço as palavras do requerente desta audiência pública. Agradeço, também, a presença ao Deputado Marreca Filho — S.Exa. que é do Maranhão e se faz acompanhar por uma comitiva de Balsas — e ao Deputado Vavá Martins, que é membro titular da Comissão e está sempre presente às nossas discussões.
Passarei a palavra ao primeiro expositor, Daniel Roberto Coradi de Freitas, Coordenador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária — ANVISA. Vamos tentar estabelecer um tempo de até 15 minutos para cada um, para que possamos fazer um rico debate ao final.
O Deputado Nilto Tatto está nos lembrando que, às 15h, deveremos comparecer a uma sessão no Senado Federal, para discutir a Medida Provisória nº 867. Informo, portanto, que nesse intervalo teremos que passar a Presidência a outro Deputado.
Passo a palavra ao expositor Daniel Roberto Coradi de Freitas. Fique à vontade.
O SR. DANIEL ROBERTO CORADI DE FREITAS - Meu nome é Daniel Coradi, sou servidor da agência desde 2005, no cargo de Especialista em Regulação das Carreiras das Agências Reguladoras Nacionais, atualmente lotado na Coordenação de Reavaliação de Agrotóxicos.
(Segue-se exibição de imagens.)
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A atuação da ANVISA na regulação de agrotóxicos tem dois objetivos: proteger a população, que normalmente pode ser exposta a resíduos de agrotóxicos nos alimentos; e proteger os trabalhadores rurais, residentes e transeuntes que, eventualmente, podem entrar em contato com os agrotóxicos — os trabalhadores rurais sempre, com certeza. Então, nossa função é sempre proteger essas populações.
E por que fazemos reavaliação em agrotóxico? Para quem ainda não sabe, vou fazer uma abordagem geral sobre o assunto, para que tenhamos uma homogeneização dos conhecimentos.
O registro de agrotóxicos no Brasil tem validade indeterminada. Então, como o conhecimento científico avança e está em permanente evolução, novos riscos podem ser identificados depois que esse agrotóxico entra no processo de comercialização e uso. Então, a reavaliação é exatamente esse momento em que a agência retoma os estudos sobre o ingrediente ativo, colocando-o no centro da análise e buscando estendê-la a tudo o que foi publicado até aquele momento, para identificar novos riscos ou riscos que não tinham sido identificados no momento do registro. Então, esse é o processo de reavaliação.
A reavaliação tem uma base legal que permite à ANVISA fazê-la, que é o Decreto nº 4.074, que regulamenta a Lei nº 7.802, que é a Lei dos Agrotóxicos.
De 2006 a 2019, a ANVISA reavaliou 15 ingredientes ativos de agrotóxicos, que são esses que estão aqui. Dentre esses 15, 12 foram proibidos e 3 foram mantidos, sendo que em 2 deles foi concedida a manutenção, mas com uma série de restrições. Apenas 1 ingrediente ativo foi mantido sem nenhuma alteração. Mas a proibição ou banimento não é a única possibilidade. Como eu disse, há ingredientes ativos que foram mantidos com restrições.
Então, o decreto diz quais são as medidas que a ANVISA ou qualquer outro órgão que faz essa reavaliação podem tomar — porque o IBAMA e o MAPA também fazem reavaliação nos aspectos ambientais e de eficiência agronômica — e o que pode acontecer com o agrotóxico: ele pode ser mantido sem alteração; ele pode ter seu registro modificado; podem ser propostas mudanças na formulação desse agrotóxico, etc. Ou seja, há uma série de medidas até que, finalmente, haja o seu banimento. Então, várias medidas podem ser tomadas antes do banimento.
Para um agrotóxico ser banido, ele deve ser classificado em um dos proibitivos de registro previstos em lei. Então, isso ocorre quando ele não tem um antídoto ou um tratamento eficaz; quando ele é comprovadamente teratogênico, carcinogênico e mutagênico para humanos; quando ele causa distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor.
Especificamente, sobre este último ponto, ele só pode ser avaliado depois que o agrotóxico entra de fato em comercialização; ou seja, para verificarmos se ele se mostrou mais perigoso para o ser humano do que os testes em laboratório identificaram inicialmente. Então, esse ponto só pode ser observado depois que o agrotóxico entre em comercialização.
Mas é importante frisar que a reavaliação não se restringe somente a esses aspectos. Quando a ANVISA faz a reavaliação do agrotóxico, vários aspectos são observados.
Essa é a lista de aspectos observados durante o processo de reavaliação. São muitos. E, para cada um desses aspectos, existem pareceres técnicos que embasam as recomendações e decisões da ANVISA. Esses pareceres são disponibilizados em consulta pública e são a base do processo decisório da agência pelos seus diretores. Então, verifica-se a situação internacional, a toxicidade subcrônica e crônica.
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Vamos entrar em detalhes quando eu falar especificamente sobre o glifosato.
Esse é o processo de elaboração do parecer. A minha equipe, assim como eu, elabora pareceres. Nós da equipe de reavaliação fazemos uma ampla revisão bibliográfica, por meio da qual selecionam-se os estudos, analisam-se os dados, chega-se à conclusão sobre os pesos da evidência — porque nem sempre um estudo publicado significa que ele pode ser válido; existe essa diferença —; interpretam-se os dados; apresenta-se a discussão técnica e conclui-se o parecer técnico com as recomendações. Então, para cada um daqueles aspectos, elabora-se um parecer técnico com essa metodologia.
Um parecer técnico de reavaliação não é uma folha simples de papel sulfite, não é um documento simplório. É um documento complexo.
Para os senhores terem uma noção, como exemplo do glifosato, o Parecer nº 15, de 2018, que é um dos pareceres sobre carcinogenicidade em humanos, foram analisados 46 documentos técnicos, dentre eles artigos científicos e documentos técnicos de outras agências — tudo isso para se chegar à conclusão que a ANVISA chegou sobre esse parecer. Apenas sobre carcinogenicidade, a ANVISA tem quatro pareceres.
Para a carcinogenicidade em animais, foram mais 43 documentos. Então, foram análises bem aprofundadas em documentos bastante extensos.
Para o parecer sobre doses de referência, que teve como base um maior número de estudos — ou seja, uma vez que se define que não há proibitivos para o registro, parte-se para a avaliação de risco —, foram analisados 92 estudos e documentos técnicos. Estão aqui detalhados quantos estudos foram analisados para cada um dos aspectos avaliados.
Então, observem que, realmente, são documentos extensos, todos disponíveis e assinados pelos servidores da ANVISA responsáveis pelos pareceres, plenamente identificados, os quais podem ser, obviamente, questionados cientificamente por qualquer um — inclusive, esses documentos estão sob consulta pública.
Quando avaliamos os estudos em animais, utilizamos um critério de pesos e contrapesos que é a avaliação da força da evidência. O que quer dizer isso? O quanto aquele estudo é válido para uma decisão regulatória. E assim o fazemos porque estudos não considerados válidos tornam a decisão regulatória frágil. Então, temos que ter certeza científica de que a decisão regulatória que será votada pelos nossos diretores está subsidiada pela plena certeza de que aquele é o dado científico mais válido e com maior peso de evidência.
Então, a qualidade e a relevância são dois pontos muito importantes para a avaliação dos estudos em animais. Por exemplo, acerca da qualidade, avaliamos se um laboratório que fez um estudo em animais tem boas práticas; se ele adequou os experimentos aos parâmetros das diretrizes internacionais — nós seguimos os parâmetros da OCDE. Então, temos que verificar a dose, a duração, a espécie, os testes estatísticos. Tudo isso é avaliado para cada um dos estudos que vai compor o parecer.
Em relação à relevância, verificamos se a via de administração foi adequada; se há significância estatística; se o espectro e a progressão do efeito foram observados nos animais, se há a dose-resposta. Enfim, há uma série de fatos e estudos que somente técnicos altamente especializados conseguem interpretar. Os estudos são aportados por empresas, coletados da literatura e analisados.
Então, quando o produto já está disponível para o mercado, os efeitos em humanos começam a aparecer. Então, no processo de reavaliação também se avaliam os aspectos em humanos.
Para humanos, nós usamos a pirâmide de força da evidência, que e clássica em estudos epidemiológicos. Na base da pirâmide, que é mais larga, está o maior número de estudos. Na medida em que se sobe na pirâmide, aumenta-se o nível de relevância desse estudo, quer dizer, o quanto ele se aproxima da verdade.
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Então, estudos de baixo peso de evidência para humanos são, por exemplo, estudos em animais, opiniões de especialistas. Todos esses têm baixo peso de evidência. Já os famosos estudos de corte ou meta-análise de estudos têm mais peso de evidência. Acreditamos que esses estudos representem mais proximamente a realidade. Esse é o processo decisório para dizer se um estudo é válido ou é mais válido do que um outro que apresentou um dado contraditório. Esse é o processo decisório para estudos em humanos. Nós classificamos depois esses estudos numa tabela para poder dizer se uma evidência é suficiente ou limitada ou se há uma ausência de evidência.
Por exemplo, um especialista diz que o glifosato é associado a casos de doença intestinal, porque percebeu que o aumento da doença está associado ao aumento da comercialização de glifosato. Isso é um estudo ecológico ou uma opinião de especialista, não pode ser considerado uma evidência científica, não tem base populacional. Ninguém observou a exposição em determinados indivíduos e verificou que eles apresentaram o desfecho e realmente foram expostos ao ingrediente ativo. Há muitos estudos desse tipo na literatura, mas eles não podem ser considerados dentro dos parâmetros científicos atuais nenhuma evidência.
Vamos entrar, então, na análise do glifosato. A substância começou a ser analisada por uma RDC que especificava 14 ingredientes ativos. Em 2013, nós recebemos a primeira nota técnica da FIOCRUZ. A ANVISA contratava pareceres externos nessa época para fazer reavaliação. E a FIOCRUZ disse que o glifosato não era mutagênico, nem carcinogênico, nem tóxico para a reprodução ou para o desenvolvimento, ou seja, não se encaixava em nenhum proibitivo de registro. Por isso, ele não foi priorizado na lista dos 14 que estavam previstos naquela RDC.
Porém, em 2015, a situação mudou, porque a IARC — Agência Internacional de Pesquisa em Câncer classificou o glifosato como um provável carcinogênico para humanos. Então, a ANVISA, conhecendo esse parecer, colocou o glifosato de novo em suas prioridades. Uma agência internacional reconhecida trouxe, então, essa preocupação. A ANVISA rapidamente se movimentou. Aprovou uma proposta de iniciativa regulatória, organizou um painel de reavaliação, chamou para conversar a IARC e a agência alemã responsável por uma avaliação de risco do glifosato no âmbito da União Europeia, chamou também especialistas brasileiros para o debate e, ao final, ficou decidido que a ANVISA ia contratar um parecerista externo. Na época, não havia força de trabalho altamente capacitada para fazer isso.
O parecerista externo entregou, então, o parecer com os pesos de evidência especificamente para carcinogenicidade, dizendo que o glifosato não era carcinogênico. Aí, nós continuamos a análise técnica com a construção dos vários pareceres. Foram construídos 16 pareceres técnicos no período de 2016 a 2018, cada um seguindo o rito que eu já falei anteriormente para vocês. Nós ainda analisamos três pareceres externos. O documento que tem hoje mais ou menos 500 páginas.
Todos esses pareceres estão disponíveis na consulta pública. Agradeceria muito se vocês entrassem no portal da ANVISA e contribuíssem cientificamente com a consulta pública do glifosato, aportando novos dados. É claro que é difícil uma pessoa contribuir com todos os aspectos, mas, nos temas que vocês se sentirem mais especializados, leiam e rebatam o parecer, mandem para nós os dados. Depois teremos um momento para avaliar esses dados e, eventualmente, mudar uma posição ou incluir uma outra restrição. Esse é o momento da consulta pública. É um documento extenso, com 500 páginas. Está separado em vários blocos. Aqueles com que vocês sentirem mais afinidade, leiam e contribuam.
Detalhadamente, o parecer do glifosato traz o quê? A situação nacional. Como já foi dito pelo Deputado Rodrigo Agostinho, é o ingrediente ativo mais comercializado no Brasil. O segundo ingrediente ativo mais comercializado é um terço desse valor. Então, de fato, o glifosato tem uma abrangência muito grande. A exposição das pessoas a ele é grande. Por isso, ele merece, sim, ser reavaliado. Em julho de 2018, eram 110 produtos formulados e 29 empresas registrantes. Hoje, esse número já deve ter aumentado um pouco. Então, ele tem relevância para ser reavaliado.
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É muito importante destacar que não há proibição do glifosato em nenhum país do mundo. Nenhum país do mundo proibiu o uso do glifosato. "Ah, a França vai proibir, não sei quem vai proibir." Mas, de fato, nenhum país do mundo proibiu o glifosato até o momento, porque não há nenhuma evidência em termos de proibitivo de registro. Há restrições de uso, uma série de medidas de mitigação, mas proibição, banimento, de fato, não há. Recentemente, os Estados Unidos reavaliaram o glifosato como ingrediente ativo, assim como o Canadá e a Europa. E nenhum deles concluiu pela sua proibição.
A ANVISA fez a análise toxicológica e epidemiológica nos aspectos proibitivos de registro e concluiu que não há nenhum proibitivo de registro que permita à agência banir esse ingrediente ativo de agrotóxicos, em concordância com a EFSA — European Food Safety Authority, a agência europeia; com a APVMA — Australian Pesticides and Veterinary Medicines Authority; com a EPA — United States Environmental Protection Agency, a agência americana; com a agência canadense e também com o nosso parecer da FIOCRUZ. Isso está de acordo com todas as agências reguladoras de agrotóxicos do mundo e com as agências ligadas ao MS. Nenhuma dessas agências considera o glifosato um produto carcinogênico, à exceção da IARC, que o considera provavelmente carcinogênico. Ele não está classificado como A ou B, que são os carcinogênicos de fato. Estamos alinhados a essas decisões. Todos esses pareceres foram avaliados por nós.
