Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito bom dia a todos e a todas.
Nos termos regimentais, declaro aberta a 7ª reunião do Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater as mudanças promovidas pela legislação penal e processual penal pelos Projetos de Lei nºs 10.372, de 2018; 10.376, de 2018; e 882, de 2019, convocada para audiência pública e debate sobre os temas propostos no roteiro de trabalho.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Sra. Presidente, bom dia. Que esta semana seja exitosa.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada.
Recebemos mensagem eletrônica do Sr. Renato Sérgio de Lima, Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, informando que, diante da impossibilidade de comparecer à audiência pública do Grupo de Trabalho na data de hoje, indica para representar a entidade a Sra. Isabel Figueiredo, membro do Conselho Administrativo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Infelizmente, o Sr. Renato, Diretor-Presidente do Fórum Brasileiro, não conseguiu estar presente, em decorrência de problemas com a malha viária — nós não conseguimos voo para trazê-lo de São Paulo até aqui —, e também a Sra. Isabel Figueiredo, porque não se encontrava aqui na cidade.
Também gostaria de comunicar que o Sr. Carlos Alberto Garcete de Almeida, indicado pelo Sr. Deputado Fábio Trad, não pôde comparecer à audiência, em razão da ausência de voos para Brasília em tempo hábil de participar desta reunião.
Tendo em vista a importância de ouvir essas pessoas, tanto por terem sido indicadas por membros do Grupo quanto pelas contribuições que eles podem dar aos nossos debates, nós estamos realocando esses participantes em outras Mesas.
Informo que nós teremos mais oito Mesas e que vamos comunicá-los com a antecedência necessária para que possam estar aqui.
Também recebemos mensagem eletrônica do CONAQ — Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, do Geledés Instituto da Mulher Negra, Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, da Uneafro Brasil, indicando o nome do advogado e militante do Movimento Negro, Dr. Gabriel Sampaio, para participar da audiência pública na data de hoje.
Tema 2: Mudanças relacionadas ao combate ao crime organizado (crime de resistência, comércio ilegal de arma de fogo, tráfico internacional de arma de fogo, tipificação da conduta de vender ou entregar droga ou matéria prima a policial disfarçado, homicídio, roubo, estelionato, constituição de milícia privada, crimes ocorridos na investigação e na obtenção de provas, crimes hediondos; definição de organização criminosa).
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Foram convidados e encontram-se presentes o Dr. Alberto Zacharias Toron, advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, indicação do Sr. Deputado Paulo Teixeira; a Dra. Luciana Boiteux de Figueiredo Rodrigues, professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ, indicação do Sr. Deputado Marcelo Freixo; o Dr. Vladimir Aras, Procurador Regional da República, indicação da Sra. Deputada Carla Zambelli; o Dr. Gabriel de Carvalho Sampaio, advogado e professor de Direito, indicação do Sr. Deputado Marcelo Freixo; o Dr. Fernando Ferreira de Anunciação, Diretor da Federação Nacional Sindical dos Servidores Penitenciários — FENASPEN, indicação do Sr. Deputado Capitão Augusto.
Solicito a atenção de todos para o tempo destinado à exposição dos convidados e aos debates dos Srs. Parlamentares. Cada convidado disporá de 20 minutos para proferir a sua fala, não podendo haver apartes nesse momento. Os Deputados interessados em interpelar os convidados deverão inscrever-se previamente e poderão usar da palavra por 5 minutos, ao final das exposições, podendo haver réplica e tréplica.
Eu gostaria de fazer um esclarecimento. Inicialmente, gostaria de chamar três convidados para tomarem assento à mesa — nós temos lugares somente para três convidados —, e, em seguida, passaremos a ouvir os dois subsequentes, que ficarão dispostos no plenário, já que todos dispõem de microfones. Depois nós passaremos à fase de debates.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Sra. Presidente, ainda sobre os convidados, eu gostaria que o convite fosse feito formalmente com um pouco de antecedência, porque em alguns Estados, como é o caso do meu, há dificuldades de aeronaves para Brasília, e até para, de repente, os convidados preparem também outras questões. O meu convidado, por exemplo, não pôde vir por ter sido chamado muito em cima da hora. Está bem? Por favor.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - É verdade. V.Exa. tem toda a razão. Nós, em decorrência da exiguidade do tempo e porque aqui no Grupo de Trabalho resolvemos acelerar bastante os nossos debates, terminamos ficando com janelas muito pequenas. Mas esta semana a intenção é essa. Além de tudo, na semana passada, houve a interrupção dos trabalhos pelos dias santos. Então, tivemos um pouco de problema com isso, mas não queremos ser descorteses com nossos convidados. Faremos os convites com o máximo de antecedência possível. Está deferido o pleito de V.Exa.
O SR. CORONEL CHRISÓSTOMO (PSL - RO) - Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu gostaria de convidar para compor a Mesa o Dr. Alberto Zacharias Toron (palmas), a Dra. Luciana Boiteux de Figueiredo Rodrigues (palmas) e o Dr. Vladimir Aras. (Palmas.)
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A SRA. LUCIANA BOITEUX DE FIGUEIREDO RODRIGUES - Bom dia a todas e a todos. Queria agradecer o convite para estar aqui nesse espaço democrático tão importante de debate sobre temas que hoje afligem de maneira muito séria a sociedade brasileira. Queria saudar aqui os Deputados, as Deputadas, especialmente os colegas, os convidados e os senhores e as senhoras que estão aqui nos ouvindo.
Minha contribuição relativa a essa proposta, a esse grande pacote de medidas para enfrentar a questão do crime, vem de estudos e pesquisas que venho realizando há mais de 10 anos sobre encarceramento, sobre Justiça criminal, especificamente sobre a questão da política de drogas, que é o pano de fundo claramente desse cenário que temos hoje.
Nos estudos de criminologia, nós temos uma lição que é analisar também as demandas por punição, como elas vêm naturalmente da população por uma sensação de insegurança e uma sensação de medo, como elas chegam aos parlamentos e acabam demandando medidas extremamente severas. Isso tem sido um histórico desde a Constituição de 1988, quando nós tivemos categorias como crime hediondo, quando nós tivemos também outros indicativos, apesar de ser uma Constituição democrática, e medidas que ao impactar o cenário das leis penais trouxeram na minha avaliação uma linha extremamente encarceradora, ou demasiadamente encarceradora, que vem sendo mantida nos últimos anos.
Quando analisamos propostas que envolvem regime de penas, ampliação do teto do quantitativo máximo de pena privativa de liberdade a ser cumprida, quando nós estamos falando aqui de acordo penal, que o juiz deixe de aplicar a pena, essa pena seja decidida pelo Ministério Público e pelo próprio réu, quando nós falamos de execução antecipada da pena, vedação de liberdade provisória, ampliação do prazo de progressão de regime, que são as medidas principais que apontei para trazer nesses minutos que eu tenho, tudo isso se insere em uma proposta de endurecimento penal que também não começou hoje. Esse é o primeiro ponto.
É essencial falarmos, por exemplo, que essa ampliação do percentual de tempo que o condenado tem que cumprir, para obter a progressão de regime, vem sendo alvo de diversas leis ao longo dos últimos 30 anos.
Então, a Lei de Execução Penal estipula o prazo de um sexto. Depois, com o advento da Lei dos Crimes Hediondos — e essa lei vigorou dessa maneira por 10 anos —, foi proibido originalmente o cumprimento inicial nos casos dos crimes hediondos em outros regimes que não o regime fechado. Posteriormente, isso foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Depois, em 2007, foi criada uma lei que ampliou e determinou o que nós temos hoje, que é o percentual de dois quintos e de três quintos.
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Nesse cenário, nenhuma dessas medidas que estão sendo propostas aqui é nova. Acho que esse é um elemento importante de análise. E o Parlamento precisa ter consciência disso, porque precisa ter condições de avaliar o que aconteceu nesses últimos anos e qual foi o impacto dessas medidas. Bom, nos estudos e nas análises, inclusive com dados do Departamento Penitenciário Nacional — DEPEN, que realizamos ao longo dos anos, verificou-se que essa Lei dos Crimes Hediondos, especialmente no destaque para o crime de tráfico de drogas, é responsável pelo superencarceramento, que hoje está provado nos números. É importante também nós falarmos "provado nos números" porque não devem ser objeto de disputa os fatos, ou seja, se nós temos uma informação oficial mostrando esse exponencial aumento nos últimos anos do sistema penitenciário, esse dado já nos traz uma reflexão.
Quais medidas terão condições de alterar a realidade dos estudos, de uma revisão bibliográfica, de dados de pesquisa de vários anos, de vários especialistas? Inclusive, isso que eu estou aqui trazendo para os senhores já é fruto também de uma reflexão coletiva de vários institutos. Eu também hoje estou como Coordenadora-Chefe do Departamento de Política Nacional de Drogas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais — IBCCRIM. O IBCCRIM, do qual o Toron é um dos fundadores, vem realizando estudos sobre isso. Nós temos estudos e dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que infelizmente não pôde estar presente hoje, e também temos dados coletados por universidades, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ. Foi uma pesquisa que eu coordenei há mais de 10 anos. Em 2009, Toron, coordenei uma pesquisa que mostrou justamente como o superencarceramento hoje, como esse crescimento da população penitenciária está diretamente relacionado ao crime de tráfico de drogas, que é o que mais cresce.
Quando nós pensamos nessas medidas hoje colocadas, é necessário avaliar o impacto, inclusive numérico, e não estou falando só de impacto numérico, mas também do custo. Verifiquei inclusive que na outra audiência foi trazida essa questão do custo mensal por preso. Esse dado tem a ver com esses elementos que eu trouxe.
Na nossa avaliação, nesses últimos anos, essa aposta no endurecimento de pena, essa aposta no endurecimento dos regimes penais, de ampliação do tempo de cumprimento de pena, não teve condições concretas de dar resposta para a população em relação a seu sentimento de segurança. Em criminologia, nós chamamos esse cenário de populismo penal, que são medidas imediatas, sentidas como medidas que poderiam gerar algum tipo de resultado positivo. Na realidade, elas agravam as condições, e não geram resultados positivos. Não dá tempo de falar aqui, mas há estudos inclusive que apontam o fortalecimento de organizações criminosas, decorrentes desse endurecimento das penas, sem que estejamos aqui pensando em medidas de prevenção.
A minha crítica principal a essas propostas — que são bem-intencionadas, porque efetivamente querem de alguma forma dialogar com uma demanda legítima da população brasileira — é que elas pecam por ter esse foco numa ideia de repressão, sem analisar o impacto e as possibilidades de gerar resultados positivos, e não há nenhum elemento que trate de prevenção. Para nós, da criminologia, esses são os elementos mais importantes para serem trabalhados hoje: evidências e prevenção.
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Nesse sentido, também é relevante apontar muitas dessas propostas que eu já enunciei aqui. Notadamente, eu resumiria isso aqui no acordo penal, na execução antecipada da pena, na ideia de vedação da liberdade provisória, inclusive no aumento do tempo de progressão de regime. Essas medidas foram analisadas pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que já concluiu por sua inconstitucionalidade. Portanto, fazer uma análise detalhada também da constitucionalidade dessas medidas é essencial para nós podermos refletir sobre essas propostas ao lado, digamos, desse impacto carcerário e desse impacto nas possibilidades concretas de essas medidas gerarem resultado.
Sobre o tráfico de drogas — como já mencionei, esse é o crime que mais encarcera hoje, é considerado crime hediondo, desde 1988 —, houve um grande endurecimento penal também nos últimos anos. A resposta punitiva para o tráfico veio se intensificando ao longo dos anos. Qual o resultado disso? Hoje, temos o percentual de 62% das mulheres encarceradas por tráfico, ou seja, o tráfico é o crime que mais encarcera mulheres, e 26% dos homens encarcerados por tráfico. Esse percentual inclusive é o mesmo dos crimes patrimoniais.
Qual foi o impacto desse encarceramento, inclusive fruto do aumento de pena no crime do art. 33, da Lei de Drogas, em 2006? Superencarceramento. Houve algum tipo de melhoria nas condições? Eu venho do Rio de Janeiro. Qual é o impacto dessa Lei de Drogas, desse endurecimento penal dos últimos 10 a 13 anos, por exemplo, no Rio de Janeiro? Vamos analisar São Paulo, que tem 40% da população carcerária nacional. Qual foi o impacto desse endurecimento dessas medidas, que apostam numa ampliação, num endurecimento das penas para lidar com a criminalidade? Fortalecimento das facções criminosas. Só um detalhe. Eu não vou falar sobre esse tema, mas particularmente sou contra que sejam enunciados os nomes dessas organizações em qualquer dispositivo de lei. Em nenhum país isso é considerado algo a ser feito. De alguma forma, fortalecem-se essas organizações quando se enunciam seus nomes. Especialmente, quando se coloca seu nome no artigo, reconhece-se institucionalmente a própria existência de uma organização criminosa.
Vejam, quem está preso hoje por tráfico? A maioria das pessoas está presa por tráfico em flagrante. Não há investigação suficiente neste País. Nós temos dados muito recentes de uma pesquisa encomendada pelo Ministro Alexandre de Moraes — quem não conhece essa pesquisa, eu recomendo que tenha acesso a ela —, que será debatida no próximo dia 5 de junho, no Supremo Tribunal Federal, mostrando justamente como a maioria dos casos de tráfico de drogas, que é justamente o combustível desse superencarceramento, é o de prisão em flagrante. Falta investigação que chegue aos grandes responsáveis pelas quadrilhas e os grandes personagens que lucram com esse tráfico de drogas. É a polícia que define essa tipificação. Quase não há investigação, salvo nos casos da Polícia Federal, que ainda consegue porque não atua nesse varejo em que a Justiça do Estado e a PM nos Estados brasileiros atuam. Não há critérios objetivos definidos. Esse é um tema também que, há muitos anos, já vem sendo debatido. A nossa lei não estabelece critérios objetivos de distinção entre uso, posse e tráfico. Isso também é uma das causas para esse superencarceramento, e essa causa está conectada ao debate da política de drogas.
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Dados levantados, por exemplo, em São Paulo, mostram que, entre 2015 e setembro de 2017, 1% das ocorrências registradas por tráfico concentrou 76% da massa da maconha apreendida, enquanto nos outros 99% dos casos foram encontrados 24% das drogas existentes. O que isso significa? Quem está sendo preso, levado ao regime fechado e submetido a condições carcerárias absolutamente desumanas, que é outro elemento importante também, é o pequeno traficante, e suas prisões não impactam de maneira nenhuma o grande tráfico, que o substituiu claramente, pois há praticamente uma fila por pessoas querendo trabalhar no tráfico em todas as cidades do Brasil. E justamente essa Lei de Drogas — está comprovado em várias pesquisas — está impactando esse sistema carcerário.
Portanto, nós temos o sistema carcerário cada vez mais impactado por uma política de drogas que reprime o varejo e não tem como alvo o grande traficante. Esse impacto leva hoje aos seguintes dados: havia 32 mil presos por tráfico em 2005; hoje há 151 mil presos por tráfico. Esse tipo de estratégia, que estou aqui esclarecendo com um recorte da política de drogas, caso sejam aprovadas essas medidas que eu já enunciei e destaquei aqui nessa análise do pacote do crime, tem um resultado. Qual? Nós podemos fazer os cálculos. Eu não tenho ainda esse cálculo, mas acho que esta Comissão também pode fazer o cálculo. Qual será a projeção de ampliação do encarceramento fruto desse aumento que vai necessariamente ocorrer, quando, por exemplo, nos crimes hediondos, aumentarmos o prazo de progressão de regime? Esse é um cálculo, inclusive econômico, que pode ser feito.
Considero importante também que façamos esse cálculo, pois neste momento nós estamos discutindo reforma da Previdência e tentando reformar um sistema, pois supostamente o Estado não consegue mais arcar — ou pelo menos é o que é dito oficialmente, podemos até debater isso — com o custo da Previdência. A minha pergunta às senhoras e aos senhores é a seguinte: o Estado tem condições de arcar com o custo desse megaencarceramento? Vamos fazer os cálculos. Dá para fazer isso. Não é difícil de fazer, não. Qual é o impacto, qual é a projeção de crescimento que nós podemos ter a partir das escolhas dessas medidas.
Digo para os senhores que, para além disso, nós também temos que pensar, quando utilizamos a categoria crime hediondo, que essa categoria crime hediondo, na verdade, em termos do impacto, do encarceramento, é na criminalização por tráfico, pois todos os demais crimes hediondos não têm quase nenhuma representatividade no total do número de presos no Brasil. Preocupa-me especialmente o que serão esses acordos penais — imagino que o Toron vai falar um pouco mais sobre isso.
Sra. Presidente, queremos importar o modelo norte-americano para que haja um acordo entre réu e Ministério Público e o juiz só o homologue. Se hoje nós já temos altas penas aplicadas a esses jovens, em sua maioria negros pobres, moradores de periferia, com baixas quantidades — esses são os dados obtidos em pesquisa de campo —, que estão hoje encarcerados por tráfico de drogas, qual será o impacto da ausência, pelo menos de um juiz, para fazer uma modulação naquela pena?
Esse modelo foi adotado pelos Estados Unidos. Esse modelo do plea bargain, inclusive, é criticado hoje nos Estados Unidos, é apontado também como uma das causas do encarceramento naquele país. Hoje, a população carcerária norte-americana está sendo repensada, pensa-se em reduzi-la, justamente porque mesmo lá se avaliou que esse nível de encarceramento, que essa demanda punitiva exacerbada, não gera nenhum impacto positivo e ainda acarreta custos muito altos.
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Se vamos falar, então, como alguns vêm falando por aí, de privatizar presídios, saibam que, mesmo privatizando presídios, o fundo público será utilizado para pagar pelos presos em prisões privadas. Inclusive, o cálculo do custo do preso em prisão privada é maior — porque tem também o negócio — do que o custo no sistema hoje mantido como está.
Nesse sentido, eu faço aqui uma reflexão. Qualquer mecanismo penal que se proponha, ainda mais neste momento em que está se querendo reduzir o papel do Estado, inclusive na Previdência, o que nós estaríamos fazendo, ao aprovar este projeto como está, seria uma ampliação do Estado penal. Então, é um Estado penal máximo que estará também, de alguma forma, coexistindo com um Estado penal mínimo de assistência social, de aposentadoria, de outros mecanismos sociais, de inclusive proteção social.
Se vamos reduzir os benefícios da proteção social na Previdência e estamos com um projeto aqui que propõe o aumento do encarceramento, o que isso vai impactar na nossa população? Na minha avaliação, os impactos serão extremamente negativos, porque você reduz a proteção social. Se a fila já está grande para aqueles jovens serem contratados para o tráfico de drogas, imaginem se reduzirmos, especialmente se dificultamos a obtenção, por exemplo, de pensões de pessoas no campo, de idosos que são hoje responsáveis pelo sustento de boa parte da sua família. Então, eu provoco aqui os senhores também para refletirmos sobre o impacto econômico dessas medidas.
Para não dizer que eu não dou nenhuma sugestão, temos sugestões também para trazer, não só críticas. Dentre as sugestões, está claramente pensar, dentro desse pacote, essa melhor diferenciação entre o usuário e o traficante. Essa diferenciação melhor entre usuário e traficante já consegue, de alguma maneira, tornar o sistema um pouco mais racional na aplicação das penas.
Também recomendamos, em vez de um mero aumento de pena — e esse mesmo PL fala na ideia do fortalecimento da investigação, especialmente a proposta do Ministro Alexandre de Moraes fala em termos uma investigação mais eficiente —, é necessário também que se promovam mecanismos, por exemplo, que, para definir quem é o usuário e o traficante, impliquem não a mera confissão do réu, ou uma prisão em flagrante, na qual a palavra do policial é a que vale. Não sei se os senhores sabem, mas hoje, em 70% dos casos ou mais, é a palavra do policial que define uma condenação, ou seja, há muitos casos em que pessoas possivelmente nem são traficantes e estão lá presos como traficantes, até porque não temos quantidade.
Se houver o fortalecimento de uma investigação de tráfico, somado a uma perspectiva de maior racionalização da Lei Penal, conseguiremos criar algum tipo de impacto positivo no sentido de evitar ao máximo o encarceramento.
Infelizmente, as pesquisas indicam hoje que esse sistema já está saturado. Nós já temos uma sobrepopulação carcerária, ou seja, mais do que o dobro de pessoas presas do que cabem nas prisões. Há também a lógica que hoje afeta as mulheres, as grávidas em especial. Alguns projetos de lei e algumas leis foram aprovadas justamente para lidar com isso.
O fato é que, se 62% das mulheres que estão presas por tráfico e se a própria decisão do Supremo determinou a prisão domiciliar para as mães — na prática, ainda é mantido um número muito alto de pessoas encarceradas, que não deveriam estar lá —, por que não estamos aqui discutindo medidas mais racionais, no sentido inclusive preventivo de evitar o encarceramento ou de propor medidas que possam incidir sobre as causas da criminalidade e não sobre os seus efeitos?
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Meramente defender ampliação de pena, nós já vimos fazendo isso há 30 anos. Eu tenho artigos meus, logo que a Constituição foi promulgada. O Toron também tem vários artigos, assim como o IBCCRIM — aqui eu não o estou representando, mas do qual eu faço parte — tem pesquisas, análises de muitos anos.
Sentimos muita dificuldade para que este Parlamento escute as pessoas que estão há anos pesquisando e trazendo referências. Com isso, acho importante também trazer que, nesse cenário, a própria corporação policial e os agentes penitenciários também são afetados por esse sistema, pois uma sobrepopulação carcerária, o investimento muito alto nesse sistema, no custo de um preso, não tem dado melhores condições de trabalho nem para a Polícia nem para os agentes penitenciários.
Portanto, na linha em que está feito esse projeto, não vejo que ele possa trazer nenhum impacto positivo, pois são as mesmas medidas repaginadas, reformuladas, mas essencialmente as mesmas que nós já vimos fazendo há 30 anos, e até hoje não se conseguiu resultado positivo.
Concluindo, a ideia aqui é de pensar uma investigação mais eficaz, com critérios objetivos, pensar nessas mulheres que estão encarceradas e em seus filhos também, que são alvo desse encarceramento, nas famílias que são encarceradas junto com os seus entes encarcerados, como nós podemos pensar num formato que efetivamente reduza os danos desse sistema e possa nos trazer maior racionalidade e resultados, pelo menos que não se agrave a situação mais do que já está.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradecemos à Dra. Luciana Boiteux a brilhante exposição.
Passamos a palavra ao Dr. Vladimir Aras, por 20 minutos, para fazer abordagem do tema desta audiência pública de hoje.
Gostaria de pedir ao nosso convidado palestrante que, na medida do possível, focasse nos dispositivos que estão postos hoje na nossa temática, a fim de que os nossos Parlamentares, os membros que estão encarregados, em especial o nosso Relator, que está aqui à mesa, possa ir ao ponto de cada sugestão com mais eficiência.
