Horário | (Texto com redação final.) |
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09:51
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Bom dia. Ao saudar todas e todos aqui presentes, declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias destinada a debater o direito humano à alimentação.
Esta audiência atende a requerimento de autoria do Deputado Padre João, que, daqui a alguns minutos, estará conosco nesta audiência.
A Medida Provisória nº 870 extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — CONSEA. No entanto, a Lei nº 11.346, de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — SISAN determina a participação social na formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e controle das políticas e dos planos de segurança em todas as esferas do Governo.
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09:55
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Antes de convidar os expositores para compor a mesa, informo que o Sr. Ministro de Estado da Cidadania, Osmar Terra, foi convidado para esta audiência, porém informou da impossibilidade de aqui comparecer, em vista de compromissos assumidos anteriormente.
Dito isso, convido para compor a mesa os seguintes convidados e convidadas: Subprocuradora-Geral da República, Dra. Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão — seja bem-vinda, Dra. Deborah Duprat; Sr. Rafael Zavala, representante da FAO no Brasil; Sra. Elisabetta Recine, Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — CONSEA.
(Palmas.)
Convido também a Sra. Katia Drager Maia, Diretora Executiva da Oxfam Brasil. Ainda não está presente. Quando a Katia chegar, por favor, avisem-me.
Convido também o Sr. Naidison Baptista, representante do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional; a Sra. Valéria Burity, representante da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas — FIAN Brasil; a Sra. Gulnar Azevedo e Silva, Presidente da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva — ABRASCO.
(Palmas.)
Quero adiantar que hoje a nossa Comissão está com muitas atividades, inclusive aqui no Plenário 2 temos uma audiência coletiva com os povos indígenas. Daqui a pouco, eu vou passar a condução dos trabalhos para o Deputado Padre João e me dirigirei ao Plenário 2, porque também estamos diante de outra audiência pública importante, em parceria conjunta com a Comissão de Meio Ambiente.
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09:59
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Esclareço que o tempo concedido aos expositores será de 10 minutos. E é importante também informar que as imagens e sons desta reunião estão sendo captados para transmissão ao vivo pela Internet e também para posterior registro de áudio e transcrição.
Portanto, informem aos seus contatos que esta audiência está sendo transmitida ao vivo pela página da Comissão de Direitos Humanos e pelo Facebook.
Por isso, eu solicito a todos que forem usar a palavra que falem próximo ao microfone, para que tenhamos uma boa captação do som.
Após as intervenções dos integrantes desta Mesa, abriremos a palavra aos Deputados presentes e a um número de inscritos, em seguida, devolveremos a palavra para os expositores da mesa fazerem suas considerações finais por 5 minutos.
A SRA. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Bom dia a todas e todos. Eu saúdo as componentes e os componentes da mesa e o Sr. Presidente desta Comissão.
Este é um tema que nós estamos discutindo desde ontem, coincidentemente houve uma audiência no Senado Federal com o Presidente e o Relator da Comissão Mista Especial para tratar da MP 870/19 e, depois, o lançamento da Frente Parlamentar pela Segurança Alimentar e Nutricional.
E eu acho que, talvez, de fato, este seja um dos temas mais importantes a serem tratados no âmbito da MP 870/19, porque a MP 870/19 é o exercício da prerrogativa de qualquer novo Presidente do Brasil. Todo aquele que chega tem o direito de fazer uma organização administrativa que dê conta dos projetos de Governo e de Estado que lançou na sua campanha e pretende realizar ao longo do mandato.
Então, não há em princípio, numa organização administrativa, não deveria haver, problema algum, já que é apenas uma estrutura. Ocorre que há uma compreensão hoje no Direito interno, no Direito Internacional, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e na jurisprudência de Cortes europeias de que os direitos fundamentais têm uma dimensão material, mas eles têm também uma dimensão organizacional, significa que não é possível prever um direito, e ele não contar com uma estrutura mínima de organização do Estado para realizá-lo.
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10:03
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O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Eu peço só que os participantes desta audiência nos ajudem a manter o silêncio.
A SRA. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Um dos princípios fundamentais que norteiam a República Federativa do Brasil é exatamente uma luta pelo combate à desigualdade e às discriminações de todo tipo, mas tendo como centro o combate à fome e à miséria, que são uma das mazelas históricas deste País, um país de muita concentração de venda e que gerou, ao longo da sua história, um contingente enorme de pessoas que passavam fome. E o outro está no art. 6º, é produto de uma emenda constitucional, o direito à alimentação.
O que acontece com a MP 870? A MP 870 vai revogar dispositivos da Lei nº 11.346 e vai acabar com as competências e com a composição do CONSEA. Inclusive ela mantém o CONSEA em vários dispositivos, fica uma lei muito pouco compreensível. Ao desorganizar o CONSEA dessa maneira, ela inviabiliza qualquer funcionalidade da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Por quê? Porque a lei se ampara num tripé. Ela se ampara na Conferência Nacional, no CONSEA e na Câmara Interministerial. Esses órgãos têm uma relação de coordenação e cooperação entre si. Na hora em que se desorganiza o CONSEA, porque não há mais composição e não há mais competências, os outros campos que fazem face à segurança alimentar e nutricional não conseguem atuar.
Então, é uma lei que acabou não sendo revogada, mas que perdeu qualquer funcionalidade e qualquer sentido. E aí, sim, nós estamos num plano de inconstitucionalidade. Temos direitos fundamentais que não conseguem se realizar, porque o sistema organizacional criado para fazê-los funcionar não funciona.
Quero lembrar, mais uma vez, que essa estrutura foi fundamental e reconhecida — a FAO está aqui — mundo afora como uma estrutura absolutamente eficiente no combate à fome e à garantia da segurança alimentar e nutricional. Por conta dessa política, o Brasil conseguiu sair do Mapa Mundial da Fome no ano de 2014, e a FAO produz um relatório nesse sentido, estimulando países com características similares, principalmente países africanos, a reproduzirem o modelo brasileiro.
O meu tempo está terminando, mas quero só lembrar que essa desestrutura administrativa que garante o combate à fome e à miséria e a segurança alimentar e nutricional ocorre num período de precarização de direitos. Nós temos baixo investimento público em políticas públicas por conta da emenda do teto de gastos, já tivemos a reforma trabalhista e há a possibilidade de uma reforma previdenciária.
Isso aumenta o contingente de pessoas cada vez em situação de maior vulnerabilidade e, portanto, sujeitas a retornar a esse quadro de fome e miséria extremas. Lembro também que há um estudo da FAO mostrando o aumento gradativo da população em situação de subalimentação no Brasil desde 2015. Eu não sei como estamos, mas acredito que, a esta altura, nós já voltamos ao Mapa Mundial da Fome.
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Então, eu acho que é uma situação que, independente de partido, independente de concepções de mundo — e respeito, porque, na democracia, isso é absolutamente essencial —, é de difícil negociação. Trata-se de desmontar uma estrutura tão fundamental para a garantia do direito mais fundamental, que é a garantia do direito a uma vida livre de fome e de miséria.
Só lembro que é possível, e nada é absolutamente imutável, nada é absolutamente livre de críticas. A possibilidade de se criar um sistema melhor é sempre bem-vinda. Se alguma coisa melhor for proposta no lugar, ótimo. Agora, o que não pode é se desmontar um sistema sem que nada venha substituí-lo em condições próximas e com a possibilidade de eficiência e eficácia similares.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Agradeço a exposição da Subprocuradora da República, Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão.
Antes de passar para a próxima exposição — além dos Deputados já anunciados aqui —, quero anunciar a presença do Deputado Eli Borges; do Deputado Márcio Jerry, que é membro desta Comissão; do Deputado Patrus Ananias, ex-Ministro de uma área tão importante e membro desta Comissão; e do Deputado Padre João, que estava aqui na minha frente. Inclusive, o Deputado Padre João é o proponente desta audiência pública.
O Brasil mostrou ser possível erradicar a fome e a pobreza extremas graças ao comprometimento político de seus governantes e às políticas públicas que envolveram diversos setores da sociedade. Mesmo com a inversão da tendência mundial do declínio da fome, devido ao aumento dos conflitos e à intensificação dos impactos das mudanças climáticas, ainda é possível dizer que tal receita é perfeitamente aplicável em uma escala global.
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10:11
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Em outra ponta desta equação, os últimos dados da ONU apontam para o agravamento contínuo da epidemia da obesidade e do sobrepeso. A nível mundial, ainda há mais pessoas com fome do que obesas: são 821 milhões contra 670 milhões aproximadamente. No Brasil, essa disparidade já é imensa. Enquanto menos de 5% dos brasileiros ainda sofrem de insegurança alimentar, mais de 18%, segundo dados recentes do Ministério da Saúde, são ou estão obesos.
Os fatores e os desafios de fome e obesidade são distintos, mas suas soluções estão ligadas à mesma raiz: o fomento a políticas públicas e uma regulamentação que permita amplo acesso a uma alimentação saudável. Nessa perspectiva, é necessária a inclusão de um diálogo com diferentes setores, para que se definam as estratégias de promoção de uma alimentação saudável. Por isso, há necessidade urgente de analisar os eventuais impactos da extinção do CONSEA, especialmente frente aos desafios impostos por essa preocupante epidemia de obesidade.
Provavelmente, a obesidade tenha custado cerca de 2,5 trilhões de dólares aos cofres dos sistemas nacionais de saúde pública. Em primeiro lugar, temos uma perspectiva histórica. O CONSEA foi fruto do processo de redemocratização do Brasil. A pluralidade do CONSEA foi fator essencial para o êxito das políticas brasileiras contra a fome, tidas até hoje em dia como exemplo mundial.
A inauguração do Centro de Excelência contra a Fome em Brasília, em 2011, que trabalha no âmbito da Cooperação Sul-Sul para o compartilhamento dessas boas práticas e a replicação do modelo do CONSEA como apoio da FAO e do Programa Mundial de Alimentos nos outros países de língua portuguesa ou de outras línguas ilustram a relevância e a autoridade adquirida pelo Brasil nessa temática.
Em segundo lugar, é preciso pontuar que a experiência brasileira de diálogo de políticas públicas promovidas pelo CONSEA contribuiu para consolidar o modelo de plataformas globais, como na conclusão da reforma do Comitê Mundial de Segurança Alimentar e Nutricional em 2009.
O Comitê Mundial de Segurança Alimentar tem se tornado uma dinâmica ferramenta de discussão e coordenação entre governos, organizações internacionais, agências, organismos internacionais, ONGs e sociedade civil de forma alinhada com o contexto e as necessidades específicas de cada país.
Como um princípio participativo, esse Comitê tem promovido uma maior convergência e coordenação de políticas, estratégias internacionais e diretrizes sobre segurança alimentar e nutricional com base nas melhores práticas e nas lições aprendidas com as experiências locais compartilhadas por seus respectivos governos e sociedades.
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Com papel fundamental no desenvolvimento das políticas públicas contra a fome no Brasil, a sociedade civil pode ter contribuição ainda mais efetiva em prol de soluções para o combate à obesidade. Sua capacidade de mobilização por uma regulação que promova uma alimentação mais saudável poderia fortalecer as discussões em diversas frentes, incluindo a adoção de rotulagens em produtos processados, mecanismos de controle de produtos com quantidade excessiva de sal, açúcar e gorduras, e a regulamentação sobre a propaganda de produtos não saudáveis destinada a crianças.
A adoção de uma política nacional de dietas saudáveis como bem ilustradas pelo guia alimentar para a população brasileira, documento do Ministério da Saúde, é uma conquista que não pode igualmente ser desvirtuada. A necessidade de uma plataforma ampla de diálogo e coordenação de políticas em prol de uma alimentação saudável está colocada. Ativo internacional do País, a política alimentar brasileira, cuja base de diálogo foi extinta, não pode ser maculada por um ato de ofício. É preciso recolocá-la de volta aos trilhos.
O SR. PRESIDENTE (Helder Salomão. PT - ES) - Obrigado ao Sr. Rafael Zavala, representante da FAO no Brasil, pela sua exposição.
Quero registrar a presença do Deputado Padre João, que é o autor do requerimento que deu origem a esta audiência pública.
Quero informar que a Sr. Katia Drager Maia, que faria parte desta mesa, não conseguiu chegar a tempo. Então, ela não fará parte do debate de hoje.
Passo agora a palavra para a Elisabetta Recine, Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — CONSEA.
Antes que a Sra. Elisabetta Recine inicie sua exposição, Deputado Padre João, quero passar a Presidência dos trabalhos desta audiência pública a V.Exa., que é o autor do requerimento, porque estou sendo convocado, neste momento, a comparecer ao Plenário 2, onde terá início outra audiência pública conjunta com esta Comissão.
Então, peço a V.Exa. que ocupe a presidência desta audiência pública. Se for necessário, depois, nós poderemos fazer um rodízio entre outros Deputados da Comissão aqui presentes.
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O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Bom dia a todas e todos.
Eu queria só, Betta, com a sua permissão, porque de fato estão ocorrendo várias reuniões, falar que eu tive que sair, na verdade, porque também está sendo instalada, até que enfim, a CPI do crime da Vale em Brumadinho.
Sabemos que estão ali milhares e milhares de famílias que não têm segurança, têm insegurança alimentar, são agricultores, pescadores, quilombolas e indígenas, todos ribeirinhos.
Então, ontem mesmo, em relação ao processo criminal de Mariana, todos foram absolvidos do que aconteceu em Mariana, com 19 mortos. Por decisão da 4ª Turma do TRF da 1ª Região, salvo engano, por unanimidade, foram de certa forma absolvidos. Era só para dizer isso.
Qual é o apelo aqui de alguns Deputados? Como vão participar, eu acho que é importante a manifestação deles em relação à MP 870/19, porque há importância em o CONSEA e o SISAN permanecerem na íntegra, embora esteja também tendo agora no Senado audiência que está discutindo a MP 870/19.
