1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Educação
(Palestra)
Em 24 de Abril de 2019 (Quarta-Feira)
às 8 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Idilvan Alencar. Bloco/PDT - CE) - Bom dia. Esta semana, no Congresso Nacional, em Brasília, nós estamos em um momento muito especial, em que acontece o Acampamento Terra Livre e nós recebemos representantes de todas as etnias do Brasil. Eu estou aqui com a Deputada Professora Rosa Neide, de Mato Grosso, e com a Profa. Rita Potiguara. Nós vamos hoje abordar a educação indígena: os avanços e desafios.
Eu queria inicialmente apresentar a Rita, colega nossa lá do Estado do Ceará, que é professora, tem pós-doutorado, é do povo potiguara do Ceará, é uma pedagoga formada na UECE, é especialista em gestão escolar, é mestre em educação pela Universidade do Rio Grande do Norte, é doutora em educação, com pós-doutorado no Programa de Estudos Posdoutorais da Universidad Nacional Tres de Febrero, na Argentina, é servidora pública do Estado do Ceará, tem todo um histórico de luta em relação à educação indígena, trabalhou no MEC, foi Conselheira da Câmara de Educação Básica de 2010 a 2016 e foi Coordenadora Geral de Educação Escolar Indígena no Ministério da Educação de 2012 a 2015, tem uma contribuição nesta pauta, é uma pessoa muito respeitada em todo o Brasil.
Nós vamos aproveitar este momento do Acampamento Terra livre para falar sobre uma pauta importante, que é a educação indígena. Então, antes de passar a palavra à Rita Potiguara, a Deputada Professora Rosa Neide, que é uma das proponentes desse nosso encontro, também quer saudar a todos que nos assistem.
A SRA. PROFESSORA ROSA NEIDE (PT - MT) - Bom dia. Estamos aqui, como o nosso companheiro Deputado Idilvan Alencar ressaltou, numa semana muito especial no Brasil para os povos indígenas e para todos que têm compromisso com a educação indígena. Então, a nossa convidada, que já foi apresentada, vai versar sobre educação escolar indígena: avanços, impasses e desafios. Essa atividade hoje está sendo promovida pela Frente Parlamentar em Defesa da Escola Pública e em Respeito ao Profissional da Educação — indígenas e não-indígenas.
São muitos os temas, os desafios e as disputas no campo educacional: novo FUNDEB; desvinculação ou diminuição de recursos do MEC, tomado por disputas menores; militarização; educação domiciliar; descumprimento do Plano Nacional de Educação, que inclusive firma que as políticas educacionais devem considerar as necessidades específicas das comunidades indígenas.
A Constituição de 1988 reconheceu os direitos dos povos indígenas, com uma educação que deve ser específica, diferenciada, intercultural, bilíngue e multilíngue. O direito dos povos indígenas à terra se soma à garantia de manifestação e preservação das diferentes etnias, seus costumes, línguas, crenças e tradições. Assim consolidou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — LDB, de 1996, inclusive no sentido de assegurar às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, bem como a determinação de que os conteúdos referentes à história e à cultura dos povos indígenas brasileiros sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar.
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Outra determinação é que a União deve desenvolver programas integrados de ensino e pesquisa para a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas. Destacam-se, neste particular, os programas especiais de formação superior e as licenciaturas interculturais, ameaçados, diga-se de passagem, neste momento do contexto nacional.
Essas são ações importantes para proporcionar a recuperação das memórias históricas, para reafirmar identidades étnicas, para valorizar suas línguas e ciência e para garantir aos povos indígenas e às suas comunidades o acesso a informações e a conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-indígenas.
É importante discutir também os avanços e os desafios atinentes à educação escolar, sobretudo em um cenário mais amplo de ataque aos direitos dos povos indígenas, como hoje podemos denunciar que, na Esplanada dos Ministérios, há muitos indígenas do País inteiro, e a Força Nacional, sem nenhuma necessidade, faz uma grande barreira, para que eles sejam impedidos de fazer as suas manifestações. Mas também cito a transferência da FUNAI para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; a entrega da demarcação e do licenciamento para o MAPA; a extinção da SECADI — Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, que a Profa. Rita bem conhece; os conflitos fundiários, territoriais, entre outros desmontes e ataques.
Em meu nome e em nome do Deputado Idilvan Alencar, agradecemos a Profa. Rita Potiguara pela competência e disponibilidade. O nosso objetivo é reposicionar o tema e traçar um panorama sobre a educação escolar indígena no País, os avanços nos marcos legais, as políticas desenvolvidas nos últimos períodos. De igual maneira, é importante suscitar a discussão sobre os desafios que envolvem a garantia do direito à educação para os povos indígenas. A nossa iniciativa soma-se, portanto, aos esforços mais amplos em defesa dos direitos dos povos indígenas e seu conjunto, de que é expressão muito forte o Acampamento Terra livre, que, como já disse o Deputado Idilvan Alencar, inicia na data de hoje mais um importante espaço de resistência e luta pelos direitos indígenas.
São enormes os desafios para garantir o direito dos povos indígenas à educação, à infraestrutura, à formação intercultural, à produção de materiais, em suma, à construção e à consolidação estável de uma efetiva política pública, que reconheça e valorize a enorme diversidade que marca a realidade dos povos indígenas no País.
É preciso registrar, denunciar e também anunciar. Neste momento, é o que a nossa convidada vai fazer: anunciar a política de educação indígena necessária aos povos do nosso País.