Cumprimento o Deputado Capitão Augusto, eminente Relator deste Grupo, os meus colegas da Mesa, Prof. e advogado Alberto Zacharias Toron, Profa. Luciana Boiteux, Srs. Parlamentares aqui presentes, senhoras e senhores.
Nestes minutos que me cabem, eu gostaria de pronunciar algumas vezes a palavra "vítima", tantas são as vítimas que a criminalidade no Brasil gera.
Essas vítimas, eu creio, são um dos focos principais dos projetos de que tratamos aqui: o Projeto de Lei nº 882, de 2019, que foi elaborado pelo Ministro Sergio Moro e apresentado pelo Governo Federal, e o projeto apresentado pela Comissão de juristas, presidida pelo eminente Ministro Alexandre de Moraes. Esses projetos têm, evidentemente, um viés de endurecimento do sistema penal, mas também têm um viés de eficiência do sistema processual penal. Como professor de processo penal, eu gosto muito desse segundo viés, dessa segunda perspectiva da efetividade do modelo de persecução criminal, Deputado Fábio Trad. Vejo tanto em um quanto em outro essa preocupação.
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Evidentemente, há iniciativas que promovem enrijecimento e maior rigor carcerário e penitenciário e, em alguns aspectos, o endurecimento de penas. Mas, na minha visão, nós podemos tirar desses dois principais projetos algumas ideias, algumas perspectivas interessantes que possam nos levar para além dessas reformas processuais e penais que estamos vendo ao longo das últimas décadas. Algumas dessas reformas não têm sido bem-sucedidas naquilo que se propõem e se apartam, de algum modo, às vezes, do que pretende a Constituição Federal e os tratados internacionais.
Infelizmente, eu creio que nós poderíamos estar discutindo aqui um novo sistema processual penal para o Brasil inteiro, mas continuamos ainda nas reformas setoriais, e nós temos visto que essas reformas setoriais, na minha perspectiva de operador do Direito, de Procurador Regional da República — eu sou do Ministério Público há 26 anos e atuo como professor há cerca de 20 anos —, não têm sido exitosas em tudo.
O ideal seria que nós efetivamente tivéssemos, depois de tantos anos de vigência da Constituição de 1988, um novo Código de Processo Penal. Eu sei que esta Casa está se debruçando sobre isso, por meio do Projeto nº 8.045, de 2010, que veio do Senado. No entanto, estamos ainda distantes de discutir aquilo que me parece substancial para a reformulação de todos esses modelos de persecução criminal, especialmente no foco de uma oralidade, de sair um pouco da inquisitoriedade do modelo acusatório e trazê-lo, de fato, para a realidade jurídica brasileira, para a prática forense brasileira, com equilíbrio das garantias, com equilíbrio das tarefas do Ministério Público e o Ministério da Defesa. Isso seria o ideal.
Mas, olhando para os projetos em si — o Projeto de Lei nº 10.372, de 2018, e o Projeto de Lei nº 882, de 2019 —, vejo que, apesar desse foco setorial, nós temos ali grandes inovações, sim, na minha visão, e uma preocupação com a efetividade, que está ligada, para começo de conversa, a essas iniciativas voltadas para a inclusão de acordos penais no nosso sistema. Refiro-me a acordos penais em sentido mais amplo do que nós temos hoje, embora esse não seja o tema principal desta audiência pública, é tema da quarta audiência, se não me engano.
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Eu acho que vale a pena mencionar que essa talvez seja a principal das contribuições trazidas tanto por um quanto pelo outro, no que diz respeito ao projeto do Ministro Sergio Moro — a preocupação com os acordos de não persecução penal, o acordo de plea bargain, mas na sua feição específica de acordo de fixação de pena, que retira já uma série de problemas que vêm do modelo norte-americano, mas não só do modelo norte-americano, porque não é só lá que existe o acordo penal. O acordo penal está na tradição de vários países da common law — na Inglaterra, na Austrália e no Canadá também. Falo isso para não ficarmos com a ideia de que tudo vem dos Estados Unidos.
É importante que nós saibamos traduzir os institutos; não traduzir o inglês para o português — não é disso que se trata —, mas traduzir os institutos. Cabe ao Congresso Nacional fazer a tradução adequada e acompanhar, nessa tradução, os arranjos institucionais que fazem parte da realidade jurídica e da realidade forense brasileira: o que é o Ministério Público brasileiro, que é muito diferente do Ministério Público americano; o que é a defensoria pública brasileira, que é muito diferente da defensoria pública desses outros países; o que é o processo de julgamento em si, que também é muito diferente aqui no Brasil — nós não temos tantos júris quanto há lá —, e uma série de outras questões.
Indo ao nosso ponto, o Tema 2, este tema nos exige falar sobre as mudanças relacionadas ao crime organizado: crime de resistência, tráfico internacional de arma de fogo, homicídio, roubo, estelionato, constituição de milícia privada, crimes ocorridos na investigação e na obtenção de provas, crimes hediondos e definição de organização criminosa.
Eu diria que o foco desses projetos está em três aspectos primordiais que incomodam a sociedade brasileira e que fazem milhares de vítimas todos os anos, todos os dias, agora, neste momento em que estamos aqui. Um dos focos é relacionado ao tratamento do crime de homicídio, especialmente no projeto da comissão presidida pelo Ministro Alexandre de Moraes, mas também no Projeto Moro. Outro foco é relacionado ao enrijecimento de medidas relacionadas ao crime organizado e também na conceituação de crime organizado, um tema antigo da nossa realidade jurídica que ainda não foi devidamente equacionado, e creio que nenhum dos projetos o faz adequadamente, na medida em que há uma divergência conceitual. Não vou falar do conceito criminológico, porque não é o que nos cabe aqui, mas vou falar do conceito previsto na Convenção de Palermo, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, convenção que vale para o Brasil desde 2004, quando internalizada em nosso País.
Não me refiro ao tipo penal de associação e organização criminosa, refiro-me ao conceito de grupo criminoso organizado, que está no art. 2º da Convenção de Palermo. Ali se fala em três ou mais pessoas e não em quatro ou mais, fala-se em um patamar de pena que é inferior ao que foi estabelecido pela lei brasileira em 2013. É curioso que no ano anterior, em 2012, o Congresso Nacional tenha aprovado uma lei, a Lei nº 12.694, que foi fiel a esse conceito que vem de Palermo, que vem da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, em relação ao patamar de pena e em relação ao número de agentes que compõem esse grupo criminoso organizado.
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Digo isso por quê? Porque dentro do foco do Tema 2 está a questão do próprio conceito. Vamos partir da verificação desse mandado expresso de criminalização, Sr. Deputado Capitão Augusto. O mandado expresso de criminalização pode estar, como todos aqui sabemos, na Constituição ou pode estar nos tratados internacionais. Há normas sobre isso na Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e nas questões relacionadas à corrupção e ao crime organizado. Os mandados expressos de criminalização estão em convenções internacionais.
Se nós conjugarmos o art. 2º com o art. 5º da Convenção das Nações Unidas de 2004, verificaremos que há ali de fato uma divergência entre o conceito de 2013 e o conceito que se pretende nos textos que estão em consideração neste grupo, na futura Comissão.
Isso me parece bastante relevante porque nos leva a refletir sobre a existência do crime de milícia privada como uma figura autônoma, expresso no art. 288-A do Código Penal, e da própria descrição atual do crime de associação criminosa, o antigo crime de quadrilha, cuja descrição foi alterada em 2013, talvez com essa perspectiva de se tentar resolver a sua divergência intrínseca com o conceito da convenção das Nações Unidas, que constrói um regime global de proibição em relação ao crime organizado como um todo, não só ao crime do tráfico de pessoas, mas também ao crime do tráfico de drogas, ao crime do tráfico de armas e a toda a gama de delitos que são cometidos pelas organizações criminosas. Esta talvez seja a primeira reflexão a se fazer em relação à necessidade de adequação dessa redação nos textos.
Nessa linha, é importante lembrar que o projeto da comissão presidida pelo Ministro Alexandre de Moraes traz algumas inovações que têm repercussão processual e que podem, na mesma linha dos acordos penais, levar a uma diminuição da carga processual nos escaninhos da Justiça Criminal brasileira, do Ministério Público e da Polícia também.
Refiro-me aqui agora ao tema do estelionato, que merece uma sugestão de transformação em delito de ação penal pública condicionada, o que exigiria representação do ofendido. Se essa pessoa não representar, o Ministério Público e a Polícia não terão o dever de investigar e processar. Ou seja, será um processo a menos nos fóruns e nos tribunais brasileiros. Isso é algo que me parece adequado.
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Como eu dizia, são medidas que têm um foco mais de processo do que de enrijecimento de pena, que podem aumentar a eficiência, reduzindo a carga processual do sistema de Justiça para que este possa se voltar aos crimes mais graves, à criminalidade violenta, à criminalidade que deve resultar em penas privativas de liberdade, que devem ser duras, que devem impedir que esses indivíduos, especialmente os líderes de organizações criminosas, tenham contato com a sociedade e continuem conduzindo suas tarefas criminosas de dentro das cadeias, mesmo após serem condenados — que é o que acontece hoje, infelizmente.
Nessa mesma linha, não se pode deixar de perceber a importância de se aplicar esse rigor aos líderes de organizações criminosas. Eu não estou falando que deve haver esse rigor para qualquer tipo de crime, mas para os crimes violentos, notadamente para o crime organizado e, dentro do crime organizado, para aqueles indivíduos que sejam sobretudo os líderes. E há nos textos este foco, sim.
É importante essa visão do sujeito, embora eu não ignore as críticas que possam vir a partir desta minha afirmação, em relação, talvez, a um viés do Direito Penal, mas o que importa é perceber que o Estado tem que defender a sociedade também desse tipo de delinquentes, porque são pessoas violentas que continuam cometendo os seus ilícitos de forma bastante intensa mesmo depois de condenadas, como nós sabemos, em várias regiões do nosso País, inclusive no Estado do Deputado Marcelo Freixo. No meu Estado, a Bahia, há julgamentos sumários que ignoram completamente a existência do Estado de Direito.
São inúmeras as informações e os vídeos, inclusive com imagens atrozes, que mostram como esses tribunais do crime funcionam. As ordens muitas vezes partem de dentro das cadeias brasileiras. Então é preciso que haja maior rigor para que as pessoas que estão fora possam ser protegidas desse tipo de delinquência, que é reiterada, renitente, insistente, persistente, que não sede nem mesmo diante de condenações que hoje não são baixas.
Outra perspectiva nessa mesma linha é pensar no foco econômico, que é o foco que ambos os projetos buscam, do confisco alargado ou perda alargada. E isso não se trata de uma experiência de países totalitários. Há países democráticos que já utilizam esta solução em relação ao bloqueio, perdimento ou confisco, se preferirem, de valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do indivíduo e que não são comprovados, pela atividade ilícita reconhecida, declarada e publicamente vista daquele indivíduo.
Então, esse foco na perda alargada ou no confisco alargado é interessante na medida em que o Ministério Público e a polícia — pedindo ao Judiciário — terão condição de apresentar respostas mais eficientes para suprimir a capacidade operacional desses grupos criminosos organizados, que são violentos e continuam matando, traficando — e não só drogas, mas também pessoas —, determinando estupros e execuções sumárias em todo o território nacional e para além do território nacional.
Hoje vemos que há uma progressão criminosa de organizações como essas que são mencionadas no texto do PL 882/19. Aquela lista também não me agrada, Profa. Luciana, mas é preciso reconhecer que existe um país que utiliza esse método, que é a Itália. O art. 416 bis do Código Penal italiano cita Ndrangheta e Camorra, que são duas organizações mafiosas. E quase todo o texto do art. 416 descreve, embora sem denominar, a Cosa Nostra.
Essa é uma técnica que foi adotada no código italiano, e não quer dizer que nós devamos utilizá-la.
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O fato é que organizações como PCC e Comando Vermelho estão em progressão para além das fronteiras de Estados. Já chegaram inclusive ao Estado do Deputado Capitão Augusto. Elas já saíram de São Paulo e chegaram a vários outros Estados do Brasil. E o pior: agora ingressam em territórios de países vizinhos, como Paraguai, Colômbia, Peru e Bolívia, em busca de controlar a logística completa, não só do tráfico de drogas, mas também do tráfico de armas, numa sinergia que se complementa, ao fim e ao cabo, graças à corrupção, que favorece esse tipo de conduta.
O projeto elabora soluções ou pretende solucionar alguns desses tópicos, evidentemente não todos. Não são as leis que vão resolver os problemas do Brasil, mas também é preciso reconhecer que sem elas nós não conseguiremos resolver muitos dos problemas do País. Mesmo em ciclos de implementação de políticas públicas de educação, saúde, cidadania, infraestrutura e desenvolvimento econômico, que são extremamente importantes, nós precisamos de leis.
Precisamos também de leis para a política criminal. Neste momento, segundo a minha visão, o País necessita de uma política criminal de maior rigor, especialmente em relação à criminalidade violenta e organizada, que, como eu dizia, está ganhando espaço nos territórios dos países vizinhos. Se essa logística for totalmente dominada pelas máfias brasileiras, seguramente a criminalidade em nosso território também aumentará, e haverá a possibilidade de esses grupos criminosos alcançarem mercados ainda não dominados por esses entes.
Daí porque a conjugação dessas medidas me soa essencial, inclusive quando vemos — divergindo um pouco da Profa. Luciana — uma preocupação com o aperfeiçoamento da investigação criminal na linha das provas, da produção probatória, tanto num quanto noutro. A previsão da cadeia de custódia é muito útil para a investigação de crimes que deixam vestígios, como homicídio e crime organizado como um todo. Há previsão disso no texto da comissão de juristas, e no texto do Governo Federal estão presentes regras propostas que dizem respeito ao aperfeiçoamento da perícia, que é fundamental para que elucidemos os crimes e não haja mais vítimas daqueles mesmos autores, pelo menos. A perícia criminal é um foco importantíssimo do projeto. Para revolucionar a nossa investigação criminal, uma das coisas que precisam ser feitas é o aperfeiçoamento da questão dos dados multibiométricos, da perícia forense, dos bancos de dados de impressões digitais, para que a polícia consiga aumentar o número de identificações de autores de delitos.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradecemos ao Dr. Vladimir a brilhante exposição.
Eu recebi uma mensagem me pedindo para justificar a saída meio abrupta de um de nossos membros, o Deputado Coronel Chrisóstomo. Infelizmente, ele recebeu a notícia do falecimento de uma irmã e saiu meio intempestivamente. Ele pediu desculpa a todos e me pediu que anunciasse isso. Para quem acredita, eu peço orações para a irmã dele e para a família também.
O SR. ALBERTO ZACHARIAS TORON - Presidente Deputada Margarete Coelho, é uma alegria voltar a esta Casa de Leis para falar sobre um tema que transcende em importância as fronteiras do Direito Penal e do Código de Processo Penal, para alcançar as fronteiras do Direito Constitucional e da própria cidadania.
Vejo aqui inúmeros amigos, como o Deputado Fábio Trad; o Deputado Fausto Pinato, querido amigo de tantos anos; o Deputado Paulo Abi-Ackel, que eu vi antes aqui; o Deputado Freixo e tantos amigos presentes.
Eu vou seguir o conselho prudente da nossa Presidente e me ater às disposições específicas do projeto anticrime apresentado pelo atual Ministro da Justiça.
Antes, porém, Sra. Presidente, eu me vejo na obrigação de fazer uma brevíssima digressão sobre algo que foi falado tanto pela eminente Profa. Luciana quanto pelo meu querido amigo Vladimir Aras. Há uma crença ingênua e mágica de que, com as leis penais, pode-se resolver tudo, desde a inflação ao problema de crescimento no número de estupros. Essa advertência foi feita por Zaffaroni e Norberto Spolansky na Argentina.
Nós temos um laboratório concreto no Brasil mostrando o erro dessa visão. Em 1990, todos estão lembrados, editou-se a Lei dos Crimes Hediondos, que vinha ancorada na ideia de que, se a polícia prende e o juiz solta, então vamos proibir que o juiz conceda a liberdade provisória. Se a polícia prende, e agora o juiz não solta, mas as penas são muito pequenas, são muito curtas, então vamos aumentar as penas também. Tudo isso foi feito em 1990. A polícia prende, o juiz não solta e a pena é maior, mas ele sai rápido, sai rapidinho, Capitão, porque progride no regime de penas. Vamos extinguir, nos casos de crimes hediondos e aos a eles equiparados, a possibilidade de progressão.
A ressalva que eu faço é a seguinte: essa lógica da intimidação geral, da eficácia repressiva nominal ou simbólica, como gosta de dizer o meu querido amigo e hoje Deputado Luiz Flávio Gomes, é muito boa para vender livro e talvez seja boa também para se eleger. Mas, concretamente, o que essa política revelou?
Hoje eu sou professor titular também de Processo Penal, doutor pela Universidade de São Paulo, mas não falo ex cathedra, falo como advogado militante há 38 anos, falo da prática, do chão da fábrica, para usar um português muito em voga.
O que acontecia? O sujeito tinha lá um cigarro de maconha, que em alemão se chama baseado — não sei se na Bahia se fala assim — e dava para um amigo fumar. Isso, pela lei, é tráfico. O juiz não podia conceder liberdade provisória, e esse cara ficava preso. Aí, os juízes e os tribunais começaram a se tocar que não dava para seguir essa lei a ferro e fogo. Até que o Supremo considerou essa regra inconstitucional, e 16 anos depois julgou inconstitucional a impossibilidade de se progredir no regime prisional.
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Eu quero submeter à reflexão dos eminentes Deputados e das pessoas que nos honram com sua audiência o grande ponto: o aumento nominal das penas, o endurecimento no regime carcerário, por si só, desacompanhado da atuação de outras instâncias da sociedade, não tem eficácia, não funciona. Isso foi dito e repetido à saciedade em inúmeros congressos internacionais. Cito aqui — o Prof. Vladimir conhece, a Profa. Luciana também — o conhecido por todos Prof. Muñoz Conde, da Universidade de Sevilha, na Espanha.
E alcanço um segundo ponto que me parece essencial, tocado aqui pelo querido Procurador da República Dr. Vladimir Aras: a questão da eficiência no processo penal. O processo penal precisa ser eficiente? Resposta: sim, o processo penal precisa ser eficiente. O Legislador precisa ter atenção para com a vítima? Sim, precisa ter atenção para com a vítima. Mas lembremo-nos: a ideia de processo traz embutida outra coisa igualmente cara à cidadania: o respeito a certas garantias do acusado, do investigado.
Deputada Margarete, ingressando no tema propriamente dito, eu observo que há no projeto anticrime apresentado pelo Ministro da Justiça, como havia nas Dez Medidas, uma espécie de escamoteamento do que realmente se quer. Aqui, o Dr. Vladimir Aras falou que a questão central — ele até trouxe no Power Point dele — é homicídio, crime organizado e corrupção. É em termos, porque na verdade o projeto mexe com coisas que funcionam bem, que não têm nada a ver com isso necessariamente, em detrimento de garantias do acusado. Eu vou começar por aí, só para que V.Exas. tenham ideia do que se afirma.
Por exemplo, o projeto procura mexer com a eficácia suspensiva do recurso em sentido estrito interposto contra decisão de pronúncia. Isso vigora assim desde 1941. Em pleno Estado Novo, getulista, concebeu-se o Código de Processo Penal, que é autoritário na sua matriz, na sua concepção, de tal modo que o promotor de justiça denuncia, são ouvidas as testemunhas, é interrogado o réu, e o juiz profere uma decisão de pronúncia, mandando o réu a julgamento pelo júri, ou em pronúncia, quando não reconhece a existência de indícios suficientes ou de materialidade, ou absolvição sumária ou desclassificação. Mas vamos falar da pronúncia, que é aquela decisão em que o juiz manda o réu a julgamento pelo júri.
Se o réu não se conforma com essa decisão, o que ele faz? Faz um recurso em sentido estrito, para que o tribunal veja a correção dessa decisão, inclusive no que diz respeito às qualificadoras. Enquanto se recorre, o réu não vai a júri. E isso é o correto. Vem o projeto, agora, com uma proposta que retira o efeito suspensivo.
Eu pergunto, Deputado Capitão Augusto: qual é a vantagem disso no combate ao crime organizado, no combate ao que quer que seja? "Ah, vamos ter rapidez no processo".
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É melhor, querido Deputado Fábio Trad, V.Exa. que é advogado em júri, mandar o tribunal julgar mais rápido, e não tirar a eficácia suspensiva do recurso. O que vai acontecer? Sem o efeito suspensivo do recurso, o réu vai direto a júri, e o recurso vai ficar prejudicado, perde-se um filtro importante. Às vezes, a acusação vem salgada, com duas, três qualificadoras, e o tribunal tira uma ou outra qualificadora. O réu vai a júri melhor, consegue organizar a sua defesa melhor. Não há razão lógica e nem jurídica para se mexer num sistema que funciona há 70 anos ou mais bem.
A segunda crítica é que o projeto mexe com os embargos infringentes. Para lembrar, para quem não sabe, os embargos infringentes cabem na exata extensão do voto vencido no tribunal. O terceiro juiz, vamos chamá-lo assim, deu uma pena menor, reconheceu uma nulidade ou absolveu, em todas essas hipóteses cabem embargos infringentes. O que faz o projeto anticrime: "Só caberão os embargos infringentes quando se tratar de voto absolutório".
E eu pergunto: por que isso, Vladimir, que é Procurador da República? Se eu tenho um voto vencido declarando a ação penal nula, por que não vou poder discutir em embargos infringentes? "Ah! Quero a eficácia do processo, mandar logo para a cadeia".
Aleluia! Glória a Deus, como dizia o ex-Deputado Cabo Daciolo. Aleluia! Bacana! Eu preciso de uma Justiça eficaz, que garanta também certos direitos. Isso é o mínimo. Por que vou mandar alguém por 30 anos para a cadeia, se há um voto vencido que diz que são por 25 anos ou por 20 anos? Por que isso não merece uma discussão por um corpo alargado?
Veja V.Exa., Deputado Capitão Augusto, que o Código de Processo Civil prevê o julgamento de embargos infringentes para questões cíveis, que têm um status menor que o penal, e não vamos ter isso no campo do processo penal? Qual é o sentido desse tipo de proposta? Vou além, isso precisa ser extirpado, isso não pode ser aprovado.