Então, estamos dialogando aqui com o Padilha, mas lá está também a equipe técnica. Como o Ministro Osmar Terra, que está responsável por todas essas políticas, não compareceu, foi convidado ontem, não compareceu, hoje, também não compareceu, a nossa proposta é de que haja uma convocação para a semana, para que ele compareça, para que ainda em tempo possamos recuperar. Nós temos que fazer todas as ações possíveis para garantirmos avanço na legislação. Para nós, a essa altura, do jeito que estava, já é um avanço. É triste, mas é a verdade.
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10:23
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O SR. FREI ANASTACIO RIBEIRO (PT - PB) - Claro.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - É importante a fala da Elisabetta Recine.
Eu quero agradecer o pedido em nome de todas as organizações, militantes conselheiros e conselheiras, não só nacionais, mas estaduais e municipais, envolvidos nos conselhos, de convocação desta audiência pública e também à Comissão como um todo por ter acatado esse pedido.
De uma maneira muito sincera, apesar de ser arriscado, quero dizer que entendo a insistência de algumas pessoas de me chamarem de Presidente, ou Presidenta, mas eu me incomodo muito com isso, porque, pessoalmente, é importante reconhecermos o que está acontecendo e que, de fato, o CONSEA não existe. Pode haver alguma diferença de entendimento do ponto de vista jurídico etc., mas, de fato, hoje, nós não temos uma Secretaria Executiva, ela foi desativada dia 30 de janeiro. Nós não tivemos nenhuma plenária apesar de, já no final de 2018, ter sido convocada uma. Nós tínhamos um calendário de trabalho. Nós não realizamos nenhuma reunião para organizarmos nossa VI Conferência — a primeira e última reunião foi realizada no final do ano passado, quando colocamos quais eram as pretensões para essa VI conferência, quais eram os objetivos, como que nós poderíamos contribuir para a revisão do 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Nada disso foi feito.
O que foi feito, sim, foi um processo intenso, crescente, de mobilização da sociedade civil para defender um bem público, que é o espaço de participação social dentro do Estado brasileiro. E isso eu reconheço, eu sou uma militante, estou aqui como militante e falo em nome de inúmeras, centenas e milhares, de pessoas envolvidas nessa agenda.
Eu não me coloco na função de Presidente, porque não quero ser viúva desse processo, eu quero estar no presente. E o presente é que a Medida Provisória nº 870, sim, extinguiu o CONSEA, e mais do que isso, simplesmente liquidou com uma política, com uma lei que foi aprovada nesta Casa por unanimidade por reconhecer o que direito humano à alimentação adequada é mais do que urgente. Um País como o Brasil não pode mais conviver nem com a fome nem com a má alimentação. Então, eu não sou Presidente, eu sou uma pessoa comprometida, uma profissional comprometida, uma cidadã comprometida com o bem-estar e com a justiça social deste País.
Eu organizei a minha fala me perguntando por que o CONSEA faz bem aos direitos humanos e faz bem, particularmente, ao direito humano à alimentação adequada?
Todos nós sabemos que o direito humano à alimentação adequada tem duas dimensões que são indissociáveis: estarmos livres da fome, mas tendo direito e acesso a uma alimentação adequada e saudável.
Diferente de algumas décadas atrás, quanto à compreensão de que acabar com a fome era oferecer qualquer tipo de comida às pessoas que porventura não tivessem acesso a ela, hoje nós temos clareza que isso não é suficiente e não é realizar o direito. As pessoas, todas elas, independente do nível de renda, mas, logicamente, dando prioridade àqueles que não têm acesso físico e financeiro aos alimentos, precisamos, sim, ter direito a ter acesso a alimentos que são produzidos de maneira justa e limpa, com justiça social, promovendo o desenvolvimento econômico e a equidade econômica.
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Então, isso diz respeito, na verdade, a toda a população brasileira, a toda a população do planeta. A realização do direito humano à alimentação adequada atende a um direito que todos e todas nós temos. Logicamente, as situações de maior violação são aquelas que estão relacionadas à privação, são aquelas que estão relacionadas à fome, mas a fome é a ponta de um iceberg de um conjunto de violações.
E é nesse aspecto que o CONSEA fez muito bem a realização do direito humano à alimentação adequada no Brasil. Por que ele fez isso? Primeiro, porque ficou reconhecido em estudos de inúmeros pesquisadores, inclusive do IPEA, que o CONSEA era o conselho em que se expressava a melhor e a maior diversidade da sociedade brasileira. Isso é fundamental porque as necessidades dos diferentes grupos da nossa sociedade são distintas; os conhecimentos, os graus de violação são distintos. E essa vida e esse conhecimento que se acumulam nesse processo estavam dentro do CONSEA.
No CONSEA nós tínhamos povos indígenas e diferentes setores dos povos e comunidades tradicionais; nós tínhamos grupos relacionados aos movimentos em organizações urbanas e defensores de consumidores; nós tínhamos profissionais relacionados à área da saúde e da produção; nós tínhamos agricultores familiares e quilombolas.
E o que isso gerava? Isso gerava o próprio retrato da sociedade brasileira, em termos de necessidade, e, mais do que isso, em termos de conhecimento, em termos de propostas. Era isto que o CONSEA gerava: um conjunto de propostas que eram oferecidas de maneira absolutamente benevolente pela sociedade brasileira ao Estado brasileiro. A sociedade brasileira oferecia ao Estado brasileiro o seu conhecimento e as suas propostas para que as políticas públicas fossem aprimoradas.
Então, ao contrário do que se fala, o CONSEA não é um gasto, o CONSEA não é um dinheiro público desperdiçado, primeiro porque o custo de funcionamento dos conselhos, não só do CONSEA mas dos conselhos em geral, é extremamente baixo. A relação custo-benefício é uma das melhores possíveis se formos analisar, porque há um trabalho voluntário, um conhecimento qualificado, um conhecimento que vem das bases, que mostra a adversidade das realidades e traz propostas concretas de aprimoramento de política pública. Há melhor investimento do que esse? Há melhor investimento do que olhar para uma política pública e ver como ela pode atender melhor aqueles que precisam dela? Simplesmente eu acho que não há um outro exemplo.
E nesse aspecto também o CONSEA conjugava algo que faz muito bem a qualquer Estado, a qualquer máquina pública, que era promover, forçar o diálogo entre setores. Todos nós, todas nós que participamos de qualquer instituição, seja ela menor, seja ela maior, sabemos a tendência de conservadorismo da instituição. Nós nos fechamos em caixas. Nós nos fechamos nas nossas prioridades e nas nossas verdades.
O CONSEA forçava que os setores de Governo conversassem, compartilhassem necessidades, compartilhassem negociação de orçamento, compartilhassem agendas. Isso é fundamental, primeiro, para fazer com que as políticas públicas se articulem.
A Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional é um processo absolutamente inédito.
Assim como o CONSEA é um exemplo a ser seguido, a Câmara Interministerial também é um exemplo a ser seguido. Em alguns momentos, colocavam-se, numa mesma mesa, 20 setores do governo para discutir um tema, e vinham, para colocar a sua perspectiva em relação àquele problema, o Ministério das Cidades; o Ministério da Saúde; o Ministério, na época, de Desenvolvimento Social; o Ministério da Educação. Isso fazia com que olhássemos o mesmo problema sob diferentes perspectivas e procurássemos, portanto, a melhor maneira de resolver esse problema.
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Há inúmeros exemplos em relação a isso. Um deles é a Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade, que é um problema hoje tão importante quanto o da fome e desnutrição, que tem, por incrível que pareça, as mesmas origens.
Dezessete setores se sentaram e, com a participação do CONSEA, elaboramos uma estratégia que envolve todos esses setores. Trata-se de processos extremamente complexos, não de processos simples que acontecem do dia para noite, mas é uma experiência que está sendo criada, é uma experiência que está sendo acumulada, é um conhecimento, é um valor nosso. Não se trata de um valor de X ou de Y, mas de um valor nosso, que precisa ser resgatado, que precisa ser reconhecido e que precisa ser continuado. Não há experiências perfeitas, mas há experiências que precisam ser reconhecidas para serem aprimoradas.
Nesse sentido também, olhando o nosso processo de trabalho, eu quero falar que nós sempre trabalhamos dirigidos e orientados pelos princípios dos direitos humanos. E isso faz muito bem às políticas públicas em geral e certamente às políticas de alimentação e nutrição.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Muito obrigado, Elisabetta.
O SR. FREI ANASTACIO RIBEIRO (PT - PB) - Deputado Padre João, quero parabenizar V.Exa. por esta audiência pública. Quero também parabenizar a Mesa, na pessoa da Sra. Elisabetta, que colocou com muita clareza, como também o fizeram a Subprocuradora e os outros que aqui falaram, esta realidade que está posta e que, na minha avaliação, é uma medida criminosa.
Eu sou do Nordeste, da Paraíba, e sei a importância do CONSEA naquele Estado, onde 70% do território é composto pelo Semiárido paraibano.
Hoje, graças às políticas públicas do Governo Lula, temos que dizer isso, e do Governo Dilma — a fome no Nordeste —, não vemos mais como víamos anos atrás. É uma realidade completamente diferente, em virtude das políticas públicas que foram implementadas, Deputado Padre João.
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Hoje vemos que volta a fome no Nordeste — volta a fome. Acho que o importante é que este está sendo um ano de bom inverno para o povo do Nordeste, da Paraíba. E esperamos que haja muita produção, senão a fome estaria campeando.
Aí, vem um Governo criminoso, porque ele é criminoso. O Governo Bolsonaro é criminoso! Isso precisa ser dito. E nós vamos precisar organizar os trabalhadores, as trabalhadoras, aquelas pessoas de boa vontade — boa vontade no bom sentido — para a luta. E será uma luta de resistência, não será uma luta qualquer, mas de resistência contra tudo isso que aí está.
Esta Casa tem uma responsabilidade grande nesse sentido. Os quinhentos e tantos Parlamentares que aqui exercem um mandato têm uma responsabilidade grande, por quê? Porque o Executivo é o Executivo, está aí para executar; o Senado está aí para revisar. Mas esta Casa é a representação legítima da população brasileira. Não dá para se tratar essa coisa — oposição, situação, partido, ideologia... O que vamos fazer para mudar esta realidade?
Eu quero dizer à Mesa e a você, Elisabetta, que, com tanta clareza, coloca tudo isso — a agricultura familiar na Paraíba —, que eu sei o bem que fizeram os assentamentos da reforma agrária. Na Paraíba, há 206 assentamentos da reforma agrária. São 14 mil e poucas famílias assentadas, um montante de mais de 100 mil pessoas. Essas famílias colocavam a sua produção para alimentar as periferias das cidades. E isso está sendo tirado: a CONAB, na Paraíba, está fechada; o INCRA não tem nenhuma função.
Então, vamos precisar... Aí não adianta falar de oposição ou de situação, porque se assim for o discurso nesta Casa, nós estamos também sendo criminosos para com a população brasileira.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Deputado Frei Anastacio Ribeiro.
O SR. FREI ANASTACIO RIBEIRO (PT - PB) - Presidente Padre João, pela ordem, peço para ir para outra audiência. Tenho reunião em duas Comissões. Peço permissão para ir lá.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Por enquanto, está permitido. A luta continua.
O SR. AROLDO MARTINS (PRB - PR) - Está tudo em família.
Presidente, Deputado, senhoras e senhores membros desta Mesa, companheiros Deputados, senhoras e senhores que estão presentes nesta audiência pública, algumas coisas que vocês possam ouvir talvez sejam coisas que, para vocês, sejam costumeiras, números que sejam normais, informações que sejam totalmente o abecedário do trabalho de vocês.
Mas, como esta audiência está sendo gravada, nós perpetuamos a coisa e podemos estender assuntos que forem aqui falados para toda a sociedade. Isso é muito importante.
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A sociedade, muitas vezes, em sua grande maioria, não está consciente daquilo que está acontecendo porque as coisas não chegam esmiuçadas. Como os grandes meios de comunicação têm a sua própria agenda, passam para ela aquilo que lhes interessa. E, como a população, muitas vezes, a grande maioria, não tem a capacidade de buscar aquilo que é realmente importante em outros assuntos que não são de grande relevância no ponto de vista da mídia, esses assuntos ficam desconhecidos. Por exemplo, nesta semana, o que mais se falou foi sobre o que aconteceu na CCJ, que é o assunto do momento: a reforma da Previdência.
Mas, enquanto está se falando da reforma da Previdência, há gente passando fome; enquanto está se falando nas brigas da CCJ, pessoas estão passando fome; enquanto estão se apontando o dedo e desafiando a autoridade de Presidente da CCJ, as pessoas estão passando fome. Muitas coisas estão acontecendo e causam a nossa emoção e causam a nossa revolta.
Portanto, entendo a importância do CONSEA e de como podemos reverter a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O Governo Bolsonaro, entre outras ações, extinguiu o CONSEA. Como a especialidade desta gestão, que mal começou, tem sido voltar atrás dos próprios atos, sabemos que nós podemos reverter essa ação lastimável.
A importância do CONSEA... "O prato já estava indigesto: cada vez mais as pessoas comem 'coisas' que não são exatamente comida, bem longe dos padrões alimentares tradicionais." Essas palavras são de uma escritora chamada Luciana Sendyk, que eu parafraseei.
Mas, na realidade da coisa, o desemprego e a instabilidade social ameaçam o retorno indesejado a um passado de um país atingido pela recessão. O desemprego causa subnutrição, alimentação não apropriada. No mundo, cerca de 795 milhões de pessoas não têm comida suficiente.
Eu vivi 25 anos fora do Brasil. A Oxfam, parece-me que a representante não está aqui, faz um nobre trabalho através das lojas que tem que vendem roupas usadas. Eu fui missionário na Finlândia e, quando as vacas estavam magras e eu precisava de roupa, comprava na Oxfam, porque as roupas eram de muito boa qualidade e porque o fato de estarmos comprando naquela loja contribuía, de alguma forma, para erradicar a fome.