A SRA. RITA GOMES DO NASCIMENTO (RITA POTIGUARA) - Bom dia a todos e a todas. Inicialmente eu queria parabenizar e agradecer esta Casa, no sentido de trazer uma temática tão importante para nós povos indígenas, que é a educação, e pelo fato de esta Comissão de Educação e a Frente Parlamentar em Defesa da Educação Pública e em Respeito ao Profissional da Educação terem como prioridade, nesse momento do Abril Indígena, discutir a educação escolar indígena.
De toda forma, essa atividade, coordenada e organizada pelo Deputado Idilvan Alencar e pela nossa Professora Rosa Neide, vem em boa hora, num momento em que indígenas do País inteiro ocupam Brasília. A ocupação de Brasília se dá neste sentido: os indígenas vêm a Brasília expressar as suas questões publicamente. Internamente várias outras atividades acontecem no Acampamento Terra Livre. Este é o momento, por exemplo, que nós da educação, por meio do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, vamos discutir quais são as estratégias que o movimento indígena vai definir para continuar na defesa da educação escolar indígena. Será por meio de seus programas, que já foram historicamente construídos, dos quais muitos foram bem-sucedidos? Cito como exemplo a formação de professores indígenas.
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Eu queria começar com uma reflexão para pensarmos na importância dos povos indígenas, em quem são e por que querem educação em nosso País — por que eles querem, por que eles precisam e por que eles têm direito à escola no Brasil.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. RITA GOMES DO NASCIMENTO (RITA POTIGUARA) - Esse vídeo retrata a importância dos povos indígenas não só para o País, mas para o mundo inteiro. Os povos indígenas, aqui no território nacional brasileiro, são detentores de 13% da área territorial do nosso País. Dizem que são poucos índios para muita terra. Mas, na verdade, o território indígena não tem o mesmo uso que o agronegócio dá para o seu território, porque o território é sagrado. Parte do território é dedicada às manifestações culturais. Os povos indígenas são os que mais preservam as áreas de preservação ambiental que existem em nosso País. Os povos indígenas são importantes na defesa das nossas fronteiras nacionais e internacionais. Portanto, o território indígena está dentro do projeto de vida dos indígenas.
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Nesse projeto de vida, que é um projeto de bem viver, um projeto de viver bem, está a educação escolar. Fazendo uma comparação com esta Casa, que usa muito da eleição, o processo democrático em nosso País, a escola foi eleita como uma estratégia importante para a defesa desse território. A escola tem essa ligação com os projetos de vida dos povos indígenas.
Eu já estive, por diversas vezes, em ocasiões nesta Casa em que o principal questionamento foi: "Por que escola para os indígenas?" E ainda mais: "Por que escola diferenciada para povos indígenas?" "Por que não colocamos um ônibus ou barco para levá-los para estudar nas cidades, já que as escolas de lá têm mais estrutura?" Os povos indígenas vêm sistematicamente reafirmando a importância de permanecer nas suas terras, nas suas comunidades, e de estudar lá, porque a ideia não é que o indígena deixe a sua terra. A ideia é que o indígena, cada vez mais, mantenha essa relação de amor, essa relação de respeito com o seu território indígena. Nesse sentido, a escola tem um papel muito importante.
Nós sabemos das contradições, dos desafios que se tem com a educação escolar indígena e com a escola, em especial, tendo em vista que a escola é um instrumento externo das comunidades indígenas. Ela não é uma instituição propriamente indígena. Entretanto, os povos indígenas vêm com um esforço histórico de se apropriar dessa escola, de torná-la parte dos seus projetos de vida, parte do seu bem viver.
Desde o período de colonização, nós tivemos escola para índios, onde pessoas externas às comunidades indígenas ministravam as aulas, no sentido de domesticar os indígenas, no sentido de fazer com que eles deixassem de ser índios, no sentido de que eles esquecessem suas línguas, suas práticas socioculturais e, num projeto de integração, se tornassem iguais na sociedade nacional. Nós povos indígenas defendemos que são importantes os processos de escolarização. Nós queremos, sim, estudar português, matemática, ciências, biologia, química, mas também queremos trazer os saberes milenares dos povos indígenas. Aliás, o nosso País não consegue enxergar a riqueza desses conhecimentos tradicionais e está perdendo economicamente com isso. Não é só culturalmente que o País está perdendo, mas também economicamente, porque outros agentes vêm de fora, exploram esses conhecimentos e patenteiam como se fossem deles. E nós, como Nação produtora de riquezas, estamos perdendo esses conhecimentos tradicionais, como, por exemplo, as línguas indígenas. O nosso País poderia muito bem investir na pesquisa das línguas indígenas, tendo em vista as 274 línguas ainda faladas.
Então, há um campo riquíssimo de exploração para o bem viver, para o desenvolvimento sustentável do País, que o Brasil deixa de aproveitar, deixa de utilizar como sinal positivo para a sua Nação, porque não considera esses conhecimentos como conhecimentos dignos de valor, dignos de receber investimentos.
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Desde o final da década de 1970 os indígenas estão procurando se apropriar desse projeto de educação escolar indígena como atores, como protagonistas. Obviamente, nesse processo, a educação intercultural e a troca intercultural com os não indígenas são fundamentais. Nós não queremos fazer educação sozinhos, nós queremos o apoio, por exemplo, do Legislativo. Vocês têm um papel importantíssimo nesse projeto de sociedade dos povos indígenas, nesse projeto de educação.