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Há um julgado do Ministro Barroso, aliás dois da Primeira Turma, concedendo esse tipo de possibilidade, porque se trata de um julgamento colegiado, então o sujeito é condenado e vai preso. Nos Estados Unidos é assim, é verdade. Mas não adianta, Deputada Margarete, importar só parte das coisas dos Estados Unidos, porque os sistemas, cada um a sua maneira, têm pesos e contrapesos. Nos Estados Unidos, esqueceram de dizer, o julgamento feito pelo colegiado é discutido, ele tem que ser unânime. O nosso julgamento não é assim. Os votos são colhidos isoladamente, com comunicabilidade e sem discussão. Pode às vezes haver uma decisão arbitrária, como eu tive um caso no interior de São Paulo: réu condenado por homicídio simples, primário, sem antecedentes, presta serviço à comunidade voluntariamente, o juiz lhe deu a pena, o dobro do mínimo, e mandou prender. O Tribunal mandou soltar. Por que ele não respeita decisão Supremo? Não, porque viu arbitrariedade. Nós não podemos sujeitar o cidadão a esse tipo de arbitrariedade.
Então, prender logo após o julgamento pelo júri é uma espécie de ânsia punitiva totalmente descabida. Há recurso de apelação que tanto poderá sujeitar o réu a novo júri como reduzir a sua reprimenda. Qual é a consequência de reduzir a reprimenda? Eu posso ter um regime semiaberto com uma pena de 6 anos, com uma pena até de 8 anos.
Essas são observações que eu faço, um pouco a latere, mas que são importantes de serem compreendidas.
Há a questão da ampliação da legítima defesa a pretexto de se proteger mais o policial. Eu vou falar sumariamente: alguma situação proposta já está contemplada no atual Código Penal, mas ampliar o conceito de legítima defesa para situações de medo, para situações de violenta emoção, que é uma outra figura do Código Penal, é dar uma espécie de carta branca para se matar.
E aqui nós temos que ter cuidado, porque há uma outra disposição em casos de sequestro que realmente é preocupante, porque aqui basta que o policial anteveja uma situação em que a vítima corra risco para se justificar a morte do agente em tese criminoso. Isso é um risco, porque representa uma espécie de carta branca para o extermínio de pessoas, o que realmente não pode acontecer.
Vou ler o dispositivo para não deixar nenhuma dúvida a esse respeito. Quando eu falei da legítima defesa, vem assim:
I - o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão (...)
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Aí temos um problema: o agente policial ou de segurança que previne agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém. Meus amigos, prevenir risco de agressão é dar uma carta branca para matar em legítima defesa quem quer que seja. É muito amplo esse conceito, é amplo demais.
Eu vou pular algumas coisas. Um outro problema também foi tangenciado pelo meu querido amigo, o eminente Procurador da República Vladimir Aras: o problema de não permitir a progressão do regime de cumprimento de pena, o § 9º do projeto, não permitir o regime de cumprimento de pena, ou obter livramento condicional, ou outros benefícios prisionais, se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo. É o que o Vladimir referiu, com muita propriedade: o cara que da cadeia comanda eventualmente o grupo criminoso. Isso é o reconhecimento da falência do nosso sistema, porque o correto é o sistema ter uma tal segurança internamente que, uma vez internado, uma vez preso, ele não possa mais exercer esse tipo de coisa.
Mas o Vladimir, com propriedade, o eminente Procurador da República Vladimir Aras, falou: "Mas o fato é que tem gente comandando gente de dentro da cadeia". Tem!
O problema é o seguinte: o conceito de organização criminosa que nós temos é tão amplo, tão amplo, que abrange desde coisas como partidos — lembremos que nós temos ações penais tramitando apontando o quadrilhão do PT, quadrilhão do PMDB, quadrilhão de não sei quais outros partidos —, até facções propriamente ditas.
Afinal, o que é crime organizado? É a milícia do Comando Vermelho? É a milícia lá do morro que mata? É o PCC? Ou é a Odebrecht, que também se enquadrou no crime organizado, porque tinha divisão de tarefas e hierarquia? Estão confundindo coisas que deviam estar separadas. Isso eu vi na Vale também, no caso lá de Mariana, também lá se falou que era crime organizado. Não me parece que seja a mesma coisa a criminalidade empresarial de uma empresa como a Vale, por exemplo — todos entendem do que eu estou falando —, e um PCC. Não dá para o conceito querer assimilar as duas coisas, um partido como PT, como o PMDB, como o PP, que tem um quadrilhão...
A assimilação disso tudo pode provocar uma coisa canhestra, que é a pretexto de ele continuar no crime organizado, PT, PMDB, o que seja, Vale, Odebrecht, PCC, não se progredir no regime prisional. E por quê? Por perseguição, por critérios ideológicos não especificados, isso abre, isso enchança um tipo de vaguidão no sistema penal que prejudica algo essencial que é a segurança jurídica.
Eu vou além: o projeto também proíbe a saída temporária para quem esteja no regime fechado. É preciso avisar que no regime fechado não tem saída temporária.
Mas querem acabar também com a saída temporária para o regime semiaberto. É correto isso?
Qual é a ideia daqueles que elaboraram o Código Penal em vigor? E eu já encerro, Sra. Presidente, com duas palavras. A ideia é a seguinte: o sujeito não sai da água para o vinho; o sujeito ganha liberdade gradativamente. Então, ele vai dando mostras de que está apto ao convívio social.
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Eu queria encerrar, para não dizer que eu vim aqui só para criticar, dizendo que sou favorável à barganha, à plea bargain, mas não como ela vem no projeto. Quero lembrar que os defensores públicos em São Paulo — e eu fiz muito júri dativo, trabalhei com o Sr. Márcio Thomaz Bastos — já fazíamos isso antes. Tínhamos uma conversa com o promotor: "O senhor tira as qualificadoras, regime semiaberto, para começar". Essa é a filosofia da plea bargain. Os procuradores, os defensores públicos fazem isso no seu cotidiano. É bem-vindo. Mas é preciso tropicalizar esse regime, o juiz precisa mediar essa proposta. O projeto também traz uma coisa boa, que é o Acordo de Não Persecução Penal, alargando essas possibilidades. É uma medida despenalizadora boa. Só que isso tem que ser um direito público subjetivo do agente criminoso, do autor do fato, para usar um linguajar melhor, de tal modo que se o promotor não me propuser, se o procurador não me propuser, eu peço para o juiz, e o juiz decide sobre a matéria, com direito a recurso das partes. Então, nós vamos tropicalizar. Eu escrevi isso mais a fundo e vou passá-lo depois às mãos da eminente Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradecendo as palavras do eminente jurista Dr. Toron, eu gostaria de convidá-los a tomar assento em nosso plenário, a fim de que possamos convidar à mesa os nossos próximos palestrantes.
Convido, então, o Dr. Gabriel de Carvalho Sampaio e o Dr. Fernando Ferreira de Anunciação para assumirem aqui a Mesa e fazerem suas considerações pelo prazo ininterrupto de 20 minutos.
Eu gostaria de pedir um pouco mais do tempo dos nossos palestrantes, porque, ao final das exposições, nós passaremos aos debates. Sei que o tempo da Dra. Luciana é extremamente precioso, assim como o tempo do Dr. Toron e do Dr. Vladimir. Mas aquilo que, porventura, não foi abordado nas suas falas aqui, pela exiguidade do tempo, enfim, nós poderemos aprofundar mais ainda durante o período de debates, nas réplicas e nas tréplicas, que virão em seguida.
O SR. GABRIEL DE CARVALHO SAMPAIO - Bom dia a todas e a todos. Gostaria de agradecer à Deputada Margarete Coelho, que é a Coordenadora deste eminente Grupo de Trabalho. Quero saudar o Relator, Deputado Capitão Augusto, pela participação, e o meu amigo Fernando Anunciação, pela presença na Mesa, e cumprimentar todos os Parlamentares aqui presentes.
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Quero registrar que a minha participação aqui se deve a um fato que me orgulha muito e também é motivo de especial atenção à relevância desse processo criado no Parlamento: reconhecer a representatividade das pessoas negras em trazer contribuições para este processo legislativo, pessoas que estão participando e, como no meu caso, têm uma trajetória ligada à luta do povo negro no Brasil.
Isso me traz uma responsabilidade muito grande, Presidente e Deputados, porque nós vivemos uma história em que o processo legislativo também tem que estar relacionado ao processo civilizatório. Foi graças ao processo legislativo e aos avanços que nós pudemos conquistar, com o Estado Democrático de Direito, que pessoas, como eu, podem estar sentadas aqui dialogando sobre um projeto que impacta diretamente a vida de diversos cidadãos e cidadãs brasileiros. Graças, então, a essa percepção de que a lei precisa ser debatida de forma democrática pela sociedade que nós temos hoje a garantia de que este espaço me seja garantido para trazer contribuições nesse processo, porque a lei já legitimou que pessoas como eu não fossem sujeitos de direito, que pessoas como eu, pelo meu fenótipo, não fossem sujeitos de direito e que só serviam, então, para serem tratadas como coisas. E, talvez, esse tratamento não tenha sido superado nessa história.
É por isso que eu quero dedicar minha fala a um cidadão que morreu com 80 tiros disparados quando ia a um chá de bebê, junto com a sua família. O nome desse cidadão é Evaldo Rosa. Foram 80 tiros disparados pelas armas de representantes do Estado brasileiro, lamentavelmente, contra um cidadão que ia a um chá de bebê. E, muito provavelmente, se nós estivéssemos hoje sob a égide plena dos direitos e das garantias fundamentais, não se questionaria se o Evaldo Rosa estaria indo a um chá de bebê; se questionaria o porquê tiros como aqueles tinham sido disparados, fosse o Evaldo Rosa quem ele fosse, fosse a família dele quem fosse, contra o veículo de sua família. A verdade é que os direitos e as garantias fundamentais protegem todos os cidadãos. E toda vez que nós questionamos o conteúdo de uma garantia fundamental, nós estamos retrocedendo no processo civilizatório. Por que um carro branco é mais importante do que a vida de qualquer ser humano, seja ele roubado ou não? Por que esse valor está acima da vida de qualquer pessoa? Isso coloca em insegurança qualquer cidadão. E nós, povo negro, que já vivemos as diversas sevícias do Estado ao longo dessa história, temos o compromisso de trazer este ponto ao debate, porque são as nossas vidas que também importam e que são acometidas por um sistema e um ordenamento jurídico que nos é mais opressor. E são os dados que revelam isso, pois 64% da população carcerária é composta por pessoas negras.
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Se falarmos dos dados da mortalidade no Brasil hoje, nós também vamos ver que mais de dois terços dos mortos são negros. Por que o País reproduz essa realidade? E por que a violação de garantias toca em especial essa população?
Eu quero entrar em temas específicos do projeto depois desta introdução. E o primeiro item que eu escolho é a discussão do crime de resistência. O meu amigo e professor Toron trouxe aqui uma crítica em relação à ampliação do conceito da legítima defesa. Vou pegar esse gancho para tratar das minhas preocupações em relação ao crime de resistência.
O Código Penal, também produzido à época do Estado Novo, ditatorial, do regime Getúlio Vargas, dispôs sobre o crime de resistência, mas jamais dispôs sobre algo que ficou até mais famoso em outras ditaduras no Brasil, Deputados, que foi a figura da resistência seguida de morte ou dos autos de resistência, que acabaram se consolidando como uma forma de evitar a devida investigação de mortes violentas provocadas, muitas vezes, por agentes públicos. Os dados revelam isso. Nós temos ampla produção sobre esses dados.
Eu me recordo — e participamos desse processo legislativo à época, quando eu ocupava o cargo na Secretaria de Assuntos Legislativos no Ministério da Justiça, com o Deputado Fábio Trad, com o Deputado João Campos — de conversarmos sobre o tema inúmeras vezes. O Deputado Paulo Teixeira fez um exímio trabalho ao consolidar essas discussões e apresentar o PL 4.471, que teve amplo debate nesta Casa e foi aprovado na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado também nesta Casa, com a participação de inúmeros das senhoras e dos senhores, revelando uma preocupação que era trazida não só por diversos atores do movimento negro, vítimas de vários episódios relacionados a autos de resistência ou da resistência seguida de morte, quando a investigação deixa de ser realizada porque há um rótulo.
No sistema de Justiça Criminal hoje, a minha cor é um rótulo que, muitas vezes, impede que uma investigação seja levada às suas últimas consequências para responsabilizar aqueles que são autores de um ato delituoso contra uma pessoa negra. E esse rótulo, que muitas vezes ficou conhecido e acobertado pelos autos de resistência, consolidou-se a tal ponto que os esforços transcenderam os movimentos pela cidadania, os movimentos pelos direitos humanos e o movimento negro.
Até os agentes públicos, como as próprias polícias do Rio de Janeiro — o Deputado Freixo sabe disso — e do Estado de São Paulo... Os chefes da Polícia Civil e da Polícia Federal também editaram normas para coibir a figura dos autos de resistência. Aqui, muitos dos Parlamentares aprovaram, em suas Comissões, o PL 4.471/12.
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Em 2016, a Presidenta Dilma Rousseff apresentou um texto similar com base no acúmulo legislativo e dando regime de urgência a essa medida, porque é urgente, sim, a mudança nesse conceito. E o projeto aqui vai e encaminha contrário, positivando a resistência seguida de morte. Permitam-me a incidência nesta fala, mas isso nem a ditadura do Estado Novo foi capaz de fazer, muito menos a ditadura civil-militar de 1964 a 1984.
A figura dos autos de resistências sempre foi aquela figura potencialmente oculta, aquela em que os agentes tentavam ocultar o fato. E agora isso está positivado. Há tentativa de positivação, com um defeito técnico absurdo. Eu entro no texto para dizer que o defeito técnico é absurdo, quando estipula uma pena para o caso da resistência seguida de morte. E não é só a seguida da consequência morte, mas aquela em que há o risco de morte, ou seja, uma situação de perigo — está aqui o nosso Prof. Toron para me corrigir — é equiparada a uma situação de resultado morte.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. GABRIEL DE CARVALHO SAMPAIO - Há desproporcionalidade. A pena varia de 6 a 30 anos no caso da resistência seguida de morte, do risco de morte ou até da morte.
Quando o legislador quer proteger demais a vida, o resultado, muitas vezes, é que a desprestigia. Entre a vida ceifada e a vida que está em perigo, há uma diferença de gradação e de proporcionalidade. E quando nós falamos na pena de 6 a 30 anos, temos a pena mínima equiparada ao homicídio simples, e a máxima, ao homicídio qualificado. Qual é o resultado concreto disso, já que há um mix entre a situação da resistência seguida de morte, o homicídio simples e o homicídio qualificado? Tudo isso, ao meu sentir, gerou um texto absolutamente inapropriado, inconveniente e inconstitucional.
Qual é a consequência disso? Perdem-se inclusive todas as garantias investigatórias que o Tribunal do Júri prevê. E aí um dado da realidade é que as garantias do Tribunal do Júri, as garantias não só para o exercício do direito de defesa, mas para o esclarecimento das circunstâncias que envolvem a morte violenta... E foi nessa linha que o PL 4.471, aprovado em Comissões desta Casa e pronto para ser votado no plenário, trata muito mais das garantias do esclarecimento da morte violenta do que propriamente da responsabilização do autor do fato.
Não cabe a mim aqui também fazer o prejulgamento do agente público, que, eventualmente, está envolvido.
Eu não quero prejulgar e dizer que o agente público é responsável por um homicídio, mas nós precisamos das garantias, do exame do corpo, do resguardo do local do fato. Isso tudo vai virar um papel, com algumas fotografias, que vai ser julgado pelo juiz singular. É há uma outra garantia, que é a de a sociedade julgar o caso. Essa garantia também está sendo colocada de lado.
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Permitam-me dizer aqui, Srs. Parlamentares, que o júri, muitas vezes, traz decisões muito mais tendentes à não responsabilização do agente público do que à responsabilização, mesmo nos casos em que as provas indicam isso. O Prof. Toron, eminente advogado do júri, pode dar esse depoimento. Inclusive, os exemplos concretos não indicam que haja uma maior situação de injustiça em relação ao júri do que para a responsabilização devida dos agentes.
Eu sigo adiante para também prosseguir no detalhamento de temas do projeto, para apontar outra inconsistência técnica que ainda não foi abordada aqui. Isso também está na nossa pauta de discussão e diz respeito ao tema do agente disfarçado, o agente policial disfarçado.
Há algumas figuras no projeto apresentado pelo eminente Ministro da Justiça que dialogam com esse conceito do agente policial disfarçado, criando crimes na Lei de Drogas, em especial, mas também em relação ao comércio ilegal de arma de fogo, pelo qual o agente é responsabilizado por vender ou entregar arma de fogo, por exemplo, ao agente policial disfarçado. Isso no caso do comércio ilegal de arma de fogo. No caso da Lei de Drogas, também comete o crime aquele que vende e entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado.
Primeiro, nós temos um problema grave de técnica legislativa. Nesse caso, por uma experiência de 6 anos nessa área, posso dizer que é um problema grave. E por que é um problema grave? Demonstrarei esse problema. A Lei nº 12.850, de 2013, define a infiltração de agentes. O Deputado João Campos participou até relatando o projeto. Ele conhece bem o tema. A nossa legislação hoje positiva a situação do agente infiltrado, que, na Lei nº 12.850, representa — e é um dos capítulos — os meios de obtenção de prova, ou seja, um agente policial, dadas as garantias da Lei nº 12.850, pode ser infiltrado numa organização criminosa para obter meios de encontrar provas.
Aqui, com a criação da figura do agente policial disfarçado — não há precedente na legislação, mas, por motivos óbvios, o conceito parece estar ligado ao do agente infiltrado —, nesse conceito novo, passa a ser crime o fato de o agente cometer o crime ou atuar nessa relação criminosa com o agente policial disfarçado.
É como se houvesse a supressão da Súmula nº 145, do Supremo Tribunal Federal, que foi inspirada na obra do Prof. Nelson Hungria — o Supremo Tribunal Federal não atuou de forma desconectada da doutrina e da realidade jurídica nacional, ao contrário —, um dos mais clássicos doutrinadores do Direito Penal.
A Súmula nº 145 diz: "Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação". E, no caso do agente policial disfarçado, vai ficar absolutamente impossível de se distinguir, nessa forma de redação inclusive, quando é que o agente policial provocou ou não a ocorrência do crime.
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Vejam, Deputados, a gravidade dessa situação! A legislação também visa proteger a sociedade contra o arbítrio, e não podemos nos esquecer desse dado, que é da realidade. As instituições não são feitas para cometerem abusos, mas não há uma evolução legislativa na história da humanidade que não esteja conectada à contenção do arbítrio. Até o Barão de Montesquieu, para fundamentar um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, que é a separação de poderes, trata desse conceito da contenção, das virtudes e, neste caso, do arbítrio.
Como diferenciar o agente policial disfarçado da sua provocação para a ocorrência de um crime? Ele pode sugerir que alguém cometeu o crime. E qual é a relevância disso para a sociedade? Qual é a garantia para o cidadão? A de que esse agente público não tinha o objetivo de cometer um crime até aquele momento. É por isso que na Lei nº 12.850, de 2013, há o meio de obtenção de prova, que é a ação controlada.
A Profa. Luciana Boiteux falou aqui sobre o perfil da criminalização do tráfico de drogas no País. Basicamente, as prisões são feitas em flagrante. Desde o advento da Lei nº 12.850, há uma positivação ao melhor modo — o Procurador Vladimir Aras participou desse debate — de se fazer a ação controlada, que permite ao agente público vivenciar a experiência de observar o flagrante e retardá-lo para que haja um maior conhecimento. E a abordagem é dos agentes da conduta criminosa.
Há tanto tempo existe esse instrumento! É hora de fortalecê-lo para que nós paremos com essas prisões ineficazes daquele que está fazendo aquela pequena tarefa em relação ao tráfico de drogas, que pode ter relevância, mas que é absolutamente transitória. Sai um, entra outro; sai um, entra outro. Mas quem são os comandantes desse procedimento? O que é que está envolvido nesse processo?
Há algo na experiência internacional que parece bastante apropriado em relação à investigação criminal, que é a situação de seguir o dinheiro, estrangular a organização criminosa para que ela não reproduza a sua atividade, mas, no caso do tráfico de drogas, nós fazemos tudo completamente invertido e errado, até do ponto de vista da mão de obra.
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Concluo, Sra. Presidenta — isso talvez fosse uma introdução, mas vai ser um fecho —, dizendo que o desenvolvimento das organizações criminosas tem que ser debatido no Brasil. Esta Comissão tem que debater o assunto toda vez em que se propõe uma legislação deste caráter. Essas organizações desenvolveram-se graças ao encarceramento em massa produzido de forma irracional no Brasil. Eu peço a atenção dos senhores e das senhoras para isso.
Fala-se em vínculo associativo. Quando fui membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e ia fazer inspeção em presídio, vi que é próprio da organização do Estado categorizar o preso como membro de organização criminosa. Se não o fizer, o preso, ao ser transferido para outra unidade em que o Estado também o classifica, como vínculo associativo abstrato, vai ser morto.
Nós temos as prisões para cada nome de organização criminosa. Como é que o Estado vai apurar o vínculo associativo para restringir o direito à progressão de regime e vai manter o preso associado à organização criminosa ainda mais tempo preso? Essa é a fórmula que a organização criminosa precisa para se desenvolver ainda mais. Os membros de organizações criminosas hoje certamente ficariam absolutamente satisfeitos ao ver uma legislação que, além de colocar seu nome — uma propaganda legislativa de sua organização —, ainda vai continuar retroalimentando-a com o exército de mão de obra e com a escola cotidiana que os estabelecimentos prisionais propiciam para que essa atividade se desenvolva. Não pudemos entrar nos dados do sistema penitenciário, mas, convenhamos, eles são propícios para que esse processo se desenvolva.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Não, mas o senhor pode concluir, por gentileza.
O SR. GABRIEL DE CARVALHO SAMPAIO - Eu concluo dizendo que há uma figura, num artigo dessa proposta, que altera a Lei nº 13.608, de 2018, no que diz respeito ao informante. É aquele caso de quem liga para o Disque-Denúncia.
O § 2º do art. 4º-B da proposta traz a seguinte redação: "Ninguém poderá ser condenado apenas com base no depoimento prestado pelo informante, quando mantida em sigilo a sua identidade".
É um comando para que o juiz não possa condenar alguém simplesmente com base no depoimento prestado pelo informante. Há uma vírgula absolutamente capciosa, antes de "quando mantida em sigilo a sua identidade". Para todos os demais casos, a pessoa pode ser condenada simplesmente pela palavra de um informante, ou seja, ninguém aqui pode ter desafeto ou inimigo. Apenas com uma ligação do Disque-Denúncia e um processo sem garantias, e a condenação está legitimada. Essa talvez seja uma das violações mais escatológicas.
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A reforma processual penal de 2001 trouxe o art. 155, e eu até teria a tratar de melhorias para esse artigo, que garante que a produção de provas seja feita com base no contraditório. Mas, agora, não temos essa garantia assegurada.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Nós é que agradecemos ao Prof. Gabriel Carvalho. Receberemos com muita alegria as suas contribuições, inclusive nos pontos tocantes à melhoria da redação, da técnica legislativa, às vírgulas capciosas, enfim, para que possamos melhorar a nossa legislação.