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Mas a realidade é que o problema é sério, o problema é grande. Existe um desperdício no Brasil muito grande de alimentos. Muitas coisas estão no papel e muitas coisas não saem do papel em ações que precisam ser feitas. Essa questão é governamental, de proporção mundial, mas também é cultural. De alguma maneira, cada ser humano, como membro dessa sociedade mundial, precisa ter consciência dos seus atos, dos seus pequenos atos, que podem, no cômputo geral, piorar ou melhorar de alguma maneira esse problema sério que é a fome no mundo.
A grande maioria dos famintos no mundo vive em países em desenvolvimento, onde 12,9% da população está subnutrida. E nós sabemos, como foi dito pela Subprocuradora-Geral da República, que, no Brasil, isso tem diminuído, e que, nos últimos 10 anos, esse problema tem melhorado. Mas nós sabemos que são desafios que nós temos que enfrentar, e enfrentaremos. Não é um problema só nosso, é um problema mundial. É triste ver pessoas que, num planeta onde existe tanta terra fértil em que se possa plantar, pessoas passam fome.
Então, eu parabenizo o trabalho de vocês. Parabenizo a iniciativa, Deputado, desta audiência pública. E digo a vocês que a pequena contribuição deste Deputado é no sentido de estar sempre atento ao que diga respeito ao assunto da segurança alimentar, da alimentação, da nutrição e do combate à fome, porque isso deveria ser algo básico. É triste alguém sofrer por não ter o que comer. Quando vemos aquelas imagens... Eu vivi na África do Sul e no Zimbábue e vi muita gente subnutrida, crianças esqueléticas. Isso é muito triste.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Deputado Aroldo Martins.
O SR. PATRUS ANANIAS (PT - MG) - Deputado Padre João...
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Pois não, Deputado Patrus Ananias.
O SR. PATRUS ANANIAS (PT - MG) - Eu vou pedir licença também ao meu fraterno amigo, Naidison, pelo seguinte: acabei de ser informado — e hoje aqui está uma loucura — que está sendo instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a tragédia criminosa de Brumadinho, da qual eu participo também.
Eu me inscrevi para falar aqui e pedi ao Deputado Padre João para aguardar um pouco, porque eu queria ouvir primeiro mais pessoas.
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Mas eu vou pedir licença, com a sua autorização Presidente Padre João, para homenagear os Parlamentares aqui presentes. Eu gostaria de nomear todas as pessoas da Mesa, mas, por uma questão de economia de tempo, não vou fazê-lo. Mas são pessoas muito presentes, a começar por Naidison.
Eu estou ocupando o seu tempo, Naidison, contando com sua compreensão, desde os nossos tempos do CONSEA, para dar uma contribuição muito rápida antes de me ausentar por motivo de força maior. Mas o coração fica aqui com vocês. Se eu pudesse escolher e ser fiel ao meu desejo, eu não sairia daqui, pelas pessoas que aqui estão e pelo tema.
Eu anotei aqui para a nossa reflexão três pontos bem objetivos. Eu quero dar a minha contribuição a este momento histórico. Primeiro, nós devemos lembrar que o CONSEA, que está sendo extinto, está diretamente ligado às políticas públicas de segurança alimentar e nutricional no Brasil, ao direito humano à alimentação adequada. E foi um instrumento fundamental para nós retirarmos o Brasil do Mapa da Fome.
Eu lembrava ontem também, quando nós criamos a Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido, que, além de termos vencido a luta contra a fome, que infelizmente está retornando, também conseguimos superar o tempo dos retirantes da seca no Nordeste, nas regiões do Semiárido, que integra a região de onde eu venho, o meu querido norte de Minas, o Sertão de Minas, integrado também na região das secas. Então, foi uma conquista.
É importante também nós vincularmos o CONSEA ao contexto dos demais conselhos. Há uma política de desmonte dos conselhos. O CONSEA se articula também com os Conselhos Nacional de Saúde, de Assistência Social, de Educação e Cultura, que se articulam, por sua vez, com a belíssima experiência das conferências municipais, regionais, estaduais e nacionais, com todas elas. Eu me lembro bem, no nosso tempo no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, das dezenas de conferências que fizemos, como a Conferência Nacional de Assistência Social e a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. E participamos de tantas outras voltadas para mulheres, idosos, etc.
Então, é a quebra da participação efetiva da sociedade na vida brasileira. Nós estamos assistindo hoje a uma quebra dos direitos e deveres da cidadania. E, com isso, nós estamos quebrando diretrizes constitucionais, os três belíssimos primeiros artigos da nossa Constituição. Essa é a questão que nós devemos também discutir.
Eu passo para outro ponto. É importante articularmos a nossa luta aqui do CONSEA com as demais lutas. É importante que as pessoas que defendem as políticas públicas se integrem, porque as políticas públicas se complementam. Eu sempre digo que educação, por exemplo, é uma política pública fundamental, porque ela é um direito e, ao mesmo tempo, essencial a um projeto de nação, ao desenvolvimento do País.
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Mas ninguém aprende sem ter saúde; ninguém tem saúde se não tiver alimentação saudável, se não tiver água potável, se não tiver moradia digna, se não tiver vínculos afetivos, familiares, comunitários. Se esses vínculos estiverem fragilizados por algum motivo, são necessárias políticas públicas e assistência social para ajudar a corrigir e a reatar esses nós.
Por último, então, eu vejo que a questão que nos impõe aqui é um trabalho pedagógico. Nós estamos hoje no Brasil numa disputa política. São dois projetos de País. São projetos distintos. Há um projeto ultraneoliberal, Estado mínimo, fim dos conselhos — fim do CONSEA —, fim das conferências, fim das políticas públicas.
Eu penso que nós temos um desafio, cada um de nós aqui, que é ganhar amorosamente, mas com determinação, com criatividade, corações e mentes. Nós temos que convocar o Brasil neste momento. Nós temos que mostrar às pessoas o que representa o fim do CONSEA, o fim dos conselhos, o fim das conferências. Isso aponta para o fim das políticas públicas.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Muito obrigado, Ministro Patrus, que muito também contribuiu com as políticas, os programas e a própria legislação. Gratidão ao conterrâneo do nosso saudoso Betinho.
O SR. PATRUS ANANIAS (PT - MG) - Betinho é meu conterrâneo de Bocaiúva, não é só do Estado de Minas Gerais, não.
(Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Passamos a palavra ao Sr. Naidison Baptista, representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional — FBSSAN.
O SR. NAIDISON DE QUINTELLA BAPTISTA - Bom dia a todas e a todos. Eu falo aqui em nome do Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional e da Articulação Semiárido Brasileiro.
Eu não poderia falar sem primeiro destacar de onde eu venho. Eu venho do Semiárido, eu sou de lá. O Semiárido é uma terra cheia de pessoas valentes, corajosas, lutadoras. Nós costumamos dizer que é um pessoal tão resistente, que, há mais de 500 anos, querem acabar com eles, e não conseguem, porque todas as políticas que existiram para o Semiárido até hoje foram para aniquilar a população. Então, esse é o Semiárido. Mas esse pessoal é inteligente, é corajoso, é criativo e quer ser o dono do seu destino e o dono dos rumos de sua vida.
Nessa perspectiva, uma vez, quando nós estávamos fazendo um evento com agricultores sobre um projeto, um agricultor me disse assim:
"Olhe, para rico, tem política, porque a política fica, a política fica aí o tempo todinho; agora, para pobre, tem projeto, porque o projeto acaba. E a gente leva 1 ano discutindo se volta o projeto, e, quando volta, já acabou tudo o que o projeto fez". É assim que nos tratam.
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Então, começamos a pensar que, para mudar a realidade do Semiárido, precisávamos trabalhar em política, e não em projeto. E é nessa perspectiva que a ASA foi criada, para fazer política de convivência com o Semiárido. E é nessa perspectiva que a ASA se insere no Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar, para inserir as perspectivas da política na dimensão da segurança alimentar e nutricional.
Foi por essa estrada que nós da ASA aportamos no CONSEA, porque queríamos fazer política para a convivência com o Semiárido. E aportamos no CONSEA trazendo a proposta do Programa Um Milhão de Cisternas, que gerou a proposta do Projeto Cisternas nas Escolas, que gerou as cisternas e a água de produção. E hoje nós temos 1 milhão e 250 mil famílias com água potável — famílias! —, 6 milhões de pessoas, nós temos 200 ou 300 mil implementações de água para a produção numa terra que se diz que não produzia nada.
Então, agora, passando pelo CONSEA, nós agregamos outros elementos, e aí houve aprendizado da ASA e do Fórum dentro do CONSEA. Nós agregamos ao processo de convivência o Programa de Aquisição de Alimentos. Nós agregamos a qualificação e o trabalho na perspectiva do Programa de Alimentação Escolar e da compra da alimentação escolar na agricultura familiar, o que respeita os hábitos alimentares da população e dinamiza o processo da agricultura familiar. Nós agregamos o seguro safra. Nós agregamos a assistência técnica. Nós agregamos as sementes. Nós agregamos um conjunto imenso de políticas, que, na sua contextualização global, formaram a convivência com o Semiárido e têm um resultado maravilhoso e superimportante.
O resultado é que a terra, quando tinha uma seca, chegava a ter 1 milhão de mortos, como foi na penúltima grande seca. É o Holocausto do Nordeste, não existem só os holocaustos dos quais falamos. Esse é o Holocausto do povo do Nordeste. Passou esta última seca dos 7 últimos anos sem 1 só morte humana.
Isso é resultado do conjunto de políticas às quais podíamos agregar muitas outras.
Então, essa terra não tem mais morte, essa terra não tem mais migração. Ao contrário, tem gente que volta de São Paulo para o Semiárido. Esse é o conjunto das coisas que nós vivenciamos. E todas essas políticas passaram por dentro do CONSEA, onde foram debatidas, aperfeiçoadas e criadas. Eu me recordo de que o Programa de Aquisição de Alimentos — PAA foi criado na primeira ou segunda plenária do CONSEA.
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E há um elemento a mais. Enquanto aqui no Brasil nós começamos a diminuir a construção de cisternas ou a cortá-las, iniciamos agora no Sahel, na África, o Programa Um Milhão de Cisternas para o Sahel. Também iniciamos na Guatemala o programa Um Milhão de Cisternas para a Guatemala, em parceria com a FAO. Esse é um aprendizado da política, do processo e da construção que nós vivenciamos no CONSEA.
Então, hoje, nós temos um Semiárido vivo, um Semiárido que ontem movimentou esta Casa para a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido. E a Casa estava cheia! O Semiárido não quer nenhum direito a menos, porque nós não somos esmoleres, somos cidadãos. Queremos participar e temos o direito de participar.
Para encerrar, poderíamos dizer o seguinte: é inexplicável e inaceitável que um conselho que tem esse conjunto de produção, de oferta, de contribuição para a melhoria da sociedade brasileira, um conselho que contribuiu essencialmente com a perspectiva da mudança da vida das pessoas do Semiárido, um conselho que trouxe a pujança e que retomou a perspectiva da vida das pessoas do Semiárido, que seja colocado como algo que não tem contribuição a dar à sociedade, que seja colocado como algo que pesa nos ombros da sociedade, ao invés de se olhar o que efetivamente ele fez, contribuiu, trouxe, ajudou, elaborou, monitorou, fazendo com que a sociedade brasileira pudesse participar da construção das políticas.
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O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Agradecemos a Naidison de Quintella Baptista, representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar.
Antes de voltar a palavra aos Deputados, registro e agradeço a presença da Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas da Bahia e de Sergipe, Amanda Ornelas; da Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas do Paraná, Deise Regina Baptista; da Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas do Rio Grande do Sul, Jacira Santos; do Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas de Pernambuco, do Ceará, de Alagoas, do Piauí, do Rio Grande do Norte, do Maranhão e da Paraíba, Hilário Damázio — Hilário, você está comandando todo o Nordeste —; da Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas de Minas Gerais, Viviane Paixão; da Vice-Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas do Pará, do Amazonas, do Amapá, de Rondônia, de Roraima e do Acre, Maria Emília Machado; da Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, Denise Noronha; da Presidente do Conselho Regional de Nutricionista de Santa Catarina, Ana Jeanette.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Registro também a presença de Leonardo Murad, Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas do Rio de Janeiro e do Espírito Santo — CRN-4; e de Aldemir Soares, Presidente do Conselho Regional de Nutricionistas do Distrito Federal.
O SR. ELI BORGES (SOLIDARIEDADE - TO) - Sr. Presidente, quero agradecer ao colega por ter me passado a vez.
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Eu cresci vendendo geladinho e picolé, muitas vezes passando fome, na rua. Aos 12 anos, eu me lembro de uma história — não estou aqui querendo vender emoção —, quando, com muita fome, numa escola, eu pedi um pedaço de salgado a um cidadão filho de papaizinho, ele disse: "Você quer um pedaço do meu salgado?" Eu disse: "Quero". Ele disse: "Então o pedaço é esse". Ele me deu um cascudo. Aquilo doeu muito. Eu fiquei pensando que a fome humilha, subtrai a dignidade das pessoas.
Um pensador disse que Deus deu com suficiência, os homens é que não sabem dividir. Eu cresci, tenho três filhos e os orientei — um exemplo que também não vi em outro lugar — no sentido de que, para cada "x" que ganhem, deem uma cesta básica. Os três ganham e destinam um pedaço do que ganham para cesta básica para pessoas pobres. Eu disse a eles: "Não façam isso com um viés político, nem digam que vocês são filhos de Deputado".
Existe o grupo neste Parlamento dos que dizem assim: "Era melhor, e tal. Este atual não presta". Depois o atual diz que o passado é que não presta. A corrupção consome todas as cestas básicas destinadas a matar a fome dos pobres. Esse é um debate que vamos ficar fazendo por 4 anos aqui.
Eu gostei muito das palavras do Sr. Naidison. Ele trouxe uma visão criativa de como resolver o problema. Eu acho que é por aí que nós temos que navegar.