Professora Rosa Neide e Prof. Idilvan, vocês que são da área de educação, que são colegas nossos, militantes, trabalhadores e profissionais que investem nessa questão, têm um papel fundamental nesse projeto de defesa da escola pública, da escola gratuita, da escola intercultural que nós indígenas desejamos.
Eu queria colocar aqui alguns dados sobre a população indígena, ainda de acordo com o último censo do IBGE, de 2010, embora saiba que ele já está muito desatualizado e que já teremos novo censo. O censo teve problemas porque não deu conta de fazer a cobertura de todas as comunidades indígenas, tendo em vista a extensão continental do Brasil e o difícil acesso a algumas áreas. Mas nós tivemos um primeiro retrato mais fidedigno do que é a realidade indígena brasileira.
(Segue-se exibição de imagens.)
Portanto, em 2010, existia uma população de 817.963 pessoas que se declararam com os indígenas, o que é uma população pequena, considerada a nossa enorme população brasileira. Entretanto, essa população é muito rica e muito diversa, haja vista que há dentro dessa população 305 etnias, que são 305 nações, como se pode pensar, porque cada povo tem a sua língua, cada povo tem as suas expressões culturais, tem as suas regras.
Não é verdade que indígena não tem regra. Não é verdade o ditado, ainda do período colonial, de que os índios não têm língua, não têm rei, não têm religião. Não é verdade! Nós temos, sim! Nós temos as nossas regras, nós temos os nossos modos de viver. Entretanto, esses modos de viver são desconsiderados, porque eles não são o padrão que a sociedade brasileira elegeu para representar a nação brasileira, que segue as orientações da Europa. Este é um país europeizado, quando se pensa no seu conceito de nação.
Mais de 60% dessa população indígena está em situação de aldeamento. Também há indígenas que estão em situação urbana, como eu, por exemplo, em minha comunidade lá em Crateús, que o Deputado Idilvan conhece muito bem. Em Crateús há uma população indígena urbana que tem escola e que se organiza em comunidade.
A partir desse meu exemplo de Crateús, quero dizer que nós indígenas urbanos, quando vamos para a cidade, quando estudamos e nos formamos na universidade, não deixamos de ser indígenas. Nós temos, sim, nossa identidade, e nós queremos disputar lugares de privilégio, como por exemplo a universidade. Nessa disputa, nós continuamos a ser indígenas. Entretanto, queremos usufruir desse bem público que é a educação superior, desse bem público que também é um direito humano e é um direito social.
Além desses indígenas que são contactados, como nós chamamos, existem indígenas que ainda vivem em situação de isolamento. Alguns deles estão fazendo contato, e logo nessa relação de contato eles sentem necessidade da escola.
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Existem algumas organizações não indígenas, claro, pensando no cuidado e na proteção desses índios de recente contato. Entretanto, a escola é uma relação necessária quando do contato. Os indígenas querem aprender a falar o Português, querem aprender a fazer conta de Matemática, porque muitos deles estão na relação com o outro. Então, alguns desses indígenas de recente contato já apresentam necessidade de ter acesso aos conhecimentos escolarizados, e esses conhecimentos escolarizados dados para essa população de recente contato têm que se dar de uma forma que envolva todos os setores sociais. É isso que nós queremos também.
Nós queremos que as nossas escolas também tenham uma ligação muito forte com as áreas da saúde, da cultura, da assistência social e do trabalho. Esses indígenas de recente contato, portanto, precisam de processos escolarizados ou processos de educação que se diferenciem um pouco dos processos de outros indígenas que já têm as suas escolas constituídas em suas aldeias e dos processos daqueles que estudam em escolas não indígenas. Existem três tipos de escola ou processos de escolarização entre os povos indígenas: escolas próprias dentro das comunidades indígenas; indígenas que estudam em escolas não indígenas; e os indígenas de recente contato que manifestam, a partir das relações de contato que se estabelecem, que querem processos de escolarização.
De toda a população indígena, uma parte — mais de 17% — não fala a língua portuguesa. Eu queria chamar atenção para um problema na sociedade brasileira, que é não investir nas línguas indígenas, não investir em programas de educação bilíngue. Nós não investimos nisso. O Paraguai, por exemplo, tem o guarani. No Paraguai, inclusive, a existência de um Ministério da Língua é um incentivo para que essa sociedade continue falando guarani. Era para falarmos, no mínimo, também o guarani, que era a língua geral. Entretanto, esse processo de dizer que as línguas indígenas não são consideradas como adequadas a esse padrão de cultura nacional que nós elegemos, que nós escolhemos, faz com que as línguas indígenas estejam sendo esquecidas. Muitas delas estão na iminência de desaparecer. Apenas parte desse universo de 274 línguas faladas registradas pelo IBGE é estudada. Existem populações de falantes da língua terena e da língua guarani, por exemplo, que são acima de 50 mil, de 70 mil falantes. Os ticunas também são numerosos. Mas há línguas que têm apenas seis falantes, quatro falantes. Então, ficamos pensando nesse desaparecimento iminente.
Aqui já faço uma observação: este é o Ano Internacional das Línguas Indígenas. A UNESCO está com uma campanha nesse sentido, chamando profissionais da educação e de outras áreas para que se dediquem a este evento tão importante para as línguas indígenas do nosso País. A língua indígena e outras línguas também — todas as línguas, de certo modo — são portadoras de cultura. Existem saberes e conhecimentos tradicionais, e só o falante da língua indígena sabe tratar desse saber, sabe o que que significa, qual o real significado disso. Nós, como Nação brasileira, temos uma dívida histórica com as línguas indígenas.