O SR. FERNANDO FERREIRA DE ANUNCIAÇÃO - Bom dia, Deputada. Quero agradecer imensamente ao Deputado Capitão Augusto por ter indicado a nossa instituição para participar desta reunião do Grupo de Trabalho. Isso é importantíssimo. Precisamos realmente desta discussão, deste debate.
Sou, hoje, Presidente da Federação Nacional Sindical dos Servidores Penitenciários. Representamos 100 mil trabalhadores e servidores do sistema penitenciário. Acredito que nós servidores penitenciários podemos contribuir muito com esta Casa de Leis, com este Parlamento.
Quero agradecer imensamente aos Deputados que aprovaram a nossa indicação, como o Subtenente Gonzaga e o Fábio Trad, nosso amigo e conterrâneo de Estado. Muito me engrandece tê-lo conosco aqui. Quero agradecer também ao Deputado Marcelo Freixo, do Rio de Janeiro, e ao Deputado Paulo Teixeira.
Fico feliz, porque temos, sim, como contribuir. Podemos contribuir com a demanda da segurança pública em nosso País. É uma demanda pela qual a sociedade clama. Ela é urgente. Nós precisamos realmente seguir uma linha diferente para enfrentar a insegurança no País.
Ouvimos aqui vários doutores da área de processo criminal e penal, mas acredito que a nossa entidade também pode contribuir com essa demanda.
Vemos com tristeza o sistema penitenciário. O servidor lá na ponta é quem irá operar tudo o que for decidido nesta Comissão, no relatório, Deputada, pode ter certeza.
Gabriel, nós já conversamos, por várias vezes, sobre o sistema penitenciário e o servidor penitenciário quando você estava no Ministério da Justiça. Desde aquela época, algumas coisas avançaram, outras pararam e outras estão piorando. Então, é inadmissível tratar o sistema penitenciário, o servidor penitenciário no Brasil como é feito hoje.
Tudo o que fizerem aqui, os senhores sabem, nós é que iremos aplicar. Sem a mão de obra, sem o trabalhador, sem o servidor penitenciário capacitado, valorizado, reconhecido, nada vai adiantar. Não é isso, Deputado Subtenente Gonzaga? V.Exa. tem um projeto muito importante sobre a segurança pública, sobre o sistema penitenciário, e precisamos tentar debatê-lo novamente e aprová-lo.
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É necessária segurança máxima em alguns casos. Nós precisamos, sim, endurecer o cumprimento de pena de alguns criminosos, de alguns reincidentes, de alguns crimes cometidos dentro e fora do sistema penitenciário. É inadmissível colocar em regime semiaberto alguns tipos de criminosos que temos hoje e do modo que está o sistema penitenciário. Nós temos, no sistema penitenciário, um semiaberto que mais parece uma colônia de férias. Por quê? Porque não há reconhecimento e valorização do servidor penitenciário para que faça a fiscalização desses semiabertos Brasil afora. Então, de nada adianta nós endurecermos ou afrouxarmos as penas, vamos dizer assim, sem que tenhamos no sistema penitenciário um servidor para fazer cumprir essa determinação.
Por incrível que pareça, os projetos, parece, estão a cada dia piores. Nós estamos agora vivendo a privatização do sistema penitenciário brasileiro. Vimos alguns Governadores, Brasil afora, falando que é uma maravilha da natureza esses projetos, quando é o contrário. O Governador de São Paulo toma os Estados Unidos como exemplo. Acho que ele não está atualizado, porque os Estados Unidos estão retornando as unidades privadas para o setor estatal, porque é mais caro, é uma porta para a corrupção — e nós podemos garantir isso. Nós temos números, que apresentaremos assim que possível, em relação a isso.
A privatização do sistema penitenciário no Brasil é uma porta para a corrupção e super mais caro, como disse a Dra. Luciana. Um preso na iniciativa privada custa quase o dobro ou até, em alguns contratos, mais do que o dobro para o Governo, para o Estado. E nós estamos fomentando isso. Vemos todos os dias alguém falar em privatização. Há projeto de lei tramitando na Casa sobre privatização, inclusive, da atividade-fim, da atividade do servidor penitenciário. Alguns Estados estão querendo privatizar a atividade-fim. Isso é muito ruim, e precisamos fazer esse alerta. Nós da federação defenderemos nesta Casa de Leis todas as medidas possíveis para combater essa prática.
Deputado Marcelo Freixo, V.Exa. sabe do projeto danoso sobre privatização, verticalização, que está na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para ser aprovado. Estão querendo construir prédios para botar presos, sem a mínima segurança, sem as mínimas condições. É vergonhoso que um Governador de Estado assuma um projeto como esse e o coloque em discussão na Assembleia Legislativa. No Estado de São Paulo também se fala em privatizar o sistema penitenciário por completo.
Espera aí, gente! E o Estado ficará onde? Nós vamos agora entregar a pena, o criminoso para a iniciativa privada? Vamos entregá-lo para o capital, para o mercado financeiro? É isso o que esta Casa de Leis vai permitir? Porque nada mais é do que isso. A privatização, no sistema penitenciário, da atividade-fim geral, como estão pregando, como estão propondo no Congresso e em algumas Câmaras Legislativas dos Estados, é exatamente isto: pegaremos o bandido e vamos explorar a mão de obra; iremos explorar o preso. E vamos usar todas as condições, porque o mercado precisa. O mercado precisa reagir, o Brasil precisa crescer. Mas no sistema penitenciário?
Vamos rever esse conceito, porque isso está muito errado, na contramão da realidade. Provo aos senhores que isso não funciona no Brasil. E não funcionou. Está aí Pedrinhas como exemplo péssimo de privatização; no Amazonas, em 2017, ocorreu uma carnificina; também cito o Ceará. Onde tem privatização, tem coisa ruim, péssima. Tem Governador preso, inclusive. Parece-me que foram presos, no Amazonas, Secretário e Governador por crime cometido no âmbito dessa maldosa privatização, dessa terceirização.
Precisamos realmente rever esse conceito e falar sério sobre o sistema penitenciário, pois não dá mais para brincar com isso. Está tudo aí para os senhores verem. A sociedade está clamando. Todos os dias ouvimos alguém falar: "Ah, o crime organizado, de dentro da unidade penal, mandou isso, mandou aquilo, mandou aquilo outro".
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Eu me sinto envergonhado como representante da categoria, mas, ao mesmo tempo, eu me sinto revoltado. É vergonha para nós? É, porque o sistema penitenciário, o servidor deveria combater isso. E a revolta? É porque não se vê um projeto que valorize o trabalhador, o servidor lá dentro, na ponta. Fazem de conta, e estamos ficando nessa situação.
A superlotação do sistema penitenciário, Deputado Pinato — e V.Exa. sabe disso também, pois é advogado —, é um absurdo. E esse projeto prevê prender ainda mais pessoas. E aí, quem vai operar esse sistema? O agente penitenciário, sem valorização e sem reconhecimento constitucional? Deputado Marcelo Freixo, o agente penitenciário não está na Constituição Federal como categoria, como atividade de Estado. Há uma emenda constitucional, pela qual há 10 anos lutamos, que prevê a constitucionalização da nossa profissão, através da PEC da Polícia Penal, para que passemos a existir como atividade de Estado. Então, clamamos por isso.
Eu digo aos senhores que poderemos contribuir. Agora, endurecer penas, fazer tudo o que estamos vendo ser construído nesta Casa, somente isso não vai resolver. É preciso ir lá dentro do sistema penitenciário, olhar o trabalhador penitenciário Brasil afora. Nós temos 100 mil trabalhadores no sistema penitenciário — contingente que precisamos dividir praticamente por três, porque também temos os plantões. Daí, colocam-se 700 mil homens presos para que esse número de servidores, por volta de 35 mil, 40 mil servidores, possa fazer algo minimamente. Os senhores veem aí.
Devemos fazer mais, queremos fazer mais. Temos essa obrigação para com a sociedade. Somos o Estado, somos servidores públicos concursados e precisamos dar uma resposta para a sociedade. Mas, para isso, é necessária a valorização. Precisamos de políticas também para o servidor. Precisamos ver o sistema penitenciário como um todo.
Vamos pegar exemplos de outros países? Vamos, mas pegar os exemplos bons, a parte que serve, para fazermos os discursos e defendê-los. A Itália tem a polícia penal, tem o reconhecimento constitucional do servidor do sistema penitenciário como agente de segurança pública. O Deputado Capitão Augusto, que é nosso defensor nesta Casa, sabe disso. Então, vamos à Itália olhar o que há no sistema penitenciário. Na Itália, a polícia penitenciária combateu o crime organizado, ou seja, ela fez a diferença. Podem fazer um estudo e os senhores verão que a polícia penitenciária na Itália combateu o crime organizado dentro e fora das prisões. Nós temos informações sobre isso.
Nós temos um campo grandioso dentro do sistema penitenciário que deve ser explorado. Para isso, precisamos de leis, precisamos de reconhecimento, precisamos de valorização, precisamos de políticas públicas dentro do sistema penitenciário, e não essa brincadeira de privatizar, não esse crime de entregar uma pena para o mercado financeiro explorar e ganhar dinheiro.
Não fosse eu conhecedor da nossa causa e, sim, um investidor, eu também iria querer um presídio privatizado, porque ganharia muito dinheiro. Procurem os contratos das privatizações que temos Brasil afora, procurem as denúncias que existem sobre esses projetos, e os senhores darão total razão ao que estou falando. Só há coisa errada nesse sistema: armações, falcatruas e corrupção enorme. O Estado brasileiro não pode fazer isso. Se nós queremos um Estado realmente funcionando, é preciso rever essa situação. Privatização do sistema penitenciário, não! Nós somos contra a privatização.
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Existe a terceirização. Nós podemos, sim, terceirizar parte do sistema penitenciário, como alimentação, saúde, cursos, mas a atividade-fim, essa é do Estado, e dessa nós não abrimos mão. Se o fizermos, podem ter certeza, pagaremos muito caro, e daqui a 5 ou 6 anos nós estaremos, quem sabe, nesta Comissão falando de algo pior ainda do que acontece no sistema penitenciário.
O sistema penitenciário precisa realmente disso que eu estou falando. O projeto sobre a polícia penal é possível de ser votado nesta Casa urgentemente, e eu tenho certeza de que estaremos tratando do sistema penitenciário de forma diferenciada. O Dr. Gabriel sabe disso. Nós discutimos esse projeto quando ele integrava a SAL. E falta o quê? Vontade política para que esse projeto vá em frente, e que demos uma resposta. É inadmissível falar em sistema penitenciário, falar em crime, falar em aumento ou endurecimento de pena sem olhar a realidade do servidor penitenciário, lá na ponta.
Agradeço mais uma vez a nossa inclusão neste debate, para que o Relator possa ouvir as nossas considerações, as quais colocaremos no papel. Eu tenho certeza de que nós iremos contribuir.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço ao Sr. Fernando Ferreira de Anunciação por compartilhar conosco a sua experiência e a do setor que representa.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Presidente, a pedido do Deputado Fausto Pinato, fiz permuta com S.Exa., para que fale em primeiro lugar e eu, em terceiro, conforme a ordem de inscrição. Pode ser?
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Inclusive, S.Exa. pode falar na condição de Líder, não é?
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Perfeitamente.
O SR. FAUSTO PINATO (Bloco/PP - SP) - Eu não quero criar tumulto.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Fique à vontade.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Presidente, pela ordem.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Hoje, quase todos nós aqui também somos da CCJ.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Sim.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Na semana passada, nós fomos com a reunião até as 16 horas. Hoje isso não será possível.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Fazer todas as perguntas antes?
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Sim, porque senão nós não vamos conseguir, infelizmente, participar aqui.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Presidente...
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Como questão de ordem, eu queria sugerir que fosse dado o mesmo tempo a todos: 5 minutos. É uma questão de bom senso e objetividade, porque há um número grande de Deputados aqui, respeitando-se também o tempo dos convidados, para que pudéssemos ganhar agilidade nesse processo.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não. Eu agradeço a sugestão.
O SR. FAUSTO PINATO (Bloco/PP - SP) - Por mim, tudo bem.
Primeiro, eu queria agradecer ao Deputado Fábio Trad. A minha justificativa para mudar a ordem é porque eu tenho uma audiência, ao meio-dia, no Ministério de Defesa.
Parabenizo a Deputada Margarete Coelho, nossa Presidente, pelo brilhante trabalho, e o nosso Relator e amigo, Deputado Capitão Augusto. Deixo um agradecimento especial a todos os expositores aqui presentes, em nome do meu colega, amigo e grande advogado Alberto Zacharias Toron, que é uma grande referência para mim.
Sra. Presidente, desculpe-me, porque às vezes eu não vou pontuar. Não sou da Comissão, sou um intruso, mas tive uma atuação muito forte na questão das 10 medidas, sempre fui membro efetivo da CCJ e, hoje, presido a Comissão de Agricultura.
Eu vejo aqui diversos pares, de esquerda, de centro e de centro-direita. Eu sou uma pessoa que sempre combati a Esquerda nesta Casa, de maneira muito respeitosa, mas há alguns assuntos para os quais eu queria chamar a atenção do Relator, porque não se trata de esquerda, de direita ou de centro; trata-se de justiça — pau que bate em Chico bate em Francisco. Lembro-me de que votei a favor da cassação da Presidente Dilma, defendi o Governo Michel Temer, mas logo depois houve a prisão do ex-Presidente Lula, e eu dei uma entrevista dizendo que não iria falar se ela era justa ou injusta, mas que era ilegal.
O que vem acontecendo no nosso País — e aqui eu queria fazer uma mea-culpa com todos, com a classe política, com o Poder Judiciário, com o Ministério Público — é que todo mundo errou e todo mundo erra, essa é a verdade. Mas chega um momento, como agora, Deputado Capitão Augusto, em que entra o aplauso. E digo isso porque fomos um dos Deputados que mais cresceram proporcionalmente, mas aguentando o desgaste. Enquanto muitos faziam vídeo contra a reforma trabalhista, contra a reforma da Previdência, ainda no Governo Temer, com 90% de rejeição, eu mantive uma posição, porque prefiro o aplauso da minha consciência do que a demagogia eleitoral.
E nós como Deputados experientes nesta Casa, muitos aqui com formação jurídica, temos que ter a responsabilidade de enfrentar, e não fazer... O culpado foi o Judiciário em muitos pontos. Chegou uma hora em que, principalmente o Supremo — e hoje está pagando um preço caro por isso —, em vez de ler a Constituição ou nosso Código Penal, que são claros, preferiu ouvir a voz das ruas. Se fosse assim, não precisaríamos estudar Direito, não precisaríamos fazer pós-graduação; contrataríamos o IBOPE, e estaria resolvida a questão jurídica no País.
Nós vivemos um momento de incerteza e instabilidade política, jurídica e econômica, mas acima de tudo temos o dever de equilibrar.
Parabenizo o nosso Relator e a nossa Presidente, principalmente, pela maneira democrática. Também acho que Moro chegou aqui de forma diferente, e até o parabenizei. Ele disse: "Está aqui, é a minha função". Hoje, ele é Ministro e fez o papel dele, existe um clamor popular. Hoje o Ministro da Justiça é político, não é mais juiz. Realmente, existe um clamor da sociedade em relação a isso.
Eu queria dizer que, quando era contestado, me irritava muito, Presidente, um procurador colocar todos desta Casa na lata de lixo. Eu confio nas instituições, confio no Ministério Público, mas não é por causa de um ou dois que temos de generalizar toda uma instituição. Confio no Poder Judiciário, confio na classe política, mas eu não vou admitir que um procurador fale dos Deputados de forma genérica. Aqui, nós não vamos aceitar pressão.
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Vamos fazer um debate franco, justo e equilibrado. Nós temos que dar uma resposta para a sociedade sim. Podemos aprimorar, aproveitar o projeto, mas todo mundo tem que recuar. Aqui vamos fazer tudo dentro da legislação. Nós temos que ser coerentes, corajosos. Como disse o Dr. Toron, muitas coisas são boas para voto. Eu penso mais ou menos o seguinte: será que é bom ficar rico roubando? Não. É melhor continuar pobre, mas trabalhando e tendo dignidade. Eu não consigo pensar só em questão eleitoral neste momento, penso, sim, no futuro dos meus filhos, nas injustiças e no aperfeiçoamento da nossa legislação.
Quanto a esse ponto, eu queria dizer que elaborei uma PEC, em relação à qual já estão sendo colhidas assinaturas, que trata do aumento do número de Ministros do STJ e também da valoração da prova em questão da competência do STJ. Nós temos que construir um poder alternativo, ter uma segunda opção. Não é assim.
Outra coisa me preocupa, Sra. Presidente, como advogado. Quando vem um projeto de lei, por exemplo, dá a impressão de que os advogados é que são os culpados. Advogado tem prazo, ele tem 15 dias para apresentar um recurso. Dá a impressão de que é o Deputado que leva o caso à prescrição. Não, é a morosidade de alguns membros do Poder Judiciário, de servidor. Eu não vejo nenhuma penalidade para servidor nesse sentido. Todos nós temos que fazer mea-culpa. Muitas vezes, sim, usamos de instrumentos, mas sabemos o que temos de ver nesse sentido.
Outra coisa que me preocupa é vender bens sequestrados. Estão atropelando o Direito, na minha opinião. Vamos vender bens sequestrados, e, depois de absolvição, tudo vira uma salada jurídica? Vamos fazer o júri antes de receber a denúncia, haverá constrangimento ilegal, exposição. Nós sabemos muito bem que a classe política está desmoralizada nesse sentido, nós sabemos muito bem que hoje a denúncia do Ministério Público é a publicação na imprensa, a denúncia é a sentença, e que a exposição é o trânsito em julgado da sentença. Nós precisamos fazer o equilíbrio. Não podemos ser pautados. Precisamos ter a coragem, Deputado Capitão Augusto, de fazer o correto. Realmente temos que tomar alguma medida de combate à corrupção. Eu estou disposto a debater melhorias, mas não podemos ser pautados. Não podemos mais ser pautados pela demagogia, temos que ser pautados pela democracia e pela Constituição brasileira — em fevereiro, fizemos o juramento de defendê-la.
Eu gostaria de agradecer a todos os colegas. Deixo aqui os meus pontos de vista. Também quero dar minhas sugestões nesse sentido, mas eu queria dizer o seguinte: a política do ódio eu não aceito. Esse debate não é de esquerda nem de direita, é um debate do País. Do País! É do País. Todos nós temos que ceder e construir, mas precisamos ter a elegância e a coerência de não fazer disto aqui um palco apenas político. Tem que um palco, sim, de propostas jurídicas, fundamentadas, daqueles que militam. Foi apresentada a visão do procurador, a visão do juiz, a visão do advogado. A balança é o próprio símbolo do Direito. Nós temos que construir. Sim, podemos avançar, mas não ouvindo só uma parte.
Deputada, eu me lembro de que o então Deputado Onyx Lorenzoni, hoje Ministro-Chefe da Casa Civil, que é veterinário, fez, como Relator da matéria, tudo o que o Procurador queria.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Tem a palavra o Deputado Marcelo Freixo, por 5 minutos.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Presidenta, quero ser bem objetivo, para respeitar o tempo. É importante que o tempo seja igualitário. Agradeço a compreensão dos Líderes. Lembro que eu, como Líder, poderia usar o prazo de 10 minutos, mas não vou usá-lo. Acho que é justo.
Eu já disse, em outras oportunidades, que considero o projeto apresentado pelo Ministro Sergio Moro inconsistente e inconsequente. Isso não é um problema pessoal. Esse é um debate que estamos aqui aprofundando com muita riqueza. Recebemos no Grupo de Trabalho o Ministro Alexandre de Moraes, que começou a conversa com todos os Deputados dizendo o seguinte: "No Brasil, a gente prende muito e prende muito mal". Quem disse isso para todos nós foi o Ministro Alexandre de Moraes naquela reunião fechada. "Nós prendemos muito e prendemos mal." Na minha opinião, se for aprovado o projeto anticrime do Ministro Sergio Moro, vamos prender muito mais e de maneira muito pior. É disso que estamos falando, para usar as palavras do Ministro Alexandre de Moraes. Este Grupo de Trabalho tem igualmente responsabilidade sobre o projeto do Ministro Alexandre de Moraes.
Quero dizer, preventivamente, que precisamos acabar com essa história de que quem alega que o crescimento da população carcerária não traz eficácia para o combate ao crime é de algum grupo relacionado à ideia de impunidade, é alguém que não quer combater o crime ou é contra a segurança pública. Esse senso comum, muito forte na cultura narrativa da política hoje em dia, é muito danoso. Se esse não é um debate que separa a Direita e a Esquerda — eu acho que é importante que levemos essa questão para o lado de um debate mais democrático, um debate técnico, de posicionamento político —, também não separa bons e maus, o cidadão do bem do cidadão que é não é do bem, conforme esse linguajar comum utilizado hoje em dia para separar uma sociedade em que se questiona o crescimento da população carcerária como um instrumento eficaz. Esse projeto, o tempo inteiro, trabalha com a lógica da ampliação penal como forma de se combater o crime organizado. O problema é que não há um estudo sobre isso, não há comprovação alguma sobre isso. Há um conjunto de opiniões, muitas vezes desastradas.
Por exemplo, fala-se em acabar com a saída do semiaberto. Esse projeto se baseia em qual estudo para dizer que a saída do semiaberto amplia o número de crimes? Os estudos mostram, estudos oficiais, que apenas 4% dos presos que saem não retornam. São apenas 4%. Isso não vale de nada para gerar uma política pública. Na verdade, quer acabar com o semiaberto, quando, na realidade, se deveria estar requalificando o debate sobre o semiaberto, através da geração de empregos, o que certamente reduziria muito mais o retorno ao crime, a questão da reincidência. Então, no caso, não houve estudo.
Esse projeto vai provocar que aumento da população carcerária, ao negar benefícios, ao fazer a condenação imediata? Não há um estudo sobre a questão. Eu perguntei diretamente ao Ministro Sergio Moro qual é a expectativa de aumento da população carcerária em 6 meses a 1 ano, após a aprovação desse projeto, até para dizer qual vai ser o custo orçamentário. Não há previsão, não há esse estudo, que é de base legal, inclusive para que seja aprovado. Não há nenhuma expectativa.
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Vou ao ponto central, o que transformo em pergunta a ser dirigida a todos os membros da Mesa. A ideia de combater o crime organizado é citada especificamente pelo Ministro. Eu não trato milícia como facção. Esse é um erro que o projeto comete. O projeto iguala milícia às facções da venda, do varejo da droga, mas a natureza não é a mesma. Não se trata da mesma organização criminosa. Chamar tudo de organização criminosa é chamar nada de organização criminosa. Esse é um grande problema do projeto. Ele não tem fundamento porque não tem a razão de ser, não estabelece definições. O que é organização? Milícia, ali, é a mesma coisa que as facções do varejo da droga, e são completamente distintas.