Se o Governo anterior é criticado porque que houve corrupção. E, se não houvesse essa corrupção, se mataria a fome do brasileiro. Eu não vou entrar no mérito da questão. Ele governou e, enquanto governava, eu o respeitava. Se o atual tem 100 dias e acaba com o CONSEA, eu também não vou entrar no mérito da questão.
Eu prefiro, Sr. Presidente, dizer o seguinte: compete a nós Parlamentares o dever de, na parte que nos cabe, que é legislar, dar uma resposta para essas questões. Se a medida provisória tramita, então que façamos uma emenda nela mantendo aquilo que tem que ser mantido.
Eu disse de forma muito clara quando cheguei aqui: eu não sou nem Lulinha nem Bolsonarinho; eu sou o Deputado Eli Borges, que vive o dever parlamentar da isenção. E nesse viés, não criticando nenhum dos Governos, porque acho que não vou somar muito com isso, tive sete mandatos no meu Estado e acabei descobrindo que esse debate genérico fica muito na mesa, e, como disse o meu querido irmão aqui, a fome continua vitimando pessoas a cada dia que passa.
O que nós precisamos fazer num torrão pátrio abençoadíssimo, com potencial hídrico, com terras férteis? Vamos para o verdadeiro combate. Por exemplo, eu não sei se procede — talvez vão dizer que o dado é outro —, mas um terço da comida produzida é desperdiçada. Isso é muito sério. Nós precisamos trabalhar isso. Vamos ver como fazemos.
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Eu não quero, Presidente, mas eu estou sendo tentado a entrar nesse debate da troca de metralhadora: o seu, o seu, o seu... Eu prefiro outro debate, o de um terceiro grupo que está aqui dizendo: "Como nós vamos achar uma saída para matar a fome de milhões de brasileiros?" O ontem ficou no ontem, mas deve vir ao debate para que não se repitam erros. E se este está cometendo erros, isso deve ser debatido. Mas, na máxima da minha visão parlamentar — e essa pode ser a minha contribuição —, eu sou de um terceiro grupo: o grupo da criatividade, o grupo que vai apresentar caminhos, alternativas.
E me dizia um Deputado: "Não adianta! Esta Casa aqui é rebelde. Você não vai conseguir com esse seu jeito". Eu digo: "Eu acho que vou". Nós fomos renovados em 48%. Talvez exista neste Parlamento, penso — fazendo um "chutômetro" — uns 300 Deputados que, se se unirem em torno de algumas pautas essenciais, vão mudar a história deste País. Eu quero estar nesse grupo, não no grupo da metralhadora, não no grupo que fica nos ataques de baixo calão, porque, enquanto isso estiver acontecendo, a fome continuará. Eu quero participar. Se me observarem no plenário, verão que fico caçando, tentando ver onde está esse tipo de Deputado que não quer fazer o debate baixo, mas que quer fazer o bom debate, o bom combate.
Matar a fome do brasileiro é um dever nosso. O que nós podemos fazer através da lei nós temos que fazer. Se o CONSEA é um caminho, ele tem que ficar. Se outros conselhos não deram respostas para a sociedade e esse deu — eu vou me aprofundar no tema —, que possamos fazer desse conselho uma perpetuação aqui.
Sr. Naidison, gostei muito da sua visão criativa. De repente, estava a turma da metralhadora fazendo o debate: "Aquele presta! Aquele não é bom! Aquele é pior! Aquele não!" E o senhor pensou num negócio por lá, que eu esqueci o nome — acho que é ASA, ou coisa assim —, e, de repente, disse que há mais de 1 milhão de nordestinos do Semiárido que têm água potável, ajudando a matar o problema da fome. Que coisa bonita! É nesse debate que o senhor fez aqui que o Deputado Eli Borges quer estar junto, um debate criativo, achando caminhos para, efetivamente, sairmos da retórica e, de fato, darmos resposta a quem está passando fome no Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Deputado Eli Borges. Faço o mesmo apelo em relação ao Solidariedade. Peço a V.Exa. que nos ajude junto à bancada para mostrar aos Deputados a importância do CONSEA.
O SR. ELI BORGES (SOLIDARIEDADE - TO) - Presidente, com a sua permissão, vou me retirar para outra Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - V.Exa. sai com a tarefa de trabalhar junto ao Solidariedade para nos ajudar a mostrar a importância do CONSEA.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Excelente.
(Intervenção fora do microfone.)
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O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Estava havendo audiência hoje. Em menos de 15 dias, ela estará aqui na Câmara. Precisamos desse voto no plenário da Câmara.
O SR. ELI BORGES (SOLIDARIEDADE - TO) - Quero pegar uma aula com o Sr. Naidison antes. Gostei muito da criatividade dele.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Excelente, mas as águas das cisternas de placas estão ameaçadas. V.Exa. sabe por quê? Há uma pesquisa que mostra que as águas da chuva estão contaminadas por agrotóxico. A evaporação do agrotóxico vai para as nuvens. Quando vão recolher a água... Isso é um absurdo.
O SR. ELI BORGES (SOLIDARIEDADE - TO) - Mas nisso nós estamos juntos também.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado.
Eu queria dar os parabéns à Comissão por esta iniciativa. É superimportante termos estes espaços, pois muitas portas estão sendo fechadas. A Comissão tem tratado desse tema de maneira muito constante. Estivemos aqui numa audiência no dia 10 deste mês, da qual participou a Ministra Damares, que havia dito que pelo menos os conselhos sob sua responsabilidade funcionariam. Mas 1 dia depois vimos um decreto do Presidente que revogou uma série de conselhos que estavam na Pasta de Damares.
Então, achamos superimportantes os espaços que a Comissão de Direitos Humanos tem aberto para debatermos a participação social do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e de outros conselhos também.
Fomos convidados para falar um pouco do impacto da extinção do CONSEA na garantia do direito humano à alimentação adequada. As falas que me antecederam já trouxeram alguns elementos, mas nós tentaremos complementar.
Primeiro, acho que é importante falar um pouco sobre o que é o direito humano à alimentação. Muita gente que está nesta sala discute e conhece muito esse tema, mas, como estamos falando também para outras pessoas que não estão aqui, é importante falarmos um pouco sobre o que é esse direito. De fato, a comida de verdade é fundamental para a nossa sobrevivência, mas também é importante para sermos o que somos ou para sermos o que queremos ser. É a partir de uma alimentação saudável, é a partir da nossa nutrição que conseguimos exercer outros direitos. Por isso esse é um direito de fato tão fundamental e reconhecido em diversos instrumentos internacionais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, já falava da alimentação como um componente importante para um padrão de vida adequado. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais faz menção ao direito que todo mundo tem de não passar fome e ao direito de acessar uma alimentação adequada e saudável. Esse pacto, que tem força de lei no Brasil — segundo o Supremo Tribunal Federal, os tratados de direitos humanos estão acima até da Constituição —, diz que é fundamental garantir, por exemplo, uma reforma dos regimes agrários para se garantir esse direito humano à alimentação. Isso vale como lei no Brasil. Existem todos esses instrumentos internacionais e nacionais que falam do direito humano à alimentação. Isso é muito importante, porque, como Elisabetta falou, o direito à alimentação não é só você superar a fome, mas de fato conseguir produzir, consumir, comercializar e aproveitar os alimentos de uma maneira sustentável e saudável.
No dia 27 de janeiro, a revista médica The Lancet lançou um informe sobre a existência de uma "sindemia" global. Ela associa a questão das mudanças climáticas com a obesidade e com a desnutrição e convoca uma governança global para conseguirmos superar esses problemas. Nós temos que organizar os sistemas alimentares, que hoje estão gerando disputa por terra, contaminação de águas, porque há desperdício de alimentos, uma vez que muitas dessas calorias que são produzidas não voltam para a alimentação humana. Com um sistema alimentar que é superimpactante para a saúde, para o meio ambiente, para a vida das pessoas, ainda não conseguimos superar a fome. Estamos gerando novos problemas, como obesidade, como sobrepeso.
Então, eles fazem uma convocação sobre a importância de se garantirem sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis.
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Esse diagnóstico coincide também com o que foi feito pelo relator da ONU em 2014, que fala que, de fato, se não conseguirmos sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis, não vamos garantir o direito humano à alimentação adequada. Isso impacta não só quem sofre com a fome, mas todo mundo. Toda a população brasileira se alimenta, toda a população mundial se alimenta. Precisamos cuidar dos sistemas alimentares se quisermos garantir a saúde do planeta, a saúde dos nossos corpos. Então, é muito importante estarmos atentos ao que significa falar do direito humano à alimentação adequada.
Em 2004 foram aprovadas as Diretrizes Voluntárias para o direito humano à alimentação adequada por mais de 150 países. Essas diretrizes trazem 19 estratégias para a garantia do direito humano à alimentação em todo o mundo. Quase todas as diretrizes falam da importância da participação para garantir esse direito. É importante que as pessoas que estão em diferentes contextos possam dizer o que acontece no seu contexto, o que acontece na sua vida, por que elas não acessam uma alimentação adequada e saudável, pois é ouvindo os titulares do direito que de fato vamos conseguir entender, criar e aperfeiçoar políticas públicas para a garantia desse direito.
No Brasil também temos o marco legal. O CONSEA foi fundamental para a criação desse marco legal no Brasil. Se hoje a alimentação é um direito social previsto expressamente na Constituição, é por causa do protagonismo e da atuação de liderança do CONSEA. Foi também por meio do CONSEA que se criou a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional — LOSAN, que define o que é esse direito e quais são as obrigações do Estado brasileiro para realizar esse direito. Então, temos hoje um marco legal tanto fora como dentro do Brasil a respeito do direito humano à alimentação adequada.
Mas, numa perspectiva crítica de direitos humanos, é claro que direito não se limita àquilo que está na lei. Sempre que falamos de um direito, é fundamental falar o que é esse direito, por que afirmamos ser ele um direito e para que é esse direito. E aí vem a primeira relevância do CONSEA, porque, em todos os debates — e muitas plenárias, muitos encontros, muitas conferências foram realizadas pelo CONSEA —, ele teve o papel de falar o que é o direito humano à alimentação, registrando que direito à alimentação não é só o que escrito na lei, mas é tudo aquilo que é necessário para nos alimentarmos de forma digna e saudável, é tudo que é necessário para produzirmos alimentos de maneira saudável, para comercializarmos, para termos uma política de abastecimento. Então, ele falou de uma maneira muito ampla sobre o que é o direito humano à alimentação e conseguiu que esse direito fosse incorporado em várias políticas públicas.
O CONSEA em muitos momentos falava por que era importante o direito humano à alimentação. De fato, as pessoas têm um acesso muito desigual em relação ao que é necessário para produzir alimentos, para consumir, para aproveitar os alimentos. O conselho denunciou quais grupos eram mais afetados pela insegurança alimentar.
Então, o CONSEA teve o papel importante de dizer por que é importante falar do direito humano à alimentação e para que ele serve. Por que falamos disso? Porque queremos políticas públicas que garantam sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis, porque não queremos mais que as pessoas sejam afetadas pela fome. Portanto, o CONSEA teve o papel importante de trazer o direito humano à alimentação como um paradigma. Nisso, questionou a forma dominante que temos hoje de produzir e consumir alimentos no Brasil, que teve um papel muito relevante.
Outra coisa que demonstra a relevância do CONSEA é o próprio histórico. Em 1993 foi a primeira vez que o CONSEA foi criado, pelo Governo Itamar, muito em razão de uma demanda da Ação da Cidadania contra a Fome e do Movimento pela Ética na Política. Ele teve uma duração curta, pois naquele momento o Governo era transitório, e a pauta também não tinha a centralidade que ganhou depois. Mas, já naquele momento, víamos a importância de discutir alimentação de uma maneira intersetorial, envolvendo vários Ministérios. Acho que já naquele momento foi possível ver a importância do CONSEA.
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Em 2003, o CONSEA volta, só que volta em outro momento político, volta com a segurança alimentar como uma pauta central. Quanto uma pauta ganha centralidade, isso significa que o Governo vai investir recurso, vai desenhar políticas públicas.
E ter o CONSEA como primeiro componente do sistema alimentar criado foi fundamental. Por quê? Porque o CONSEA interferiu na criação de todos os pilares do sistema de segurança alimentar e nutricional. Ele interferiu nas conferências, na própria Câmara Interministerial. Ele foi fundamental para pautar como esses componentes funcionariam.
A LOSAN, como a Deborah já falou, cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — SISAN. E o SISAN têm três princípios básicos, que vemos durante toda a LOSAN: a participação, a intersetorialidade e a necessidade de um pacto federativo para garantirmos o direito humano à alimentação adequada. A participação era alcançada pela conferência e pelo CONSEA, e a intersetorialidade, dentro do Governo, pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar, porque reunia vários Ministérios para tratar desse tema. O pacto federativo era alcançado através dos diferentes componentes do sistema, nos âmbitos nacional, estadual e municipal. Quando há uma extinção do CONSEA, atinge-se em cheio um dos componentes que era responsável pela participação, e foi o componente que gerou os outros do sistema alimentar que foi o CONSEA.
Qual é a relação do CONSEA com a conferência? Primeiro, o CONSEA surge de conferências, surge de um processo forte de participação popular. Temos uma demanda por um sistema de segurança alimentar em que o CONSEA faça parte na Conferência de Alimentação e Nutrição, em Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional. E o CONSEA organizava as Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional. Estávamos no processo de organização da 6ª conferência.
O CONSEA veio antes da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Então, o CONSEA pautou muito como essa câmara funcionaria. Isso foi muito importante para termos uma câmara forte no Governo nacional.
O CONSEA também teve um papel importante para que houvesse os outros componentes dos Estados e dos Municípios. E teve um papel fundamental para criar o marco institucional, esse de que falamos, e também o marco legal a respeito do direito humano à alimentação.
Por fim, uma das atribuições do CONSEA foi, de fato, criar o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que é um instrumento fundamental para a garantia do direito humano à alimentação adequada, porque com ele conseguimos entender quais ações do Governo estão ali para garantir o direito humano à alimentação adequada. Vários países do mundo afirmaram ser a alimentação um direito, mas, se há um consenso em que a alimentação é direito, nem sempre temos consenso sobre como garantir esse direito. Então, ter um plano dizendo que ações vão garantir o direito humano à alimentação é muito importante para a própria sociedade civil.