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Então, entre os indígenas brasileiros, 17% não falam o português. A grande maioria deles falam a língua indígena ou são multilíngues. A nossa Professora Rosa Neide sabe disso, porque vem de um contexto multiétnico de falantes de línguas nativas. Nós dos sistemas de ensino temos que fazer esforços para acolher essas línguas.
Eu sei muito bem que Mato Grosso tem uma política de em algumas escolas acolher os indígenas que não falam as línguas indígenas, mas existe um trabalho de como se vai trabalhar essa língua na escola.
Embora parte das escolas indígenas usem língua indígena, elas não são usadas como língua de instrução. A língua indígena é falada pelos alunos no recreio e entre os professores, mas não é a língua do ensino, e na Constituição Federal está posto que os povos indígenas têm direito ao ensino na língua materna, pelo menos no ensino fundamental, que são os anos iniciais.
Na educação infantil, sabemos que a criança deve ser alfabetizada na sua língua materna. Vejam a dificuldade: você aprender uma língua que não é sua e ainda se apropriar de um processo de alfabetização! As línguas indígenas, sobretudo na alfabetização, sobretudo nos processos de instrução do ensino fundamental, são fundamentais.
Eu queria também dizer que a maior parte da população indígena está situada no Norte, seguido pelo Nordeste. O Nordeste possui um grande número também de etnias e de povos indígenas no que se refere a populações. Isso vai se refletir no Censo Escolar. Então, o Censo Escolar traz esta divisão: a maior parte das escolas indígenas se concentra na Região Norte, seguida pela Região Nordeste.
Aqui está um retrato para termos um panorama de onde estão os povos indígenas e da situação das suas terras. Vemos muitas terras ocupadas pelos indígenas na Região Norte e na Região Centro-Oeste e uma pequena parcela de terras ocupada pelos indígenas do Nordeste. Lembro que o processo de colonização começou pelo Nordeste e que o processo de colonização, como em outras sociedades da América Latina, foi cruel no que se refere ao massacre das culturas, no que se refere ao extermínio de povos indígenas.
No Estado do Ceará, ainda no período de Regência, houve um decreto em que as populações indígenas foram dadas como extintas. As populações indígenas eram extintas. O decreto dizia claramente: "O território está livre para ser ocupado". Então, não é à toa que se dá esse desaparecimento dos indígenas em determinadas regiões. Houve, na verdade, a expulsão desses indígenas. Houve, na verdade, a captura desses indígenas, para que eles fossem viver em conglomerados.
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Daí, lá no Ceará, especialmente, temos uma mistura muito grande. Por exemplo, os tapebas, quando foram aldeados, não eram tapebas, uma parte era tabajara e potiguara, e, dentro dessa mistura, os grupos indígenas, num processo de etnogénese, vão constituindo suas identidades mais específicas. No Ceará há 14 etnias: tapeba, pitaguary, jenipapo-kanindé, tremembé, potiguara — que é meu povo e está em vários Municípios cearenses —, tabajara, kariri, e assim vai. Não vou citar todos, porque posso esquecer algum e os meus parentes vão me pegar aqui e também o Deputado Idilvan. (Risos.)
Portanto, a escola está nos ajudando nesse processo de formação da nação — e o Ceará é um caso específico disso —, nesse processo de reorganização dos indígenas e de aproximação de instrumentos da sociedade não indígena para fortalecer a nossa cultura.
Eu trouxe para nossa reflexão dados do Censo Escolar referentes a 2016. Nós temos em todo o País mais de 3 mil escolas indígenas. O que é uma escola indígena? Escola indígena é uma escola que é reivindicada por determinada comunidade indígena, independente do seu processo de territorialização. Como constituir uma escola indígena? Aqui vou falar sempre do Ceará, que é o Estado onde nasci e ajudei a construir esse projeto de escola indígena. A Secretaria do Estado do Ceará reconheceu as escolas indígenas, ajudou a implementá-las, independente de as terras indígenas estarem demarcadas. Uma comunidade constituída reivindica a escola. A partir do princípio de que a educação é um direito de todos e de cada um, a partir do princípio de que os povos indígenas, assim como outras comunidades específicas, merecem ter escolas em seus territórios — da mesma forma as escolas do campo, os quilombolas e as escolas pobres também reivindicam essas escolas —, o Estado do Ceará atendeu a demanda das comunidades indígenas de constituir as suas escolas.
Portanto, quando a comunidade indígena reivindica a escola e o Estado a acolhe, o projeto de educação Escola Indígena flui melhor. As escolas indígenas iniciam com um processo em que os professores indígenas devem assumir a docência e a gestão de suas escolas. Em algumas realidades ainda temos professores não indígenas, sobretudo atuando no ensino médio, porque está havendo um processo gradativo de implementação dessas escolas. Os professores indígenas assumem a docência quando adquirem essa formação, mas, até então, existe um acordo, digamos assim, entre as secretarias de educação e as comunidades indígenas. Em outras situações os professores indígenas ficam, mesmo com a presença do professor não indígena na sala de aula, para que também ele se forme com esse outro professor.
No entanto, o que nós defendemos, de acordo com a legislação vigente em nosso País e com os nossos projetos de escolas, é que os indígenas de fato assumam a gestão e a docência das suas escolas.