Todas as facções do varejo da droga, todas — Fernando sabe disso —, nasceram do caos penitenciário. Nenhuma delas nasceu em favela, nenhuma delas nasceu em periferia. Todas, sem exceção, nasceram do caos do crescimento penitenciário. O Deputado Capitão Augusto sabe disso. Já conversamos sobre isso. Todas elas nascem do caos penitenciário.
É importante dizer que não ter política penitenciária é a política penitenciária. Isso não é um descaso. Isso, muitas vezes, é um projeto. Quantos presos trabalham? Quantos presos estudam? Qual é a política de assistência às famílias? Qual é a política de acompanhamento do egresso? Não ter política penitenciária é a política penitenciária. Esse projeto não caminha em nenhuma linha sobre a ideia de uma política penitenciária, que inclusive é fundamental para os agentes penitenciários.
O número de componentes das equipes técnicas diminuiu brutalmente. No Rio de Janeiro, Fernando, não há mais médico no sistema penitenciário, não há mais psicólogo. O resultado disso é um trabalho absurdo para os agentes. A ideia é ter só segurança, Deputado Capitão. A ideia de aumentar o muro não é a de evitar fuga, não, é a de não termos vergonha do que acontece lá dentro. É disso que estamos falando. Não se tem política penitenciária, e a solução para enfrentar o crime é ampliar essa política penitenciária, sem nenhum estudo e sem nenhuma expectativa do que isso representa na prática? Como os senhores e as senhoras olham para isso? Essas facções vão aumentar o seu poder, não vão diminuir. Aumenta-se a população carcerária e se colocam alguns presos em RDD, como se isso resolvesse a questão! Não a resolveu até agora, Deputado Fábio, pelo contrário.
No projeto não há uma linha sobre as milícias, um dos grupos que mais cresce hoje no Rio de Janeiro. Hoje, o número de territórios dominados pelas milícias é maior do que o número de territórios dominados pelo tráfico. Eles não partem da natureza prisional. Milícia é um grupo organizado que está dentro do Estado, tem poder e se organiza como máfia. Como se vota um projeto, que tem o objetivo de enfrentar o crime organizado, sem que se deixe claro que ideia é essa de crime organizado? Não diferencia o essencial, que são as formas de organização. A forma de enfrentar isso é decisivamente diferente. Um grupo formado por agentes da segurança pública não é um grupo que se forma a partir da barbárie, que não pode ser reflexo para ação do Estado.
Eu quero dizer que estou falando disso tudo considerando também a eficácia. Estou falando em eficácia. Se existe algo que já se provou ineficaz, é esse modelo, que não está sendo questionado, não está sendo alterado. Então, como enfrentamos o crime organizado, se aumentamos o lugar onde eles nasceram e se proliferam? A classificação do sistema penitenciário hoje, em boa parte das grandes cidades, é feita quase que exclusivamente pela lógica das facções.
Não tem a ver com tipo de crime, não tem a ver com antecedentes, não tem a ver com nada. No Rio de Janeiro, considera-se o local de moradia. Pergunta-se: "Onde você mora? Qual é a sua facção?" Ocorre exatamente isso. Existia um carimbo do Estado — vou trazer uma matéria sobre isso — com que se perguntava o seguinte: "Qual é a sua facção?" O cara dizia: "Não tenho". "Onde você mora?" Ele respondia: "Eu moro na favela tal". "Ah, então é a facção tal! Você vai para o presídio da facção tal." Estou falando do Rio de Janeiro no século XXI.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Passo a palavra ao Deputado Fábio Trad, para que faça as suas considerações, por 5 minutos.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Presidente, parabéns mais uma vez pela condução dos trabalhos e pela forma inteligente com que compôs as Mesas! Reputo que a da primeira audiência pública foi extremamente bem formada, com uma pluralidade de abordagens, muito enriquecedora teoricamente. Então, eu renovo a minha admiração pela forma como V.Exa. vem conduzindo os trabalhos.
Eu acho que são muito importantes os comentários dos colegas Parlamentares. São comentários que aprimoram e qualificam o debate proposto como objetivo primordial deste Grupo de Trabalho. Mas eu prefiro — V.Exa. sabe disso — fazer mais perguntas, para que possa haver a participação mais efetiva dos convidados, embora entenda, reitero, que são muito importantes os comentários dos colegas.
Profa. Luciana Boiteux, eu nunca vi na mídia programa sobre paz, tolerância, solidariedade, nunca vi na mídia programa sobre amor, sobre amizade, sobre virtudes, mas vejo muito na mídia programas sobre violência, formas de criminalidade. Quando se põe a mão no controle remoto, ela fica ensanguentada. Quando assistimos, na hora do almoço, a um programa de televisão que costuma ter muita audiência, o chuchu passa a ter gosto de sangue, o arroz passa a ter gosto de sangue. Então, eu pergunto à professora: a grande mídia tem alguma parcela de responsabilidade na difusão daquilo que a convidada colocou, com muita propriedade, a meu ver, a respeito dessa sensação de medo da população? Este elemento primordial, o medo, é que demanda maior repressão. Isso é o que demanda maior repressão.
Nós estudamos, como disse o Deputado Fausto Pinato, fizemos mestrado, fizemos doutorado, mas a grande massa, a grande maioria da população não fez. E o que ela recebe como informação? Quando o cidadão chega do trabalho cansado em sua casa, ele só vê crimes e jargões, como o de que o Brasil é o país da impunidade, que não se prende isso, que não se prende aquilo. Então, a reação natural de quem não teve as condições que nós tivemos de estudar e de se aprofundar é a de se defender. Como ele vai se defender sem os conhecimentos técnicos e teóricos que nós temos? Vai pedir mais repressão.
Em que medida, portanto, a grande mídia tem contribuído para a difusão desse medo, o elemento que, manipulado por forças políticas, justifica maior repressão, ainda que saibamos que isso seja equivocado?
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Há outra questão que eu gostaria que a Profa. Luciana abordasse — farei duas perguntas a cada expositor. Eu não vejo nos Estados Unidos, por exemplo, Ministro da Suprema Corte dando entrevistas, não vejo Ministros da Suprema Corte sendo tratados como figuras pop. No Brasil, a partir do momento em que se começou a televisionar os julgamentos do Supremo... Às vezes, vemos até um Ministro tecendo comentários sobre um processo que está sendo analisado por outro. E a LOMAN prevê que isso é proibido. A pergunta que faço é a seguinte: essas abordagens violentas nas ruas contra alguns Ministros, isso, de certa forma, não é fruto do erro do próprio Supremo, que, a pretexto de imprimir transparência aos julgamentos, passou a admitir o televisionamento dos julgamentos do Pleno? Pergunto ainda se não podemos prestigiar o princípio da transparência, como em vários outros países do mundo, e sem a massificação. Passa a haver torcida a favor e torcida contra. Como o medo é o elemento primordial que pede mais repressão, quem procura prestigiar a Constituição, adotando os princípios, os valores elencados no art. 5º, evidentemente estará contra a opinião pública. Essa pessoa passa então a ser admoestada nos restaurantes, nas ruas, como se criminosa fosse.
Em relação à abordagem do meu querido amigo advogado, que inspira gerações, o Prof. Alberto Zacharias Toron, pergunto qual é a avaliação que ele faz a respeito da possibilidade de o Brasil pensar em equacionar essa contradição. O Brasil praticamente descriminalizou o uso de drogas, mas criminaliza o tráfico. Quando se descriminaliza o uso, qual é a mensagem indireta? Aumento da demanda pela droga. Mas se criminaliza o tráfico. Em vez de se criminalizar o uso — pergunto ao Prof. Alberto Zacharias Toron, ao advogado Alberto Zacharias Toron, ao jurista Alberto Zacharias Toron —, não seria o momento de pensarmos na regulamentação da distribuição e do comércio de drogas?
Osmar Terra, Ministro do Governo Bolsonaro, é um estudioso dessa temática e tem uma solução diferente da minha, porque é repressivista. Ele disse o seguinte: "Engraçado, eu vejo que 2, 3, 4, 5, 10 toneladas são apreendidas, mas o valor da droga não se altera. Nunca se altera. No varejo ou no atacado, o valor é sempre o mesmo". Eu pergunto: será que já não perdemos a guerra, se é que posso, sem imprecisão terminológica, dizer "guerra"?
Será que não é o momento de pensarmos, como sugeriu Fernando Henrique Cardoso, sobre essa questão?
Dirijo uma segunda questão ao Prof. Alberto Zacharias Toron. O Júri é uma garantia, certo? A soberania dos vereditos é uma garantia. Como é que vamos usar uma garantia individual do cidadão contra o próprio cidadão, a partir do momento em que se suprime o direito ao recurso, impondo-se obrigatoriamente a execução da pena, no caso de sentença condenatória do Júri? Isso não vai propiciar uma fuga, digamos assim, de réus que não vão querer mais se submeter a essa situação, vão fugir, considerando a suposição de que, se condenados, vão ser imediatamente presos? E o direito ao recurso? Não existe duplo grau de jurisdição expressamente na Constituição, mas está lá a previsão do devido processo legal. Não seria um contrassenso usar uma garantia individual contra o cidadão?
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Minha pergunta agora é dirigida ao Procurador da República Vladimir Aras. Realmente nós temos que pensar na vítima, mas o superencarceramento não poderá aumentar o número de vítimas não só do sistema carcerário mas também da própria criminalidade? Sabemos que é nos presídios que nascem as organizações criminosas, perigosas, que precisam ser combatidas?
A segunda reflexão: como eficientemente combater essas perigosas organizações criminosas — algumas, na minha opinião, impropriamente citadas no projeto —, mas articulando princípios no projeto sem afetar a Constituição Federal?
Gabriel, qual é a sua avaliação sobre o plea bargain? Pego um pouco emprestada a preocupação do Toron, que disse que, na avaliação dele, o juiz é quem deveria fazer a mediação. Isso, na sua opinião, seria procedente, deveria realmente o juiz fazer a mediação, para impedir — suponho que seja essa a preocupação do Toron — eventual desequilíbrio de forças entre o Ministério Público e o acusado, muitas vezes desprotegido juridicamente?
Acho que temos de prestigiar mesmo o Fernando, Presidente, porque ele vive o drama que estudamos. Nós estudamos, mas ele acorda e vai lá. Ele almoça lá, está lá. Então, todos os dias ele está vivenciando esse drama. Eu concordo com ele, a privatização dos presídios é uma solução contraproducente. Mas eu gostaria de um comentário dele a respeito da situação dos egressos. Quero saber se ele acha que os projetos apresentados deveriam ter um olhar mais cuidadoso para com os egressos do sistema, uma vez que o índice de reincidência dos que saíram do sistema prisional é alarmante.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Deputado Trad.
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O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Hoje eu percebi que a reunião foi mais opinativa do que propriamente jurídica, como ocorreu na primeira audiência. Mas isso é ótimo também, porque serve ao nosso convencimento e para o convencimento dos demais Deputados.
Pelas observações que fiz aqui — vi que foram mais ou menos na mesma linha —, vou fazer perguntas diretamente à Luciana, ao Dr. Alberto Toron e ao Gabriel.
Eu vejo que há uma preocupação muito grande a respeito do encarceramento. Só que precisamos lembrar também que esse projeto trata apenas dos crimes mais graves, dos crimes hediondos, das facções criminosas e também da corrupção.
Isso me lembra até a Gestão pela Qualidade. Na Polícia Militar do Estado de São Paulo, aplicamos isso, Deputado Paulo. Desde 1997, na gestão pela qualidade, utilizamos as ferramentas da qualidade, entre elas o gráfico de Pareto. Dizemos que, se atacarmos 20% das causas, resolvemos 80% das consequências.
Nós estamos trabalhando mais na questão dos crimes graves e não na do pequeno traficante ou dos pequenos crimes, pois nesse caso, sim, poderia haver um encarceramento maior.
Até fica uma pergunta para os três expositores. A atual situação não pode permanecer. Já pudemos ver que essa política de afrouxamento da legislação penal nos últimos 30 anos levou o caos à segurança pública, levou-nos a bater recorde: 65 mil mortes violentas ao ano. Já não aguentamos mais tantos títulos de campeão: somos os campeões de consumo de cocaína de crack; de exportação destas principais drogas, maconha, cocaína; somos campeões de homicídio, campeões de estupro, campões de tudo, da parte ruim, obviamente.
Então, ficam estas perguntas aos três expositores: isso permanece como está, já que são contra o endurecimento da legislação? A opção será a de afrouxar a legislação para esses crimes mais graves, para as facções criminosas e para a corrupção? Essa é até uma curiosidade que tenho. Qual seria a sugestão?
Sabemos que existem as políticas de curto, médio e longo prazos. Todo mundo aqui está cansado de saber que a inclusão social e a educação têm reflexo direto, obviamente, na segurança pública. Mas estamos falando de políticas que vão levar 20, 30 ou 40 anos para acontecer, se acontecerem. A única forma que vemos para se ter algo a curto prazo seria realmente a de se mexer na legislação.
Foi mencionada a questão do superencarceramento. Na realidade, não temos base nenhuma quanto a isso. Há uma especulação, expectativa de que haverá encarceramento. Estou dizendo que estão sendo visados os crimes mais graves. Eu lhes pergunto se não procuram pelo menos refletir sobre a possibilidade de até haver desencarceramento.
Falou-se a respeito da pena relativa a tráfico de entorpecentes, como foi aprovada nesta Casa. Deveria ser igual à prevista para crime hediondo: 15 anos em regime fechado. O Supremo Tribunal Federal acabou derrubando-a. Então, hoje, uma pessoa que é pega com 1 tonelada de pasta de cocaína na divisa do meu Estado de São Paulo com o Paraná não fica mais do que 3 anos encarcerada, não chega a 2 anos.
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O endurecimento dessa legislação, portanto, não seria um desestímulo para aqueles que pensam em fazer o tráfico de entorpecentes, algo que é muito vantajoso economicamente? Na Indonésia, por exemplo, é aplicada a pena de morte, que é uma questão extremista. Houve o caso do brasileiro que foi condenado à morte, foi morto por tentar ingressar naquele país com pasta de cocaína escondida em sua prancha de surfe. Eu me pergunto: quantos outros brasileiros se aventuraram a levar mais cocaína para a Indonésia depois daquela punição?
O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar dispõe sobre punição disciplinar, diz que serve para corrigir o infrator, mas serve também de exemplo para que os demais não cometam aquele erro, aquela transgressão disciplinar. O endurecimento da legislação penal também não serviria de exemplo, para que as pessoas não ingressassem no crime? Trata-se de algo muito vantajoso economicamente. O criminoso não pode receber uma punição tão branda que permita que não fique preso nem 2 anos na penitenciária, e tem direito a visitas íntimas, a saídas temporárias, e por aí vai. Será que, com o endurecimento da legislação penal, com uma punição muito mais rigorosa do que a que existe hoje, também não poderia haver um efeito contrário ao do que eles estão pregando, no sentido de haver um desencarceramento? Na realidade, a pessoa poderia refletir dez vezes antes de cometer um crime, se a punição fosse muito mais rigorosa do que a que existe hoje. Não há hoje uma sensação de impunidade, há uma impunidade tácita no País. Todos os artigos da Lei das Contravenções Penais não geram punição. Todos, 100%! Aliás, 95% dos artigos estabelecidos no Código Penal não geram qualquer tipo de punição. O gasto é muito maior do que o da própria pena, que é o de uma cesta básica.
Eu perguntei ao então Ministro da Justiça Eduardo Cardozo — nunca me respondeu, mas há a prática das ruas — a respeito do cumprimento efetivo da pena no caso dos cinco principais crimes no País. Quem comete o crime de homicídio, pasmem, não fica mais do que 3 anos preso. Querem mais impunidade do que isso? Eu não sei quem teve a feliz ideia de dizer que há estrutura suficiente no País para verificar se o preso, em casos de saída temporária ou progressão de pena, está realmente se recolhendo às 22 horas na sua residência ou se está em local incompatível com esse cumprimento de pena. Eu não sei quem estabeleceu isso e que estrutura haveria para fiscalizar essas medidas.
Sobre essa legislação, portanto, o que nós faríamos? Já que são contra o seu endurecimento, devemos abrandar mais as penas? Já vimos que manter a legislação como está não é a solução.
Gabriel disse que 64% dos presos são negros, mas quero lembrar que 54% da população brasileira é negra. Então, proporcionalmente não há muita diferença. Para nós policiais — fui por 24 anos policial militar, assim como o Deputado Subtenente Gonzaga — é indiferente se a pessoa é negra ou branca. Para nós existe bandido, marginal, e existe gente honesta, decente. A cor, para nós, é o que menos importa. Se o sujeito é japonês, se é indiano, não há a menor diferença. Se é criminoso, se é marginal, vai ser preso da mesma forma. Pelo menos é isso o que os bons policiais pregam e praticam nas ruas. Não estamos falando dos maus policiais. Nós somos a instituição que mais corta na própria carne. Não temos receio nenhum de apurar e de prender. Só no Estado de São Paulo, mais de 700 policiais militares são expulsos por ano por condutas que não se coadunam com o que apregoamos.
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Eu pergunto ao Dr. Vladimir Aras se o plea bargain irá, de alguma forma, auxiliar na redução do encarceramento. Há risco de acusados pobres serem forçados a assinar o acordo? O confisco alargado é uma medida que ajudará a combater a criminalidade organizada? Não há possibilidade de violação dos direitos fundamentais?
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
O SR. SUBTENENTE GONZAGA (Bloco/PDT - MG) - Boa tarde, Presidente e demais Parlamentares. Cumprimento especialmente os nossos convidados de hoje. Todos têm um papel fundamental na formulação das nossas convicções aqui. Infelizmente, não pude acompanhar todas as exposições por conta da homenagem prestada aos policiais e aos bombeiros militares no plenário. Eu estava vigiando a hora de me manifestar.
Eu não vi, e me parece que está incluída na pauta de hoje, a abordagem sobre o tema da alteração da punição para uso de arma de fogo. O projeto altera três ou quatro artigos e agrava a pena para os agentes públicos, para aqueles que o estatuto já havia concedido o porte ou a posse, com certo privilégio em relação aos demais, que são os próprios agentes públicos, os caçadores e os funcionários de empresas de valores, de segurança que também detêm o porte. A minha pergunta é a seguinte: se estamos num processo inclusive de ampliação do direito à posse, a partir do decreto que foi editado, qual seria a lógica de aumentarmos a pena somente para esses que têm o direito ao porte? Se nós reconhecemos o risco do uso incorreto da arma de fogo — estamos aqui falando de tráfico, inclusive do disparo — e estamos propondo que sejam punidos com mais rigor aqueles que detêm o porte, até por razões óbvias da profissão, não teríamos que ter também a mesma conduta ou a mesma preocupação com aqueles que têm apenas o direito ao porte? E agora foram ampliadas todas as possibilidades, com a presunção da real necessidade trazida pelo decreto.
Quanto à resistência, boa parte dessas medidas que estão sendo propostas dialoga diretamente com os policiais militares. Não dialoga com os policiais federais, não dialoga com os policiais civis, não dialoga com os agentes, com os bombeiros. Dialoga com o policial militar, e eu sou policial militar. Tenho tido muita preocupação a respeito de como vamos trabalhar. Os policiais militares receberam com entusiasmo essa proposta, haja vista que a narrativa era a de dar garantias à atuação policial. De fato, os policiais se sentem extremamente desprestigiados ao longo de todo o processo da nossa democracia.
A categoria dos policiais militares foi a única que nem Sarney, nem Collor, nem Fernando Henrique, nem Lula, nem Dilma, nem Temer e até agora nem Bolsonaro receberam para que suas condições de trabalho fossem, de fato, discutidas. Nós somos objeto da discussão de todos, mas raramente somos agentes ou protagonistas dessa discussão, como disse o Anunciação relativamente aos agentes.
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Então, vejo que, ao falarem da resistência, ao falarem da excludente de ilicitude, é como se estivessem falando apenas para os policiais militares. Passamos a ser objeto de uma discussão que, às vezes, é bastante preocupante para nós.
Sobre a resistência, eu até tenho um projeto, que já foi aprovado na CCJ. Fizemos lá 6 meses de debate. O Deputado Paulo Teixeira está aqui e sabe que enfrentamos esse debate lá, inclusive no que se refere à tipificação. Ao final, concluímos por uma qualificadora para resistência e desobediência aos agentes de segurança pública, inscrita no art. 144, mas não no sentido dessa perspectiva aqui e sim no sentido da tipificação. Já está tipificada a resistência e também a desobediência. Nós nem tratamos do desacato. Eu entendo inclusive que, no Código Penal Militar, o desacato tem muito de provocação, às vezes, e menos de ação espontânea do agente. Mas a resistência e a desobediência são atos deliberados do cidadão.
Em relação ao sistema prisional e ao encarceramento, alguns números no Brasil são trágicos. Temos a terceira maior população carcerária, sendo que 40% dessa população é de presos provisórios. Temos, pelos dados do CNJ, 900 mil mandados de prisão em aberto, a serem cumpridos. Temos o pior índice de elucidação de crimes do mundo: 8% em relação aos crimes de homicídio, segundo as estatísticas disponíveis, e menos de 3% em relação aos demais crimes. Há essa tragédia quanto ao tamanho da população carcerária, há o encarceramento a partir de uma condenação de 8 anos, e milhares de crimes estão sendo prescritos.
Então, é possível falarmos em avanço ou eficácia da legislação sem que tenha um efeito efetivo no encarceramento? Se trabalharmos apenas com a lógica de que não podermos encarcerar, é possível falar em melhorar a capacidade de elucidação de crimes no Brasil, para que haja índices aceitáveis ou desejáveis, semelhantes pelo menos aos do Chile, da Argentina, do Uruguai ou do Paraguai, que estão acima de 70% ou 80%? Como vamos trabalhar apenas com a perspectiva de condenar o encarceramento, se a nossa realidade é trágica nesse sentido? Não podemos falar em eficácia no sistema de persecução penal, porque vamos aumentar a número de casos de crime elucidados e, por consequência, o número de denúncias e, por consequência, o número de julgamentos. Esta é a pergunta: é possível falarmos em tornar mais eficaz o sistema de persecução penal no Brasil sem que tenhamos que trabalhar com a consequência óbvia de maior encarceramento? É a pergunta que apresento aos senhores e às senhoras.
A investigação criminal não é tema desta reunião, mas acho que vou começar a trabalhar isso neste grupo, Presidente, para que tenhamos, ao final, quem sabe, um posicionamento sobre o modelo de atuação da polícia no Brasil. Não adianta instrumentalizar a Polícia Federal — está aqui o nosso Deputado Sanderson — e continuar a haver essa restrição gigantesca em relação ao volume de crimes que acontecem no Brasil, em relação à competência e ao alcance da Polícia Federal e também da Polícia Civil. Noventa por cento da atuação diária na segurança pública é da Polícia Militar.