Acho que a fala do representante já deixa clara a importância que o CONSEA teve e como isso inspirou outros países do mundo. Em 2009, o relator para o Direito Humano à Alimentação da ONU veio ao Brasil. No item 14 do seu relatório, ele fez menção expressa à importância do CONSEA para que o Brasil atingisse resultados como redução da desnutrição infantil e redução da pobreza.
É muito importante saber que existem vários estudos que associam a importância do CONSEA aos resultados concretos que o Brasil alcançou. E, se de fato atingimos essa estrutura, estamos atingindo tudo que o Brasil criou para alcançar os resultados que teve com a Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Então, é claro que isso vai ter um impacto direto no direito humano à alimentação, especialmente no momento em que vemos um crescimento muito grande da extrema pobreza, da pobreza, em que vemos um processo de retirada de direitos muito acelerado.
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A nossa pauta aqui não é só uma pauta para o CONSEA ficar. Acho que o "Fica CONSEA!" representa muito mais do que isso. Acho que o "Fica CONSEA!" é um grito pela participação social, é uma denúncia do ato do Presidente da República de extinguir esse conselho e outros que garantem a participação direta da sociedade, é um grito para nós dizermos que não entendemos a participação social só como a fala dos Parlamentares que estão na Câmara e no Senado. A população também quer falar o que é o seu direito e como ele deve ser realizado. Então, eu acho que a pauta do "Fica CONSEA!" é bem ampla e significa isso.
E não queremos que fique um conselho que não garanta a participação efetiva da sociedade. Nós queremos de fato um conselho que escute. Eu acho que um dos elementos fortes do CONSEA era a sua composição diversa, como a Betta já colocou. Havia povos de comunidades tradicionais, povos indígenas, agricultores familiares, pesquisadores, nutricionistas, consumidores, organizações de direitos humanos. Essa diversidade era um ponto forte. Havia agentes públicos comprometidos de fato com outra forma de produzir e consumir alimentos e uma metodologia que garantia, por exemplo, que pessoas viessem e contassem o que estava acontecendo nas suas comunidades, nos seus Estados, nas suas cidades em relação ao direito humano à alimentação adequada.
Por fim, a extinção do CONSEA também não significa o fim da luta pelo direito humano à alimentação adequada. O CONSEA surgiu como resultado de uma luta. Ele é importante, sim, para que essa luta se fortaleça. Mas eu acredito que o fato de nós estarmos aqui já demonstra que a sociedade civil brasileira está disposta a continuar lutando pelo direito humano à alimentação. E nós continuamos expressando a importância que tem esse direito para as nossas vidas, para a vida de toda a população brasileira.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Márcio Jerry. PCdoB - MA) - Obrigado, Valéria Burity.
Eu queria agradecer muito a esta Mesa o convite para participar desta reunião, ao CONSEA e à Comissão de Direitos Humanos, e dizer por que eu fiz questão de estar aqui.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva entende que saúde não é simplesmente não estar doente, é muito mais que do isso. Saúde significa cidadania, qualidade de vida. É por isso que nós lutamos junto com todas as outras áreas que trabalham a saúde nessa perspectiva.
É triste, depois de alguns anos, como já foi bem colocado aqui, vendo o Brasil melhorando, o Brasil tirando pessoas da linha da pobreza, o Brasil com menos pessoas em insegurança alimentar, nós vermos o retorno de condições que até esperávamos que não fossem acontecer tão rápido.
De 2015 a 2016, a mortalidade infantil no Brasil voltou a crescer. Ela vinha caindo sustentadamente por anos e anos. Depois disso nós vimos a mortalidade infantil crescer. E o componente da mortalidade infantil no Brasil que está crescendo é o componente pós-neonatal, o que significa que as causas são associadas à pobreza. As crianças estão morrendo de diarreia, porque estão em condições de alimentação insegura, estão voltando para o Mapa da Fome. É muito triste perceber isso.
É por isso que eu, como Presidente da ABRASCO, fiz questão de estar aqui presente. Nós vimos fazendo um trabalho junto com os colegas da área de alimentação e nutrição há muito tempo.
Em 2008, foi criado o Grupo Temático da ABRASCO de Alimentação, Nutrição e Saúde Coletiva, e nesse grupo é interessante ver que nós temos uma associação direta com o Sistema Único de Saúde, porque o CONSEA é concebido nas esferas federal, estadual e municipal da mesma forma que o SUS é concebido. O CONSEA tem sua grande força, sua grande base no controle social, também como o SUS. Se não há controle social, nós não conseguimos avançar nas nossas políticas.
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O SUS vem sendo muito atacado, como vocês têm acompanhado. O SUS está sofrendo ataques contínuos nas suas políticas essenciais, fundamentais, como atenção básica, saúde mental, atenção à saúde indígena. Então, nós entendemos que, na realidade, se não nos unirmos, se não conseguirmos trabalhar conjuntamente o que são essas políticas e o avanço que nós conquistamos, nós podemos ficar realmente muito fragilizados.
Eu fico muito feliz de poder estar aqui com uma plateia cheia, mostrando que nós realmente reagimos. A ABRASCO está diretamente ligada a todos os acontecimentos e apoia esta causa totalmente.
Eu quero só lembrar algumas ações que foram feitas numa parceria entre a ABRASCO e os outros fóruns. Nós tivemos a construção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — SISAN, em que nós trabalhamos muito nos processos, mas também na continuidade. Nós tivemos a articulação com as ações do SUS, que trabalha em várias áreas, como vigilância sanitária e aleitamento, não só na assistência direta no serviço de saúde. Nós temos feito isso. Nós tivemos um trabalho importante de cooperação internacional principalmente com os países da África. Tivemos também a elaboração e revisão de políticas de alimentação e nutrição — chamamos atenção para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, em que tivemos uma participação importante. Tivemos também uma participação importante na forma de trabalhar a questão dos agrotóxicos. O Dossiê ABRASCO sobre Agrotóxicos, que eu acho que muitos conhecem aqui, foi lançado em 2012 e continua sendo uma referência. Foi um trabalho muito importante não só do GT de Alimentação e Nutrição da ABRASCO, mas também do GT de Promoção da Saúde, do GT de Saúde do Trabalhador, do GT de Vigilância Sanitária e do GT de Saúde e Ambiente. Também tivemos uma participação no Guia Alimentar.
Todas essas atuações que a ABRASCO vem tendo nessa área mostram que nós acreditamos que a saúde é um bem, é um direito e é uma conquista que não devemos perder. Por isso, nós fazemos questão de estar aqui. E eu diria o seguinte, como já falei em relação à mortalidade infantil: a austeridade mata, a fome mata. E mata primeiro quem? Os mais vulneráveis.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Agradeço à Sra. Gulnar Azevedo, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva — ABRASCO.
O SR. MÁRCIO JERRY (PCdoB - MA) - Obrigado, Deputado.
Eu quero cumprimentar a todos e todas presentes nesta importante audiência pública, que traz um tema de muito relevo. Concordo com absolutamente todas as exposições aqui feitas, preciosas, complementares nos seus conteúdos e reforçadoras da importância da política pública de segurança alimentar e nutricional e da imensa e indispensável importância do CONSEA.
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Eu queria cumprimentar aqui muito especialmente a Concita da Pindoba, Presidente do CONSEA do Maranhão, que está ali; e o Curtis Claudius — demorei a pegar a pronúncia correta do seu nome.
Mas eu queria cumprimentar e pedir licença a todos, porque é muito importante nestes momentos também recuperarmos o acúmulo da história. É inescapável sempre que nos lembremos do Betinho quando se trata de combate à fome. Quero lembrar outro grande brasileiro, que, como gestor público, como Presidente da República, deu atenção real e concreta para o tema: o Presidente Lula, que é preso político hoje em nosso País, em meio a esta absoluta anormalidade que há em nossa Pátria hoje.
(Palmas.)
Eu queria, dando seguimento, lembrar dois aspectos. Eu sou signatário na minha bancada do PCdoB de uma proposição, uma emenda modificativa, que visa exatamente a resgatar a existência do CONSEA, visa a suprimir o artigo que acaba com o CONSEA. Esse debate está em curso, e é importante e oportuno que esta audiência ocorra hoje, na mesma data em que a Comissão Especial da Medida Provisória nº 870, de 2019, fez mais uma reunião. Esse assunto, como disse o Deputado Padre João, está prestes a vir para a Câmara, e é importante que nós, então, tenhamos um movimento bem organizado, permanente, identifiquemos os Parlamentares que possam ser porta-vozes daquilo que aqui hoje foi dito, daquilo que hoje foi pronunciado. Eu me coloco à disposição, é óbvio, para isso, até como autor de uma das emendas modificativas, mas é preciso que façamos realmente uma pressão democrática muito forte na Comissão Especial e, depois, no plenário.
Este é um tema sensível, não é um tema que esteja hoje restrito apenas ao campo progressista, ao campo de esquerda. Há outros Parlamentares que têm sensibilidade para ele e que podem ser mobilizados a partir dos CONSEAS nos Estados, a partir das entidades, enfim, a partir de todo um movimento que pode ser feito para que nós possamos realmente reposicionar institucionalmente o papel importante e imprescindível que tem o CONSEA.
O Relator da MP 870, na qual consta esta questão que estamos aqui tratando, é o Senador Fernando Bezerra Coelho. O Presidente é o Deputado João Roma, do PRB da Bahia. Nós precisamos, até como consequência, Deputado Padre João, vocalizar o que aqui foi dito hoje não só no plenário da Câmara, mas até institucionalmente, formalmente, como Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, para que nós possamos dialogar com o Relator e com o Presidente e transmitir a eles não só os sentimentos que aqui colhemos mas as proposições que ali estão, no sentido de corrigir os erros graves que essa medida provisória comete, que não se relacionam só à questão da segurança alimentar.
Essa medida provisória visa exatamente a cumprir uma fala do Presidente da República no sentido de que ia se esforçar para acabar com tudo que aí está. Ele está se esforçando realmente para acabar com tudo que aí está, só que tudo que aí está não é construído por um partido político, por um Presidente da República, não é uma construção eventual de um período histórico; tudo que aí está decorre de conquistas fundamentais do povo brasileiro, daquilo que foi convergentemente construído na Constituição Cidadã de 1988.
Desse modo, nós precisamos nos empenhar muito para conter essa fúria de acabar com tudo que aí está. Em tudo que aí está tem muita coisa boa, tem muita coisa que é patrimônio do povo brasileiro, e não podemos realmente nos intimidar com essa onda do Estado brasileiro de destruição das políticas públicas e de agravamento do quadro social brasileiro.
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11:39
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Eu termino agora com uma lembrança sobre segurança alimentar e nutricional. Eu hoje tinha um debate com uma Deputada que é uma ardorosa defensora da reforma da Previdência do jeitinho que a PEC foi mandada aqui para o Congresso Nacional. Infelizmente, minutos antes da entrevista, soubemos que ela não iria comparecer. Eu estava ansioso, porque é absolutamente grave como essa proposta incide no agravamento do quadro social brasileiro.
São muito importantes esses debates frente a frente, tanto é que o pessoal foge deles. Faz debate na imprensa, grita no Plenário, mas, quando é colocado para fazer um debate mais claro, mais focado, cara a cara, tête-à-tête, o pessoal tem tido dificuldade em explicar esse pacote de maldades, que é péssimo para o povo brasileiro, incide sobre a questão da segurança alimentar e nutricional e afeta os mais pobres, os deficientes, os trabalhadores e trabalhadoras rurais, enfim, os setores sociais brasileiros que mais precisam da proteção da Previdência Social.
Então, estamos diante de um quadro que exige de todos nós muita coragem, muita determinação, muita esperança, muita força, muita fé e muita luta, com brilho nos olhos, com sorriso nos lábios, porque assim lutam aqueles que sabem que lutam pelo que é bom, pelo que é belo, pelo que é justo. É assim que estamos fazendo.
E louvo a iniciativa desta audiência pública, Deputado Padre João, porque é muito importante que nós possamos repercutir este debate aqui na Câmara e, além disso, dialogar com a Comissão Especial, levando para ela, como proposição da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, aquilo que temos aqui colhido como sugestões dos nossos painelistas e, certamente, daqueles que vão se pronunciar no debate que faremos agora.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Nós é que agradecemos, Deputado Márcio Jerry.
Agora nós vamos abrir espaço para falas de outros participantes — alguns, inclusive, foram formalmente indicados, como é o caso da Ana Flávia, da OAB de São Paulo —, porque, às vezes, nas suas falas, já podem trazer outra sugestão.
Conforme a provocação do Deputado Márcio Jerry, eu peço à assessoria da Comissão que pince a fala de cada um, aliás, de cada uma aqui da Mesa, para encaminharmos para o Relator e o Presidente formalmente, pela Comissão de Direitos Humanos. Que nesta semana consigamos encaminhar para o Relator e para o Presidente também o estudo da Procuradoria Federal.
Acho que é muito importante a fala da FAO — não estou desprestigiando as demais —, que coloca, além dessa questão nacional, como o CONSEA foi importante para outras nações também. Isso foi mencionado também nas outras falas, mas acho importante pinçar, de maneira objetiva, para que chegue ao Relator e ao Presidente.
Podemos até, Deputado Márcio Jerry, entregar e...
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11:43
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Vamos mandar de maneira institucional, mas também entregar pessoalmente, para argumentar, etc., ao Presidente e ao Relator, o que é fundamental, talvez destacando a presença em audiência pública dos Presidentes dos CONSEAs estaduais e dos Conselhos de Nutrição.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - E da sociedade civil. Por isso acho que as presenças são importantes. Elas dão capilaridade também, ou seja, é o Brasil que está reunido aqui, é o Brasil que está aqui fazendo esse apelo.