Ressalte-se que mais de 40% dessas escolas, que são mais de 3 mil — e não é a maioria felizmente, mas é um grande número —, não são regularizadas. O que isso significa? Elas não são reconhecidas como escola, algumas delas não têm ato de criação pelo poder público e o seu projeto de escola não está aprovado no Conselho Estadual ou Conselho Municipal de Educação. Trinta por cento das escolas não funcionam em prédio próprio, ou seja, não tem prédio para o funcionamento da escola. Daí a urgência de investimento de infraestrutura nas comunidades indígenas no que se refere às escolas. É um número muito grande, porque são escolas cadastradas no Censo, tem um código do INEP, tem alunos e professores, mas funcionam em locais precários, locais improvisados, que não facilitam o processo de ensino e aprendizagem.
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A grande maioria das escolas está em área rural, 3% estão em área urbana, 42% têm acesso à água e 57% não têm acesso. Uma parte não tem energia elétrica, mais de 30% das escolas não têm energia elétrica, 48% não têm esgoto sanitário, 89% não têm biblioteca e 53% usam material didático específico.
No que se refere à realidade das escolas indígenas, embora todos os esforços tenham sido feitos ao longo dos anos e não foram poucos — e dada a realidade no que diz respeito à questão dos investimentos públicos e dos gastos orçamentários que têm sido reduzidos a cada ano —, há dificuldade também de acesso a essas comunidades. Nós temos ainda uma realidade com escolas bastantes precárias, apesar de nós já termos o ensino fundamental, por exemplo, quase todo ofertado nas aldeias indígenas. Só há uma lacuna muito grande nos anos finais do ensino fundamental.
Em relação à situação dos professores, que são em torno de 18 mil, nós temos mais de 40% com formação superior. Nós temos também uma parte quase igual que ainda possui o ensino médio, graças aos cursos de magistério nível médio ofertados pelas Secretarias de Educação dos Estados. O Estado do Ceará e o Estado do Mato Grosso foram pioneiros nessa formação de professores nos cursos de magistério nível médio, porque a finalidade era concluir o ensino médio nas comunidades indígenas e também prepará-los para ser professores dos anos iniciais nas suas aldeias. E o Governo Federal, na época, aportou recursos por meio do Plano de Ações Articuladas, em parceria com o FNDE, para que esses cursos de magistério pudessem funcionar nas escolas. Muitos deles funcionavam nas próprias escolas indígenas e outros funcionavam em outras escolas.
Nós temos um grande problema com relação à forma de contratação desses professores. Mais de 70% deles são contratados por meio de contratos temporários. E isso é mais uma precariedade na relação de trabalho desses professores. Alguns deles não gozam de férias, alguns deles atrapalham o ano letivo em função dessa forma de contratação. Nós sabemos de realidades em que as escolas funcionam em maio e em junho devido ao processo de contratação de professores, que é tardio e envolve uma burocracia muito grande. Estou falando do professor indígena, um profissional que merece ser tratado como tal, merece isonomia salarial, a despeito do que recebem outras categorias de profissionais da educação. O professor indígena é um profissional da educação indígena.
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Qual é a reivindicação dos professores indígenas? Eles reivindicam a criação da categoria de professor indígena, de magistério indígena, dentro do sistema de ensino, a realização de concurso público, de concurso específico. Muitos dos nossos Estados não criaram essa categoria de magistério, de professor indígena, e não realizaram concurso para professores indígenas. Há uma demanda muito grande, a partir dos dados do próprio Censo.
A maioria dos professores das escolas indígenas — mais de 90% — é indígena. A relação de gênero é quase igual, ou seja, há professores homens e professoras mulheres. Apesar dos indígenas assumirem as escolas, os homens também assumiram esse processo de escolas, porque no início eram as lideranças. Entretanto, as mulheres, a partir dos cursos de formação, foram entrando também na escola, e hoje nós temos essa relação bem equilibrada.
Com relação às matrículas, há mais de 254 mil matrículas, e a maior concentração está nos anos iniciais do ensino fundamental. Nós temos realidades que são muito sérias em que os estudantes indígenas repetem o ensino fundamental, as séries dos anos iniciais do ensino fundamental, porque não têm os anos finais e o ensino médio. E, como alguns deles são participantes do programa Bolsa Família, eles precisam estar matriculados, precisam estar numa escola. Portanto, eles ficam repetindo por muito tempo esses anos iniciais no ensino fundamental. Essa é uma realidade muito séria, porque, considerando as muitas comunidades indígenas que nós temos, ainda há essa concentração nos anos iniciais. Os cursos de formação de professores foram instituídos dentro do Ministério da Educação, ainda em 2005, por meio do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas, que se destinava à formação de professores para atuarem nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Entretanto, a formação desses professores não tem acompanhado esse processo de expansão dos anos finais e do ensino médio nas comunidades indígenas.
Apenas 10% dessas matrículas estão concentradas no ensino médio. E, repito, não é porque não tenha demanda nem público para o ensino médio, é porque os indígenas ainda estão sendo retirados das suas aldeias para estudar nas escolas não indígenas. Isso é um problema muito grave para nós. O nosso projeto de sociedade consiste na permanência do indígena na sua terra e na manutenção dessa relação de pertencimento de vida no seu território. No momento em que eu faço a exposição da criança ou do adolescente para uma escola não indígena em uma cidade próxima de sua aldeia, eu vou expor essa criança a riscos de vulnerabilidade.
Do ponto de vista de avanços no campo da educação escolar indígena, eu diria que nós temos os marcos normativos. E os marcos normativos não são pouca coisa.