Se o glifosato não se enquadra em critérios de proibitivo de registro, ele vai para um processo, para uma etapa de avaliação de risco, em que nós vamos sugerir medidas de mitigação para que as pessoas não sejam expostas aos resíduos numa dose considerada acima do limite de preocupação.
O primeiro passo é definir essas doses. Foram definidas, então, as doses. O limite máximo de exposição aguda foi definido em 0,5 miligramas por quilograma de peso corporal por dia, o que está alinhado às outras agências no mundo. Também a ingestão diária aceitável está alinhada, à exceção do Canadá, que ficou um pouco abaixo, mas ficou acima do que definiu a FAO da OMS e acima do que definiram os Estados Unidos. A exposição máxima do trabalhador deve ser de 0,1 miligramas por quilograma de peso corporal por dia, que é o chamado AOEL — Acceptable Operator Exposure Level (Nível Aceitável de Exposição Ocupacional). Esse dado é muito importante, porque é ele que nós utilizamos para estabelecer os parâmetros de segurança da exposição ocupacional. Esse dado também está alinhado com o que foi definido por outras agências internacionais.
Em relação ao risco dietético, a avaliação do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos — PARA, que é feita pela ANVISA, não identificou nenhum risco acima do limite de preocupação. Foram analisadas 906 amostras. O percentual de exposição ficou muito abaixo da dose de referência aguda ou da ingestão diária aceitável estabelecida anteriormente naquela tabela que eu mostrei para vocês.
Em relação ao risco ocupacional, pensando nas intoxicações que ocorrem por exposição ao glifosato, a ANVISA avaliou dados do Ministério da Saúde, do Sistema de Informação de Agravos de Notificação e verificou 842 intoxicações. São números bastante expressivos de notificações de intoxicações agudas.
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Vamos ao perfil epidemiológico dessas intoxicações: trabalhadores rurais, moradores da zona rural, principalmente em períodos chuvosos, o que calha com o maior uso do glifosato; durante o trabalho, principalmente nas culturas de café; pulverização, que é a atividade de maior risco, ou seja, a que leva a um maior número de notificações; exposição aguda; e homens, 62,8% deles sem ensino fundamental completo. Então, é um desafio enorme para a agência e para todos os órgãos que lidam com esses trabalhadores prevenir esses casos, porque é muito difícil atingir esses trabalhadores, com muito baixa qualificação, no processo de educação tradicional.
Como medidas de mitigação, a ANVISA está sugerindo, na consulta pública, a restrição da aplicação tratorizada. Quando a aplicação for tratorizada, o mesmo indivíduo não pode realizar as atividades de mistura, abastecimento e aplicação, porque senão ele ultrapassa o limite de 0,1 miligrama por quilograma de peso corporal por dia de exposição. Essa atividade tem que ser separada, não pode ser realizada pelo mesmo trabalhador. Com a aplicação estacionária e semiestacionária, fica proibido o uso dos produtos com taxas superiores a 2,3 quilogramas por hectare. E foram definidos intervalos de reentrada para cada cultura autorizada, diferentemente do que se fazia anteriormente. A ANVISA costumava colocar um dia para reentrada; hoje conseguimos definir isso para cada produto, para cada cultura.
Para residentes e transeuntes, é necessário utilização de tecnologia de redução de deriva — isso tudo a ANVISA está sugerindo que conste na bula e nas instruções de uso — e também manutenção de bordadura mínima de 10 metros quando houver, próximas a essa lavoura, residências, escolas ou qualquer edificação a menos de 500 metros. O parâmetro de 500 metros foi utilizado porque uma normativa do MAPA para aplicação aérea estabelece 500 metros. Como não tínhamos nenhuma normativa, usamos essa como parâmetro.
Então, foram essas duas medidas para proteger trabalhadores, residentes e transeuntes.
Também estamos propondo a exclusão de produtos com formulação do tipo EW, porque não passam na avaliação de risco. Esses produtos superam o valor permitido do AOEL. Então, eles devem ser excluídos.
O cronograma da reavaliação do glifosato é esse. Estamos agora no período de consulta pública. Pretendemos analisar, de maio a setembro, as contribuições e colocar a matéria para votação para a diretoria colegiada até dezembro — claro, isso vai depender da diretoria.
É isso.
Obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado pela exposição, Sr. Daniel Roberto Coradi, Coordenador da ANVISA — Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Eu convido para fazer a sua exposição a Sra. Letícia Rodrigues, pesquisadora do Grupo de Desenvolvimento e Sistemas Técnicos da UFPR — Universidade Federal do Paraná.
A senhora tem 15 minutos.
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - Muito obrigada, Deputado Camilo. É um prazer estar aqui.
Após a fala do Daniel, fica mais fácil eu tentar explicar o que está acontecendo com o glifosato e por que há tanta polêmica, tanta celeuma envolvendo esse ingrediente ativo.
Na verdade, essa minha fala vai no sentido de tentar mostrar que o que está discussão não é só o que diz respeito ao glifosato. O glifosato trouxe à tona algumas fragilidades que existem no sistema de registro hoje no mundo inteiro. Essas questões é que acabaram sendo levantadas e muito em função da reavaliação do glifosato em vários países do mundo.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Basicamente, hoje todos os países têm esse modelo de registro, que é também o utilizado aqui no Brasil. Avaliam-se os produtos técnicos e avaliam-se os produtos formulados. O produto técnico é aquele que é utilizado dentro da empresa, no âmbito industrial, com alto teor de ingrediente ativo, o mais próximo possível da pureza, e o produto formulado é aquele que vai ser utilizado no campo.
Para o produto técnico, é feita uma série de estudos, principalmente os de toxicidade crônica. O ingrediente ativo glifosato é submetido a testes tanto de toxicidade aguda quanto de toxicidade subcrônica e crônica, em que aparece em metabolismo, mutagenicidade, toxidade oral para cães, para ratos, estudo de toxicidade de 18 meses, de 2 anos, estudos de desenvolvimento, estudo de teratogenicidade, onde se vai verificar a carcinogenicidade ou o potencial de carcinogenicidade desses produtos, mas para o produto técnico. Cães é outra pauta desta Comissão, até que ponto precisam ser usados esses modelos em animais ou não; isso é outra discussão, não vamos entrar nela agora.
Para o produto formulado, são feitos menos testes, um pouco menos, os testes da composição qualiquantitativa, testes físicos, testes químicos, e os testes de toxicidade aguda e de mutagenicidade. Não se testam, para a formulação, os efeitos crônicos, e seria quase impossível fazer os testes para efeitos crônicos com cada formulação, porque se pega o mesmo ingrediente ativo e se combina com centenas de outros coformulantes ou outros componentes da formulação.
Esses outros componentes da formulação, no Brasil, são registrados mediante um cadastro. Os dados que são submetidos ao sistema de informação de componentes são basicamente a ficha de segurança química e, quando disponíveis, os resultados de testes e de informações, porque quem é o registrante desses componentes é o registrante do produto formulado agrotóxico. Vejam que, na maioria das vezes, o registrante do agrotóxico não é o dono desses outros componentes. Isso aqui ele vai comprar de outras empresas — vai comprar óleo mineral da PETROBRAS, vai comprar produtos de ene outras empresas químicas —, mas esse produto, inerte ou componente, não é avaliado em sua extensão.
Isso acontece em outros países também. Alguns países têm regras maiores, mais restritivas, com relação a esses componentes, outros países têm regras um pouco menores. Por exemplo, na União Europeia, existe o REACH; no âmbito da EPA, nos Estados Unidos, há uma série de estudos que são solicitados; e, aqui não Brasil, há um projeto de lei, um anteprojeto de lei, porque foi submetido pelo Ministério do Meio Ambiente, para fazer uma espécie de REACH brasileiro, que tramita nesta Casa.
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Bom, quando vamos a fundo para entender o que acontece com o glifosato, encontramos — não estou trazendo a situação do Brasil, estou trazendo a situação principalmente internacional associada a ele — qual o peso que se dá aos estudos. Então, vejam, primeiro foi submetido aos estudos de carcinogenicidade o produto técnico e não o produto formulado, utilizado pelos produtores rurais. E, para esse produto técnico, o primeiro peso, o que tem mais peso na hora de uma tomada de decisão, são aqueles estudos conduzidos com boas práticas de laboratório. No âmbito da EPA, isso está numa normativa, qual o peso que se dá a esses diferentes estudos que vão ser avaliados e que podem surgir no decorrer dos anos em relação àquele ingrediente ativo.
Então, nos estudos que são conduzidos com boas práticas de laboratório você tem que ter controle de acesso ao laboratório — então ninguém não qualificado, ou que estivesse envolvido com aquele estudo, não vai adentrar o laboratório —, você vai ter a temperatura controlada, você vai ter os animais controlados se você estiver fazendo teste com animais, você vai ter uma série de medidas que são adotadas nas boas práticas de laboratório e que nem sempre são adotadas na condução de outros estudos. Por exemplo, uma universidade não pode cercear o adentramento de alunos num laboratório. Então, fica difícil uma universidade conduzir um teste toxicológico em BPL, porque não vai ter o acesso controlado como deveria ter, e às vezes qualquer pessoa pode entrar no laboratório e fazer uma bobagem qualquer, até usar para limpar uma bancada um solvente que vai afetar o experimento que está sendo conduzido do lado.
Numa tomada de decisão, o que as agências governamentais, via de regra, qualificam? Quanto mais para cima nessa pirâmide, maior o índice de incerteza que é agregado ao tipo de estudo. Por exemplo, primeiro, os estudos conduzidos em boas práticas de laboratório; depois, os estudos conduzidos com repetidas publicações revisadas por pares ou descobertas; depois, publicações revisadas, publicações simples, não repetidas; depois, associações hipotéticas. Então, cada vez você vai agregando um nível maior de incerteza a esses estudos e menos você vai considerando, atribuindo pontuações, para que eles sejam inseridos na tomada de decisão — isso, no âmbito da EPA.
É a mesma situação de outras agências reguladores. Você tem: primeiro, a metodologia de avaliação é centralizada no ingrediente ativo para efeitos crônicos e, segundo, maior peso nos estudos conduzidos em laboratório e em BPL.
E aí, quando vamos olhar para o glifosato, o que aconteceu? Todas as agências reguladoras do mundo vinham com uma mesma avaliação, até então, do glifosato, e continuam com essa mesma avaliação, de que ele não é carcinogênico. E veio a IARC, que é a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer e determinou que o glifosato é carcinogênico. Como assim, resultados tão diferentes? Porque se olhou para coisas diferentes.
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Então, o que a IARC fez? Isso é uma comparação entre a avaliação feita pela IARC e a avaliação feita pela Agência de Segurança Alimentar da Europa. Isso foi publicado num estudo feito por vários pesquisadores da própria Agência de Segurança Alimentar da Europa. Então, primeira coisa, o que a IARC fez? Ela trabalhou com todos os estudos agrupados. Mesmo os estudos com formulação foram considerados como se fossem estudos feitos com o ingrediente ativo. Então, vejam que há uma diferença. O que as agências governamentais consideraram? Estudos feitos com o produto técnico, sem coformulantes, sem os outros componentes. O que muitos pesquisadores foram fazendo ao longo dos anos? Eles foram comprando formulações de glifosato no mercado e fazendo estudos de longo prazo com essas formulações. Então, apresentava um resultado de carcinogênese para o formulado X, para o formulado Y. Vejam que as agências governamentais não fazem esse tipo de estudo, a metodologia utilizada é para produtos técnicos.
A segunda diferença: a IARC utilizou toda a revisão de informação publicada como fonte prioritária. O que as agências governamentais utilizam? O conjunto de estudos conduzidos sob BPL e os dados epidemiológicos é que são prioritários. As outras publicações, as revisões de publicações científicas, review dos últimos 10 anos, que foi o corte que é a Europa fez, essas informações são secundárias na tomada de decisão. E para a IARC é justamente o contrário. Os resumos dos estudos feitos em BPL submetidos pelas empresas registrantes foram fonte secundária de avaliação. Então, isso explica — e assim para cada um dos itens — por que as agências reguladoras têm uma decisão hoje que considera o glifosato não carcinogênico e por que a IARC considera o glifosato carcinogênico.
Então, além da avaliação feita pela IARC no ano de 2015, outra instituição que considera o glifosato carcinogênico é o Escritório de Saúde Ambiental da Califórnia. Esse Escritório de Saúde Ambiental da Califórnia tem uma lista que se chama Prop 65 ou Proposição 65. Na Proposição 65 tem uma lista — a última versão é de março de 2019 — com 1.032 substâncias classificadas como carcinogênicas, não só produtos agrotóxicos, mas substâncias químicas no geral, alimentos, álcool, cigarro, uma série de outras substâncias, carnes defumadas. Enfim, dentro dessas mil e poucas substâncias, eles se utilizam da seguinte classificação. Se a IARC publicar que algo é carcinogênico, eles o incorporam nessa lista; se a Suíça publicar que algo é carcinogênico, eles o incorporam nessa lista. É uma lista bem ampla. Eles utilizam um critério extremamente restritivo para caracterizar um produto como carcinogênico. E, a partir do momento em que esse produto está classificado como carcinogênico, isso tem que ser alertado aos consumidores. Então, inclusive nos restaurantes é preciso colocar essa informação. Se o restaurante servir carne assada na brasa, por exemplo, que é uma das coisas que pode causar câncer, o restaurante tem que informar que um dos pratos oferecidos pode levar a câncer. Eles também colocam na lista produtos que afetam o desenvolvimento. Então, são os dois critérios mais restritivos aqui para classificação da carcinogenicidade.
15:02
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Agora, a EPA, a EFSA, a ECHA, que é a Agência Química da Europa, o BFR, que é o Instituto Federal Alemão, a Agência de Saúde do Canadá, a agência australiana, a agência japonesa, a Agência da Nova Zelândia — só para citar algumas —, nenhuma delas considera o glifosato carcinogênico. Mas vejam o que está em discussão? É porque foram utilizados critérios diferentes para fazer essas avaliações.