Como é que nós vamos falar em instrumentalizar o Estado para aumentar a sua capacidade de investigação, se continua a restrição às investigações promovidas pelas Polícias Militares, pela Polícia Rodoviária Federal?
Nesse sentido, eu faço a seguinte pergunta, considerando-se a questão do infiltrado: poderia ser dada à Polícia Militar, levando-se em conta o seu tamanho, a sua ocupação territorial e o fato de atuar no maior volume de ações criminais, a competência para ter esse tipo de atuação, realizar essa função de infiltração? Seria dada também ao policial militar a competência para, disfarçado, participar de compra de droga, de arma? Estaria legitimado, de fato, para fazer o flagrante ou essa seria uma competência, dentro da lógica da organização policial brasileira, apenas das polícias denominadas de polícias judiciárias?
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Faço a última pergunta — todos estamos ultrapassando nosso tempo de fala aqui. Quero saber se o texto proposto, no caso da execução da pena em segunda instância, supera a discussão constitucional sobre essa execução de pena.
Eu não sou advogado, não sou bacharel, sou policial militar, mas acompanho o debate, que não é apenas sobre o Código de Processo Penal, é sobre o caráter constitucional do trânsito em julgado, ou seja, ninguém será considerado culpado sem que haja o trânsito julgado. Eu digo que sou defensor da tese da execução da pena em segunda instância. Acho que não podemos considerar que o controle de legalidade seja competência exclusiva do Supremo. É impossível trabalharmos isso e querermos eficácia na persecução penal. Acho que a primeira instância tem que ter a responsabilidade de fazer um julgamento justo, correto, ela não pode delegar essa responsabilidade ao Supremo só porque a questão vai chegar lá.
Então, eu entendo que a segunda instância é suficiente para termos garantia do controle da legalidade, da produção de prova de inocência ou de culpa. Quero que fique claro que sou defensor da execução da pena em segunda instância. Mas a minha pergunta é esta: é possível superarmos, numa legislação infraconstitucional, a discussão, o debate, sob o ponto de vista constitucional, de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado? Digo isso porque, senão, vamos aqui ficar discutindo teses e, ao final, o Supremo vai voltar e declarar que a lei não pode superar esse entendimento.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Sra. Presidente, Deputada Margarete Coelho; Relator, Deputado Capitão Augusto, meus cumprimentos. Cumprimento igualmente os convidados — que grande time de convidados tivemos hoje! —, o grande criminalista Alberto Zacharias Toron, a Profa. Luciana Boiteux, o Procurador Vladimir Aras, o advogado e professor de Direito Gabriel de Carvalho Sampaio e também o Sr. Fernando Ferreira de Anunciação. Quero parabenizá-los.
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Eu pergunto: por que o Ministro Moro mandou esse projeto para cá antes de apresentar um plano nacional de segurança pública? Nós queremos um plano nacional de segurança pública que dê segurança aos cidadãos, que dê condições de trabalho à polícia, que invista na polícia, para que ela possa desarticular o crime antes que ele aconteça, que possa combater as organizações criminosas. Ele não apresentou um plano nacional de segurança pública.
Do ponto de vista carcerário, nós temos que destinar o cárcere às pessoas que cometem crimes violentos. A esse respeito, quando o Ministro Alexandre de Moraes esteve aqui, disse que apresentava um plano de prisão, mas que achava que tais crimes não deveriam mais ser tratados com prisão. Portanto, o que se está discutindo aqui é o impacto sobre o sistema carcerário; não se trata só prender, mas também de saber quantas vagas existem, quanto custa cada preso, quem vai sair de lá... Isso também o Ministro não apresentou.
Eu lembro de que Deputada Margarete Coelho perguntou a ele se tinha uma proposta de impacto, e S.Exa. respondeu: "Não tenho. Mas os senhores poderiam aprovar o projeto como um exemplo, como uma sinalização para a sociedade..." O Deputado Marcelo Freixo se lembra de que nós três fizemos a mesma pergunta ao Ministro, que reconheceu que sua proposta não tinha impacto. Ou seja, o Ministro apresentou um plano sem apresentar um plano de segurança pública, apresentou um plano sem mostrar o impacto e, quando lhe perguntaram com quem havia discutido o tema — na justificativa do projeto do Ministro Alexandre de Moraes há uma série de entidades e pessoas com quem ele discutiu a questão, o que não existe no projeto do Sergio Moro —, ele novamente não disse com quem havia discutido. Não há essa informação na justificativa do seu projeto.
Primeira. A proposta, sem discutir a política penitenciária, eleva a população de presos e produz, no sistema carcerário, um agravamento do locus da organização no crime contra a sociedade brasileira. O crime na sociedade brasileira hoje é organizado dentro do sistema penitenciário. Muito lugares já são controlados pelo crime. E eu tenho aqui o assentimento do Fernando em relação a essa minha afirmativa.
Segunda. A proposta produz uma licença para matar, recuperando, inclusive, situações como a de a pessoa poder matar sob violenta emoção. Ele traz isso para dentro do projeto. Numa sociedade que já tem uma letalidade policial inaceitável, ele dá a ordem para matar e amplia crimes como, por exemplo, o feminicídio. Ele estabelece essa relação aqui.
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Então, se ele não tem um plano de segurança, não a proposta não causa impacto no sistema penal, se ele não discutiu com a sociedade, por que ele teve pressa? A resposta é porque esse projeto dá votos. Não dá segurança para o povo, mas dá votos. Ele debate no âmbito do populismo penal. Ele trabalha o que o Deputado Fábio Trad tão bem definiu: ele ganha votos a partir do medo das pessoas — é o populismo penal. E por que ele tem pressa? Porque ele tem um projeto eleitoral. Sergio Moro é candidato a Presidente da República.
Eu recomendo aos senhores que leiam este artigo de uma pessoa de um especto político de oposição a nós. Eu sempre o li com muita reserva, mas recomendo que leiam este artigo do Demétrio Magnoli: Governo Bolsonaro é só uma escala técnica na rota do Partido dos Procuradores. Quem é Partido dos Procuradores? São os Procuradores da Lava-Jato que tentaram ficar com 2,5 bilhões da PETROBRAS para si para fazer política eleitoral, junto com Sergio Moro, seu candidato. Aqueles celerados Procuradores da Lava-Jato têm um projeto político eleitoral. E, nesse projeto político eleitoral, o candidato deles é o autor desse projeto, Sergio Moro.
Por que ele tem pressa? Esse projeto, por exemplo, entrou na Câmara, o Presidente pediu para criarmos este Grupo, e ele pediu então para tramitar no Senado. Está dando velocidade ao projeto no Senado. Por que ele tem pressa? O projeto entrou na Câmara, tem este grupo para discuti-lo, já há a programação das sessões, mas há um pedido de urgência coordenado pelo próprio Relator deste Grupo. Eu gostaria de saber se é verdadeira essa informação, que saiu na imprensa semana passada.
Ele tem pressa porque ele tem um calendário eleitoral. Ele está se lixando para o Brasil e para as consequências do projeto. O Partido dos Procuradores queria um fundo de 2,5 bilhões de reais, mas o Supremo impediu. Esse fundo de 2,5 bilhões de reais, Deputado Subtenente Gonzaga, era para financiar a atividade política eleitoral deles. Quando o Supremo proibiu, eles abriram guerra com o Supremo Tribunal Federal. Eu acho que o Supremo errou ao tomar a medida de censura. Ele tinha que chegar em quem estava vazando aquelas notícias, ele iria chegar a servidores públicos na ativa. E ele tem que fazer isso, porque parte de servidores públicos estão fazendo guerra contra as instituições deste País. Ajudaram a derrubar a Presidente da República, dizendo que iríamos ter empregos, e prenderam Lula para tirá-lo da eleição. Depois embarcaram no Governo Bolsonaro, tanto que Moro é Ministro. Agora, como não há os empregos que prometeram, eles querem dar para o povo repressão penal, o que gera mais risco para os policiais. Como não dão políticas sociais, como não conseguem dar empregos, oferecem repressão penal.
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Por isso, vamos fazer com que os resultados desta Comissão, Deputada Margarete Coelho, tão bem conduzida por V.Exa. e com Deputados da melhor qualidade, possam ajudar o Brasil a ter uma legislação processual penal de qualidade. Há elementos tanto no projeto de Sergio Moro quanto no de Alexandre de Moraes que devem ser aproveitados. Nós também devíamos nos debruçar sobre o projeto de Alexandre de Moraes. O Instituto dos Advogados Brasileiros — IAB, que fez um estudo sobre o projeto de Sergio Moro, precisa fazer um sobre o projeto de Alexandre de Moraes, que também faz parte de nossa pauta.
Encerro fazendo um alerta aos meus nobres colegas. Nós estamos aqui nos dedicando muito a esse estudo. Eu acordei hoje às 4 horas da manhã para tentar pegar o avião das 6 horas, mas não havia — acho que o problema da Avianca está dificultando encontrar vagas... Enfim, estou vendo o esforço desta Comissão, mas esse esforço não pode ser esvaziado pela pressa do Ministro do Partido dos Procuradores candidato a Presidente da República.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Eu percebi na fala de todos uma certa crítica — até certo ponto procedente, já adiantando o meu ponto de vista — com relação às questões de tipos penais abertos, sanções desproporcionais em relação ao delito, sanções vagas. Será que nós estamos caminhando para o Direito Penal do Inimigo, do alemão Günther Jakobs? Será que nós, com a ajuda de nossos convidados, com a ajuda de todos os Parlamentares que compõem este Grupo de Trabalho, conseguiríamos nos esforçar e nos debruçar sobre o texto, trabalhar o fechamento desses conceitos e delinear cada um deles, uma vez que o Direito Penal tem que trabalhar necessariamente com tipos bem definidos, bem objetivos, a fim de diminuir ao máximo a discricionariedade do Poder Judiciário? Nós temos percebido os estudiosos da área caminharem no sentido da justiça restaurativa. Será que nós não poderíamos fazer um trabalho mais dedicado sobre o texto e caminharmos mais no sentido da justiça restaurativa, atendendo também à questão da prevenção?
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Quero também comentar um ponto que é tratado somente no texto do Ministro Moro, o art. 395-A. Ele não tem nenhuma correspondência no Projeto de Lei nº 10.337, de 2018, nem no outro ou na nossa legislação. Refiro-me à proposta de acordo após o recebimento da denúncia, com aplicação imediata de pena. Não seria difícil a aplicação desse dispositivo, tendo em vista que nós não trabalhamos com nivelamento de risco? Se nós trabalhássemos com nivelamento de risco, tiraríamos o risco grave da aplicação desse dispositivo, trabalhando com risco médio e baixo risco e evitando, assim, a aceleração do aprisionamento. Não estou sendo, de forma nenhuma, abolicionista, apenas estou privilegiando a gestão de risco. Será que uma gestão de risco eficiente não traria mais eficácia a esse dispositivo, ou até mesmo a sua desnecessidade, dentro do nosso sistema?
Com relação aos arts. 492 e 584, com relação ao recurso à pronúncia sem efeito suspensivo, parece-me que isso vai promover uma inflação nos recursos, do que o Poder Judiciário já se queixa tanto. Quando se inverte a lógica do recurso tirando-se dele seu efeito clássico, o efeito suspensivo da sua aplicação, a aplicação imediata e a suspensão passam a ser a exceção. Com isso, não estaríamos também inflando o processo? Em vez de promover eficácia, o que se percebe como uma das linhas mestras nesses projetos, creio que estaríamos caminhando em sentido contrário, na medida em que, ao negar efeito suspensivo imediato, natural, passaríamos a exigir a exceção e, com isso, aumentando o número de recursos?
Por fim, sobre a suspensão da execução da condenação criminal em sede de embargos infringentes e de nulidade, será que também isso não retardará a prestação jurisdicional, além de ter pouquíssima repercussão na política criminal?
Essas são considerações que deixo aqui relativamente ao texto do projeto de lei posto para estudo por este Grupo de Trabalho.
Renovo nossos agradecimentos a todos os palestrantes. Sei que a hora de cada um tem um custo bem elevado e quero agradecer a paciência de permanecerem até o final para responder aos nossos questionamentos.
A SRA. ADRIANA VENTURA (NOVO - SP) - Presidente, parabéns pelo seu trabalho! V.Exa. tem sido muito elogiada, e me deixa orgulhosa ver uma mulher presidir uma sessão tão bem e de maneira tão bonita.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputada.
A SRA. ADRIANA VENTURA (NOVO - SP) - Vou ser rápida. Farei apenas duas perguntas específicas, porque é 1 hora da tarde, e muitos, como eu, vão participar da reunião da CCJ que começará daqui a pouco.
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13:00
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A primeira pergunta é para o Dr. Aras: na sua opinião, a criação da figura do agente infiltrado poderá trazer benefícios efetivos no combate à criminalidade? Quais seriam esses benefícios?
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputada Adriana.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Como a senhora tem ainda 3 minutos para suas considerações finais, pode fazer uso desse tempo já agora.
Eu comecei a falar e agora, depois de escutar todas e todos, é importante fazer, de alguma forma, um fechamento, uma síntese das contribuições. A minha ideia é também poder trazer algo mais detalhado, inclusive com a indicação dos artigos — eu posso encaminhar depois, já que por ora são só anotações.
Quero parabenizar a Deputada Margarete pela condução e dizer que nas universidades e nas diversas instituições está havendo muita produção acadêmica e pesquisa sobre esses temas. Eu me comprometo a encaminhá-las depois. Estou aqui com um boletim do IBCCRIM com comentários sobre todos os artigos, e vai sair também uma segunda edição. Na quinta-feira estarei de volta, vou ao Rio e volto na quinta-feira, pois faremos no Plenário 9, das 9 horas da manhã até a parte da tarde, um seminário sobre política de drogas e mulheres encarceradas. Estamos trazendo, juntamente com o IBCCRIM e a Plataforma Brasileira de Política de Drogas, uma especialista norte-americana que acompanha a legislação no mundo sobre mulheres encarceradas, para uma exposição na parte da manhã, com tradução simultânea; na parte da tarde, haverá Mesas específicas sobre esse tema que, de alguma forma, provoquei aqui, que é o alto índice de encarceramento de mulheres. O tema da política de drogas que eu trouxe está diretamente ligado a isso.
Eu começaria, portanto, dialogando com o Deputado Capitão Augusto, dizendo ao senhor que suas perguntas são muito importantes. Eu não vou conseguir responder a todas em 8 minutos, mas me comprometo a encaminhar por escrito ao senhor tudo o que eu não conseguir responder. Eu venho debatendo todos esses temas e, especialmente, em quase 20 anos de magistério, com os meus alunos de criminologia, temos debatido se, afinal de contas, aumentar penas traz mais segurança? A pena tem efeito intimidatório?
Isso não é um debate qualquer, porque de alguma forma o que orienta essas mudanças, o que tem orientado a nossa política legislativa, penitenciária é esse mito, que eu chamo de mito porque não temos nenhuma evidência de que aumento de pena ou endurecimento de condições carcerárias tenha qualquer impacto na redução seja da criminalidade oficial, seja da criminalidade não registrada, porque também os números que temos de criminalidade passam por um filtro. Posso mandar depois o que temos de estatísticas, de registros, de ocorrências para os senhores.
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Estou fechando, junto com equipe da UNIFESP, o segundo Relatório Brasileiro sobre Drogas. Era para ele estar pronto, mas não está por questões burocráticas que não são de responsabilidade da universidade e sim da SENAD. Ele já era, inclusive, para ter sido entregue aos senhores. Há todo um capítulo no qual faço uma análise justamente das políticas de combate às drogas em relação aos registros, às apreensões que temos hoje. São dados públicos da Polícia Federal. Tenho também dados da SENASP, que é a Secretaria que compila todos os registros de ocorrências dos Estados.
Na análise, verificamos que não há uma relação entre aumento de encarceramento ou de aumento de apreensões. A eficiência ou não da polícia ou dos agentes que atuam nessa repressão não tem relação direta... Vou dar um exemplo: como conseguimos saber quando a Polícia Federal é mais eficaz na apreensão de drogas? Quando ela monta equipes, tem uma organização interna de inteligência e de foco em grandes apreensões. Podemos mostrar os dados relativos aos momentos — conseguimos comparar operações específicas que foram feitas pela Polícia Federal — em que houve grandes apreensões de drogas.
Como combater o tráfico de drogas? Se houver foco no grande traficante, na criminalidade das fronteiras, haverá, no mínimo, uma atuação mais eficiente. Mas há limites. Nesse sentido, é muito importante ter acesso a dados. Infelizmente, este Governo, tanto na pesquisa da FIOCRUZ sobre drogas como na pesquisa da UNIFESP que esperamos que esteja disponível logo, não está optando por uma linha de publicidade.
Eu acho que esta Comissão tem um papel importante de fazer análises de dados da realidade, porque, senão, essa ideia de que intimidação por si só basta, de que basta aumentar a pena que será resolvido o problema — ideia que nós questionamos na criminologia —, não apenas vai garantir muita injustiça, como também afetar os crimes pequenos.
A esse respeito, aproveito a oportunidade para dialogar com a Deputada: por que isso afetaria os crimes pequenos? Porque o tráfico de droga é crime hediondo, qualquer que seja a quantidade, qualquer que seja a situação.
Eu quis trazer esses dados, porque se fala em combater corrupção, estupro, homicídio, mas o foco está na repressão ao pequeno tráfico. Isso é demonstrado nos dados apontados. Debater segurança pública, prevenção é saber quais são os registros, a demanda necessária para incidir sobre outro crime.
Outra questão importante é que ninguém, nenhum criminoso abre o Código Penal nem acompanha nossos debates. Nem eu, como professora de Direito Penal, por exemplo, sei quais são todos os crimes, todas as penas. Ninguém faz esse cálculo. Após o sequestro do ônibus 174 no Rio de Janeiro, há uns 20 anos, propuseram o aumento de penas para sequestros de ônibus, como se isso fosse lícito ou não. Usamos essa argumentação no senso comum, e a população em geral acha que isso funciona, mas, do ponto de vista das evidências, não há nenhuma evidência de que isso... Se a maioria das pessoas que estão presas não têm ensino médio, se muitas mal sabem ler, como vão entender como se aplica uma pena?
Isso que se debate aqui fica no nosso nível de compreensão, mas, na prática, não impacta. Portanto, não temos nenhuma evidência desse efeito intimidatório. Essa é a realidade.
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As pessoas se envolvem com o crime já contando com a impunidade, pois o sistema é seletivo. Se todos os crimes que todas as pessoas praticam todos os dias viessem a ser registrados e houvesse aplicação de pena por eles — maior ou menor, proporcionalmente —, o sistema não daria conta e entraria em pane. Então, o sistema já é seletivo: ele vai selecionar quais são os seus alvos. Hoje, nós selecionamos os pequenos. Raramente chega um criminoso grande na cadeia. São esses pequenos, como eu mostrei nos dados de apreensão, que estão sendo o alvo. Só que eles retroalimentam o próprio sistema criminoso.
Então, para qualquer proposta legislativa que pense em eficiência e que pense em eficácia dar certo, é preciso, primeiro, haver uma Justiça mais ágil. Não é necessário reduzir recurso, não é necessário aumentar pena. Está se batendo no que está errado, ou seja, o alvo da nossa política está errado. Se formos analisar profundamente os dados da realidade — eu me disponho a depois trazer e explicar os dados para o senhor —, veremos que eles estão na contramão de tudo o que está proposto aqui.
Nós estamos discutindo como aumentar o tempo de progressão de pena do crime hediondo de um garoto negro que vai ser preso como traficante, com 10 gramas de maconha. Com a Polícia Militar do Rio de Janeiro já foi encontrado um manual que já apontava quem era o inimigo: o jovem negro. Ele está no livro da polícia e vai ser o alvo. Se uma pessoa branca for presa no Leblon, mesmo que com quantidade superior, a chance de ela ser tratada como usuária é muito grande, porque ela é branca e mora na Zona Sul do Rio de Janeiro, é rica. Há juízes que justificam a pena dizendo: "Se ele mora na favela e está com essa quantidade de drogas, ele deve ser traficante ou então conhecer o tráfico. Portanto, eu vou condená-lo como traficante e não como usuário, independente da quantidade". Hoje, há inúmeras pesquisas — a minha foi a primeira, em 2009 — mostrando exatamente isso.
A minha proposta de reflexão é esta: independente da compreensão que temos sobre o sistema, temos que investir em práticas restaurativas. E a vítima tem que ser chamada. Se é para fazer acordo de delação premiada, vamos ampliar as hipóteses de ação penal pública condicionada à representação. Por exemplo, quando furtam um celular, eu quero ter o poder de dizer ao juiz que eu não quero que aquele garoto seja preso por furto de celular, que eu abro mão do meu celular. Se é para fazer acordo, vamos trazer a vítima para o acordo, vamos sentar em uma mesa e negociar.
As pessoas são presas hoje no Brasil por furto de celular. Muitas vezes, elas ficam 2 anos presas — às vezes conseguem penas alternativas e às vezes não — ao custo mensal de um celular, que custa uns 2 mil reais — este aqui, que é mais caro. Esse é o custo de um preso por mês, sendo que ele vai ficar 2 anos ou mais preso. Qual é o valor da droga que aquela pessoa porta e quanto custa para a sociedade seu encarceramento, que traz esses resultados absurdos?
Eu poderia ficar falando muito tempo sobre isso, mas vou concluir. O que eu acho, como propostas concretas? Aumento do tempo para progressão de regime para crimes hediondos: sou contra. Isso tem que ser retirado — não há como salvar. Na questão do acordo, a proposta do PL do Ministro Alexandre de Moraes é melhor ao pensar o acordo, porque não envolve pena de privação de liberdade, envolve só penas alternativas. Eu acho essa a melhor linha, e ela pode ser melhorada tecnicamente. Se é para fazer um debate, que se chame a vítima e se faça uma mediação, ampliando o que há hoje nos Juizados Especiais Criminais, que exercem um papel importante também.
Ocorre, contudo, que esses juizados estão hoje sobrecarregados de processo. As varas criminais no Rio de Janeiro estão sendo reduzidas. Na verdade, aumentamos o sistema penitenciário, mas o número de processos está cada vez mais reduzido, pois estão sendo extintas as varas criminais no Estado do Rio de Janeiro. Por quê? Porque estamos prendendo errado, estamos prendendo mal.
Por fim, falo sobre a questão da violência. Se esse PL focasse na redução da violência, no controle de armamentos, na avaliação das medidas que podem ser adotadas para reduzir-se o número de pessoas executadas hoje no Brasil, ele daria no geral uma grande contribuição. Temos no Brasil, Coronel, um número recorde de estupros, temos um número muito alto de feminicídios, temos um número muito alto de homicídios, mas o número da circulação de drogas no País nem é tão alto assim para pensarmos, por exemplo, na aplicação de pena de morte, como ocorre nas Filipinas. Para pensar nisso, temos que olhar para as Filipinas, olhar para esses países e verificar qual foi o resultado dessa política. Pena de morte, além de ser inconstitucional, já se mostrou absolutamente ineficaz. Ora, voltando ao início, nós estamos falando exatamente de eficácia, de dar uma resposta para a sociedade.