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Portanto, isso está na Constituição Federal, na LDB, nos pareceres do Conselho Nacional de Educação. Nós temos as resoluções da educação escolar indígena, determinadas a primeira em 1999 e a segunda em 2012, que são as diretrizes que orientam a educação básica inteira nas escolas indígenas. Nós temos também diretrizes para a formação de professores indígenas. Então, do ponto de vista de marcos normativos, nós avançamos bastante.
Como eu já disse, o Ministério da Educação, desde que assumiu a Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, já realizou duas Conferências Nacionais de Educação Escolar Indígena. Essas conferências são importantes porque é o momento em que o poder público escuta o que os professores e o que as comunidades estão querendo para a educação escolar indígena e é um momento para fazer uma avaliação dos projetos em ação.
O Ministério da Educação também instituiu a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, que é outro local de diálogo com os povos indígenas. Nós tínhamos, dentro da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, que foi extinta, uma equipe de educação escolar indígena. Assim muitas secretarias de educação também constituíram as suas equipes. Isso é importante, porque há uma referência, há profissionais dedicados a esses projetos de educação, de acompanhamento.
A SRA. PROFESSORA ROSA NEIDE (PT - MT) - Nós temos um horário agora, Profa. Rita, e depois nós vamos dar continuidade.
Nós temos a transmissão pelo Facebook até 9 horas, para a Profa. Rita poder fazer essa finalização. O Deputado vai fazer uma intervenção, eu vou fazer uma pequena intervenção e depois a Rita conclui.
O SR. PRESIDENTE (Idilvan Alencar. Bloco/PDT - CE) - É importante, Rita, quando você faz um resgate histórico da questão indígena, porque discutir educação indígena a partir só do elemento escola é mais complicado. É preciso entender esse resgate histórico das etnias para chegar a esse ponto.
Eu vejo dados do Censo de que 30% das escolas não têm infraestrutura e me lembro muito bem de conhecer essa realidade. Em 2007, eu comecei a visitar as escolas indígenas do Ceará. O Estado tem 39 escolas. Eu fui de uma por uma. Houve um momento, Deputada Rosa, que foi muito difícil. Eu cheguei ao local e me disseram: "Está aqui a escola." "Cadê a escola que eu não estou vendo?" "É essa a escola." E a escola era uma árvore, com uns bancos e um quadro pendurado, uma lousa pendurada. Era essa a escola indígena em Canindé, no Acaraú. Foi muito forte essa realidade que nós encontramos.
No Estado do Ceará, com o apoio do FNDE, nós conseguimos inaugurar 19 escolas novas. Nós temos uma situação ainda de algumas dificuldades, mas é uma realidade bem diferente. Outro paradigma era assim: "Não pode haver ginásio em escola indígena, porque a quantidade de alunos não ultrapassa determinado valor." Nós rompemos esse paradigma. Lá há cinco ginásios inaugurados, até porque o ginásio é um espaço da comunidade, não pode ficar restrito só ao ambiente escolar.
Você abordou também uma pauta interessante que é essa questão do concurso público. Lá no Estado, nós já aprovamos uma lei e estamos em fase de edital. Eu acho que isso devia ser uma regra no País inteiro. Isso dá uma estabilidade profissional importante para a escola. Quem mais ganha com isso são os alunos.
Outros dois aspectos importantes da pauta da educação escolar indígena dizem respeito ao material didático específico. Isso não quer dizer que a matemática seja diferente na escola indígena, mas algumas questões têm que ser diferenciadas, sim.
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Um outro ponto é a formação continuada dos professores, tais como a especialização. Acho que esse é um processo em que ganha todo o conjunto da escola.
Então, essas quatro pautas, para mim, são a síntese da educação indígena: infraestrutura, material didático diferenciado, formação de professores e concurso público — se eu tivesse que resumir ou enumerar as questões principais.
Gostei muito de ouvir a sua fala, por completo. Para entender a educação indígena, repito, é preciso entender todo o contexto histórico, de como o processo começou. Por exemplo, esse decreto que você citou eu não conhecia, e achei um resgate muito importante que você trouxe para esta discussão.
Então, eu passo a palavra à Deputada Professora Rosa Neide, para que faça algumas considerações sobre a fala da Rita Potiguara.
A SRA. PROFESSORA ROSA NEIDE (PT - MT) - A fala da nossa companheira e palestrante de hoje, Profa. Rita, nos ajuda bastante, principalmente quando também resgata a questão da língua materna, da alfabetização em língua materna.
O Estado de Mato Grosso, onde existem 23 etnias, tem uma experiência interessante, porque lá se consegue, na maioria das escolas, fazer alfabetização em língua materna. E, como você disse, há muitas línguas morrendo. E temos essa preocupação, pois há poucos pesquisadores nas universidades se dedicando a essa questão.
Então, este ano, como é o Ano Internacional das Línguas Indígenas, acho que o momento de fazermos nesta Casa, Deputado Idilvan — e acho que poderíamos discutir melhor isso —, um movimento para que haja investimento nacional na conservação e preservação da língua, que é o instrumento que une os povos.
E lá no Estado de Mato Grosso, Rita, ouço muito os caciques dizerem assim: "É importante conhecer o local e navegar no global". Os indígenas querem conhecer a sua língua, continuar e manter sua cultura, mas também se relacionar com o global, com o País como um todo e com o restante do mundo.
Então, acho que a contribuição da Prof. Rita hoje está sendo de fundamental importância para que a gente possa cada vez mais valorizar o papel da educação escolar indígena no nosso País, onde temos indígenas "desaldeiados" e onde temos as aldeias preservadas, para que possamos ir pagando essa dívida histórica que temos com os povos indígenas.