E, frente a isso, o que o Parlamento Europeu fez, em função de a Europa ser o bloco econômico com as maiores restrições hoje para os produtos agrotóxicos? Frente a isso tudo, o Parlamento Europeu, em função das três classificações de não carcinogênese das agências alemãs e da classificação da IARC do glifosato como carcinogênico, formou uma comissão especial, que tinha que fazer, durante o seu mandato, em 1 ano, uma avaliação de todos o sistema de registro da Europa. Essa avaliação foi concluída em 16 de janeiro deste ano. E uma das coisas que eles fizeram: pediram que as agências europeias passassem a estabelecer com mais clareza e transparência os critérios utilizados para o peso desses estudos na tomada de decisão. Por exemplo, não estou dizendo que a tomada de decisão da ANVISA está errada ou está certa, mas as pessoas normais, as pessoas comuns não sabem em que foi baseada essa tomada de decisão, qual foi o peso que se atribuiu a um estudo epidemiológico, qual foi o peso que se atribuiu ao estudo de laboratório, qual foi o peso que se atribuiu às diferentes publicações que existem.
Então, o que a o Parlamento Europeu sugeriu é que se tenha isso, que se faça o cumprimento dos prazos e que se trabalhe — são só algumas coisas, o relatório completo está disponível se alguém tiver interesse — com a publicação de componentes que não podem ser utilizados em formulações de produtos pesticidas. Por exemplo, uma das medidas que foram tomadas lá, no caso do glifosato, foi a de proibir o uso do formulante nas formulações de glifosato, que é o polioxietileno amina (POEA) ou a amina graxa etoxilada ou a taloamina. Enfim, ele tem vários nomes, mas é a mesma substância. Então, uma das medidas foi essa, porque se entendeu que o risco estava associado com a formulação. Também nos Estados Unidos se adotou uma limitação para o uso dessa substância no máximo em 20% na formulação — o Canadá também. A ANVISA também está sugerindo isso.
15:06
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Senhores, era basicamente isso o que eu tinha a dizer nestes 15 minutos. O que está acontecendo hoje? Nos Estados Unidos, só para mostrar o impacto dessa diferença nas avaliações, há um impacto imenso, tanto social, quanto econômico — e inclusive moral. Havia 13.400 ações até o dia 30 de abril — talvez existem mais. Até agora, duas dessas ações foram julgadas procedentes, em função de o júri não precisar adotar essas medidas. O júri está livre, porque são pessoas normais, que olham para diferentes situações e tomam uma decisão não com base em algum critério de transparência ou não. Provavelmente, vai haver um aumento maior dessas ações, porque encontramos em várias páginas de advogados anúncios como este, dizendo: "Olha, se você tem linfoma não Hodgkin e se você teve contato com o glifosato, você é um candidato para ações. Então, por favor nos contate, clique aqui." Eu fiquei até tentada a clicar para ver o que aconteceria. Provavelmente, pediria os dados para que as pessoas entrassem com ações.
Então, é basicamente isso o que eu trouxe. Eu queria dizer que eu acho que o Parlamento tem uma função muito importante, o Congresso tem essa função. As agências reguladoras têm a incumbência de fazer o gerenciamento e a avaliação de risco, mas os parâmetros do que vai ser considerado aceitável ou inaceitável quem tem que determinar é o Congresso, e esses parâmetros não estão claros hoje e determinados pelo Congresso. O que consta da Lei 7.802 é que ficam proibidos de registro os produtos agrotóxicos que apresentem características carcinogênicas, teratogênicas, não sei o que, de acordo com estudos da comunidade científica. Não diz nada! Nesse caso, as agências reguladoras é que têm que tomar decisão.
Então, o Congresso tem um espaço imenso de trabalho para definir claramente qual é esse ponto de corte, qual é a altura da régua que a sociedade quer. E quem é o representante da sociedade é o Congresso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado.
Agradecemos à pesquisadora Letícia Rodrigues, do Grupo de Desenvolvimento e Sistemas Técnicos da Universidade Federal do Paraná, pela exposição.
Nós temos aqui uma correção a fazer. O Sr. Daniel Roberto Coradi é, na verdade, Coordenador de Reavaliação dos Agrotóxicos da ANVISA — Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Depois de agradecer à pesquisadora Letícia pela exposição, eu passo imediatamente a palavra ao Sr. Reginaldo Minaré, Consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil — CNA, pelo prazo de 15 minutos.
(Pausa prolongada.)
15:10
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O SR. REGINALDO MINARÉ - Uma boa tarde a todos! Desculpem pela demora na preparação da apresentação. Penso que deu certo.
Deputado Camilo, agradeço a possibilidade de participação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Começo a minha exposição observando a incorporação de tecnologias na agricultura e na pecuária, atividades que, nos últimos 50 anos, têm se modernizado e acoplado um volume muito grande de tecnologias, tanto na área leiteira; nas moradias da população rural; nas técnicas de eliminação de plantas daninhas, que começa com a enxada e hoje se faz com a pulverização; na mecanização de colheita de cana, de café, que vem mudando o sistema de manejo na agricultura; na entrega dos produtos, como eles saiam e saem hoje da fazenda.
15:14
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Há uma diversidade grande de tecnologias incorporadas. Por exemplo, na questão do plantio, feito com a antiga matraca, a plantadeira puxada por animal, passando por tratores com pequena quantidade de semeadura, e hoje feito por tratores enormes e equipamentos enormes.
Dentro desse mosaico de tecnologias incorporadas pela agricultura, uma delas são os defensivos. O agricultor lança mão dos defensivos para controlar diversas variedades de pragas, doenças e ervas daninhas, que são um desafio constante para os agricultores do Brasil e do mundo, visto que, não sendo controladas, elas podem arruinar a produção.
A agricultura mundial é muito parecida. A agricultura brasileira tem um padrão mundial e é um produto que está num patamar absolutamente elevado no que diz respeito a técnica de produção e qualidade de produção. A agricultura brasileira exporta para mais de uma centena de países e não tem problemas de rejeição. O mundo consome, o mundo compra e o mundo adquire os produtos agrícolas brasileiros de forma muito tranquila.
Os defensivos no Brasil são produtos regulamentados: há a Lei nº 7.802, de 1989, e o Decreto nº 4.074, de 2002, que regulamenta essa lei. Além do interessado, três órgãos públicos estão envolvidos no processo de registro: o MAPA, a ANVISA e o IBAMA. Esse é um produto que, assim como diversos outros, a população em geral não tem condições de avaliar a sua segurança, como ocorre, por exemplo, com um medicamento, uma planta transgênica ou um micro-organismo transgênico.
Nesse universo de inovação, de ciência e tecnologia, os Estados em geral instituem agências, institutos científicos para servirem de filtro entre os interessados produtores e os utilizadores dessas tecnologias. Essa é uma forma de fazer uma avaliação isenta daquilo que alguém quer colocar no mercado e diz ser seguro. Eu, por exemplo, não tenho condições de avaliar nenhum medicamento, nenhum defensivo e nenhum transgênico. Eu adquiro esses produtos e os utilizo confiando nas instituições que fazem essa intermediação entre as afirmações de quem quer pôr o produto no mercado e os consumidores que porventura desejarão comprá-los. Então estamos falando de um produto regulado.
A avaliação e a reavaliação de um defensivo exigem base científica sólida, e isso difere da crença, difere da opinião. A ciência produz um conhecimento que precisa resistir a um processo de verificação. E aqui entramos no universo da teoria da ciência, no universo que questiona qual conhecimento é passível de ser elevado ao status de conhecimento científico. É nesse universo que trabalham essas agências e institutos que fazem essa intermediação entre o que se diz seguro e o que, de fato, é seguro.
15:18
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Garantia de validade de um conhecimento científico é uma matéria que acompanha praticamente a humanidade. Até o período de Francis Bacon, que é considerado o profeta da técnica, o ideal de ciência era a ciência baseada no conhecimento universal e absoluto oriundo da matemática. Esse era o ideal clássico de ciência. Francis Bacon procurou inovar e trazer para a ciência experimental uma metodologia que permitisse que as ciências experimentais também produzissem um conhecimento que pudesse ser elevado ao status de conhecimento científico. E essa proposta de Francis Bacon se consolidou e vem sendo desenvolvida no mundo.
Atualmente, a vanguarda mais crítica ou menos dogmática da comunidade científica contemporânea identifica a autocorrigibilidade como a maior garantidora da validade das afirmações científicas. Faz-se uma afirmação científica, e ela fica submetida à prova constante. Aquela afirmação pode ser substituída por outra que a desbanque, mas que ficará também submetida a novas avaliações. Trata-se de um avanço, um aperfeiçoamento constante. E, nesse universo, não há espaço para o "achismo".
Aqui é importante observar que, em muitos casos, os agricultores tomam determinados prejuízos por conta de alguma matéria que, baseada no "achismo", faz o alarde catastrófico. A palavra "provavelmente" e as palavras "pode ser" são desprovidas de qualquer embasamento científico que lhes dê uma garantia de validade — "provavelmente pode ser muita coisa". Então, esse espaço tanto da avaliação quanto da reavaliação não é um espaço para o "achismo"; é espaço para um conhecimento científico válido, reconhecido como tal.
Aqui temos a reavaliação do glifosato, que é um insumo, dentro do grupo dos defensivos, e um produto que o agricultor brasileiro e o agricultor mundial já utilizam de longa data.
Essa ideia da autocorrigibilidade da ciência fundamenta o instituto da reavaliação dos produtos, o que não somos contra. A reavaliação é sempre bem-vinda, desde que realizada dentro desse universo de segurança, de qualidade dos estudos, uma reavaliação que dê, realmente, à sociedade aquela informação sólida e que vai orientar o uso.
Atualmente, há conclusões dos órgãos reguladores de diversos países, como a Austrália. E aqui falamos em órgãos reguladores, mas eles não são simplesmente órgãos produtores de norma. Assim como a ANVISA, eles são órgãos que têm um corpo técnico que faz suas análises, que verifica se, realmente, aqueles estudos aportados nesses processos têm a validade que os permita serem considerados como conhecimento científico.
15:22
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Austrália, União Europeia, Japão, Nova Zelândia, Canadá já afirmaram e reafirmaram que o glifosato não causa câncer. Lá esse produto já foi avaliado e reavaliado também, e a conclusão foi a de que é um produto seguro, quando utilizado conforme a prescrição.
No Brasil, o processo de reavaliação do glifosato conduzido pela ANVISA está bem elaborado e, seguramente, o resultado garantirá a segurança dos brasileiros. É o que a agricultura pensa desse processo.
Os agricultores não têm condições técnicas de fazer avaliação dos produtos que eles adquirem. No caso desses produtos, o órgão que trabalha avaliando a toxidade dos produtos é a ANVISA — e nela confiamos.
O glifosato, há mais de 40 anos, é utilizado na agricultura mundial para eliminar ou reduzir a presença de plantas daninhas em diversas culturas, como algodão, milho e feijão. Trata-se de um produto importante para a agricultura, um produto bastante inserido nas práticas agrícolas brasileiras e que, caso tenha sua segurança confirmada, será interessante para a agricultura, pois é uma ferramenta importante para os agricultores.
Defensivos na agricultura. Por enquanto, os agricultores precisam desses produtos. São produtos que fazem parte do ferramental que o agricultor tem para garantir a sua produção. E não me refiro apenas ao agricultor brasileiro, mas ao agricultor mundial.
A ciência e a tecnologia ainda não apresentaram alternativas ao mundo que sejam disruptivas com os defensivos agrícolas. Países que estão na linha de frente na ciência e tecnologia, como Alemanha, França, Estados Unidos, Canadá, Japão, Coreia, lançam mão dos defensivos, inclusive do glifosato, para o manuseio na agricultura.
A CNA tem essa consciência da relevância do produto. O agricultor é livre para escolher o seu método de produção — produção convencional, com transgênico ou orgânica — e, seja qual for o método de produção que ele utilizar, é importante que ele tenha a assistência técnica adequada e faça o uso seguro. Esse é o ponto que defendemos.
E essa questão do uso seguro e da assistência técnica é algo que está na linha de frente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural hoje, especialmente para o uso de defensivos, tanto químicos quanto biológicos, não só por uma questão de se precaver do risco, mas para tirar um maior proveito desses insumos, que são insumos caros para os agricultores.
Os agricultores não adquirem esses insumos simplesmente porque gostam, mas porque são importantes e fundamentais para a agricultura. Sem eles, o agricultor pode não produzir. E ele os usa da forma mais parcimoniosa e adequada possível, porque o uso desmedido, o excesso, significa aumento da planilha de custo para os agricultores. E isso não é interessante, principalmente para quem trabalha com preço estabelecido pelo mercado ou em bolsa. Ou ele controla o seu custo, ou ele não vai ter lucro ou vai ter uma margem de lucro pequena, ou até vai ter um bom prejuízo.
15:26
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Então, a assistência técnica e o uso seguro dos produtos, tanto do defensivo glifosato quanto de qualquer outro, é a orientação da CNA e é um esforço que o SENAR está fazendo, inclusive buscando parceria com o Governo para ampliar a assistência e o treinamento técnico para os agricultores, especialmente agricultores de pequeno e médio porte. Os grandes têm dinheiro para contratar uma boa mão de obra qualificada. Os pequenos precisam dessa assistência.
Esperamos que a reavaliação ocorra e, se o resultado for manter o produto ou mantê-lo com restrições, a agricultura vai seguir o que Agência assim estabelecer.
Era isso. Agradeço a oportunidade e fico à disposição para perguntas.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado. Sr. Reginaldo Minaré, consultor da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária, pela sua exposição.
Convido para fazer o uso da palavra nesse momento o Sr. Flávio Zambrone, especialista da força-tarefa de reavaliação do glifosato.
Ao final das disposições haverá a participação dos Parlamentares inscritos, da sociedade civil e dos internautas participantes do e-Democracia. Recebemos vários questionamentos, que serão endereçados aos componentes da Mesa.
Neste momento, passo a palavra ao Sr. Flávio Zambrone, que tem 15 minutos para sua exposição.
O SR. FLÁVIO ZAMBRONE - Boa tarde a todos.
Muito obrigado, Deputado Camilo e Comissão do Meio Ambiente, pelo convite.