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Qual a melhor resposta que o Parlamento pode dar para a sociedade? Ouvir as pessoas, pegar os elementos de política pública — análises, dados, pesquisas —, ouvir também aqueles que estão produzindo esses dados — FIOCRUZ, Fórum Brasileiro de Segurança Pública... O trabalho que os senhores estão fazendo é excepcional. Eu queria parabenizar os Deputados e Deputadas que estão aqui construindo este espaço, porque é em espaços como este, ouvindo as pessoas, ouvindo outras experiências, que podemos avançar.
Por fim, há uma pesquisa sobre o número de homicídios. Como é que vamos reduzir homicídios? Ampliar as possibilidades de legítima defesa e resistência para os policiais, sem responsabilizá-los em caso de excesso, pode ser um facilitador de empoderar as milícias. Essa margem da legalidade, essa margem entre o que é legal e o que é ilegal pouco definida... Uma cultura que trabalha no limite é exatamente a realidade das milícias, pelo menos na experiência que temos no Rio de Janeiro. O Deputado Marcelo Freixo é um especialista no tema, e o relatório dele tem que ser lido também para conseguirmos entender esse assunto.
A minha avaliação é a seguinte: se o policial tem medo ou se o policial está colocado em uma situação de guerra em que não deveria estar... Nós não deveríamos estar declarando guerra às drogas, porque drogas são substâncias. Precisamos pensar em como oferecer tratamento e fazer a prevenção, no sentido de que para cada crime é preciso pensar quais são as melhores medidas. Assim, em vez de combater o medo do policial dizendo a ele que o absolveremos, não seria melhor trabalhar esses policiais para que eles tivessem condições de lidar com aquela realidade, para que eles não tivessem que sentir medo, para que eles não tivessem que matar pessoas?
Enquanto olharmos para os resultados do erro de uma política anterior e tentarmos dar um jeitinho — não em relação às causas, mas ao resultado —, vamos continuar fazendo a colcha de retalhos que vem sendo feita nos últimos 30 anos. Eu entendo que, se os policiais estão matando — esse é um dado que ninguém pode negar —, temos que debater com esses policiais por que eles estão matando. A corporação tem que enfrentar esse tema. Dentro da corporação tem que haver mecanismos de controle muito mais firmes. Não se pode achar normal o policial sentir medo, pois, assim, vamos deixar que ele sinta medo, vamos deixar que ele mate, e aliviamos na pena.
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Eu devolvo a pergunta ao Coronel: no raciocínio da intimidação, se estamos liberando a legítima defesa para esses policiais matarem e não serem responsabilizados, não os estaremos intimidando. Com isso, o resultado serão mais mortes. Vejam que a intimidação tem que ser usada para os dois lados. Se estamos usando a lógica de ampliar a punição para se ter um efeito intimidatório, no mínimo o policial deveria estar na sua corporação sendo treinado, reprimido, orientado para não matar, e não receber carta-branca para matar, tipo o 007.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Pois não, Deputado Sanderson.
O SR. SANDERSON (PSL - RS) - Sra. Coordenadora Margarete Coelho, relativamente à fala da professora, a quem admiro como acadêmica, como mestre e formadora de opinião dentro das universidades, eu gostaria de fazer um breve registro — só levarei 2 minutos.
Sistema penal ou de persecução penal infalível no mundo não existe. Não existe! O norte-americano tem problemas, o argentino tem problemas, o da Venezuela, se é que existe algum, tem problemas, assim como o inglês e o alemão. Todos os sistemas de persecução penal, no mundo afora, são falíveis. Ocorre que, no Brasil, não há nenhum sistema de persecução penal, nem sequer falido. Nós simplesmente não possuímos um.
O Deputado Subtenente Gonzaga perguntou com brilhantismo: como tratar de inteligência policial no Brasil sem o chamado ciclo completo de polícia? Eu sou policial federal e sei que a Polícia Federal possui, de certo modo, o ciclo completo, mas questiono como tratar de investigação de fato, séria, com duas meias polícias, ilustre Presidente da Comissão de Segurança Pública?
Há duas, três, quatro, cinco, seis semipolícias, e há tantos crimes, tantos traficantes, tantos corruptos no Brasil, que há crimes para todo mundo. Não há mais espaço para dizer que algo é só para a Polícia Federal ou só para a Polícia Civil. Nós precisamos trazer a Polícia Rodoviária Federal e as polícias militares para o ciclo completo. Diga-se de passagem, as polícias militares são as polícias locais, o que no Brasil não existe. Talvez um dia tenhamos polícias municipais, algo que existe em todo o mundo mas que, no Brasil, é visto como um bicho de sete cabeças. Polícia municipal, polícia local, é algo de que precisamos urgentemente tratar.
Professora, vou aproveitar o gancho. Em 2000, FHC tentou, com todas as dificuldades, levar adiante um plano nacional de segurança pública, mas não conseguiu. Lula, em 2007, também tentou e, apesar de todo o prestígio que na época ele tinha, não conseguiu — foi um fracasso, na verdade. Dilma também tentou por duas vezes, em 2012 e 2015 — foi um fracasso ainda pior do que de Lula.
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13:20
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Deputado, estamos na fase das respostas de nossos palestrantes às perguntas que já foram feitas. V.Exa. pretende fazer alguma pergunta? Talvez fosse melhor deixar suas considerações para o final...
O SR. SANDERSON (PSL - RS) - Sim, já encerro.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Lembro V.Exa., Deputado, de que a convidada já usou o tempo que tinha, já respondeu às perguntas. V.Exa. pode ainda se dirigir aos outros.
O SR. SANDERSON (PSL - RS) - Talvez alguém possa ceder algum tema a ela...
Disse a Professora que aumentar o tempo de encarceramento não vai levar a nada. Bem, diminuir o encarceramento também não vai levar a nada — vamos tratar disso na Comissão de Segurança com o Plenário. Qual a sugestão da academia para essa questão do aumento ou da diminuição do encarceramento como solução para o problema criminal no Brasil?
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Obrigada, Deputado.
Vou tentar tocar rapidamente nos temas que foram objeto das indagações dos Srs. Deputados e das Sras. Deputadas, começando, se me permite, pelos mencionados por V.Exa., que indagou sobre os tipos fechados, sobre a questão dos riscos dos acordos e sobre a preclusão da pronúncia.
Eu creio que sua preocupação sobre tipos fechados é absolutamente pertinente. O tipo é alta função de garantia, e essa função de garantia não pode ser desprezada pelo legislador. Nós já temos alguns tipos penais problemáticos no Brasil e não precisamos ter outros. Creio que a tarefa desta Casa será a de neste debate fazer os fechamentos naquilo que for necessário.
Quanto aos riscos dos acordos de fixação da pena que estão no projeto do Ministro Moro, no art. 395-A, que seria acrescentado ao CPP, eu creio que toda ferramenta processual de algum modo inovadora, com algum grau de intrusividade, mais complexa ou com a qual não estamos acostumados produz algum tipo de receio. No entanto, é preciso que nós coloquemos o receio desses riscos na sua devida perspectiva a respeito dos nossos arranjos institucionais sobre o que é o Ministério Público brasileiro, o que é defesa brasileira, como funciona o processo brasileiro, algo que eu procurei abordar rapidamente no início da minha exposição.
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13:24
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Dr. Vladimir, eu me referia ao risco para a sociedade que representa o agente do delito, não do risco da política em si. Trata-se de pegar o tipo criminoso e aquilatar — não digo classificar, porque eu seria ser trucidada — o risco que ele oferece. Falo sobre gestão do risco: menor potencial, potencial médio, potencial alto.
O SR. VLADIMIR ARAS - Perfeito. Nessa perspectiva mais específica em relação ao risco de fazer acordos penais com criminosos que podem ser perigosos, isso será visto no caso concreto. Eu tenho a perspectiva de que a dosimetria já é um problema hoje no Brasil em relação aos acordos de colaboração premiada e à fixação da pena em relação aos acordos penais de colaboração premiada, e esse problema não deixará de existir se novas formas de acordo forem introduzidas no nosso modelo processual.
Tanto nesse projeto quanto na Lei nº 12.850, no que diz respeito à colaboração premiada, é preciso haver regras mais claras sobre a individualização da pena, para que, no momento do ajuste das propostas e contrapropostas entre as partes e no momento em que o juiz afirmar ou recusar a homologação, haja uma aferição mais adequada em relação a esse aspecto que a preocupa.
Quanto ao tema da interrupção ou não do julgamento pelo júri com a existência de um recurso da pronúncia, o efeito suspensivo, ele me faz lembrar a quantidade de homicídios que nós temos todos os anos no Brasil que nunca são julgados ou que demoram muito a ser julgados. Essa é uma correlação necessária a se fazer. É preciso que nós não percamos de vista a necessidade de equilíbrio entre o direito do acusado de não ser submetido a um julgamento do júri que não deva ocorrer e o daquela parcela da sociedade — infelizmente cada vez maior — que tem seus familiares, seus entes queridos vitimados por crimes de homicídio e que quer ver o júri acontecer, querem ver a hora em que a justiça vai se dar.
Talvez tenhamos que voltar à percepção daquilo que diz respeito à eficiência do modelo processual, à demora do nosso modelo processual. Ligando uma coisa à outra — o processo do júri aos acordos penais —, se nós tivermos mais acordos penais no nosso sistema processual, talvez os processos dos crimes de homicídio ou os processos mais complexos possam ser tocados com mais rapidez pelo Ministério Público, pelo Judiciário e também pelas defesas.
Vamos à pergunta do Deputado Paulo Teixeira. Eu não o estou vendo agora, mas deixo a S.Exa. meu cumprimento pela importante reflexão sobre a necessidade de um sistema de segurança pública harmônico com as ideias de um processo penal também eficiente e garantista, que garanta os direitos dos acusados e das vítimas, da sociedade como um todo. Evidentemente, não se pode prescindir da implantação da Lei do SUSP, uma tarefa muito importante que o Governo tem pela frente.
Vamos à pergunta da Deputada Adriana Ventura sobre a questão da infiltração de agentes como método de investigação criminal. Esses métodos, que têm sido utilizados pela polícia de vários países, Deputada, têm se mostrado de algum modo úteis no combate a certos tipos de criminalidade.
Porém, trata-se de um tipo de investigação — não só infiltração, mas também os agentes encobertos, que são objeto do projeto —, um tipo de mecanismo ou meio especial de obtenção de prova bastante complexo, que às vezes pode causar algumas perplexidades.
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Os expositores de hoje nos trouxeram algumas reflexões sobre isso — o Gabriel especificamente, quando trata da súmula do Supremo Tribunal Federal que cuida do crime impossível —, mas é preciso lembrar que há uma diferença, que aí acho que deve ser a modulação da técnica prevista nesse projeto, a modulação da ferramenta, para que não haja a permissão do agente provocador, do que em inglês é chamado de sting operation, quando o policial provoca a ação de um indivíduo que não estava cometendo crime algum para que esse indivíduo o cometa. Então, se o Congresso conseguir estabelecer essa sintonia, creio que o projeto estará em conformidade com a jurisprudência e com a Constituição.
Sobre as questões do Subtenente Gonzaga, a quem também cumprimento, gostaria de, primeiro, concordar com a sua exposição inicial, em que diz que melhorar o sistema acaba melhorando a eficácia das condenações, o que, evidentemente, gera mais encarceramento. Há um aparente paradoxo quando se busca maior eficiência do sistema: se a polícia conseguisse cumprir todos os mandados de prisão que estão em aberto de pessoas que foram justamente ou devidamente condenadas, o sistema prisional estaria mais colapsado do que já está.
E este ponto me parece que é também preocupação do Deputado Marcelo Freixo e do Deputado Paulo Teixeira: a questão do superencarceramento ou do encarceramento em massa, que, para alguns, existe, sendo que, para outros, o que existe é o mau encarceramento ou a seleção inadequada das espécies penais que levam ao encarceramento. Isso tudo nos leva a pensar que não é possível melhorar o sistema penal e processual penal sem considerar a melhoria da situação carcerária.
Eu costumo dar um exemplo da época em que atuei na cooperação internacional. Nós tínhamos um réu que fugiu para a Itália. Ele foi condenado por peculato, lavagem de dinheiro e corrupção passiva, e a Itália por pouco não o extraditava, por causa do sistema prisional brasileiro. Não se tratava de saber se era um corrupto, um lavador de capitais ou até um traficante. Isso não importava; o que importava era que, para a Europa, no contexto da Convenção Europeia de Direitos Humanos, aquela pessoa não poderia ser extraditada para o Brasil e ficar numa unidade prisional em que os seus direitos individuais não seriam respeitados. Nós precisamos encontrar o ponto comum entre a luta contra o crime grave, especialmente o crime grave que deve resultar em encarceramento, e o respeito aos direitos dessas pessoas que estão encarceradas.
Como a campainha já tocou algumas vezes, eu vou encerrar, comentando as inquietações do Deputado Fábio Trad, a quem também saúdo. Quero dizer que me parece que tanto o Subtenente Gonzaga quanto outros Parlamentares que se manifestaram hoje aqui já trataram de algumas das ideias que podem resultar em aperfeiçoamento do sistema penal e processual como um todo.
A expressão "ciclo completo de polícia" deve ser dita e repetida aqui algumas vezes, porque eu imagino que não conseguiremos enfrentar os problemas do século XXI ainda com o modelo de investigação criminal de polícia do século XIX, talvez inspirado ainda nas intendências de polícia portuguesa da época pombalina, do Marquês de Pombal.
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Além do ciclo completo, cito o intenso uso de tecnologia — e o projeto parece que tem também esse foco — no que diz respeito às perícias; o aperfeiçoamento dos meios de obtenção de prova, inclusive a cautela com a produção probatória, que é objeto do projeto da comissão de juristas; e, sem dúvida, um novo inquérito policial, um novo sistema de investigação criminal, sem o que nós não poderemos cumprir as metas constitucionais e convencionais, que estão muito bem retratadas, por exemplo, na Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, que estabelecem, além do dever de respeitar os direitos fundamentais de todos, prestar, no foco da luta contra o crime, como dever estatal, atenção à proteção às vítimas também.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Dr. Vladimir.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Só lembro que depois eu vou pegar os áudios...
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Não. Mas depois eu vou pegar o áudio e ouvi-lo. É que eu realmente preciso me ausentar agora.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - O Ariano Suassuna diz que falta de educação é falar mal pela frente.
(Risos.)
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Mas faço questão de ouvi-lo depois.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Antecipação de tutela não satisfativa.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Depois eu vou pegar os áudios para ouvi-los. Eu preciso realmente sair.
Mas me deixem só tranquilizar o Deputado Paulo Teixeira, que, num exercício de previsão do futuro, lançou aqui um candidato a Presidente da República, o Ministro Sergio Moro. Primeiro, quero tranquilizá-lo no sentido de que o projeto não tem nada a ver com qualquer candidatura futura. E, se possível, gostaria de agendar uma consulta com o "Pai Paulo Teixeira" para ele ver meu futuro também. Pode ficar tranquilo, porque não há nenhuma relação de candidatura com o projeto.
Quanto à questão da Luciana, digo — e isto vale para alguns palestrantes aqui — que usam muito a Polícia Militar do Rio de Janeiro como exemplo para a do Brasil. Vamos lembrar que temos quase 500 mil policiais militares no Brasil, e o Rio de Janeiro tem cerca de 55 mil policiais militares, 10%. Então, não rotulem ou não utilizem como parâmetro a Polícia Militar do Rio de Janeiro, comparando-a com as demais polícias do Brasil. Aqui nós estamos falando da Polícia Militar do Brasil, não da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
A senhora falou da questão do excesso. Lembro que a excludente da questão do excesso não é para a Polícia Militar, é para todos. É o caso da Ana Hickmann, daquele fã, obviamente com transtornos mentais, que entrou na residência dela, fez de refém a irmã e o cunhado e já iria matá-la, iria matar todos ali, quando o cunhado da Ana Hickmann, utilizando-se de um momento, acabou matando aquele marginal, é óbvio, em legítima defesa, legítima defesa de terceiros. Não há nenhuma previsão no código sobre o número de tiros, então ele quase foi apenado, condenado por excesso. Não tem cabimento isso. Então, essa questão do excesso não é para o policial, é para todos os cidadãos, já que não há nenhuma previsão constitucional para o caso de a pessoa que não está preparada acabar se excedendo quando obviamente agiu em legítima defesa de terceiros e de si própria.
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Também a questão do medo, como foi dito, não é uma excludente prevista, não está nem citada para os profissionais da área da segurança pública. Lembro também que a previsão do medo está no Código Penal alemão. Aliás, o Ministro Sergio Moro mandou para mim, hoje, às 3h30min da manhã, a tradução do Código Penal alemão. Existe essa previsão do termo "medo" no Código Penal de lá, mas, enfim, não é para ser aplicada no caso dos profissionais da área da segurança.
A senhora perguntou se isso serviria para os policiais. Como acabei de dizer, eu, como policial militar, como capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, posso dizer que nós não temos nenhum compromisso com criminosos, com marginais. Como falei com o Deputado Marcelo Freixo, para nós não existe isso no Estado de São Paulo. Acho que a questão das milícias é mais forte no Rio de Janeiro; não sei de outros Estados que as tenham. Mas nós não temos compromisso nenhum com marginais, independentemente de quem eles sejam. Obviamente, dentro da Polícia Militar, uma instituição policial gigantesca, com 500 mil homens, há erros, há marginais infiltrados. Aqui dentro, não consideramos policiais, nós falamos do cidadão de bem.
A senhora citou também muito a questão de exemplos que são exceções. Não falamos da exceção aqui, falamos da regra. A exceção é que existem esses maus policiais que se aproveitam da farda para cometer crimes. E nós somos os primeiros a querer saber quem são. Eu até disse que deveria haver um rigor maior para esses marginais que estão dentro das instituições. Não são policiais militares, são marginais que estão utilizando fardas. E vemos a situação de um policial de bem que trabalha com alguém que é infiltrado pelas facções criminosas, tendo o marginal trabalhando ao lado dele. É óbvio que isso, para nós, é péssimo, e temos o maior interesse de extirpar esse tipo de policial.
Por outro lado — e aqui já fica um apelo ao pessoal do PT, do PSOL, do PCdoB para que nos ajudem —, há muito tempo nós pedimos também que haja maior exigência para ingresso nas Polícias Militares. As pessoas cobram demais do policial militar e esquecem que, no Rio de Janeiro, ele recebe 1.800 reais, e não lhe é exigido sequer o curso superior. Então, na hora de se ter uma qualificação melhor dos policiais, nós temos essa dificuldade de recrutamento, pelos baixos salários, porque ninguém quer fazer o que a Polícia Militar faz pelo que ela recebe. No art. 144 da Constituição, é a única instituição que não exige curso superior. A Polícia Federal, para todas as carreiras, exige curso superior, assim como a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Civil. E logo a mais exigida, a Polícia Militar, não exige curso superior e não dá um atrativo salarial que nos permita ter 100 mil candidatos para selecionar 5 mil, 10 mil e ter uma qualificação melhor.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Presidente, antes de o Deputado Capitão Augusto sair, posso fazer uma pergunta a ele?
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - São um sinal de que nós trabalhamos até de madrugada.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - ...tratou com ele de um pedido de urgência.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Não, eu pedi a ele que, se houvesse referências de Código Penal e Código de Processo Penal de outros países, que as mandasse...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Não, não, não. Pergunto se V.Exa. tratou de um pedido de urgência. É uma pergunta minha.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Não, não existe isso, Deputado Paulo Teixeira. A minha fala...
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Saiu na imprensa sexta-feira.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Saiu na Folha ou no Estadão?
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu recebi do Deputado Marcelo Freixo a informação...
(Risos.)
Eu só quero saber se existe ou não pedido de urgência.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Não existe, não existe. Saiu onde? Na Folha ou no Estadão?
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu posso ver aqui. Deixe-me só ver...
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Acredita na imprensa, Deputado? Há imprensa em que não dá para acreditar.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Na Record acha que podemos acreditar? Só nela?
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Não existe qualquer tipo de pedido de urgência nessa questão. Temos 90 dias para concluir o nosso trabalho aqui, e isso está sendo respeitado. Não é o Ministro Sergio Moro que tem pressa, nem eu; é o Brasil que tem pressa na questão de segurança pública.
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13:40
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O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - A notícia diz: "Deputados buscam 254 votos para dar urgência a projeto de Moro. Parlamentares querem acelerar a tramitação de proposta anticrime e levá-la direto ao plenário, sem análise de comissões." Matheus Teixeira. Brasília, 18 de abril de 2019.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Qual é a fonte disso?
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - É o informativo JOTA, um informativo jornalístico.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Ah, o informativo JOTA! Gente do céu, isso não tem o menor cabimento. Desde o começo nós já falamos isso. Eu explicitei no início a minha pressa, não por mim, mas pelo fato de ser Presidente da Frente Parlamentar de Segurança Pública, com 307 Deputados, que obviamente acabo representando, como Presidente da frente e como Presidente da Comissão de Segurança. Logo no começo nós discutimos isso aí, e não se falou mais disso. Vamos respeitar os 90 dias de prazo. Não há o menor cabimento em atropelar esta Comissão.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Quanto ao "Pai Paulo Teixeira", ele traz a Constituição de volta, viu?
(Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Em 3 dias!
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Fique tranquilo. Pode dormir tranquilo, porque, apesar de o Ministro Sergio Moro ser hoje a pessoa mais popular do Brasil segundo pesquisas lançadas recentemente, não há vínculo nenhum com questão de candidatura.
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Mas até o Moro está com insônia com esse projeto, pelo visto.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - O importante é que nós temos aqui traduzido o Código Penal alemão, que traz a questão do medo, que foi debatida no grupo passado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Que bom que a fome não tira o bom humor de nenhum de nós!
O SR. MARCELO FREIXO (PSOL - RJ) - Eu tenho muito medo desse projeto do Sergio Moro.
O SR. CAPITÃO AUGUSTO (PR - SP) - Depois eu ouço os áudios dos demais que ainda vão falar, mas, infelizmente, eu preciso sair mesmo.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Profa. Luciana, nós vamos deixar as tréplicas para o final para a senhora utilizar melhor o seu tempo, se tiver.