Não sou advogada. Eu estou aqui representando a Comissão de Direitos Humanos da OAB São Paulo porque é uma novidade o fato de a comissão ter agora um núcleo de direitos humanos e alimentação. Isso demonstra a importância desse tema, que está ganhando todos os aspectos, todas essas instâncias jurídicas. Eu fiquei muito honrada por estar hoje como Presidente da Comissão Gestora de Implementação da Lei de Orgânicos na Alimentação Escolar do Município de São Paulo.
Eu quero aqui dar um testemunho da importância do CONSEA na construção de uma política que prevê que, até 2026, 100% de 2 milhões e 200 mil refeições servidas por dia no Município de São Paulo vão ser 100% orgânicas. Isso não é um sonho, porque todas as propostas que são construídas com a participação da sociedade civil, junto com o Legislativo e junto com o Executivo... Esse é o caso dessa lei de São Paulo, que foi uma construção suprapartidária e mostrou exatamente a visão e a dimensão desse tema, que diz respeito a uma política de Estado, e não a uma política de governo. Isso dá condições de termos esperança de que isso é possível. Os governos estão passando, já houve uma transição de governo, e conseguimos que, mesmo no atual Governo, se cumprissem 91% da meta de compra de orgânicos no ano passado — então, é uma meta progressiva.
Quero registrar que tenho esperança e sou favorável ao que o ex-Ministro Patrus falou sobre conquistarmos corações e mentes, porque eu não acredito que um ser humano não queira ter promoção de saúde quando se depara com todo o impacto que isso tem, quando tem consciência do que a alimentação faz e que responsabilidade ela tem sobre a nossa saúde. Só o ser humano, de todo o mundo animal, não tem consciência do que realmente alimenta, do que realmente nutre o corpo. Todos os outros animais sabem o que é importante para se alimentar e nutrir. O ser humano já perdeu essa condição.
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11:47
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Eu quero dizer da importância do CONSEA no aprendizado que se teve nessa articulação. Em São Paulo temos uma articulação com o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional — COMUSAN, que é importantíssima junto à comissão da lei dos orgânicos, mais o Conselho Estadual de Alimentação Escolar e o Conselho de Representantes de Conselhos de Escolas — CRECE, para continuarmos mantendo essa política.
Quero parabenizá-los por este evento, que é importante para sairmos daqui tentando manter o que ainda está posto nos Municípios e Estados. A realidade é tão importante que, mesmo nacionalmente se tentando extinguir o CONSEA, não se conseguiu fazer isso nos Municípios e Estados, o que mostra, como também se comprova pela presença dos que estão aqui, a importância desse conselho para a sociedade. Acho que temos que sair daqui com uma estratégia para fortalecer Municípios e Estados também, para que isso não se esvazie. Deixo isso como uma proposta.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Ana Flávia.
A SRA. CONCITA DA PINDOBA - Bom dia a todos e todas. Já fui apresentada. Estou ocupando o cargo de Presidente do CONSEA Maranhão. Eu quero saudar a Mesa e parabenizar o Deputado Padre João pela iniciativa e a Betta, nossa eterna Presidente do CONSEA Nacional.
Eu trago aqui, na verdade, algumas inquietações — são mais isso, inquietações — sobre o direito humano à alimentação adequada. Nós sabemos que esse é um direito garantido na Constituição Federal, mas hoje, neste momento, não temos mais nenhum canal de diálogo para que haja a mesma consecução do direito humano à alimentação adequada.
Nós estamos nos preparando para realizar a VI Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Maranhão — VI CESAN. Outros Estados também realizarão as suas conferências, e, obviamente, também estamos nos preparando para a etapa nacional. Há um fundamento, há uma inquietação nos Municípios. Sempre que há conferência, nós saímos do evento com proposições: as diretrizes prioritárias da política de segurança alimentar. Nós iremos mandá-las mais especificamente para o Estado do Maranhão, mas quem vai analisá-las em âmbito nacional? Para quem serão enviadas? Quem irá pautar essa agenda? Nós no CONSEA Maranhão recebemos todos os dias questionamentos como este: "D. Concita, então não vai ter proposição para a etapa nacional?" Nós só vamos pautar isso para o nosso Estado?" O nosso Estado já está se desdobrando para efetivar o direito humano à alimentação adequada, apesar de que nós ainda temos um número imenso de pessoas em situação de insegurança alimentar.
Eu vejo que a Comissão Mista e todos os Parlamentares... Nós convidamos os 18 Deputados do Maranhão para estar aqui conosco hoje — queremos agradecer a presença do Deputado Márcio Jerry, do PCdoB —, para que também pudéssemos fazer uma sensibilização a partir da nossa base, a partir da nossa casa, como diz o nosso povo no Maranhão. Nós queremos sensibilizá-los para que haja não apenas leitura de emendas, mas também a aprovação do retorno do CONSEA Nacional. Nós queremos que haja compromisso. Nós não queremos votos vendidos ou comprados, queremos votos de consciência, para que seja revista a revogação dos incisos II e III da Lei nº 11.946, que extingue o CONSEA Nacional e seus objetivos e funções. Então, temos mais essa preocupação.
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11:51
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Nós vamos fazer as conferências — isso é fato. O Governador do Maranhão inclusive já convocou a VI CESAN para os dias 13, 14 e 15 de agosto. Mas há esta grande inquietação, esta grande preocupação: como vamos garantir o direito humano à alimentação adequada se nós não temos mais essa pauta? Nós não temos a quem recomendar, nem temos de quem receber informações acerca disso, uma vez que o canal de diálogos com os Estados é o CONSEA Nacional.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Nós é que agradecemos, Concita, do CONSEA do Maranhão.
O SR. ANDRÉ LUZZI - Bom dia aos senhores presentes e àqueles que nos acompanham pela Internet. Eu sou André Luzzi, da Ação da Cidadania, do Instituto Pólis e do Banquetaço.
O Naidison tinha falado que, na região deles, para os ricos, há políticas e, para os pobres, há projetos. Mas, no meu Estado, São Paulo, que não é diferente dos outros Estados, para os ricos, há políticas e, para os pobres, há polícia. E há um grande movimento de criminalização de quem luta por seus direitos. Se nós vimos aqui falar em combate à fome, somos até recebidos, mas, se o MST, os povos indígenas vão às ruas, eles são criminalizados. A força policial é a resposta que o Governo dá quando se restringem os direitos sociais.
O Deputado tinha comentado que bloquear a participação social, com o fim do CONSEA e o esvaziamento das políticas públicas, era um ato criminoso. E, de fato, nós temos que olhar essa atitude do Governo Bolsonaro, que teve início no Governo Temer, como um crime de lesa-humanidade, sim, ou por omissão ou por ação direta. Eles estão contribuindo para a morte de centenas de milhares de pessoas. E, se considerarmos os pressupostos da Convenção de Viena e, na nossa região, do Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, observaremos que vários desses pressupostos estão sendo violados, como o não retrocesso das políticas em matéria de direitos humanos, que é matéria desta Casa, e a não descontinuidade dos serviços públicos, dos programas e das políticas.
Há também uma compreensão importante desses instrumentos, que é o da conexão e interdependência entre os direitos. Neste corredor aqui hoje há um conjunto de pautas, todas relacionadas com os nossos direitos. E as violações são sistemáticas, reiteradas. Nós falamos isso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos quando as relatorias vieram no ano passado. E agora nós temos que voltar a conversar com a relatoria da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, porque nós aprendemos, em vários cursos do CONSEA, da ABRANDH, com a Marília, com o Flavio Valente, que o direito humano à alimentação tem seus mecanismos de exigibilidade.
Se perdermos o CONSEA, nós estaremos fadados a não ter nenhuma instância que possa representar e tutelar os direitos desses nossos sujeitos de direitos. Como um governo em âmbito local vai respeitar um conjunto de uma população se no âmbito federal isso não é respeitado?
Então, nós temos que nos organizar, a partir desta audiência, para insistir na revisão da medida provisória. Se não tivermos escutas, se isso não for acolhido, nós temos que ir ao STF. E, se ainda houver dificuldades nas instâncias de preservação da nossa Constituição, nós precisamos, sim, olhar para as cortes internacionais e preservar esses nossos direitos.
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11:55
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O SR. PRESIDENTE (Márcio Jerry. PCdoB - MA) - Obrigado.
Todos devem se lembrar da primeira ação do Luiz Inácio Lula da Silva, o Fome Zero, e da primeira ação desse cidadão que diz que é governo — eu não chamo isso de governo —, que foi facilitar a posse de arma e acabar com o conselho.
Eu também sou educador cultural em escola pública, onde crianças viram para mim e falam: "Tio Baiano, eu estou indo embora hoje e só volto na segunda. Eu vou ficar com fome até segunda". Essa é a realidade deste País.
No movimento Hip Hop, a gente bate sem dizer a cara. E esse Governo não está praticando um crime só, não; ele está praticando latrocínio. A partir do momento em que ele rouba o direito de comer do cidadão que está lá na periferia, lá no campo, ele está matando e está roubando esse direito que esse cidadão tem. O CONSEA é a única arma que nós da periferia temos, que nós que estamos lá embaixo na sociedade temos.
Então, eu quero saber o que está passando na cabeça desses Ministros e de alguns Deputados deste Brasil. Que pena que o Deputado do Tocantins foi embora, porque ele não sabe que uma criança chora diante da última refeição que tem na sexta-feira, porque ela só voltará a comer na segunda-feira. Vocês sabem que o lanche que vai para uma escola pública é de 37 centavos, enquanto — desculpem-me, Srs. Deputados — os seus paletós custam muito mais do que isso.
Eu fui ao Maranhão, Deputado, fazer campanha para o Flávio Dino e, quando cheguei a uma cidade lá, uma senhora virou para mim e falou: "Meu filho, sente aqui. Eu vou te contar uma coisa". Eu disse: "Pode contar, minha senhora". Ela disse: "Você sabia que a gente aqui já comeu cacto e que, quando o Governo Lula chegou, a gente pôde passar a comer arroz e feijão?" E o que este Governo está fazendo? Ele quer que paguemos a conta do acordo que ele fez com o agronegócio. Qual foi a primeira ação dele para o agronegócio? Perdoar a dívida do agronegócio. Mas por cima de nós ele quer passar o rodo, quer passar o trator. Enquanto ele tem acordo com quem distribui veneno, nós distribuímos paz e amor. Nós não queremos veneno para as nossas crianças e para a nossa população.
O SR. PRESIDENTE (Márcio Jerry. PCdoB - MA) - Passamos a palavra ao Edgard Moura, dos Agentes de Pastoral Negros.
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11:59
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Eu acho que a Betta explicou bem o que é o CONSEA e o que ele representa para cada um dos conselheiros, para cada um dos Estados e Municípios, acho que para cada um da população do Brasil. Mas eu queria reforçar que a permanência do CONSEA também vem, como já foi falado aqui, da participação, do controle social. O CONSEA tem uma estrutura — e essa configuração passou também para os Municípios e Estados — que coloca essa diversidade para discutir e debater junto com o Governo.
Nós falamos da terra, do território, e a Deborah Duprat é uma pessoa que conhece muito o tema, o direito à terra, a questão quilombola, as comunidades tradicionais. Discutir terra também é discutir comida. Terra não é um espaço de negócio; é um espaço de cultura, de tradição, de combate à fome.
No CONSEA havia diversidade. Hoje existem mais de 30 segmentos no Brasil: os quilombolas, as quebradeiras de coco, os pescadores artesanais, os ribeirinhos e tantos outros. Dentro do CONSEA, nós tínhamos uma comissão que discutia isso junto com todos eles. Então, a conferência trazia a voz de todos esses segmentos. Quando discutimos comida no campo e na cidade e conseguimos, com toda essa diversidade do Brasil, fazer que todos tenham voz, isso é participação, isso é controle social, que vai descendo do âmbito nacional para o estadual e municipal. A importância do CONSEA vem daí.
Não podemos nos esquecer do Programa de Aquisição de Alimentos — PAA, que é um sucesso no Brasil e, posso dizer, no mundo, porque até a FAO reconheceu que o PAA é bom, assim como alguns países do continente africano e também o México, a Bolívia e outros. Nós percebemos que conseguimos discutir um programa de alimentação reconhecido fora do Brasil. Então, não podemos deixar de falar da importância do que foi o PAA e do que ele é hoje.
Eu acho que a Comissão tem que fazer uma linha do tempo, analisar o que nós tínhamos até 31 de dezembro e o que nós temos hoje e ver como monitorar isso. Como está a política de segurança alimentar de janeiro para cá? Por que não há uma fala do Governo, do Ministro Terra, do Secretário Nacional de Segurança Alimentar? Alguma coisa está errada. Eu acho que a Comissão tem que avançar nisso.
Outra coisa, Deputado: nós estamos cansados de olhar para as comunidades tradicionais, para a população negra, que é 52% da população do Brasil, e ver que elas só aparecem nos índices de extrema pobreza. Por que só aparecemos nos índices de insegurança alimentar? Voltamos para o Mapa da Fome. A FAO soltou um relatório dizendo que via as comunidades tradicionais e a população negra voltando para o Mapa da Fome. Então, os mais vulneráveis estão voltando para esse mapa, e a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida também apresenta isso.
Então, fica aqui o registro de por que nós queremos o CONSEA. Com tanto debate sobre a terra, por que há essa intolerância com as comunidades indígenas, as comunidades tradicionais, as comunidades de matriz africana? Por que há essa falta de acesso a políticas que garantam a comida? A violência também passa por isso. A violência tem tudo a ver com a fome. A cada 15 minutos, pelo menos cinco jovens negros são assassinados. "Ah, mas é lá na periferia!" Há coisa boa na periferia, mas também há pobreza na periferia, e é lá que está o genocídio, é lá que está a questão da fome. Se aumenta a fome, aumenta a fome nos pontos mais vulneráveis, na periferia. Seja qual for a região do Brasil, é nas periferias que isso vai acontecer. Então, quando falamos da fome, nós temos que olhar para o todo, não podemos ficar só nisto aqui.