Eu vou usar meu tempo da forma mais objetiva possível, porque estou correndo e precisando ir realizar outras atividades.
Falar por último nem sempre é bom, porque os colegas acabaram comentando uma série de coisas que pretendíamos falar também. Aliás, quero parabenizar os colegas que falaram anteriormente pelas apresentações.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu quero me apresentar, porque isso foi feito de uma forma muito sucinta. Eu sou médico toxicologista, especialista em Saúde Pública, com formação de 40 anos nessa área. Talvez eu seja o mais antigo.
Falaram da Lei nº 7.811. Eu tive o privilégio, como jovem toxicologia naquela época, de participar ajudando o Congresso a elaborar aquela lei, que se desatualizou nesse tempo todo, mas que ainda atende a algumas necessidades e que realmente precisa de ajustes. Também tive oportunidade de ajudar a redigir o decreto, lá atrás, e aprendi muito com isso. Eu venho lhes transmitir a experiência desses 40 anos.
O que nós fizemos? Na realidade, 30 empresas participam dessa chamada força-tarefa. Seguindo o modelo que é utilizado na Europa e nos Estados Unidos. Nesses processos de reavaliação, as empresas se unem e contratam um toxicologista de sua confiança para que organize os seus dados, as suas informações, e essas informações são aportadas, são fornecidas à agência — no caso a ANVISA —, para que ela possa usar isso nas suas avaliações e tomar decisões. Eu lembro que muitos estudos e informações são confidenciais. Por isso, o material é centralizado num indivíduo só, que recebe o material de todas as partes e o transmite para a ANVISA.
15:30
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Nós oficializamos essa força-tarefa junto à ANVISA e colaboramos na organização e no entendimento desses documentos, enviando-os para a ANVISA, que a partir daí fez todo o processo de reavaliação de uma forma que eu considero adequada e bem estruturada. Volto a parabenizar a ANVISA, porque nesses 40 anos é o primeiro documento que consideramos muito bem elaborado e muito bem embasado, do ponto de vista técnico e científico. Obviamente, a consulta pública vai trazer algumas sugestões. Alguns ajustes podem e devem ser feitos, mas a consistência do documento é inquestionável. Eu vou falar um pouco sobre isso.
Nós apresentamos para a ANVISA mais de 5 mil páginas de informações e documentos, que a ANVISA utilizou junto com o que ela obteve de agências internacionais, de reuniões científicas que ela fez. Ela somou tudo isso. Nós, além disso, respondemos à ANVISA exigências de algumas questões que eram relacionadas com os produtos que estavam no mercado referentes a bula, a rótulo, a como se usava, a qual cultura, à forma que era usado, para que tudo isso pudesse ser entendido. Esse processo levou 10 anos, não é de ontem, e é um processo em que tomamos o cuidado de juntar essas informações, referenciar essas informações, validá-las, para poder passar para a ANVISA informações que ela pudesse usar com segurança e tomar suas decisões junto com as outras informações que ela tinha em mãos, em relação ao glifosato.
Aqui estão alguns exemplos de exigências que a ANVISA fez em informações adicionais daquilo tudo que ela tinha.
Quando nós voltamos para o glifosato...
Eu vou fazer uma pequena pausa, um pequeno parêntese. A toxicologia é muito difícil. É preciso tomar decisões em relação ao risco. As substâncias químicas estão no nosso dia a dia. Estão aí no verniz, estão na mesa de vocês, estão na fórmica que está aí na frente, nos óculos de cada um, na roupa de cada um, na pasta de dente que você utilizou e assim por diante. Como nós avaliamos a segurança? Como eu posso dizer se é seguro ou não? É preciso entender a diferença entre perigo e risco. Em Português, eles parecem sinônimos, mas para o toxicologista não são. Perigo é a propriedade da substância, é aquilo que ela produz, independente de você estar usando ou não. Então, se uma substância perigosa está dentro de um barril, qual é o risco que ela nos oferece neste momento? Nenhum. Só vai haver risco se a pessoa se expuser a essa substância, se tiver contato com ela, se utilizá-la. Então, todos aqui tomaram um cafezinho. Qual é o risco do adoçante que está lá dentro? O aspartame é metabolizado em formaldeído, e formaldeído é carcinogênico, segundo a International Agency for Research on Cancer — IARC. É o mesmo formaldeído que está sendo eliminado da fórmica aqui e que está aqui, no ambiente. É o mesmo formaldeído que, numa pequena porção, sai do escapamento dos carros quando se usa álcool. Usamos etanol, mas uma pequena parcela é metanol. É o mesmo formaldeído que metabolizamos na bebida que consumimos. Se você bebe um vinho, um destilado, principalmente — qualquer um deles —, ele tem uma pequena porcentagem de metanol, e isso é metabolizado em formaldeído. Nem por isso todos nós vamos ter ou não câncer relacionado com o formaldeído. Nós estamos expostos a ele. Quando você faz a avaliação do risco, você tem que considerar os níveis de exposição, a exposição, o uso e a segurança. Não há atividade humana sem riscos. Todos nós sabemos disso. Até atravessar a rua tem um risco. Por isso existem as regras de trânsito, as regras de funcionamento. O carro é muito perigoso na mão de quem não sabe dirigir ou de quem não sabe obedecer as regras de trânsito.
15:34
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Voltando às agências internacionais — foi pontuado aqui —, eu acho que é importante ler com muita atenção o que cada uma falou sobre o glifosato, principalmente as agências mais importantes no nível mundial. Usamos o EPA como referência — a Dra. Letícia e o próprio Daniel colocaram isso — porque ele é, talvez, o mais bem estruturado no âmbito mundial. Ele tem um grupo enorme de pessoas e tem muita capacidade técnica para fazer isso. E ele diz, na avaliação do risco à saúde humana do glifosato, que o glifosato não é um provável carcinogênico para o homem e não apresenta nenhum outro risco significativo para a saúde humana quando ele é usado de acordo com a bula e o rótulo. Este é um ponto importante: para ser segura, a substância tem que ter regras de uso. É igual ao carro, de novo. O uso seguro que nós mencionamos é relacionado com o uso adequado. Nós não podemos considerar aqueles acidentes, o uso sem equipamentos de proteção, sem seguir as regras. Há pessoas que, infelizmente, usam o produto para tentar suicídio ou coisas desse tipo. Esses não são os usos corretos. Isso tem que ser tratado de outra maneira. Precisa ser visto? Precisa, mas de uma maneira mais adequada.
O EPA tem, dentro dele, também uma discussão. Ele tem um órgão específico para discutir a questão de pesticida, que avaliou o glifosato separadamente, também em 2017, e a conclusão foi a mesma: não é uma substância com potencial carcinogênico para os humanos.
Se nós formos para o Programa Nacional de Toxicologia dos Estados Unidos, que também é bem aparelhado e tem uma série de técnicos capazes para fazer isso, veremos que há pouca evidência de toxicidade — nem de carcinogênese estamos falando — e que não há evidências de que o glifosato cause danos ao DNA, quer dizer, que ele seja genotóxico e, potencialmente, carcinogênico.
Se nós olharmos o Canadá, veremos que produtos contendo glifosato não apresentam risco inaceitável à saúde humana e ao meio ambiente. O Canadá disse no começo deste ano de 2019: nenhuma autoridade regulatória de agroquímicos no mundo considera que o glifosato apresenta risco de câncer ao homem nos níveis a que estão atualmente expostos.
Segundo a ECHA, que a Dra. Letícia também mencionou, nenhuma classificação de perigo de carcinogenicidade é comprovada. Segundo a EFSA, que é a área que cuida de alimentos da Europa, o glifosato é improvável de ser genotóxico ou de representar ameaça de carcinogenicidade aos humanos. A agência europeia que cuida também de avaliar uma parte desses pesticidas que se chama ANSES não considerou e não acha que o glifosato tenha qualquer tipo de efeito carcinogênico. A agência da Alemanha diz que os dados não demonstram propriedade mutagênica ou carcinogênica. A Suíça diz que os resíduos de glifosato em alimentos investigados não apresentam risco de câncer; Austrália, não representa risco de câncer; a Agência de Proteção Ambiental da Nova Zelândia, é improvável de ser carcinogênico. O documento da ANVISA eu pus bem resumido. Ele é extremamente extenso, e eu, por ossos do ofício, tive que ler todo, ponto a ponto, e afirmo: está muito benfeito. Eu tentei resumir numa frase. Ele está disponível na Internet e é objeto da discussão. Acho que todos que estão interessados deveriam ler. Resumi assim: nenhuma evidência indica que o glifosato seja carcinogênico. Eu ressalto que a ANVISA se utilizou de pareceres externos, que reforçaram a posição dos próprios técnicos da ANVISA que avaliaram isso. O Japão diz que não há neurotoxicidade, carcinogenicidade, toxicidade à reprodução. A Coreia disse que estudos epidemiológicos sobre o glifosato não encontraram relação com câncer. Esse é um ponto importante.
15:38
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Quando nós falamos de estudos epidemiológicos, boa parte do conhecimento científico que foi colocado aqui pelo Minaré adquirimos com a experiência do uso. Um produto que tem 40 anos de uso e que tem sido verificado nos traz uma experiência boa e um conhecimento adequado para avaliar esses dados como um todo. É diferente de uma substância nova. Essa importante colocação que foi feita pela Coreia lembra que esses dados epidemiológicos talvez não estejam na base da pirâmide do Daniel. Eles podem estar lá em cima com o importante fator de que você tem dados suficientes para isso.
Se nós formos em frente, pegaremos a Organização Mundial de Saúde, com uma conclusão de 2016. A FAO, que é parte da Organização Mundial de Saúde, avaliou o glifosato: o glifosato é improvável de ser genotóxico em exposição pela dieta. A mesma OMS, por meio de outro órgão, que cuida a questão da qualidade da água, concluiu: sob condições usuais, a presença de glifosato e de AMPA não representa um perigo para a saúde humana. Se nós olharmos o Programa Internacional de Segurança Química da OMS, veremos que dados disponíveis de exposição ocupacional sobre trabalhadores que aplicam Roundup indicam que os níveis de exposição são muito baixos e que não há efeito adverso observado.
Há um estudo que também traz uma grande contribuição que é uma avaliação. Desde 1993 foram avaliados 54.251 trabalhadores rurais que aplicavam o glifosato. Nesses trabalhadores não se encontrou nenhuma associação entre o glifosato e qualquer tumor sólido ou malignidades linfoides, incluindo Linfoma não-Hodgkin e assim por diante.
Por que é importante a questão da associação? Aqui também faço mais um parêntese. Existe diferença entre associação e causalidade. Quando discutimos causalidade, é que alguma coisa causou aquele efeito. Mas nós temos o hábito de associar — e isso é comum. Todo mundo almoçou aqui, com exceção de alguns. Esses alguns não tiveram tempo. Aqueles que almoçaram, se ao fim da tarde tiverem uma dor de barriga, vão associá-la à comida que comeram no almoço, não importa se eles tenham, no dia anterior, comido uma outra coisa pior, com uma bactéria com tempo de incubação maior. É o que fazemos normalmente. Nós associamos. E essa associação não é causa/efeito. Existe um número grande de estudos publicados na literatura habitual, normal, não referenciada, como a própria Dra. Letícia colocou — são associações, são coisas que não têm validade científica, o que foi colocado pela ANVISA dentro da sua linha de prioridades e de relevâncias. Chegando no que o International Agency for Research on Cancer — IARC colocou, eu concordo com o que os colegas colocaram aqui antes, mas o IARC tem uma outra finalidade. Ele não é um órgão registrador. Eu vou apenas chamar a atenção de vocês para isso, porque o tempo é curto. O IARC colocou o glifosato no mesmo grupo, com o mesmo potencial de carcinogênese da carne vermelha, das bebidas quentes — não o café ou o chá, mas qualquer bebida quente — e do ofício de barbeiro. Ser barbeiro, cortar cabelo, fazer a barba dos outros tem o mesmo potencial de carcinogênese para o IARC que o glifosato. Então alguma coisa está equivocada nessa avaliação, porque basta olhar. Se você olhar mais na frente, ele colocou o glifosato, como perigo, abaixo do bacon, do bacalhau da Semana Santa e do vinho, além dos contraceptivos orais. Há uma discussão muito grande entre todos os pesquisadores que trabalham nessa área e os reais critérios usados pelo IARC para esse tipo de classificação, que traz toda essa confusão. Eu aproveito o gancho da Dra. Letícia dizendo que esta Casa ou o Congresso Nacional é quem tem que estabelecer o limite e assim por diante, mas temos que tomar um cuidado só: a ciência é muito dinâmica. O que queremos como País com segurança não pode impedir nem o avanço da ciência, nem o progresso da sociedade. Temos que tomar cuidado, porque toda vez que nós colocamos numa lei uma regra ou uma verdade científica, e ela se modifica logo à frente, é muito difícil você modificar isso depois e tentar se colocar no trilho novamente. Finalmente, na semana passada o próprio EPA, em relação a esses processos que estão nos Estados Unidos, fez a seguinte afirmação: "Não há evidências de que o glifosato cause câncer", "Não há risco para a saúde pública pela aplicação do glifosato". A agência disse que suas descobertas científicas sobre o risco para a saúde humana são consistentes com as revisões de vários outros países e agências federais. "Os nossos dados científicos disponíveis não suportam uma relação de causa e efeito entre a exposição ao glifosato e o Linfoma não-Hodgkin". Essa é uma discussão grande. Aí entra um outro problema de avaliação.
15:42
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Refiro-me ao sistema jurídico. A decisão não é técnica, a decisão é de um júri popular, o que dificulta muito fazer com que todas as pessoas entendam o que estamos dizendo. Eu queria mais uma vez agradecer a atenção de todos e a oportunidade de falar aqui a respeito do tema. Trata-se de uma discussão muito complicada, que precisa de embasamento técnico e científico. E a decisão final certamente é política, mas não pode deixar de lado a ciência. Obrigado.
15:46
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O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós é que agradecemos a presença, a participação e a exposição do Sr. Flávio Zambrone, médico e especialista da Força-Tarefa de Reavaliação do Glifosato.