Então, neste sentido, Rita, retornaremos a palavra a você, para que possa fazer os encaminhamentos finais desta discussão tão preciosa para este mês de abril em nosso País.
A SRA. RITA GOMES DO NASCIMENTO (RITA POTIGUARA) - Então, retomo aqui falando da importância histórica, inclusive, dos avanços que tivemos — e tivemos, sim, avanços no campo da educação escolar indígena. Esses avanços têm sido dados, claro, por conta da luta dos povos indígenas, do Movimento Indígena Organizado, e também da abertura política que tivemos em nosso País, quando a agenda pública se abriu para acolher essa pauta da educação escolar indígena.
Entretanto, eu queria falar que temos muitos desafios na atualidade. Dentre esses desafios, temos um cenário econômico e político bastante sério, bastante crítico, principalmente quando vemos, por exemplo, que o País passa por esses momentos de ameaça aos direitos indígenas, além de algumas ações que demonstram claramente retrocessos. Portanto, vemos com bastante preocupação o cenário da educação escolar indígena.
A gente vai continuar um pouco mais nesta Comissão, mas já quero me despedir e, mais uma vez, agradecer por esta iniciativa, especialmente a esses dois Parlamentares que são companheiros da educação escolar indígena e, sobretudo, amigos dos índios. E, hoje, termos Parlamentares amigos dos índios não é pouca coisa. Essa amizade é uma grande coisa, tendo em vista esse ataque frontal aos direitos dos povos indígenas, essa necessidade, inclusive, de retomar aquela velha discussão sobre se o indígena pode ou não ficar em seu próprio território, porque este tem que ficar aberto à exploração do capital e do agronegócio.
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Então, quero agradecer mais uma vez esta Casa. E quero dizer que nós, da educação escolar indígena, somos parceiros aqui não só desses dois Parlamentares, mas desta Casa como um todo.
O SR. PRESIDENTE (Idilvan Alencar. Bloco/PDT - CE) - Quero agradecer à Profa. Rita Potiguara e dizer-lhe que, hoje à noite, eu e a Deputada Professora Rosa Neide vamos estar no Acampamento Terra Livre, para reafirmar a defesa da causa dos povos indígenas.
Um abraço.
Está encerrada a presente programação.
(A reunião é suspensa.)
A SRA. RITA GOMES DO NASCIMENTO (RITA POTIGUARA) - Voltando à exposição, quero dizer que um dos desafios é esse contexto a que já me reportei, um contexto em que temos restrição orçamentária de gastos públicos, sobretudo com as políticas sociais.
Temos um contexto, também, que não está de acordo com a sociedade democrática, com o Estado de Direito que temos, que é o da livre expressão, do fomento à participação e o diálogo com a sociedade. E tivemos um decreto que extinguiu vários conselhos e comissões criadas no âmbito do Governo Federal, e nós temos no Ministério da Educação a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena. Desde a década de 90, o Ministério da Educação assumiu a educação escolar indígena e vem tendo o cuidado de dialogar com os povos indígenas.
Então, vemos com bastante preocupação esse decreto que extingue esses conselhos e comissões. E, para nós, povos indígenas, é importante esse diálogo com o Governo, porque não queremos ser um povo à parte, mas estar junto e fazer parte da sociedade nacional, da sociedade brasileira, participando de todos os seus Poderes e de sua organização, entretanto, continuando a ser indígenas. E esses espaços de participação e de diálogo são muito importantes para nós.
E um desafio grande que temos é o Plano Nacional de Educação, que traz, em muitas de suas iniciativas, muitas de suas ações, metas e estratégias relacionadas à educação escolar indígena, como, por exemplo, investir na educação infantil nas escolas indígenas, a partir de consultas públicas, etc.; criar escolas de tempo integral nas escolas indígenas; consulta às comunidades indígenas.
Vejam como o PNE avançou no sentido de pensar uma forma de colaboração específica para a educação escolar indígena, tendo em vista que muitas das terras indígenas — onde se situam escolas e grupos indígenas — ultrapassam mais de um Município, algumas delas mais de um Estado. Portanto, deve haver uma forma de colaboração específica pensando nessas realidades.
E o PNE, que é um documento construído por meio da participação popular e do diálogo com o Governo Federal, do diálogo com o Legislativo, é importante para nós, da educação, o qual devemos defender, apesar dos anúncios que ouvimos — e conhecemos o cenário. Dificilmente, portanto, vamos conseguir implementar esses sonhos que estão lá no PNE. Mas cabe a nós, educadores, estar na defesa do Plano Nacional de Educação.
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Também colocamos como desafios — a muitos deles o nosso Deputado Idilvan já se referiu —, que é o concurso público e o investimento não só no que se refere a recursos orçamentários. É importante falarmos disso, porque essas comunidades complexas, essas realidades, exigem outras formas de gestão do recurso público, como, por exemplo, a construção de escolas indígenas.
A construção de escolas indígenas, se for feita só naquele modelo que vimos, por meio do PAR, em que se repassam recursos para Estados e Municípios, e eles se viram para fazer a gestão dele, não dá certo. Em 2007, o Ministério da Educação passou um volume muito grande de recursos para Estados e Municípios para construção de escolas indígenas. Apenas 30% desses recursos conseguiu-se que fossem gastos; 70% deles estavam ainda em obras paradas, licitações abandonadas, uma sorte de dificuldades que fizeram com que nosso País hoje exibisse esse grande número de escolas funcionando sem prédios.