O SR. ALBERTO ZACHARIAS TORON - Presidente, ouvindo o Deputado Capitão Augusto, lembrei-me de um curso que eu fiz em Göttingen, na Alemanha, em que ouvimos um prestigiado criminólogo alemão chamado Cornelius Prittwitz, professor da Universidade de Frankfurt. Ele dizia que as pessoas, em geral, têm a crença de que a relação entre criminalidade e as leis penais obedece a uma proporção semelhante à atuação do analgésico sobre a dor que a pessoa tem. Se o Deputado tem dor e toma uma analgesia maior, a dor diminui. Infelizmente, e infelizmente mesmo, a causalidade entre criminalidade e leis mais severas não está governada pela mesma relação. Leis mais severas não significam necessariamente uma redução na criminalidade. Isso é uma abstração teórica, como pode parecer a uma policial? Não é uma abstração teórica.
Ao contrário do que disse o eminente Deputado Capitão Augusto, que nos honrou com a sua presença, de 30 anos para cá, nós não temos tido um afrouxamento das leis penais.
Basta dizer que, em 1990 — e eu vim aqui para dialogar, não para impor ideias —, nós tivemos a edição da Lei dos Crimes Hediondos, que suprimiu a progressão no regime prisional, impediu a concessão de liberdade provisória e aumentou penas. Pergunto: diminuíram os casos de extorsão mediante sequestro? Diminuíram os casos de estupro? A lei penal balizou o comportamento da criminalidade de 1990 para cá, diminuindo-a? A resposta é "não", porque outros fatores atuam.
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No contrapé dessa colocação, eu vou dizer uma coisa para V.Exa. Vamos imaginar que eu tive que me ausentar momentaneamente para ir ao banheiro e deixei o meu celular e a minha valiosíssima caneta Montblanc — não é valiosa, mas vamos dizer que seja — aqui; do meu lado estava esta figura que é um fidalgo, o Dr. Lafayette de Andrada, que foi Secretário de Segurança Pública de Minas Gerais, grande figura humana. Eu vou perguntar uma coisa, e é uma pena que o Deputado Capitão Augusto não esteja aqui para ouvir: será que o Deputado Lafayette de Andrada, antes de furtar o meu celular ou a minha caneta, pensou duas vezes "A pena é de 1 a 5 anos; eu não vou furtar"? É óbvio que não! Ele tem valores que funcionam como determinantes do seu comportamento.
Então, vejam, essa ideia do caráter dissuasivo ou intimidatório da lei penal abstratamente considerada é uma quimera, é uma ilusão, boa para ganhar votos, boa para uma porção de coisas, mas não para efetivamente reduzir a criminalidade. Eu só queria fazer essa pontuação para submeter à reflexão dos eminentes Deputados.
E quero dizer agora concretamente o seguinte: o recurso em sentido estrito da decisão de pronúncia, lembrou bem o eminente e querido amigo Vladimir Aras, pode atrasar a realização do júri, mas pode evitar que quem não mereça ser submetido a júri o seja. Mas ele diz no contrapé — e diz com absoluta convicção — que a vítima quer a realização do julgamento. Por que demora tanto? Demora tanto porque o tribunal demora. Eu não posso extirpar uma garantia do cidadão por uma disfunção do tribunal. É o tribunal que você tem que estruturar ou compelir, conforme o caso, a julgar mais rapidamente e não extirpar a garantia do recurso do cidadão. É essa a reflexão que tem que ser feita. E isso, eminente Deputada Adriana Ventura, mexe não apenas com a criminalidade organizada: o sujeito que praticou um crime de homicídio simples, que não é hediondo, é afetado por esse projeto, inclusive porque ele pode ser preso logo após o julgamento. Ele é afetado.
Quando V.Exa. me perguntou, eminente Deputada Adriana... Eu não falei que afeta crimes pequenos; eu falei que não afeta apenas o crime organizado, não afeta apenas a corrupção. É isso que eu disse. E repito: extirpar o efeito suspensivo do recurso em sentido estrito é uma hipótese; outra hipótese são os embargos infringentes. Por que é que querem mexer nos embargos infringentes? Qual é o problema de o desembargador que reduziu a pena da pessoa poder ter esse tema reapreciado no colegiado maior? Quero repetir, porque não sei se V.Exa. estava aqui: se eu tenho isso no processo civil, não vou ter no processo penal? Imagine V.Exa. sentada — Deus a livre! — no banco dos réus, e um dos desembargadores anula a ação penal contra V.Exa. V.Exa. não vai poder manejar os embargos infringentes?! Isso é uma bobagem.
Esse é um modelo do Supremo Tribunal Federal que se quer transpor para a Justiça Ordinária, só que o Supremo Tribunal Federal não é uma corte ordinária. Não adianta querer transplantar o modelo do Supremo para a Justiça Comum.
Eu queria falar duas palavrinhas, se V.Exa. me permitir, sobre a questão do plea bargain. Eu aqui destoo do que pensam os meus colegas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Eu sou favorável. Reconheço uma coisa boa na proposta do Ministro da Justiça: o acordo de não persecução penal, que é a ampliação do sursis processual ou, como preferem alguns, da própria transação penal. Amplia-se; despenaliza-se. Isso é bom.
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Só que o plea bargain tem que ser repensado, tem que ser tropicalizado. Nós não precisamos copiar o modelo americano. Nós temos que ter um juiz na jogada, senão vamos ter negros e pobres condenados. Por exemplo, um procurador — não o Dr. Vladimir Aras, que eu respeito e, mais importante do que isso, de quem gosto — ou um promotor diz que uma pessoa praticou os crimes A, B, C, D, E, F, G, para depois, num acordo, chegar àquilo que ele achava que era o certo. Isso é o que os americanos chamam de overcharging: faz-se uma superacusação para depois barganhar menos. Está errado isso. Nós precisamos ter um juiz na jogada — perdão pelo mau português —, nós precisamos ter um juiz balizando essa proposta.
Eu queria dizer outra coisa: a proposta do plea bargain não é só uma proposta autoritária. Ela já vinha no Código de Processo Penal de 2009, em que foi integrada por juristas democráticos, e também na proposta do projeto do Código Penal de 2012. Ela precisa é de aperfeiçoamento.
Eu queria encerrar dizendo o seguinte, eminente Presidente: nessa proposta de normatizar a prisão logo após o julgamento em segunda instância, nós temos um paradoxo. Desde a promulgação da Constituição de 1988 até 2009, quando se julgou Habeas Corpus nº 840078, admitia-se a prisão logo após o julgamento em segunda instância. Essa era a regra. Mas o Supremo falou que essa regra não se afina com o mandamento constitucional, que autoriza a prisão apenas após o trânsito em julgado, porque não se considera culpado se não com o trânsito, salvo na hipótese de necessidade cautelar de prisão.
Em 2009, o Supremo mudou o entendimento dele, e, em 2011, veio uma lei dizendo que só se prende após o trânsito em julgado, salvo na hipótese de prisão cautelar. Curiosamente, quando não existia a lei, impediu-se a prisão antes do trânsito; quando passou a existir a lei, passou-se a permitir a prisão contra legem. Eu acho que está na hora de acabar com esse samba do crioulo doido. E o norte aí — repito aqui o que disse o Presidente Bolsonaro — é um só: a Constituição. E eu não votei no Presidente Bolsonaro. O norte é a Constituição, e a Constituição diz que se presume a inocência até o trânsito em julgado. Acho que essa é uma baliza importante, que, no ponto, desmerece a proposta legislativa.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Agradeço a V.Sa. pelas considerações.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - V.Sa. terá mais 3 minutos depois.
Só vou repor, a pedido do próprio Deputado Relator, uma questão que alguns classificam como racismo institucional e que outros explicam de outra forma. Não quero entrar nesse mérito em relação à manifestação do Relator ao julgar que o número de presos negros no Brasil estaria em certa harmonia com a sua representatividade na sociedade. Eu quero simplesmente me ater aos dados, os quais realmente não há como contestar.
Se não são suficientes os dados em relação ao encarceramento, eu vou aos dados das mortes. O Brasil teve 62.517 homicídios no último registro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o que dá uma taxa de 30,3 homicídios por 100 mil habitantes. Entre os negros, essa taxa é de 40,2 e, entre os não negros, de 16 homicídios por 100 mil.
Com os esforços das políticas públicas do Estado brasileiro, foram reduzidas as taxas de homicídio dos não brancos e foi aumentada a dos negros. Eu talvez não tenha explicação científica para isso, mas este é o espaço do debate. É importante que todos os cidadãos brasileiros tenham empatia nessa discussão, porque, por vezes, parece que a vida negra tem um desvalor em relação à vida de uma pessoa branca. Não se trata de uma afirmação jogada ao vento, mas de dados que estão sendo colocados! Por que se dá principalidade à discussão sobre temas legislativos que podem ter a sua relevância e não se coloca em questionamento esse dado de maior volume de mortes de pessoas negras? Onde o Estado brasileiro está falhando? Foram feitos debates aqui sobre a eficiência do processo penal, e não se discutem as políticas públicas!
Aí dialogo novamente com o Relator, dialogando também com o Deputado Subtenente Gonzaga, que faz a reivindicação aqui da sua corporação, a Polícia Militar. E eu quero fazer uma separação, até pelo papel científico de se evitar que aqui sejam feitas criminalizações de instituições. Eu tenho certeza de que não foi o objetivo de ninguém aqui fazer a criminalização das instituições. Mas nós temos que afirmar, até porque a ciência nos permite isso, os dados nos permitem isso: estamos trabalhando errado. O policial é exposto a uma situação de risco desnecessária nessa política, que é pior do que a guerra às drogas. Até mesmo os mais entusiastas dessa política já estão recuando. É um movimento internacional e vai chegar ao Brasil, espero. Está chegando. Nós temos grandes figuras que defendem essa revisão de política.
Essa guerra se reflete numa guerra contra a população. Ela tem cor, tem raça e tem endereço. Reflete-se nas populações e nas polícias. Os policiais também estão morrendo! Em vez de irmos para o enfrentamento, nós temos outras opções que inclusive a legislação permite. A polícia está se expondo a um risco que é ruim para a própria sociedade e para ela como instituição, e os dados revelam isso.
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A proposição legislativa infelizmente não trouxe dados empíricos que provassem a eficácia das propostas. Por outro lado, nós estamos colocando os dados empíricos que mostram a sua ineficácia. Estou lamentavelmente discutindo os dados da mortalidade da população negra quando eu queria discutir a representatividade da população negra nas universidades, nos espaços de deliberação, nos espaços de comando do País. Será que nós não temos capacidade? Julgo que não é esse o debate.
O Estado brasileiro tem uma conta histórica a ser revisitada. Basta tirar fotografia dos espaços por onde nós andamos para ver que essa conta não foi paga. Todas as vezes em que se diz "Vamos discutir as prioridades", sempre fica em último plano a prioridade dessa discussão. Ela fica oculta. Na proposta legislativa nós não temos respostas para isso. Nós não temos respostas de política pública para a juventude. Cadê as políticas públicas para a juventude? Isso não vai ser discutido? A legislação que é produzida com base no medo só traz saídas ruins para todos os lados.
Colocou-se a questão da importância da vítima. Eu reforço: a vítima é realmente fundamental. Vejam que o senso de injustiça é algo que toca qualquer vítima, e a possibilidade de alguém ser vítima da arbitrariedade do Estado eleva o grau de responsabilidade de todos aqueles que manejam a legislação. Quando se fala que um dispositivo pode dar autorização para matar, ninguém está pensando que as pessoas são mal-intencionadas. Mas, quando um cidadão está com o seu guarda-chuva em uma comunidade do Brasil — não vou dizer o local — e toma tiros de fuzil porque uma autoridade pública diz que tem que ter sniper para atirar nas pessoas, é um movimento que é às vezes até da natureza humana, mas que nos pune pelo nosso descompromisso com a proteção e a tutela da vida, como no caso da família de pessoas negras dentro de um carro que iria a um chá de bebê e levou 80 tiros sem ter sinal de parada. Essa responsabilidade precisa ser compartilhada, para que todos nós tenhamos consciência do impacto que algumas atitudes públicas ou algumas sinalizações têm na sociedade.
Nós acreditamos no mito de que um aumento de pena pode gerar um efeito benéfico para o combate à criminalidade. A ciência diz que não gera. Eu desafio alguém a achar um dado que desminta isso. Não existe! Não está na proposta legislativa, tenho certeza, não pela incompetência do Ministro em encontrá-la, mas pela inexistência do dado.
Então, nós temos que cobrar e legitimar no processo legislativo a tutela dos direitos e garantias fundamentais, porque ela, sim, é uma conquista do processo civilizatório, que nos legou infelizmente tantas pessoas mortas, cidadãos que hoje seriam considerados cidadãos de bem. Lembro que para esses conceitos que são infelizmente criados pela história perdemos muitas pessoas que tinham grandes lições para a humanidade, de Jesus Cristo a Zumbi dos Palmares. Quantos judeus não morreram vítimas de um conceito histórico e datado sobre o que é marginal, o que é cidadão de bem? Quantas vidas nós não perdemos?
E perderemos mais se nós nos pautarmos por esse senso, infelizmente atrasado, da nossa natureza humana.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Prof. Gabriel.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Sra. Presidente, posteriormente à fala do Fernando, pediria que a Profa. Luciana respondesse aos nossos questionamentos ou os avaliasse. Estou recebendo posts e mensagens no WhatsApp e no Twitter de pessoas dizendo que gostariam que ela compartilhasse essas preocupações.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - É claro.
O SR. FÁBIO TRAD (PSD - MS) - Não houve tempo para isso, mas ela vai fazê-lo, tenho certeza.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Eu agradeço muitíssimo à Profa. Luciana pela disponibilidade.
O SR. FERNANDO FERREIRA DE ANUNCIAÇÃO - Obrigado, Deputada. Prometo que eu cumprirei os 5 minutos, só para vocês me darem um prêmio, porque eu acho que eu serei o único a cumprir o prazo. Mas é importante demais esse excesso nas falas, até porque o tema requer isso.
Srs. Deputados, volto a dizer em relação às políticas públicas no sistema penitenciário: quem irá efetivar tudo que nós estamos tratando aqui — fiscalização do cumprimento da pena, com maior ou menor prazo, com alterações ou sem alterações de alguns artigos da nossa lei — seremos nós agentes penitenciários. Então, faz-se necessário que, de dentro desta Comissão, esse projeto saia também com a recomendação de que aprovemos imediatamente um reconhecimento dessa categoria. Não dá mais para brincar de fazer sistema penitenciário.
Deputado Fábio Trad, o senhor fez uma pergunta muito pertinente sobre o regresso dos presos ao sistema penitenciário. Por que isso ocorre? Exatamente pela falta de políticas públicas. Se não há no regime fechado, imagine no semiaberto! No regime semiaberto no Brasil, algumas instituições são colônias de férias e outras são a porta do inferno, literalmente: são adaptações, prédios precários, um lixo. Dizendo uma palavra chula, é um muquifo o sistema penitenciário Brasil afora. Como é que um homem se recupera, se insere na sociedade novamente, tendo que ficar ali por anos? Ele sai de manhã e volta às 18 horas para aquele lixo, aquele troço insalubre. Ele acaba realmente não cumprindo o semiaberto, acaba evadindo. A sociedade também não está preparada para recebê-lo como um egresso do sistema penitenciário. Ele acaba reincidindo e voltando para o sistema penitenciário. Esse é um fato gravíssimo para o sistema penitenciário e precisa ser revisto também.
Vamos afrouxar a liberdade provisória, vamos tentar inserir o egresso na sociedade, mas precisamos de políticas públicas dentro do sistema penitenciário, principalmente no que tange ao semiaberto. Nós não conseguimos emprego para preso. Se o emprego está difícil para a sociedade em geral, imaginem para um ex-preso que está voltando para a sociedade! Todo mundo vira as cotas para ele, que acaba voltando para o crime. Isso é um fato que precisa ser reconsiderado.
Nós temos no sistema penitenciário do meu Estado, por exemplo, preso que prefere não ir para o semiaberto. Ele prefere cumprir a pena no regime fechado e sair no livramento condicional para não ir para o semiaberto, porque as condições do semiaberto são piores ainda que as do fechado, pasmem. Então, nós precisamos rever todos esses conceitos, doutora, para que possamos, quem sabe, dar um sistema penitenciário um pouco mais humano, tanto para o preso quanto para o servidor.
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14:04
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Volto a dizer: nós temos aí um projeto, uma emenda constitucional que precisa ser revista por esta Casa urgentemente, para que se possa dar continuidade ao que este Parlamento irá tirar deste Grupo de Trabalho sobre o processo penal. Nós queremos executar esse processo penal, podem ter certeza disso. Não é o promotor, não é o juiz, não é o policial que prendeu o bandido... O policial convive com o bandido, você sabe disso, Deputado Sanderson, por dias de investigação, mas nós convivemos com esse bandido, com esse criminoso, por anos. O agente penitenciário é quem faz cumprir a pena, é quem bate a porta na cara desse indivíduo e diz: "Você pode ir até ali, dali você não pode passar; aqui é o sistema penitenciário". E esse servidor penitenciário carece de reconhecimento deste Estado.
A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Muito obrigada, Fernando Ferreira de Anunciação. É muito bom ouvir quem está ali com a mão na massa. Para nós aqui é muito importante ouvir a academia, mas também quem está lá na ponta, dando efetividade a nossas políticas públicas.
A SRA. LUCIANA BOITEUX - Respondendo diretamente ao Deputado Fábio Trad, ele tem toda razão quando fala que a gente tem que enfrentar essa política do medo. E uma proposição muito objetiva — estava até comentando com ele agora — foi feita no Uruguai, que aprovou uma lei, a qual depois eu posso até encaminhar, sobre esses programas de televisão que ficam incitando as pessoas, mostram crime, mostram perseguição.
Vi algo — nem foi nesses programas, não — que me impressionou muito. Lembram a mãe daqueles meninos que atiraram contra uma escola? Um repórter foi atrás dessa mãe. Isso é a exploração da desgraça alheia, de uma mãe que perde um filho que foi culpado de vários assassinatos. Esses programas incentivam esse sentimento que leva ao desespero, mesmo, e que provoca a população a exigir medidas.
Então, o Uruguai aprovou uma lei proibindo que esses programas sejam exibidos antes das 10 horas da noite. Isso pelo menos já reduz, por exemplo, o contato de crianças, o contato de adolescentes com esse nível de discurso de violência. Eu acho que não se trata de uma censura, mas de uma questão do horário mesmo de acesso a esse conteúdo. Eu acompanho esses programas porque dou aula à tarde, e eles são exibidos na televisão da cantina da minha faculdade. Sempre peço para tirar, mas ficam lá. Começam à tarde, mas, se você for ver, nas 24 horas do dia algum canal está transmitindo esse tipo de programa. Isso não ajuda. E eu acho que a gente tem que pensar também aqui que tipo de Brasil a gente quer de fato.
E aí a fala do Fernando é muito importante, porque traz como uma decisão deste Parlamento vai afetar a vida do Fernando e de todos os seus companheiros ali na ponta, assim como a fala do Toron, que diz aqui que uma decisão do júri vai afetar os advogados, e a do Gabriel, que fala que a população jovem negra é alvo tanto de execução como do sistema punitivo. Então, o que se passa aqui tem um reflexo muito grande.
E o que a gente pode propor? Aí respondo a outra pergunta, que foi diretamente feita a mim. Bem, na criminologia, a gente trabalha com uma ideia de prevenção em sentido contrário, bem como com um conceito próprio de segurança pública.
Segurança pública não é a ausência de crimes, porque crimes vão sempre existir. A questão é em relação à efetivação de direitos, e se consegue mostrar que, nos espaços onde há maior efetivação de direitos, existe um menor índice de criminalidade. É possível mapear isso.
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No momento em que se discute guerra às drogas, com políticas efetivas de prevenção, a gente também vê isso. Mas prevenção não é só ficar na escola falando que droga faz mal; é mostrar isso, mas é ter programas também. É ter ofertas não só de tratamento, mas também de programas de incentivo de acesso a esporte para essa garotada, por exemplo. São medidas assim que vão evitar o contato com o sistema punitivo.
E aí, em relação ao encarceramento — já estou concluindo, Deputada Margarete —, quanto menos pessoas encarcerarmos em regime fechado e mais medidas alternativas tivermos, mais resultados eficazes vamos ter na prevenção da criminalidade, porque passar pelo sistema, e o Fernando já falou sobre isto, traz um estigma muito grande: o sistema marca o indivíduo para ele já voltar rapidamente.
Trabalhar com políticas de acesso a emprego, de acesso a direitos não pode ser visto como algo que não se vai alcançar, porque, se a gente disser que é algo que não se vai alcançar, a gente prende todo mundo, como fez o protagonista de O Alienista, de Machado de Assis, que encarcera todo mundo e, por fim, acha que era melhor ele próprio se encarcerar. Então, quem não quer ter acesso a nenhum tipo de criminalidade vai ter que se fechar num lugar, numa grade, enquanto o mundo...
Tolerância zero, por exemplo, não existe, mas a gente pode ter uma política com base em dados e também com base em direitos. A Constituição não só vai dar direitos e garantias para se pensar o direito ao recurso como também vai garantir o direito à vida, vai garantir direito, por exemplo, às famílias que são impactadas por esses encarceramentos.
Então, refiro-me ao desencarceramento no sentido de políticas alternativas que podem ser eficazes se houver investimento. Nós temos hoje uma necessidade de investimento em políticas alternativas. Por exemplo, numa suspensão do processo no regime semiaberto, nós temos que investir numa forma de garantir o emprego daquele cidadão para que ele não retorne ao sistema punitivo.
Políticas de garantia de direitos necessariamente vão trazer resultados melhores. Mas, se a gente insistir em negação de direitos, eu vou voltar daqui a 10 anos, como eu já vim várias vezes a este Congresso, e daqui a 10 anos vou estar debatendo com outros Parlamentares, com vocês. Todos nós, já velhinhos, vamos estar aqui. Aí os dois quintos da pena já não vão adiantar para a progressão do regime, vão ser muito pouco. Daqui a pouco a gente vai dizer: "Não, então todo mundo cumpre a pena inteira". Isso não vai resolver.
Por isso faço esta chamada neste momento. E aí insisto: eu acho que uma sugestão para esta Comissão seria tentar fazer uma avaliação dos custos — quanto vai custar ao País, quanto a gente gasta em educação, quanto poderia ser investido em esporte, quanto poderia ser investido em investigações para pegar os grandes responsáveis pela criminalidade, para pegar os autores de feminicídio, para punir aqueles que executam pessoas, para punir também os corruptores, porque o discurso anticorrupção não pode ser um discurso só simbólico. A gente tem que melhorar inclusive a gestão administrativa, para evitar que haja corrupção. Se você prende e o cara solta, outras pessoas também vão continuar praticando crimes.
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A SRA. PRESIDENTE (Margarete Coelho. Bloco/PP - PI) - Nada mais havendo a tratar, dou por encerrados os trabalhos, antes, porém, convocando a nossa próxima audiência pública para o dia 25 de abril, quinta-feira, às 9h30min, para debatermos o tema 3.
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