Nós encerramos as palestras com essa participação. Convidamos todos para que tomem assento à mesa novamente para que respondam aos questionamentos que serão feitos pelos Srs. Parlamentares que aqui se encontram e também pelas Sras. Parlamentares. Eu vi ali a Deputada Joenia Wapichana agora há pouco.
Eu quero dizer que as exposições foram muito ricas e apresentaram dados importantes sobre a utilização do glifosato nesse setor que é o mais dinâmico da economia brasileira. Claro que ninguém ignora a importância do agronegócio para a economia do nosso País, mas, evidentemente, em se tratando de saúde pública, as dúvidas têm que ser devidamente saneadas. Por isso, o Deputado Nilto Tatto, do PT de São Paulo, propôs esta audiência púbica para tratar exatamente dos resultados da reavaliação toxicológica do glifosato realizada pela ANVISA. E, apesar de todos os resultados terem sido favoráveis à utilização do glifosato, uma questão metodológica muito importante foi levantada sobre como essa avaliação é feita não só no Brasil, mas também no mundo inteiro. Essa questão precisa ser debatida e aprofundada, porque nós estamos falando da vida das pessoas.
Eu vou passar a palavra, pela ordem de inscrição, para os nossos Parlamentares e, ao final, para a sociedade civil, que aqui se encontra presente, e, na última etapa, para os internautas que participaram através do e-Democracia.
Passo a palavra para o Deputado Vavá Martins.
O SR. VAVÁ MARTINS (PRB - PA) - Obrigado, Sr. Presidente. Eu quero também parabenizar o Deputado Nilto Tatto por protagonizar nesta tarde esta audiência pública promovida para debater os resultados da reavaliação toxicológica do glifosato.
Eu prestei bastante atenção na explicação da pesquisadora do Grupo de Desenvolvimento e Sistemas Técnicos da UFPR, do Daniel, Coordenador de Reavaliação de Agrotóxicos da ANVISA, do Reginaldo e do nosso amigo Flávio. Analisando tudo, eu tenho uma pergunta a fazer para a nossa amiga Letícia: se ainda não existe uma conclusão definitiva sobre a toxicidade, nós deveríamos autorizar a utilização? Em alguns países o produto é liberado, como o Canadá, os Estados Unidos. Após um estudo feito nos Estados Unidos, o produto foi liberado naquele país pela agência reguladora do meio ambiente. No entanto, existem muitas ações na Justiça, e muitos familiares de agricultores ganharam indenizações milionárias na Justiça.
Há muitos apaixonados por esse tema. Eu não sou contra o desenvolvimento, muito pelo contrário. Sou a favor do desenvolvimento sustentável que não prejudique o ser humano, que não prejudique as pessoas, que não mate ninguém. Analisando a fala de todos os técnicos, surge esse questionamento. Sabemos que não vamos agradar a todos, não tem jeito. No entanto, nós estamos entrando na casa das pessoas com alimentos que todos comem. É impossível não comer o arroz, o feijão, o milho. O alimento entra na casa das pessoas. O que não pode entrar é a doença. As pessoas não podem adoecer. Quando chove, a água vai para os rios e nós a bebemos depois. Então, é preocupante sim.
15:50
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Eu gostaria de saber a sua resposta, Dra. Letícia. Se não há uma conclusão definitiva, se um país contradiz o outro, se um estudo contradiz o outro, eu gostaria de saber se nós deveríamos autorizar a utilização dos agrotóxicos por conta e risco. Há o benefício da dúvida. Nós liberamos o glifosato, as pessoas consomem os alimentos e vemos na prática o que vai acontecer lá no futuro? Por exemplo, na década de 70 tivemos o DDT, parecido com o glifosato, que era cancerígeno e foi proibido. Não seria hoje o glifosato o mesmo DDT? Fica essa minha pergunta.
Obrigado, Sr. Presidente e todos aqui presente.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós é que agradecemos a sua participação, Deputado Vavá Martins. V.Exa. participou de toda a audiência pública e, desde o início, acompanhou todas as exposições e agora faz o seu questionamento.
Passo a palavra para o Deputado João Daniel, do Partido dos Trabalhadores, por 3 minutos.
Eu não mencionei antes, mas agora vou estabelecer esse tempo no intuito de dinamizar os trabalhos, mas com a tolerância da Mesa. Ninguém vai cercear o debate.
O SR. JOÃO DANIEL (PT - SE) - Muito obrigado, Sr. Presidente, Deputado Camilo Capiberibe. Quero saudar o autor do requerimento, Deputado Nilto Tatto, que, lamentavelmente, teve que sair, como acontece com todos os Parlamentares aqui quando, às vezes, aparecem uma agenda urgente de medidas provisórias ou outras questões. Mas a Comissão está muito bem presidida por V.Exa.
Eu queria dizer que nós acompanhamos esse debate sobre os agrotóxicos há muito tempo. Eu tenho o prazer e o privilégio de nunca ter trabalhado com agrotóxico. A minha região, onde nasci e me criei, não utilizava agrotóxico, até quando eu estava lá. Nos anos 80, iniciou-se a utilização desse produto. E hoje muito agrotóxico é utilizado na Região Sul do Brasil e também nas demais regiões.
Eu tive a oportunidade de participar de um debate com pesquisadores e com o Secretário da Agricultura de Mato Grosso do Sul, que também era pesquisador da EMBRAPA. E lá nós verificamos quanto mal os agrotóxicos, junto com as sementes transgênicas, estão causando para a Região Centro-Oeste. Destaco, inclusive, o aparecimento de ervas daninhas que nenhum tipo de agrotóxico, de veneno, consegue combatê-las, porque a natureza, às vezes, dá outras respostas.
Com relação ao glifosato, eu acho que foram mostrados muitos dados aqui. Gostaria de perguntar ao Sr. Flávio Zambrone, especialista da Força-Tarefa de Reavaliação do Glifosato, o seguinte: quem paga o resultado das pesquisas dessas agências? Existem agências públicas que são sérias e agências privadas que também são sérias, mas se tem uma coisa que tem muita força no mundo hoje são as corporações que produzem agrotóxicos, que produzem glifosato, que produzem a indústria farmacêutica. Nós fizemos um debate aqui com a participação de vários médicos, da FIOCRUZ, do Ministério da Saúde e de pesquisadores das universidades federais sobre esse tema e outros. O Brasil hoje enfrenta uma quantidade enorme de doenças, como o câncer, que não tem outro nome. Um dos principais é o agrotóxico, e o glifosato está nessa lista perigosíssima.
15:54
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Nós achamos importante este debate, mas quero dizer, Sr. Presidente, que ele não se encerra aqui. O Governo Bolsonaro está abrindo, como se abre uma bodega, para liberar geral, e a Ministra foi a Relatora aqui do projeto que trata dos agrotóxicos. Portanto, nós corremos um grande risco de o Brasil ser o maior consumidor, o maior vendedor e distribuidor de agrotóxico, sem critérios, em função da força do agronegócio, da força das corporações e das empresas de agrotóxicos.
Eu quero parabenizar todos aqui. Eu não pude estar presente nesta audiência pública desde o início, mas quero dizer que este debate é fundamental. Nós precisamos trazer para essa discussão as universidades públicas, que têm pesquisas sobre esse tema, a FIOCRUZ e todos os especialistas. Parabenizo o trabalho que a ANVISA vinha fazendo e espero que continue fazendo um grande trabalho. A orientação deste Governo para os demais órgãos é muito complicada, além de desmontar em parte as políticas públicas e, principalmente, a área de fiscalização.
Parabenizo todos os expositores. Quero dizer que respeitamos a opinião de todos. Parabenizo o Deputado Nilto Tatto e o nosso Presidente, Deputado Camilo Capiberibe, pela realização deste grande debate aqui sobre esse tema tão importante para a população brasileira e, principalmente, para a saúde pública e a natureza.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Deputado João Daniel, pela sua participação aqui nesta audiência pública.
Eu queria justificar mais uma vez a ausência do Presidente desta Comissão, Deputado Rodrigo Agostinho, e a do Deputado Nilto Tatto, que é proponente desta audiência pública. S.Exas. não estão neste momento aqui, porque são membros titulares da Comissão Especial que avalia a Medida Provisória nº 867, e está havendo uma sessão neste momento. Eu estou substituindo o Presidente aqui na presidência dos trabalhos, mas, evidentemente, os Deputados são entusiastas do tema que está sendo tratado aqui. S.Exas. gostariam de estar nesta Comissão, mas, infelizmente, não é possível estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Convido para fazer uso da palavra o Deputado Jose Mario Schreiner, do PP, Partido Progressista.
O SR. JOSE MARIO SCHREINER (DEM - GO) - Do DEM, Democratas.
Sr. Presidente, Deputado Camilo Capiberibe, que dirige com muita maestria esta sessão, os nossos comprimentos a todos os expositores que aqui se pronunciaram, às Sras. e aos Srs. Deputados.
15:58
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Eu penso que o que está sendo discutido aqui na tarde de hoje é de fundamental importância para o País e para todos os brasileiros, haja vista que nós precisamos analisar todos os lados e todas as questões inerentes quando existe um debate como este. Aqui está sendo debatida a questão da reavaliação do glifosato pela ANVISA.
Ficou claramente demonstrada, nos mais diversos países onde esse produto passou por avaliação de órgãos pares da ANVISA, nos Estados Unidos, países da Europa, entre outros, a sua origem, a sua não agressão principalmente à saúde humana. E é claro que o trabalho que é desenvolvido no Brasil, tanto pela ANVISA como pelo IBAMA, no que diz respeito às questões ambientais, e também pelo Ministério da Agricultura, com relação às questões agronômicas, deixa muito claro que o produto vem sendo acompanhado de perto.
Além do mais, são questões extremamente importantes a saúde humana e o meio ambiente, e, é claro, cito a viabilidade do glifosato e a importância que tem do ponto de vista agronômico.
Aqui foi citado o DDT. Eu citaria outro produto, o BHC. Lembro que, quando eu era menino muito pequeno, os meus pais usavam de forma indiscriminada esses produtos, que hoje, graças a Deus, estão eliminados do mercado. Mas outros produtos surgiram para substituí-los.
Quando falamos do glifosato, nós temos que ver também, além de tudo o que foi discutido aqui pelos nossos expositores, o que ele representa para todo o Brasil, sem deixar de considerar em momento nenhum a sua segurança quanto ao uso e às questões humanas.
Vamos analisar: qual é o maior ganho em termos ambientais que a agricultura brasileira teve nos últimos anos, ou em todos os tempos? É o plantio direto, sem dúvida nenhuma — você não precisa mexer em um palmo de solo, você não precisa arar 1 metro quadrado; simplesmente com a decomposição orgânica ano a ano, você vem enriquecendo o solo.
Digo mais: se hoje a agricultura do Brasil é o que é para o País e para o mundo, isso se deve, sim, às tecnologias que foram desenvolvidas aqui, por pesquisadores brasileiros. É a única grande agricultura tropical do mundo — nós não importamos, de forma nenhuma, técnicas nem ciência e tecnologia de outros países —, e foi desenvolvida por pesquisadores brasileiros, notadamente pela nossa EMBRAPA. E eu quero dizer que o glifosato tem uma importância extrema para esse modelo de produção. Oxalá nós possamos descobrir outros! Oxalá a ciência possa evoluir e possamos avançar também!
Então, o ponto de equilíbrio representa tudo.
Eu tenho aqui alguns números, que vou passar muito rapidamente a todos. Ao longo de 1 década, o setor seria impactado por perdas, por exemplo, na produção de soja, da ordem de 220 bilhões de reais — não é só o produtor que perde, é a população brasileira que perde, é o Brasil que perde, e nós temos que avaliar isso; na produção de milho, 184 bilhões de reais; na produção de algodão, 21 bilhões de reais. Considerando só esses números, nós estamos falando de quase 500 bilhões de reais que deixariam de engrossar o PIB brasileiro.
Portanto, quando discutimos assuntos como este, nós temos que deixar de lado a ideologia. Já discutimos muito no passado os organismos geneticamente modificados e agora discutimos o glifosato e outros produtos. Vamos ver qual será o próximo debate em relação a essas questões.
16:02
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Enfim, eu quero dizer a todos, neste momento, que nós temos que ter muito equilíbrio e pensar acima de tudo no nosso País.
São essas as palavras que eu queria deixar aqui, em defesa do Brasil e dos brasileiros.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Deputado Jose Mario, pela sua participação.
Está inscrito para falar o Deputado Vermelho, mas eu não o estou vendo aqui. Ele tinha outro compromisso, estava um pouco dividido, e se inscreveu achando que não fosse ser possível ficar. E infelizmente não foi.
Então, neste momento, convido para fazer uso da palavra a Sra. Antônia Ivoneide, que representa o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
A SRA. ANTÔNIA IVONEIDE - Boa tarde a todos.
Sou assentada da reforma agrária lá no Estado do Ceará.
Depois de ouvir aqui as exposições, e tenho todo o respeito pela pesquisa e pela tecnologia, quero trazer alguns elementos que foram aplicados aqui na Mesa. Nós precisamos desenvolver a pesquisa também. A questão é que nós trabalhadores... Eu não sou pequena agricultora, eu sou assentada da reforma agrária, sou da agricultura familiar.
Eu quero trazer duas questões que foram levantadas e que para mim são importantes.
Primeiro, quais pessoas têm o maior índice de intoxicação? São os trabalhadores que aplicam o produto, que têm um nível baixo de escolarização, de qualificação. E a pergunta é: por que será que são eles os verdadeiros prejudicados, os que estão aplicando o glifosato no campo? Porque os técnicos, superqualificados, como foram preparados, ou mesmo os donos, presidentes das grandes empresas, ou boa parte dos Deputados, a grande maioria, ou mesmo dos pesquisadores, que estão nos seus gabinetes bebendo água superqualificada, sob o ar superfiltrado que lá circula, não serão contaminados. Quem está sendo contaminado, intoxicado, é quem está lá no campo. Essa é uma questão que eu quero trazer. São eles os verdadeiros prejudicados, porque estão sendo contaminados, porque são os mais expostos ao agrotóxico.