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12:03
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Eu vou gastar o resto do meu tempo lendo um poema de autoria de um professor do Rio de Janeiro, um poema que fala sobre o que representa o Baobá para o africano. Na verdade, na época da escravatura, antes de os homens virem aos países para serem escravizados, davam voltas ao redor da árvore chamada Baobá, para tentarem esquecer de tudo. Eu vejo que o novo Governo quer que nós nos esqueçamos das coisas boas que havia, mas nós vamos fazer caminho inverso: vamos dar voltas ao contrário, ao redor dessa árvore, para mostrar que estamos vivos e na resistência.
O poema foi feito pelo Prof. Cléber Menezes, da Universidade do Rio de Janeiro — UERJ, e intitula-se Banzo. Banzo significa estado da alma. Esse é o estado em que estamos hoje na resistência, esse é o banzo. E como estamos hoje?
Ele fez este poema sobre alguns que voltaram para a resistência e sobre alguns outros que voltaram para Benin, após a morte.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Sr. Edgar.
Estou muito feliz por estar aqui hoje e poder falar um pouco sobre por que estamos aqui, a favor do CONSEA. O CONSEA é um espaço de fala, um espaço em que a sociedade pode se colocar. E falo como representante de vários espaços da sociedade.
Falo, inicialmente, enquanto nutricionista que sou, de formação. Estou representando o Conselho Federal de Nutricionistas — CFN hoje, nesta reunião, mas falo pelos nutricionistas como um todo. Somos 131.737 nutricionistas neste País, lutando e pensando em alimentação desde o dia em que decidimos fazer o curso. Precisamos de políticas de nutrição e alimentação fortes, para que, enquanto profissionais, possamos trabalhar por esse direito, junto com a população.
Fico muito feliz por ver hoje aqui todos os Presidentes dos Conselhos Regionais de Nutrição. A Nutrição está presente, o nutricionista está presente. E estamos aqui para dizer isto: nós queremos políticas de alimentação e nutrição. Parabéns a todos os regionais presentes! Os que não estão aqui, estão representados.
Mas o meu local de fala é também o Semiárido. Naidson, eu sou Professora da Universidade Federal de Campina Grande, do campus Cuité, que é um campus de expansão, fruto de uma política pública muito importante para hoje eu ser uma nutricionista, apesar de filho de agricultor e de empregada doméstica. E consegui essa formação porque hoje temos um campus de uma universidade federal instalada em uma cidade de 19 mil habitantes.
Hoje, temos nutricionistas de várias cores, de várias classes sociais, porque essa política de inclusão permitiu isso.
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12:07
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Portanto, eu falo desse espaço de uma cidade onde há 5 anos não tem água na torneira. Lá não tem pé de manga. E, se tivesse, não seria suficiente para matar a fome das pessoas que moram naquele lugar. Trabalhamos com crianças que também precisam se alimentar, para as quais, muitas vezes, a única fonte de alimento ainda é, sim, a alimentação escolar, que muitas vezes é roubada dos Municípios e da gestão local.
Assim, o meu segundo lugar de fala é como cidadã, como professora de universidade, que é um espaço que também tem sofrido muito. A universidade é espaço, é campo de produção de conhecimento. Nós estamos lá para falar sobre ciência e sobre vida. Eu costumo dizer aos meus alunos que, antes de formarmos nutricionistas, estamos formando cidadãos e seres humanos. E não é possível que ser humano não tenha solidariedade para com o outro que passa fome.
O CONSEA é esse espaço. Eu sou Conselheira Estadual do CONSEA da Paraíba e também falo em nome do órgão. O CONSEA da Paraíba permanece em funcionamento, garantido pelo Governo Estadual, mas sem o CONSEA Nacional não conseguimos fazer a coisa acontecer. Precisamos da instância nacional para conquistar os espaços e para tentar resgatar o que já perdemos. Obtivemos conquistas, e as perdemos. Mas eu queria dizer que estamos vivos. A população está viva, a sociedade civil está viva. E é por isso que o CONSEA é tão importante, porque é lá o nosso grande espaço de voz.
Para finalizar, eu queria dar uma resposta ao Deputado do Tocantins, que não mais está aqui. Peço que chegue ao Deputado a seguinte fala: o Brasil não precisa de mais criatividade, porque já temos criatividade demais. O Nordeste é criativo demais! Sobrevivemos todos os dias com muita criatividade, com muita força e muita garra. Precisamos de política pública, precisamos do CONSEA, precisamos dos Conselhos.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Sra. Vanille.
Queremos cumprimentar todos os presentes. Cumprimentamos a Mesa pela promoção deste evento, assim como as entidades, instituições e órgãos que se fazem presentes.
Queremos também anunciar que o Estado de Goiás, além de estar presente com uma comitiva formada pela Presidente e Conselheiros do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Goiás — CONESAN-GO, pelos Conselheiros do CONSEA de Goiânia e do Conselho de Alimentação Escolar — CAE Estadual, pelos membros do Banquetaço Goiás, faz-se representar também por outras entidades, instituições e órgãos intersetoriais que trabalham com a questão da segurança alimentar e nutricional.
Promovemos em Goiás, no dia 27 de fevereiro, audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, na qual discutimos todas essas questões sobre o direito à alimentação adequada, a questão do combate à fome no Brasil e a questão do agrotóxico, que hoje ganha muito espaço, via questões legislativas. Além disso, promovemos uma passeata pelo Centro.
Acho que só os gabinetes não ganham os corações e mentes. Por isso, também fizemos as passeatas pelo Centro da cidade de Goiânia nesse mesmo dia, com um abaixo-assinado, para o qual colhemos 1.500 assinaturas. Também realizamos o Banquetaço, quando servimos alimentação para 1.500 pessoas, transeuntes, trabalhadores, pessoas em situação de risco que se encontravam ali no Centro da cidade de Goiânia, no Estado de Goiás.
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O CONSEA não tem um fim em si mesmo. Nenhum conselho onde 10, 20, 30 ou 50 pessoas pensem de igual modo não tem necessariamente que existir. Ele não existe como um fim em si mesmo, existe com um propósito maior. Tanto é assim, que a história conta o que vocês fizeram.
Na realidade, eu sou educador da rede pública de ensino de Goiânia, do ensino fundamental, mas vivemos ali, no dia a dia, como bem disse o baiano, a realidade concreta de nossas crianças e de nossas comunidades. Se não existisse o Programa Nacional de Alimentação Escolar e a complementação dos Estados e Municípios, essas crianças, esses adolescentes, esses jovens e os adultos do EJA estariam em pior situação. Se não existisse nessa construção histórica a criação de um sistema nacional de segurança alimentar e nutricional, se não existe um plano nacional, o PNSAN, se não existissem as conferências que ouvem todos os setores, toda a sociedade — instituições, órgãos e governos — para construir as políticas necessárias e fundamentais para o desenvolvimento do País, na realidade, não fosse tudo isso, a existência do CONSEA não teria sentido.
E aqui se contradiz, infelizmente, um dos Deputados, quando propõe uma terceira via: "Não radicalizemos. Não vamos brigar, xingar ou chutar o balde, por conta das coisas". Não é isso, Deputado. O que nós exigimos e pedimos aos Deputados, representantes desta Nação e do povo brasileiro, é que, primeiro, tenham conhecimento dessas histórias; segundo, que as experiências exitosas sejam registradas nos Anais desta Casa, para que não se fale besteira, para que não se diga que é radicalização quando se combate a fome.
E nós não estamos tratando aqui de programas, não estamos tratando aqui de políticas pontuais: nós estamos tratando de políticas de Estado, não de um ou outro Governo. E temos que destacar, sim — e eu não sou petista —, que foi em uma determinada era que determinadas políticas foram enfrentadas, e enfrentadas de forma adequada, ouvindo-se toda a sociedade nos seus anseios e nas suas necessidades concretas, porque a fome é uma necessidade concreta. O agrotóxico nas lavouras, seja na agricultura familiar, seja nos grandes empreendimentos, é uma realidade concreta na mesa de cada brasileiro. Portanto, compete aos nossos representantes parlamentares que ouçam essa sociedade.
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12:15
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Ladislau Dowbor e outro também exímio Conselheiro, pensador da UnB, cujo nome me foge neste momento, dizem: "Não existe razão para a existência de um conselho em que 10, 20, 50 cabeças pensam igual". A diversidade está assegurada nesse processo justamente para que o conjunto da sociedade e cada um de nós, beneficiários e executores dessas políticas, possamos ter ações concretas no combate a essas mazelas que pairam no País. Infelizmente, o Brasil volta a este Mapa da Fome.
Eu gostaria apenas de reforçar e de reafirmar, para concluir a minha fala, que é nas ruas que nós vamos ganhar essas mentes e corações. Os gabinetes não vão nos trazer os resultados necessários. Exemplo disso é que precisamos que a sociedade se manifeste agora de forma direta, e não representativa, através dos abaixo-assinados, através da participação nas escolas, com estas e outras discussões. É preciso que todos nós e cada um de nós possamos ir, in loco, nas suas comunidades locais e colocar a sociedade consciente de tudo isso que está acontecendo na atualidade, o que está em jogo, o que se perde e o que se ganha.
É necessário que os Parlamentares compreendam que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - CONSEA foi um grande avanço histórico. Essas lutas e essas políticas são conquistas da sociedade, não são concessões. Goiás continua colocando-se à disposição e começa a organizar suas conferências de âmbito municipal. Começa principalmente pela capital Goiânia e logo realiza, no segundo semestre, a Conferência Estadual, para participarmos da Conferência Nacional e concluirmos esses avanços, para que essas lutas se façam presentes.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Agradecemos ao Sr. Jorge Ricardo.
Acho que precisamos contextualizar alguns temas com os quais o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — CONSEA trabalhava muito fortemente. Acredito que esta tenha sido uma das razões por que ele foi um dos primeiros a ser riscado, tanto do papel que tinha como assessor da Presidente da República, quanto na discussão, no acompanhamento, na implementação das políticas fundamentais para a garantia da nossa vida.
O CONSEA trazia à nossa discussão a questão da água, que vemos ser ameaçada pela MP 868, com a privatização. Nós temos de apontar isso aqui, porque esta era uma das lutas dentro do CONSEA. O Conselho foi extinto porque defendia o direito dos povos originários da terra, a preservação da nossa riqueza socioambiental e a demarcação de terras. O CONSEA representava isso muito fortemente. E acho que também discutia todas as questões ligadas à conservação e ao cuidado do meio ambiente, porque sem isso não temos produção nem comida saudável. É importante lembrarmos que estamos vinculados a todas essas lutas. Participamos ativamente do Fórum Alternativo Mundial da Água, e temos participado das discussões em São Paulo.
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12:19
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O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Nós é que agradecemos.
Quero agradecer a toda a bancada a permissão de falarmos aqui e, de alguma forma, conseguir sensibilizar tanto os nossos representantes, Deputado Federais e Senadores, como também a população, em geral, que está nos escutando.
O nosso sindicato hoje está falando junto com a Presidência do nosso CONSEA, o CONSEA estadual de São Paulo. A Sra. Shirley está aqui ao meu lado.
O nosso sindicato tem uma história. Nós conseguimos criar em São Paulo o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional — COMUSAN. Hoje, o sindicato tem duas vagas, uma de titular e uma de suplente, do CONSEA estadual. Nós estamos hoje muito preocupados com os destinos que o nosso País está seguindo, e não só em âmbito nacional. Não acontece somente aqui em Brasília, mas no Estado de São Paulo. Nós temos um Governo Estadual que também não está apoiando o CONSEA estadual.
A Presidente Shirley está aqui ao meu lado. Ela tem suado gotas de suor e de sangue para conseguir fazer reuniões das Comissões Regionais de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável — CRSANS pelo interior do Estado. Ela está participando dessas Comissões Regionais de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável e apoiando-as. Está pedindo também que os Conselheiros não esmoreçam, que continuem se reunindo. Nós estamos também participando, com o apoio da Universidade Estadual Paulista — UNESP, que também nos tem ajudado e apoiado, com a Prof. Maria Rita, trazendo Conselheiros do interior do Estado. No Estado de São Paulo, por mais que tenhamos dificuldades, estamos lutando para não deixar que os nossos governantes acabem com os direitos que nós temos.
Eu gostaria de falar que nós, nutricionistas do Estado de São Paulo, temos feito um trabalho de divulgação e de conscientização da nossa categoria, porque a nossa categoria também é formadora de opinião. A presença de nutricionistas falando sobre o que significa o CONSEA é importante no convencimento da população, para que esta se apodere desse direito que está na nossa Constituição. Não podemos permitir que seja roubado pela vontade de alguma pessoa que não conheça a realidade da fome dos brasileiros.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Sr. Ernane. Infelizmente, em Minas Gerais não tem sido diferente. Temos um desafio enorme.
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Eu quero, inicialmente, agradecer ao Deputado Padre João a iniciativa desta audiência e parabenizá-lo.
Quero também parabenizar a Elisabetta Recine, que tão bem soube definir e defender o CONSEA Nacional. Todas as falas foram muito importantes.
Quero também deixar registrado, como bem definiu e concluiu o Sr. Jorge Ricardo, tudo o que tem sido feito em Goiás.
Eu não tenho, no momento, sugestões a fazer. O que faço é mais um desabafo, o de alguém que se sentiu ferida na sua caminhada de 12 anos no CONSEA Nacional, sendo quatro mandatos como Conselheira, e depois como Presidente do CONESAN, que é o CONSEA de Goiás.
O CONSEA Nacional é uma escola, foi uma escola de democracia, de diversidade, de diferentes culturas, de diferentes crenças e ideologias. Era uma prova de que os diferentes podem trabalhar juntos e construir muita coisa.
Nós fizemos uma política de SAN. Não ficamos no projeto, nós fizemos uma política. E eu nunca imaginei que essa política fosse destruída, de uma hora para outra, por uma canetada irresponsável e criminosa. Isso feriu, machucou, e eu tinha que me manifestar.