Portanto, precisamos também pensar em metodologias diferenciadas. E metodologia diferenciada passa, por exemplo, pela mudança das regras. O Deputado Idilvan aqui falou na mudança do paradigma de que só se pode construir uma quadra ou um ginásio poliesportivo onde há um número "x" de alunos. Nós estamos tratando de comunidades pequenas. Em muitas delas, na verdade, nossas escolas têm apenas 50 alunos. Então, se formos pensar que uma quadra ou um ginásio são de uso coletivo, para que toda a comunidade possa usufruir, nós construímos quadra e ginásio nas comunidades indígenas.
Nós iniciamos também... Eu estou falando "nós" porque há pouco tempo eu era gestora, era diretora no Ministério da Educação. A SECADI, numa parceria com o FNDE, pensou numa metodologia de construção diferenciada para as escolas indígenas, começando com uma consulta aos povos indígenas, passando pela discussão com as Secretarias de Educação e agregando outros parceiros. Então, o FNDE apresentou a proposta de que usaríamos aquele RDC, o Regime Diferenciado de Contratações, para poder contemplar exatamente as dificuldades em construir em terras indígenas.
De toda sorte, eu queria deixar aqui algumas imagens. Algumas nós pegamos para homenagear a nossa querida Deputada Rosa Neide e o nosso querido Idilvan. Peguei imagens de cada um dos nossos Estados, para vermos um pouco da cara dos nossos alunos em escolas indígenas.
(Segue-se exibição de imagens.)
Mais uma vez, muito obrigada. Agradeço.
Parabenizo-os neste momento que é muito importante. Nós estamos, no Brasil e aqui, tratando do Abril Indígena. Esta Casa, por meio dessa iniciativa capitaneada e organizada pelos dois Parlamentares, está dando mostras de que o Acampamento Terra Livre é de todos.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Idilvan Alencar. Bloco/PDT - CE) - Obrigado, Profa. Rita Potiguara.
Quero dizer que se trata do Abril Indígena, mas essa luta e esses desafios continuam ao longo do ano.
Concedo a palavra à Deputada Rosa, para encerrar a reunião.
A SRA. PROFESSORA ROSA NEIDE (PT - MT) - Quero agradecer à Profa. Rita Potiguara.
A Rita eu acho que é o melhor exemplo hoje que nós podíamos trazer aqui para mostrar para o profissional da educação indígena ou não indígena e para qualquer público no Brasil que você é uma grande mestra na questão da educação.
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E quem conhece educação escolar indígena acho que é muito mais versátil ao falar de educação do que quem não conhece. Eu converso bastante com o Deputado Idilvan, e nós trocamos ideias sobre a questão indígena, assim como com outros Parlamentares que têm conhecimento das questões indígenas. Nós professores de áreas urbanas sempre dizemos que quem não conhece uma escola de aldeia não tem clareza do que é realmente o papel da educação.
Quando ouvimos no Brasil hoje a ideia de escolas militarizadas, perguntamos: "Por que escolas militarizadas?" E ouvimos: "Porque nós queremos crianças disciplinadas". É só ir à aldeia — não é, Deputado Idilvan? —, que vamos conhecer alunos disciplinados, respeitosos com os seus professores e com os gestores da escola e com os seus familiares, muito mais do que com qualquer orientação militar. E isso é feito com muito amor, com muita tranquilidade.
Eu tive a oportunidade, no Estado de Mato Grosso, de conhecer essa realidade nas aldeias. Para mim foi a maior aprendizagem na educação que tive, porque tudo o que aprendi na teoria eu encontrei na prática nas escolas indígenas. Você chega como gestora, como eu cheguei muitas vezes, para conversar com o professor, e as crianças continuam suas atividades naturalmente. Você chega na cidade para conversar com o professor, e os nossos filhos não reagem assim. Lá na escola, as crianças querem sair, acompanhar o professor, perguntar o que é, quem é. Nas aldeias não, as crianças são altamente respeitosas com seus professores. As crianças sabem o que têm que fazer, conhecem os seus horários, os seus ritmos. O ritual de cada dia é muito tranquilo, e a relação professor e aluno é aquela relação que muitas vezes queremos fazer na cidade e hoje temos dificuldade.
Então, falar neste mês de abril tendo a Profa. Rita aqui na nossa Comissão de Educação, com a nossa Frente Parlamentar em Defesa da Escola Pública e em Respeito ao Profissional da Educação, junto com o companheiro Deputado Idilvan, que sempre está junto nessa discussão, preocupado... O Ceará tem uma realidade muito diferente da de Mato Grosso com relação à forma de viver dos indígenas. A nossa é muito mais de povos aldeados, e o Ceará talvez seja um pouco diferente, com comunidades já com outra organização. Mas nesse sentido como Rita bem deixou claro, os indígenas continuam indígenas. E essa condição de manter a cultura, manter os valores, manter a história...
Vocês indígenas contem conosco, contem com estes Parlamentares e tantos outros que apoiam a causa. Nós estaremos aqui juntos fazendo esse trabalho, apoiando a educação escolar indígena e esforçando-nos para cumprir o nosso compromisso aqui, que é de respeitar as diferenças dos povos que vivem no Brasil.
Muito obrigada a todos. Vamos continuar nessa luta.
O SR. PRESIDENTE (Idilvan Alencar. Bloco/PDT - CE) - Está encerrada a presente reunião.
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