O outro elemento que eu queria questionar. Eu tenho uma forte convicção. Pelas evidências, parece que a pesquisa está muito alinhada com os interesses políticos ou os interesses empresariais de quem paga para ela ser feita. Eu acho que há um certo exagero. Alguém toparia trocar um copo de vinho por um copo de glifosato? A gente explicou aqui que o glifosato é mais sadio do que um vinho, do que um bacalhau, e tal. Então, sobre as pesquisas, os estudos, os alinhamentos que são feitos, às vezes há um exagero no processo.
16:06
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Eu tenho todo o respeito pela pesquisa. O que nós precisamos pesquisar é o que há entre a Tramontina — e quero trazer as marcas mesmo — e o Roundup. Qual é a pesquisa que está sendo feita para tornar o trabalho menos penoso, menos assassino, com o uso de veneno, que intoxica, como está acontecendo? A gente precisa de tecnologia, sim, mas de tecnologia e pesquisa que sirvam para cuidar da vida das pessoas, cuidar da vida do meio ambiente, para vermos outras pessoas vivendo depois de nós, e não morrendo, e não sendo intoxicadas.
Pelo que eu consegui ler — eu não sou pesquisadora, sou camponesa — nessa revisão da ANVISA e em outras pesquisas é que não há comprovação que o glifosato seja cancerígeno. No entanto, é preciso aprofundar os estudos.
A gente não pode de fato exagerar — parece que a gente está brincando —, mas a Monsanto não teria sido multada em milhões se o glifosato não compusesse o agente laranja, que vitimizou e assassinou muita gente no Vietnã. Ela não teria sido já multada e condenada por conta disso.
Então, vamos avaliar e vamos estudar. Se foi feita alguma avaliação ou estudo, na comprovação do uso do glifosato com os inseticidas, com os outros venenos que são jogados junto com ele, a soma desses produtos não é mais agressiva? Qual é o estudo e a análise que estão sendo feitos?
O outro elemento também — encerro agora — é que dizem que o trabalhador tem direito a escolher o que quer usar na sua lavoura. Eu pergunto: como resolver a situação daqueles que escolheram não usar veneno, que querem produzir de forma diferente, e estão sendo contaminados porque as lavouras vizinhas contaminam a sua água e a sua lavoura, que estão ali perto?
Era isso.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Agradeço a exposição e as pertinentes perguntas feitas pela Antônia Ivoneide, representante do MST.
Neste momento, nós vamos passar à participação dos internautas, através do e-Democracia.
Apenas como encaminhamento, quero dizer que, ao final das perguntas, nós passaremos a palavra aos componentes da Mesa para que possam fazer a abordagem final e responder aos questionamentos que lhes tiverem sido endereçados.
A participante Evelyn Santos encaminhou duas perguntas.
A primeira pergunta é: "O limite máximo de resíduos do glifosato em água potável no Brasil — 500 microgramas por litro — é 5 mil vezes maior do que na União Europeia — 0,1 micrograma por litro. Qual o motivo de não adotarmos os mesmos critérios dos países desenvolvidos? Os limites atuais não protegem a população dos danos e escondem legalmente o problema!"
A segunda pergunta é: "Quanto ao limite 200 vezes maior para o máximo de resíduos do glifosato em alimentos no Brasil — 10 miligramas por quilo — em comparação à União Europeia — 0,05 miligramas por quilo —, qual o motivo de não adotarmos os mesmos critérios dos países desenvolvidos para proteger a nossa população? Os limites atuais não dizem nada."
A participante Tânia Rabello também faz duas perguntas.
"Em 2018, Blairo Maggi disse que, caso o glifosato fosse proibido no País, não haveria saída para agricultura. 'É muito importante dizer: não há saída sem o glifosato' — disse."
Primeira pergunta: "Não preocupa o setor a extrema dependência pelo glifosato?"
16:10
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Segunda pergunta: "Ninguém se importa com tamanha dependência de um único produto?"
Finalmente, o participante Assis Marinho Novo pergunta: "O glifosato possibilitou o plantio direto e o uso de transgênicos no Brasil. Sem ele, o uso de mão de obra seria maior, os custos subiram e o mundo teria dificuldade de alimentar 9 bilhões de pessoas. Há alguma alternativa, senhores?"
Neste momento, eu passo a palavra aos expositores, começando pelo Sr. Daniel Roberto Coradi, que coordenou o processo de reavaliação de agrotóxicos da ANVISA — Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
O senhor tem a palavra para responder aos questionamentos e fazer as suas considerações finais.
O SR. DANIEL ROBERTO CORADI DE FREITAS - Obrigado, Deputado Camilo.
Bom, não foi direcionada nenhuma pergunta a mim. Eu vou fazer algumas considerações sobre o que foi falado pela Antônia, do MST, e pela Evelyn, uma das pessoas que mandaram perguntas pela Internet.
A Antônia falou sobre os índices de intoxicação. De fato, como mostramos na avaliação, a intoxicação por glifosato é uma grande preocupação. A ANVISA, de forma alguma, está dizendo que o glifosato não é tóxico. Não é isso que nós estamos dizendo; nós estamos dizendo que, neste momento, com o conhecimento científico atual, ele não causa câncer, não é teratogênico, não causa desregulação endócrina etc. Não quer dizer que ele não seja tóxico. Ele é tóxico, tanto que estabelecemos um limite máximo de exposição de um trabalhador ou no alimento que as pessoas vão comer, sem que esse valor, sem que essa exposição leve a algum dano.
Esses são parâmetros científicos da base da toxicologia. O Prof. Zambrone está aqui e pode nos dar uma aula sobre isso. São os valores que estabelecemos como limite de segurança. Isso é estabelecido para qualquer produto, inclusive para medicamentos. Para qualquer produto que o ser humano usa, são estabelecidos esses limites. No caso do trabalhador, o limite estabelecido pelo AOEL é de 0,1.
Nas intoxicações agudas, não se considera esse valor; já se observa o fenômeno da intoxicação e o aparecimento dos sintomas. Elas estão muito acima desse valor. Então, a pessoa é intoxicada agudamente, com um valor provavelmente muito acima da quantidade permitida. Por isso é que apareceram sintomas agudos. Esses valores são considerados para estabelecimento das doses que alguém pode receber durante a vida.
Por isso é que as medidas de mitigação da ANVISA focam nos trabalhadores. Todo o nosso processo de reavaliação foi conclusivo no sentido de que os mais expostos são os trabalhadores, tanto pelas intoxicações agudas — e nós temos que trabalhar junto com o MAPA e junto com os Estados, para que a fiscalização seja reforçada, para que o uso seja adequado e para que não haja intoxicação aguda — quanto pelas medidas de mitigação propostas para que não se atinja o limite máximo de exposição, chamado AOEL.
Então, essas foram as medidas principais que a ANVISA considerou na sua reavaliação. Há algumas outras medidas adicionais. Estão todas disponíveis lá na Consulta Pública. Isso é só para fazer uma colocação no contexto que a Antônia nos apresentou.
16:14
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Quero esclarecer que a ANVISA tem fortalecido muito a área de reavaliação. Há 2 anos, tínhamos dois servidores fazendo reavaliação, hoje temos cinco. A minha equipe hoje tem cinco servidores. Nós queremos que esse número aumente muito, porque ainda é insuficiente, mas, para aumentá-lo, precisamos reformular todo o processo de trabalho da ANVISA e ter mais servidores fazendo reavaliação, para de fato retirar aquilo que causa dano mesmo, aquilo que é o motivo de preocupação mais contundente da agência. Portanto, a agência tem se preparado para retirar o que precisa ser retirado e mitigar aquilo que pode ficar no mercado. Esses são os parâmetros de trabalho que a reavaliação busca.
A Evelyn coloca a questão do VMP da água do Brasil e de toda a Europa. Nós já respondemos isso várias vezes, inclusive há nota técnica do Ministério e da ANVISA sobre isso. De fato, o limite permitido para o glifosato na Europa é 5 mil vezes menor que no Brasil, mas a Europa não estabeleceu esse limite só para o glifosato, a Europa estabeleceu esse limite para qualquer agrotóxico. Esse é o limite que eles estabeleceram como um critério político, e não de risco, porque os agrotóxicos são diferentes. Se houvesse um limite único para todos os agrotóxicos, isso significaria que a toxicidade deles é igual, mas não é assim que ocorre. Então, a Europa estabeleceu isso como um padrão de potabilidade da água na Zona do Euro, na União Europeia.
No Brasil, nós estabelecemos o valor máximo permitido de resíduo de glifosato baseado numa avaliação de risco, ou seja, consideramos aqueles valores máximos de exposição que eu mostrei numa tabela aqui. Essa tabela mostra que, no caso do Brasil, para dietético, a ingestão diária aceitável, ou seja, o risco de se consumir isso cronicamente é de 0,5. Esse valor é suficiente para garantir que não haja uma exposição acima do limite aceitável, dado o conhecimento científico atual.
Então, é muito diferente o modo de estabelecer o parâmetro na Europa e no Brasil. E a União Europeia é o único local que estabeleceu assim. O nosso limite, por exemplo, é menor do que o dos americanos. E a EPA é bastante forte e tem um processo regulatório bem robusto.
Sobre alimentos, essas diferenças de resíduos em alimentos levam em consideração a dieta das populações. Então, não dá para dizer que aqui é mais permissivo ou menos permissivo. Por quê? Porque aqui comemos diferente de outros países. Toda avaliação de risco que a ANVISA faz, considerando os resíduos máximos permitidos nos alimentos, leva em consideração a pesquisa do orçamento familiar feita pelo IBGE, que coleta informação do que as pessoas estão comendo. Baseado nessa dieta, que é feita inclusive por Estado, conseguimos identificar onde o risco é maior por Unidade da Federação e estabelecemos os limites máximos permitidos. Então, é possível que seja diferente, porque se come diferente. Então, ninguém come feijão como se come no Brasil. Na Europa, o limite de resíduos para feijão pode ser muito maior do que o nosso, porque comemos bem mais que eles, e pode ser o contrário para outros alimentos, como batata, por exemplo. Dependendo da região onde você está, você pode estabelecer limites diferentes.
Então, esse é o racional para se estabelecer. Todo estabelecimento de critério, de limite de resíduo, tudo isso é baseado em conhecimento científico. É assim que agência tem se pautado. Não tem nenhum valor além da ciência. E isso do ponto de vista da reavaliação.
16:18
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No nível de decisão da Coordenação de Reavaliação, somos capazes de recomendar a retirada de produto que podem causar um alto impacto econômico. Recomendamos, por exemplo, e ANVISA aprovou, a retirada do ingrediente ativo paraquat, um ingrediente ativo que tem alto poder de causar impacto econômico. Até o momento ele está banido. Em 2020, ele sai de circulação, se nada ocorrer de diferente no conhecimento científico.
Então, nós também fazemos essas retiradas de produtos, mesmo aqueles que causam grande impacto econômico. O carbofurano foi outro que também banimos, e isso causou um grande impacto. O carbosulfano não foi banido, mas sofreu uma restrição enorme em alimentos, causou impacto, e a agricultura teve que se adaptar.
Agora, a saúde prevalece. E é assim no mundo todo. São as agências de saúde e ambiente que definem normalmente os processos de reavaliação. Neles que devemos nos basear.
Então, eu queria dizer isso.
Não sei se vai haver outras rodadas, mas, se não houver, eu agradeço a oportunidade de participar. Quero agradecer a V.Exa., Deputado Nilto Tatto, o convite e dizer que a agência está totalmente aberta para receber os Parlamentares e para esclarecer sobre esse processo de avaliação. Podemos marcar audiência com os técnicos especializados da ANVISA. A equipe de reavaliação tem técnicos altamente especializados, todos têm mestrado, um tem doutorado. Então, todos estudam isso profundamente para garantir que a população não tenha risco quando consome os alimentos ou os trabalhadores, quando estão trabalhando. Se seguirem as regras recomendadas pela ANVISA, temos garantido que a segurança está estabelecida.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Daniel.
Na sequência, passo a palavra à Dra. Letícia Rodrigues.
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - Obrigada, Deputado Nilto Tatto.
Vou tentar responder algumas questões aqui.
O Deputado Vavá Martins, especificamente em função das controvérsias existentes, perguntou se o glifosato deveria ser proibido ou liberado. Liberado ele está. Então, eu vou contar um pouquinho da minha experiência.
Antes do Daniel, quem estava nessa função era eu, quando havia duas pessoas na ANVISA, até o início de 2013. Então, uma experiência pela qual nós passamos, eu particularmente, enquanto estava coordenando essa área, foi em relação a um ingrediente ativo que estava em reavaliação. Esse ingrediente tinha 11 estudos, naquela basezinha da pirâmide lá, conduzidos em boas práticas de laboratório, etc., que demonstravam que o produto tinha efeitos reprodutivos, mas, ainda assim, houve uma liminar para manter o produto por um determinado período no mercado — com 11 estudos demonstrando que ele tinha efeitos reprodutivos.
Então, o que acontece? O glifosato, nessa base da pirâmide — que é o que hoje indica para a agência reguladora se ela pode manter ou não o produto no mercado, que são os estudos gerados em boas práticas de laboratório —, não tem estudos que demonstram a carcinogenicidade dele. A agência até poderia proibir o glifosato, mas, no dia seguinte, vai haver uma liminar mantendo o glifosato no mercado, porque ele não tem os estudos que hoje são utilizados para esse embasamento. E não é só para o glifosato, mas para todos os outros 380 ingredientes ativos químicos. Todos eles passam por esse mesmo tipo de avaliação. Então, não haveria essa base. É por isso que eu falei que o que está em jogo, o que se discute é qual o critério, qual o tamanho da régua, a altura da régua que se estabelece, qual a metodologia de análise que se estabelece e o peso de evidência. Hoje há uma primazia nos estudos conduzidos em laboratório e um peso menor para outros estudos que foram gerados ao longo do tempo, como estudos sem BPL e estudos com formulações.