Eu peço muito a cada Parlamentar, a cada um de vocês, a cada entidade que lutem para salvar o CONSEA. A fome já está dominando novamente. Isso é um desrespeito! É uma luta difícil, porque agora, quando se fala em direitos humanos, parece que estamos falando uma palavra feia. Tanto o Governo como, infelizmente, parte da sociedade têm horror a direitos humanos. Portanto, é uma luta difícil. Mas peço aos Parlamentares, que são representantes do povo, desse povo sofrido, que já está sendo atingido por esse desrespeito às políticas de segurança alimentar e nutricional, e peço a cada um dos presentes que lutem pelo CONSEA e pela manutenção das políticas de SAN.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Nós é que agradecemos à Profa. Dulce Terezinha.
O SR. RAFAEL ARANTES - Certamente, Deputado Padre João. Agradeço a concessão da palavra. Fiz o apelo, na verdade, somente para deixar uma pergunta muito singela, para fazer essa fala e deixar o registro do apoio do IDEC. É uma pena que os Deputados já tenham se ausentado, mas acreditamos que os debates foram muito frutíferos e importantes.
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O IDEC, só para deixar o registro, é o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, uma organização não governamental que age com total independência e autonomia política e econômica. E nós nos garantimos assim por conta dos nossos mais de 7 mil associados.
Nós vimos aqui participar das discussões tanto do dia de ontem, como do dia de hoje, para registrar a importância desse Conselho. O IDEC é membro titular e foi conselheiro do CONSEA por mais de 5 anos, participando de forma muito altiva da construção e sugestão das políticas públicas. Só deixamos a nossa mensagem junto com a de todos os outros representantes e membros do CONSEA e também o nosso agradecimento a toda a Mesa, em especial à Elisabetta Recine, a Betta, pela condução do CONSEA nesses últimos tempos, com muito protagonismo.
Trazemos, mais uma vez, a preocupação com as discussões feitas no CONSEA em relação, especificamente, a temas mais amplos, não só ao combate e enfrentamento à fome, mas também ao atual panorama de sobrepeso e obesidade da população e à insustentabilidade dos sistemas alimentares que existem hoje, tanto no que diz respeito à não garantia de saúde, mas também às influências e repercussões negativas nas questões ambientais.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Rafael.
Então, com relação a encaminhamentos, eu entendo a fala até de indignação de alguns aqui quando dizem: "Ah, o gabinete do Deputado!" Na verdade, nós precisamos de voto e não podemos abrir mão de nenhum Deputado, do voto de nenhum deles. É importante fazermos essa gestão em cada Estado ou por partido, porque é o partido que orienta. Na hora da votação, lá no plenário principal, pergunta-se: "Como é que orienta o partido tal?" Ali existe uma orientação partidária. Então, fazer essa gestão é importante, o que faremos aqui com os Deputados que se manifestaram e junto também ao Relator e ao Presidente.
Mas cada um ou cada uma deve fazer o que puder nos seus Estados, seja por correio eletrônico, seja pessoalmente, seja lá na Assembleia Legislativa, provocando os Deputados Estaduais, provocando os Vereadores que são votados lá na região.
Eu acho que nós podemos disponibilizar, o mais rápido possível, uma síntese das falas daqui, como também o manifesto de ontem em relação à Frente Parlamentar, com o apelo aqui da Procuradoria. Isso nós vamos encaminhar para o Relator e para o Presidente pessoalmente e pelo correio, que é uma forma que também chega de imediato, porque a semana que vem é atípica por causa do feriado do dia 1º.
O SR. JEAN PIERRE - Deputado, só tenho uma sugestão: que se coloquem, também nos documentos que o senhor vai entregar, as cartas que foram manifestos da sociedade, dos CONSEAS estaduais.
Elas compõem um conjunto de manifestações da sociedade contra a extinção do CONSEA e, talvez, criem um peso para esse documento.
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O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Nós temos que ver aqui como está o acesso. Está no dossiê?
A SRA. MARÍLIA LEÃO - Tudo o que chegou para nós, já protocolamos para a Comissão. Inclusive, estou com mais material para levar hoje ao Relator. Agora, eu acho que o foco é encaminharmos tudo para a Comissão. A Betta vai dar algumas orientações, e nós vamos preparar o material para vocês apoiarem as suas manifestações.
Lembro que o Presidente da Comissão, o Deputado João Roma, é da Bahia, então, o CONSEA da Bahia é muito importante, a bancada da Bahia vai ser muito importante nesse processo. E o Relator é o Senador Fernando Bezerra Coelho, de Pernambuco, portanto, a bancada de Pernambuco é muito importante para influenciá-lo.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Se vocês tirassem uma moção da Comissão de Direitos Humanos de cada Assembleia Legislativa. seria muito importante também.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Mas já veio direto para a Marília?
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Você consegue? Hoje ou amanhã?
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Ótimo. Obrigado.
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A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Quero parabenizá-lo, Deputado Padre João, porque V.Exa. tem exercido seus mandatos com muito compromisso com a segurança alimentar.
A segurança alimentar diz respeito a muita coisa. Ela está muito associada a se eliminar a fome, mas diz respeito também à qualidade dos próprios alimentos, ao diálogo com os povos originários e a uma rede que precisa ser construída, sem a qual não temos segurança alimentar. Refiro-me a uma rede que envolve inclusive os povos tradicionais de matriz africana, os povos tradicionais indígenas deste País e que, portanto, carrega a diversidade e a riqueza que este País tem na construção e tessitura dessa política.
A segurança alimentar envolve também a discussão sobre territórios. E que territórios? Os nossos territórios serão cercados em grandes nacos de terras, para a produção de alimentos que, via de regra, são bastante fartos na utilização de agrotóxicos num país que está aumentando a utilização de agrotóxicos.
Portanto, segurança alimentar diz respeito a tudo isso, mas diz respeito também à necessidade de haver a desnaturalização da fome. Quando a violação de direitos é naturalizada, ela se entranha e vai sendo reproduzida do ponto de vista do imaginário, do simbólico de uma sociedade, e vai, então, consolidando as desigualdades, consolidando as cercas que cercam os sonhos e também as próprias terras.
Então, temos que entender que a naturalização da fome está em curso porque o Brasil que tem emanado do Palácio do Planalto é um Brasil que não considera o seu próprio povo e a sua própria diversidade; é um Brasil que tem construído fendas no Estado Democrático de Direito que não ficam delimitadas e vão se estendendo. São fendas em direitos, rasgos em direitos, que vão esgarçando o tecido do conjunto dos direitos, rasgos na democracia, que vão esgarçando o conjunto da democracia.
O CONSEA faz parte de uma política de segurança alimentar, assim como as conferências e os sistemas faz parte de uma política em prol de um direito absolutamente fundamental do povo brasileiro. Trata-se de um direito para o qual se trabalhou na perspectiva de consolidar e que teve um reconhecimento internacional que está sendo destruído, como estão sendo destruídas, inclusive, as políticas ambientais.
Penso que, se começarmos a achar que as feridas nas nossas democracias podem ser internalizadas e que podemos nos acostumar com elas nessa microfísica do poder, vamos ter um país onde não teremos o direito à fala, aos nossos próprios corpos e às nossas próprias vidas. Nós estamos vivenciando isso no ICMBIO, ondem em um ato explícito, houve três Presidentes em 10 dias.
E o que me surpreende é o seguinte: quem de nós acreditaria que eles fossem destruir o CONSEA assim, de forma tão simples? Quem de nós acreditaria que eles pudessem estar trabalhando para a destruição de uma política de segurança alimentar da qual o CONSEA é parte fundamental? Quem de nós acreditaria que eles pudessem dizer que a democracia tem um custo que é preciso eliminar, assim como é preciso destruir os conselhos, como estão fazendo?
Quem de nós acreditaria que eles iriam acabar com o Ministério do Trabalho? Quem de nós acreditaria que eles pudessem, de forma muito clara, dizer que os servidores e servidoras do ICMBIO podem ser fiscalizados porque não participaram de um ato para aplaudir o Ministro do Meio Ambiente?
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Então, o absurdo perdeu a modéstia, tirou os véus, desnudou-se e está na nossa frente enquanto absurdo. Nós não podemos pode ir nos acostumando com os ataques e com as fendas abertas, porque elas se alargam, e, a partir daí, estaremos nos acostumando e ignorando as demonstrações de autoritarismo, de políticas excludentes se consolidando e de políticas de silenciamento.
Eu diria que precisamos fazer um grande movimento. Por isso, queremos fazer, no próximo dia 30, Deputado Padre João, uma reunião com a participação de todos os conselhos.
O ataque ao CONSEA tem outro sentido, um sentido muito mais amplo do que simplesmente o do rompimento democrático. Trata-se do enfrentamento da política, como se dissessem: "Agora os tempos são outros!" As botas e baionetas, que eram metafóricas, agora, cada dia mais, ganham literalidade dentro de um obscurantismo que nega a própria ciência. Nunca poderíamos imaginar que tivéssemos uma afronta à ciência de forma tão contundente e violenta como estamos tendo, além de uma afronta também aos direitos.
No dia 30, queremos realizar uma reunião com os representantes de todos os conselhos, para que possamos fazer uma resistência à destruição do CONSEA. Entendemos — e concluo com isso — que ele consolida um feixe de direitos, um feixe de conquistas de dignidade do povo brasileiro que está sendo absolutamente destruído, que ele envolve enfrentamentos não apenas da fome, que não pode ser naturalizada, mas também ao nível de degradação da qualidade dos nossos alimentos, de ocupação da terra. Portanto, o movimento indígena tem relação com o CONSEA, assim como o movimento dos povos tradicionais de matriz africana. E é preciso que nós entendamos e construamos a dimensão de tudo isso.
Quero pedir desculpas por ter chegado somente agora, mas eu estava em outra discussão, sobre o atingimento, com recorte de gênero, das pessoas que foram vítimas das barragens ou de seu rompimento. E tem razão a Simone de Beauvoir — isso vale também para o CONSEA — quando dizia que, que se há crise moral, econômica e política que atinge o conjunto da população, ela atingirá mais as mulheres.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado, Deputada Erika Kokay.
A SRA. ELISABETTA RECINE - Primeiro, vamos às coisas práticas. Nós temos muito pouco tempo: se o calendário da Comissão Mista for seguido, o relatório vai ser apreciado na Comissão no dia 7 de maio, vai ser apresentado e apreciado entre os dias 6, 7 e 8 de maio, segundo falou o Relator.
Não é à toa que 12% das emendas para a medida provisória são relacionadas à volta do Conselho. Isso foi um trabalho de formiga, de dia a dia, feito pelos conselhos estaduais, pelos conselheiros nacionais, pelas organizações, pelos movimentos, pelas entidades, pelos coletivos e pelas pessoas que foram falar com os seus Senadores e Deputados Federais lá onde eles podem ganhar, mas também podem perder votos.
Foi por isso que nós tivemos 12% das emendas relacionadas à volta do CONSEA.
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Então, nós precisamos manter esse processo e voltar a falar com os Deputados que essas emendas precisam ser aprovadas. Nós precisamos mandar essas informações, mandar nossos pedidos, mandar nossa reivindicação direto para o Presidente, o Deputado João Roma, da Bahia, e para o Relator da Comissão Mista.
A Bahia é importante, mas o Brasil inteiro precisa se dirigir ao Deputado e, da mesma maneira, ao Senador Fernando Bezerra Coelho, que é o Relator. Essa é a nossa missão prioritária de agora até o começo de maio.
Há outra coisa. A partir do momento em que a Comissão encerra seus trabalhos, em paralelo, já precisamos começar a expandir o diálogo com todos os Deputados e Senadores com os quais temos contato direto, mas também começar com aqueles que não temos contatado. Estes são fundamentais, porque nós precisamos de maioria, nós precisamos ganhar a votação.
Então, é isso que precisamos fazer neste momento: falar com os Deputados, falar com os Senadores. Como destacamos ontem, no lançamento da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional, 202 Deputados e Senadores assinaram a instalação da Frente, os quais, portanto, precisam ser porta-vozes dessa aprovação.
Acho que todos nós nos vimos de maneira muito intensa desde ontem de manhã e encerramos por ora esse processo. Mas, por mais que tenhamos uma vivência nisso, certamente todos nós e todas nós aprendemos muito em todos esses momentos que compartilhamos. Ao ouvir a Deborah, o Naidison, a Valéria, a Gulnar, o atual representante da FAO no Brasil, eu fiquei pensando como, cada vez que voltamos a essa agenda, são acrescentados novos olhares, novas sabedorias, novos dizeres, novas formas de falar o que temos vivido, o que conquistamos e o que estamos perdendo. A fala de cada um e de cada uma aqui evidenciou o quanto esse processo é rico, o quanto esse processo é poderoso.
Apesar de a institucionalidade estar muito adversa, a vida real pulsa, e nós continuamos existindo. Esta é a maior e a melhor maneira de resistir: a existência viva, a existência que se renova, a existência que gera parcerias, colaboração e transformação. Nós somos prova disso; quem está lá no acampamento indígena é prova disso; os povos e comunidades tradicionais que vêm aqui são prova disso; os que estão lutando pela reparação do que aconteceu em Brumadinho são prova disso; este corredor, quando se enche de gente, quando se enche de Brasil, é prova disso.
Nós vamos continuar, seja de uma maneira ou de outra, com a nossa conferência popular, o nosso encontro popular, a nossa assembleia popular, seja lá o que for. Existem as conferências estaduais, as reuniões dos presidentes estaduais, dos conselhos estaduais, municipais, o banquetaço. Tudo existe. Não se fecha o livro, não se apaga a história, não se deixa a página em branco. Nós estamos aqui e nós vamos continuar.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. PT - MG) - Obrigado a todos, ao Naidison, à Valéria, à Gulnar, à Dra. Deborah, à Betta. A luta continua.
Então, agradeço também o sacrifício e a dedicação de cada uma e de cada um, dos que falaram e dos que, no silêncio, também nos acompanharam.
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