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Então, essa é uma decisão política, uma decisão prevista em lei. No entanto, a ANVISA, com base nos seus estudos, pode tomar uma decisão. Eu estava à frente da reavaliação do glifosato até 2013, e a própria nota da FIOCRUZ não demonstrava que ele possuía essas características. Em 2015, a agência de pesquisa sobre o câncer da OMS estabeleceu esse critério e essa classificação diferenciada. Então, não existe essa fundamentação hoje de que o glifosato está proibido com base nisso. Pode-se buscar, se o Congresso entender, outros critérios. E aí sim, com base nesses outros critérios, pode-se buscar uma ampla reavaliação de todos os produtos que estão no mercado. E a ANVISA vai ter que fazer isso.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - Mas podem ser estabelecidos, com base na ciência, outros critérios mais para baixo, mais restritivos, como é o caso da União Europeia e de outros países, ou critérios mais para cima. Isso depende do Congresso. É o Congresso que estabelece isso, e quem estiver avaliando — a ANVISA ou o IBAMA — vai ter que se balizar por esses critérios estabelecidos, por essa régua que está estabelecida. E o próprio Judiciário vai julgar com base nessa régua. É com base nessa lei que o Judiciário vai julgar.
Eu quero responder às duas perguntas que parecem ser opostas, mas, na verdade, são muito parecidas. A primeira pergunta é da Antônia Ivoneide, que diz o seguinte: "Olhe, nós temos casos de intoxicação, nós temos uma série de problemas associados aos agrotóxicos". E, na outra ponta, a pergunta que chegou por e-mail diz assim: "Como é que fica em função dessa dependência de um único ingrediente ativo?"
Em relação às políticas públicas, precisamos estabelecer um sistema que funcione. Por exemplo, a ANVISA faz uma avaliação, o MAPA faz uma avaliação de eficácia agronômica, o IBAMA faz uma avaliação ambiental, e o produto é autorizado. Depois dessa autorização, é preciso ter mecanismos para fazer um monitoramento sobre o tipo de efeito que esse produto está causando na população, se ele está dentro dos limites de resíduos para que seja aplicado, se está causando intoxicação. E, além do monitoramento, é preciso determinar a fiscalização para verificar se as recomendações e as especificações estão sendo seguidas para que o produto seja registrado. Além das fiscalizações, é preciso fazer reavaliações constantes, porque a ciência vai mudando, o conhecimento científico vai avançando. Além disso, é necessário revisar isso, ver se as normas estão adequadas ou não e fazer um planejamento estratégico. Se não houver um planejamento estratégico, pode ser que os órgãos governamentais autorizem sempre os mesmos ingredientes ativos ou ingredientes ativos de um mesmo fabricante. Por exemplo, nós temos acompanhado na universidade quem são os fabricantes e os fornecedores dos produtos técnicos. Nós verificamos, nos últimos anos, em várias autorizações que há um mesmo fabricante para vários ingredientes ativos. É um fabricante chinês. Esse fabricante tem um capital social aqui no Brasil de 30 mil reais. Ele faz a distribuição e o fornecimento de produtos técnicos para várias empresas diferentes. Se acontecer algum tipo de problema com esse produto — e inclusive não só o produto técnico, ele próprio tem produtos formulados e registrados —, como esse fabricante vai arcar com as consequências? Como os produtores vão buscar indenização, sendo que esse fabricante aqui no Brasil tem um patrimônio de 30 mil reais?
16:26
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Só para esclarecer. Quem cobra a responsabilidade em caso de haver algum problema? É a ANVISA? Quem é?
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - Poder ser, inclusive, um particular, no caso de um produto ter causado uma fitotoxidade na lavoura. Não estou nem falando de questão de saúde ou de ambiente. O produto pode ter causado um dano ambiental ou um problema de saúde. Então, um particular pode cobrar essa responsabilidade se o produto tiver causado uma fitotoxidade.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Eu sei que ele pode mover uma ação de indenização, por exemplo, contra essa empresa.
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - Exatamente. O capital social dessa empresa é de 30 mil reais.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - A senhora está fazendo uma revelação aqui que mostra que qualquer instituição ou qualquer pessoa que tenha sofrido algum dano com algum desses produtos, liberados a partir do relatório dessa empresa, vai dar com os burros n’água, porque não vai ter reparação. É isso que a senhora está dizendo aqui?
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - É.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Então, cabe a quem avaliar isso no Estado brasileiro? E avaliar no sentido de verificar se tal empresa tem condições para poder encaminhar um pedido de registro, fornecer um laudo ou um relatório. A legislação prevê isso?
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - Não. A legislação hoje não exige que seja demonstrada capacidade financeira pelo requerente de registro. Qualquer um pode requerer, pessoa física ou jurídica.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Isso é importante para nós. Isso mostra a responsabilidade que nós temos aqui.
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - Por exemplo, existem empresas com capital social de mil reais que têm registro de produtos.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Já está esclarecido. Obrigado.
A SRA. LETÍCIA RODRIGUES - Essa é a situação.
Então, é importante que o Congresso faça esse planejamento estratégico, a fim de verificar se todos os produtos não têm o mesmo mecanismo de ação, para que não haja a dependência de um único ingrediente ativo para o controle de determinadas pragas ou doenças e de um único fabricante. Isso aconteceu, recentemente, com uma dessas fábricas que explodiu na China. Ela era fornecedora de uma matéria-prima para um componente que atinge vários produtos formulados. Então, esses produtos vão ter que mudar de formulação, vão sofrer alterações, porque um único fabricante detinha essa matéria-prima.
16:30
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Então, são coisas que demandam um planejamento estratégico muito grande de um país como o Brasil, cuja economia está centrada basicamente na agricultura. Eu não estou dizendo aqui para proibir o glifosato. Não, não se trata de proibir o glifosato, mas de estabelecer regras claras, indicando se determinado produto oferece segurança para saúde, para o meio ambiente e para a agricultura. Essas são as regras. Vamos exigir capacidade econômica, por exemplo, dos registrantes. Isso fornece segurança para o produtor rural que utiliza produtos desses fornecedores, em caso de haver algum tipo de dano, tanto para a saúde, quanto para o meio ambiente e para a própria fitossanidade.
Era isso que eu gostaria de deixar registrado. Há um espaço imenso para se trabalhar com o planejamento estratégico, com um sistema integrado que funcione para além das avaliações e das liberações de produtos, com um monitoramento que funcione e com fiscalizações e reavaliações. E me parece que não há esse privilégio hoje, essa primazia dentro do Governo, devido ao fato de que as equipes são muito minguadas para fazer esse tipo de trabalho, tanto as equipes do Ministério da Agricultura, quanto as equipes da ANVISA e do IBAMA.
Então, independente do sistema que vier a ser adotado, vamos mudar. Se vai ser a avaliação do risco agora ou vai se manter a avaliação do perigo, não importa. Nós precisamos de pessoas e de instrumentos que façam isso adequadamente.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Letícia.
Antes de passar a palavra para o Reginaldo Minaré, concedo a palavra ao Deputado Crispin, por 2 minutos.
O SR. NEREU CRISPIM - Eu havia me inscrito antes, mas eu tive que sair. E, quando voltei, a Letícia já estava respondendo às perguntas.
Eu só queria fazer uma consideração. Todas as informações passadas aqui foram relacionadas ao glifosato. Se o glifosato é ou não cancerígeno, etc. A situação é muito mais complexa. Por exemplo, quem aplica o veneno na região da pequena agricultura? É o agricultor, antes de plantar, depois de plantado e depois de colhido, três a quatro vezes por ano. Quantas vezes essas pessoas estão expostas a essa situação?
A minha sugestão é no sentido de buscar uma parceria entre a ANVISA, os institutos e as universidades ligadas à agricultura para que façam uma pesquisa nessas regiões onde há maior incidência de câncer hoje, que são exatamente as regiões onde estão localizadas as pequenas propriedades, porque na grande propriedade o fazendeiro da CNA nunca vai estar contaminado. Quem vai estar contaminado, provavelmente, é o operador de máquina que aplica o veneno duas ou três vezes. Eu acho que teria que se fazer isso.
Outra sugestão que entendo importante é o estabelecimento de normativas. Hoje, por exemplo, existe uma restrição da Rússia com relação à importação da nossa soja, porque tem 20 vezes mais resíduos de agrotóxicos permitidos pela legislação. Por que tem agrotóxico na semente da soja? Porque é aplicado secante para facilitar a colheita, depois que o grão está formado. Isso vale para o milho, isso vale para os outros todos. Então, eu acho que nós poderíamos estabelecer regras com relação a isso.
16:34
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Em terceiro lugar, a Universidade Federal de Santa Catarina, no campus de Curitibanos, em parceria com outras universidades, como a de Mato Grosso, fez um estudo sobre a água. Eu acho que nós, no Brasil, deveríamos fazer um censo nacional sobre a incidência de agrotóxico, produtos químicos e venenos nas águas que nós consumimos. Se isso for feito, com certeza, o Brasil vai se arrepiar ao saber do que nós estamos engolindo de veneno todos os dias, não tanto no alimento, mas muito mais na água. Acho que é um assunto que valeria a pena se trabalhar, porque são todos indicativos de como nós estamos vivendo.
Eu moro num pequeno sítio lá no Município de Ipumirim, onde há 7 mil habitantes. O Secretário de Saúde disse para mim que não poderia divulgar, não poderia publicar o dado de que de 7 mil habitantes 800 pessoas estão com câncer. Há pessoas lá com 35 anos, com 40 anos. Quando havia incidência de câncer lá? Quando a pessoa estava com 60 anos, 70 anos. Então, acho que são coisas que precisam ser pesquisadas, porque só a análise de institutos, organizações e metodologias não dão conta do problema que nós estamos vivendo no Brasil.
Obrigado, Presidente.
Parabéns por ter tomado a iniciativa deste evento tão importante!
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado.
Passo a palavra já ao Dr. Reginaldo Minaré.
O SR. REGINALDO MINARÉ - Vou fazer uma observação sobre a pergunta da internauta a respeito da dependência de produto. Diferente, por exemplo, do fungicida, do inseticida, aos quais existe alternativa, não há substitutivos biológicos ao famoso "mata mato" — essa é a classificação do glifosato. Há a enxada, há o trator e há o produto. Então, o custo-benefício desse produto o fez se tornar um produto bastante utilizado. É um produto que está em domínio público, não é um produto patenteado. E o mercado é aberto. O concorrente que, porventura, trouxer um produto mais eficiente certamente vai causar uma situação disruptiva com o glifosato ou com qualquer outro herbicida. Então, é uma situação de haver um produto disponível no mercado cujo custo-benefício é interessante para a prática agrícola.
Quanto a estudos com relação ao glifosato ou qualquer outro produto, um estudo científico bem feito, sério, com metodologia adequada, em qualquer área é sempre muito bem-vindo, independentemente do resultado, se for positivo ou negativo para esse ou aquele produto. O resultado é sempre elucidativo, é sempre muito bem-vindo. Então, a agricultura não tem nenhuma restrição a que se façam os estudos, a que outro produto venha a substituir o glifosato. Mas é preciso que tenha competitividade, porque precisamos falar de competitividade quando se vai substituir um produto.
A Bolsa de Chicago, quando estabelece o preço da soja, não quer saber se o custo do agricultor brasileiro está acima ou abaixo — o preço é aquele. Ou ele leva o custo àquele patamar que lhe garanta ainda um pouco de renda, ou ele está fora do mercado. Essa é a regra que está posta aí.
16:38
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Então, o glifosato tem uma utilização maior dentro da categoria dos herbicidas por conta desse custo-benefício que oferece à agricultura. Mas não temos apego ao produto, desde que haja a substituição por outros, no futuro, que venham a ofertar esse tipo de competitividade para a agricultura. Nesse ponto, não nos preocupa haver um produto sendo mais utilizado do que os outros. Essa é uma questão de mercado. Provavelmente, se a Apple e a Samsung pararem de vender celular, vai haver uma dificuldade momentânea no mercado, até que haja um ajuste. Então, essa é a nossa forma de observar a dinâmica dos insumos da agricultura de uma forma geral, inclusive os defensivos, os herbicidas, que não sofrem com essa competição dos biológicos e de outras práticas.
Era isso. Fico por aqui, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Reginaldo.
Passa já a palavra para o Flávio Zambrone.
O SR. FLÁVIO ZAMBRONE - Obrigado, Deputado Nilto. Eu vou ser bem breve. Eu queria, primeiro, agradecer a paciência de vocês, porque nós usamos alguns termos que são técnicos e que nem todo mundo consegue acompanhar, mas o tema é realmente complicado, muito difícil.
O Deputado João Daniel me fez uma pergunta direta, sobre quem paga essas instituições que eu apresentei. Eu queria só esclarecer a ele que são todas instituições públicas. Então, eu imagino quem paga é o contribuinte. Não há, na minha apresentação, nenhuma instituição privada que tenha feito alguma avaliação e que tenhamos citado ali. São todos órgãos públicos.
Finalmente eu gostaria apenas de contribuir. Já estou quase aposentando as chuteiras. Mas quero dizer que — infelizmente não sei o nome do senhor — eu concordo com o senhor em que nós vamos nos surpreender muito quando tivermos dados adequados sobre informações de causas de doenças. E não creio que vai ser tanto na linha que o senhor está colocando. Nós vamos ter surpresa porque nós não sabemos nada hoje. Nós fazemos associações e correlações. Eu não estou dizendo que são válidas ou inválidas, reais ou não. São preocupações e percepções que têm que ser respeitadas.
Mais do que pesquisa, do que incentivo a pesquisa nessas áreas, faço uma sugestão, com toda a humildade de cidadão, para esta Casa, de que haja o fortalecimento das instituições de saúde, para que sejam eficazes e eficientes, tenham dados corretos e concretos, não só para tratar, mas para avaliarmos corretamente quais são as situações e as causas. Talvez isso seja mais urgente e mais primordial para o nosso avanço do que irmos por uma área de uma pesquisa pontual, ou uma outra. Eu sei que está relacionada com o assunto em pauta, mas talvez não tenhamos fôlego para tanto esforço ao mesmo tempo.
É só isso.
Mais uma vez agradeço. Muito obrigado pela atenção e pela gentileza de me deixarem expor os meus pensamentos.
16:42
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Flávio Zambrone.
Antes de encerrar, quero agradecer a todos vocês que vieram aqui contribuir com este rico debate, mais do que necessário. Todo mundo vem acompanhando o quanto isso está chamando a atenção do povo brasileiro, da sociedade. Em todo momento há notícias relacionadas à questão dos agrotóxicos. Evidentemente, com mais intensidades nesses primeiros meses de Governo Bolsonaro, que, como disse no início, tem batido todos os recordes na liberação de novos agrotóxicos. Isso é o que nos preocupa a partir daquilo que vivenciamos hoje neste debate.
Vi aqui, por exemplo, o argumento de que não dá para termos a classificação e analisarmos a quantidade de veneno, comparando determinado produto aqui com determinado país. Pegamos o exemplo da água. A água que é consumida pelo ser humano aqui dificilmente vai ser mais ou menos diferente da consumida pelo ser humano que está na Finlândia, na Groenlândia, nos Estados Unidos ou na Europa. No entanto, a nossa legislação permite muito mais do que aquilo que tem na União Europeia. Estou só pegando um exemplo.
Eu acho que ficou patente que o centro, o objeto desta audiência pública era saber o porquê dessa reavaliação. E aí fica claro aqui que, quando você analisa o glifosato isoladamente — eu não sei os termos técnicos —, mas você não o usa isoladamente... O uso é sempre numa composição. E mais, aquilo que o Deputado Fritsch falou. Eu também já vivenciei isso. Quando você chega à casa do agricultor, perto do paiol, ele tem um galão no qual ele mistura quatro, cinco, seis agrotóxicos diferentes. Não está dito para ele que ele não pode misturar os agrotóxicos. Eu imagino o que pode acontecer com essa mistura química. Eu não sei se tem alguém que usa isoladamente somente um agrotóxico.
A Dra. Letícia tem razão e dialoga com a preocupação da agricultura, que é o custo-benefício da produção. Você não tem um substituto para o Mata Mato, você não tem um substituto para o glifosato. Mas, quando você tem uma população numa cidade de quantos mil habitantes, Deputado Fritsch?
(Não Identificado) - Oito mil habitantes.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Oito mil habitantes, 700 pessoas com câncer... Quem está ouvindo aqui sabe que a incidência de câncer, de Parkinson, de Alzheimer... Estou falando de doenças cujas pesquisas dizem que boa parte delas está relacionada ao uso de agrotóxicos na produção de alimentos.
Então, às vezes, para o produtor, o custo-benefício ou até para o País, do ponto de vista de disputar o mercado, é importante você envenenar o meio ambiente, matar os insetos, matar as abelhas, comprometer o solo, comprometer a água, os mananciais, envenenar a população. Então, é outra conta que uma hora precisaremos ter a responsabilidade de fazer neste País. Quanto o Estado, quanto a sociedade brasileira gasta com saúde para curar doenças causadas pelo alimento que consumimos? No dia em que fizemos essa conta, nós vamos precisar entender qual é o custo-benefício do modelo de agricultura, fazer esse debate.
16:46
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Depois, teremos que fazer outro debate, que ficou muito patente durante o processo de discussão do PNAE, no ano passado. O Tribunal de Contas — inclusive é uma recomendação do próprio Tribunal de Contas — tem um relatório que diz que damos cerca de 1 bilhão e 200 milhões por ano de benefício fiscal só para a cadeia do agrotóxico. É o imposto que o povo brasileiro paga, que todo mundo paga. Depois, isso é revertido para a cadeia do agrotóxico. Não estou dizendo que a agricultura não tenha que ser subsídio. A agricultura, em todo o tempo, em toda a história, precisou de subsídio, precisa e vai precisar pelos próximos 10, 12, 15, 20 mil anos. Nos próximos 10, 12, 15, 20 mil anos, inclusive se o modelo de agricultura não sofrer mudanças, porque também pode contribuir para acabar com o planeta. Estou falando que vamos precisar desse debate.
O problema é que é uma decisão política. Eu volto àquilo que Dra. Letícia falou. É uma decisão política definir a área em que será colocado o subsídio; é uma decisão política liberar aquele agrotóxico; é uma decisão política liberar, esclarecer e dizer que ele não é cancerígeno, desde que isso, isso, isso e aquilo. Quando você libera e diz claramente que não é cancerígeno, você passa uma mensagem, você passa uma informação. É uma informação falsa, errada, porque sabe que ela não será usada de forma isolada.
Eu quero inclusive fazer um elogio à ANVISA, aos técnicos da ANVISA. Nos últimos tempos, os técnicos da ANVISA tiveram coragem, no momento em que tiveram oportunidade, tiveram condições de trabalhar, de fazer os enfrentamentos necessários para produzir o conhecimento e as informações que têm subsidiado estudos de universidades, do Instituto do Câncer e de várias instituições que têm feito pesquisas.
Eu quero crer que neste momento também não haja intervenção política, porque eu não acredito que um pesquisador faça um relatório cego e diga: "Olha, eu estou analisando só isso. Portanto, pediram-me para fazer só isso..." Ele tem conhecimento de que, a partir do momento em que ele fez aquela análise, aquele processo está em andamento. Nenhum pesquisador faz trabalho burro, porque ele entende que, mesmo fazendo parte de um processo, tem conhecimento do processo seguinte. Não que ele vá pesquisar e vá conhecer o assunto com profundidade, mas ele tem clareza e tem noção do que vem na sequência, de que o resultado daquilo que ele vai fazer tem sentido para frente, que será usado em qualquer pesquisa, em qualquer área do conhecimento. Isso é uma regra básica de qualquer pesquisador. Ninguém produz conhecimento ou faz pesquisa para si só, para nada; a pessoa a faz para alguma coisa, para alguma coisa que tenha sentido e que tenha sequência. Então, quero crer que de repente hoje a ANVISA não esteja numa pressão de fazer pesquisa curta — para não usar outro termo; quero crer que de repente ela tenha responsabilidade. E, mais do que nunca, esta audiência pública mostra que temos que trazer de volta para esta Casa, nesta nova legislatura, o debate que fizemos no ano passado. O debate sobre o modelo de agricultura baseado no uso intensivo de agrotóxico tem que ser um debate com responsabilidade e não um debate mediado pelos interesses econômicos que estão por trás da cadeia da produção de alimentos neste País.
16:50
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É uma irresponsabilidade aqui não olharmos os impactos desses agrotóxicos no meio ambiente, na saúde das pessoas, na agricultura brasileira, do ponto de vista estratégico, do ponto de vista de futuro, entendendo o que está acontecendo no mundo. O mundo inteiro não está fazendo só análise de pesquisa, está tomando decisões políticas a partir do conhecimento que se está produzindo dos impactos desses agrotóxicos.
O mundo inteiro está tomando essas decisões, e estamos indo na contramão. Não há nenhum país que esteja seguindo a linha que estamos adotando aqui. Não há nenhum país que faça discussão séria sobre os agrotóxicos que esteja discutindo, por exemplo, um projeto de lei que tenta flexibilizar a legislação do agrotóxico, como o que foi debatido aqui no ano passado — não há nenhum, nem entre aqueles países com menos condições econômicas ou de desenvolvimento da própria ciência do que o Brasil.
Então, acho que isso nos traz a lição de que precisamos trazer esse debate novamente. E esse debate não pode ficar restrito a esta Casa; esse debate tem que estar na Academia, nos movimentos populares, nas escolas, nos sindicatos. Esse não é um debate que tem a ver só com quem está em risco, com os produtores, com quem está manuseando os agrotóxicos; é um debate que tem a ver com o alimento que estamos comendo. Então, isso é nossa responsabilidade.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Sim, Deputado. Eu ia encerrar... Sim, Deputado. Por favor.
O SR. DARCÍSIO PERONDI (Bloco/MDB - RS) - Serei bem breve. Quero cumprimentar, em nome da Liderança do Governo, os promotores desta audiência pública. Eu queria participar desde o início, mas estava cobrindo a segunda reunião na reforma da Previdência.
Darei um rápido depoimento. Fui o Relator final da Lei de Biossegurança. Está aqui na mesa o Dr. Reginaldo Minaré, um dos consultores, e o Dr. Flávio, que ajudou na época também. Moro numa região que planta soja e milho e sou médico. Foi impressionante o que ocorreu quando entrou o glifosato, substituindo os venenos, de que o senhor está falando — o senhor não está falando do glifosato, com certeza —, diminuíram as crises convulsivas, as desidratações, as internações de emergência, na nossa região.
Aqui há depoimentos de 13 agências internacionais que o analisaram.
16:54
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E quero fazer um registro acerca do trabalho da ANVISA, do Dr. Daniel e de toda a equipe da agência. De 2 anos para cá, quando surgiu essa questão do glifosato, ela foi dedicada, sóbria, e encomendou dois estudos — não sei se foram mostrados aqui: um à FIOCRUZ, que questionava a transgenia em 1998/2000, e o segundo de outro órgão.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. DARCÍSIO PERONDI (Bloco/MDB - RS) - Então, a ANVISA preocupou-se, aprofundou-se no tema, e por isso vem aqui com a sua posição clara.
Viva quem inventou o glifosato!
E no Parlamento, naquela época, houve uma intensa discussão, acho que de uns 2 anos. Até alguns fundamentalistas queriam queimar as lavouras de soja, mas não venceram, e o glifosato se impôs. É um dos venenos mais fracos que existem. É óbvio que é um veneno — é preciso controle —, mas está servindo. E veio, ao contrário do que dizem, para salvar a saúde do agricultor, não só no Brasil mas no mundo inteiro.
Mas que nós temos que ter cuidado, sim, com as novas drogas é evidente, concordo com o Deputado Nilto.
Parabéns à ANVISA pela posição que tomou!
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Acho que aqui vemos, até como o próprio Líder do Governo mostra, a conjuntura que estamos vivendo, o que temos hoje no centro do Governo, a ideia de fazer aquilo que é a contramão do que está correndo no mundo todo.
É importante esclarecer que os estudos e as pesquisas mostram o aumento da produtividade 15 anos antes da liberação dos transgênicos, comparado com os 15 anos depois da liberação dos transgênicos — estamos fazendo os estudos 15 anos depois. E mostramos claramente que a produtividade era maior com o melhoramento das sementes do que com os transgênicos.
O SR. DARCÍSIO PERONDI (Bloco/MDB - RS) - Não, Deputado Nilto, não! Não diga isso, Deputado Nilto!
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - E que o aumento da produtividade no Brasil se deu com a expansão da agricultura no Cerrado e na Amazônia. Estou falando isso porque o argumento para a liberação dos transgênicos na época era o aumento de produtividade. Este era o argumento: aumento de produtividade e lucratividade.
Então esse é o debate necessário. Hoje ficou muito patente isso aqui. Ficou muito patente, então, que país queremos, que agricultura queremos, se vamos atender ao interesse do País ou se vamos subordinar a nossa agenda, a nossa agricultura aos interesses de meia dúzia de conglomerados que dominam a agricultura no mundo inteiro, desde a produção dos insumos até a produção do remédio para curar as doenças.
Essa informação, inclusive, de que, com o uso do glifosato, diminuiu a incidência de doenças causadas pelos agrotóxicos...
O SR. DARCÍSIO PERONDI (Bloco/MDB - RS) - Do glifosato, sim!
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - ...é uma informação que carece...
O SR. DARCÍSIO PERONDI (Bloco/MDB - RS) - Não desvie, Deputado Nilto! Não desvie!
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Não, estou falando. Estou dizendo que, após a utilização do glifosato... Olhem a informação que o Líder está dando!
O SR. DARCÍSIO PERONDI (Bloco/MDB - RS) - Não, não tergiverse!
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - "Após o aumento do uso do glifosato, diminuíram as doenças causadas pelos agrotóxicos."
16:58
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Eu sei, eu estou falando... Não, eu estou indo devagar. Eu estou indo devagar, com a responsabilidade que temos aqui na nossa Casa.
Só para dar um exemplo, cito o projeto de lei que quer flexibilizar a legislação dos agrotóxicos. Ele diz o seguinte: se dois países da OCDE liberarem o agrotóxico, automaticamente se libera aqui no Brasil. Percebe? Então no PNARA falamos assim: se dois ou três países da OCDE proibirem o uso de determinado agrotóxico, nós temos que ter responsabilidade e proibir aqui, e aí fazer uma avaliação. Percebe? É o conceito. É o conceito da precaução, é o cuidado com o povo, é o cuidado com o orçamento.
Então, quando temos dentro desta Casa projetos de lei como esse e quando temos no Executivo a liberação extraordinária, recorde, de agrotóxico, caminho completamente contrário ao que está acontecendo no mundo inteiro, nós temos que trazer esse debate não só para cá. Volto a dizer, nós temos que fazer esse debate na sociedade, com o conjunto da sociedade, porque aqui dentro ficamos muito sujeitos a pressões, o que não é bom para a agricultura, não é bom para o povo brasileiro, não é estratégico para ninguém.
Obrigado, Líder, por vir também dar a sua contribuição, e vamos fazer o debate. E o convido para o debate aqui dentro. Inclusive devemos fazer um esforço para debater no plenário a PNARA — Política Nacional de Redução de Agrotóxicos junto com o PL do Veneno. Devemos fazer o debate no plenário. E aí o Governo Bolsonaro deve parar a implementação do PL do Veneno. O Governo não quer mais fazer o debate aqui dentro porque está implementando o PL à revelia da lei, a partir do Executivo. É isso que está acontecendo.
Então, eu chamo todos à responsabilidade. Por respeito a esta Casa e por respeito ao povo brasileiro, tem que haver cuidado, precaução, quando lidamos com componentes, com coisas que mexem com a saúde das pessoas, sobretudo com o alimento, que é vital para a vida e não para a morte. Então, aproveitando que o Líder está aqui, chamo todos a essa responsabilidade. Vamos fazer o debate, não deixando que o Executivo, o Governo, tome medidas para fazer as liberações à revelia de tudo.
Agradeço aos companheiros pela presença e pela contribuição. (Palmas.)
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